O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Investigado por: 2024-04-01

Irmãos Brazão tinham aliados à esquerda e à direita; entenda trajetória política dos acusados de mandar matar Marielle

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Depois da prisão dos irmãos Brazão, no dia 24 de março, acusados de serem os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, publicações nas redes sociais começaram a se espalhar associando a família Brazão ora ao PT, ora a Bolsonaro. O caso se tornou parte da disputa política nacional polarizada.

Conteúdo investigado: Um vídeo exibe uma sequência de personalidades perguntando quem mandou matar a vereadora Marielle Franco e atribui a essas pessoas a alcunha de “esquerdistas”. “Esquerdistas perguntando ‘quem mandou matar Marielle?’”, diz o trecho final do vídeo de 44 segundos, que abre com Flávio Dino e, depois, mostra Patrícia Lélis dizendo “foi o Bolsonaro. Na verdade, foi o Flávio Bolsonaro”. Em seguida, Reinaldo Azevedo, Anielle Franco e por último o presidente Lula (PT). O vídeo finaliza com a imagem de Domingos Brazão vestindo uma camisa estampada com a foto da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), sugerindo correlação entre o acusado de matar a vereadora e a esquerda.

Onde foi publicado: X.

Contextualizando: Diante da repercussão envolvendo a prisão dos supostos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol), as redes sociais foram tomadas por conteúdos que tentam jogar os Brazão, acusados de mandar matar a vereadora e o motorista Anderson Gomes, no colo do PT e de Jair Bolsonaro (PL). O caso se tornou parte da disputa política nacional polarizada, mas a trajetória dos irmãos Brazão indica que a família legislava em campo oposto ao da vereadora, representante do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Segundo a delação do ex-PM Ronnie Lessa, que levou à prisão dos irmãos, a votação de um projeto de lei na Câmara Municipal do Rio teria sido o estopim para que os Brazão resolvessem matar Marielle. O PL previa regularização de terrenos e construções irregulares nas zonas norte e oeste do Rio. “No mesmo sentido, apontam diversos indícios do envolvimento dos Brazão, em especial do Domingos, em atividades criminosas, incluindo as relacionadas com milícias e grilagem de terras. Por fim, ficou designada a divergência no campo político sobre questões de regularização fundiária e defesa do direito de moradia”, diz trecho do relatório da PF.

Os irmãos Brazão são políticos influentes e veteranos no Rio de Janeiro, com décadas de mandatos em casas legislativas. Antes de entrar para a política, eles eram donos de postos de combustível no Rio. Ambos se elegeram e se mantiveram em cargos públicos principalmente com votos conquistados no reduto eleitoral da família, em bairros como Gardênia Azul e Rio das Pedras, na zona oeste da cidade.

No relatório final da CPI das Milícias, de 2008, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), os irmãos são citados como políticos influentes nessas regiões. A influência se estende a várias instâncias de poder no estado. O nome do então deputado Domingos Brazão, do PMDB, aparece na seção “acusados de chefiar milícias” e “tendo feito campanha em Rio das Pedras”. Em outra página, Domingos Brazão (então deputado) e Chiquinho Brazão (então vereador) aparecem juntos como detentores de influência política em outros bairros dominados por grupos de milicianos – Campinho (comunidade do Fubá e Pedra Rachada) e Oswaldo Cruz.

A trajetória de Domingos Brazão

Domingos Brazão começou a carreira antes do irmão Chiquinho. Foi vereador, deputado estadual e atualmente é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ). Segundo sua biografia no site da Alerj, Brazão é filho caçula de imigrantes portugueses e nasceu em Jacarepaguá. O bairro é um dos maiores do Rio, com 653 mil habitantes, número maior que o de 99% das cidades do Brasil. Ele começou a carreira política em 1994, como suplente de vereador pelo Partido Liberal (PL), migrando posteriormente para o PTB e MDB. Em 1996, elegeu-se vereador.

Em 1998, candidatou-se a deputado estadual e foi eleito. Em 2000, foi candidato à prefeitura do Rio pelo PTdoB e ficou em 8º lugar. Em 2011, Domingos teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) por suposta compra de votos por meio do Centro de Ação Social Gente Solidária, ONG vinculada ao deputado e onde ocorreria prática de assistencialismo, de acordo com a acusação. Com liminar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele conseguiu manter o mandato. Quando era deputado, virou réu em processo por abuso de poder econômico e compra de votos. Chegou a ser afastado, mas voltou ao cargo depois de absolvição do Supremo Tribunal Federal (STF).

Domingos Brazão foi líder do PMDB na Alerj e frequentou a casa legislativa durante cinco mandatos consecutivos, até 2015, quando foi aprovado como conselheiro do TCE-RJ.

Para ocupar o cargo de conselheiro do TCE-RJ, Brazão foi eleito pela maioria dos seus pares na Alerj. O Tribunal de Contas é o órgão responsável pela fiscalização da aplicação dos recursos públicos feita pelo governo estadual. Dois anos depois, em 2017, foi preso pela Lava Jato, durante a Operação Quinto do Ouro, por corrupção. Ele foi acusado, junto com outros conselheiros, de receber propina de empresários que tinham contrato com o estado. Ficou na cadeia apenas uma semana.

A operação teve como base a delação premiada de Jonas Lopes, ex-presidente do TCE, e atingiu o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-presidente da Alerj Jorge Picciani. Brazão foi solto pelo STF, que permitiu a ele o retorno ao cargo de conselheiro no TCE. Domingos ficou afastado por seis anos. Ele retornou em outubro do ano passado, mas ainda responde ao processo, que ainda não foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesse período, recebeu salário de R$ 52 mil por mês.

Domingos Brazão tem uma carreira marcada por processos, investigações e inclusive outra acusação de assassinato. Ele admitiu ter matado uma pessoa. Em entrevista à TV Globo em junho de 2014, quando era deputado estadual, ele disse: “eu realmente matei uma pessoa há quase 30 anos porque atentou contra a minha vida e a da minha família. Mas a Justiça, à época, teve informações disso e o Tribunal de Justiça me absolveu”. As investigações apontaram que o homicídio teve relação com grilagem de terra, mas o então deputado não foi condenado. Ele também chegou a ser investigado por fazer parte de uma máfia de adulteração de combustíveis.

A trajetória de Chiquinho Brazão

João Francisco Inácio Brazão, o Chiquinho Brazão, foi eleito vereador pela primeira vez em 2004. Ficou na Câmara Municipal do Rio durante 14 anos, reeleito em 2008, 2012 e 2016, num total de quatro mandatos consecutivos. O parlamentar conviveu com Marielle Franco na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Em vídeo de setembro de 2017, o então vereador e agora deputado federal aparece ao lado da vereadora do Psol, que estava no primeiro mandato. Ele estava no quarto e último mandato na Câmara, na época pelo PMDB.

Em 2019, Chiquinho Brazão renunciou para assumir o cargo de deputado federal. Em sua biografia no site da Câmara dos Deputados, Brazão se define como empresário e informa que seu nível de escolaridade é até o ensino médio. Em fevereiro de 2024, pediu licença da Câmara para assumir o cargo de secretário especial de Ação Comunitária do município do Rio. Depois, reassumiu o posto na Câmara no início de fevereiro deste ano. Chiquinho pediu para sair da secretaria depois dos primeiros rumores sobre sua possível participação na morte de Marielle.

Ainda na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, em 2013, Chiquinho liderou a CPI dos Ônibus, cujo objetivo era investigar irregularidades no transporte público urbano. De acordo com uma reportagem do jornal O Globo, o relatório final ignorou um parecer técnico elaborado pela própria comissão, não citou desvios encontrados nas investigações e não propôs mudanças na legislação. A votação que aprovou o documento teve bate-boca entre os vereadores, segundo o jornal.

Nas eleições de 2018, Chiquinho Brazão conquistou uma cadeira na Câmara dos Deputados e foi reeleito em 2022. Em uma postagem em seu perfil do Instagram, no dia 27 de fevereiro de 2024, o deputado enfatiza o Projeto de Lei nº 146/2021, de sua autoria, que propõe a obrigatoriedade do uso de tornozeleiras eletrônicas por agressores de mulheres.

As relações políticas da família Brazão

A atuação dos Brazão na política não se restringe à ideologia de um único partido político. Domingos passou pelo PL, pelo PTB e pelo MDB. Chiquinho passou pelo MDB, pelo Avante e pelo União Brasil. Ele fez campanha para o ex-presidente Jair Bolsonaro na eleição de 2022. “Pelo bem do país, fizemos uma bela carreata de apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Percorremos diversas ruas de Jacarepaguá e bairros adjacentes, e por onde passamos não tinha outra manifestação a não ser ‘vamos com Bolsonaro'”, escreveu nas redes sociais.

Então filiado ao MDB, Domingos Brazão fez campanha pela reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2014, antes de se tornar conselheiro do TCE. Na época, posou em fotos ao lado do ex-deputado federal Eduardo Cunha em carreatas pelo Rio. Em um vídeo de 2014, Domingos aparece dizendo que Cunha era o melhor deputado federal do Brasil e defensor do estado do Rio de Janeiro.

A família Brazão hoje conta com outros dois integrantes na política e planeja lançar o quarto nome nas eleições municipais deste ano. Pedro Brazão (União) é deputado estadual no Rio e irmão de Domingos e Chiquinho. Para as eleições municipais deste ano, o filho de Domingos Brazão, Kaio Brazão, será um dos principais candidatos a vereador do Republicanos no Rio.

Em entrevista ao Metrópoles em janeiro deste ano, Domingos disse que “ninguém tirou mais proveito da morte da Marielle que o Psol” e que tem boa relação com políticos de diferentes partidos. “Não tenho relação nenhuma com o Marcelo Freixo (PT), mas acho que ele também não me via como inimigo”, diz. Na entrevista, Brazão cita também um almoço com André Ceciliano (PT) poucos meses antes.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A associação dos irmãos Brazão, em específico Domingos Brazão, com o PT e o crime organizado em peças de desinformação pode ser uma estratégia para manipular a opinião pública e gerar divisão política, contribuindo para a polarização diante de um assunto de grande repercussão. As acusações e a tentativa de culpabilizar a esquerda pelo assassinato de Marielle Franco podem ser interpretadas como parte de uma narrativa política mais ampla, visando a desacreditar adversários políticos e fortalecer determinadas agendas.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova fez contato com o autor da publicação mas até a última atualização desta reportagem não obteve resposta.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 28 de março, o post teve 5.176 visualizações no X.

Como verificamos: Primeiramente, pesquisamos na internet conteúdos sobre a vida política e os pormenores dos irmãos Brazão. Em seguida, nos debruçamos em entender a relação deles com o PT e com o bolsonarismo até chegarmos ao assassinato da vereadora Marielle Franco e os desdobramentos da investigação que apura a morte da parlamentar em março de 2018. Utilizamos principalmente informações de seus perfis oficiais em órgãos públicos.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Aos Fatos publicou este mês uma matéria explicando que desde 2018 publicações nas redes sociais usam a família Brazão para culpar a esquerda pela morte de Marielle, utilizando a trajetória dos Brazão para gerar desinformação. A imagem de Domingos Brazão usando uma camisa com a foto da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) vem sendo usada em discursos de polarização política e já foi checada por outros portais. Em novembro de 2019, a AFP publicou que é Domingos Brazão, e não o porteiro do condomínio onde o ex-presidente Jair Bolsonaro tem casa no Rio de Janeiro. A Reuters também publicou uma checagem mostrando que uma foto de Lula com Domingos Brazão, indicando Brazão como mandante da morte de Marielle, é montagem.

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Investigado por: 2024-03-28

Tratado da OMS não fere soberania dos países e busca melhorar resposta a pandemias

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O tratado da Organização Mundial da Saúde para situações pandêmicas foi proposto pela primeira vez em 2021 no momento em que o mundo vivia os efeitos da covid-19. As negociações entraram na nona rodada em março deste ano e há previsão de votação do texto em maio, apesar de os países-membros não mostrarem consenso sobre diversos pontos. O documento traça orientações para crises sanitárias com o objetivo principal de reduzir desigualdades na resposta das nações, como distribuição de vacinas e remédios. O tratado funciona como um guia e não fere a soberania dos países, diferentemente do que sugerem posts que circulam nas redes sociais.

Conteúdo investigado: Publicação em rede social traz artigo intitulado “Faltam dois meses para o Tratado Pandêmico da OMS ser assinado pelos 194 países membros mas antes a OMS quer combater a desinformação e as teorias da conspiração”.

Onde foi publicado: Telegram.

Contextualizando: Representantes de 194 nações vêm discutindo há três anos mecanismos do tratado proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para aprimorar respostas a situações pandêmicas. O documento traz onze premissas para a elaboração do acordo, admitindo, por exemplo, as desigualdades regionais dos sistemas de saúde e reafirmando a soberania dos países para controles biológicos. “A Organização Mundial da Saúde é fundamental para fortalecer a prevenção da pandemia, preparação e resposta, pois é a autoridade dirigente e coordenadora do trabalho internacional de saúde”, diz trecho do rascunho mais recente do tratado, divulgado em março deste ano.

Ao contrário do que posts em redes sociais vêm alegando, o acordo, ainda em elaboração, não se sobrepõe às decisões tomadas pelos governos. Em fevereiro, o diretor-geral da organização, Tedros Adhanom, se manifestou publicamente sobre informações falsas que circulam na internet a respeito das negociações e reiterou que o tratado “não dá à OMS qualquer poder soberano sobre qualquer país”. “A nossa função é aconselhar”, disse Adhanom. Em outro momento, ele reafirmou que a corrente de “notícias falsas, mentiras e teorias da conspiração” estava prejudicando o andamento do tratado. A expectativa é que o texto seja votado em maio, durante a 77ª edição da Assembleia Mundial da Saúde, realizada anualmente em Genebra, na Suíça.

No fim de 2022, um texto investigado pelo Comprova espalhou uma teoria conspiratória de que o acordo substituiria “leis nacionais e estaduais” e daria à entidade o poder de exigir vacinações obrigatórias, “acabando com a democracia”. À época, a OMS já havia realizado reuniões no chamado Intergovernmental Negotiating Body (INB) (Órgão Intergovernamental de Negociação, em português), que foi criado justamente para reunir representantes dos países-membros e discutir o acordo.

“Não há como usurpar a soberania, porque todo tratado internacional depende da anuência dos Estados. Depende de os Estados aderirem a esse tratado voluntariamente. Cada Estado só vai fazer isso se assim entender por bem e, depois, ratificá-lo dentro do seu ordenamento jurídico”, explicou ao Comprova a doutora em Direito Internacional e professora na Universidade Mackenzie Helisane Mahlke. A especialista lembra, ainda, que a OMS é uma agência da ONU e não atua de forma autônoma.

Posts nas redes sociais também têm citado, de forma irônica, a intenção da entidade de combater teorias conspiratórias em situações de crises sanitárias. O artigo 18 do tratado prevê quatro regras para evitar desinformação em momentos de emergência em saúde pública, mas não dá detalhes como serão implementadas. São elas:

1 – Cada parte promoverá o acesso oportuno a informações confiáveis e baseadas em evidências sobre pandemias e suas causas, efeitos e motivadores, com o objetivo de combater e abordar a desinformação, especialmente através da comunicação de riscos e do envolvimento eficaz a nível comunitário;

2. As partes promoverão e/ou conduzirão, conforme apropriado, pesquisas e devem comunicar políticas sobre os fatores que dificultam ou fortalecem a adesão às medidas sociais e de saúde pública em uma pandemia, bem como a confiança em instituições e agências de ciência e saúde pública;

3. As partes promoverão e aplicarão abordagens baseadas na ciência e em evidências para medidas eficazes e avaliação oportuna de riscos e comunicações públicas culturalmente apropriadas;

4. As partes trocarão informações e cooperarão, em conformidade com a legislação nacional, em prevenir a desinformação e esforçar-se por desenvolver melhores práticas para aumentar a precisão e confiabilidade das comunicações de crise.

Na internet, usuários vêm atacando a Organização Mundial da Saúde alegando um suposto poder que o tratado colocaria acima das liberdades dos cidadãos, como mostrou checagem da AFP. “Usa-se o pretexto de falar de liberdades individuais de modo truncado para tratar de uma questão que é liberdade para se ter saúde, a integridade mantida”, disse ao Comprova Sérgio Zanetta, médico sanitarista e professor de Saúde Pública e Epidemiologia do Centro Universitário São Camilo.

O especialista acrescenta que a OMS já dispõe de um código sanitário internacional que possibilitou, por exemplo, o controle do ebola na África subsaariana. “É uma doença hemorrágica febril muito grave, com alta letalidade, e que se transmite muito rapidamente. Em uma situação como essa, a OMS coopera com o país local para que esse país possa conter a transmissão no seu território, ajudando a impedir que a doença se espalhe”, explica o professor.

Dificuldades nas negociações

O rascunho do tratado vem passando por diversas alterações por falta de consenso entre as autoridades. Um dos pontos ainda em discussão é a troca de informações entre as equipes sanitárias dos países sobre patógenos com potencial para gerar crises globais, como foi o caso da covid-19. A Suíça, por exemplo, que abriga grandes farmacêuticas, não concorda com o termo. Já os Estados Unidos vêm se opondo à dispensa de propriedade intelectual das vacinas.

“Pelo que pude analisar do teor do tratado, ainda é um documento fraco no que diz respeito a exigir a cooperação entre os Estados para a distribuição das vacinas, por exemplo. O acordo busca alternativas, mas não é tão claro. Além disso, coloca a Organização Mundial da Saúde no papel dela, de orientar condutas para garantir a segurança das pessoas”, avaliou Mahlke.

O artigo 12 cita de maneira breve a necessidade de auxílio a países com menos recursos. “Durante uma pandemia, cada país, em condições de fazê-lo, deverá, dentro dos recursos disponíveis e sujeito de acordo com as leis aplicáveis e em conformidade com o Artigo 13, reservar uma parte de sua aquisição total de produtos relevantes diagnósticos, terapêuticas ou vacinas em tempo hábil para uso em países que enfrentam desafios no cumprimento necessidades de saúde pública e procura de diagnósticos, terapêuticas ou vacinas relevantes.”

No início deste mês, a conceituada revista científica The Lancet publicou um editorial com duras críticas ao termo que concede à Organização Mundial da Saúde acesso a apenas 20% de produtos relacionados a uma pandemia para distribuir globalmente. A outra parcela, de 80%, ficaria a cargo da comunidade internacional, incluindo remédios e vacinas. “Isto não é apenas vergonhoso, injusto e desigual, é também ignorante. Criar e aderir a um conjunto de termos fortes e verdadeiramente equitativos sobre acesso e partilha de benefícios não é um ato de bondade ou caridade. É um ato de ciência, um ato de segurança e um ato de interesse próprio. Ainda há tempo para corrigir esse erro de julgamento”, diz o artigo.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: O tratado da OMS para situações pandêmicas vem sendo alvo de desinformação desde que foi anunciado pela organização, mesmo quando sequer havia um rascunho do acordo. Os desinformadores alegam que a entidade busca exercer poderes dentro dos países que negariam a liberdade dos indivíduos, mas, além de não ser esse o papel da agência, que responde à ONU, a legislação internacional não o permitiria. Sem contexto, o conteúdo pode levar o leitor a acreditar que há um plano para tirar a soberania do país em que vive e excluindo suas liberdades, descredibilizando uma das organizações internacionais mais respeitadas no mundo.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem entrou em contato com a responsável pela divulgação do artigo, mas não recebeu resposta até agora. Ela já publicou outros textos que também foram alvo de investigações do Comprova e que podem ser vistos aqui e aqui.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 26 de março, a publicação somava 6,3 mil visualizações.

Como verificamos: Iniciamos a verificação buscando informações sobre o tratado no site da OMS, que disponibiliza o passo a passo das negociações para todo o público, incluindo vídeos das sessões. Depois, buscamos notícias sobre o assunto em portais internacionais e em outras agências de checagens. Por último, entramos em contato com dois especialistas para analisar os fatos.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Textos com desinformação sobre o tratado da OMS vêm sendo alvo de investigações desde 2021, quando foi anunciado. O assunto já foi verificado pelo Comprova, pela AFP, Reuters e AP News.

Política

Investigado por: 2024-03-27

Homem que afirma ser petista e corrupto não é líder do MST e sim ex-candidato do PRTB

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Enganoso
Posts enganam ao afirmar que um homem que aparece em vídeo à beira de piscina afirmando ser petista e corrupto seja o líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), João Pedro Stedile. Na verdade, o registro é uma sátira e a pessoa vista nas imagens é o empresário Valdecir Hanauer, que concorreu ao cargo de deputado federal nas eleições de 2022 pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) de Mato Grosso do Sul, mas não se elegeu.

Conteúdo investigado: Em vídeo, homem alega ser “petista” e diz estar usufruindo de dinheiro proveniente de corrupção. Ele aparece na beira de uma piscina, com bebidas alcoólicas à sua frente. O vídeo é encontrado nas redes sociais repostado com a legenda “O nome dele é João Pedro Stedile. Líder Nacional do MST, olha ele bêbado o que fala…”

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Não é João Pedro Stedile, líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), o homem que aparece em um vídeo à beira da piscina afirmando ser petista e corrupto. Na verdade, a pessoa vista nas imagens é o empresário e ex-candidato a deputado federal pelo PRTB em Mato Grosso do Sul, Valdecir Hanauer.

O vídeo original foi publicado no perfil do empresário no TikTok em 16 de março de 2024, segundo ele, em tom de sátira. Nas redes sociais, Valdecir Hanauer se apresenta como “patriota” e apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O registro foi amplamente repostado no X com a legenda “O nome dele é João Pedro Stedile. Líder Nacional do MST, olha ele bêbado o que fala…”

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, até o dia 27 de março, a publicação original contava com 97,8 mil visualizações. No X, antigo Twitter, havia dezenas de posts iguais afirmando que o homem nas imagens era o líder do MST, uma indicação de uma ação orquestrada.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos no TikTok pelo nome da conta que aparece na marca d’água presente nas imagens, @valdecirhanauer, e encontramos a postagem original. Em seguida procuramos saber se o conteúdo tinha sido verificado por outras agências de checagem e buscamos informações sobre Valdecir Hanauer e João Pedro Stedile. Para finalizar, tentamos entrar em contato com a autora de uma das publicações enganosas e com o autor da publicação original.

Autor diz que vídeo original é sátira

Circula nas redes sociais um vídeo em que o empresário Valdecir Hanauer chama os apoiadores do Partido dos Trabalhadores (PT) de “burros”, “incapacitados” e “trouxas”. A publicação foi repostada por dezenas de contas acompanhada de legenda que identifica erroneamente Hanauer como João Pedro Stedile, causando confusão quanto à identidade do homem presente nas imagens. Hanauer, atualmente filiado ao Democracia Cristã, concorreu como candidato a deputado federal pelo PRTB, em 2022, representando o estado do Mato Grosso do Sul, mas não foi eleito.

O vídeo original foi publicado no dia 16 de março de 2024 na conta pessoal do empresário no TikTok. Na filmagem, ele se apresenta como um “petista ladrão” e corrupto, com a intenção de ridicularizar os eleitores. “Como você é tolo, como é ingênuo, paga impostos e vota em mim. Sou do PT e estou planejando como te roubar”, diz Hanauer em um momento da gravação.

“Eu sou ladrão e te convenci a você [sic] patrocinar para mim essa vida aqui na piscina. Continue assim, eleitor burro, idiota, eu sou um corrupto, ladrão, que te convença a votar em mim através do Supremo Tribunal Federal [STF]”, finaliza o empresário no vídeo.

O Comprova não conseguiu entrar em contato com Valdecir Hanauer. Ao Estadão, o empresário afirmou que o vídeo foi gravado em tom satírico: “Eu só faço uma sátira, de um sistema político ladrão, como tem em qualquer país. As pessoas é que capitalizam em cima. Eu deixo rolar, não devo nada”.

Quem é João Pedro Stedile

Stedile nasceu em Lagoa Vermelha, Rio Grande do Sul, em 1953. Ele é descendente de trabalhadores rurais vindos de Trento, na Itália, e ainda jovem, se tornou seminarista e ganhou uma bolsa de estudos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), onde se formou em Economia.

Mais tarde, já distante da Igreja, concluiu sua pós-graduação pela Universidade Nacional Autônoma do México. Em 1979, passou a assessorar a Comissão Pastoral da Terra (CPT), onde se aproximou da questão agrária no país e os conflitos por terra que o catapultaram para a criação do MST.

Já em 1984, João Pedro Stedile e amigos fundaram o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), em 1984.

(Foto: Reprodução e Myke Sena/Câmara dos Deputados)

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou entrar em contato com Valdecir Hanauer e com a dona de uma das contas que repostou o vídeo, mas até o momento não obteve resposta.

O que podemos aprender com esta verificação: Vídeos em tom de ironia ou satíricos são um modo de criticar uma pessoa ou, no caso, um partido político. Ao se deparar com conteúdos que pareçam suspeitos, humorísticos, escrachados ou fora de contexto, procure verificar o posicionamento político do autor do conteúdo. Nesse caso, a identificação do homem que está no vídeo era facilmente verificada pela marca d’água presente na publicação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O conteúdo também foi verificado por Estadão Verifica e Aos Fatos. O Comprova também investigou outros conteúdos enganosos envolvendo, por exemplo, o ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino, além de uma montagem que mostra o presidente Lula ao lado de Domingos Brazão, um dos suspeitos de ser o mandante da morte da vereadora Marielle Franco e de um vídeo que insinua falsamente que Magno Malta estava bêbado em ato pró-Bolsonaro.

 

 

 

Política

Investigado por: 2024-03-27

Ligação de Freixo para chefe da Polícia Civil é usada para insinuar falsamente relação com crime

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Site publicou texto com a manchete “BOMBA: Freixo ligou para um dos envolvidos no assassinato da ex-vereadora Marielle Franco na noite do crime". Sem contexto, a frase compartilhada nas redes sociais foi interpretada como uma suposta confissão do ex-deputado Marcelo Freixo (PT) de relação com os assassinatos. O título e um post que utilizam uma captura de tela da manchete não esclarecem que Freixo afirmou ter conversado com Rivaldo Barbosa após o crime, para comunicar o então chefe da Polícia Civil do Rio de que Marielle havia sido assassinada.

Conteúdo investigado: Postagem exibe print de manchete feita por um site, afirmando que “Freixo ligou para um dos envolvidos no assassinato da ex-vereadora Marielle Franco na noite do crime”. O responsável pela publicação diz “agora o caldo vai entornar de vez”. Leitores interpretam que o ex-deputado federal confessou ligação com as mortes. “Sempre desconfiei desse cara, amiguinho dela, né? Sei.”, “Eu sempre desconfiei dele, para mim está muito envolvido”, “Falei que isso era coisa desse imbecil”, “Aos poucos a verdade vai aparecendo”, dizem alguns comentários do post.

Onde foi publicado: X e site.

Contextualizando: No domingo, dia 24 de março, foram presos preventivamente os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE) e deputado federal pelo União Brasil (RJ), respectivamente, e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, suspeitos de envolvimento na morte de Marielle Franco e Anderson Gomes em 14 de março de 2018. Em reação às prisões, o ex-deputado federal e presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) Marcelo Freixo (PT) divulgou por meio de postagem em sua conta no X que ligou para Barbosa momentos após o assassinato de Marielle e Anderson, para informar sobre a morte dos dois.

“Foi para Rivaldo Barbosa que liguei quando soube do assassinato da Marielle e do Anderson e me dirigia ao local do crime. Ele era chefe da Polícia Civil e recebeu as famílias no dia seguinte junto comigo. Agora Rivaldo está preso por ter atuado para proteger os mandantes do crime, impedindo que as investigações avançassem. Isso diz muito sobre o Rio de Janeiro”, escreveu Freixo.

No mesmo dia, em entrevista concedida à CBN, o ex-deputado federal repetiu que além de fazer a ligação, recebeu a família de Marielle juntamente com Barbosa no dia seguinte ao atentado. “Por um lado, a gente tem um alívio por ter chegado nesse caso, por outro, é uma indignação muito profunda por tudo que representa”, afirmou. Ele seguiu o diálogo falando que, em cinco anos de investigação (dos seis), os delegados que passaram pelo caso na Delegacia de Homicídios eram substituídos quando se aproximavam de uma conclusão. “Em cinco anos, cinco delegados. Então era para não investigar. A conclusão é que hoje a gente chega a quem matou, a quem mandou matar e a quem não deixou investigar”, diz, em referência aos irmãos Brazão e ao delegado.

Na última segunda-feira, 25, em entrevista à Rádio Gaúcha, Freixo também comentou sobre o envolvimento de Rivaldo Barbosa no assassinato de Marielle. Segundo ele, “é humanamente assustador imaginar que ele [Barbosa] pudesse estar por trás do planejamento da morte e não só a proteção em não investigar”. O ex-deputado ainda explicou que o delegado participava de reuniões na Comissão de Direitos Humanos, quando era líder da Delegacia de Homicídios, e encaminhava os casos e se reunia com as famílias. Na época, Freixo presidia a comissão e Marielle a coordenava. “Como chefe da Polícia Civil, ele é a primeira pessoa a ser avisada da morte da Marielle. Tinha que ser o primeiro”.

Repercussão da fala de Freixo

Diante da postagem do ex-deputado federal, o site Terra Brasil Notícias publicou um texto com o seguinte título: “BOMBA: Freixo ligou para um dos envolvidos no assassinato da ex-vereadora Marielle Franco na noite do crime”. Apesar de citar, no decorrer do texto, que Freixo ligou para Rivaldo Barbosa para denunciar o crime, a informação foi ocultada no título. O texto ainda descreve que o atual presidente da Embratur tinha “certo grau de proximidade” e “ligações” com Rivaldo.

O conteúdo sugere que Marielle e seus companheiros políticos tinham alguma relação com os mandantes do crime e critica as acusações feitas contra “personagens da direita política”.

Um post no X, cujo autor republicou o título do site do Terra Brasil Notícias, foi interpretado como uma suposta confissão de envolvimento de Freixo no caso. Além disso, o post que viralizou não disponibiliza o link para que outros leitores possam conferir a informação completa. A publicação é acompanhada pela legenda “agora o caldo vai entornar de vez”. Nos comentários, pessoas interpretam que o presidente da Embratur confessou relação com o crime: “Sempre desconfiei desse cara, amiguinho dela, né? Sei.”, “Eu sempre desconfiei dele, para mim está muito envolvido”, “Falei que isso era coisa desse imbecil”, “Aos poucos a verdade vai aparecendo”, dizem.

Quem é Marcelo Freixo

Atual presidente da Embratur, Marcelo Freixo foi escolhido para o cargo pelo governo do presidente Lula (PT). Em maio de 2023, filiou-se ao PT após meses como membro do PSB, legenda em que concorreu ao cargo de governador do Rio de Janeiro. Antes, Freixo foi filiado pelo PSOL por 16 anos, partido no qual elegeu-se deputado estadual, em 2005 e 2014.

Como parlamentar, ele assumiu a presidência da Comissão de Inquérito das Milícias, em 2008, que investigava o envolvimento de políticos com grupos de milícias do Rio. Na época, ele deixou o país após sofrer ameaças de morte. O irmão de Freixo, Renato, havia sido assassinado por milicianos em julho de 2006.

Por três mandatos, Freixo também presidiu a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), na qual Marielle Franco era coordenadora e prestava auxílio jurídico e psicológico a familiares de vítimas de homicídios ou policiais vitimados. Nas eleições de 2018, ele foi eleito deputado federal do Rio de Janeiro pelo PSOL.

Quem é Rivaldo Barbosa

O delegado Rivaldo Barbosa havia sido empossado chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro no dia 13 de março de 2018, um dia antes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Na época do crime, a segurança do Estado estava sob intervenção federal, com o general Walter Braga Netto à frente. Ele depois seria ministro da Defesa e da Casa Civil no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A nomeação de Rivaldo ao cargo havia sido feita pelo general Richard Nunes, então secretário de Segurança Pública.

Barbosa deixou a chefia da Polícia Civil em janeiro de 2019, após a posse do então governador Wilson Witzel. Graduado em direito e professor universitário há mais de 20 anos, ele também ocupou os cargos de titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e de diretor da Divisão de Homicídios. Recentemente, comandava a Coordenadoria de Comunicações e Operações Policiais, que cuida da operação com rádios da corporação.

Rivaldo foi preso preventivamente pela Polícia Federal no último domingo, 24, por ser suspeito de utilizar o cargo para proteger os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão – acusados de serem os mandantes do crime – e participar do planejamento do assassinato. A mãe de Marielle, Marinete da Silva, contou à Globo News que o delegado foi quem recebeu os familiares após o assassinato e que ele havia prometido que a solução do caso seria uma “questão de honra”.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A afirmação de que Marcelo Freixo entrou em contato com um dos envolvidos no assassinato na noite do ocorrido sugere relação do ex-deputado com o crime. Isso porque o título omite a informação de que o deputado informou que a ligação ocorreu após a morte de Marielle e Anderson e que Rivaldo era chefe da Polícia Civil e, portanto, encarregado da investigação. Também é usado no início da manchete a palavra “BOMBA”, a fim de chamar atenção dos leitores e sugerir que a informação era um furo jornalístico sobre o caso.

O que diz o responsável pela publicação: O Terra Brasil Notícias, contatado por e-mail, afirmou que o veículo apenas “retratou a informação divulgada por várias fontes” e que o título da matéria é “perfeitamente claro, e mostra o nível de perplexidade que a sociedade e até o ex-deputado tiveram ao saber que a pessoa para quem ele ligou na noite do crime para tomar as providências cabíveis, era provavelmente um dos mentores do crime”. O portal, que já teve conteúdos classificados como falsos ou enganosos pelo Comprova, ainda afirmou que o texto não faz insinuações sobre relação de Freixo com o crime, mas que mostra como pessoas próximas a Marielle foram provavelmente ludibriadas.

Segundo o site, o “certo grau de proximidade é indicado pela ligação feita diretamente para o delegado chefe da Polícia Civil, mostrando que lhe foi fornecido o contato pessoal do delegado à época”. “O senhor Marcelo Freixo deixa claro que ele inclusive já tinha estado com o delegado Rivaldo Barbosa por diversas ocasiões no seu próprio gabinete, inclusive na presença de Marielle, sua assessora à época”.

Alcance da publicação: Até 26 de março, a publicação tinha mais de 56,3 mil visualizações, 6 mil curtidas, 253 comentários e 1 mil compartilhamentos no X.

Como verificamos: Uma busca nas redes sociais de Marcelo Freixo mostram postagens em que o ex-deputado afirma que procurou Rivaldo Barbosa após ser avisado da morte de Marielle. Ele ainda comentou o episódio em entrevistas para veículos de imprensa. Também procuramos pelos relatos dos familiares de Marielle aos jornais e por informações sobre a trajetória profissional de Freixo e Barbosa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Outras postagens sugerindo ligação de membros do governo Lula ao assassinato de Marielle surgiram após a prisão de três suspeitos no domingo. O Comprova já mostrou que homem dançando ao lado de Flávio Dino em vídeo é o governador do Maranhão, não Domingos Brazão e também provou ser montagem imagem que mostra Domingos Brazão ao lado de Lula.

Comprova Explica

Investigado por: 2024-03-26

Entenda o bloqueio de R$ 2,9 bi em despesas anunciado pelo governo federal

  • Comprova Explica
Comprova Explica
O bloqueio de R$ 2,9 bilhões anunciado pelo governo federal não é um corte, mas uma contenção de despesas discricionárias (que não são obrigatórias) e ocorre para que, segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento, não falte dinheiro para as despesas obrigatórias. Especialista ouvido pelo Comprova explica que a medida não é nova e vem sendo utilizada desde que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi instaurada, para que o Estado consiga cumprir as metas fiscais estabelecidas. Segundo ele, a restrição é pequena, já que corresponde a 0,14% do limite total de gastos para 2024. O governo informou que, em maio, há possibilidade de que o bloqueio seja desfeito.

Conteúdo analisado: Publicações em rede social e site afirmam que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) bloqueou R$ 2,9 bilhões do orçamento de 2024. O post é acompanhado de uma foto do presidente com uma expressão de tristeza. Em resposta, diversos perfis sugerem que o bloqueio significa crise no país. “Afunda Brasil numa Venezuela próxima”, escreveu um seguidor.

Comprova Explica: O governo federal anunciou um bloqueio em despesas discricionárias – aquelas que não são obrigatórias –, durante a apresentação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do primeiro bimestre, em 22 de março. Segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento, o Regime Fiscal Sustentável, mecanismo de controle do endividamento, determina um limite anual para os gastos, fixado em R$ 2,089 trilhões em 2024. Como a previsão para as despesas obrigatórias está R$ 2,9 bilhões acima, será feita uma contenção nesse valor, para que o limite seja cumprido.

Ainda de acordo com o Ministério do Planejamento, o bloqueio não vai atingir nenhuma despesa obrigatória – que a União tem a obrigação legal ou contratual de pagar. A pasta também esclareceu que o bloqueio não significa corte, e funciona como um instrumento preventivo usado em despesas discricionárias para uma eventual necessidade de cancelamento das despesas e o remanejamento desses recursos para o atendimento das despesas obrigatórias.

As despesas obrigatórias são para pagamento de salários e aposentadorias, dos encargos da dívida pública, das transferências a estados e municípios, entre outras. Já as discricionárias são aquelas em que o governo tem liberdade para decidir o melhor momento para a realização de um gasto, como recursos para custeio e investimentos. A lista com as áreas que não podem ser afetadas pela limitação consta no artigo 3 da Lei Complementar 200/23.

Paulo Corval, professor de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que a medida é usada desde a instauração da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101), nos anos 2000, para que o governo consiga atingir um resultado de execução orçamentária positivo.

“Quando vemos as contas públicas saindo dessa meta, o governo precisa tomar medidas e a medida mais básica que a LRF pede é o que a gente chama de Limitação de Empenho”, diz. Segundo ele, trata-se de uma limitação na liberação de recursos para os órgãos do governo, atendendo programas e políticas públicas nacionais. “Essa é uma política tradicional ortodoxa materializada na Lei Complementar 101 de 2000 e que persiste como orientação durante todo esse período”, afirma.

O montante bloqueado representa 0,14% do total de gastos previstos para o ano e, segundo o especialista em finanças públicas, não é esperado impacto negativo. “Essa limitação de R$ 2,9 bilhões, é claro que quando a gente fala como pessoa física, é muito dinheiro. Mas a gente tem um Produto Interno Bruto (PIB) de quase R$ 10 trilhões e uma receita que gira na casa trilionária. Então, R$ 2,9 bilhões, relativamente falando, é muito pouco”, diz. “Em termos de valores relativos, não os valores absolutos, está dentro do aceitável. Não é motivo para nenhuma preocupação neste momento, não agora”, afirma.

Durante a divulgação do relatório, o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, afirmou que, em maio, há possibilidade de que o bloqueio seja desfeito. O mesmo aconteceu em 2023, entre novembro e o fim do ano, quando restrições de um total de R$ 5 bilhões foram desbloqueadas por meio de portarias, porque os recursos das despesas discricionárias haviam sido remanejados para despesas obrigatórias, cumprindo o limite total.

Como verificamos: A reportagem buscou pelo bloqueio anunciado e encontrou informações em sites da imprensa formal e do governo federal. Também foi procurado o Ministério do Planejamento e um especialista em finanças públicas para explicações sobre o funcionamento e aplicação do bloqueio de recursos. Ainda foram consultadas a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, a Lei Complementar 200, de 2023, e a Emenda Constitucional 95, de 2016.

Regime Fiscal Sustentável

O Regime Fiscal Sustentável (Lei Complementar 200/23) substituiu o Teto de Gastos (Emenda Constitucional 95), que ficou em vigor entre 2016 e 2023. O novo arcabouço fiscal, como também é conhecido, é um mecanismo de controle do endividamento, com foco no equilíbrio entre arrecadação e despesas. O objetivo é tornar o regime fiscal brasileiro mais flexível, para que seja capaz de acomodar choques econômicos, sem comprometer a consistência do orçamento no médio e longo prazo.

As novas regras pretendem manter as despesas abaixo das receitas a cada ano e, em caso de sobras, elas deverão ser usadas apenas em investimentos, buscando a sustentabilidade da dívida pública. Segundo o governo federal, o novo regime tem o propósito de garantir a responsabilidade social e fiscal, de forma que possibilite o financiamento adequado das políticas públicas.

A cada ano, haverá limites da despesa primária reajustados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e também por um percentual do quanto cresceu a receita primária descontada a inflação. O texto do novo arcabouço fiscal prevê sanções de cumprimento obrigatório para o governo, se não for atingida a meta de resultado primário do ano anterior. Com a aprovação do novo regime, em agosto de 2023, a ideia do governo federal é zerar o déficit fiscal já em 2024 e passar a ter superávit em 2025.

“O Regime Fiscal Sustentável fez ajustes, mudanças e incrementos naquilo que a gente tem desde 2000. É um itinerário que muda a sua maneira de cálculo, mas o espírito é o mesmo, para você conseguir criar uma margem de meta fiscal que não engesse tanto o governo”, afirma Paulo Corval. “A regra nova, espera-se, embora mais complexa, cria margem para o governo manter o cuidado com a dívida, com as despesas, mas também deixa uma margem para o governo continuar sendo o ator econômico que ele é no sistema capitalista”, diz.

Por que explicamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e busca esclarecer aqueles considerados duvidosos e que podem gerar entendimentos confusos e boatos.

Outras checagens sobre o tema: Em agosto de 2023, o Comprova já havia feito uma verificação esclarecendo que o decreto com contingenciamento de recursos federais não determina corte de verbas. Checagens sobre o mesmo tema feitas pelo UOL Confere também mostraram que eram enganosos a comparação do bloqueio do Orçamento a confisco de poupanças e posts afirmando que o Brasil fez empréstimo enquanto o presidente Lula bloqueou recursos. É comum que conteúdos relacionados a recursos e orçamento sejam alvo de desinformação. Em fevereiro, o Comprova explicou como funciona o programa Pé-de-Meia, que vai beneficiar alunos de baixa renda do ensino médio, e classificou como enganoso um vídeo dizendo que todos com mais de 60 anos têm isenção de Imposto de Renda, IPTU e desconto em contas.

Política

Investigado por: 2024-03-25

Homem dançando ao lado de Dino em vídeo é o governador do MA, e não acusado de mandar matar Marielle

  • Falso
Falso
É falso que homem que aparece em vídeo ao lado do ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino seja Domingos Brazão, suspeito de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Como verificado pelo Comprova, o homem na gravação publicada no X é Carlos Brandão (PSB), governador do Maranhão.

Conteúdo investigado: Post com vídeo de Flávio Dino dançando ao lado de homem. Os dois usam camisetas de campanha de Lula. Na legenda, o autor escreve: “E a pergunta que não quer calar….. Quem foi mesmo que mandou matar a Marielle?? PTzada vem aqui…”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Post mente ao sugerir que homem dançando ao lado de Flávio Dino, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), seria Domingos Brazão, preso sob suspeita de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Com a legenda: “E a pergunta que não quer calar….. Quem foi mesmo que mandou matar a Marielle?? PTzada vem aqui…”, a publicação tenta ligar o PT ao crime, mas quem aparece no vídeo, ao lado de Dino, é Carlos Brandão (PSB), governador do Maranhão.

No X, George Marques, assessor da Secretaria de Comunicação Institucional da Presidência, afirmou que o conteúdo se trata de desinformação e, em resposta, Jorge Messias, ministro-chefe da Advocacia Geral da União (AGU), escreveu: “Determinei imediata atuação da PNDD [Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia]. Chegaremos aos responsáveis por mais uma fake news”.

O mesmo vídeo já havia sido usado de forma mentirosa em janeiro, em posts que confundiam a identidade de Brandão com a de um homem preso por planejar um atentado a bomba em Brasília, como concluiu o Estadão Verifica.

A gravação mostra os dois comemorando a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 30 de outubro de 2022. À época, o governador do Maranhão, que foi reeleito no 1º turno das eleições de 2022, publicou fotos da comemoração nas redes sociais, onde, inclusive, aparece ao lado de Dino. Ambos estão com a mesma camisa e no mesmo ambiente onde o vídeo foi gravado. Hoje ministro do STF, Dino foi eleito senador da República na mesma campanha.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Publicado em 24 de março, o vídeo aqui verificado teve mais de 68 mil visualizações em apenas um dia.

Como verificamos: Comentários do post afirmando que o homem ao lado de Dino seria Carlos Brandão, e não Domingos Frazão, ajudaram a reportagem. A partir desta informação, a equipe buscou por vídeos dos dois e acabou encontrando a checagem feita pelo Estadão Verifica em janeiro. A publicação levava a tuítes em que Dino e Brandão publicaram fotos com as mesmas roupas do vídeo.

A reportagem também pesquisou o nome dos dois no Google e encontrou reportagem do Estadão sobre a investigação da AGU.

O que diz o responsável pela publicação: Contatado pela reportagem, o perfil que fez a postagem não respondeu até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: Desinformadores usam a polarização política para espalhar mentiras, cientes de que há público que vai acreditar naquele conteúdo. Logo após o anúncio da prisão dos acusados de mandar matar Marielle e Anderson, conteúdos falsos começaram a circular ligando os nomes dos acusados ao PT. É importante sempre refletir se a informação faz sentido e, se fizer, buscar tentar confirmação em outros veículos, não confiando apenas no que é dito nas redes sociais. Outro ponto de atenção é a má qualidade do vídeo, em uma resolução baixa, e isso é uma tática no universo da desinformação. Ao dificultar a visualização da imagem, torna-se mais difícil a identificação de quem aparece nela.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Flávio Dino é alvo constante de desinformadores. O Comprova já verificou ser falso áudio em que ele fala em “arruinar a economia” e ser enganoso que ele, então ministro da Justiça, teria eximido o governo de combater armas ilegais.

Política

Investigado por: 2024-03-25

Foto de Domingos Brazão ao lado de Lula é montagem

  • Falso
Falso
Montagem insere o rosto de Domingos Brazão, um dos suspeitos de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em foto ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes (PSD) e dos ex-governadores do Rio Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão. Na foto original, quem aparece na imagem é o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ).

Conteúdo investigado: Imagem mostra Domingos Brazão, preso suspeito de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes (PSD) e dos ex-governadores do Rio Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão.

Onde foi publicado: Instagram.

Conclusão do Comprova: Uma foto que circula nas redes sociais foi editada para inserir o rosto do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Domingos Brazão, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de autoridades do Rio de Janeiro.

Brazão é um dos suspeitos de ser o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018. Ele não está na imagem original, de 2015. O rosto do conselheiro foi inserido no lugar do deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) em foto tirada com Lula, Eduardo Paes, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 25 de março, a postagem acumulava 2,7 mil visualizações e 3,6 mil curtidas no Instagram.

Como verificamos: O Comprova fez uma busca reversa de imagem por meio dos buscadores Google, Microsoft Bing e Yandex.

Os resultados mostraram que a mesma foto já foi utilizada como base para diferentes montagens, como a que substitui o rosto do deputado Pedro Paulo pelo do empresário Joesley Batista, e outra que apagou o presidente Lula do registro. Essa última, inclusive, apareceu em uma propaganda de Marcelo Crivella (Republicanos) na campanha pela Prefeitura do Rio em 2016.

Naquela ocasião, a Justiça Eleitoral proibiu a campanha de Crivella de usar a fotografia adulterada. O caso foi noticiado por vários veículos, como os jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo, que apontaram que a foto original foi feita em um jantar em fevereiro de 2015 na Gávea Pequena, residência oficial do prefeito do Rio. Os políticos manifestavam apoio à pré-candidatura de Pedro Paulo ao Executivo carioca.

Adulteração associa Lula a suspeito por morte de Marielle

Neste domingo, 24, a Polícia Federal (PF) prendeu três suspeitos de envolvimento no assassinato de Marielle Franco: o deputado federal Chiquinho Brazão, o conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão, e o ex-chefe de Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa. Os irmãos Chiquinho e Domingos são apontados como os mandantes, enquanto Barbosa é suspeito de proteger os dois e de participar no planejamento do crime. Após a prisão, o União Brasil decidiu, por unanimidade, expulsar Chiquinho Brazão da sigla.

A operação ocorreu após a homologação da delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, executor confesso dos disparos que mataram Marielle e Anderson. Os três suspeitos negam qualquer relação com os homicídios.

A mesma montagem circula no Facebook pelo menos desde janeiro, quando o The Intercept Brasil publicou, com base em fontes ligadas à investigação, que Brazão foi delatado por Lessa. À época, a PF negou que houvesse acordo com o ex-PM.

A postagem aqui analisada tenta associar o presidente Lula e outros políticos a Domingos Brazão, e parece ter enganado alguns usuários, que comentaram que eles são “da mesma turma” e “farinha do mesmo saco”.

O que diz o responsável pela publicação: Ao Comprova, o autor da publicação disse que o post no Instagram foi removido pela própria plataforma entre os dias 25 e 26, mas que não sabe ao certo o motivo porque estava em viagem ao Havaí. Ele disse que a montagem é um meme “com teor real”, que aponta o envolvimento de Domingos Brazão com a “turma da esquerda”. A atuação do clã Brazão na política fluminense é pragmática. Domingos fez campanha pela reeleição de Dilma Rousseff (PT) em 2014, e Chiquinho, pela de Jair Bolsonaro (PL) em 2022.

O que podemos aprender com esta verificação: Manipular imagens para inserir outros elementos na figura original é uma tática comum entre desinformadores. Neste caso, a peça de desinformação edita a fotografia para incluir o rosto de um suspeito de envolvimento em um assassinato para associar o caso a figuras públicas, como o presidente da República.

Também é possível reconhecer que se trata de uma montagem ao reparar na resolução da foto: o rosto inserido artificialmente está mais nítido do que os demais. Diferenças na definição e a presença de um contorno branco, principalmente na região dos cabelos, podem sugerir que a imagem foi alterada digitalmente.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A mesma imagem também foi checada pelo Aos Fatos, Reuters Fact Check, AFP e Lupa. Em 2020, a mesma fotografia já havia sido manipulada para inserir o rosto de Joesley Batista e foi checada pelo Estadão Verifica e Lupa.

 

Atualização: Esta verificação foi atualizada em 27 de março de 2024 para incorporar a resposta do responsável pela postagem investigada.

Política

Investigado por: 2024-03-22

É falso que STF bloqueou redes sociais de Augusto Nunes ou exigiu sua demissão

  • Falso
Falso
Publicação mente ao afirmar que o Supremo Tribunal Federal (STF) exigiu a demissão do jornalista Augusto Nunes e bloqueou suas redes sociais. Ao Comprova, o órgão afirmou que não há nenhuma decisão nesse sentido. Além disso, Nunes segue com perfis ativos em plataformas como Instagram, Facebook e X e participou do programa "Oeste sem Filtro", do qual é comentarista, de 21 de março, dez dias depois de a informação falsa ser publicada.

Conteúdo investigado: Post com imagem de Augusto Nunes com a seguinte legenda sobre a foto: “Urgente: Supremo acaba de exigir a demissão do jornalista Augusto Nunes e o bloqueio de todas as duas redes sociais! Isso se chama ditadura”. O autor do post comenta: “Não é função do 5TF exigir demissão de jornalistas. A função do 5TF é de guardião da Constituição. Nada mais que isso. Para o 5TF funcionar, necessitamos de juízes com notório saber jurídico, conduta ilibada e apartidários”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: É falso que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha “exigido a demissão” do jornalista Augusto Nunes e bloqueado seus perfis nas redes sociais. Conteúdos com a desinformação, que já haviam circulado em novembro do ano passado, voltaram a viralizar.

Contatado pela reportagem, o STF afirmou que “não existe decisão nesse sentido”. Uma busca pelo nome de Nunes no sistema de consulta pública da Corte retorna apenas um processo, protocolado pelo próprio jornalista.

Além disso, o post verificado é de 11 de março e as contas no X, Instagram e Facebook do jornalista seguiam ativas dez dias depois (21 de março), quando ele publicou conteúdos. Não só Nunes segue postando em suas redes, como continua trabalhando. Comentarista do programa “Oeste sem Filtro”, da revista Oeste, ele trabalhou em 21 de março, como é possível verificar no canal da plataforma no YouTube.

Quando o boato circulou pela primeira vez, em novembro, o jornalista desmentiu a história no “Oeste sem Filtro”. “Não aconteceu nada disso”, ele afirmou. “Estou agindo com inteira liberdade, como sempre”, acrescentou Nunes à época. Ele é conhecido por ser um crítico do governo Lula (PT) e do STF, especialmente do ministro Alexandre de Moraes, a quem já chegou a se referir como “sádico”.

Durante as eleições de 2022, Nunes foi afastado temporariamente da Jovem Pan por descumprir ordem da empresa que pedira para ele não mais se referir a Lula, então candidato, com termos ofensivos. O pedido da Jovem Pan ocorreu depois de o Tribunal Superior (TSE) ter concedido diversos direitos de resposta ao petista e determinado que a emissora não reproduzisse mais comentários ofensivos, sob pena de multa de R$ 25 mil.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 22 de março, o post havia sido compartilhado mais de 2 mil vezes e recebido 4 mil curtidas.

Como verificamos: O primeiro passo foi fazer uma busca pelo nome de Nunes e palavras como “demitido” e “bloqueado”. A pesquisa retornou verificações de conteúdo semelhante feitas por UOL Confere, Estadão Verifica e AFP Checamos em dezembro. A próxima etapa foi pesquisar pelo nome dele no site do STF e contatar o órgão, para checar se havia alguma decisão no sentido do post.

Por último, foram verificadas as redes sociais do jornalista e o canal da revista Oeste no YouTube para confirmar se ele continuava trabalhando como comentarista.

O que diz o responsável pela publicação: O autor não respondeu o contato da reportagem até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: Há muita desinformação sobre os processos e ministros da Corte nas redes sociais, publicadas principalmente por perfis que compartilham conteúdo antidemocrático. Os posts usam um tom alarmista, sugerindo haver uma violação de direitos para mobilizar os leitores. As decisões do STF, principalmente as que envolvem pessoas conhecidas ou que têm grande repercussão, são amplamente noticiadas no site do Supremo e pela imprensa em geral. Nesse caso, uma rápida verificação dos perfis de Augusto Nunes nas redes sociais mostraria que não há bloqueio algum.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Como informado acima, UOL Confere, Estadão Verifica e AFP Checamos verificaram o conteúdo no ano passado. O STF e seus ministros são temas frequentes de posts checados pelo Comprova, como os que enganam ao exibir vídeo antigo de Gilmar Mendes para negar que atos do 8 de janeiro foram tentativa de golpe e ao sugerir que Luís Roberto Barroso oferecia risco a voo.

Política

Investigado por: 2024-03-21

Barragem no Ceará está com bombas desligadas para manutenção programada, diferentemente do que diz vídeo

  • Enganoso
Enganoso
Diferentemente do que afirma vídeo compartilhado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no X, não há fluxo de água na Barragem de Jati, no Ceará, devido a uma manutenção programada. A barragem faz parte do projeto de transposição do Rio São Francisco. O reparo é agendado para essa época do ano devido ao período chuvoso na região e aos altos níveis de abastecimento dos reservatórios. A previsão é que o trabalho deve ser finalizado até 10 de abril. A água não flui da barragem de forma contínua, apenas sob demanda do governo do Ceará. Em fevereiro, o estado solicitou a liberação de determinado volume de água e foi atendido pelo governo federal. Segundo o governo do Ceará, no momento, a disponibilidade de água para a região garante abastecimento até o próximo ano.

Conteúdo investigado: Em um vídeo gravado diante da Barragem de Jati, no município de mesmo nome, no Ceará, e compartilhado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no X, um homem afirma que a estrutura que faz parte do Eixo Norte das obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) e leva água a diversas cidades do Ceará está totalmente desligada devido ao “descaso que o ‘governo do amor’ faz com o seu próprio povo”, em referência ao governo Lula (PT). O vídeo mostra imagens atuais da estrutura sem água e imagens antigas, de fevereiro de 2022, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve no local ao lado de Rogério Marinho, ex-ministro do Desenvolvimento Regional, num momento em que havia água na barragem. No fim do vídeo, o homem diz: “nosso presidente Bolsonaro trouxe água ao Nordeste e o ‘governo do amor’ fez prisioneiro de novo o povo do Ceará”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: No momento, não há fluxo de água na Barragem de Jati por causa de uma manutenção na motobomba 1 da Estação de Bombeamento 3 (EBI-3), que fica em Salgueiro, em Pernambuco, e direciona água para a barragem. Segundo o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), a manutenção estava programada “levando em consideração os altos níveis dos reservatórios abastecidos pela Estação de Bombeamento e o período chuvoso na região”.

A Barragem de Jati é o ponto que abastece o Cinturão das Águas do Ceará, uma obra complementar do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), sob a responsabilidade do governo estadual, que leva água à região metropolitana de Fortaleza. A liberação de água pela barragem é sazonal, sendo solicitada pelo governo estadual a partir da necessidade verificada a cada ano.

A pedido do estado, o governo federal liberou da Barragem de Jati, em fevereiro deste ano, 6,5m³ de água por segundo — cerca 50 carros-pipas por minuto. Segundo o governo do Ceará, o acumulado de água das fontes que abastecem Fortaleza e Região Metropolitana garantem o abastecimento “com folga para o próximo ano”.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Postagens do vídeo no X atingiram 264,3 mil visualizações e mais de 6 mil retuítes, até o dia 21.

Como verificamos: O Comprova pesquisou sobre a Barragem de Jati e as obras do PISF nos sites do governo federal e do governo do Ceará e em matérias publicadas na imprensa, e fez contato com o MIDR e com a Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) do Ceará. A equipe ainda buscou a assessoria de imprensa do ex-presidente Jair Bolsonaro, que postou o vídeo em sua conta no X, mas não obteve resposta.

Por meio da ferramenta PimEyes, o Comprova identificou o homem que faz as afirmações enganosas no vídeo. É Kayo Gustavo Fragoso Carneiro da Cunha, que chegou a ser detido por participação nos atos de depredação em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. O Comprova também tentou contato com ele.

A Barragem de Jati: local do vídeo

O Projeto de Integração do Rio São Francisco, popularmente conhecido como Transposição do Rio São Francisco, é composto por dois eixos: o Norte tem 260 km de extensão e alcança cidades dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte; o Leste possui 217 km e atende municípios de Pernambuco e da Paraíba. O objetivo é levar água para regiões secas e semiáridas do Nordeste brasileiro por meio da captação de água do Rio São Francisco, no interior de Pernambuco. A água segue até estações de bombeamento, que a elevam até estruturas acima do Rio São Francisco, de onde são direcionadas, por meio da ação da gravidade, até os reservatórios que vão abastecer as cidades.

Ao todo, são nove estações de bombeamento. Uma delas é a Estação de Bombeamento 3 (EBI-3), que fica em Salgueiro (PE), e leva água à Barragem de Jati, no Ceará, que abastece o Cinturão das Águas do Ceará (CAC). Foi na Barragem de Jati, no local em que há cascatas de água, que o vídeo analisado nesta checagem foi gravado. O homem que aparece na gravação cita a data de 10 de março de 2024.

Bomba que leva água à Barragem de Jati está em manutenção

Em resposta ao Comprova, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional informou que a falta de água nas cascatas que aparece no vídeo se deve à paralisação da motobomba 1 da EBI-3 para manutenção programada, que deve ser concluída até o dia 10 de abril. Segundo a pasta, a manutenção é feita neste período “levando em consideração os altos níveis dos reservatórios abastecidos pela Estação de Bombeamento e o período chuvoso na região”. A informação também aparece em texto publicado no site da Presidência da República, no dia 18 deste mês.

A nota acrescenta que “a motobomba 2 passará pela mesma manutenção e tem retorno programado de operação para a segunda quinzena de julho, permitindo a plena capacidade de bombeamento da EBI-3”.

A manutenção na EBI-3 ocorre oito meses após a implementação de um novo sistema de bombas, em julho do ano passado, que retomou seu funcionamento. Na ocasião, o MIDR informou que a estação estava paralisada desde outubro de 2022 “em razão de problemas técnicos decorrentes da falta de reparos e de manutenção do sistema”, diz texto no site do ministério.

A EBI-3 foi inaugurada em fevereiro de 2022, no governo Bolsonaro. Após a paralisação da estação em outubro daquele ano, a Barragem de Jati foi alvo de outra desinformação: em abril de 2023, postagens enganosas afirmaram que o governo Lula havia interrompido o fluxo de água na estrutura para beneficiar donos de carros-pipa. No entanto, a estrutura ainda estava paralisada devido aos problemas técnicos informados pelo MIDR.

Acionamento das bombas é feito sob demanda do estado do Ceará

Segundo o MIDR, o governo federal atendeu, no mês passado, o pedido do estado do Ceará de liberação de 6,5m³/s pelo Cinturão das Águas, e está garantindo o abastecimento sem prejuízo à população. Este texto no site da Presidência da República explica que a distribuição de água ao Ceará pela Barragem de Jati se dá “apenas sob demanda da operadora estadual”.

No site do governo do estado, há explicação de que a demanda de água da transposição do São Francisco é feita a partir de um planejamento das companhias estaduais de gestão dos recursos hídricos. “Dessa forma, a água do PISF só é requisitada quando necessária nos tempos de estiagem, e não ao longo do ano inteiro”, diz o texto.

Em abril do ano passado, o Comprova publicou texto sobre as obras de transposição do Rio São Francisco. Na matéria, o Ministério explica que a paralisação dos serviços na transposição pode ocorrer em casos de manutenções preventivas e/ou corretivas das estruturas, testes no sistema e durante ajustes operacionais. Há ainda a informação de que a estrutura não necessita de bombeamento contínuo e pode interrompê-lo uma vez atingidos os níveis dos reservatórios.

Matéria no site do governo do Ceará destaca que o registro de imagens em trechos do Cinturão das Águas do Ceará que ainda estão em obras ou em partes secas da estrutura durante períodos de não utilização acontece sazonalmente para produzir desinformação nas redes sociais.

Procurada, a Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) reiterou que a EBI-3 conta com duas bombas e que uma delas está em manutenção. A pasta ainda afirma que solicitou fornecimento de água ao governo federal, que foi concedido.

O que diz o responsável pela publicação: O vídeo foi divulgado nas redes sociais originalmente por Kayo Gustavo Fragoso Carneiro da Cunha, que é quem aparece na gravação fazendo as afirmações enganosas. Ele foi candidato a deputado estadual em Alagoas pelo PL nas eleições de 2022. Segundo matéria do SBT News, Kayo Fragoso foi identificado em relatório de inteligência da Polícia Militar do estado como um dos articuladores do acampamento em frente ao Quartel do Exército em Maceió, que abrigou bolsonaristas que contestavam o resultado das eleições presidenciais daquele ano. Matéria do jornal Extra, de Alagoas, informa que ele foi apontado pela Polícia Federal como um dos 15 líderes responsáveis pelos bloqueios em rodovias estaduais e federais como forma de protesto contra o resultado das urnas.

Procurado pelo Comprova, Kayo Fragoso disse que o conteúdo do vídeo “demonstra claramente que a estrutura está desligada” e que “a motivação do desligamento é que está sendo debatida neste momento”. Ele diz que o vídeo não atribui prática criminosa ao atual governo, mas apenas uma avaliação de caráter subjetivo de que há um descaso do atual governo com o povo do Ceará. “Trata-se de mera opinião lastreada em denúncias da população local e no fato de que existem diversas reportagens há quase um ano informando causas diversas para o fato de que a barragem em determinados períodos é desligada”, diz Kayo Fragoso (Confira outras verificações do Comprova sobre a transposição).

Também procurada, a assessoria do ex-presidente Jair Bolsonaro, que postou o vídeo em sua conta oficial no X, não se manifestou a respeito da publicação.

O que podemos aprender com esta verificação: A transposição do São Francisco é comumente alvo de conteúdos enganosos que muitas vezes aparecem junto a denúncias e críticas ao governo. A desinformação sobre as obras se intensificou durante a última transição na Presidência da República. Somente no ano passado, o Estadão Verifica publicou 16 checagens sobre o tema. O tom alarmante e as imagens mostradas nos vídeos são uma forma de mobilizar os leitores, fazendo com que o conteúdo seja replicado rapidamente sem um olhar atento. No entanto, é importante ter especial atenção, visto que responsáveis pela publicação podem utilizar de imagens antigas ou fora de contexto.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A Barragem de Jati já foi alvo de conteúdos enganosos que alegavam descaso do governo federal. Em 2023, o Comprova mostrou ser enganosa a afirmação de que o trecho do Eixo Norte tenha sido fechado para beneficiar donos de carros-pipa. A equipe também já publicou conteúdo explicativo sobre a transposição do São Francisco e por que ela gera dúvidas e como a polarização intensifica a desinformação sobre a transposição do rio.

 

Atualização: Esta verificação foi atualizada em 22 de março para incorporar resposta do responsável pela publicação investigada pelo Comprova.

Política

Investigado por: 2024-03-20

Vídeo antigo de Gilmar Mendes é usado para negar que atos do 8 de janeiro foram tentativa de golpe

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Enganoso
Publicação engana ao dizer que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes admitiu não ter ocorrido tentativa de golpe na invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. A entrevista com a fala usada no post aconteceu dez dias após a depredação, quando a Justiça ainda iniciava as investigações sobre os ataques. Em declarações mais recentes, porém, o magistrado apontou que houve tentativa de invalidar o resultado das eleições de 2022 e afirmou ser “incogitável” a concessão de anistia para os condenados.

Conteúdo investigado: Publicação usa vídeo de uma entrevista do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes à emissora portuguesa RTP. Nela, o magistrado diz não ter ocorrido tentativa clara de golpe nos ataques em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. O objetivo da publicação é questionar as prisões dos envolvidos após as investigações e julgamentos sobre os atos antidemocráticos.

Onde foi publicado: X e Facebook.

Conclusão do Comprova: É enganosa a publicação que afirma que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), admitiu não ter ocorrido tentativa de golpe nos atos de 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O post utiliza um trecho da entrevista concedida pelo magistrado em 18 de janeiro do mesmo ano para o Jornal 2 e reexibida pelo Jornal da Tarde, ambos da emissora portuguesa RTP, para questionar as prisões dos envolvidos nos ataques, fazendo parecer que se trata de um conteúdo recente.

De fato, Gilmar declarou na entrevista que não houve tentativa clara de golpe, mas a postagem omite que o posicionamento ocorreu dez dias após a invasão e que, à época, as investigações ainda não tinham apresentado evidências contundentes sobre a forma de ocorrência dos ataques . “Não houve, de forma muito clara, não se pode dizer, uma tentativa de golpe, não houve quem quisesse assumir o poder. Ocuparam o Supremo Tribunal Federal, ocuparam o Palácio do Planalto e ocuparam parte do Legislativo (…) Mas, de qualquer forma, causaram um imenso tumulto, como nós estamos a ver e estamos a discutir inclusive no exterior, aqui em Portugal e em outros sítios”, disse o ministro.

O post também não mostra que, na mesma entrevista, ele diz que havia insegurança sobre o não reconhecimento da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ministro disse ainda ter a percepção de que “algo não ia bem” após o período eleitoral.

Na ocasião, Gilmar declarou que dependia da apuração dos fatos para entender como os ataques ocorreram. Ele foi questionado se a “minuta do golpe”, encontrada durante busca e apreensão na casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, seria um indício forte de que pessoas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro sabiam sobre o golpe. Mendes então apontou que “as investigações e também o depoimento do ex-ministro certamente vão contribuir para o esclarecimento”.

A publicação também não diz que, com o avançar das investigações sobre os atos antidemocráticos, o ministro teve acesso a novas informações que contribuíram para o entendimento da tentativa de golpe e levaram à prisão dos envolvidos. Até o momento, 116 pessoas foram condenadas a penas que variam de 3 a 17 anos de prisão por participação nos ataques golpistas.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 20 de março de 2024, a postagem no X contava com 9.928 visualizações. O vídeo foi repostado na página oficial da deputada federal Bia Kicis (PL-DF) no Facebook, onde tem 32 mil visualizações.

Como verificamos: A publicação exibe os nomes dos dois jornais que transmitiram a declaração do ministro e o da emissora, então, a verificação realizou uma pesquisa com os termos “Gilmar Mendes” “Golpe” “8 de janeiro”, “Jornal 2”,“Jornal da Tarde” e “RTP” para descobrir quando e em que contexto a afirmação aconteceu. A busca levou a trechos e à íntegra da entrevista no próprio site e Facebook da RTP.

A reportagem também procurou por falas após a entrevista, para entender o atual posicionamento do magistrado, com o decorrer das investigações e julgamento dos participantes dos atos golpistas.

Ministro entende ataques de 8 de janeiro como tentativa de golpe

Diferentemente do que a publicação verificada sugere, o ministro já afirmou que houve tentativa de golpe e se mostrou favorável às condenações dos envolvidos. Em 14 de fevereiro de 2023, Gilmar disse em entrevista ao Estúdio I da GloboNews que os manifestantes pretendiam forçar a implementação da Garantia da Lei e Ordem (GLO) para que as Forças Armadas assumissem o poder, e que as investigações indicavam um possível financiamento e planejamento para a invasão.

Ao UOL, em 23 de junho, ele falou que as mensagens encontradas no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, davam indícios de uma articulação contra a democracia. No julgamento de um dos réus dos atos antidemocráticos, em 14 de setembro de 2023, o magistrado voltou a afirmar que a intenção dos ataques era a instauração da GLO. Gilmar disse isso depois que o também ministro do STF Nunes Marques declarou que os manifestantes não tinham intenção de aplicar um golpe.

Em uma publicação em seu perfil na rede social X, em 3 de outubro de 2023, Mendes usou o termo “tentativa de golpe” ao criticar a proposta do Congresso para estabelecer mandatos para integrantes do Supremo. “Após vivenciarmos uma tentativa de golpe de Estado, por que os pensamentos supostamente reformistas se dirigem apenas ao Supremo?”, escreveu. Em 20 de fevereiro de 2024, à Veja, o decano declarou que o ato pretendia “criar um pretexto para um golpe”.

Ao Estadão, em 28 de fevereiro, o ministro disse que há elementos que “indicam intuitos golpistas” e descreveu o ataque como “a ameaça mais grave à democracia em todos esses anos pós-ditadura”. A declaração mais recente sobre o 8 de janeiro ocorreu em 16 março, em entrevista à TV 247, quando afirmou que as investigações são consistentes e que “temos, parece, de maneira inequívoca a confirmação de intentos golpistas por parte da própria Presidência da República”. Na ocasião, ele também se mostrou contrário à concessão de anistia. “Não faz sentido algum da perspectiva jurídica e da perspectiva política falar-se em anistia (…) É incogitável que se fale em anistia para esses crimes”.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com o autor da publicação, porque foi bloqueado pelo responsável pelo perfil. A reportagem procurou a deputada Bia Kicis, que também compartilhou o conteúdo enganoso em sua página no Facebook e, até a publicação deste texto, não obteve retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: A postagem tira de contexto a fala do ministro Gilmar Mendes para corroborar a narrativa de que não houve uma tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023. Para isso, o responsável pela publicação omite que o magistrado mudou de opinião posteriormente, diante das investigações.

O uso de um vídeo real, com a fala de uma autoridade, pode induzir a opinião pública a formar seus julgamentos com base em informações desatualizadas ou mentirosas. Portanto, é importante sempre verificar a data de veiculação de reportagens e seu contexto nos canais oficiais da emissora responsável, assim como buscar se o posicionamento em questão é atual em veículos jornalísticos de confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A publicação investigada também foi alvo de checagem de Aos Fatos. O Comprova sempre verifica conteúdos relacionados à membros do Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como sobre o sistema eleitoral e eleições. Recentemente, o ministro Gilmar Mendes foi citado em uma verificação que mostrou que um vídeo com falas dele foi editado para desacreditar o sistema eleitoral. Uma outra investigação também apontou que um vídeo antigo de urnas americanas foi usado para causar dúvidas sobre as eleições brasileiras. O Comprova também já explicou como ocorre o acordo entre a Anatel e o TSE para as eleições e o que é o poder de polícia.