O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2024-07-04

Declaração de Drauzio Varella é tirada de contexto para sugerir que médico defende o uso de drogas

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso que o médico Drauzio Varella tenha dito que drogas fazem bem. Vídeo tira de contexto uma fala do médico durante uma entrevista concedida ao podcast Podpah, em julho de 2022. Na ocasião, Drauzio comentava sobre como o tema drogas deveria ser abordado com crianças e adolescentes. O oncologista afirmou que a maneira de tratar o assunto com menores passa por não esconder que os entorpecentes causam prazer e, por isso, viciam. O médico, no entanto, não deixou de pontuar os malefícios do uso de entorpecentes.

Conteúdo investigado: Vídeo em que o prefeito da cidade de Chapecó (SC), João Rodrigues (PSD), critica um comentário feito pelo médico Drauzio Varella durante uma entrevista no podcast Podpah. A gravação mostra um trecho em que o oncologista explica como o tema drogas deve ser abordado com crianças. Segundo Rodrigues, Drauzio teria dito que “droga faz bem”.

Onde foi publicado: X e Telegram.

Conclusão do Comprova: O médico Drauzio Varella não disse que drogas fazem bem durante sua participação no podcast Podpah, em julho de 2022. Vídeo que circula nas redes sociais distorce um comentário do oncologista sobre como o tema drogas deveria ser abordado com crianças. Na entrevista, Drauzio mencionou que, ao tratar do assunto com menores de idade, é importante não esconder que os entorpecentes causam prazer e, por isso, são viciantes. O conteúdo omite o fato de que, em seguida, Varella também destacou os prejuízos à saúde decorrentes do uso de drogas.

A íntegra da entrevista tem quase duas horas de duração. Já o vídeo verificado exibe apenas um recorte do momento em que o médico comenta o tema drogas, o qual começou a ser abordado após Varella ter falado sobre os danos que o cigarro causa à saúde. A partir dos 47 minutos, o oncologista menciona qual seria a melhor maneira de falar sobre o assunto com crianças.

Os comentários do prefeito João Rodrigues a respeito da explicação de Drauzio foram feitos durante uma entrevista à Rádio Chapecó, dias após o médico participar do podcast. No recorte distorcido e compartilhado nas redes, Drauzio diz: “Você tem que ensinar a criança, dizendo assim: ‘Droga é bom’. É bom! Se não desse prazer, ninguém usava. Pra que que você ia jogar fumaça no pulmão se não tivesse prazer com ela? Pra que você ia cheirar um pó se não te desse prazer? Você vai cheirar pó de giz? Não vai, né?”.

A versão não exibe o restante do comentário do médico, que afirma, logo em seguida: “Agora, tem que educar. Educar significa o quê? Uma coisa: você tem 32 anos. Uma coisa é você fumar maconha aos 32 anos. Outra coisa é um menino de 12 [anos] porque aí isso vai interferir com a formação do sistema nervoso central dele. E isso é um problema que ele pode carregar pelo resto da vida, então, você não pode ser permissivo desse jeito”.

Logo depois, Drauzio explica como o uso de maconha por crianças e adolescentes afeta o lobo frontal, área do cérebro responsável pela tomada de decisões. Segundo o médico, o lobo frontal amadurece devagar e a maconha afeta essa região. “Então, é coisa pra adulto. E tem um outro problema, vicia, claro que vicia. Tudo que dá prazer vicia. Por quê? Porque o cérebro parte do princípio que se você está tendo prazer com aquilo é porque aquilo é bom pro organismo”, disse Varella.

Ao Comprova, por telefone, o prefeito de Chapecó afirmou não considerar a fala do médico Drauzio Varella fora de contexto. Ele ainda comparou a declaração do médico no início da pandemia, quando ele se referiu à covid-19 como “resfriadinho”, com as falas de Jair Bolsonaro sobre a doença, quando se referiu à covid diversas vezes como “gripezinha”. Drauzio, no entanto, se retratou e disse que avaliou mal o início da pandemia. Já Bolsonaro, não o fez.

A reportagem tentou entrar em contato com o perfil que publicou o vídeo verificado no X, mas não foi possível enviar mensagem.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até quarta-feira, a publicação tinha mais de 252 mil visualizações no X e 1.602 no Telegram.

Fontes que consultamos: Para esta checagem, buscamos a entrevista completa de Drauzio e fizemos uma busca reversa para identificar a pessoa que comenta as falas do oncologista.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O recorte fora de contexto da entrevista de Drauzio Varella ao Podpah foi checado ainda em 2022 pelo Aos Fatos, UOL Confere e pela Reuters. Em 2020, o Comprova classificou como enganoso um vídeo publicado pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES) que usava trechos de falas antigas de Drauzio sobre a pandemia.

Contextualizando

Investigado por: 2024-07-04

Frio e calor podem aumentar riscos de infarto e AVC; entenda

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Contextualizando
Especialistas apontam que calor e frio excessivos podem aumentar risco de infarto e AVC. Uma publicação no X compara duas reportagens que mostraram separadamente os efeitos de altas e baixas temperaturas na saúde das pessoas. Com a frase “The show must go on”, que significa “o show deve continuar”, o músico Roger Moreira insinuou que haveria contradição na cobertura jornalística sobre o tema. Nos comentários, usuários da rede social fazem relação dos problemas cardíacos com as vacinas contra a covid-19. Entretanto, estes efeitos adversos são conhecidos e raros.

Conteúdo analisado: Postagem do cantor e guitarrista Roger Moreira, da banda Ultraje a Rigor, traz capturas de tela de publicações feitas pelo portal Metrópoles com notícias que tratam sobre o impacto do frio e do calor para ocorrência de infarto e AVC. Ao comentar as reportagens, Roger escreveu em inglês: “The show must go on”.

Onde foi publicado: X.

Contextualizando: Uma postagem do artista Roger Moreira, da banda Ultraje a Rigor, compara duas reportagens do portal Metrópoles que abordam separadamente os efeitos do calor (publicada em outubro de 2023) e do frio (junho de 2024) para o corpo humano. O artista sugere contradição entre as matérias, mas especialistas e estudos consultados pelo Comprova apontam que tanto altas quanto baixas temperaturas podem aumentar os riscos de problemas cardíacos e acidente vascular cerebral (AVC).

Nos comentários, usuários da rede social sugerem que os problemas de saúde são, na verdade, causados por “inoculação em massa na população de uma certa substância experimental” e mencionam “grande experiência mundial”, em referências às vacinas contra a covid-19. O efeito colateral do imunizante é frequente alvo de desinformação. O principal argumento é quanto ao desenvolvimento de miocardite e pericardite em pessoas que são vacinadas, mas o Comprova já mostrou que este efeito adverso pós-vacinação é conhecido e raro.

A primeira reportagem do portal Metrópoles, intitulada “Altas temperaturas aumentarão mortes por infarto e AVC, aponta estudo” faz referência a um estudo feito por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Já a segunda, intitulada “Casos de AVC e infarto aumentam no clima frio; veja como se prevenir”, utiliza dados do Instituto Nacional de Cardiologia (INC).

Roger já foi multado por declarações na internet. Em dezembro do ano passado, ele foi condenado a pagar R$ 60 mil e a se retratar em publicações nas redes sociais após comentários ofensivos sobre uma menina de 11 anos vítima de estupro. Em maio, o vocalista criou uma Vakinha intitulada “Pela liberdade de expressão” em que afirma estar sendo “pressionado e coagido pelo presente governo a calar a boca” e diz que as condenações tiveram viés político.

A reportagem entrou em contato com Roger, mas não houve retorno até a publicação.

Fontes consultadas: Pesquisamos os links originais das reportagens mencionadas no post, assim como as publicações usadas como base para os textos. Entrevistamos o cardiologista, coordenador assistencial e vice-diretor INC, Alexandre Rouge, o cardiologista e coordenador do Pronto Atendimento do Hospital Sírio-Libanês Brasília, Cassio Borges, e a neurologista vascular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de AVC (SBAVC) Maramelia Miranda. Também entramos em contato com o artista responsável pelo post.

Médicos apontam aumento de risco de infarto e AVC no calor e no frio

Especialistas consultados pelo Comprova explicam que tanto o frio excessivo quanto as altas temperaturas podem aumentar os riscos de infarto e AVC. “O extremo calor faz com que os vasos se dilatem para a pessoa perder calor do corpo para o ambiente, para tentar resfriar o corpo. Isso é um mecanismo natural. Mas, com isso, a pessoa também perde mais líquido no calor, sua mais, a pessoa perde água e perde sais”, explica o cardiologista Alexandre Rouge, vice-diretor do INC.

Rouge afirma que este quadro leva à desidratação, que pode provocar arritmia cardíaca e queda de pressão (principalmente no caso de pessoas que já tenham diagnóstico de pressão alta e usam remédios, como diurético, para controle). A queda de pressão, por sua vez, diz o médico, pode desencadear outros eventos, como AVC e infarto.

De acordo com o cardiologista Cassio Borges, o frio pode provocar vasoconstrição, quando a musculatura do vaso se contrai e tem possibilidade de levar a aumento da pressão arterial. Este fator pode desestabilizar placas das coronárias ou dos vasos cerebrais. “Com isso, aumenta o risco dessas placas se romperem, formarem coágulos e isso levar a infarto do miocárdio, além de AVC. O frio também gera espasmos e contração nas artérias coronárias, nos vasos do coração, e também nos vasos cerebrais”, disse o cardiologista.

A neurologista vascular Maramelia Miranda explica que as duas matérias estão corretas e que “juntar os posts fazendo ironia com as informações serve para confundir os que leem”.

Segunda doença que mais mata no Brasil, o AVC é causado por um comprometimento nas veias ou artérias do cérebro e pode ser dividido em isquêmico, causado por uma obstrução em uma artéria cerebral, ou hemorrágico, quando acontece o rompimento de uma veia do cérebro. A especialista explica que a mudança de temperatura pode importar na pressão arterial, causando hipotensão ou hipertensão, um dos fatores que contribui para a ocorrência de um AVC.

Segundo a médica, as baixas temperaturas têm impactos mais significativos, principalmente com o aumento considerável dos casos de hemorragia. Entretanto, existem outras condições que podem aumentar a incidência de AVC, como a frequência cardíaca e a desidratação, que também ocorrem em altas temperaturas.

Mudanças climáticas e problemas cardíacos

A reportagem que trata sobre o impacto das altas temperaturas, citada no post de Roger, tem como base um estudo de pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, publicado na revista científica Circulation. A pesquisa aponta a perspectiva de que a quantidade de mortes cardiovasculares associadas ao calor extremo entre adultos nos Estados Unidos tenha aumento estatístico significativo nos próximos anos.

“Devido a uma combinação de aumento contínuo de dias de calor extremo, envelhecimento da população dos EUA e migração contínua para áreas mais quentes, prevê-se que o número de mortes cardiovasculares associadas ao calor extremo continue a aumentar nas próximas décadas”, aponta o levantamento.

Alexandre Rouge destaca que, com o aquecimento global, existem cada vez mais extremos de temperaturas, com invernos mais rigorosos e verões mais quentes. Por este motivo, diz o médico, é importante que as pessoas tenham cuidados, como a hidratação constante.

Já a reportagem que aborda os efeitos do frio menciona dados divulgados pelo INC. Uma publicação no site da entidade aponta que os índices de infarto podem aumentar em até 30%, principalmente quando a temperatura está abaixo de 14 graus. Segundo o instituto, pessoas com idade entre 75 e 84 anos e aquelas com doença coronariana prévia são mais vulneráveis nestes casos. O dado do INC também já foi publicado pelo Ministério da Saúde.

Questionado sobre a fonte dos dados, o INC encaminhou à reportagem estudos que, por exemplo, mostram aumento da mortalidade por infarto do miocárdio em São Paulo durante o inverno e a relação de temperatura com este tipo de evento.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: Dentro da temática de saúde, o Comprova já mostrou que post engana ao afirmar que Índia pediu pena de morte a cientista da OMS contrária ao uso da ivermectina contra covid-19 e o caso de outra publicação que também engana ao associar sintomas da covid longa às vacinas. Além disso, é enganoso afirmar que miocardite e pericardite ocorrem apenas em pessoas que receberam imunizante contra a covid.

Saúde

Investigado por: 2024-07-01

É enganoso que fundação de Bill Gates tenha financiado pesquisa para tornar gripe aviária transmissível para humanos

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Enganoso
É enganoso que a Fundação Bill & Melinda Gates tenha feito uma doação para uma universidade dos Estados Unidos com objetivo de pagar por estudo para tornar o vírus da gripe aviária (H5N1) capaz de infectar humanos. O financiamento, na realidade, estava ligado a uma pesquisa para analisar as mutações do vírus e criar alertas sobre uma possível pandemia. Além disso, o primeiro diagnóstico de H5N1 em humanos é de 1997 e a doação entre as instituições americanas foi registrada em 2009.

Conteúdo investigado: Publicação alega que o vírus H5N1, também conhecido como gripe aviária, deve ser a origem de uma nova pandemia que “globalistas estão planejando desencadear”. O autor afirma que parte do plano estaria ligada a uma doação de US$ 9,5 milhões da Fundação Bill & Melinda Gates para a Universidade de Wisconsin-Madison para tornar este vírus transmissível a humanos e outros mamíferos, e cita estudos conduzidos pelos pesquisadores Yoshihiro Kawaoka e Ron Fouchier. O post também alega que o coronavírus, que provocou a mais recente pandemia, foi modificado em laboratório.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: A Fundação Bill & Melinda Gates fez uma doação de cerca de US$ 9 milhões à Universidade de Wisconsin-Madison, em 2009, para financiar uma pesquisa com a finalidade de identificar mutações do vírus da gripe aviária (H5N1) que possam infectar humanos. A ideia era monitorar essas mutações na natureza e antecipar a possibilidade de uma pandemia e estratégias de saúde para combatê-la.

É enganoso, portanto, que o pagamento tenha sido feito com foco em estudo para tornar o H5N1 transmissível para seres humanos e, consequentemente, provocar deliberadamente uma pandemia. Bill Gates é um empresário e filantropo americano conhecido por ter sido um dos fundadores da Microsoft. Seu nome é frequentemente ligado a teorias conspiratórias de diversas naturezas.

Ao Comprova, o virologista Flavio Fonseca, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que jamais foi notificado vazamento de vírus de laboratório nos estudos dos pesquisadores mencionados na postagem.

Segundo boletim de 8 de maio da Organização Mundial da Saúde (OMS), até o momento não há sinais de adaptação do vírus H5N1 que permitam transmissão entre humanos. Ainda de acordo com a OMS, a avaliação de risco à saúde pública representada pela gripe aviária continua no patamar baixo e de baixo a moderado para pessoas expostas a animais infectados. Como mostrou o Comprova, a transmissão para humanos é rara, mas pode acontecer por meio de contato direto com animais infectados ou inalação de secreções de animais doentes.

A publicação investigada foi feita no X, plataforma que não permite envio de mensagens diretas para usuários que não seguem a pessoa que tenta entrar em contato. Por este motivo, não houve contato com o responsável pelo post.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 28 de junho, a publicação no X alcançou 10,6 mil visualizações, 893 curtidas e 392 compartilhamentos.

Fontes que consultamos: O Comprova procurou inicialmente a Fundação Bill & Melinda Gates e a Universidade de Wisconsin-Madison, que se posicionaram por e-mail. As doações feitas pela fundação foram consultadas no site da instituição. Também foram consultadas publicações do National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID), Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos EUA, e OMS, além de sites especializados no tema, como a revista Science, matérias na imprensa e verificações já publicadas pelo Comprova.

A equipe também procurou o NIAID, o CDC, a agência Food and Drug Administration (FDA). O Comprova tentou contato com o virologista Yoshihiro Kawaoka, citado no post, mas não houve resposta. Houve tentativa de contato com Ron Fouchier, por meio da Erasmus University Medical Center. A instituição respondeu que o virologista não estava disponível para responder.

O Comprova também ouviu os virologistas Flávio Fonseca, da UFMG, e Amilcar Tanuri, do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o infectologista Renato Kfouri.

A OMS não retornou o contato.

Estudos não buscam desencadear pandemia em humanos, mas preveni-la

É verdade que a Fundação Bill & Melinda Gates fez doação de cerca de US$ 9 milhões à Universidade de Wisconsin-Madison. Uma publicação de 2009 feita pela universidade em seu site oficial informa que o recurso tinha a finalidade de financiar estudos para identificar mutações em proteínas virais que permitiriam que o vírus da gripe aviária se ligasse aos receptores humanos ou facilitasse a replicação eficiente em células humanas. O objetivo dos estudos era o de monitorar essas mutações na natureza para prever riscos de uma eventual pandemia.

O texto informa que o principal pesquisador do projeto é o virologista Yoshihiro Kawaoka, que atuaria ao lado de um time internacional de cientistas para buscar um método confiável para identificar ameaças de influenza à saúde humana, o que resultaria no desenvolvimento de uma resposta antecipada por parte dos sistemas de saúde, como a distribuição de compostos antivirais e o desenvolvimento e a produção de vacinas.

Ou seja, o objetivo da pesquisa era diferente do apontado na postagem investigada: não desencadear uma pandemia de gripe aviária em humanos, mas identificar os mecanismos por meio dos quais ela poderia surgir e preparar antecipadamente os mecanismos de proteção. A doação também foi divulgada no site da fundação.

Em nota, a Universidade Wisconsin-Madison negou relação da pesquisa com “tornar o H5N1 transmissível para humanos”. De acordo com a instituição, a pesquisa proporcionou informações que têm sido usadas para monitorar o vírus da gripe aviária que circula na natureza. O material foi construído com base em trabalhos anteriores de Kawaoka e seus colegas, que identificaram “crucial mutação que contribui para a letalidade do vírus da gripe aviária em mamíferos”. Ainda segundo a universidade, estes dados estão sendo usados pela OMS e pelo CDC para avaliar o potencial pandêmico do vírus.

Também por nota, a Fundação Bill & Melinda Gates alegou que as afirmações feitas na postagem são falsas. No site da instituição é possível acessar um arquivo com dados de doações já feitas. Estão registradas na tabela 32 doações para “University of Wisconsin” e “University of Wisconsin Foundation”, sendo que apenas uma, de 2009, trata, de acordo com o resumo divulgado, sobre gripe aviária. “Análise de alto rendimento de variantes da gripe aviária para potencial pandêmico”, informa a coluna que aponta o propósito das doações.

As pesquisas de ‘ganho de função’

A alegação feita no tuíte distorce o objetivo dos estudos, ao sugerir ligação com uma ação deliberada para provocar uma nova pandemia, tendo a Fundação Bill & Melinda Gates por trás.

A Universidade de Wisconsin-Madison informou ao Comprova que três estudos publicados conduzidos pelo virologista Yoshihiro Kawaoka foram, pelo menos em parte, financiados pelos US$ 9,5 milhões doados pela Fundação Bill & Melinda Gates. Os estudos foram publicados pelas revistas Nature e Science.

O Comprova enviou os estudos ao National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID), que faz parte do National Institutes of Health dos Estados Unidos (NIH), com questionamentos sobre a segurança das pesquisas e seus resultados. O NIAID respondeu que os questionamentos deveriam ser feitos aos pesquisadores que conduziram os estudos e ao CDC. Além dos três estudos de Yoshihiro Kawaoka, foi enviado ao órgão o trabalho The Multibasic Cleavage Site in H5N1 Virus Is Critical for Systemic Spread along the Olfactory and Hematogenous Routes in Ferrets, liderado por Ron Fouchier, e citado no conteúdo investigado.

O Comprova buscou os pesquisadores e o CDC, mas não houve resposta. O CDC disse que “não comenta sobre descobertas ou reivindicações feitas por indivíduos ou organizações externas ao CDC.”

Já o NIAID enviou um link para seu site com explicações mais genéricas sobre o tipo de estudo que envolve patógenos potenciais de pandemia (PPPs), como o H5N1, nos quais as pesquisas mencionadas se enquadram. São pesquisas conhecidas como “enhanced potential pandemic pathogen (ePPP) research” (pesquisa sobre patógenos pandêmicos potenciais aprimorados), um tipo de estudo que se enquadra nas chamadas pesquisas de “ganho de função” (“gain-of-function” [GOF] research). Os estudos da Universidade de Wisconsin se enquadram nesta categoria.

Segundo o texto, esse tipo de pesquisa busca entender a natureza fundamental das interações entre esses patógenos e o organismo humano, avaliar o potencial pandêmico de agentes infecciosos, como vírus, e informar sistemas de saúde pública voltados, por exemplo, à vigilância e ao desenvolvimento de vacinas e outras medidas médicas. O texto destaca que esse tipo de estudo envolve risco e exige uma supervisão rigorosa.

“Embora essa pesquisa seja intrinsecamente arriscada e exija uma supervisão rigorosa, o risco de não realizar esse tipo de pesquisa e não estar preparado para a próxima pandemia também é alto”, destaca o texto.

O virologista Flavio Fonseca explica que esse tipo de estudo foi usado por muitos anos para entender mecanismos de ganho de patogenicidade.

“Esses estudos foram muito usados há 10, 15, 20 anos atrás e faziam parte de um processo de entendimento para identificar o tipo de mutações que, se detectadas na natureza, devem ser usadas como alarmes para a gente prever o surgimento de cepas altamente patogênicas, de variantes altamente patogênicas, principalmente de vírus respiratórios”, diz Fonseca, que compartilha a opinião pessoal de que esses estudos devem ser limitados por serem “muito arriscados”.

Controvérsias envolvendo pesquisas de Kawaoka e Fouchier

Um texto na revista Science informa sobre as controvérsias no meio científico desencadeadas pelas pesquisas dos virologistas Yoshihiro Kawaoka e Ron Fouchier envolvendo H5N1, quando revelaram, em 2011, “que haviam modificado separadamente o mortal vírus da influenza aviária H5N1 para que se espalhasse entre furões (uma espécie de mamíferos)”, tornando-o mais arriscado para humanos. O texto aborda a aprovação do governo americano para a retomada dos estudos depois de quatro anos em que as pesquisas ficaram suspensas por terem sido consideradas perigosas.

Reportagens publicadas pelo The Intercept e USA Today citam que houve polêmica nesses estudos. A matéria do The Intercept chega a falar em dois acidentes no laboratório de Kawaoka, porém com baixo risco de infecção. A reportagem do USA Today também aborda os acidentes. No entanto, as matérias não mencionam ter comprovadamente havido vazamento de mutação do vírus H5N1 transmissível a humanos dos laboratórios, muito menos uma suposta ação propositada nesse sentido.

Virologistas apontam para mutações na natureza

O virologista Flavio Fonseca afirma que “jamais foi notificado escape” nesses estudos.

“Os estudos, na verdade, são bem conhecidos, são estudos que avaliaram as mutações necessárias para fazer com que o vírus se disseminasse mais rapidamente entre mamíferos”, diz Fonseca. “Não houve escape desses vírus, isso jamais foi notificado. Esse tipo de estudo é conduzido em laboratórios classificados com nível de biossegurança 3 ou nível de biossegurança 4. Os mecanismos de segurança para evitar escape são absolutamente incríveis”.

O virologista Amílcar Tanuri e o infectologista Renato Kfouri, também procurados pelo Comprova, relataram maior probabilidade de surgimento na natureza de uma cepa do vírus H5N1 capaz de infectar humanos, como comumente ocorre com os vírus Influenza, do que em laboratório – possibilidade sobre a qual se mostraram descrentes.

Coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, Tanuri explica que os vírus emergentes e pandêmicos, como o H5N1, “não surgiram pela mão do homem”, diz. Se assim fosse, acrescenta, ele deixaria “assinaturas” características da manipulação genética que teria sido feita.

“Pela análise das sequências dos vírus aviários, dessa gripe aviária, não há nenhuma indicação de ter havido algum processo feito pelo homem”, diz Tanuri.

“O ‘spillover’ (quando há transbordamento de uma espécie para outra) do vírus é característica do influenza”, diz Kfouri. “Isso ocorre ao acaso. Creio que o homem não seria capaz de alterá-lo a ponto dessa perfeição que ocorre ao acaso na natureza”.

Primeiras infecções de gado para humanos são recentes e podem ter origem em ave infectada

Em boletim de 30 de maio deste ano, o CDC reportou dois casos de infecção por H5N1 de trabalhadores rurais nos Estados Unidos durante um surto de gripe aviária em vacas leiteiras. São os “primeiros casos conhecidos de transmissão presumida de vaca para humano de vírus da Influenza A aviária”, informa o boletim. Os trabalhadores tiveram sintomas leves.

O CDC informa no boletim que o sequenciamento genético identificou que a cepa que infectou o gado e um dos trabalhadores rurais foi identificada em aves selvagens, aves comerciais, aves de criação e outros animais nos EUA desde janeiro de 2022. A investigação do outro caso segue em andamento.

Já uma reportagem do The Guardian informa que um estudo ainda não revisado por pares veio a público em maio argumentando que o vírus foi introduzido em vacas leiteiras por meio de uma única introdução de um pássaro selvagem.

O boletim do CDC informa que de 1997 até o final de abril de 2024, um total de 909 casos esporádicos de humanos com A(H5N1) foram relatados mundialmente em 23 países. Destes, 52% foram fatais.

Não há evidência de que novo coronavírus foi modificado em laboratório propositalmente

A postagem feita no X também alega que a covid-19 foi modificada em laboratório para ser capaz de infectar humanos. No entanto, outras verificações já publicadas pelo Comprova mostraram que não há evidência científica de que o SARS-CoV tenha sido criado propositalmente.

Postagem faz menção a médico que teve diversas alegações desmentidas sobre a covid-19

O tuíte faz menção a uma postagem no X de uma fundação criada pelo cardiologista americano Peter McCullough, que, segundo verificações de outras iniciativas de checagem (FactCheck.org e AFP Fact Check), tem promovido, desde o início da pandemia de covid-19, desinformação sobre a doença e vacinas de mRNA. O Comprova já mostrou que ele apresentou evidências enganosas ao sugerir conspiração da ciência contra a cloroquina no tratamento à covid-19 e que fez alegações enganosas ao indicar uma lista de substâncias indicadas para “desintoxicação” da proteína S presente na vacina contra a covid-19. Uma série de outras alegações do médico foram desmentidas por serviços de checagem no exterior.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Temas relacionados à saúde pública são alvos frequentes de desinformação. O Comprova já mostrou, por exemplo, o caso de post enganoso que associou sintomas de covid longa às vacinas contra a doença e que não é necessário detox da proteína da vacina contra o novo coronavírus.

Saúde

Investigado por: 2024-07-01

Post engana ao afirmar que Índia pediu pena de morte a cientista da OMS contrária ao uso da ivermectina contra covid-19

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso que o governo indiano tenha pedido pena de morte para Soumya Swaminathan, ex-cientista-chefe da OMS, por propagar desinformação contra ivermectina no tratamento de covid-19. Além de a ivermectina ser um remédio contra parasitas e vermes e não ter eficácia comprovada contra o Sars-CoV-2, um vírus, o órgão citado em site cujo texto viralizou não representa o poder público indiano. A Indian Bar Association é uma associação voluntária de advogados e não funciona como uma “OAB indiana”, diferentemente do que afirmam os posts enganosos.

Conteúdo investigado: Matéria do site The People’s Voice reproduzida nas redes sociais afirma que a Índia pediu pena de morte para “cientista da OMS que bloqueou o acesso à ivermectina” para tratamento da covid-19.

Onde foi publicado: X, TikTok e Telegram.

Conclusão do Comprova: Post engana ao apontar que a Índia processou e pediu pena de morte para ex-cientista-chefe da Organização Mundial de Saúde (OMS), Soumya Swaminathan, por desincentivar o uso de ivermectina no tratamento da covid-19. O medicamento, que atua contra parasitas e vermes, não tem eficácia comprovada contra o Sars-CoV-2.

O texto do portal The People’s Voice, site conservador que espalhou a desinformação, afirma que o suposto processo foi movido pela Ordem dos Advogados do país. No entanto, a organização citada, Indian Bar Association (IBA), ou Ordem dos Advogados da Índia em português, não tem ligação com o governo do país.

Embora tenha esse nome, a IBA é uma associação voluntária de advogados e não funciona como uma “OAB indiana”, como indicam posts. Na Índia, a associação que tem papel similar ao da Ordem dos Advogados do Brasil é o Bar Council of India.

A IBA enviou um aviso legal para a cientista em 26 de maio de 2021, em que acusa Swaminathan, que trabalhou como cientista-chefe da OMS durante a pandemia, de propagar desinformação contra ivermectina, e outro em 14 de setembro de 2022, por “divulgar a narrativa de que as vacinas contra a covid-19 são completamente seguras”. Essas notificações, ao contrário do que diz postagem, não equivalem a um processo na Justiça. O conteúdo também foi investigado pelo Estadão Verifica. Ao jornal, a OMS afirmou que não recebeu qualquer processo formal contra a cientista.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 28 de junho, um post no X com a desinformação tinha sido visualizado mais de 95 mil vezes e recebido 9 mil curtidas. No TikTok, post semelhante foi retirado do ar.

Fontes que consultamos: Buscamos pela publicação completa no site que aparece na captura de tela. A partir do texto, procuramos no site da India Bar Association informações sobre processos e outros documentos emitidos pela organização. Também entramos em contato com a OMS e a IBA, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Organização já fez outras notificações contra a cientista

Durante a pandemia, a IBA se mostrou atuante contra a vacinação e a favor de tratamentos sem eficácia comprovada contra a covid, como a hidroxicloroquina e a ivermectina.

A primeira notificação legal contra Soumya Swaminathan foi em 25 de maio de 2021. No comunicado, a associação acusa a autoridade em saúde de “realização de uma campanha de desinformação contra Ivermectina por supressão deliberada da eficácia do medicamento ivermectina como profilaxia e para tratamento de covid-19, apesar da existência de grandes quantidades de dados clínicos compilados e apresentado por médicos conceituados, altamente qualificados e experientes médicos e cientistas”.

O texto se refere a uma postagem no X onde a médica reforça o posicionamento da OMS e compartilha declaração da farmacêutica Merck, responsável pela produção do Stromectol (ivermectina), que alerta para a falta de comprovação científica e dados sobre a segurança do medicamento no tratamento contra a covid. A postagem em questão não está mais disponível.

Na notificação, a IBA cita a Front Line Covid-19 Critical Care Alliance (FLCCC), organização que defende o uso de medicamentos ineficazes, e integrantes da aliança, como os médicos Pierre Kory e Paul E. Marik, que já foram citados em outras checagens do Comprova. O grupo brasileiro Médicos pela Vida também é citado.

Em 13 de junho, menos de um mês depois, os advogados voltaram a emitir notificação legal contra Swaminathan, o diretor-geral da OMS, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, e o membro da Direção Geral dos Serviços de Saúde (DGHS) do governo da Índia, Sunil Kumar, em que volta a acusar as autoridades de disseminar desinformação contra a ivermectina.

Pouco depois, em 13 de julho, a India Bar Association apresentou uma queixa formal contra autoridades de saúde e outros divulgadores científicos, entre eles a associação de Bill Gates, por “conspiração e ofensas graves cometidas contra a humanidade na pandemia de covid-19”.

O documento pede que os acusados sejam incriminados por “crime contra a humanidade” e que a prisão seja garantida pela Interpol. Os advogados afirmam que Swaminathan, Tedros Adhanom, Bill Gates, Anthony Fauci, Mark Zuckerberg e outros “são culpados de assassinatos em massa e estarão sujeitos à pena de morte” sem direito a fiança.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo foi verificado por Estadão Verifica e Boatos.org. O uso da ivermectina contra a covid já foi investigado diversas vezes, como quando o Comprova mostrou que um estudo realizado em Itajaí (SC) não provava a eficácia do medicamento e que um post desinformava ao afirmar que pesquisa havia descoberto relação entre a droga e a covid longa.

Saúde

Investigado por: 2024-06-17

Post engana ao associar sintomas da covid longa às vacinas

  • Enganoso
Enganoso
Post engana ao afirmar que existe exame clínico capaz de dizer se uma pessoa “está bem” após ser vacinada contra covid-19. A publicação usa uma fala em que um médico relaciona sintomas como fadiga e perda de memória ao imunizante. Órgãos internacionais de saúde, pesquisas e especialistas apontam que estas condições estão ligadas a consequências da doença e não do imunizante.

Conteúdo investigado: Publicação afirma que apenas um exame é capaz de comprovar que uma pessoa está bem de saúde após receber a vacina contra covid-19 e que este exame não é realizado no Brasil. O post é acompanhado pelo recorte de um vídeo no qual um médico afirma que imunizantes provocam uma “síndrome de inflamação crônica”, que levaria a sintomas como fadiga e problemas de memória. O vídeo é sobreposto pela frase “Quais são as sequelas severas das vacinas?”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Sintomas como perda de memória e fadiga são conhecidos no meio científico como consequências da covid-19, ou sintomas da chamada covid longa, covid crônica ou condições pós-covid. Até o momento, não há um exame clínico que possa diagnosticar essa condição. É enganoso, portanto, afirmar que estas reações estariam entre as características de uma doença supostamente provocada por vacinas contra o coronavírus, como faz o post investigado aqui.

O conteúdo se apoia em uma afirmação do médico infectologista Francisco Cardoso, conhecido por defender o “tratamento precoce” e a cloroquina no tratamento da covid-19, como mostra depoimento na CPI da Pandemia, em 2021. Em outras oportunidades (aqui e aqui), o Comprova se debruçou sobre declarações feitas por ele.

Cardoso abordou o assunto em entrevista ao podcast 3 Irmãos, no dia 22 de maio. Na oportunidade, o médico alegou que os imunizantes provocam “síndrome de inflamação crônica”. Ele também relacionou esta condição com a proteína spike, base de parte das vacinas contra a covid-19. Outros sintomas citados foram dificuldade de raciocínio, queda de cabelo e dificuldade para dormir.

Embora ainda esteja em investigação o fator que leva um paciente a ter covid longa, já é de amplo conhecimento científico que esta condição clínica afeta pessoas com histórico de infecção provável ou confirmada pelo vírus SARS CoV-2, que causa a covid-19. Esta condição foi classificada clinicamente pela primeira vez em 2021 pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Diferentes órgãos internacionais de saúde reconhecem que os sintomas citados no vídeo pelo médico são associados à covid-19 – isso inclui fadiga crônica, névoa mental, queda de cabelo, enfraquecimento das unhas, perda de olfato ou paladar entre outros – e apontam que a vacinação, em vez de provocar, ajuda a evitar as condições pós-covid. Entre os órgãos que apontam, com base em evidências científicas, que a covid longa é associada à covid-19, e não à vacina, estão a OMS, o European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), os Centers for Disease Control and Prevention (CDC, dos Estados Unidos), o National Institutes of Health, também dos Estados Unidos, e o Ministério da Saúde do Brasil.

Além disso, especialistas consultados pelo Comprova reforçam que os sintomas mencionados no vídeo estão relacionados à condição pós-covid, demonstrando que a alegação feita na postagem é enganosa. Eles reiteram que a proteína spike, citada no vídeo como uma espécie de responsável pela inflamação, é uma partícula do vírus que estudos científicos indicaram como a melhor opção para ser usada na produção das vacinas. Ela é capaz de induzir o organismo de uma pessoa a produzir anticorpos contra a doença, mas é naturalmente eliminada poucos dias após a vacinação, como já mostrou o Comprova. Já o vírus, propriamente dito, tem muito mais proteína spike do que o imunizante.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 14 de junho, a publicação alcançou 251,7 mil visualizações.

Fontes que consultamos: A equipe consultou o vídeo completo da entrevista do médico no YouTube e fez pesquisa por publicações relacionadas ao pós-covid. Foram consultados estudos e protocolos internacionais para a covid longa da OMS, do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, do National Institutes of Health (NIH), também dos Estados Unidos, do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) e do Ministério da Saúde.

Também foram entrevistados o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, o infectologista Marcelo Daher, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o médico Celso Granato, especialista em Infectologia pela SBI e em Patologia Clínica pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e o farmacêutico-bioquímico Jorge Luiz Joaquim Terrão, diretor da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC).

Covid crônica é o mesmo que covid longa, e não existe “síndrome pós-spike” provocada pela vacina

No vídeo, Francisco Cardoso aponta alguns sintomas, como fadiga crônica, queda de cabelo, enfraquecimento das unhas e névoa mental como uma “síndrome de inflação crônica” que, segundo ele, seria o principal efeito dos imunizantes.

Ele afirma que o nome correto a se dar a essa doença seria “síndrome do pós-spike”, como se fosse uma consequência direta dos imunizantes, e não da covid-19. Não há evidência que possa sustentar essa afirmação. No mês de abril, o episódio 88 do podcast Fake News Não Pod, do Jornal da USP, abordou a alegação de que existiria uma “síndrome pós-spike” causada pelas vacinas. A cientista biomédica Beatriz Calasense disse que não existe a tal síndrome.

A proteína spike, mencionada em diversas alegações mentirosas sobre a vacina, está presente no Sars-COV-2, o vírus da covid-19, e é ela que permite a entrada do vírus no organismo, levando ao desenvolvimento da doença. Algumas vacinas usam material genético para produzir a spike dentro do organismo, mas ela serve apenas para ensinar o sistema imunológico a se defender do vírus. “Ela atua somente como mensageira para as nossas células imunológicas e logo depois é degradada”, afirma Beatriz Calasense.

Para especialistas ouvidos pelo Comprova, apenas apontar a proteína spike presente na vacina como causa da inflamação é controverso. O infectologista Marcelo Daher aponta, inclusive, que a covid-19 produz mais proteínas spike do que contém na vacina, já que se trata de uma parte do vírus. “E o vírus, quando entra no organismo, produz vírus completo e partículas virais, que a gente chama de vírus incompletos. E esses vírus incompletos têm proteína spike”, explicou o consultor da SBI. Renato Kfouri, da SBIm, aponta a mesma conclusão: “O vírus tem muito mais proteína spike do que qualquer vacina”, declarou.

Diferentemente do que aparece em alegações contrárias às vacinas, é de amplo conhecimento no meio científico que os sintomas citados por Francisco Cardoso são da covid longa, covid crônica ou condições pós-covid, associada à própria covid-19, e não às vacinas.

A OMS fez a primeira classificação clínica desse conjunto de sintomas ainda em 2021, quando descreveu que “a condição pós-covid-19 ocorre em indivíduos com histórico de infecção provável ou confirmada pelo SARS CoV-2, geralmente três meses após o início da covid-19 com sintomas que duram pelo menos dois meses e não podem ser explicados por um diagnóstico alternativo”. O assunto foi novamente discutido pela OMS em 6 de junho de 2024 em sessão do G20 em Salvador (BA).

Essa classificação foi feita após a realização de estudo, ainda em 2021, utilizando a metodologia Delphi, que consiste na discussão de um assunto complexo a partir de grupos de especialistas selecionados de forma anônima e estratégica, que devem ser selecionados em países diferentes, para se ter um panorama representativo.

Os especialistas levaram em conta definições de covid longa feitas por publicações e órgãos renomados, como as revistas Lancet, Nature e Scientific American, a Haute Autorité de Santé (França), e os Centers for Disease Control and Prevention, dos Estados Unidos. Nenhum deles menciona que as condições aparecem após a vacina, e sim após a infecção pelo Sars CoV-2, o vírus que causa a covid-19.

O National Institutes of Health, dos Estados Unidos, define a covid longa como “problemas de saúde que algumas pessoas enfrentam alguns meses após um diagnóstico de covid-19” e aponta que alguns podem ser iguais ou diferentes daqueles da covid, mas elenca a síndrome da fadiga crônica como um deles.

O Portal Europeu de Informações Sobre Vacinação, mantido pela União Europeia, e o European Centre for Disease Prevention and Control classificam a covid longa como “efeitos a longo prazo da infecção de Sars CoV-2” e cita entre os sintomas a perda de olfato ou paladar, cansaço, fraqueza geral, falta de ar e déficit cognitivo. Segundo a Anvisa, o termo “inflamação” é genérico e as próprias bulas das vacinas citam eventos adversos que podem ser considerados inflamação, desde os mais comuns, como dor no local, até os raros, como a miocardite. “É importante destacar ainda que a própria covid é uma doença que pode desencadear cenários de inflamação generalizada ou mesmo crônica”, diz o órgão brasileiro.

Segundo o NIH, que reúne pesquisas sobre a covid longa, ainda estão em curso os estudos para apontar com clareza o que causa as condições pós-covid, mas já existem algumas pistas: a reativação de partículas do vírus SARS CoV-2, que podem fazer com que os sintomas reapareçam; a liberação de altos níveis de substâncias inflamatórias por parte de células imunológicas hiperativas; e a produção de autoanticorpos que atacam os próprios órgãos e tecidos, desencadeada pela infecção.

O NIH aponta que a melhor maneira de se prevenir contra a covid longa é evitar pegar a covid-19, mantendo-se vacinado. Para aqueles que já estão com a covid, o órgão faz recomendações para tentar reduzir as chances de contrair a covid longa:

“Se você não estiver vacinado, a vacinação após a recuperação da covid-19 pode ajudar a prevenir a covid longa. A vacinação contra a covid-19 também pode reduzir a probabilidade de contrair a síndrome inflamatória multissistêmica (MIS-C) [uma complicação tardia grave da infecção por SARS CoV-2] em jovens de 12 a 18 anos”, diz uma página específica do órgão sobre o assunto.

Em nota, o Ministério da Saúde também apontou que estudos clínicos e de farmacovigilância, conduzidos por instituições e organizações de saúde respeitadas mundialmente, refutam a alegação de que a suposta “síndrome da inflamação crônica” esteja associada à vacinação. A pasta citou entidades como OMS, CDC, e a Anvisa entre os responsáveis por estas pesquisas.

Condições citadas no vídeo são associadas à covid, não às vacinas, dizem especialistas

Especialistas ouvidos pelo Comprova reforçam o que os órgãos internacionais e as pesquisas científicas já dizem: os sintomas citados no vídeo são associados à covid, não aos imunizantes. “Hoje, o termo mais aceito internacionalmente e adotado pelo próprio Ministério da Saúde chama-se ‘condições pós-covid’, porque a doença dá tudo isso. A doença dá uma fraqueza, dá fadiga crônica, dá essa névoa cerebral, perda de cabelo, queda das unhas. São mais de 200 sintomas relatados nessas condições pós-covid e que realmente têm assolado um número expressivo de pessoas, não só aqui no Brasil, mas em todo o mundo”, explica Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm.

Ele diz que a fala feita durante o podcast tenta atribuir aos imunizantes uma série de sintomas que, na verdade, são causados pela covid-19. “Não há nenhuma evidência de que as vacinas possam trazer essas condições. Os eventos adversos relacionados às vacinas são muito bem conhecidos, já estão muito bem descritos. Há vários estudos demonstrando que as vacinas previnem as condições pós-covid, não causam condições pós-covid. Então é muito mais frequente condições pós-covid em não-vacinados do que em vacinados”, completa Kfouri.

O infectologista Marcelo Daher também nega que a covid crônica, longa, ou as condições pós-covid sejam causadas pela proteína spike presente na vacina, e concorda com Kfouri ao apontar que os sintomas citados no vídeo são provocados pela covid-19: “O que é bem caracterizado e bem documentado é a doença causando isso. Não tem trabalho mostrando a vacina causando isso”, afirma.

Inflamação celular é complexa e ainda não há teste específico para diagnosticar covid longa

No vídeo, Cardoso menciona a existência de “um exame americano que mede a proteína spike dentro do macrófago humano”, que seria capaz de mostrar a inflamação que ele alega ser causada por vacinas contra a covid-19. Este exame seria de análise de citoquina – ou citocina, termo mais usado no Brasil.

Diferentemente do que diz o médico, as análises de citocinas são feitas em laboratórios brasileiros, segundo o farmacêutico-bioquímico Jorge Terrão, diretor da SBAC, mas é preciso saber a quais delas Cardoso se referia, o que não fica claro no vídeo.

Além disso, o médico Celso Granato, especialista em infectologia e em patologia clínica e associado à SBPC/ML – entidade ligada à área de diagnóstico laboratorial – observa que citocinas e proteína spike são coisas diferentes, e que a fala do médico acaba confundindo as pessoas.

“Ele fala que tem um exame americano que chegou a fazer aqui [no Brasil] e que dosa a citocina, e que lá se encontra a spike. Isso é esquisito, porque para usar um produto de laboratório, tem que ter aprovação da Anvisa. Eu nunca soube de aprovação da Anvisa nesse sentido. Realmente desconheço esse exame”, disse Granato.

Procurada, a Anvisa disse que “não regulamenta protocolos ou procedimentos para exame e diagnóstico de pacientes”, o que cabe às sociedades médicas e científicas. A Anvisa atua na regulamentação dos produtos e dispositivos utilizados nos procedimentos. No entanto, a agência disse que precisaria de mais informações sobre os insumos e dispositivos para responder se eles existem ou não no Brasil.

Quanto à declaração de Cardoso sobre existir um exame nos Estados Unidos, o CDC, órgão oficial do país para controle de doenças, publicou no último dia 10 de junho que “atualmente, nenhum teste laboratorial pode ser usado para diagnosticar definitivamente a covid longa ou para distinguir a covid longa de condições com etiologias diferentes”.

Em setembro do ano passado, um estudo publicado na renomada revista científica Nature disse ter encontrado diferenças entre exames de sangue de pessoas com covid longa e outras sem as condições pós-covid, mas isso não significa que já existe um exame para diagnosticar essas condições, e sim que os resultados representam um passo importante para encontrar uma forma de diagnóstico. Outros estudos avaliam a possibilidade, mas ainda estão em fase de pré-print, ou seja, não foram revisados pelos pares.

SUS faz atendimento de pacientes com pós-covid

Durante a entrevista, Francisco Cardoso diz que não existe tratamento no SUS para o que ele chama de covid crônica. Em nota, o Ministério da Saúde informou que recomenda que a avaliação de pacientes com condições pós-covid sejam realizadas na Atenção Primária à Saúde (APS). De acordo com a pasta, em alguns casos, é recomendado o encaminhamento para os serviços multidisciplinares, de reabilitação e/ou atenção especializada, visando otimizar os recursos disponíveis na Rede de Atenção à Saúde (RAS) e potencializar a resolução de problemas mais complexos.

No texto, o ministério mencionou que, segundo dados do Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (Sisab), entre março de 2022 e abril de 2024, foram realizados mais de 228 mil atendimentos a pessoas com condições pós-covid no âmbito do SUS. A pasta destacou que a organização dos cuidados em saúde no País é coordenada por estados e municípios, levando em consideração os protocolos e diretrizes do SUS e a rede de atenção disponível.

Para Renato Kfouri, da SBIm, ainda não há, de fato, algo a ser feito especificamente contra as condições pós-covid. “Não há nada a ser feito por enquanto, a não ser reabilitar essas condições crônicas e tratar os sintomas e as doenças que vierem a aparecer”, diz. Segundo ele, esse tratamento precisa ser multidisciplinar. Na nota, o Ministério da Saúde também citou a existência de equipes multiprofissionais nas APSs.

Kfouri explica que esta é uma das razões pelas quais a fala de Cardoso é perigosa: faz as pessoas atribuírem um conceito errado às suas condições de saúde e ainda acreditarem que há um tratamento diferente daquele que é feito para as condições pós-covid.

No vídeo, Cardoso ainda é questionado sobre a possibilidade de “tirar o efeito do imunizante do corpo” e o médico afirma que não existe detox de vacina (tratando das doses de forma geral e não de uma marca específica). Daher também argumenta que não existe medida como esta. Outras verificações publicadas pelo Comprova já abordaram o assunto, mostrando, por exemplo, que não há evidência que a proteína spike cause ferimentos nas pessoas imunizadas, nem que medicamentos poderiam eliminá-la do organismo.

Procurado pelo Comprova, Francisco Cardoso argumentou que sua fala foi editada e disse que não conhece o autor da publicação. A postagem traz recorte de 6 minutos e 45 segundos da participação do médico no podcast, que teve duração de mais de uma hora e meia. Apesar do recorte, a fala do médico não foi editada e ele realmente associou os sintomas da covid longa à vacina. O médico alegou ainda que fez declarações sobre sintomas de pós-covid, que ocorrem, segundo ele, após a infecção pelo vírus ou exposição à proteína spike. Cardoso disse que existe “farta evidência científica” sobre a síndrome, mas não indicou suas fontes.

O perfil responsável por compartilhar trecho da entrevista no X não permite o envio de mensagens diretas e, por isso, não foi possível entrar em contato.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Desde 2020, quando os primeiros casos de covid-19 foram diagnosticados no Brasil, o assunto é alvo de desinformação no País. No último mês, o Comprova mostrou, por exemplo, que é enganoso afirmar que miocardite e pericardite ocorrem apenas em pessoas vacinadas e que postagens exageram peso de declaração da Astrazeneca, já que o efeito adverso de vacina já era conhecido.

Saúde

Investigado por: 2024-06-12

Post engana ao dizer que Fauci teria afirmado ser um dos criadores da covid-19 e deletado e-mails sobre origem do vírus

  • Enganoso
Enganoso
Post engana ao afirmar que o médico Anthony Fauci, principal conselheiro da Casa Branca durante a pandemia, teria ocultado que o vírus da covid-19 foi desenvolvido por cientistas dos Estados Unidos usando um laboratório na China. Acusações tiram de contexto mensagens de Fauci divulgadas em 2021.

Conteúdo investigado: Post afirma que Anthony Fauci “foi novamente exposto” no Senado norte-americano. “A covid-19 foi oficialmente desmascarada como um projeto do governo dos Estados Unidos. Um vírus desenvolvido por cientistas norte-americanos usando um laboratório biológico na China”, escreve o autor do conteúdo, que acompanha vídeo do congressista Ronny Jackson fazendo críticas a Fauci. No início do vídeo, a legenda sobre a imagem de Fauci sugere que ele teria dito: “Nós criamos a covid e deletamos todos os documentos de sua origem”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: É enganoso o post segundo o qual o infectologista Anthony Fauci, conselheiro principal de saúde na Casa Branca durante a pandemia, teria confessado participação na criação do vírus da covid-19 e deletado documentos sobre a origem do novo coronavírus. A publicação usa as declarações do deputado norte-americano Ronny Jackson durante audiência com o médico promovida pelo Subcomitê sobre a Pandemia do Coronavírus em 3 de junho. O grupo avalia a atuação do governo frente à pandemia e tem feito audiências para investigar a origem do vírus.

Após acusar Fauci de “falhar miseravelmente” em sua atuação frente à pandemia, Jackson, do Partido Republicano, diz que o ex-diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (Niaid, na sigla em inglês), ligado ao Instituto Nacional de Saúde norte-americano (NIH), teria muito a perder “se o povo americano descobrisse que a covid-19 provavelmente vazou de um laboratório em Wuhan, na China”. Como o Comprova mostrou, ainda não há evidência científica de que o vírus tenha sido criado no local e sua origem ainda está sendo pesquisada.

O deputado também acusou Fauci de ter financiado, por meio do NIH, pesquisas de “ganho de função” conduzidas de forma imprudente no laboratório. Pesquisas de ganho de função envolvem modificações genéticas em um vírus para avaliar se estas tornam o patógeno mais mortal ou contagioso. Fauci declarou, em 2021, que o NIH nunca financiou pesquisas de ganho de função no Instituto de Virologia de Wuhan.

Uma das acusações feitas contra Fauci se baseia em troca de mensagens entre o imunologista e Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, ONG com sede nos Estados Unidos que desenvolve programas de pesquisa relacionados à saúde. O post enganoso distorce o conteúdo dos emails ao afirmar que Daszak teria agradecido Fauci por “esconder que o vírus veio de laboratório“. O email de Daszak elogiava uma declaração pública dada pelo então diretor da Niaid em que ele rejeitou a teoria do vazamento, sem qualquer menção sobre esconder a verdade. O Comprova já fez uma verificação sobre o assunto.

Os emails de Fauci foram divulgados em 2021, após um pedido via Lei de Liberdade de Informação (FOIA, na sigla em inglês) feito por veículos de imprensa. Mas o post investigado aqui desinforma ao dizer que ele teria deletado emails sobre a origem do coronavírus. Um funcionário do NIH incentivou colegas a usar seus emails pessoais como uma maneira de proteger Fauci, mas não há evidências de que a sugestão tenha vindo do médico ou de que ele tenha deletado emails.

Contatado pelo Comprova, o autor do post, BielConn, que se descreve no X como “especialista em desmascarar fraudes que até ‘ontem’ eram teorias da conspiração”, afirmou ter traduzido o que Ronny Jackson disse. Sua página no X saiu do ar após o contato da reportagem.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post foi visualizado ao menos 432 mil vezes até o perfil ser retirado do ar.

Fontes que consultamos: Buscamos primeiramente entender de que se tratava a audiência por meio de notícias e canais oficiais da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. Também pesquisamos por notícias da época, onde pudemos encontrar, na íntegra, os emails de Fauci divulgados em 2021.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já checou conteúdos que acusam Anthony Fauci de afirmar que o novo coronavírus aparenta ser fruto de engenharia genética e que máscaras são inúteis e que alegam que emails do imunologista revelam que o Sars-CoV-2 foi criado em laboratório. Também mostrou ser enganoso que Fauci e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) estariam dizendo que “as vacinas não protegem”.

Saúde

Investigado por: 2024-06-10

É enganoso afirmar que miocardite e pericardite ocorrem apenas em pessoas vacinadas contra a covid

  • Enganoso
Enganoso
Estudo preprint, não revisado por pares, não permite afirmar, de forma ampla, que miocardite e pericardite ocorrem apenas em pessoas vacinadas contra a covid, como afirma um post. Há literatura científica publicada que sugere o contrário. De acordo com esses estudos, revisados por pares, a probabilidade de miocardite como consequência da infecção pelo coronavírus chega a ser sete vezes maior do que em pessoas imunizadas. Autores do estudo preprint afirmam que suas conclusões foram distorcidas pela postagem aqui investigada.

Conteúdo investigado: Postagem com link de artigo publicado pelo site Médicos Pela Vida com o título “Miocardite e pericardite ocorrem apenas em vacinados, revela estudo”. O texto afirma que casos de miocardite e pericardite foram registrados somente em grupos de crianças e adolescentes vacinados contra covid-19 e que o Ministério da Saúde desinforma ao dizer que quem recebeu os imunizantes contra o coronavírus tem menos chances de desenvolver miocardite do que pessoas não vacinadas.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: O grupo Médicos Pela Vida, associação criada na pandemia que defende “tratamento precoce” e medicamentos como a hidroxicloroquina contra a covid-19, se baseia em um estudo não revisado por pares para afirmar que “miocardite e pericardite ocorrem apenas em vacinados”. Um post no X publicado no perfil deles sugere uma conclusão abrangente que não condiz com a literatura científica publicada até o momento sobre o tema.

A afirmação enganosa destaca uma frase do estudo, que diz que “entre adolescentes e crianças, miocardite e pericardite foram documentadas apenas nos grupos vacinados”. O estudo em questão, que analisou dados de mais de um milhão de crianças e adolescentes, observou que essas ocorrências foram muito raras.

Ao Comprova, Edward Parker e William J. Hulme, dois pesquisadores envolvidos no estudo, afirmaram que suas conclusões foram distorcidas pelo Médicos Pela Vida. Parker acrescentou que não foi estabelecida relação de causalidade entre as enfermidades e as vacinas.

Além disso, o estudo é um preprint, ou seja, não foi revisado por pares, processo exigido para validação e posterior publicação em revista científica de referência.

O texto também engana ao afirmar que o Ministério da Saúde espalha desinformação ao dizer que “quem se vacinou contra covid-19 tem menos chance de desenvolver miocardite”. A declaração do órgão tem respaldo em, pelo menos, dois estudos revisados por pares. Um deles foi publicado pela editora Frontiers e mostra que o risco de miocardite é mais de sete vezes maior em pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 do que naquelas que receberam a vacina. Foram analisados dados de 58 milhões de pessoas.

Outro estudo publicado pela revista Circulation, da Associação Americana do Coração, mostrou que o risco de miocardite é maior após infecção por SARS-CoV-2 em indivíduos não vacinados do que após a vacinação. Neste, foram observados 43 milhões de casos.

Ao Comprova, o autor do post investigado reforçou os argumentos defendidos no artigo publicado no site Médicos Pela Vida e a crítica ao Ministério da Saúde.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 7 de junho, o post tinha 87,7 mil visualizações, 4 mil curtidas, 2 mil compartilhamentos e 117 comentários.

Fontes que consultamos: Estudos científicos revisados por pares, os autores do preprint, o virologista Flávio Fonseca, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o estudo mencionado pelo Médicos Pela Vida e checagens anteriores do Comprova sobre o tema. Fonseca indicou os estudos apresentados nesta verificação.

Casos são raros, como o próprio preprint destaca

Casos de miocardite e pericardite como efeito adverso pós-vacinação com imunizantes de mRNA são conhecidos e raros. A informação consta na bula da vacina Pfizer-BioNTech (BNT162b2), também chamada Comirnaty, que foi aplicada no grupo de mais de um milhão de pessoas observadas no estudo a que o Médicos Pela Vida se refere. Segundo a bula, casos muito raros de miocardite e pericardite foram relatados após a vacinação. A proporção em pessoas acima de 5 anos de idade é de menos de 1 caso a cada 10 mil doses aplicadas.

“Geralmente os casos são leves e os indivíduos tendem a se recuperar dentro de um curto período de tempo após o tratamento padrão e repouso”, diz a bula do medicamento.

O próprio estudo destaca que, no universo analisado, os casos de miocardite e pericardite foram raros, sem registro de mortes. “Embora raros, todos os eventos de miocardite e pericardite durante o período do estudo ocorreram em indivíduos vacinados: não houve mortes após miocardite ou pericardite”, diz trecho do estudo, na seção “Discussão”. Mais acima, é relatada a proporção de 27 e 10 casos por milhão de miocardite e pericardite, respectivamente.

O estudo é um preprint, ou seja, não foi revisado por pares e, portanto, como consta na publicação, não deve ser usado para orientar a prática clínica. Além disso, ele não tem o objetivo de analisar ocorrência de miocardite em infectados por covid-19 versus vacinados, mas sim a efetividade da vacinação em crianças e adolescentes. “A observação de miocardites é apenas um achado exploratório”, diz o virologista Flávio Fonseca.

Autores do estudo dizem que conclusões foram distorcidas

Ao Comprova, dois pesquisadores envolvidos no preprint citado como referência no texto do Médicos Pela Vida afirmam que as alegações apresentadas são interpretações errôneas do que o estudo avaliou.

“O número pequeno de casos de miocardite/pericardite ocorreu em indivíduos vacinados. No entanto, avaliar a causalidade é muito desafiador, pois existem outras explicações possíveis para o registro desses casos. Por exemplo, as vacinações em nosso estudo ocorreram após a miocardite e a pericardite terem sido discutidas na mídia, então essa maior conscientização pode ter causado diferentes padrões de comportamento de busca por saúde e diagnóstico após a vacinação”, afirma Edward Parker, professor assistente na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (LSHTM).

Ele reforça que a pericardite e miocardite foram muito raras tanto em crianças quanto em adolescentes no estudo. “Também vale mencionar que entre os adolescentes em nosso estudo, a vacinação foi associada a uma redução nas internações e hospitalizações por covid, apoiando os efeitos protetores da vacinação como um todo”, destaca.

Já William J. Hulme, da Divisão de Ciências Médicas da Universidade de Oxford, explica que não é possível dizer, a partir do estudo, que o risco de miocardite pós-vacinação é maior em comparação com o risco de miocardite após a infecção pelo coronavírus.

“A nossa é uma análise observacional, e sempre há a possibilidade de confundimento não mensurado e outros vieses. No entanto, nós nos propusemos a responder à pergunta ‘a vacinação em crianças reduz a ocorrência de eventos relacionados à covid, e ela aumenta a ocorrência de certos eventos adversos?’”.

“Embora não tenhamos identificado nenhum caso de miocardite ou pericardite no grupo não vacinado, isso não significa que nenhum ocorreu em todas as crianças não vacinadas, pois incluímos apenas crianças não vacinadas que foram pareadas com crianças vacinadas em nossa análise”, avalia.

Miocardite: incidência em infectados por covid-19 é sete vezes maior do que em vacinados

Ao contrário do que afirma o Médicos Pela Vida, estudos revisados por pares e publicados em revistas científicas mostram que a probabilidade de uma pessoa sofrer miocardite como resultado de infecção por covid-19 é muito maior do que como evento adverso pós-vacinação – como afirma o tuíte do Ministério da Saúde enganosamente chamado de “desinformação” pelo Médicos Pela Vida.

O estudo Myocarditis in SARS-CoV-2 infection vs. COVID-19 vaccination: A systematic review and meta-analysis, publicado pela editora científica Frontiers, mostra que o risco de miocardite é mais de sete vezes maior em pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 do que naquelas que receberam a vacina. “Estes achados apoiam a continuidade do uso das vacinas de mRNA contra a COVID-19 entre todas as pessoas elegíveis conforme as recomendações do CDC e da OMS”, conclui o estudo.

Os autores conduziram uma revisão sistemática de 22 estudos publicados em diferentes países, com um total de 58 milhões de participantes. O estudo foi repercutido no site da Universidade da Pensilvânia.

Publicado no jornal Circulation, da Associação Americana do Coração (American Heart Association), o estudo Risk of Myocarditis After Sequential Doses of COVID-19 Vaccine and SARS-CoV-2 Infection by Age and Sex analisou dados de 43 milhões de pessoas na Inglaterra e mostrou que “o risco de miocardite é substancialmente maior após infecção por SARS-CoV-2 em indivíduos não vacinados do que o risco observado após uma primeira dose da vacina ChAdOx1nCoV-19, e uma primeira, segunda ou dose de reforço da vacina BNT162b2”. O estudo é citado no tuíte do Ministério da Saúde.

Em outro estudo (One-Year Risk of Myocarditis After COVID-19 Infection: A Systematic Review and Meta-analysis), que analisou casos de mais de 20 milhões de pessoas, constam os seguintes dados: miocardite ocorreu em cerca de 0,2 a cada 1000 pacientes que tiveram e sobreviveram à infecção por covid-19. Ou seja, 200 casos por milhão. Já a miocardite como complicação rara das vacinações de mRNA tem uma incidência estimada de cerca de 12,6 casos por milhão de aplicações da segunda dose da vacina de mRNA.

Portanto, a incidência da miocardite em vacinados é mais de 10 vezes menor do que em pessoas infectadas por covid-19.

Miocardite como consequências da covid

Já o estudo Understanding COVID-19-related myocarditis mostra como a infecção por covid-19 pode provocar miocardite, uma inflamação do miocárdio, músculo cardíaco que reveste o coração. Segundo a publicação, a causa mais comum de miocardite são as infecções por vírus, sendo o SARS-CoV-2 um deles. “Assim como outros tipos de vírus, o SARS-CoV-2 pode causar miocardite após infectar o tecido miocárdico, o que é atribuído ao dano direto do vírus e às reações inflamatórias descontroladas”, explica o estudo.

Para o virologista Flávio Fonseca, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o argumento analisado nesta checagem não se sustenta diante das evidências científicas já publicadas:

“O argumento forte é o do Ministério da Saúde, que se baseia numa série de estudos publicados em revistas importantes como a Frontiers, que indicam que o risco de miocardite em pessoas que se infectam com o vírus é maior do que o risco em pessoas vacinadas, independente dessas pessoas vacinadas terem ou não covid-19 no futuro”, diz Fonseca. “O Ministério está correto em sua afirmação, enquanto o grupo de médicos (Médicos Pela Vida) pinçou uma frase solta dentro de um artigo não revisado por pares para embasar seu argumento. O argumento forte continua sendo o do Ministério, enquanto que o do grupo de médicos é fraco e facilmente derrubável, digamos assim”.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As vacinas contra a covid-19 são alvo frequente de peças de desinformação. O Comprova já mostrou que a proteção oferecida por elas supera o risco de miocardite em crianças, que não é necessário detox de proteína dos imunizantes e que é enganosa a montagem em que uma deputada associa miocardite de jogador à vacinação. Também mostrou que é falsa a alegação de que a OMS teria admitido que bebês de mães vacinadas estariam nascendo com problemas no coração.

Contextualizando

Investigado por: 2024-05-07

Postagens exageram peso de declaração da Astrazeneca em processo; efeito adverso de vacina já era conhecido

  • Contextualizando
Contextualizando
A Astrazeneca declarou em tribunal no Reino Unido que a Síndrome de Trombose com Trombocitopenia (STT) pode ser um dos efeitos raros do imunizante contra covid-19, segundo reportagem do jornal The Telegraph publicada na última semana. A publicação tem gerado reações de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Uma postagem do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-mandatário, afirma que o pai “sempre esteve certo” nas críticas às vacinas. O risco, no entanto, já era conhecido, pois está presente na bula desde 2021.

Conteúdo analisado: Postagens afirmam que Bolsonaro estava certo ao duvidar das vacinas contra covid-19 e relacioná-las a casos de embolia e trombose após a Astrazeneca ter admitido que o imunizante pode ocasionar Síndrome de Trombose com Trombocitopenia (STT) em casos raros.

Contextualizando: Uma declaração da farmacêutica Astrazeneca gerou uma série de reações de grupos que questionam a segurança do imunizante contra a covid-19 produzido pela companhia. Em documentos judiciais, a empresa afirma que a vacina produzida em parceria com a Universidade de Oxford pode causar Síndrome de Trombose com Trombocitopenia (STT), com incidência rara, afetando uma a cada 100 mil pessoas vacinadas. A farmacêutica é alvo de uma ação coletiva no Reino Unido que alega que o imunizante causou ferimentos graves e até a morte de dezenas de pessoas no país.

A afirmação, revelada pelo The Telegraph, foi feita pela defesa da farmacêutica na Suprema Corte britânica em resposta ao processo movido pela família de Jamie Scott, homem que ficou com lesão cerebral permanente ao ter uma hemorragia um dia após tomar a vacina. A família de Scott acredita que a lesão foi causada pelo imunizante.

A Astrazeneca defende que os casos passem por uma perícia. “Admite-se que a vacina AZ pode, em casos muito raros, causar STT. O mecanismo causal não é conhecido. Além disso, a STT também pode ocorrer na ausência da vacina AZ (ou de qualquer imunizante).”. Em 2023, a empresa declarou que não acredita “que a STT seja causada pela vacina a nível generalizado”.

Diferentemente do que sugerem Eduardo Bolsonaro e outros perfis que postaram o conteúdo, a incidência de casos raros de coágulos em imunizados não é um segredo. A informação está disponível na bula da vacina desde 23 de abril de 2021, o que pode ser conferido no histórico de bulas do site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A vacina da Astrazeneca teve o uso emergencial aprovado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em fevereiro de 2021. No Brasil, ela foi produzida pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) e aprovada pela Anvisa no mesmo mês.

Também diferentemente do que afirmam o deputado federal e outras pessoas em redes sociais, a notícia publicada pelo jornal britânico não indica que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estava certo ao criticar as vacinas como forma de combater a pandemia de covid-19.

Em março de 2021, a aplicação do imunizante da Astrazeneca chegou a ser suspensa em países da União Europeia após a ocorrência de casos de coágulos sanguíneos atribuídos à vacina. Após uma análise, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) concluiu que a formação de coágulos é efeito muito raro, que pode acontecer em uma a cada 100 mil pessoas vacinadas, e que reações ao imunizante são geralmente leves e passam em poucos dias.

Diante disso, a agência declarou que os benefícios da vacina Astrazeneca na prevenção da covid superam os riscos de efeitos secundários. A base desta conclusão é o fato de que a imensa maioria dos efeitos adversos das vacinas são leves e moderados, enquanto os efeitos graves são muito raros. No caso da covid-19, a chance de a doença matar os não vacinados era significativamente maior do que a chance de a doença levar a óbito uma pessoa com o esquema vacinal completo. Por isso, inúmeras agências de saúde e especialistas afirmam que os benefícios da vacinação superam seus riscos.

Em nota enviada ao Comprova, a FioCruz afirmou que a vacina da Astrazeneca foi considerada segura e eficaz tanto pelo Ministério da Saúde como pela Anvisa e que ela segue recomendada pela OMS para pessoas acima de 18 anos “uma vez que seus possíveis efeitos adversos graves, como a Síndrome de Trombose com Trombocitopenia, são extremamente raros”.

Fontes consultadas: Buscamos por informações sobre o caso na Justiça para entender as denúncias contra a farmacêutica. Em seguida, procuramos a bula do imunizante e os selos de aprovação dos órgãos competentes, que atestam a segurança da vacina. Pesquisas sobre notícias na época mostraram ainda que a agência europeia recomenda o uso da vacina da Astrazeneca.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O Comprova já mostrou ser enganoso que pesquisadores descobriram relação entre vacina e covid longa e que o Brasil tenha comprado imunizantes banidos em outros países. Também é falso que estudo de Cambridge comprove que pessoas vacinadas contra o novo coronavírus adquiriram Aids e que a Suprema Corte dos EUA decidiu que as vacinas contra a covid-19 “não são vacinas”.

Saúde

Investigado por: 2024-05-06

Moderna não admitiu que DNA residual em vacinas pode levar a câncer

  • Enganoso
Enganoso
Não é verdade que a farmacêutica Moderna tenha admitido que o DNA residual em suas vacinas de RNA mensageiro (mRNA), como a contra a covid-19, possa causar câncer nos imunizados. Ao Comprova, a empresa afirmou que o DNA residual é uma impureza relacionada ao processo de fabricação que não afeta a segurança e a eficácia do produto. O Federal Drug Administration (FDA), agência reguladora do governo dos EUA, também nega que as vacinas de mRNA causem câncer.

Conteúdo investigado: Post afirma que a farmacêutica Moderna admitiu que as vacinas contra a covid-19 estão contaminadas por DNA e, portanto, podem causar defeitos congênitos e câncer. Em um vídeo compartilhado junto à alegação, o médico norte-americano Robert Malone, conhecido por desinformar sobre as vacinas, diz o mesmo, acrescentando que a contaminação poderá causar qualquer doença que esteja associada com danos ao DNA.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Post viral engana ao afirmar que a farmacêutica Moderna tenha admitido que sua vacina contra a covid-19 possa levar a pessoa imunizada a desenvolver câncer por conta de resíduos de DNA no produto. De fato, há DNA residual em vacinas de mRNA, como a da Moderna, mas isso não interfere na segurança.

“Nossa vacina contra a covid-19 foi submetida a extensos testes clínicos e não clínicos para demonstrar sua eficácia, qualidade e segurança”, afirmou a farmacêutica ao Comprova. A empresa explicou que “o DNA residual é uma impureza relacionada ao processo de fabricação” que não afeta o produto final. Também disse que seus processos seguem padrões estabelecidos extensivamente e revistos por órgãos reguladores.

Conclusão semelhante tem o Food and Drug Administration (FDA), órgão norte-americano de vigilância sanitária. Em documento de 2023 sobre DNA residual em vacinas de mRNA, a agência afirma que “não há nada que indique danos ao genoma, como o aumento das taxas de câncer” e garante a segurança e eficácia de todos os imunizantes aprovados nos Estados Unidos (o da Moderna é um deles).

No Brasil, duas vacinas contra a covid produzidas pela farmacêutica são registradas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Spikevax bivalente e a Spikevax monovalente. A última teve o registro concedido em março e está atualizada para proteger contra a variante Kraken. Nesta semana, as primeiras doses do imunizante chegaram ao Brasil como parte de um contrato assinado no mês passado para a aquisição de 12,5 milhões de doses.

O post usa trecho de fala do médico Robert Malone, conhecido por desinformar sobre vacinas. O mesmo vídeo foi utilizado em outra publicação enganosa verificada pela Comprova nesta semana, também atacando, sem evidências, a vacina da Moderna.

O Comprova tentou falar com o autor do conteúdo, mas o perfil no X não recebe mensagens. Não foram identificados perfis semelhantes em outras redes sociais.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post aqui checado teve 97,9 mil visualizações até 6 de maio, além de ser compartilhado mil vezes e somar duas mil curtidas.

Fontes que consultamos: Procuramos a farmacêutica citada no post e consultamos a FDA e informações sobre a audiência em que a fala do médico foi gravada. Também localizamos outras checagens sobre o assunto e tentamos contato com o autor do post.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A alegação aqui verificada também foi alvo de checagens fora do Brasil e desmentida por USA Today e Lead Stories. O Comprova já checou anteriormente ser falso que vacina contra covid-19 cause danos irreversíveis ao DNA e demonstrou que os imunizantes não provocam câncer.

Saúde

Investigado por: 2024-05-02

É enganoso que Brasil tenha comprado vacina contra a covid banida em outros países

  • Enganoso
Enganoso
Não é verdade que o Brasil comprou vacinas que foram banidas em diversos países, diferentemente do que afirma post. As primeiras doses vendidas pelo laboratório Moderna foram realocadas para diferentes públicos ao longo das campanhas, mas nunca excluídas das ações. A versão atual do imunizante é aprovada pela Anvisa e recomendada pela OMS.

Conteúdo investigado: Mensagens no X e no Telegram sobre a compra pelo governo brasileiro de mais de 12 milhões de doses da vacina contra a covid-19 da Moderna. Post afirma que “inúmeros países” já baniram o imunizante “devido a graves problemas”.

Onde foi publicado: X e Telegram.

Conclusão do Comprova: Post engana ao afirmar que o Brasil acaba de comprar uma vacina contra a covid-19 banida em inúmeros países. O governo federal anunciou a aquisição de 12,5 milhões de doses da farmacêutica Moderna em 19 de abril. Segundo o Ministério da Saúde, o lote faz parte dos imunizantes mais atualizados contra a doença, aprovado pela Anvisa e recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O imunizante que o responsável pelo post se refere é a versão original (bivalente), que teve o público-alvo alterado em alguns países por causa de efeitos adversos. No entanto, a vacina Moderna não foi banida.

Como o próprio post mostra, na Suécia, por exemplo, o governo suspendeu a vacina para menores de 30 anos em outubro de 2021. Mas, o que o post não informa é que órgãos de saúde do país voltaram a oferecer o imunizante em outubro de 2022, com novas diretrizes para crianças acima de seis anos.

Outro exemplo de país que teria banido a vacina, segundo o post, foi o Japão, mas isso não ocorreu. Em agosto de 2021, o governo suspendeu o uso de 1,63 milhão de doses após “relatos de contaminantes em alguns frascos”. Diferentemente do que o post sugere, não foi identificado nenhum problema de segurança ou eficácia e a suspensão foi apenas uma precaução, segundo autoridades japonesas e a Moderna.

Como reações adversas graves, a bula da versão atual da vacina cita casos de miocardite e pericardite, condições que afetam o coração. Ainda assim, o risco de desenvolvimento dessas doenças, segundo a farmacêutica, é muito raro e ocorre em menos de 0,01% dos pacientes que utilizam o medicamento. A maioria se recuperou, mas há casos fatais, segundo o laboratório. As reações mais comuns são inchaço, dor de cabeça, dores musculares, náuseas e diarreia.

A publicação também traz um vídeo traduzido do inglês em que o médico Robert Malone fala sobre riscos da vacina da Moderna a congressistas norte-americanos. A sessão foi gravada em Washington em 2023 e divulgada pela republicana Marjorie Taylor Green, publicamente anti-vacina e que já teve o perfil do X derrubado por compartilhar desinformação sobre a covid-19. Malone também é conhecido por difundir informações falsas sobre vacina e já foi desmentido diversas vezes.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, a publicação teve, até 30 de abril, mais de 118,8 mil visualizações e, no Telegram, 4 mil.

Fontes que consultamos: Links dos sites New York Post, BMJ e The Straits Times, citados pelo autor, do Ministério da Saúde e da OMS.

Moderna diz que vacina está atualizada

Um dos argumentos do post que tenta descredibilizar a vacina é o de que a dose atual produzida pela Moderna não protege os humanos da variante do coronavírus em circulação, o que não é verdade. A publicação compartilha outro post de um médico infectologista alegando que o imunizante não combate a linhagem JN.1, descendente da XBB e que vem aumentando de forma exponencial entre os infectados.

Em dezembro de 2023, a OMS publicou uma diretriz sobre qual deveria ser a composição dos imunizantes para acompanhar a evolução do vírus. Na nota, a organização manteve a recomendação de usar como antígeno vacinal uma linhagem descendente da variante XBB.1, como a XBB.1.5. A orientação já vinha sendo aplicada pelos laboratórios desde maio do ano passado. Segundo a OMS, pesquisas indicam que vacinas com essa composição tiveram resultados positivos na neutralização da JN.1. A entidade pondera que os dados ainda são limitados.

Ao divulgar informações sobre o acordo fechado com o governo brasileiro, a Moderna esclareceu, em nota oficial, que a farmacêutica “gerou dados pré-clínicos e clínicos de sua vacina candidata monovalente XBB.1.5 mostrando uma resposta imunológica contra sub-linhagens XBB e cepas atualmente circulantes do vírus SARS-CoV-2, incluindo JN.1”. Ou seja, o imunizante apresentou benefícios no combate à variante em circulação.

Em um texto publicado no site do Ministério da Saúde, o médico infectologista e doutor em Epidemiologia Sérgio de Andrade Nishioka explicou que todas as vacinas usadas atualmente protegem contra formas graves da covid-19, independentemente da linhagem. “Novas variantes como JN.1, porém, são mais transmissíveis que as variantes anteriormente mais prevalentes, e podem infectar e causar doença em pessoas previamente imunizadas pela vacina e/ou infecção anterior.” Todas as vacinas aprovadas pela Anvisa apresentaram resultados eficazes e de segurança; essa é a principal estratégia de prevenção.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Diversas publicações com informações falsas sobre vacinas foram checadas pelo Comprova, incluindo a de que um estudo de Cambridge comprovou que pessoas vacinadas contra a covid-19 adquiriram Aids e que o imunizante cause danos irreversíveis ao DNA.