O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Comprova Explica

Investigado por: 2024-04-11

Não há casos de H5N1 em humanos no Brasil

  • Comprova Explica
Comprova Explica
O vírus H5N1 é responsável por causar a influenza aviária, doença infecciosa que pode atingir aves e mamíferos, inclusive humanos. Apesar de a região das Américas enfrentar uma epidemia desse tipo de infecção, apenas quatro casos em humanos foram confirmados nos últimos dois anos, nenhum deles no Brasil, que registrou a doença apenas em aves silvestres. Ao Comprova, o Ministério da Agricultura e Pecuária informou que o país permanece livre do surto, e que o consumo de carne de aves, ovos e derivados é seguro.

Conteúdo analisado: Publicação compartilha manchete da agência internacional de notícias BNO News sobre um caso de gripe aviária confirmada em um humano no Texas, nos Estados Unidos, após contato com vacas infectadas. Nessa e em outras postagens nas redes sociais usuários comentam demonstrando preocupação com o alastramento da doença e a infecção de seres humanos.

Comprova Explica: Posts sugerindo uma nova pandemia, agora da influenza aviária, têm circulado nas redes sociais, gerando preocupação entre os leitores. Contra uma possível onda de pânico, o Comprova traz detalhes sobre a doença e mostra que, ao contrário do que sugerem as publicações, os casos em humanos são isolados, como esclareceu a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

A influenza aviária é uma doença viral infecciosa que pode infectar aves e mamíferos, incluindo humanos. Segundo a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), desde 2022, a região das Américas enfrenta uma epidemia de Influenza Aviária de Alta Patogenicidade (IAAP) – que produz sintomas em praticamente todos os infectados–, associada ao vírus influenza subtipo A (H5N1) em aves domésticas, aves e mamíferos silvestres.

No Brasil, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) notificou à OMSA as primeiras detecções de influenza aviária em aves silvestres no Espírito Santo, em 15 de maio de 2023. Em 4 de outubro do mesmo ano, a pasta confirmou um foco de gripe aviária em leões-marinhos no Rio Grande do Sul. O registro mais recente foi feito em 5 de abril de 2024, no Rio de Janeiro, segundo o Ministério da Saúde.

Até o momento, não houve casos confirmados em humanos. Além disso, o Mapa esclareceu ao Comprova que a OMSA segue considerando o Brasil como livre de IAAP nas aves comerciais, sendo seguro consumir carne, ovos e derivados.

Segundo a diretora do Laboratório de Virologia do Instituto Butantan, Viviane Botosso, os surtos da doença vêm ocorrendo em ondas desde o final da década de 1990, a depender das mutações do vírus H5N1. De acordo com a pesquisadora, a tendência, neste ano, é de uma redução no número de casos entre os animais, já que o pico foi registrado em 2023. “É um problema global, que começou em 2020 em países da Europa e da Ásia, e, recentemente, chegou à América.”

Botosso também afirmou que a infecção entre vacas é uma novidade, provavelmente em função de adaptações do vírus, e que, até então, a contaminação ocorria principalmente entre aves silvestres. Além disso, segundo ela, o risco de transmissão entre humanos é baixo. “O receptor do influenza aviário é ligeiramente diferente do receptor do influenza humano, então nós não temos os receptores em abundância para esse vírus. Por isso, é difícil ter a transmissão. Não se sustenta”, explicou ao Comprova.

Como verificamos: Inicialmente, procuramos pela informação sobre mais um caso de influenza aviária em humanos em outros sites da imprensa. Em seguida, buscamos explicações e orientações sobre o H5N1 junto aos Ministérios da Saúde e da Agricultura e Pecuária e ainda com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), além do panorama da doença no Brasil e na região das Américas. Por fim, consultamos uma especialista do Instituto Butantan.

H5N1 em humanos

Segundo o Ministério da Saúde, essa transmissão é rara, mas pode acontecer por meio de contato direto com aves infectadas ou pela inalação de secreções ou excreções de animais doentes.

Nas Américas, os casos de infecção em humanos associados à epidemia são isolados, com quatro relatados até o momento, sendo um no Equador, em janeiro de 2023, outro no Chile, em março do mesmo ano, bem como um nos Estados Unidos, em abril de 2022, e o mais recente, também nos EUA. Em 1º de abril, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) confirmou que uma pessoa no Texas foi infectada com o vírus da gripe aviária H5N1 após exposição a vacas leiteiras supostamente infectadas.

As manifestações clínicas incluem desde um quadro de infecção respiratória leve até a progressão rápida para desconforto respiratório, pneumonia grave e óbito. Os sintomas podem ser consultados no site do Ministério da Saúde. Ainda de acordo com a pasta, em casos suspeitos ou confirmados, é indicada a prescrição de um medicamento antiviral, preferencialmente nas primeiras 48 horas após o início dos sintomas.

Segundo a OPAS, existem vacinas de uso humano contra a influenza aviária, mas são de uso restrito. Como o risco de infecção humana permanece baixo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda a vacinação da população no período interpandêmico – fase de vigilância após uma epidemia ou pandemia. A OMS orienta a imunização contra a influenza sazonal, com campanhas anuais, em pessoas com risco de infecção pelo vírus da influenza A (H5), especialmente em áreas com circulação da doença.

“É um vírus tipicamente de aves, não está adaptado para infecções em humanos. Podem ocorrer infecções pontuais, como esse caso recente no Texas, mas não é um vírus de transmissão entre humanos”, explica Viviane Botosso, do Instituto Butantan. No caso do paciente americano, o Departamento de Saúde do Texas informou que o sintoma apresentado pelo infectado foi conjuntivite.

Prevenção e controle

O Mapa recomenda à população que, ao encontrar aves silvestres e mamíferos marinhos doentes, com sinais como pescoço torto, diarreia, dificuldade de voar ou andar, ou mortalidade, deve-se notificar o serviço veterinário mais próximo. Toda notificação é atendida pelo Ministério da Agricultura e Pecuária e segue o Plano de Contingência para Influenza Aviária.

O Ministério da Saúde orienta aqueles que trabalham com animais silvestres e profissionais de saúde expostos a casos suspeitos ou confirmados de influenza aviária, que adotem medidas de precaução e utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) como luvas, máscaras N95 ou superior e protetores oculares sempre que forem manusear animais ou ter contato com ambientes contaminados. É importante evitar tocar na boca, olhos e nariz após contato com animais ou superfícies contaminadas, lavar as mãos com sabão e trocar de roupas após contato com animais infectados.

“O grande problema é o manuseio de um animal doente, e não o consumo da carne, porque o cozimento impediria a contaminação”, explica Botosso. “A grande preocupação é com o vírus não chegar nas granjas, mas os ministérios ficam em cima disso para garantir o controle. Tanto que, até hoje, não tivemos casos em nenhuma produção de ave comercial no nosso país. Monitoramento é a melhor prevenção”, diz.

Por que explicamos: Textos alarmistas sobre saúde que circulam na internet podem comprometer o combate a doenças que têm ferramentas de controle. O conteúdo aqui explicado faz parte de um problema detectado há mais de 30 anos e que vem sendo monitorado por organismos globais, com estratégias para controlar surtos já esperados pelas autoridades em saúde pública. Esclarecer essas informações pode promover atitudes individuais que complementam ações mais amplas de prevenção.

Outras checagens sobre o tema: É comum que temas sobre saúde, em especial relacionados à pandemias e epidemias, sejam alvo de desinformação. Recentemente, o Comprova desmentiu que casos de pneumonia estão sendo usados para encobrir a covid-19 e que a substância suramina tenha sido identificada como um antídoto para inibir os efeitos da vacina contra a doença. O Comprova também mostrou que a folha do mamoeiro e derivados da planta e ivermectina não são eficazes no tratamento de dengue, assim como distribuir recipientes com vinagre de álcool não é um método recomendado contra o Aedes aegypti.

Saúde

Investigado por: 2024-04-02

Órgão de saúde alemão não determinou que lockdown era prejudicial, nem que covid matava igual à gripe

  • Enganoso
Enganoso
A taxa de mortalidade da covid-19 não é igual à da gripe e os lockdowns durante a pandemia não foram prejudiciais, diferentemente do que afirma post que usa reportagem sobre documentos do Robert Koch Institut (RKI), órgão do governo alemão que monitora doenças infecciosas. Os arquivos mencionados são verdadeiros, mas não emitem o posicionamento oficial do instituto, apenas opiniões individuais de integrantes do comitê de crise emitidas em diferentes momentos, quando o conhecimento sobre a covid ainda era incipiente. Contatado pelo Comprova, o RKI afirmou, sobre a mortalidade, que 65 mil pessoas morreram de covid-19 na Alemanha no inverno de 2020/2021, número muito superior ao da pior gripe das últimas décadas, ocorrida no inverno de 2017/2018, quando cerca de 25 mil pessoas faleceram.

Conteúdo investigado: Post com foto de jornal alemão com o título “Protocolos secretos da Covid revelados” e a legenda: “Descobriram documentos oficiais do RKI (Robert Koch Institut), a ‘Anvisa alemã’, que confirmaram todas as teorias dos ‘negacionistas’. Segundo os próprios conselheiros do governo para a questão da pandemia, o ‘lockdown traria mais consequências maléficas do que o vírus. O uso de máscara era questionável e que a mortalidade da COVID era parecida com a da gripe’. Ou seja, tudo aquilo que quem falou, quando da pandemia, era perseguido e até processado criminalmente”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Post engana ao afirmar que documentos do Robert Koch Institut (RKI), órgão do governo alemão que monitora doenças infecciosas, confirmaram que o lockdown seria mais prejudicial do que o novo coronavírus, que o uso de máscara era questionável e que a mortalidade da covid-19 era semelhante à da gripe.

De fato, houve documentos do órgão publicados com essas afirmações, mas as opiniões não representam o posicionamento oficial do instituto. Contatado pelo Comprova, o RKI afirmou que os documentos são resumos de discussões da equipe de crise de covid-19 que refletem o nível de conhecimento em diferentes datas e que nessas conversas são abordadas diferentes perspectivas. “As declarações individuais feitas no contexto de tais discussões não refletem necessariamente a posição acordada do RKI”, informou o instituto.

Diferentemente do que sugere o post enganoso, tanto os lockdowns quanto o uso de máscaras continuaram sendo defendidos pelo RKI ao longo da pandemia.

Segundo o post enganoso, o RKI afirmou que o lockdown era mais prejudicial do que o vírus, mas não foi isso que o documento mostrava. Ele trazia um alerta de que os lockdowns mostraram um aumento esperado da mortalidade infantil na África. Além de falar sobre a questão do confinamento no continente africano, onde a realidade é diferente, a citação sobre a mortalidade infantil era um dado e não refletia o posicionamento do RKI, que defendia os lockdowns na Alemanha, que teve bloqueios parciais e totais de circulação de pessoas.

Sobre o uso de máscaras, o RKI afirma ter recomendado a proteção assim que percebeu que elas poderiam conter a transmissão do vírus, antes mesmo de outros países europeus. No fim de janeiro de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) não tinha decretado a pandemia (isso só ocorreria em março), o RKI sugeriu que pessoas com algum sintoma de infecção respiratória aguda usassem a proteção facial em espaços públicos. E, no início de abril daquele ano, passou a recomendar o uso geral de máscaras pela população.

A OMS só começou a recomendar o uso do item de proteção em junho de 2020 e, em fevereiro de 2023, afirmou que o uso de máscara continuava sendo uma das estratégias para reduzir a transmissão do vírus. Em página sobre a covid atualizada em outubro do ano passado, quando já havia sido decretado o fim da pandemia, o órgão afirma que “o uso de máscara reduz a propagação de doenças respiratórias na comunidade, reduzindo o número de partículas infecciosas que podem ser inaladas ou exaladas”.

Outra teoria negacionista citada no post enganoso e que aparece no documento do RKI, de que a mortalidade da covid era parecida com a da gripe, também não faz sentido. De 2020 a 2022, morreram de covid na Alemanha, segundo o Robert Koch Institut, 161,5 mil pessoas – destas, 65 mil ocorreram no inverno de 2020/2021. Para efeito de comparação, o órgão cita em seu site que, “na pior onda de gripe das últimas décadas, no inverno de 2017/2018, ocorreram cerca de 25 mil mortes”.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 1 de abril, a publicação havia sido visualizada 70,4 mil vezes no X.

Como verificamos: Buscamos no Google o título da reportagem em alemão mostrado no post e descobrimos que a matéria foi publicada pelo jornal Bild, cuja sede é em Berlim. Confirmamos a publicação na versão impressa por meio do site Front Pages, que mostra capas de jornais do mundo todo. No Google Tradutor, traduzimos o conteúdo da reportagem. E, em outra busca realizada no Google sobre essa discussão na Alemanha, foi possível encontrar uma reportagem publicada pelo The Telegraph.

Entramos em contato com o RKI por e-mail, que negou o conteúdo alarmante do post e enviou uma verificação feita pelo veículo alemão Tagesschau com o título “Os arquivos RKI e o escândalo que não é escândalo”. Na avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem do site, o “conteúdo é muito menos explosivo do que se afirma” e as atas foram escandalizadas, com declarações tiradas de contexto.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem tentou contato com o autor do post, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: Dados reais podem ser tirados de contexto com o objetivo de desinformar. O post se refere a documentos do RKI, mas que retratavam opiniões emitidas em momentos da pandemia nos quais os integrantes do comitê de crise alemão ainda não tinham conhecimento completo sobre as dinâmicas da doença e que não consistiam no posicionamento oficial do órgão. Para não cair na desinformação, quando vir posts com conteúdos muito bombásticos, o primeiro passo é refletir se aquilo faz sentido. Como os órgãos de saúde informaram desde o início da pandemia, os cientistas estavam estudando como o vírus agia e as medidas de proteção foram divulgadas em etapas diferentes em cada país de acordo com o número de mortes. Foi provado, para ficar apenas em um exemplo do conteúdo do post, que o uso de máscaras foi eficaz. Também vale sempre buscar a informação em outros sites. Neste caso, uma busca na plataforma do RKI mostraria o que o órgão acredita até hoje.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Como citado anteriormente, o veículo alemão Tagesschau também verificou posts semelhantes ao verificado aqui. E, sobre pandemia, o Comprova já concluiu, por exemplo, ser enganoso que pesquisadores descobriram relação entre vacina e covid longa e falso que haja evidências de que suramina elimine vacina do organismo de imunizados contra a covid.

Saúde

Investigado por: 2024-03-21

Surto de dengue não tem relação com programa de mosquitos financiado por Bill Gates

  • Falso
Falso
Não é verdade que o atual surto de dengue no Brasil tem relação com um programa de combate à doença financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates, como alega publicação feita em rede social. A parceria do Programa Mundial de Mosquitos com a Fiocruz foi fechada em março de 2023 para a instalação de uma biofábrica, ainda em construção, que vai criar populações do Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia. O método reduz as chances de infecção e se mostrou eficaz e seguro em diversas cidades do mundo, como Niterói (RJ). Além disso, os mosquitos não são geneticamente modificados e a entidade não pertence à ONU.

Conteúdo investigado: Post diz que “surto de dengue no Brasil aumenta em 400% após os mosquitos OGM [geneticamente modificados] de Bill Gates serem liberados propositalmente”. O texto cita o “Programa Mundial de Mosquitos da ONU” e um “plano para liberar bilhões de mosquitos geneticamente editados no Brasil durante um período de 10 anos”. A publicação afirma ainda que “um ano após o início desta iniciativa ‘genial’ contra os mosquitos, desafiando a própria natureza, os casos de dengue aumentaram exponencialmente, em vez de diminuir”. E questiona a eficácia da vacina Qdenga: “será que funciona? Os efeitos adversos começam a ser reportados, pelo próprio Diretor do Departamento do Programa Nacional de Imunização, Eder Gatti”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: O Programa Mundial de Mosquitos (WMP, em inglês), parcialmente financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates, não tem relação com o atual surto de dengue no Brasil, diferentemente do que afirma post viral. O projeto foi fundado pelo cientista Scott O’Neill, que estuda a dengue desde os anos 1990 e, ao contrário do que diz a publicação falsa, não tem relação com a ONU. A fundação é uma associação sem fins lucrativos que “trabalha para proteger a comunidade global de doenças transmitidas por mosquitos, como dengue, zika, febre amarela e chikungunya”.

Em março de 2023, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Ministério da Saúde fecharam uma nova parceria com a entidade para expandir a atuação do programa com a instalação da maior biofábrica – instalação que utiliza processos de biotecnologia para cultivar organismos vivos – do mundo no Brasil. O local vai abrigar a criação de mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia, método do projeto de combate à dengue, zika e chikungunya. Diferentemente do que alega o post aqui investigado, a biofábrica ainda não foi inaugurada. O local começou a ser construído em março deste ano em uma unidade do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), em Curitiba. A previsão é que comece a operar em 2025, segundo o líder de Relações Institucionais e Governamentais do WMP, Diogo Chalegre.

O post também mente ao afirmar que o método contribui para o avanço das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Em Niterói, no Rio de Janeiro, por exemplo, o programa em parceria com a Fiocruz começou em 2015 e, desde então, os casos de dengue vêm diminuindo ano após ano. Mesmo agora com o surto, a cidade, que tem mais de 500 mil habitantes, contabiliza quase 600 casos prováveis da doença e nenhum óbito.

No restante do país, de fato, houve crescimento de 400% no número de diagnósticos da doença em relação a 2023. O motivo, no entanto, não envolve o Programa Mundial de Mosquitos. “Nós temos um aumento natural de casos, frequentemente a cada cinco ou seis anos, dentro de todo o ciclo histórico de doença”, explicou ao Comprova o médico infectologista Jean Gorinchteyn, do Hospital Albert Einstein e do Hospital Emílio Ribas. “Mas, especialmente no último ano, nós tivemos questões climáticas envolvidas, como aumento recorde de temperaturas, grande índice de chuvas, fazendo com que houvesse um ambiente muito favorável à proliferação dos mosquitos”, diz.

Atualmente, a campanha de vacinação contra a dengue no Brasil contempla jovens de 10 a 14 anos de idade com doses da Qdenga, fabricada pelo laboratório japonês Takeda. Uma nota técnica emitida pelo Ministério da Saúde esclareceu que os efeitos adversos após a imunização, sendo a maioria reação alérgica, são raros e não evoluem para internações. A vacina pode reduzir em 80% os casos sintomáticos da doença e em 90% as hospitalizações, segundo a farmacêutica.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 21 de março, a publicação somava 163 mil visualizações e mais de sete mil interações.

Como verificamos: Começamos a verificação buscando informações sobre o Programa Mundial de Mosquitos no site oficial da instituição. Parte das alegações do post foi desmentida no canal da própria entidade, assim como no site da Fundação Bill & Melinda Gates. Também encontramos dados sobre o surto de dengue no portal da Fiocruz e do Ministério da Saúde. Entrevistamos o médico infectologista Jean Gorinchteyn e um porta-voz do Programa Mundial de Mosquitos.

Como funciona o programa financiado por Bill Gates

Os mosquitos criados pelo programa financiado por Bill Gates não são geneticamente modificados, como alega o post aqui verificado. OGM é a sigla para “organismos geneticamente modificados”, ou seja, que tiveram alterações genéticas manipuladas por cientistas. O programa do empresário é considerado natural e sustentável por não apresentar riscos ao ecossistema em que é liberado, diferentemente do uso de inseticidas em larga escala, por exemplo. A técnica é diferente daquela desenvolvida pela empresa Oxitec, que também atua no Brasil.

Um dos laboratórios de criação dos mosquitos do WMP está localizado em Medellín, na Colômbia. “Eles atendem a todas as necessidades dos insetos à medida que crescem de larvas a pupas e até adultos, mantendo a temperatura ideal e alimentando-os com porções generosas de farinha de peixe, açúcar e, claro, sangue”, escreveu Bill Gates em um blog. São produzidos cerca de 30 milhões de mosquitos por semana.

Na fábrica, os cientistas introduzem a bactéria Wolbachia nos ovos do Aedes aegypti, sem alteração genética. Essa bactéria está presente em quase 60% dos insetos no mundo, incluindo moscas-das-frutas, mariposas, libélulas e borboletas, e pode impedir que os vírus da dengue, zika e chikungunya se desenvolvam no mosquito. Consequentemente, reduz a chance de o Aedes aegypti transmitir essas doenças para humanos.

“A Wolbachia vive dentro das células dos insetos e é transmitida de uma geração para outra através dos ovos dos insetos. Os mosquitos Aedes aegypti normalmente não transmitem Wolbachia, mas muitos outros mosquitos o fazem”, diz o site do programa. “Análises de risco independentes indicam que a libertação de mosquitos Wolbachia representa um risco insignificante para os seres humanos e para o ambiente.”

Os mosquitos são colocados em pequenas caixas e liberados no ambiente com ajuda da população local ao longo de 12 a 20 semanas. Outra opção oferecida pelo programa é a instalação de cápsulas, com ovos já criados com a Wolbachia, nas ruas ou dentro das casas dos moradores do local estudado. A própria população fica responsável por colocar água nas caixas até a eclosão do mosquito adulto, que ocorre entre uma e duas semanas.

Um teste realizado entre 2017 e 2020 na cidade de Yogyakarta, na Indonésia, mostrou uma redução de 77% na incidência de dengue e uma queda de 86% no número de hospitalizações pela doença na comunidade que recebeu o método com a Wolbachia. O programa comparou dados de uma região não tratada com o local que aplicou o teste. Na área com os mosquitos selvagens, foram registrados 318 casos de dengue e 102 internações. Já na região tratada, foram 67 casos e 13 hospitalizações.

A Fundação Bill & Melinda Gates financia o trabalho com a Wolbachia desde 2004 através do Programa Grandes Desafios na Saúde Global, iniciativa criada pela própria instituição. O investimento ultrapassa a marca de US$ 230 milhões, incluindo o aporte de US$ 50 milhões (respectivamente, R$ 1,1 bilhão e R$ 250 milhões) citado pelo post aqui investigado. O projeto recebe apoio de outras 23 entidades, incluindo os governos do Brasil, dos Estados Unidos, da Austrália, da Nova Zelândia, de El Salvador, além da empresa KPMG, o banco australiano Macquarie, a Fundação Comunitária do Vale do Silício e outras instituições ligadas à famílias de filantropos.

Testes no Brasil tiveram resultados positivos

A cidade do Rio de Janeiro foi a primeira a receber a iniciativa no Brasil, em 2014. Os projetos em larga escala, no entanto, começaram a partir de 2017, com a liberação dos mosquitos não só na capital fluminense, mas também em Niterói (RJ), Belo Horizonte, (MG), Campo Grande (MS) e Petrolina (PE). Em 2024, a pedido do Ministério da Saúde, o projeto será ampliado para outros seis municípios: Joinville (SC), Foz do Iguaçu (PR), Londrina (PR), Presidente Prudente (SP), Uberlândia (MG) e Natal (RN).

Os trabalhos são acompanhados pela Fiocruz, que destaca a redução de 70% dos casos de dengue, 60% de chikungunya e 40% de zika em Niterói. “Depois desses dados, a gente vem acompanhando ainda toda a série histórica da cidade, mostrando resultados ainda superiores na redução dos casos das arboviroses. Estamos fazendo a compilação para publicar para a população e para a comunidade científica”, destaca o pesquisador da fundação e Líder do Programa Mundial de Mosquitos Brasil, Luciano Moreira, em nota enviada ao Comprova. Os resultados dos demais municípios ainda estão sendo levantados.

Segundo o líder de Relações Institucionais e Governamentais do WMP, Diogo Chalegre, o engajamento da população local tem sido expressivo. “Antes de liberarmos, fazemos uma atividade chamada de Engajamento Comunitário, onde informamos a população sobre nossas atividades. Ao final dela, fazemos uma pesquisa de aceitação. Os números de aceitação giram em torno de 90%”, disse.

Os resultados promissores levaram o governo brasileiro a firmar uma nova parceria com o projeto em março de 2023. A maior biofábrica do mundo está sendo construída em Curitiba e deve começar a operar em 2025, com a criação de 100 milhões de mosquitos por semana, atendendo 70 milhões de pessoas nos próximos 10 anos. O programa já conta com uma instalação no Rio de Janeiro, inaugurada em 2014. Além disso, uma terceira biofábrica construída em Belo Horizonte está passando por testes operacionais e vai atender 22 municípios da Bacia do Paraopeba a partir do segundo semestre deste ano.

“Não existe nenhuma relação entre esse surto atual com a liberação de mosquitos que têm no seu interior a Wolbachia ou mosquitos transgênicos. Pelo contrário, os lugares que fizeram isso conseguiram diminuir a população dos mosquitos, infelizmente de uma forma temporária. É um mecanismo extremamente caro, que impede que o gestor público institua isso como uma forma de controle para a epidemia”, pondera o médico infectologista Jean Gorinchteyn, que já foi Secretário de Saúde do estado de São Paulo.

Vacina Qdenga é segura e eficaz

A vacina Qdenga, do laboratório japonês Takeda, é recomendada pela Organização Mundial da Saúde para combate à dengue desde outubro de 2023. Na ocasião, a presidente do Grupo Consultivo Estratégico de Peritos em Imunização da OMS, Hanna Nohynek, enfatizou a eficácia do imunizante. “Essa é a primeira vacina contra dengue com potencial para uso mais amplo. Muitos países estão enfrentando surtos devastadores de dengue e prevemos o agravamento geral da situação com as alterações climáticas”, disse.

A farmacêutica, aliás, já recebeu financiamento da Fundação Bill & Melinda Gates, como afirma o post investigado. Em 2016, a instituição anunciou um aporte de U$ 38 milhões no programa de desenvolvimento e registro de uma vacina contra a poliomielite para 70 países em desenvolvimento. A Takeda, que está ativa há 70 anos, também trabalha com vacinas contra covid-19, zika e influenza.

No Brasil, a Anvisa aprovou o registro da Qdenga em março de 2023. Segundo a agência, “o valor de eficácia global da vacina, que é o objetivo primário do estudo clínico apresentado, atingiu o patamar de 80,2%”, combatendo os quatro diferentes sorotipos do vírus causador da doença. A bula indica o imunizante para pessoas de 4 a 60 anos, mas o Ministério da Saúde incluiu apenas jovens de 10 a 14 anos na campanha em razão da baixa produção pelo laboratório.

Em março deste ano, o governo emitiu uma nota técnica sobre o andamento da campanha. No universo de 365 mil doses aplicadas no país desde 2023, foram identificados 16 casos de reações alérgicas graves. Todos se recuperaram e não houve hospitalizações. Naquele momento, o diretor do Departamento do Programa Nacional de Imunizações, Eder Gatti, reafirmou que os benefícios superam os riscos. “Nem todos os casos estão relacionados à estratégia de vacinação. É um número pequeno frente ao número de doses aplicadas. Mas o Ministério da Saúde, prezando pela transparência e segurança, fez uma nota técnica de acompanhamento após a discussão com especialistas”, afirmou.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com Karina Michelin, autora do post, mas não recebeu retorno até o momento da publicação deste texto. Ela já teve diversos conteúdos classificados como falso ou enganoso pelo Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: A publicação faz uso do nome de Bill Gates, bilionário cujo nome é constantemente citado em teorias da conspiração, para criar um tom alarmista sobre um assunto que se tornou rotineiro. O texto mistura nomes de instituições globais, como a ONU, e inclui diversos números para tentar passar credibilidade à mensagem, mas não se preocupa com a veracidade e o contexto das informações. O projeto da biofábrica citada no texto, por exemplo, faz parte de um plano real, mas o laboratório sequer foi inaugurado, portanto, não pode ter qualquer relação com o atual surto de dengue. Como são temas de interesse público, informações sobre doenças e vacinas podem ser confirmadas pelo próprio leitor em sites oficiais de órgãos públicos e também das instituições privadas, além da imprensa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As alegações do post aqui verificado também foram alvo de investigação da AFP, que mostrou que o mesmo texto tem versões em inglês e espanhol. O Comprova já publicou explicações sobre o programa de liberação de mosquitos geneticamente modificados no Brasil e esclareceu falas com desinformação sobre a vacina Qdenga.

Saúde

Investigado por: 2024-03-20

Suprema Corte dos EUA não decidiu que vacinas contra a covid-19 “não são vacinas”

  • Falso
Falso
Vídeo que circula nas redes sociais dissemina informações falsas ao afirmar que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as vacinas contra a covid-19 não são eficazes ou que causam danos irreparáveis. No conteúdo, um médico brasileiro alega que a Suprema Corte teria dado razão ao advogado Robert Kennedy Jr., conhecido por suas posições antivacinas. No entanto, verificações anteriores de fontes confiáveis constataram que as alegações são falsas, e não há registros de processos envolvendo Kennedy Jr. na Suprema Corte ou em outra instância. Além disso, a FDA, equivalente à Anvisa dos EUA, esclareceu que as vacinas contra a covid-19 são seguras e eficazes, tendo salvo milhões de vidas, e que seus benefícios superam os riscos.

Conteúdo investigado: Em vídeo, homem afirma que a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou um caso aberto por Robert Kennedy Jr. contra farmacêuticas e decidiu que “vacinas contra covid-19 não são vacinas” e que “os danos causados pelas vacinas de mRNA são irreparáveis”. Sobre o vídeo, há uma legenda com a data de 11 de março de 2024.

Onde foi publicado: Kwai.

Conclusão do Comprova: É falso que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as vacinas contra a covid-19 não são vacinas ou que os imunizantes de mRNA causam danos irreparáveis. A afirmação mentirosa, feita por um médico em vídeo que já havia sido retirado do Instagram, voltou a circular, agora no Kwai.

Na gravação, o médico afirma que a decisão da Suprema Corte teria sido a favor de Robert Kennedy Jr. — o advogado norte-americano é um conhecido pregador antivacina. Verificações anteriores de veículos como Estadão Verifica e AFP Checamos já haviam concluído que o conteúdo era desinformativo, mas uma nova consulta ao site da Corte dos Estados Unidos mostra que não há nenhum processo envolvendo o nome de Robert Kennedy Jr.. Tampouco há ação semelhante na página de processos ganhos pela Children’s Health Defense, associação chefiada por Kennedy Jr..

Além disso, a equipe do autor do vídeo, Djalma Marques, afirmou ao Comprova que o post, publicado inicialmente no Instagram, foi retirado da plataforma. No entanto, o vídeo foi replicado e compartilhado por dezenas de perfis no Kwai.

Consultada pela reportagem, a Food and Drug Administration (FDA), agência norte-americana que regula medicamentos quanto à eficácia e segurança, disse que o post é desinformativo e que as vacinas “são uma das intervenções de saúde pública mais eficazes, responsáveis ​​por salvar milhões de vidas todos os anos”. Finaliza afirmando que os benefícios das vacinas contra a covid superam os riscos.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A postagem contava com 107 mil visualizações até o dia 14 de março de 2024.

Como verificamos: Para verificar a veracidade das informações, o Comprova consultou o site da Corte dos Estados Unidos em busca de processos envolvendo o nome do advogado Robert Kennedy Jr., que não foram encontrados. Além disso, entramos em contato com a Food and Drug Administration (FDA), para posicionamento sobre eficácia e segurança das vacinas, e com a equipe do autor do vídeo, Djalma Marques.

O médico

Conhecido como doutor Kefir, Djalma Marques, inscrito no Conselho Federal de Medicina em setembro de 2020, divulgou conteúdos negacionistas durante a pandemia. Em agosto de 2020, por exemplo, o Comprova concluiu ser enganoso um post em que o médico afirmava que a pandemia era uma farsa criada com fins políticos.

Em 2022, o Aos Fatos informou que, diferentemente do que Marques publicou em seu post, era falso que ivermectina e antiviral da Pfizer agiam da mesma forma contra o novo coronavírus. No ano seguinte, a Lupa desmentiu que um tratado discutido na Organização Mundial da Saúde (OMS) permitiria ao órgão confinar pessoas.

Ao enviar uma mensagem via Whatsapp para o número de telefone informado em seu perfil no Instagram, a reportagem recebeu uma resposta automática informando que ele trabalha com laudo médico de isenção de vacina e tratamento para “pós-imunizados”, dentre outros pontos.

O que diz o responsável pela publicação: A equipe de Marques não comentou o fato de o conteúdo ser falso, apenas disse, inicialmente, que o médico já havia tratado do assunto com o Instagram, onde o post havia sido publicado. Questionada se a publicação havia sido retirada por conter desinformação, respondeu que, “por ser um médico que posta muito nas redes sociais, às vezes há a necessidade de ajustar alguma informação, e foi isto que ocorreu”.

O que podemos aprender com esta verificação: Além de citar a Suprema Corte dos Estados Unidos, o post menciona princípios do Código de Nuremberg elaborado como resposta aos crimes praticados por médicos em experimentos com seres humanos na Segunda Guerra Mundial para conferir legitimidade e confiabilidade à falsa informação que está transmitindo. O autor também inicia o vídeo afirmando que agências de checagem irão retirá-lo do ar e, por isso, pede que as pessoas compartilhem nas redes sociais. Isso é uma tática comum entre os desinformadores, que sabem que podem ter suas publicações investigadas pelos veículos. Assim, o aviso serve apenas para despertar o senso de urgência no espectador e alcançar o objetivo de viralizar.

É importante acessar sites de confiança, em especial os portais oficiais das instituições citadas no vídeo para verificar se as informações procedem, como decisões judiciais e pesquisas científicas. Também é possível checar se o que é falado no vídeo foi noticiado por algum veículo jornalístico de confiança, tanto no Brasil quanto no exterior.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Essa não é a primeira vez que circulam informações falsas sobre decisões da Suprema Corte dos EUA contra as vacinas de covid-19. Em 2023, isso já foi checado pela AFP e Estadão Verifica. As mesmas alegações também circularam em outros países e foram checadas em inglês e espanhol. O jornal português Observador também fez checagem sobre o tema. O Comprova já realizou verificações de alegações falsas atribuídas a Robert F. Kennedy, como a de que a vacina contra covid-19 cause danos irreversíveis ao DNA.

Saúde

Investigado por: 2024-03-15

Postagem desinforma ao dizer que pesquisadores descobriram relação entre vacina e covid longa

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma publicação que afirma que as vacinas contra a covid-19 são causadoras das complicações prolongadas conhecidas como covid longa. Especialistas ouvidos pelo Comprova e o Ministério da Saúde afirmam que as condições pós-covid se desenvolvem em infectados pelo SARS-CoV-2 e podem acometer qualquer um que já tenha contraído o vírus. Contudo, os riscos são maiores para pessoas não imunizadas, que tenham sido acometidas com a forma grave, reinfectadas e portadoras de condições de saúde preexistentes.

Conteúdo investigado: Post compartilha um artigo traduzido e publicado no site de uma jornalista e intitulado: “Estados Unidos: Médicos americanos após examinar mil pacientes descobriram que a ‘covid longa’ se desenvolveu em 70% dos casos após a vacina e não após a infecção”. A autora completa a postagem afirmando que “diante de todas essas informações os governos continuam inertes” e marcando o perfil do escritor do texto.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Publicação engana ao afirmar que pesquisadores teriam descoberto que a covid longa seria causada pelas vacinas contra a covid-19 e não pelo vírus Sars-CoV-2, que provoca a covid-19. Os responsáveis pelo texto compartilhado no post investigado aqui nem mesmo fazem essa alegação. Conhecidos por compartilharem conteúdos que desinformaram durante a pandemia, os autores apenas especulam sobre essa possibilidade, que é negada por autoridades de saúde, especialistas e que não encontra base em estudos científicos publicados até aqui.

Segundo o Ministério da Saúde, a covid longa é definida como sinais e sintomas que continuam ou se desenvolvem quatro semanas ou mais após a infecção inicial e não podem ser justificadas por um diagnóstico alternativo. Qualquer pessoa que tenha contraído o vírus anteriormente pode ser afetada.

Uma nota técnica de 2023 da pasta diz que há evidências de que pessoas que apresentaram a doença nas formas mais graves, em especial aquelas que precisaram de cuidados intensivos, que não foram vacinadas, que já eram portadoras de condições de saúde preexistentes e que contraíram o Sars-CoV-2 mais de uma vez têm maior propensão a desenvolver condições pós-covid.

Orestes Forlenza, médico psiquiatra e pesquisador em estudo sobre covid longa e chefe do departamento de psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), explica que toda vacina tem uma taxa de efeitos adversos, mas que elas não são responsáveis pelos sintomas da covid longa.

“Depois do advento da vacina, clinicamente, o que a gente percebeu é que esses casos de covid longa não são mais tão graves, porque como você tem muito menos formas graves da doença, você terá muito menos formas persistentes de covid longa”, afirma. “Além de diminuir a incidência de covid da população, uma outra consequência da vacinação é que você não vê mais casos tão graves de covid longa como vimos no início. A vacina não é a causa da covid longa. É a covid longa uma consequência da infecção pelo Sars-CoV-2. Isso é fato.”

André Prudente, médico infectologista e diretor-geral do Hospital Giselda Trigueiro e professor do Departamento de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), afirmou desconhecer estudos científicos publicados em meios reconhecidos que apontam a imunização como causa da covid longa. “A relação de covid longa e vacina é que as pessoas vacinadas têm menor risco de desenvolver covid longa. Já as pessoas não vacinadas e que adoeceram da doença têm maior risco. Na verdade, tem trabalhos bem feitos mostrando que as pessoas que tomaram vacina, inclusive antes de adoecer de covid, têm um risco bem menor de desenvolver a síndrome.”

As informações citadas pelo especialista aparecem nos estudos científicos “COVID-19 vaccination for the prevention and treatment of long COVID: A systematic review and meta-analysis” e “Protective effect of COVID-19 vaccination against long COVID syndrome: A systematic review and meta-analysis”, ambos publicados pela empresa editorial holandesa Elsevier, especializada em conteúdo científico, técnico e médico.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 15 de março, a publicação no X contava com 45,1 mil visualizações, 3 mil curtidas, mil compartilhamentos e 29 comentários.

Como verificamos: Primeiramente, foi feita uma leitura detalhada do artigo compartilhado e das pesquisas científicas citadas no texto. Através do Google, fizemos buscas sobre os autores dos artigos e da postagem, o que permitiu identificar histórico de desinformação. Buscamos orientações sobre o tema junto ao Ministério da Saúde, além de especialistas, que prestaram esclarecimentos e indicaram estudos científicos e informações publicados em revistas e periódicos internacionalmente reconhecidos. Publicações da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantan foram consultadas. A autora da publicação também foi procurada.

Médicos têm histórico de desinformação sobre a pandemia de covid-19

O texto citado no post investigado, de autoria dos médicos Pierre Kory e Paul E. Marik, afirma que, em dois anos, eles avaliaram e trataram mais de mil pessoas com covid longa. “Aproximadamente 70% desses pacientes disseram que os sintomas relatados ocorreram minutos, horas, dias e semanas após a vacinação contra covid, e não após a infecção por covid”, descreveram. O texto assinado pela dupla foi publicado no portal de notícias americano The Hill, em 6 de junho, onde estão creditados como “colaboradores de opinião”. Não se trata, portanto, de um artigo científico publicado em um periódico no qual tenha sido avaliado por outros pesquisadores.

Para Forlenza, da USP, a observação feita pelos autores indica uma metodologia problemática para chegar ao resultado. “Não foi feito um ‘pool’ (agrupamento) de pessoas que têm ou não a queixa, para ter um grupo comparativo. Vai pegar, justamente, as pessoas que tiveram sintomas pós-vacina ou acham que os sintomas foram por causa da vacina e se inscreveram. Não é feito uma aleatorização do estudo para que, em um universo de mil pessoas, você tenha os tantos que não tiveram a queixa e os tantos que tiveram”, afirma.

Outro problema metodológico, diz Forlenza, é o autorrelato com base no passado. “A pessoa estava se lembrando do que aconteceu no pós-vacina numa janela de quase dois anos. É relevante, mas pode ser frágil, do ponto de vista do rigor científico, pois a nossa memória muda em dois anos, você lembra e esquece de coisas”, diz. “Se você é influenciado por um tema, a probabilidade de valorizar mais aquele tema é muito maior.”

Na publicação investigada, Pierre Kory é descrito como pneumologista americano, intensivista e presidente da Front Line COVID-19 Critical Care Alliance (FLCCC Alliance). Já Paul E. Marik, é apresentado como médico e ex-professor de medicina, que atuou como presidente da Divisão de Medicina Pulmonar e de Cuidados Críticos da Eastern Virginia Medical School em Norfolk, Virgínia, e também foi médico intensivista em Hospital Geral Sentara Norfolk.

Kory é conhecido por ter defendido ao Senado dos EUA, em dezembro de 2020, o uso de ivermectina para a prevenção de covid-19 – remédio nunca teve sua eficácia comprovada contra o coronavírus. Ele já foi citado em outras checagens do Comprova, assim como E. Marik, por disseminar desinformação sobre a covid-19. Karina Michelin, a autora da postagem investigada, também já foi alvo de diversas checagens envolvendo informações falsas compartilhadas nas redes sociais sobre a pandemia. Em abril de 2023, ela teve seu canal no Youtube banido da plataforma sob a alegação de violação das regras da comunidade.

Condições pós-covid

De acordo com o Ministério da Saúde, as condições pós-covid, também conhecida como covid longa, podem afetar qualquer pessoa infectada pelo vírus, mesmo quem teve sintomas leves a moderados ou ficou assintomático. Essas condições podem melhorar, se agravar ou reaparecer, podendo evoluir de forma grave até fatal, meses ou anos após a infecção. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), não é possível prever por quanto tempo elas podem se manifestar.

Os sinais e sintomas podem ser consultados na página do Ministério da Saúde sobre as condições pós-covid. Algumas pessoas, principalmente as que tiveram as formas mais graves, também podem ter diabetes, hipertensão arterial, fenômenos tromboembólicos, doenças cardíacas e neurológicas. O documento aponta que a prevenção ao vírus é a melhor forma de evitar covid longa, por meio de medidas não farmacológicas e vacinação. Ainda não há testes específicos para identificar a covid longa e o diagnóstico acontece após uma série de exames e avaliações médicas, que descartam outras comorbidades.

Segundo o MS, pesquisas estão sendo desenvolvidas para entender melhor como ocorre e os efeitos das condições pós-covid. No dia 11 de março, a pasta anunciou o estudo “Epicovid 2.0: Inquérito nacional para avaliação da real dimensão da Pandemia de COVID-19 no Brasil”, que vai levantar dados para a criação de políticas públicas para o tratamento da covid longa.

O que diz o responsável pela publicação: A jornalista Karina Michelin afirmou que os médicos estão pedindo, no artigo, uma investigação contínua para compreender e tratar a covid longa e que há dois anos eles estão analisando casos clínicos de seus pacientes. “Quando os ‘especialistas’ cheios de conflitos de interesse atribuem a covid longa somente a infecção causada pelo vírus, estão ignorando que esta condição também pode ser causada pela vacina”, disse.

O que podemos aprender com esta verificação: Publicações como a verificada aqui tendem a induzir a audiência a acreditar que está sendo constantemente enganada por informações e medidas de órgãos oficiais, em especial as relacionadas à vacinação. Por conta da disseminação de desinformação ocasionada desde o início da pandemia, determinados grupos passaram a buscar por orientações de profissionais que se popularizaram por questionar ou adotar posicionamentos contrários ao de entidades reconhecidas de saúde e pesquisa. Métodos não comprovados cientificamente põem em risco a saúde da população como um todo. É importante ficar atento às metodologias e dados apresentados em pesquisas e artigos, às suposições e apontamentos feitas pelos autores desses estudos e aqueles que os compartilham, principalmente os que pareçam acusatórios, bem como sempre procurar por meios formais e reconhecidos para se informar.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Pierre Kory já foi citado em outras checagens do Comprova, como a de um estudo feito em Itajaí (SC), que não provou eficácia de ivermectina contra covid-19, e a de um médico braileiro que foi premiado pela FLCCC, checagem em que Paul E. Marik também é mencionado. Já a jornalista Karina Michelin foi alvo de diversas checagens envolvendo informações falsas compartilhadas nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19. A autora do post já afirmou falsamente que vacina causa alterações genéticas, que órfãos da Polônia são usados em experimentos de vacinas e que a OMS apontou danos ao sistema imunológico após vacina.

Saúde

Investigado por: 2024-03-14

Casos de pneumonia citados em vídeo não têm relação comprovada com covid

  • Enganoso
Enganoso
Um vídeo no Instagram espalha desinformação, sugerindo que casos de pneumonia estão sendo usados para encobrir a covid-19. Ao utilizar informações recentes sobre famosos diagnosticados com pneumonia, o conteúdo gera uma confusão entre conceitos. Nenhum dos casos citados no vídeo tem relação comprovada com a covid-19. Enquanto doença, a pneumonia pode ser provocada por diversos fatores ou agentes, inclusive o SARS-CoV-2, vírus causador da covid-19. No entanto, são doenças diferentes.

Conteúdo investigado: Advogado lista em vídeo uma série de casos de pessoas famosas que foram diagnosticadas recentemente com pneumonia e questiona se a covid virou pneumonia. Ele afirma ainda que “na época do Bolsonaro, tudo era covid.”

Onde foi publicado: Instagram.

Conclusão do Comprova: Vídeo publicado no Instagram que cita casos de pneumonia entre pessoas públicas desinforma ao insinuar que a doença está sendo utilizada para mascarar casos de covid-19. Nenhum dos casos de pneumonia citados no vídeo tem relação comprovada com a covid-19. A pneumonia é uma inflamação no pulmão que costuma ser provocada por infecções causadas por bactérias ou vírus. De acordo com especialistas ouvidos pelo Comprova, a covid-19 pode levar a uma série de complicações respiratórias, incluindo a pneumonia, mas são doenças diferentes.

O autor do vídeo fundamenta sua argumentação no diagnóstico de pneumonia do ex-ministro José Dirceu (PT), da cantora Ivete Sangalo, do empresário Abilio Diniz e da vereadora de Goiânia Luciula do Recanto (PSD). Ivete teve pneumonia após pegar virose; Diniz foi diagnosticado com pneumonite, não pneumonia; Luciula teve pneumonia bacteriana, causada por leptospirose. Dirceu não divulgou a causa da pneumonia, mas reportagens sobre seu quadro de saúde não citam covid.

O autor do vídeo associa erroneamente esses casos com um suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz. Contudo, esse texto não é um artigo científico, mas a reprodução de uma reportagem de maio de 2020 do portal R7, que abordava a possibilidade de pacientes com covid-19 desenvolverem pneumonia.

O pneumologista Elie Fiss, citado na reportagem, destacou ao Comprova que o contexto de 2020 era diferente da situação atual. Ele afirma que os casos do novo coronavírus tratados recentemente não têm evoluído com a mesma gravidade observada no início da pandemia, por causa da vacinação.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 13 de março, o vídeo tinha mais de 1 milhão de visualizações no Instagram.

Como verificamos: Inicialmente, buscamos informações no Google sobre o suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz e, usando palavras-chaves, encontramos a reportagem do R7 que foi reproduzida pelo hospital. Entramos em contato com a unidade de saúde, que confirmou não ter sido a autora do texto. Procuramos também especialistas e o Ministério da Saúde, que forneceu informações atualizadas sobre a covid-19 e a relação da doença com a pneumonia. Por fim, procuramos as assessorias das pessoas públicas citadas no texto.

Casos de famosos citados não tem relação comprovada com a covid-19

Na postagem aqui investigada, um homem utiliza notícias de famosos diagnosticados recentemente com pneumonia para sugerir que a doença está sendo utilizada para mascarar casos de covid-19. Nos comentários do vídeo, usuários alegam que os dados do novo coronavírus foram supernotificados no governo Bolsonaro e estão sendo escondidos no governo Lula. “COVID só existiu no governo do Bolsonaro!!! Do Lula não tem. Este desgoverno já esta levando o Brasil para o buraco”, escreveu um seguidor.

Outra pessoa disse que, antes, “morte por bala perdida era COVID, morte em acidente de trânsito, era COVID, morte por infarto era COVID, morte por dengue era COVID”. O vídeo também faz uma afirmação parecida e diz que, na época do governo Bolsonaro, ficou provado que havia pessoas que morriam por causas não relacionadas à covid e que traziam essa causa de morte no atestado de óbito. “Na época de Bolsonaro, gripe era covid. Tudo era diagnóstico de covid”, afirmou. Mas nada disso é verdade.

O Comprova já fez diferentes checagens que desmentem a alegação de que mortes por outras causas estavam sendo notificadas como covid. Na realidade, o cenário durante a pandemia era outro: estudos demonstraram que havia subnotificação de mortes pela doença causada pelo coronavírus. Por exemplo, em 2022 pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) calcularam que o número de óbitos por covid-19 no Brasil em 2020 era 18% maior do que dizem as estatísticas oficiais.

Vale ressaltar que uma reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que o problema de subnotificação persiste, mas por razões diferentes das do início da pandemia. Em 2020, faltavam testes e a prioridade era diagnosticar casos mais graves. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, hoje a postura da população em relação à covid-19 mudou, e menos testes são feitos. Além disso, ainda há uma falta de política pública clara de testagem para a doença.

Os famosos citados foram José Dirceu; Ivete Sangalo; Abilio Diniz e Luciula do Recanto. Nenhum desses casos tem relação comprovada com a covid-19. Diniz, no caso, não teve pneumonia, ao contrário do que foi noticiado inicialmente na imprensa, e sim pneumonite. Ele morreu no dia 18 de fevereiro, aos 87 anos, por uma insuficiência respiratória em função da doença. Enquanto a pneumonia é uma inflamação no pulmão que costuma ser provocada por infecções causadas por bactérias ou vírus, as causas de pneumonite são fungos, penas de aves, agentes orgânicos ou químicos inalados, doenças autoimunes, como lúpus ou artrite reumatoide, e até medicamentos.

Já a vereadora Luciula do Recanto disse que “teve derrame nos dois pulmões decorrente de uma pneumonia bacteriana, mas devido a leptospirose e não covid”. A assessoria de Ivete Sangalo informou que não vai passar mais detalhes sobre a doença da artista além do que já foi divulgado inicialmente. Em fevereiro, logo após o carnaval, Ivete postou numa rede social que pegou uma virose. “A partir de aconselhamento médico, vim ao hospital e, então, veio a internação. Diagnóstico: Pneumonia. Estou assistida e já me sentindo melhor.” Por fim, o advogado de José Dirceu não retornou os nossos contatos até o fechamento do texto.

Hospital Oswaldo Cruz não fez estudo sobre o tema

O autor do vídeo associa os casos desses famosos com um suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz intitulado “Pneumonia causada pela covid-19 pode ser silenciosa. Entenda”. O texto, no entanto, não é um artigo ou pesquisa científica e sim a reprodução na íntegra de uma reportagem do portal R7 de maio de 2020, ou seja, início da pandemia. Em nota, o hospital desmentiu a autoria da reportagem. “Ela foi produzida em 2020 pelo portal R7 com entrevista do Dr. Elie Fiss, pneumologista do Hospital.”

A reportagem publicada fala sobre a possibilidade de infectados pela covid-19 terem um quadro que evolui para pneumonia. “Em pacientes com covid-19, ela [pneumonia] é uma consequência da lesão gerada pelo novo coronavírus nos pulmões ou da resposta exagerada do sistema imune do organismo ao vírus”, informou trecho da reportagem.

Ao Comprova, o pneumologista Elie Fiss explicou que o contexto em que a reportagem foi feita, em 2020, é diferente do atual momento. “Naquela época, nós começamos a ter a experiência tanto de pneumonia causada pelo vírus, a pneumonia viral, como a pneumonia bacteriana por infecção secundária e de tromboses”, afirmou.

É errado dizer que a covid virou pneumonia

Ainda segundo o especialista, é errado afirmar que a covid-19 se transformou em pneumonia. Os casos de covid que ele tem tratado recentemente não apresentaram a mesma gravidade observada no início da pandemia. “Dos casos diagnosticados nesta temporada, nenhum evoluiu como pneumonia complicada, nenhum evoluiu com um quadro de pneumonia viral causado pelo covid”, disse.

Fiss acredita que a vacinação foi responsável por evitar os quadros graves de saúde. “Sem dúvida nenhuma, toda a vacinação que foi feita faz com que os quadros de covid sejam quadros de infecções respiratórias leves”, completou.

Outro especialista consultado, o coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Naime, explica que ainda que a pneumonia possa ser causada por vários microorganismos, como vírus, bactérias, fungos e protozoários. Os casos mais comuns são causados por vírus. “O cenário de predominância de vírus respiratórios é muito dinâmico, por isso o monitoramento é fundamental. Isso ajuda a avaliar situações em que seja necessário antecipar a vacina para Influenza ou atualizar a vacina para a covid, por exemplo”, disse.

Os variados tipos de pneumonia costumam se enquadrar no que o Ministério da Saúde define como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). No último boletim com informe de vigilância das síndromes gripais, o Ministério da Saúde informa que em 2024, até o dia 2 de março, foram notificados 4.280 casos de SRAG, com predomínio de identificação do vírus causador da covid-19, o SARS-CoV-2 (63%). Em relação à SRAG por covid-19, é observado vínculo com o atual cenário de alta de SRAG nos estados do centro-sul. Parte dos estados das regiões Sudeste e Sul apresentam aumento também para o vírus Influenza. Nos estados do Norte e Nordeste que demonstram sinal de crescimento de SRAG, há associação com o incremento nos casos positivos para Influenza.

Em nota, o Ministério da Saúde (MS) afirmou que a covid-19 pode levar a uma série de complicações respiratórias, incluindo a pneumonia. “De fato, muitos casos graves de covid-19 podem resultar em pneumonia, o que pode ser uma das principais causas de hospitalização e mortalidade associada à doença. Em alguns casos, pacientes com covid-19 podem desenvolver pneumonia como uma complicação subsequente à infecção viral inicial. Portanto, é possível que casos de covid-19 evoluam para pneumonia, embora nem todos os casos de pneumonia sejam necessariamente causados pela covid-19”, informou.

O MS disse ainda que a sua Coordenação Geral de Doenças Imunopreveniveis (CGVDI/MS) não realiza monitoramento/vigilância de casos de pneumonia e, por isso, não tem dados sobre a doença. Para Fiss, não é possível afirmar que estamos em surto de pneumonia sem uma análise dos dados. No entanto, ele afirma verificar aumento de casos da pneumonia por Mycoplasma pneumoniae, uma bactéria. Já o SARS-CoV-2, que causa a covid-19, é um vírus. “São mais casos de infecções bacterianas, só que o predomínio é muito mais de mycoplasma do que de outras bactérias”, disse.

Ao redor do mundo, casos de pneumonia bacteriana causada pela Mycoplasma foram diagnosticados. Em novembro de 2023, a Sociedade Internacional de Doenças Infecciosas informou que hospitais chineses estavam sobrecarregados com a doença. Logo mais, países como Holanda, Dinamarca, Reino Unido e Estados Unidos também registraram aumento de casos.

Embora pareça preocupante, a Organização Mundial da Saúde declarou que o aumento de casos já era esperado. Isso ocorre pois, com o isolamento social na pandemia, as pessoas passaram um tempo sem exposição à bactéria. Ao Jornal da USP, Alberto Cukier, diretor de Serviço da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, disse que “o risco de uma nova pandemia é zero”, pois o Mycoplasma é uma infecção bacteriana conhecida e já existe antibiótico eficiente contra o micro-organismo.

O que diz o responsável pela publicação: O autor do vídeo se apresenta como “doutor Amarildo Filho” e como advogado. Em 2020, Filho foi candidato a vereador em Goiânia pelo então Partido Social Liberal (PSL) e foi derrotado, recebendo apenas 1.116 votos. Em 2022, ele foi candidato a deputado estadual de Goiás pelo Agir e foi novamente derrotado, desta vez com 2.909 votos. Amarildo Filho foi procurado por mensagem do Instagram, mas não respondeu.

O que podemos aprender com esta verificação: A postagem analisada associa informações verdadeiras (famosos diagnosticados com pneumonias) com um conteúdo retirado do contexto original para sugerir uma afirmação falsa, que a covid-19 tenha “virado” pneumonia, criando uma confusão entre os significados das doenças, uma vez que a pneumonia pode ser uma das consequências da covid-19, mas também pode ser provocada por outros agentes, de vírus a bactérias. Ao nos depararmos com esse tipo de conteúdo, é importante verificar se todas as fontes usadas para embasar a tese estão corretas ou não.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova realizou outras checagens sobre a relação da covid-19 e outras doenças. Neste mês de março, mostramos que é falso o estudo de Cambridge que comprova infecção de Aids em pessoas vacinadas contra o novo coronavírus. No ano passado, apontamos que uma médica enganou ao dizer que vacinas contra a covid-19 causam infarto e morte súbita em crianças e que não há relação entre vacinação por covid-19 e aumento de mortes por câncer na Inglaterra.

 

 

Saúde

Investigado por: 2024-03-13

Não há evidências de que suramina elimine vacina do organismo de imunizados contra a covid

  • Falso
Falso
Não é verdade que a substância suramina tenha sido identificada como um antídoto para inibir os efeitos da vacina contra a covid-19, como defende um médico em um vídeo gravado em 2021 e que voltou a viralizar. O remédio é um antiparasitário indicado para tratar a doença do sono, a doença de Chagas, a teníase e a oncocercose. O médico também cita o uso da ivermectina, outro antiparasitário, para bloquear a atuação da vacina, mas, o medicamento é contraindicado para covid pela Organização Mundial da Saúde em função de eventuais efeitos colaterais e não faz parte do rol de remédios aprovados pela Anvisa para tratamento do coronavírus.

Conteúdo investigado: Um vídeo que voltou a circular nas redes sociais mostra o médico identificado como Dr Nasser dizendo que os medicamentos suramina e ivermectina podem funcionar como um antídoto contra a proteína S gerada a partir da vacinação contra a covid-19. O trecho da gravação vem com o título “Notícia boa para os vacinados arrependidos, ou enganados! ESSA É A VERDADEIRA CIÊNCIA!” e ainda “Saiba como eliminar a vacina do seu organismo. Dr Nasser, MD PHD do Hospital Albert Einstein*”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Não há evidências científicas que demonstrem que a substância suramina possa impedir a atuação da vacina contra a covid-19 no organismo, assim como não há indicação médica para o uso da ivermectina por pessoas imunizadas contra a doença. O conteúdo aqui investigado integra uma palestra conduzida pelo médico José Augusto Nasser no “Encontro Liberdade e Democracia”, realizado em novembro de 2021 em São José, Santa Catarina. Já naquela época, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alertava para a falta de evidências dos possíveis benefícios da ivermectina.

O médico, que já foi alvo de outras investigações do Comprova, defende que os remédios sejam usados para reparar mitocôndrias (estruturas dentro das células) que são supostamente destruídas pela proteína S gerada a partir da vacinação, o que não é verdade. Ele diz ainda que a suramina pode ser consumida através do chá de funcho, planta medicinal indicada para melhorar a digestão, combater cólicas e aliviar náuseas, mas a substância é, na verdade, fabricada em laboratório.

Ao Comprova, a farmacêutica Bayer, que sintetizou o medicamento pela primeira vez em 1904, disse que o antiparasitário é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como remédio essencial para tratar doenças tropicais. “Não há indicação em bula para uso relacionado à covid-19 e o medicamento não é comercializado no Brasil”, esclareceu a empresa.

Eduardo Silveira, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), explica que a proteína S estimula a produção de anticorpos para combater uma eventual infecção pelo coronavírus e que não se mantém no organismo. “Quando a gente toma uma vacina, ela é rapidamente processada. Então, para que esse suposto detox de vacina pudesse funcionar, essa proteína teria que ficar circulando eternamente, o que não acontece.”

Ainda segundo o especialista, a mitocôndria serve como um motor metabólico da célula. “Ninguém mostrou absolutamente nada sobre o papel da spike [proteína S] na mitocôndria de uma célula infectada. Pelo contrário, uma vez que o vírus invade essa célula, ele começa o processo de replicação. Então, para tentar ganhar o público, é um uso de palavras que não tem a mínima relação com a realidade.”

Procurado pela reportagem, o Hospital Albert Einstein informou que o médico José Augusto Nasser nunca fez parte do corpo clínico da instituição, diferentemente do que alega o vídeo.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 12 de março, a publicação tinha 145,4 mil visualizações no X.

Como verificamos: Primeiramente, o Comprova buscou por outras checagens feitas sobre a declaração do médico José Nasser acerca da suramina como antídoto para os efeitos da vacina contra a covid-19. Em seguida, procurou a Bayer, empresa farmacêutica que produz a suramina, e a Anvisa. Na sequência, a reportagem entrevistou o professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) Eduardo Silveira e o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza. Por fim, o Comprova fez contato com o próprio médico José Nasser.

Erro em pesquisa citada pelo médico

Durante a apresentação, o médico menciona um estudo sueco que sugere que a proteína S pode se integrar ao DNA e interferir em seu processo de reparação. Ele diz que isso levanta preocupações sobre a possibilidade de os imunizantes terem efeitos genotóxicos e carcinogênicos, ou seja, a capacidade de provocar mutações no material genético e potencialmente causar câncer.

O médico afirma que o referido artigo oferece uma análise detalhada sobre como a proteína S pode interromper a reparação do DNA, enfatizando a importância constante deste processo para prevenir o desenvolvimento de tumores.

O Comprova solicitou ao médico o estudo ao qual ele se referia, mas Nasser não enviou a publicação. De acordo com o Estadão Verifica, as fontes citadas por ele durante a apresentação remetem a uma pesquisa publicada na revista Viruses em outubro de 2021, conduzida por pesquisadores da Universidade de Estocolmo e da Universidade de Umeå, na Suécia, semanas antes da palestra realizada pelo médico.

O artigo em questão foi removido da revista em 2022 porque um dos autores descobriu que o documento apresentava um desenho experimental inadequado. Isso significa que a estrutura que orientou a coleta de dados e a análise estatística estava incorreta. Assim, as conclusões da pesquisa não têm validade.

Na palestra, o médico defende o consumo de suramina através do chá de funcho e do chá de agulha de pinheiro branco. Na imprensa internacional, especialistas reforçam que não há relatos de que a substância possa ser encontrada na natureza, já que foi sintetizada a partir de um corante chamado azul de tripano, comumente usado em laboratórios para coloração celular. Além disso, o consumo traz riscos de toxicidade renal e hepática, reações oculares, insuficiência adrenal e anemia.

“A ingestão de um chá vai fazer com que esse conteúdo esteja no estômago e no intestino, o caminho natural. Mas essas regiões não contêm células que normalmente são infectadas pelo vírus. Então, para que a ideia desse médico funcionasse, além de ter uma concentração grande dessa suramina, ela ainda teria que ser translocada do trato digestório e ficar circulando no organismo até o indivíduo ser infectado ou vacinado”, diz o professor Eduardo Silveira.

Pesquisa com suramina é inconclusiva

Um estudo publicado na revista Nature em abril de 2023 investigou se a suramina seria capaz de inibir a ligação entre a proteína spike do vírus e células humanas, impedindo a infecção. A pesquisa foi conduzida por instituições dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. Foram analisadas estruturas das variantes do tipo selvagem, Delta e Ômicron em ensaios in vitro.

Um dos resultados observados foi de que a “suramina é um potente inibidor da infecção por SARS-CoV-2 e é mais ativa contra a variante Ômicron”. Os cientistas afirmam, no entanto, que a pesquisa não é conclusiva. “Dado que a suramina não está aprovada nos Estados Unidos devido a preocupações com a toxicidade, são necessários mais estudos farmacológicos e ensaios clínicos para demonstrar a eficácia da suramina reaproveitada como terapêutica para a covid-19 ou como profilaxia pós-exposição, por exemplo, como spray nasal.”

O estudo não faz referência sobre um possível uso da suramina para eliminar a proteína S do organismo, como sugeriu o médico do vídeo aqui verificado. Para o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza, a tese de detox de vacina é irracional. “Primeiro, porque detox significa desintoxicar, tirar toxinas de dentro do corpo. E a vacina não cria, nem injeta, nem faz o organismo produzir toxinas. O que as vacinas fazem é induzir a resposta imunológica, seja através de anticorpos, seja através de células do sistema imune, contra um agente”, explica.

No Brasil, não há indicações aprovadas pela Anvisa para medicamentos com suramina. “Ressaltamos que somente ensaios clínicos que tenham finalidade de subsidiar o registro do medicamento estão sujeitos à análise e anuência da Anvisa. Pesquisas de caráter científico ou acadêmico não dependem de autorização”, diz nota enviada pela agência ao Comprova.

O Ministério da Saúde reafirmou que a vacinação de covid-19 teve “grande impacto na redução da morbimortalidade pela doença, evitando milhares de óbitos e internações no Brasil”. Reforçou, ainda, que a suramina tem sido utilizada pela medicina em diferentes contextos por possuir propriedades antiparasitárias e anti-inflamatórias. Mas deixou claro que o medicamento deve ser usado conforme indicação na bula. “Até a presente data, não existem estudos ou indícios que demonstrem que esta substância interfira na eficácia das vacinas contra a covid-19 ou de outras vacinas”, diz a nota.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou o responsável pela publicação no X, mas não obteve resposta. A reportagem ainda contatou o próprio médico José Nasser, que reafirmou que a suramina inibe, sim, os efeitos da vacina da covid-19 e que os estudos já foram bem divulgados “em outras contestações”. O médico também afirmou que não recomenda mais o chá de funcho “por outras razões”, mas não deu detalhes. “A discussão médica deverá ser feita em ambiente médico e eu não me responsabilizo por muitos vídeos que não são meus que podem ainda estar circulando. Infelizmente estes conteúdos são editados, clonados e tudo pode ser feito com eles”, disse Nasser, que, como informado acima, já teve conteúdos verificados pelo Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: A tática de desinformação atrelada a esse conteúdo é a manipulação de fatos científicos para promover uma falsa sensação de segurança ou cura alternativa, sem embasamento em evidências científicas concretas. Para se precaver contra esses conteúdos enganosos, é fundamental buscar fontes confiáveis e especialistas reconhecidos e estudos comprovados para obter informações sobre saúde e vacinação. Além disso, é importante desenvolver o pensamento crítico e questionar informações duvidosas, verificando sua veracidade antes de compartilhá-las, contribuindo assim para conter a disseminação de desinformação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Boatos.org, O Observador, Agência Lupa e Estadão Verifica já verificaram o mesmo conteúdo e o classificaram como falso. Outro post envolvendo Nasser, um em que ele mentia ao afirmar que estudo de Cambridge comprovou que imunizados contra a covid desenvolveram Aids, foi recentemente verificado pelo Comprova.

Saúde

Investigado por: 2024-03-07

É falso que estudo de Cambridge comprove que pessoas vacinadas contra a covid-19 adquiriram Aids

  • Falso
Falso
Não é verdade que cientistas da Universidade de Cambridge concluíram que 25% dos imunizados contra a covid-19 com vacinas de mRNA desenvolveram Aids, ao contrário do que afirma post investigado pelo Comprova. Uma pesquisa identificou em parte dos pacientes estudados uma resposta do sistema imunológico à vacina que não era esperada, mas não encontrou nenhum efeito colateral. O Ministério da Saúde confirma que nenhuma vacina tem a capacidade de causar Aids. A publicação ainda mente ao usar o termo “VAids”, que seria uma "síndrome de imunodeficiência adquirida por vacina". A condição não existe, como verificado na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Conteúdo investigado: Post no Instagram afirma que cientistas de Cambridge descobriram que 25% das pessoas que tomaram a vacina de mRNA contra a covid-19 têm “VAIDS” e que o estudo revela falhas no sistema imunológico.

Onde foi publicado: Instagram.

Conclusão do Comprova: São falsas as afirmações de médico sobre estudo da Universidade de Cambridge ter descoberto que 25% das pessoas que receberam vacina de mRNA contra a covid-19 estão com “VAids”. Esse tipo de imunizante, baseado no RNA mensageiro, simula a exposição ao novo coronavírus para poder combatê-lo, como explica o Ministério da Saúde. Já a Aids (da sigla em inglês para Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é a doença causada pela infecção do vírus da imunodeficiência humana (HIV é a sigla em inglês). Diferentemente do que diz o autor do post, não existe uma condição chamada VAids, que seria uma “síndrome de imunodeficiência adquirida por vacina”, nem os imunizantes causam a doença.

“Esse tipo de fake news é um crime contra a saúde pública”, afirma o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri. Ele disse ao Comprova que o vírus HIV é transmitido de diferentes formas, especialmente pelo contato sexual desprotegido, mas não por meio de um imunizante. Na página dedicada à doença, o Ministério da Saúde elenca as principais formas de transmissão, além do sexo sem camisinha: uso de seringa por mais de uma pessoa; transfusão de sangue contaminado; da mãe infectada para seu filho durante a gravidez, no parto e na amamentação; e por instrumentos não esterilizados que furam ou cortam.

Em consulta à Classificação Internacional de Doenças (CID-11), da Organização Mundial da Saúde (OMS), a busca pelo termo “VAids” não traz nenhum resultado.

Contatado pelo Comprova, o Ministério da Saúde afirmou que “nenhuma vacina possui a capacidade de causar a Aids” e que os imunizantes salvam vidas.

O autor do post cita como fonte de suas afirmações o site Slay News, que leva para uma reportagem do jornal britânico The Daily Telegraph. O texto não fala que o estudo concluiu que 25% das pessoas vacinadas com os imunizantes de mRNA desenvolveram Aids ou outras doenças, apenas que tiveram uma resposta imunológica não intencional.

Tampouco a reportagem revela o nome do estudo, mas informações nele citadas levam ao artigo publicado na revista Nature. A pesquisa também não diz que as vacinas levaram as pessoas a ter Aids. O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade de Cambridge. Segundo texto no site da instituição, o artigo identificou que pode ocorrer uma falha na “leitura”, pelas células humanas, do mRNA da vacina, o que resultaria numa resposta imunológica não intencional, situação constatada em um terço de 21 pacientes do estudo que receberam o imunizante. No entanto, nenhum efeito nocivo no organismo dessas pessoas foi detectado.

O autor do post, que foi procurado pela reportagem e não respondeu até a publicação deste texto, já teve outros conteúdos relacionados à vacina contra a covid verificados

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post foi removido em 5 de março, mas, até sair do ar, alcançou mais de 3,5 mil curtidas.

Como verificamos: Para obter informações sobre a vacina e a Aids, pesquisamos sites de órgãos como a OMS e o Ministério da Saúde, que foi contatado pela reportagem. Também consultamos o estudo usado como base da afirmação mentirosa, textos no site da Universidade de Cambridge que repercutem a pesquisa e tentamos contato com os autores da pesquisa, que não responderam até a publicação desse texto. Contatamos representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza, e questionamos o responsável pela postagem enganosa, que não respondeu até o fechamento desta verificação.

A tecnologia das vacinas de mRNA

As vacinas de RNA mensageiro levam, de uma forma controlada, uma mensagem para as células humanas criarem a proteína spike para que, a partir disso, o organismo possa gerar uma resposta imunológica a ela. A proteína spike é um fragmento do vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19, por meio da qual o vírus entra nas células humanas, causando a doença.

“A vacina existe para você encontrar com o vírus de forma controlada, sem ter a doença, antes que o vírus entre em contato com você”, explicou o virologista Amilcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em checagem recente do Estadão Verifica.

Ao Comprova, o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza, explicou que o estudo aponta para uma nova perspectiva desse tipo de vacina. “Os cientistas estão vendo que, além dessas proteínas que são próprias do vírus, o RNA contido na vacina tem criado outras proteínas. A partir daí, há uma imunidade contra essas outras proteínas, que não são do vírus e não eram desejadas. Não é indesejado no sentido negativo, apenas não eram esperadas”, disse.

Segundo o infectologista, o próprio artigo deixa claro que a produção de outras proteínas não causa nenhum efeito colateral. “Isso não tem a ver com a Aids, é uma questão muito técnica. Não é nada absurdo”, afirmou. “Tem a ver, talvez, com melhorar [o modelo da vacina] para que seja produzida só a spike mesmo, e, então, a imunidade será apenas contra o coronavírus”, avaliou. O médico relembrou que informações falsas sobre uma suposta ligação entre Aids e vacinas já foram foram removidas por decisões judiciais.

Estudo aponta ajuste para as vacinas, mas não danos no organismo

O estudo “N1-methylpseudouridylation of mRNA causes +1 ribosomal frameshifting”, publicado na Nature em 6 de dezembro de 2023, e que foi distorcido na postagem falsa, foi realizado pelos pesquisadores Anne Willis e James Thaventhiran, do Medical Research Council (MRC) Toxicology Unit, da Universidade de Cambridge, com a colaboração de outros estudiosos das universidades de Kent, Oxford e Liverpool.

Segundo o site da instituição, o estudo descreve como as vacinas de mRNA podem causar uma resposta imunológica não intencional e aponta ajuste no desenvolvimento de futuros imunizantes com essa tecnologia que, de acordo com o site da Universidade de Cambridge, se trata de uma descoberta revolucionária, “que foi utilizada para controlar a pandemia da covid-19 e está sendo proposta para tratar vários tipos de cânceres e doenças cardiovasculares, respiratórias e imunológicas”.

Segundo o texto no site da universidade, os pesquisadores descobriram que o mRNA das vacinas pode ser decodificado de forma errada pelas células humanas resultando, além da produção da proteína spike, na produção de outras proteínas capazes de gerar uma “resposta imunológica não intencional” no organismo. Na pesquisa, que envolveu testes em laboratório com camundongos e análise de pessoas vacinadas, eles mostraram que essa falha ocorreu em um terço de 21 pacientes do estudo que receberam a vacina. Porém, nenhum efeito nocivo no organismo foi encontrado.

Os pesquisadores identificaram que um componente químico do mRNA utilizado na vacina, chamado N1-metilpseudouridina, é o causador da falha. Eles, então, redesenharam as sequências genéticas do mRNA sintético para evitar o efeito indesejado. Segundo a universidade, essa modificação pode facilmente ser aplicada a futuras vacinas de mRNA, “evitando respostas imunológicas perigosas e não intencionais”.

Pesquisadores reafirmam segurança da vacina e dizem que alegações são falsas

O texto no site da universidade destaca a seguinte declaração do imunologista James Thaventhiran, um dos responsáveis pelo estudo: “A pesquisa mostrou, sem sombra de dúvida, que a vacinação com mRNA contra a covid-19 é segura. Bilhões de doses das vacinas de mRNA da Moderna e da Pfizer foram entregues com segurança, salvando vidas em todo o mundo. Precisamos garantir que as vacinas de mRNA do futuro sejam igualmente confiáveis. Nossa demonstração de mRNAs ‘resistentes ao deslizamento’ [erro na decodificação pelas células humanas] é uma contribuição vital para a segurança futura desta plataforma médica.”

No mesmo texto, a bioquímica Anne Willis, outra responsável pelo estudo, também reafirma a segurança das vacinas de mRNA contra a covid-19 e destaca que o ajuste que identificaram pode ser facilmente implementado na produção futura de novos imunizantes com essa tecnologia: “O nosso trabalho apresenta uma preocupação e uma solução para este novo tipo de medicina. Estas descobertas podem ser implementadas rapidamente para evitar quaisquer problemas de segurança futuros e garantir que as novas terapias de mRNA sejam tão seguras e eficazes como as vacinas contra a covid-19.”

A equipe de checagem da AFP em Hong Kong checou a mesma alegação e também atestou que ela é falsa. À AFP, os pesquisadores envolvidos no estudo disseram que as afirmações de que a vacina com mRNA provocou Aids nos imunizados foram simplesmente inventadas. “Nosso último estudo não questiona a avaliação de segurança das vacinas de mRNA da covid existentes. Os dados são claros: não há evidências que liguem proteínas involuntárias a respostas imunológicas prejudiciais”, disse James Thaventhiran, acrescentando que “os humanos encontram regularmente proteínas involuntárias e geram respostas imunológicas inofensivas”.

Também à AFP, Lance Turtle, coautor do estudo e pesquisador da Universidade de Liverpool, disse que a alegação compartilhada nas redes não tem base em fatos. “Não havia absolutamente nada sobre imunodeficiência em nosso estudo… Não há nada de imunodeficiência nisso, é o sistema imunológico respondendo a uma proteína estranha”, disse Turtle.

Autor do post tem histórico de desinformação

O médico José Augusto Nasser dos Santos é natural de Campo Grande (MS), mas atua na cidade do Rio de Janeiro desde a década de 1990, em um consultório no Leblon. Especializado em neurocirurgia, ele é autor de um curso de “detox de vacinas da covid-19” com a administração de ivermectina, vitaminas e chás; nenhum desses itens é aprovado pelo Ministério da Saúde para o tratamento da doença. As aulas são oferecidas em mensagens automáticas enviadas pelo WhatsApp comercial do médico, assim como fornecimento de atestados para não receber a vacina.

Nasser também é autor do vídeo que foi compartilhado por Luciano Hang no X (antigo Twitter), resultando no bloqueio do perfil do empresário da rede social, em janeiro de 2022. Na gravação, o médico se posicionou de forma contrária à vacinação infantil com informações enganosas sobre o imunizante, alegando que se tratavam de um “experimento”, sem benefícios comprovados. Naquele mês, ele se utilizou do mesmo discurso em uma audiência pública realizada na Câmara dos Deputados a convite da deputada Bia Kicis (PSL-DF).

No Senado, o neurologista protagonizou mais uma sessão polêmica, comandada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), em que criticava a necessidade do comprovante de vacinação para diversos serviços. Na ocasião, o médico sugeriu, de forma irônica, que houvesse também a proibição de pacientes com Aids, tuberculose e hepatite C em estabelecimentos comerciais.

Em outro momento, Nasser foi alvo de uma verificação do Projeto Comprova em que ficou constatado que o médico deturpou dados de uma pesquisa para disseminar informações enganosas de que a vacinação contra a Covid-19 teria resultado em abortos.

O que diz o responsável pela publicação: Ao Comprova, Nasser negou que o termo VAids tenha relação com a Aids. “São duas coisas muito diferentes”, afirmou. Porém, a expressão surgiu na pandemia, entre pessoas anti-vacina, sempre associada à Aids. Inclusive, como informado acima, ele mesmo já comparou a forma de transmissão da covid-19 com a do vírus HIV e não há na ciência uma condição chamada de VAids.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que os desinformadores divulguem conteúdos com tom alarmista, como este verificado aqui. Milhares de pessoas no mundo se imunizaram contra a covid-19 com as vacinas da Moderna e da Pfizer e, ao ler o post, algumas pessoas podem se assustar e achar que poderiam estar com Aids por conta do produto. Os desinformadores sabem que, ao causar a sensação de espanto ou surpresa, a pessoa impactada pode não refletir direito, ter o julgamento influenciado por aquele conteúdo. E já é mais do que sabido que as vacinas, tanto as de mRNA como as outras, são eficazes contra o novo coronavírus, então, ao se deparar com posts que associam os imunizantes a doenças, desconfie. Se achar que pode ser verdadeiro, tente encontrar o estudo citado ou o assunto publicado em outros locais. Ou, se, de fato, 25% dos vacinados estivessem com Aids, você acha que isso não mereceria atenção de autoridades, cientistas e veículos jornalísticos?

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Aos Fatos checou o mesmo conteúdo verificado aqui e posts associando as vacinas contra a covid-19 à Aids já foram classificados com falsos ou enganosos diversas vezes pelo Comprova. Alguns exemplos: é falso que vacina australiana tenha infectado pessoas com HIV; imunizante é seguro e não gera HIV, câncer ou HPV; e é falso que o Canadá tenha admitido que triplamente vacinados contra tenham desenvolvido Aids. A equipe também publicou, na seção Comprova Explica, que o imunizante não provoca Aids, ao contrário do que sugeriu Bolsonaro em live.

 

Atualização: Este texto foi atualizado em 8 de março de 2024 para incorporar resposta do responsável pela postagem investigada. 

Saúde

Investigado por: 2024-03-05

Nota técnica anulada do Ministério da Saúde não muda legislação sobre aborto; entenda

  • Comprova Explica
Comprova Explica
O Ministério da Saúde publicou uma orientação, anulada posteriormente, reafirmando que não há limite de tempo de gestação em casos de aborto legal. A nota, porém, não tem poder de mudar a legislação vigente. No Brasil, a interrupção voluntária da gravidez só é permitida em casos de risco à vida da mãe, estupro e anencefalia. Os casos em que é permitido o aborto legal são os mesmos desde 2012.

Conteúdo analisado: Nota técnica do Ministério da Saúde publicada em 29 de fevereiro foi alvo de uma série de postagens que afirmavam que o governo havia permitido o aborto até os nove meses de gestação. O texto, revogado um dia depois, pedia a anulação de uma recomendação feita no governo anterior, que determinava que o aborto legal só poderia acontecer até 21 semanas e 6 dias de gestação. A nota, porém, não tem poder de mudar a legislação vigente.

Comprova Explica: As secretarias de Atenção Primária e de Atenção Especializada do Ministério da Saúde publicaram em 28 de fevereiro uma nota técnica que propunha a anulação de outra nota, de 2022, da gestão de Jair Bolsonaro (PL), que estabelecia um limite de 21 semanas e 6 dias de gestação para casos de aborto legal. Esse período não era, porém, embasado por nenhuma decisão legal ou consenso científico.

A mesma orientação aparecia em um guia do MS para profissionais de saúde, Atenção Técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento, que trazia orientações para condutas nos casos de interrupção da gravidez.

O conteúdo da nota técnica do fim de fevereiro foi criticado e distorcido em publicações nas redes sociais, inclusive de deputados da oposição, como Nikolas Ferreira e Daniel Freitas, ambos do Partido Liberal (PL), que alegaram que o governo teria autorizado o aborto até o 9º mês de gravidez. Desde a publicação da lei que define quais são os casos legais de aborto, em 1940, não há nenhum limite de idade gestacional para o procedimento.

Além disso, as notas técnicas não têm força de lei. São documentos elaborados por especialistas dos ministérios, emitidos quando há necessidade de esclarecer algum assunto e que apenas oferecem fundamentação “para tomada de decisões”. O documento foi revogado um dia depois da publicação, em 29 de fevereiro. Em nota para a imprensa, o ministério afirmou que ele não passou “por todas as esferas necessárias e nem pela consultoria jurídica da pasta”.

Documento revogava orientação que já não tinha efeito desde o ano passado

A nota anulada pretendia suspender uma recomendação que já não tinha efeito desde o ano passado. Em janeiro de 2023, primeiro mês do atual mandato do presidente Lula (PT), o Ministério da Saúde publicou uma portaria que revogou o documento do ano anterior, que falava em limite de tempo, “por não estar alinhado com a atual orientação sobre direitos sexuais e reprodutivos do Ministério da Saúde” (a justificativa está disponível na página onde o manual podia ser consultado).

Em outra manifestação do ministério, a Nota Técnica Conjunta nº 37/2023, publicada em setembro do mesmo ano, a pasta refuta os argumentos da gestão anterior ao apontar que o tempo gestacional e o peso do feto são elementos importantes em casos de aborto espontâneo, mas não são levados em consideração nos casos de aborto induzido, segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS). “A definição legal de aborto é a interrupção da gravidez anterior ao tempo compreendido entre a concepção e o início do trabalho de parto, o qual é o marco do fim da vida intrauterina”, aponta o texto.

Para os autores da nota publicada em setembro, a recomendação emitida durante a gestão de Jair Bolsonaro “intimida a população e os profissionais de saúde que atuam nos poucos serviços que acolhem as pessoas com direito ao aborto no Brasil”. O texto ainda critica trecho do manual de 2022 que afirmava que “todo aborto é um crime, mas quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido, como a interrupção da gravidez por risco materno”. “Aborto legal não é crime e ameaçar meninas e mulheres com investigação policial é tortura do estado”, afirma a nota nº 37/2023.

O Comprova entrou em contato com o Ministério da Saúde questionando o motivo de anular uma recomendação já suspensa, mas não obteve resposta até a conclusão desta verificação.

Nota técnica de 2022 embasou recusa de aborto legal

Mesmo sem ter caráter de lei, a orientação emitida em 2022 pelo governo Jair Bolsonaro ajudou a fundamentar uma decisão judicial que impediu uma menina de 11 anos, vítima de estupro, de fazer um aborto legal em Santa Catarina.

A criança descobriu a gravidez quando já estava na 22ª semana, ao ser encaminhada a um hospital universitário em Florianópolis. Os médicos se recusaram a fazer o procedimento citando a recomendação do Ministério da Saúde.

O caso foi à Justiça e, durante a audiência, a juíza Joana Ribeiro Zimmer tentou convencer a garota a manter a gestação “mais um pouquinho”. Após repercussão do caso na imprensa, o Ministério Público Federal fez uma recomendação e a menina conseguiu interromper a gravidez. Em nota, o órgão reforçou que “é recomendado atender vítimas de estupro, independentemente da idade gestacional”. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu uma investigação contra a juíza que tentou impedir o cumprimento da lei.

Quais são os casos legais de aborto no Brasil?

O aborto provocado é considerado crime de infanticídio, segundo o Código Penal Brasileiro, exceto em dois casos: estupro e risco de morte da mãe. Uma última exceção foi aprovada pelo STF em 2012, quando o feto é anencéfalo, ou seja, apresenta uma má-formação do cérebro que inviabiliza a sobrevivência fora do útero. No relatório, o então ministro Marco Aurélio justificou que “impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá” era uma violência à dignidade humana.

Tramita ainda no Supremo a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que discute a descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas da gestação. Antes de se aposentar, a ministra Rosa Weber votou para permitir a interrupção voluntária da gravidez nesse período, independentemente da circunstância, e argumentou que, embora não caiba ao STF elaborar políticas públicas – papel que seria dos poderes Executivo e Legislativo –, a criminalização do procedimento é um debate constitucional. O julgamento foi suspenso em setembro de 2023 e não há previsão de quando será pautado novamente.

Como verificamos: A nota anulada no final de fevereiro não está mais disponível no domínio do Ministério da Saúde, mas a reportagem conseguiu a íntegra com fontes da pasta. Já a nota técnica conjunta anterior, de 2022, está anexada à ação sobre a descriminalização do aborto que tramita no STF e pode ser consultada no site da Corte.

O manual de 2022 também não está mais disponível no site do ministério, mas foi possível obtê-lo ao buscar o endereço no Wayback Machine, que arquiva páginas da internet.

Por fim, para saber quais são os casos em que o aborto é legal no Brasil, a reportagem consultou o Código Penal e a decisão do STF de 2012 que permitiu a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos.

Por que explicamos: O Comprova Explica busca esclarecer conteúdos em discussão nas redes sociais com potencial de gerar desinformação. A nota técnica anulada motivou publicações enganosas em perfis de grande engajamento, o que pode causar dúvida sobre quais são os casos em que o aborto é legal no Brasil e se o governo atual fez alguma mudança relacionada ao assunto. Não há nenhuma mudança nas hipóteses em que o aborto é descriminalizado desde 2012.

Outras checagens sobre o tema: Os boatos relacionados à suspensão da nota técnica do Ministério da Saúde já foram negados pelo Aos Fatos, g1 e Estadão Verifica. Em 2022, o Comprova também mostrou que era falso um panfleto dizendo que Lula liberaria o aborto.

Política

Investigado por: 2024-02-29

É falso que Israel cancelou contrato para fornecimento de aparelho contra o câncer depois de fala de Lula

  • Falso
Falso
É falso que Israel cancelou contratos firmados no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para fornecimento de aparelhos para diagnóstico e tratamento de câncer, durante a gestão do presidente Lula (PT). Procurados pelo Comprova, o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer (INCA) esclareceram que nunca houve acordo entre os dois países. Já a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) afirmou que o método mencionado na publicação não existe; é um desafio científico e tecnológico ainda não atingido.

Conteúdo investigado: Uma publicação afirma que um acordo firmado em 2019, entre Brasil e Israel, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), importaria, a partir de 2024, um aparelho com tecnologia israelense que detecta câncer de mama e próstata a partir da primeira célula e faz a retirada de tumores sem cortes. Entretanto, o contrato teria sido cancelado dias após as falas do presidente Lula (PT) sobre a atuação israelense na guerra na Faixa de Gaza.

Onde foi publicado: X e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso que Israel tenha cancelado contratos de exportação na área da saúde ao Brasil após o presidente Lula (PT) criticar a atuação israelense no conflito com o Hamas. Postagens citam a venda de um suposto aparelho que detectaria câncer de mama e de próstata precocemente, mas os contratos nunca existiram. A publicação também diz que os acordos teriam sido firmados em 2019, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e que a tecnologia chegaria ao país a partir de agosto deste ano.

Procurado pelo Comprova, o Ministério da Saúde negou que haja qualquer contrato de importação de equipamento para tratamento oncológico com o governo de Israel. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) também reafirmou a inexistência de acordo em vigor entre a instituição e empresas israelenses para a compra de dispositivos de tratamento de câncer de mama e de próstata. “As alegações de cancelamento de contrato são infundadas e foram categorizadas como informações falsas”, destacou o instituto.

Além disso, de acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), o aparelho supostamente criado por Israel mencionado na publicação não existe. “O câncer de mama é uma doença complexa que envolve a multiplicação descontrolada de células anormais. Detectar o câncer a partir da primeira célula é um desafio científico e tecnológico que ainda não foi atingido”, destacou a entidade

O post mente ainda ao afirmar que a transação teria sido desfeita pela gestão israelense em 21 de fevereiro de 2024. O conteúdo sugere que o suposto rompimento do contrato teria sido motivado pelas declarações de Lula em uma entrevista coletiva em Adis Abeba, capital da Etiópia, em 18 de fevereiro, quando fez um paralelo entre a guerra na Faixa de Gaza e o Holocausto. O post faz isso ao utilizar uma imagem com a hashtag NaziLula e uma suástica nazista, formada por vários “L”, em alusão ao nome do chefe de Estado.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 29 de fevereiro, a publicação no X (antigo Twitter) teve 300,5 mil visualizações, 12 mil curtidas, 4 mil compartilhamentos e 351 comentários. Já no Telegram, o post recebeu 4,3 mil visualizações.

Como verificamos: A reportagem pesquisou no Google por contratos entre Brasil e Israel na área da saúde, para diagnóstico e tratamento de câncer, e encontrou verificações de outros veículos sobre o tema, entre 2019 e 2024. Ainda foram procurados o Ministério da Saúde e o INCA para questionar sobre a existência do contrato citado na publicação. A Sociedade Brasileira de Mastologia também foi consultada para esclarecer sobre a veracidade e utilização da suposta tecnologia israelense.

Diagnóstico a partir da primeira célula é desafio ainda não atingido

A tecnologia que a publicação afirma ter sido criada em Israel e que faz a detecção de câncer a partir da primeira célula não existe. De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, o câncer de mama é uma doença complexa que envolve a multiplicação descontrolada de células anormais e, por isso, o método de diagnóstico citado é um “desafio científico e tecnológico que ainda não foi atingido”, mas existem pesquisas na área.

“A SBM conhece, por exemplo, a existência de pesquisas sobre biópsia líquida, um método desenvolvido por cientistas brasileiras da Universidade Federal de Uberlândia que permite a detecção do câncer de mama pelo sangue. O método consiste em analisar o DNA das células tumorais que circulam na corrente sanguínea. É menos invasivo que outros exames e pode contribuir, futuramente, para o diagnóstico precoce da doença. Além disso, os mastologistas também acompanham o andamento das pesquisas israelenses com uso da inteligência artificial para diagnóstico precoce do câncer de mama e com vacina para prevenir a doença”, afirmou a Sociedade.

Com relação à retirada de tumores sem cortes, o INCA afirmou que utiliza técnicas de ablação de pequenos tumores em casos selecionados, que consiste em um tratamento minimamente invasivo guiado por ultrassonografia ou tomografia, realizado pelo intervencionista oncológico, que acarreta na destruição térmica, química ou elétrica de um tumor benigno ou maligno. Existem diferentes tipos de ablação, dependendo do órgão e do método utilizados. Porém, segundo o Instituto, não se trata de uma tecnologia israelense. “Essas técnicas já existem há anos e não estão relacionadas a um contrato específico com Israel.”

A SBM também explica que existe uma técnica denominada crioablação, que consiste na colocação de uma agulha dentro do nódulo, guiado por ultrassonografia, provocando o congelamento do tumor e de parte do tecido ao redor. Contudo, ressalta que pode ser indicada apenas para pacientes com tumores pequenos (preferencialmente menores que 1cm), únicos e sem metástases em linfonodos axilares. A entidade também lembra que se trata de um método de tratamento e não diagnóstico de câncer de mama.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com a autora da publicação, porque o perfil no X (antigo Twitter) não é aberto para receber mensagens. A reportagem também tentou contato por telefone e WhatsApp, mas não conseguiu resposta até a publicação desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que apoiadores de grupos políticos inventem informações e criem cenários falsos para atacar, desacreditar e provocar rejeição contra opositores. Publicações como a investigada aqui também geram comoção da audiência, por tratar de temas relacionados à saúde, em especial o câncer, que afeta pessoas de todas as idades e seu diagnóstico e tratamento ainda são considerados um desafio para a medicina e ciência. É necessário ficar em alerta com a divulgação de informações sobre ações de governos e envolvendo tratamentos de doenças. Nesses casos, deve-se sempre checar o conteúdo com órgãos oficiais, entidades e na imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As informações sobre o acordo entre o Brasil e Israel circulavam desde 2019 e já haviam sido alvo de investigação do Estadão e UOL naquele ano. Em 2024, o cancelamento do suposto contrato também foi verificado pelo Estadão Verifica e Reuters. Ainda neste ano, o Comprova explicou sobre a abertura do processo de impeachment contra Lula, após as falas sobre a guerra em Gaza. O Comprova também desmentiu, em 2023, a relação entre vacinados contra a covid-19 e mortes por câncer na Inglaterra e que o imunizante contra a poliomielite causou câncer em 98 milhões de americanos.