O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Investigado por: 2024-12-12

Entenda as mudanças na legislação para a saída temporária de presos

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Contextualizando
Publicações alarmistas nas redes sociais afirmam que até 50 mil detentos deverão deixar a prisão até o dia 18 de dezembro. Elas alegam que isso seria um aviso de todas as polícias e delegados presentes numa reunião do Conseg e pedem aos usuários que repassem a mensagem aos parentes e amigos. O Comprova mostra o que a legislação diz sobre as saídas temporárias de presos.

Conteúdo analisado: Mensagem com um alerta de que a “última saidinha” temporária de presos vai acontecer “a partir de hoje até o dia 18”. O texto diz “que tem 50 mil presos saindo da prisão”, que o alerta foi “um aviso de todas as polícias e delegados na reunião da Conseg de ontem”, e conclui: “Isso afeta a capital e interior também. Repassem aos parentes e amigos”.

Onde foi publicado: X, Instagram, Threads, Facebook e WhatsApp.

Contextualizando: Em tom de alarme, diversas publicações nas redes sociais alegam que 50 mil presos deverão deixar a prisão por conta do benefício de saída temporária até o dia 18 de dezembro. O Comprova contextualiza o assunto mostrando o que diz a legislação sobre o tema.

A Lei 14.843, de 11 de abril de 2024, restringiu a saída temporária somente a presos que estejam cursando supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior e define condições para o benefício. No entanto, presos que começaram a cumprir pena anteriormente não são alcançados pela norma e podem, cumpridos os pré-requisitos, ter saída temporária autorizada no Natal.

Segundo o advogado criminalista Henrique Attuch, consultado pelo Comprova, não há como estabelecer com antecedência um número de presos que receberão o benefício, pois ele não é concedido automaticamente, sendo necessária a avaliação dos critérios estabelecidos na Lei de Execução Penal, caso a caso.

Em resposta ao Comprova, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), estado com a maior população carcerária do país, confirma que ainda não há definição de quantos detentos terão direito à saída temporária no Natal. “Os juízes avaliarão caso a caso, frente à alteração legislativa. Não é possível adiantar futuras decisões, porque a concessão dos benefícios segue alguns requisitos que serão verificados pelos magistrados no momento oportuno, assim como serão analisados os reflexos da lei para cada sentenciado”, esclarece o TJ-TJ.

No Natal de 2023, segundo levantamento do G1, a saída temporária beneficiou pouco mais de 52 mil presos no país. Desses, 49 mil (95%) retornaram à prisão no período estipulado.

Calendários definidos por estados para a saída temporária de Natal e notícias do benefício concedido, no ano passado, em outras unidades da federação mostram que elas acontecem às vésperas do feriado, e não até o dia 18, como alegam as postagens nas redes sociais.

O que diz a Lei de Execução Penal e quem tem direito à saída temporária?

A Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), sancionada em 1984, estabeleceu as bases do sistema penitenciário brasileiro, incluindo as regras para a concessão de saídas temporárias. Ela foi modificada este ano pela Lei 14.843, de 11 de abril, para restringir a saída temporária de presos apenas aos casos em que o apenado esteja cursando supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior. Apesar de, na prática, a lei extinguir a liberação temporária em feriados e datas comemorativas, ela não alcança presos condenados anteriormente à sua vigência. Segundo jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), “as normas mais gravosas não podem retroagir para prejudicar o executado”.

Mantêm, portanto, o direito ao benefício os presos que estão no regime semiaberto e já cumpriram, no mínimo, um sexto da pena total, se forem réus primários, e um quarto, se forem reincidentes. Além disso, eles devem manter uma boa conduta dentro do sistema penitenciário e não podem ter sido condenados por praticar crime hediondo ou com violência, ou grave ameaça contra pessoa.

Há um calendário para a saída de presos?

Henrique Attuch explica que o calendário para a saída temporária de presos é definido por alguns estados, o que acaba ficando a cargo das unidades prisionais ou dos juízes da execução. Em São Paulo, por exemplo, a Portaria nº 2/2019 define que a saída no Natal deve ocorrer entre o dia 23 de dezembro e 3 de janeiro do ano seguinte. No Distrito Federal, do dia 23 ao dia 27 de dezembro. No Maranhão, entre 20 e 26 de dezembro. No fim de 2023, a saída de Natal no Rio de Janeiro foi do dia 24 ao dia 30 de dezembro. Já em Minas Gerais, há registros de saídas entre 18 de dezembro de 2023 e 1º de janeiro de 2024.

O Comprova não encontrou registros de saídas temporárias de Natal anteriores ao dia 18, como consta na mensagem que circula nas redes sociais.

Qual é o percentual de evasão após saída temporária?

A mensagem diz que muitos detentos não vão voltar para a prisão. O não retorno de presos que recebem o benefício da saída temporária é uma realidade, porém dados recentes mostram que os percentuais são baixos.

Segundo o Relatório de Informações Penais (Relipen), que reúne os dados fornecidos pelas Secretarias de Administração Prisional de todos os Estados, do Distrito Federal e do Sistema Penitenciário Federal, o total de saídas temporárias entre janeiro e junho, em presídios masculinos e femininos, foi de 173.577 em todo o país. Minas Gerais e São Paulo foram os estados com mais saídas temporárias, 66.246 e 64.410, respectivamente.

Os dados apontam que o total de abandonos foi de 6.055, ou 3,4% do total, sendo o Estado de São Paulo como primeiro no ranking, com 2.591 presos que não retornaram, seguido de Minas Gerais, com 723, e Santa Catarina, com 631.

Já em relação ao Natal do ano passado, levantamento do g1 mostrou que 95% dos presos que tiveram direito à saída temporária no país voltaram para a cadeia no período estipulado.

O que são os Consegs?

A sigla Conseg se refere a Conselhos Comunitários de Segurança, grupos formados por membros da sociedade civil e da área de segurança pública nos bairros e municípios para discutir temas locais. Há exemplos em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Curitiba. É enganosa, portanto, a referência que as mensagens postadas nas redes sociais – e que deram origem a este Contextualizando – fazem a uma suposta reunião do Conseg cujo resultado afetaria capital e interior.

Fontes consultadas: O Comprova consultou a Lei de Execução Penal e a Lei 14.843/2024, que a alterou, e sua tramitação no Congresso Nacional. Consultou o advogado criminalista Henrique Attuch, fez buscas sobre calendários de saídas temporárias nos estados e jurisprudência sobre o tema. A equipe ainda fez contato com a Secretaria Nacional de Políticas Pens (Senappen), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os tribunais de Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, estados com a maior população carcerária, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024. Somente a Senappen e o TJ-SP responderam, com os dados de saídas temporárias nos estados compilados pelo Relipen.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O UOL Confere e o Boatos.org concluíram que a mensagem que circula nas redes sociais é falsa. Em junho deste ano, a AFP mostrou ser enganosa uma mensagem com texto similar. O Comprova já esclareceu também que o auxílio-reclusão é garantido por lei desde 1960 e seu valor é equiparado ao salário mínimo, que prisão de Putin em possível vinda ao Brasil depende do Judiciário e não de Lula e que projeto de lei não prevê prisão para quem se recusar a tomar vacina contra a covid-19.

Comprova Explica

Investigado por: 2024-11-25

Perse não beneficiou apenas artistas apoiadores de Lula com isenção fiscal; entenda o programa

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O Ministério da Fazenda divulgou, em 14 de novembro, uma lista de empresas que receberam benefícios fiscais nos oito primeiros meses deste ano. A partir da publicação, um post no X compartilhou uma lista de celebridades que seriam apoiadores de Lula (PT) e teriam sido contempladas com a isenção de impostos por meio do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). A medida foi criada na pandemia de covid-19, durante o governo Bolsonaro (PL), para a recuperação de companhias da área de eventos. O tema abriu margem para desinformação e, por isso, o Comprova Explica traz detalhes sobre o assunto.

Conteúdo analisado: Post com lista de artistas e influenciadores que teriam sido contemplados com isenção de impostos neste ano. O conteúdo menciona o benefício fiscal recebido pela empresa da qual Felipe Neto é sócio, a Play 9, no valor de R$ 14 milhões, afirmando que isso é “apenas a ponta do iceberg” e que os subsídios estão mais para “mensalão de influencers e artistas”. O autor do post também cita celebridades que declararam apoio ao presidente Lula, como Emicida, Pabllo Vittar, Gregório Duvivier, Fábio Porchat, Luísa Sonza, Ludmilla e Bruno Gagliasso, e foram isentas de pagar impostos em suas empresas.

Comprova Explica: No dia 14 de novembro, o Ministério da Fazenda publicou uma lista com empresas que receberam algum tipo de benefício fiscal entre janeiro e agosto deste ano. O objetivo é oferecer à sociedade transparência sobre os contribuintes que usufruem de incentivos fiscais no Brasil, de acordo com a pasta. As informações foram divulgadas no Portal Dados Abertos do governo federal e mostram o montante de impostos não arrecadados pela União.

Os incentivos fiscais são vantagens concedidas pelo governo às empresas por meio da isenção ou redução do pagamento de tributos. Ou seja, são programas que reduzem ou zeram a alíquota de determinados impostos federais, como PIS/Pasep, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), a serem pagos por pessoas jurídicas no país.

A partir da divulgação de empresas beneficiadas pelas isenções, passou a circular nas redes sociais uma publicação com os nomes de celebridades que são donas ou sócias de companhias contempladas no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). A medida de incentivo fiscal foi lançada pelo governo federal durante a pandemia de covid-19, no governo de Jair Bolsonaro (hoje no PL), para auxiliar na recuperação econômica de empresas e profissionais da área de eventos. O programa foi criado em 2021, mas ainda está ativo no país.

Em dezembro de 2023, o governo Lula propôs uma medida provisória (MP) para extinguir o Perse, alegando que as companhias do setor haviam se recuperado do período pandêmico. O Congresso Nacional, porém, barrou o fim do programa, decidindo pela extinção gradual do incentivo. Por pressão do Ministério da Fazenda, ainda na fase de negociações, a Câmara concordou em reformular o projeto e limitar os custos do Perse em R$ 15 bilhões, a partir de abril deste ano, com a data limite até 2026.

Artistas beneficiados pelo Perse

A publicação analisada cita nomes de artistas que apoiaram o presidente Lula durante as eleições de 2022 e foram contemplados pelo incentivo fiscal neste ano. Porém, qualquer empresa do setor de eventos pode requerer o benefício no país, segundo a norma publicada pela Receita Federal em 2021. A instrução determina que empresas relacionadas às atividades de congressos, feiras, festas, espetáculos, festivais, restaurantes e outros – contanto que exerçam os serviços desde 18 de março de 2022 –, poderão usufruir do programa.

Entre as celebridades beneficiadas pelo Perse, e listadas na publicação viral, estão nomes como Ludmilla, que economizou R$ 5,7 milhões em tributos neste ano através da Sem Querer Produções Artísticas Ltda, e Pabllo Vittar, que recebeu R$ 724 mil em isenções de impostos via sua empresa de entretenimento. O rapper Emicida obteve R$ 259 mil em renúncias fiscais pela Laboratório Fantasma Produções Ltda.

Figuras como Gregório Duvivier, Fábio Porchat e Bruno Gagliasso também foram contempladas pelo Perse. Duvivier recebeu R$ 112 mil pela Bicicletinha Produções Artísticas, enquanto Porchat obteve R$ 750 mil por meio da Inverno Produções. Já Gagliasso, foi beneficiado em R$ 901 mil por duas empresas de produção artística, e por uma pousada em Fernando de Noronha, da qual é sócio, contemplada com R$ 252 mil.

Apesar das celebridades terem declarado voto em Lula na última eleição presidencial, não só famosos que apoiaram o governo atual estão entre os beneficiados, diferentemente do que sugere o conteúdo viral. Como publicou o Estadão Verifica, personalidades que defenderam a direita e a candidatura do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também foram contemplados.

Os cantores Gusttavo Lima e Leonardo receberam, respectivamente, R$ 18,9 milhões e R$ 6 milhões em isenção fiscal nas suas empresas. Os artistas apoiaram a candidatura de Bolsonaro e visitaram o ex-presidente durante a campanha de 2022. Os empresários Luciano Hang, dono da Havan, e Afrânio Barreira Filho, do Coco Bambu, investigados por defender golpe de Estado nas eleições presidenciais, deixaram de pagar R$ 299 mil e R$ 2,6 milhões em impostos, respectivamente, por meio do Perse neste ano.

Nos primeiros oito meses de 2024, foram concedidos R$ 9,6 bilhões em isenção de impostos pelo Perse, de acordo com a Receita. Neste link é possível conferir a lista com mais de 15 mil empresas que receberam o benefício pelo programa Perse neste ano. Os dados foram extraídos do Portal de Dados Abertos do governo federal, que divulgou as companhias beneficiadas com algum tipo de incentivo fiscal entre janeiro e agosto.

Fontes consultadas: O Comprova buscou por publicações da Receita Federal sobre o Perse e as normas relacionadas ao programa. Também procurou por reportagens na imprensa profissional sobre a aprovação e discussão da medida. Além disso, consultou a lista de beneficiados pelo programa no Portal Dados Abertos e verificou se as empresas de celebridades citadas na publicação viral eram correspondentes no cadastro nacional Redesim do governo federal.

Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: É comum que medidas relacionadas a benefícios fiscais sejam alvo de desinformação nas redes sociais, como é o caso da Lei Rouanet. O Comprova explicou sobre o funcionamento do projeto de incentivo à cultura e como os valores são aprovados e captados.

*Correção: Ao contrário do que este texto dizia originalmente, a Havan deixou de pagar R$ 299 mil e não R$ 299 milhões. O Coco Bambu, por sua vez, deixou de pagar R$ 2,6 milhões, e não R$ 1,8 milhão, como foi informado anteriormente.

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Investigado por: 2024-11-22

Entenda o que mudou no financiamento da Caixa e o que isso diz sobre a situação do banco

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Comprova Explica
A Caixa Econômica Federal alterou, no dia 1º de novembro, as normas para financiamento habitacional, após prever que a carteira de crédito habitacional do banco deve superar o orçamento aprovado para 2024. O tema abriu margem para a disseminação de desinformação nas redes sociais. Por isso, o Comprova Explica o assunto.

Conteúdo analisado: Vídeo em que uma mulher diz que a Caixa Econômica Federal teria ido à falência por responsabilidade do presidente Lula (PT). Diversas reportagens sobre as mudanças no financiamento habitacional do banco e a falta de recursos da instituição são apresentadas ao longo do conteúdo.

Comprova Explica: A Caixa Econômica Federal alterou as normas para financiamento habitacional. As mudanças, implementadas em de 1º de novembro, fixam um valor de entrada maior e o financiamento de um percentual mais baixo do imóvel. Essas restrições foram implementadas porque houve diminuição nos recursos da caderneta de poupança e das Letras de Crédito Imobiliário (LCI), que financiam as operações imobiliárias. Mas isso não significa que o banco faliu.

Uma instituição entra em falência quando não tem dinheiro para pagar suas dívidas. A Caixa divulga regularmente seus resultados financeiros, que demonstram que o banco não tem esse problema. Por exemplo, o Índice de Basileia, que mede a saúde financeira dos bancos, é de 16,2%, considerado alto.

Em nota ao Comprova, a Caixa afirmou que, nas modalidades de financiamento com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), passou a financiar a aquisição de imóveis ou construção individual com valor de avaliação ou compra e venda limitado a R$ 1,5 milhão. Isso vale apenas para clientes que não possuem outro financiamento habitacional ativo com o banco. Anteriormente, não havia valores máximos.

Além disso, a cota máxima de financiamento admitida passou a ser de até 70% do valor do imóvel (antes era de 80%), com sistema de amortização constante (SAC) e de até 50% com sistema Price (era 70% anteriormente).

A instituição destacou que a alteração nas cotas de financiamento e a limitação no valor do imóvel a R$ 1,5 milhão não se aplicam às unidades habitacionais vinculadas aos empreendimentos financiados pelo banco. Nesse caso, mantêm-se as condições vigentes atualmente.

Atualmente, de acordo com uma reportagem da Agência Brasil, o crédito pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), com juros mais baixos, é restrito a imóveis de R$ 1,5 milhão, mas as linhas do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) não têm teto de valor do imóvel.

A Caixa justificou que aplicou as alterações porque a carteira de crédito habitacional do banco deve superar o orçamento aprovado para 2024.

Até setembro deste ano, a Caixa concedeu R$ 175 bilhões de crédito imobiliário, um aumento de 28,6% em relação ao mesmo período do ano passado. Ainda segundo a Agência Brasil, no SBPE, o banco concedeu R$ 63,5 bilhões nos nove primeiros meses do ano.

Esse aperto na concessão de crédito habitacional é consequência do aumento no volume de saques na caderneta de poupança, bem como das maiores restrições para as Letras de Crédito Imobiliário (LCI), aprovadas no início do ano. Os recursos disponíveis na poupança e oriundos das LCI são utilizados pelos bancos para realizar os financiamentos imobiliários.

De acordo com o Banco Central (BC), a caderneta de poupança registrou o maior volume de saques líquidos do ano em setembro, com os correntistas retirando R$ 7,1 bilhões a mais do que depositaram.

No entanto, mesmo com as restrições nas cadernetas, a Caixa afirmou que pretende manter o ritmo de concessões de crédito imobiliário com recursos da poupança em 2025, conforme noticiado pelo Estadão.

A Caixa informou que é responsável por 68% dos financiamentos habitacionais existentes no país. Ainda segundo o Estadão, o banco teve um lucro de R$ 3,263 bilhões no terceiro trimestre, vendo o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE, na sigla em inglês), subir de 7,9% para 9,3% em um ano.

A instituição poderia aumentar os juros, como fazem os bancos privados ou mesmo o público Banco do Brasil, para equilibrar as contas. No entanto, dessa forma, o banco alega que perderia sua função social. Por isso, a opção por restringir os créditos de financiamento. “Se a Caixa quisesse ter um retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) de 18%, ela saberia fazer, mas certamente não estaria cumprindo seu papel social”, disse Carlos Vieira, presidente do banco, em coletiva de imprensa.

Questionada se atrasou a assinatura de contratos imobiliários por falta de recursos, como reportagens e conteúdos publicados na internet apontam, a Caixa não respondeu.

O Comprova questionou a Secretaria de Comunicação do governo federal para esclarecer a responsabilidade do Executivo na atual situação da Caixa, mas a pasta não quis se manifestar.

A Associação Brasileira do Mercado Imobiliário (ABMI) foi questionada sobre as supostas dificuldades em adquirir um imóvel após as mudanças no financiamento habitacional, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Fontes que consultamos: Caixa Econômica Federal e reportagens sobre o tema.

Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: As reportagens linkadas ao longo do texto ajudam a entender melhor a atual situação financeira da Caixa. O Comprova já mostrou anteriormente que a ex-presidente do banco, Maria Rita Serrano, não processou o dirigente anterior e nem receberia indenização por assédio sexual, e explicou que a tarifação em Pix para empresas anunciada pela instituição era facultativa e existia desde 2020.

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Investigado por: 2024-11-18

Aeronaves estrangeiras mostradas em vídeo participavam de simulação da FAB; entenda

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Post mostra a chegada de aeronaves internacionais para o Exercício Cruzeiro do Sul (CRUZEX), da Força Aérea Brasileira (FAB), sem dar detalhes do evento. Nos comentários do post, há dúvidas a respeito do episódio e teorias conspiratórias segundo as quais estaria “acontecendo alguma coisa estranha que a mídia não fala”. Há ainda questionamentos sobre um suposto envolvimento dos Estados Unidos (EUA) na defesa do Brasil. O objetivo do treinamento é que integrantes das Forças Aéreas de diferentes países troquem experiências por meio de um treinamento conjunto em simulações de conflito, como destacam os meios de comunicação/as redes sociais da FAB.

Conteúdo analisado: Vídeo mostra quatro aeronaves sobrevoando no céu. A legenda diz “Caças F-15 dos EUA pousaram na Base Aérea de Natal, no Rio Grande do Norte, como parte do exercício multinacional ‘CRUZEX 2024’”.

Onde foi publicado: TikTok.

Contextualizando Apesar da legenda da gravação apontar que se trata de um exercício multinacional, comentários na postagem conspiram que estaria “acontecendo alguma coisa estranha que a mídia não fala” e questionam suposto envolvimento dos EUA na defesa do Brasil. As redes sociais da FAB mencionam o evento desde outubro, enfatizando a legenda “CRUZEX: A Guerra é Simulada. O Treinamento é Real”.

O vídeo mostra a chegada de aeronaves para participarem do Exercício Cruzeiro do Sul (CRUZEX). O evento acontece desde 2002 e é liderado pela Força Aérea Brasileira (FAB), com a participação do Exército e da Marinha do Brasil. O objetivo é promover a troca de experiências entre os integrantes das Forças Aéreas dos países participantes por meio de um treinamento conjunto em simulações de conflito. Este ano aconteceu a 8ª edição do treinamento, entre os dias 3 e 15 de novembro, na Base Aérea de Natal (BANT). A maioria dos veículos aéreos participantes pousou entre os dias 1 e 3 de novembro, segundo a FAB.

Os EUA participam do CRUZEX desde a 5ª edição, que aconteceu em 2010. Neste ano, o país trouxe para o Brasil caças F-15 Eagle pela primeira vez. As aeronaves vieram da 159º Ala de Caça da Guarda Aérea Nacional de Louisiana, sediada na Base Aérea Naval Conjunta de Nova Orleans. A esquadrilha de caças foi fotografada no dia 2 de novembro – data da postagem do TikTok– e consta no Flickr oficial da FAB.

Este ano, os países que participam com esquadrões de voo em território brasileiro são Argentina, Chile, Colômbia, Estados Unido, Paraguai, Peru e Portugal. Há equipes do Chile, Colômbia, EUA, Paraguai e Peru para realizar tarefas espaciais e cibernéticas. Como observadores, estão África do Sul, Alemanha, Canadá, Equador, França, Itália, Suécia e Uruguai. Cada país oferece suas aeronaves e conhecimentos específicos, visando uma cooperação internacional no campo da defesa.

Os países e as respectivas aeronaves participantes no treinamento são:

  • Brasil, com os caças F-39 Gripen, F-5EM, A-1, A-29B, de transporte C-105/SC-105 Amazonas, KC-390 Millennium, E99M e helicóptero H-36 Caracal da FAB, além do A4 da Marinha do Brasil (MB);
  • Argentina com IA-63 Pampa e KC-130H;
  • Chile com o KC-135 e F-16 ;
  • Colômbia com KC-767;
  • EUA com F-15 e KC-46 (767);
  • Paraguai com AT-27 e C-212;
  • Peru com KT-1P e KC-130;
  • Portugal com KC-390.

Release do evento enviado à imprensa informa que participam 16 países, mais de 3,6 mil militares e cerca de 100 aeronaves nesta edição. O conteúdo verificado aqui foi postado no Tiktok no dia 2 de novembro e já soma mais de 1 milhão de visualizações, 40 mil curtidas e 2 mil comentários na plataforma.

Fontes consultadas: Assessoria de Imprensa do Comando da Aeronáutica e publicações oficiais no site e redes sociais da Força Aérea Brasileira.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: Mais postagens nas redes sociais mencionam as Forças Armadas do Brasil e justificam contextualizações do Projeto Comprova, como um post que usa vídeos antigos para minimizar atuação do Exército nas enchentes no RS; autor diz que era teste de fake news.

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Investigado por: 2024-11-13

Entenda a suposta compra da CNN por Musk que fez Milei cair em sátira

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A CNN não foi comprada por Elon Musk e não há negociações do tipo em andamento, diferentemente do que afirmou o presidente argentino, Javier Milei. A emissora, pertencente à Warner Bros. Discovery, desmentiu a fala do mandatário. A declaração do argentino, no entanto, abriu caminho para o surgimento de desinformações sobre o assunto, como um conteúdo que afirma que o youtuber Allan dos Santos seria escalado âncora da filial brasileira após a suposta venda. O Comprova contextualiza o tema.

Conteúdo analisado: Imagem que diz que Elon Musk comprou a rede americana CNN e colocou Allan dos Santos como âncora na filial brasileira. O conteúdo tem, lado a lado, fotografias de Allan, Musk e Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Onde foi publicado: TikTok.

Contextualizando: Boatos de que Elon Musk teria comprado a emissora CNN surgiram após o presidente da Argentina, Javier Milei, afirmar na Câmara de Comércio do país que a suposta negociação seria positiva, pois “as decisões tomadas por [Donald] Trump teriam melhor repercussão”.

No entanto, Musk não comprou a CNN. A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa da emissora, que pertence à Warner Bros. Discovery. “Não há verdade alguma em rumores de venda ou mudança de propriedade da CNN. Quaisquer declarações em contrário são completamente falsas”, disse o canal de notícias em nota ao Comprova.

De acordo com uma checagem da Lupa, Milei falou sobre a compra porque teria interpretado como verdade uma sátira de um portal de humor. O site em questão, chamado SpaceXMania, costuma publicar artigos sem informações reais, em que satiriza Musk e as empresas dele.

O site, aliás, afirma ter como missão divulgar “as fake news mais frescas, algumas análises atrevidas e uma boa dose de sátira, tudo reunido em uma mistura maluca que orbita em torno de Elon Musk e tudo o que é destaque nos gráficos virais/tendência”.

Musk não se pronunciou publicamente sobre o tema. A reportagem contatou o bilionário por meio da assessoria de imprensa da Tesla, uma de suas empresas, questionando se haveria algum plano para adquirir a emissora, mas não houve retorno até opublicaçã deste texto.

A repercussão da fala de Milei fez com que peças de desinformação sobre essa suposta compra começassem a circular nas redes sociais. Uma delas, postada no TikTok, afirma que, após a compra da CNN por Musk, o youtuber e blogueiro Allan dos Santos seria escalado como âncora da filial brasileira – o que também não é verdade.

Ao Comprova, a assessoria de imprensa da CNN Brasil afirmou que a postagem traz conteúdo falso, e que não comentará o caso.

Apesar disso, Allan dos Santos costuma apoiar Musk nas redes sociais, principalmente quando aborda as polêmicas envolvendo o bilionário e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Allan, que está foragido da Justiça brasileira desde 2021, teve seus perfis no X bloqueados por ordem de Moraes. No entrave do ministro contra Musk, o youtuber foi beneficiado, e teve suas contas desbloqueadas na plataforma. Atualmente, a conta do youtuber no X está retida.

No mês passado, Allan comprou um carro Tesla, da fabricante de Musk. E, em vídeo que circula no X, o youtuber comemora com uma “dancinha” a suposta compra da CNN por Elon.

O Comprova tentou contatar o autor do post no TikTok, mas o perfil não permite o envio de mensagens. A reportagem também contatou o advogado de Allan dos Santos, mas não teve resposta até a publicação desta checagem.

Fontes consultadas: CNN e CNN Brasil, reportagens sobre o tema, linkadas ao longo do texto, e buscas no Google por declarações de Musk.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: Diferentes iniciativas de checagem, como Estadão Verifica, Lupa e UOL Confere, mostraram que é falsa a informação de que Musk tenha comprado a CNN. O Comprova, por sua vez, já desmentiu diversos conteúdos envolvendo o bilionário, como a afirmação de que ele teria visitado o Brasil em 2024 e anunciado a construção de escolas no país ou anunciado a abertura de fábricas da Tesla e SpaceX em território nacional.

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Investigado por: 2024-10-27

Análises de áudio apontado por André Fernandes como deepfake têm resultados divergentes

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Áudio atribuído a André Fernandes (PL), deputado federal e candidato à Prefeitura de Fortaleza (CE), sob acusação de que o material foi elaborado por inteligência artificial (IA), apresenta resultados divergentes quanto à possibilidade de ter sido manipulado ou não. No conteúdo, Fernandes diz, supostamente, que é preciso distribuir dinheiro a pastores e lideranças comunitárias depois de ser ultrapassado pela oposição em pesquisas para o segundo turno das eleições municipais de 2024. Ele acusa o adversário Evandro Leitão (PT) de ter utilizado deepfake para gerar o material. Este ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou regra que pode levar à cassação do registro ou do mandato por uso irregular de IA. O Comprova contextualiza o caso e apresenta a análise de especialistas.

Conteúdo analisado: Áudio em que André Fernandes (PL) teria dito ser necessário “derramar dinheiro na mão de pastor e de líder comunitário” para conseguir vencer no segundo turno das eleições municipais.

Onde foi publicado: YouTube.

Contextualizando: Na semana que antecedeu o segundo turno das eleições 2024, circulou nas redes sociais um áudio atribuído a André Fernandes, candidato a prefeito de Fortaleza, em que ele supostamente afirma que é preciso distribuir dinheiro a lideranças religiosas e comunitárias. No áudio, uma voz parecida com a do candidato diz que ele foi ultrapassado nas pesquisas de intenção de voto. Após a divulgação do conteúdo, Fernandes chamou uma coletiva de imprensa e disse ter provado que o material seria falso e teria sido criado pela campanha do adversário Evandro Leitão (PT), com uso de inteligência artificial. O candidato, no entanto, não apresentou evidências do uso de deepfake no material que viralizou.

O Comprova pediu a dois peritos forenses que analisassem o material, mas as conclusões apresentadas mostraram resultados divergentes. A Agência Lupa submeteu o áudio a três ferramentas de detecção de IA e também obteve resultados diferentes.

Mauricio de Cunto, cientista forense em material multimídia, um dos especialistas consultados pelo Comprova, analisou, em estudo preliminar, ser “muito improvável que a gravação tenha sido espontaneamente gerada por André Fernandes”. Ele esclarece, no entanto, que um estudo completo do material demandaria dias ou até semanas.

Cunto comparou o áudio que viralizou a gravações reais coletadas no perfil de Fernandes. Ele afirmou que “é muito improvável” que o áudio e as gravações reais tenham a mesma origem. O perito informou que fez “rápidas avaliações fonéticas, linguísticas, comportamentais, observação da forma de onda, espectro e espectrograma”. Esses últimos três termos se referem a gráficos que mostram aspectos técnicos como frequência, amplitude, tempo e harmônicos (características de ondas, sons, luz e variadas radiações) de elementos do áudio.

“Há, de fato, um conjunto minimamente robusto de evidências, como irregularidades no ritmo e entonação da voz, anomalias no ruído de fundo, tempos excessivamente longos entre algumas palavras e formações improváveis de formas de onda, entre vários outros aspectos, que indicam que a gravação pode ter ser sido gerada artificialmente, editada ou ainda imitada”, afirmou o perito.

Para fazer a análise preliminar, o especialista aplicou uma abordagem baseada em probabilidades bayesianas (Teorema de Bayes), muito comum em exames forenses. O teorema permite calcular a probabilidade de uma hipótese ser verdadeira com base em evidências observadas e conta com uma escala que vai de -4 a +4. Para a conclusão da análise do áudio atribuído a Fernandes, foi adotado o índice -3.

“Quanto mais próximo de ‐4, mais forte é a indicação de que as amostras não correspondem”, disse. “Por isso, a conclusão de que é muito improvável que as vozes tenham sido originadas pelo mesmo falante.”

Para essa análise, Cunto usou parâmetros como “características acústicas em comparação de voz, para determinar se ela corresponde à mesma origem de outra”. O perito informou que avaliou ainda o histograma de frequência fundamental (que demonstra a distribuição de frequência da voz) e padrões de entonação.

Outra perícia feita a pedido do Comprova deu resultado diferente. O professor e pesquisador em Computação Forense da Universidade Federal do ABC (UFABC) Mario Gazziro analisou o áudio em oito trechos separados e concluiu que é Fernandes na gravação. Ele alerta, contudo, que o material pode ter sido montado ou adulterado para parecer que o candidato mencionou uma distribuição de dinheiro.

“As evidências indicam que todos os oito trechos de áudio estavam com similaridade acima de 90%, logo eles pertencem ao suposto autor, o candidato André Fernandes”, afirmou. “Mas as montagens detectadas podem ter atribuído outro contexto à mensagem, a exemplo do trecho em que é mencionado ‘derramar dinheiro na mão de…’. Aqui é identificado um corte antes de ele falar ‘…de pastor, líder comunitário’”.

| Fig.1: Áudio analisado com cortes identificados (círculos vermelhos), perfazendo 8 trechos.

A figura 2 mostra o detalhamento da inspeção visual e os diferentes ruídos encontrados entre os trechos, configurando a realização dos cortes, segundo Gazziro.

| Fig.2: Transição de ruído de fundo em 21,5 segundos, mostrando um dos 7 cortes (na região onde o padrão amarelo encontra o padrão vermelho, definido por inspeção visual)

“Esse trecho poderia facilmente ter sido adulterado a partir de um diálogo hipotético do tipo: ‘derramar dinheiro na mão de marketeiros e depois pedir apoio de pastor, líder comunitário’”, explicou. “Mas também poderia ter sido cortado apenas para suprimir algum nome que não era de interesse que fosse vazado junto com o material”.

O professor afirmou que sem o áudio completo e sem cortes, não é possível afirmar o que o candidato realmente disse na gravação.

Para a análise, Gazziro utilizou a inspeção visual das formas de onda utilizando o software GoldWave. Ele buscou por trechos de alteração do padrão do ruído de fundo ou ruído de conforto (gerado pelos aparelhos de captação, como smartphones, quando não existe ruído ambiente). Uma vez diferenciados eventuais trechos, cada um deles foi comparado com um áudio de controle, que contém a voz verdadeira de Fernandes, livre de ruídos ambientes e outras vozes, e adquirida com tecnologia de qualidade similar. “A comparação trecho a trecho se faz necessária, pois um desses trechos pode pertencer ao autor e outro não, principalmente pela evidência da constatação de cortes”, explicou.

Para realizar a comparação, segundo Gazziro, foi utilizada a extração de coeficientes cepstrais na escala MEL de frequências, que é uma técnica padrão ouro de computação forense para extração de características de biometria vocal, usada para gerar um “mapa” similar a uma “impressão digital” da voz do interlocutor. Extraídas as características, foi aplicada a checagem de batimento, que determina o percentual de verossimilhança da comparação. Todos os oito trechos tiveram fator de comprovação da hipótese acima de 90%. “De acordo com essa técnica, imitadores são classificados por fatores de comprovação entre 50% e 80% e deepfakes, entre 80% e 90%”, detalhou Gazziro.

As figuras 3 e 4 mostram respectivamente a forma de onda do áudio em que Fernandes supostamente falaria de dar dinheiro a pastores e seu respectivo mapa de biometria vocal. Na sequência, as figuras 5 e 6 mostram, respectivamente, a forma de onda do áudio de controle, pertencente a Fernandes, e seu respectivo mapa de biometria vocal.

(AMOSTRA)

| Fig.3: Trecho #7 da voz atribuída a André Fernandes no áudio analisado

(AMOSTRA)

| Fig.4: Biometria do trecho #7 da voz atribuída a André Fernandes

(CONTROLE)

| Fig. 5: Trecho de voz original de André Fernandes (CONTROLE) (obtido em https://www.instagram.com/andrefernandes?igsh=bnptMml4bWZsazRq).

(CONTROLE)

| Fig.6: Biometria do trecho de voz original de André Fernandes (CONTROLE) (obtido em https://www.instagram.com/andrefernandes?igsh=bnptMml4bWZsazRq).

De acordo com Gazziro, o trecho mais comprometedor do áudio, que fala em “derramar dinheiro” na mão de pastores, teve semelhança de 92,5% com a voz verdadeira de Fernandes. Os outros trechos têm percentuais de similaridade com média de 91,5%. Veja na tabela abaixo.

| Tab. I: Percentual de similaridade entre AMOSTRA e CONTROLE para cada trecho.

Acusações

No dia 21 de outubro, Fernandes voltou a acusar, durante uma coletiva de imprensa, a campanha do adversário Evandro Leitão de espalhar o áudio e de tê-lo criado usando inteligência artificial. Ele já havia feito isso dois dias antes, em 19 de outubro. André afirmou que o conteúdo teria sido publicado primeiro em um grupo oficial de Leitão e posteriormente em dois perfis no Instagram de integrantes do PT do município de Eusébio, no Ceará. O candidato do PL informou que pediu ao Ministério Público Eleitoral do Ceará (MP-CE) e à Polícia Federal (PF) a abertura de um inquérito contra o adversário.

A reportagem do Aos Fatos teve acesso ao material enviado por Fernandes ao MP-CE e à PF e constatou, por meio de uma imagem anexada à denúncia, que o áudio, na verdade, foi enviado ao grupo oficial de Leitão e não postado originalmente por eles. A mensagem com o áudio estava marcada como “encaminhada com frequência”. Além disso, a apuração detalhou que o vídeo compartilhado no Instagram de integrantes do PT já tinha marca d’água de outro usuário do TikTok, o que indica que foi uma reprodução.

No Instagram, Leitão negou as acusações de Fernandes, chamando-o de “rei das fake news”, e disse ser vítima de notícias falsas. O candidato, porém, não apresentou esclarecimento sobre o fato de aliados terem reproduzido vídeos com o áudio citado por André. As postagens com o compartilhamento do áudio já não estão mais disponíveis.

O Comprova tentou contato com André Fernandes para obter detalhes sobre a denúncia, com a diretoria estadual do PT no Ceará e com duas lideranças do partido no município de Eusébio para pedir um posicionamento sobre as publicações, mas não houve resposta. O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também não retornaram o e-mail da reportagem questionando a denúncia do candidato do PL em Fortaleza.

Fontes consultadas: Peritos Mauricio de Cunto e Mario Gazziro, reportagens de Lupa e Aos Fatos, vídeo da transmissão da coletiva de imprensa do candidato André Fernandes.

Por que o Comprova contextualizou este conteúdo: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: Os serviços de checagens Aos Fatos e Agência Lupa apresentaram as informações que existem até o momento sobre o caso. Várias publicações com conteúdos políticos circulam às vésperas das eleições municipais. O Comprova já contextuailzou, por exemplo, que livro de prefeito de Belo Horizonte teve relato de estupro tirado do contexto em campanha de adversário e investigou 16 ocorrências reunidas em vídeo viral sobre a gestão Nunes em São Paulo.

Contextualizando

Investigado por: 2024-10-27

Entenda a operação da PF contra o deputado Gustavo Gayer

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O deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) foi alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) na última sexta-feira (25/10) por suposto desvio de verbas parlamentares para financiar os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Uma publicação no X atribui uma fala à defesa do parlamentar, dizendo que operações “não podem ser deflagradas no ápice do processo eleitoral”, dado que o segundo turno das eleições municipais acontecem neste domingo (27/10). O Comprova contextualiza a ação da PF e sua relação com o período eleitoral.

Conteúdo analisado: Post no X que atribui fala à defesa do deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) dizendo que operações da PF, como a que fez do parlamentar um alvo, “não podem ser deflagradas no ápice do processo eleitoral”, pois “atos judiciários interferem diretamente na política local, o que coloca em xeque a seriedade das decisões”.

Onde foi publicado: X.

Contextualizando: O deputado federal Gustavo Gayer é alvo de uma investigação da Polícia Federal por suposto desvio de verbas parlamentares para financiar os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Na ocasião, milhares de bolsonaristas invadiram e vandalizaram os prédios do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF). Além de prender os envolvidos, a PF investiga quem financiou a tentativa de golpe.

A investigação apontou que Gayer pagou com verba da cota parlamentar a empresa de um amigo e político que participou dos atos golpistas, o empresário João Paulo Cavalcante, dono da Goiás Online Comunicações e Marketing Publicitário LTDA.

De acordo com o Portal da Transparência da Câmara dos Deputados, a empresa recebeu, ao todo, R$ 24 mil referentes a serviços de “publicidade das redes sociais” entre março, abril e maio deste ano. Esta é a maior fonte de gastos da cota parlamentar de Gayer.

A PF também trabalha com a hipótese de que seus secretários seriam pagos com recursos públicos para trabalharem em uma empresa chamada “Loja Desfazueli”, registrada no nome do filho de Gustavo, Gabriel Gayer.

A corporação também aponta que o espaço locado para o gabinete do deputado, supostamente custeado com cota parlamentar, seria utilizado simultaneamente para as operações da escola de inglês Gustavo Gayer Language Institute e para as atividades da Loja Desfazueli, o que poderia configurar, em tese, o uso inapropriado de recursos públicos destinados ao funcionamento do gabinete político, afirma a Procuradoria-Geral da República (PGR).

Além disso, segundo a investigação, o deputado teria adquirido a Associação Comercial das Micros e Pequenas Empresas de Cidade Ocidental (Ascompeco) para receber verbas públicas por meio das emendas parlamentares.

Para receber as emendas, a associação simulou contratos para fingir ter todas as certificações, segundo a PF. O órgão encontrou ao menos dois documentos supostamente falsificados.

Com isso, conforme a manifestação da PGR, assinada em 3 de outubro, a PF trabalha com quatro hipóteses:

  • Peculato (desvio de recursos);
  • Uso de verba pública para remuneração de empresa particular;
  • Aquisição de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) por meio de falsificação de documento particular;
  • Associação criminosa (nesse caso, a investigação aponta Gayer como suspeito de liderar o grupo).

Em decorrência da investigação, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, autorizou uma operação da PF de busca e apreensão na casa do deputado, que foi feita na sexta-feira (25/10).

Por ocorrer próxima ao segundo turno das eleições municipais, que acontece neste domingo (27/10), surgiram conteúdos nas redes sociais que questionam a legalidade da operação.

É o caso de uma publicação feita no X que atribui uma fala à defesa do deputado federal. O texto diz que operações como essa “não podem ser deflagradas no ápice do processo eleitoral”, pois “atos judiciários interferem diretamente na política local, o que coloca em xeque a seriedade das decisões”.

O Comprova consultou o advogado e professor de direito eleitoral, Alberto Rollo, para questionar sobre o tema. Segundo ele, a afirmação do post está incorreta. “O artigo 236 do Código Eleitoral proíbe prisão de eleitores, salvo em flagrante. Nada fala sobre operações que não envolvem prisão. Não tem nenhuma restrição para executar operação”, afirmou.

O advogado criminalista e sócio fundador do escritório Coura e Silvério Neto, André Coura, explicou que a operação tem amparo legal. “Não há qualquer restrição para a atuação da PF, em regra. O que o momento eleitoral restringe é a prisão”, disse.

De acordo com o TSE, desde terça-feira (22/10) e até 48 horas depois do encerramento da votação, nenhum eleitor poderá ser preso ou detido, salvo em flagrante delito, ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.

“Vale lembrar, todavia, que a investigação de agentes com foro privilegiado (como é o caso dos deputados federais, que têm foro no STF), depende de prévia autorização judicial (nesse caso, do próprio Supremo)”, acrescentou. No caso de Gayer, Moraes autorizou a investigação.

O Comprova também contatou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Polícia Federal (PF) para questionar sobre a legalidade da operação, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.

Gayer e PL se manifestaram

Gustavo Gayer, que é influenciador, além de deputado, tem se manifestado sobre o tema nas redes sociais. O parlamentar nega que tenha utilizado dinheiro público para financiar os atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Ele, que tem abordado o tema de forma jocosa, também nega as acusações de peculato.

O Partido Liberal (PL), sigla de Gayer, também se manifestou nas redes sociais. A legenda afirmou que a operação policial e a busca e apreensão na casa do deputado “representam mais uma ação nessa escalada autoritária e parcial de um ministro do STF contra um espectro político que representa grande parte da população brasileira”.

Ainda segundo o texto, o PL afirma que “trata-se de tema com baixa repercussão financeira. Por isso, o estranhamento e a perplexidade do Partido Liberal com a medida adotada”.

O Comprova contatou Gustavo Gayer por e-mail para solicitar uma posição sobre as acusações da Polícia Federal. No entanto, não obtivemos retorno até a publicação deste texto.

Fontes consultadas: Decisão do ministro Alexandre de Moraes, manifestação da PGR, entrevista com o advogado criminalista e sócio fundador do escritório Coura e Silvério Neto, André Coura, reportagens sobre o tema, linkadas ao longo do texto, e redes sociais de Gayer e do PL.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: Uma reportagem do site Poder360 explicou a investigação contra o deputado Gustavo Gayer. Outra, do Metrópoles, mostrou quem é o parlamentar alvo da operação da PF. Além disso, o Comprova já checou publicações virais sobre a Polícia Federal. Em agosto deste ano, por exemplo, a iniciativa mostrou que a corporação não disse que suposto esquema de venda de joias envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi inventado.

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Investigado por: 2024-10-26

Livro de prefeito de BH tem relato de estupro tirado do contexto em campanha de adversário

  • Contextualizando
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Um livro ficcional escrito em 2020 pelo prefeito de Belo Horizonte e candidato à reeleição, Fuad Noman (PSD), está no centro do debate político da capital mineira e virou alvo de seu adversário Bruno Engler (PL) no segundo turno das eleições de 2024. No romance, são narradas duas cenas de estupro, uma delas de uma menina de 12 anos, que alega ter sido violentada. Por conta da autoria da obra, o opositor ao atual mandatário passou a acusá-lo de endossar “pedofilia” e escrever “pornografia”. O Comprova contextualiza o assunto e detalha como é a obra e em qual contexto foi escrita.

Conteúdo analisado: Vídeo em que uma mulher insinua que o livro de Fuad Noman não retrata uma história de ficção e relaciona o trecho que cita o abuso sexual com a exposição do Festival Internacional de Quadrinhos (FIC-BH) de 2024, realizado em maio, no Minascentro. Segundo ela, a gestão do atual prefeito levou alunos da rede municipal na feira onde havia “obras de teor adulto que foram disponibilizadas para menores, sem qualquer tipo de filtro”. Na legenda, o post diz: “Eu sou mãe, mulher, tenho lado, defendo as crianças e sou Bruno Engler, 22!”.

Onde foi publicado: Instagram.

Contextualizando O livro “Cobiça”, escrito e publicado em 2020 pelo prefeito e candidato à reeleição em Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), está no centro do debate político da capital mineira no segundo turno das eleições de 2024. A obra virou alvo de críticas de seu adversário Bruno Engler (PL) e de uma disputa judicial sobre a repercussão do conteúdo.

O romance narra a história de uma mulher que viaja ao interior de Minas Gerais e se reconecta com memórias antigas. Como mostrou o Jornal O Globo, a campanha de Engler passou a explorar um trecho da obra no qual o autor cita um estupro coletivo de uma criança de 12 anos e acusa o prefeito de endossar a “pedofilia” e escrever “pornografia”.

A obra já havia sido explorada no primeiro turno devido aos contos eróticos entre personagens adultos, mas as cenas de estupro também passaram a ser citadas na propaganda eleitoral no segundo turno. Em um vídeo feito pela campanha, a vice de Engler, Coronel Claudia Romualdo (PL), ataca o teor do livro e afirma que o estupro de uma criança sequer deveria ser pensado. No dia 23 de outubro, a Justiça deu uma decisão suspendendo a propaganda.

No dia 25, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) publicou um vídeo nas redes sociais chamando o livro de “pornográfico”, mesmo após a decisão judicial contra a campanha de Engler. No mesmo dia, a Justiça Eleitoral determinou que o parlamentar retirasse a gravação do ar.

O Comprova teve acesso ao livro e identificou que, nele, são narradas duas cenas diferentes de estupro. Na primeira, no capítulo 8, página 157, três homens abusam sexualmente da mãe e da irmã de Pedrinho, um dos personagens centrais. As vítimas são agredidas e assassinadas na sequência. Noman se refere às duas na obra como “mulheres” e não afirma que a filha era menor de idade.

Já no capítulo 15, página 232, perto do fim do livro, o autor narra a história de Marli. A menina tenta convencer um personagem chamado Hypólito que ele é o seu pai. Para isso, menciona a mãe dela, Magda, que havia tido um relacionamento com ele no passado.

Segundo Marli, a mãe era casada, mas havia tido um relacionamento com Hypólito e engravidado. O marido da mulher não poderia ter filhos devido a um acidente e, quando a esposa apareceu grávida, ele descobriu ter sido traído.

Conforme o livro, o marido de Magda ficou furioso, levou a esposa para longe, trocou seu nome e o nome dela para não serem descobertos, proibindo-a de viajar até que Marli nascesse. A menina conta a Hypólito que, à medida que foi crescendo, viu indiferença por parte do marido de sua mãe e, quando completou 12 anos, passou a ser estuprada por ele.

Nessa parte do livro, Marli narra uma cena de estupro coletivo e, nas páginas seguintes, Hypólito se convence de que realmente é o pai dela, afirmando que vai lhe dar uma boa quantia em dinheiro para comprar uma casa. Após receber o dinheiro, a menina se encontra com um rapaz e afirma que Hypólito “caiu feito um patinho”. “Obrigado, mamãe Magda, seja lá quem tenha sido você.”

“Cobiça” é o segundo livro publicado por Fuad Noman. Em 2017, publicou “O amargo e o doce”, que conta a história de um jovem do interior que vai para BH trabalhar como garçom em um bar tradicional da capital. 

Juiz afirma que livro foi tirado de contexto

A campanha de Noman entrou na Justiça e alegou que a propaganda divulgada pelo adversário induzia o eleitorado ao erro ao apresentar o livro dessa forma. A Justiça Eleitoral de Minas Gerais, por sua vez, entendeu que a forma como a obra vinha sendo retratada pelos opositores do prefeito não é fiel ao romance.

Na decisão judicial a qual o Comprova teve acesso, disponibilizada em 24 de outubro, o juiz Adriano Zocche, da 331ª Vara Eleitoral de Belo Horizonte, deu razão a Fuad e disse que o trecho usado na propaganda do candidato do PL descontextualiza a obra ficcional.

“O trecho do livro referenciado, quando analisado em seu contexto literário, é parte de uma narrativa fictícia que relata a história de uma personagem de forma a evidenciar tragédias e abusos sofridos por ela, sem qualquer apologia ou incentivo a tais atos. Ocorre que a propaganda dá a entender claramente que a descrição de uma cena em livro, a qual retrata fato sabidamente ilícito, criminoso e imoral, implicaria automaticamente em endosso à prática. Isso é descontextualização”, afirma o magistrado.

Vereador registrou BO e propôs moção

Outra crítica feita por opositores do prefeito diz respeito ao Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ-BH), ocorrido em maio na capital mineira. A vereadora Flávia Borja (DC) convocou, em junho, uma audiência pública para debater o tema na Câmara Municipal de BH. Na ocasião, o vereador Irlan Melo (Republicanos) afirmou que os livros expostos na feira eram para adultos e poderiam ser comprados por crianças no evento.

O parlamentar chegou a registrar boletim de ocorrência sobre o caso e propôs na Casa Legislativa uma moção de repúdio à prefeitura. Segundo Melo, o evento não contava com classificação indicativa e expôs as crianças a produções inadequadas.

A Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte rebateu as críticas feitas pelo vereador. De acordo com a titular da pasta, Eliane Parreiras, o evento teve uma organização pensada para preservar as crianças e os profissionais foram treinados para mediar a interação das crianças e não as expor a conteúdos inadequados.

Sobre isso, o juiz Adriano Zocche afirmou que o termo de colaboração e o manual do expositor do FIQ mostram que as alegações dos vereadores não condizem com a realidade. “Dessa forma, a sequência das alegações reforça o caráter manipulado e distorcido da propaganda, intensificando o efeito de desinformação”.

O magistrado deferiu o pedido liminar feito pela campanha do prefeito Noman e determinou às emissoras de rádio a suspensão imediata da exibição da propaganda eleitoral de Engler citada no processo.

O Comprova tentou contato com a autora do vídeo que originou este Contextualizando, mas não obteve resposta até o fechamento do texto. O conteúdo foi excluído do Instagram no dia 25 de outubro.

Fontes consultadas: Versão digital do livro “Cobiça”, de Fuad Noman, Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e reportagens sobre o tema.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O Comprova já verificou vários conteúdos falsos ou enganosos que tiraram informações de contexto. Recentemente, nesta seção, contextualizamos que a prisão de Putin em possível vinda ao Brasil depende do Judiciário e não de Lula, e que Boulos não cometeu crime eleitoral ao votar com a família. Além disso, o Comprova investigou 16 ocorrências reunidas em vídeo viral sobre a gestão Nunes em São Paulo.

Contextualizando

Investigado por: 2024-10-25

Comprova investigou 16 ocorrências reunidas em vídeo viral sobre a gestão Nunes em São Paulo

  • Contextualizando
Contextualizando
Publicação insinua que um compilado de 16 vídeos mostraria explosões, assaltos, enchentes, apagões e chuvas na cidade de São Paulo durante a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB). O Comprova analisou cada conteúdo e verificou que uma das imagens foi gravada no município de São Bernardo do Campo.

Conteúdo analisado: Publicação com um compilado de vídeos de eventos ruins atribuídos ao prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. Na legenda, os dizeres: “Interessante essa São Paulo ‘maravilhosa’ vendida pelo Ricardo Nunes”, seguidos da hashtag “Boulos 50”. Na parte superior do vídeo, a frase: “POV: Você mora em São Paulo e Nunes é o prefeito”. Na sequência, um corte do prefeito dizendo “paciência né, pessoal”. A edição é finalizada com o questionamento: “você tem paciência para mais quatro anos disso?”. Ao longo de toda a exibição, são inseridas falas de jornalistas noticiando os casos. O conteúdo foi publicado nas redes sociais e na conta do TikTok do candidato Guilherme Boulos (PSOL) no dia 14 de outubro.

Onde foi publicado: TikTok e X.

Contextualizando: Um post viral com um compilado de 16 vídeos mostrando explosões, assaltos, enchentes, apagões e chuvas está circulando como se todas as cenas tivessem ocorrido na cidade de São Paulo e fossem “culpa” do prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição.

O Comprova analisou cada conteúdo e verificou que 13 contextos são, de fato, relativos à capital paulista. Todas essas 13 situações gravadas aconteceram entre 2023 e 2024, período que coincide com o governo do emedebista. No entanto, um vídeo utilizado pela publicação é de uma ocorrência no município de São Bernardo do Campo, localizado na região metropolitana de São Paulo. Quanto aos outros dois trechos restantes, a checagem não conseguiu identificar a origem das imagens.

A reportagem checou a procedência dos vídeos por meio de busca reversa de imagens no Google, além de pesquisas no Google Maps, YouTube, redes sociais e sites de notícias.

Abaixo você confere a origem de cada um dos conteúdos:

1) As primeiras imagens mostram um carro sendo arrastado por enxurrada no dia 18 de abril de 2023. O vídeo completo pode ser visto no canal da Rádio Bandeirantes. Em outro canal, a legenda do vídeo informa que foi em uma rua do bairro Jardim Vista Alegre, na zona norte de São Paulo. Pelo Google Maps, o Comprova conseguiu identificar que o carro desceu pela Rua Itatiba do Sul em direção a Rua Firminópolis.

2) O curto-circuito durante temporal aconteceu em São Bernardo do Campo, na Região Metropolitana de São Paulo, e não na capital paulista. Segundo localização do vídeo original publicado no TikTok e comentários, o fato ocorreu no dia 11 de outubro de 2024. Naquele fim de semana, o temporal atingiu toda Grande São Paulo. O vídeo foi gravado do Condomínio Residencial Tiradentes, no bairro Santa Terezinha. O perfil do próprio condomínio publicou o mesmo vídeo.

3) O terceiro vídeo mostra um carro carbonizado. Por meio de notícias sobre o assunto, foi possível localizar no Instagram um vídeo durante o incêndio com a informação de que foi no dia 11 de outubro de 2024 na Rua Arlindo Fraga de Oliveira, zona sul de São Paulo. A localização mostrada pelo Google Maps confirma que se trata do mesmo local, apesar do vídeo original não ser encontrado. O carro pegou fogo após a queda de um poste durante uma tempestade. Uma matéria do portal Terra mostra outras fotos de como ficou o local.

4) A imagem seguinte se trata da queda de uma árvore sobre uma casa durante um temporal. O caso, ocorrido no dia 12 de outubro de 2024, foi registrado em reportagem da AFP. Na matéria é possível ver que a ocorrência aconteceu no entorno da Rua Luís Góis, subdistrito Saúde, zona sul de São Paulo. No dia seguinte, o site Observador publicou matéria sobre o episódio. Também há registro em reportagem do dia 14 de outubro do UOL sobre o apagão na Grande São Paulo do dia 11/10.

5) A quinta imagem que mostra uma vela acesa em uma cozinha, aparentemente de restaurante, também apareceu em reportagem do UOL sobre o apagão em São Paulo e Região Metropolitana do dia 11 de outubro de 2024.

6) O trecho mostra falhas na iluminação urbana de uma rua, com o poste de luz piscando diversas vezes. Não foi possível identificar a origem das imagens.

7) O vídeo que mostra um tumulto em frente a um estabelecimento comercial foi gravado no dia 7 de abril de 2023. A gravação foi exibida pela CNN e noticiou um arrastão em farmácia no centro de São Paulo, que resultou na prisão de quatro pessoas.

8) Outro tumulto registrado nas imagens seguintes foi quando um motorista de aplicativo teve o carro depredado por dependentes químicos ao passar na região da Cracolândia, no centro de São Paulo. O fato aconteceu no dia 9 de junho de 2023 e foi noticiado por vários veículos, como O Globo, G1 e R7.

9) A invasão mostrada em um estabelecimento comercial ocorreu em 6 de julho de 2023 na Rua dos Gusmões, no centro de São Paulo. De acordo com informações da Secretaria Municipal de Segurança Urbana repassadas ao G1, a multidão invadiu uma lanchonete enquanto outros dois estabelecimentos tiveram as portas parcialmente danificadas. O grupo era formado por dependentes químicos da Cracolândia.

10) O décimo vídeo mostrado pela sequência é o mais conhecido. A gravação mostra o momento em que a apresentadora Sula Miranda teve o celular roubado. O caso aconteceu no dia 2 de setembro de 2024 na rua Traipu, no bairro do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo.

11) A imagem que mostra um homem sendo assaltado por outro homem de bicicleta também foi registrada no centro de São Paulo. O roubo do celular foi mostrado em uma reportagem exibida no Fantástico (a partir de 4min17s) sobre o uso de bicicleta em assaltos. De acordo com a reportagem, esse caso aconteceu no dia 23 de março de 2023. O assunto veio à tona após o roubo sofrido por Sula Miranda.

12) A tentativa de roubo de celular de uma passageira de táxi, mostrada em um trecho do vídeo, aconteceu no bairro da Bela Vista, no centro de São Paulo. As imagens foram extraídas de uma reportagem do programa Brasil Urgente, da Band, exibida no dia 24 de setembro de 2024.

13) O segundo vídeo de assalto a veículo mostra um homem armado tendo como alvo um passageiro. Não é possível saber a data exata do caso, mas uma matéria do G1 identificou que o episódio aconteceu na Avenida Rubem Berta, na Vila Clementino, zona sul de São Paulo. A reportagem também informou que as imagens viralizaram no dia 4 de outubro de 2023.

14) O trecho mostrado na sequência é o registro de um assalto na Radial Leste em São Paulo. A reportagem do programa Primeiro Impacto, do SBT, foi ao ar no dia 4 de julho de 2023 e abordou os ataques de assaltantes, utilizando o próprio corpo para roubar motoristas.

15) A penúltima imagem mostra uma dupla que roubou um celular de uma motorista. O caso aconteceu no dia 30 de janeiro de 2024 na Rua Dom Lucas Obes, bairro Ipiranga, zona sul de São Paulo. O site Metrópoles noticiou que os dois homens foram presos em agosto deste ano.

16) O trecho mostra um homem roubando um celular de um carro em movimento lento, durante o trânsito. Não foi possível identificar a origem das imagens.

O Comprova procurou a assessoria de Guilherme Boulos para identificar a origem do vídeo, mas não obteve resposta.

Fontes consultadas: Reportagens que noticiaram as ocorrências, busca reversa de imagens do Google e Google Maps.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: A disputa eleitoral para a Prefeitura de São Paulo se tornou alvo frequente de desinformação – e, por isso, de checagens do Comprova. A iniciativa mostrou que Nunes citou taxa para aterrar fios em 2023 e não em 2024, diferentemente do que alegam posts, e que vídeo de 2022 foi editado para insinuar que Silvio Almeida pede votos para Boulos nas eleições de 2024.

Comprova Explica

Investigado por: 2024-10-24

Entenda as questões ambientais, econômicas e jurídicas que emperram a reconstrução da BR-319

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A reconstrução da BR-319, que liga o estado do Amazonas às demais regiões do país, enfrenta um imbróglio que envolve a região e perpassa questões políticas, econômicas e jurídicas e gera desinformação. Em razão disso, e com tantas informações, opiniões e instituições envolvidas, o Comprova Explica apresenta a atual situação e quais são as possíveis soluções na visão de especialistas.

Conteúdo analisado: Vídeo do deputado estadual Rozenha (PMB-AM) em que ele responsabiliza o governo federal pela falta de pavimentação na BR-319. “Caminhões e carretas frigoríficas carregadas de alimentos estão neste momento em uma fila gigantesca na BR-319. Com isso o amazonense pode pagar R$ 20 em 1Kg de tomate”, diz trecho da legenda da publicação.

Comprova Explica: A BR-319 liga Manaus, no Amazonas, e Porto Velho, em Rondônia, cortando 885,9 km de floresta amazônica. Destes, 821 km estão em território amazonense e 64,9 km no Estado vizinho. A rodovia foi inaugurada em 1976 e é a única via terrestre nos dois estados que dá acesso às demais regiões do Brasil.

Em 1988, as condições da estrada pioraram muito. O grande volume de chuvas na região e o alto preço do transporte terrestre fizeram com que os produtos da Zona Franca de Manaus (ZFM) fossem escoados de forma mais barata por via fluvial. Enquanto isso a estrada se deteriorou e tornou-se intrafegável por muitos anos. De acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), naquele ano houve redução no uso da rodovia em razão das condições de trafegabilidade e manutenção. Há mais de 30 anos, a rodovia possui trechos não pavimentados que causam prejuízos para quem precisa trafegar por ela.

Apesar disso, atualmente, impasses e exigências ambientais impedem que a BR-319 seja reconstruída.

No dia 10 de setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em visita ao Amazonas, se comprometeu a retomar as negociações para reconstrução da BR-319. A pavimentação da rodovia é alvo de controvérsias há décadas, já que ela corta uma área ambientalmente sensível da floresta amazônica. A seguir, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre a importância econômica e ambiental da BR-319, e o que o atual governo tem debatido a respeito da sua reconstrução.

Seca, filas de caminhões e aumento dos preços

O Amazonas passa por uma crise ambiental sem precedentes. Uma seca intensa, que foi antecipada em 2024, sendo observada já em julho, tem atingido a região, prejudicando o transporte de alimentos para Manaus, que é feito principalmente por meio do Rio Negro. A rota alternativa, via estrada, seria a BR-319, que apresenta problemas de infraestrutura, principalmente no chamado “trecho do meio”, que não recebe pavimentação há anos. A crise climática somada a problemas de logística está impactando diretamente os preços dos produtos nas feiras da capital amazonense.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou ao Comprova que não há registro de interdição da rodovia, mas que existe um “alto fluxo de veículos de carga”, que gera filas de caminhões e carretas. Conforme a PRF, existem dois motivos para o aumento no volume de veículos: a seca histórica que assola a região e as condições da rodovia. Em 2022, duas pontes localizadas no primeiro trecho da BR-319, sobre os rios Curuçá e Autaz-Mirim, desabaram, em datas diferentes, e deixaram mortos. Dois anos após o desabamento, as pontes não foram reconstruídas e, de forma provisória, foram instaladas balsas para manter o fluxo logístico.

Apesar da alternativa, as balsas são pequenas e não atendem o número de veículos que precisam passar pelo local. O desabamento das duas pontes, que são de responsabilidade do Dnit, é um exemplo da falta de infraestrutura na rodovia. Em nota enviada à reportagem, o órgão afirmou que “tem se comprometido em manter a transparência sobre o andamento das obras e as questões ambientais, respondendo às preocupações levantadas durante as audiências”.

No início de outubro, filas de carretas se formaram ao longo dos trechos entre o Porto da Ceasa e o município de Careiro da Várzea, a 23,4km de Manaus, e sobre o Rio Igapó-Açu, no quilômetro 260. Caminhoneiros enfrentaram filas de até 14 quilômetros e espera de oito dias para atravessar por balsa o rio Igapó-Açu. Em nota enviada à imprensa no dia 21 de outubro, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), que participou de articulações juntamente com o governo federal para descongestionar as filas de caminhões na rodovia, afirmou que o fluxo das carretas foi normalizado a partir do funcionamento de embarcações apropriadas para fazer o translado dos veículos em horários estendidos.

Com a demora no transporte, os custos operacionais aumentaram e foram repassados aos consumidores. Produtos como frutas, verduras e outros alimentos que vêm de outros estados estão sofrendo reajustes de preços, agravando ainda mais a situação para os moradores da capital amazonense. Conforme os dados do Busca Preço, ferramenta da Secretaria de Estado da Fazenda do Amazonas (Sefaz), consultado no dia 22 de outubro, o tomate era vendido, em média, a R$ 27,50 o quilo, a pimenta-de-cheiro por R$ 39,90 e o pimentão vermelho a R$ 61,09 o quilo.

Em contrapartida, a reconstrução da BR pode ser crítica ao meio-ambiente, e provocar diversas consequências negativas à biodiversidade.

Importância econômica

Representantes da indústria e do comércio em Rondônia e Amazonas torcem para que os dois estados possam voltar a ser reconectados pela estrada. Para a Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (FIERO), a interligação rodoviária, através da recuperação da BR-319, permitirá que os empresários de Rondônia acessem o mercado manauara em cerca de dez horas, fornecendo diversos produtos. A FIERO aponta ainda que Manaus poderá ser beneficiada, na medida em que o custo poderá ser reduzido e a qualidade aumentada, haja vista que diversos desses produtos hoje são transportados para o estado por avião, vindos da Ceasa, em São Paulo.

Embora a principal rota de transporte em Manaus seja realizada de modo fluvial, pelo rio Negro, a BR-319 tem enorme importância econômica, social e política para os amazonenses, conforme explica o economista Altamir Cordeiro, vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Estado do Amazonas (Corecon AM), que considera positiva sua reconstrução.

“A reconstrução da BR-319 é um anseio do povo amazonense e também dos estados de Roraima e Rondônia. A classe empresarial também está na expectativa de solução definitiva para sua reconstrução, dada a sua importância econômica, social e política”, disse Cordeiro ao Comprova.

Ameaça ao meio ambiente

Em entrevista ao Comprova, o biólogo e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e colaborador do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), Lucas Ferrante, disse que áreas na região de maior acessibilidade da BR-319 sofrem com desmatamento massivo. “Nossos monitoramentos indicam uma perda significativa de biodiversidade, ao mesmo tempo que apontam para um aumento preocupante nos vetores de doenças”, acrescentou.

Ferrante explicou sobre a distribuição de desmatamento nos trechos na BR-319. “A rodovia está totalmente trafegável desde o início do plano de manutenção em 2015, porém, os trechos asfaltados concentram o maior índice de desmatamento e queimadas, como nos trechos A e B. Já os chamados ‘trecho do meio’ e ‘Lote C’ apresentam menor expansão do desmatamento e especulação fundiária, justamente devido à ausência de asfalto”.

Conforme o pesquisador, ocupações desordenadas se instalaram ao longo da BR-319. Um exemplo é a Vila Realidade, que surgiu como uma alternativa de assentamento sustentável. No entanto, a comunidade cresceu de forma desenfreada e passou a ser um polo rodeado por madeireiras, como aponta o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU).

“Ainda é importante destacar que as comunidades tradicionais não estão localizadas ao longo da rodovia, e esta não proporciona acesso aos municípios afetados pela seca. Ao longo da BR-319, o que se observa são ocupações ilegais e migrações ligadas a crimes ambientais. Um relatório do Tribunal de Contas da União, por exemplo, apontou que toda a atividade econômica de Vila Realidade está centrada no desmatamento ilegal”. A Vila citada é um lugarejo à espera do asfaltamento da estrada, segundo reportagem do O Eco, ameaça abrir caminho para derrubadas na parte mais íntegra da floresta amazônica.

Várias organizações da sociedade civil se uniram para formar o Observatório BR-319. No site há a linha do tempo das ações ligadas à rodovia, um mapa interativo, monitoramento de desmatamento e focos de calor, além da divulgação de pesquisas, estudos e ações que envolvem a rodovia e o entorno.

Governo atual

Conforme noticiado pela Agência Brasil no dia 17 de setembro, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendeu a necessidade de um estudo ambiental para a obra de pavimentação dos 918 quilômetros da BR-319. Isso porque, segundo a ministra, a falta de uma análise ambiental pode prejudicar a região, agravando o problema da seca e da estiagem, por exemplo, além de aumentar os incêndios florestais.

A discussão não é recente. Em 2023, durante depoimento na CPI das ONGs, Marina disse que “ambientalmente e economicamente, não se faz uma estrada de 400 quilômetros no meio de floresta virgem apenas para passear de carro, se não estiver associada a um projeto produtivo”. O posicionamento foi amplamente desaprovado pela classe política do Amazonas. Alguns parlamentares consideraram uma sinalização da falta de interesse da ministra em fazer avançar a pavimentação da rodovia. A reportagem entrou em contato com Marina Silva para buscar depoimentos sobre o tema. No entanto, até o fechamento da matéria, não houve retorno.

Em nota enviada ao Comprova, o Dnit informou que tem participado de audiências públicas em que são apresentados projetos em andamento e informações sobre a importância da rodovia para a região Norte. Conforme o órgão, um dos assuntos mais discutidos nas audiências é a “licença de instalação do Ibama”, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

A licença ambiental prévia foi obtida pela autarquia, o que possibilita viabilidade da pavimentação de outros trechos da BR-319. O departamento também reafirmou o empenho para iniciar obras de pavimentação e reconstrução das pontes, “com um cronograma claro para os próximos passos”.

“Nos trechos pavimentados da BR-319, o Departamento tem executado uma série de serviços essenciais de manutenção e de conservação. Essas ações visam garantir a segurança na rodovia e a durabilidade dos serviços”, afirma o Dnit.

Procurado pelo Comprova, o Ibama esclareceu que o trecho do meio da BR-319 teve a Licença Prévia (LP) emitida pelo órgão em julho de 2022, e que com a suspensão da decisão judicial sobre a validade da LP, o Ibama aguarda a apresentação do requerimento da Licença de Instalação (LI) pelo empreendedor para análise.

“Somente após a apresentação dessa documentação será possível dar andamento ao processo de análise para autorização ou não das obras de pavimentação da rodovia”, disse o Ibama.

O órgão também destacou que atua como responsável pelo licenciamento ambiental, seguindo a Lei Complementar nº 140/11 e o Decreto nº 8.437/15, regulamentos que determinam os critérios e tipos de atividades sujeitas ao licenciamento.

“A análise dos projetos é realizada de maneira técnica, com base em estudos e planos ambientais apresentados, além de outros documentos relevantes. Essa avaliação inclui a análise dos impactos ambientais, vistorias técnicas e consultas públicas, cujos resultados são fundamentais para a tomada de decisão final sobre o pedido de licença”, concluiu o Ibama.

Em relação às ações do Ministério dos Transportes que envolvem a BR-319, a autarquia criou um grupo de trabalho (GP) com o objetivo de analisar o projeto de pavimentação e recuperação da rodovia. Após reuniões com o Dnit, o Ibama, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e outros órgãos, foi elaborado o relatório com propostas para viabilizar o projeto de forma sustentável e que cumpra com a legislação ambiental. Na nota, o ministério também destaca a necessidade da presença do Estado na região.

“Quanto ao avanço do projeto, o Ministério dos Transportes entende a sensibilidade ambiental da rodovia. Entretanto, os levantamentos conduzidos pelo GT indicam que a menor presença do Estado, dificultada pela falta de acessibilidade, reforça a criminalidade e o desmatamento, além da ampliação da rede de ramais da BR-319, que atualmente é 5,8 vezes maior que a extensão total da estrada”, explica a pasta federal.

Justiça

Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) derrubou, no dia 7 de outubro, a decisão liminar que suspendeu a reconstrução e asfaltamento do trecho central da BR-319. A determinação é do desembargador Flávio Jardim, que suspendeu a decisão liminar da 7ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas (SJAM).

Na decisão, Jardim declarou que a licença prévia apenas estabelece condições para a obra e não permite o início imediato. Por isso, o magistrado considerou que a liminar extrapolou esse entendimento e validou a Licença Prévia para o asfaltamento.

Em julho, a juíza Maria Elisa Andrade tinha aceitado a ação civil pública movida pelo Observatório do Clima (OC), rede que reúne dezenas de organizações da sociedade civil, que pedia a anulação da licença concedida pelo Ibama no último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2022.

Com a decisão da Justiça, o Ministério dos Transportes iniciará o cumprimento de exigências da licença prévia. Também estão sendo realizadas uma série de tratativas para garantir governança na região, como articulações para instalação de portais terrestres de fiscalização integrada, parceria com o ICMBio e as Secretarias de Estado de Rondônia e do Amazonas, cooperação técnica com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) e as ações previstas pelo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM).

Fontes consultadas: Polícia Rodoviária Federal, Dnit, nota do senador Eduardo Braga (MDB-AM), site do Busca Preço, o economista Altamir Cordeiro, o biólogo e pesquisador Lucas Ferrante, Ibama, Ministério dos Transportes e matérias jornalísticas acerca do tema, linkadas ao longo do texto.

Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: Em 2020, Agência Lupa e Estadão Verifica desmentiram que o exército estivesse participando da pavimentação da BR-319. O Comprova também fez verificações sobre a rodovia. Em 2021, por exemplo, verificou que o asfalto que cedeu em trecho da BR-319 não foi obra do governo Bolsonaro.