O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Comprova Explica

Investigado por: 2023-05-24

Entenda as políticas de preços da Petrobras

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Comprova Explica
O Preço de Paridade de Importação (PPI) adotado em 2016 pela Petrobras chegou ao fim. Durante sete anos, o preço dos combustíveis acompanhou as oscilações do valor do barril de petróleo no mercado internacional, assim como a cotação do dólar. No período de vigência, o preço da gasolina subiu mais que a inflação, e a Petrobras obteve lucro recorde. Já o novo modelo anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) considera também a demanda do mercado interno.

Conteúdo analisado: Conteúdos nas redes sociais afirmam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria voltado a instaurar a mesma política de preços da Petrobras aplicada durante o governo Dilma Rousseff (PT).

Comprova Explica: A Petrobras anunciou em 16 de maio de 2023 o fim do Preço de Paridade de Importação (PPI), que durante sete anos manteve o preço dos combustíveis atrelado diretamente ao mercado internacional. Tanto o PPI quanto o novo modelo da política de preços, anunciado pelo presidente Lula, foram alvo de conteúdos de desinformação nos últimos anos.

O Comprova Explica reúne informações sobre como funcionou a política de preços da Petrobras durante os governos Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) e as mudanças implementadas no governo Lula, assim como as consequências para a população ao longo dos anos.

O que é a política de preços da Petrobras?

É a maneira como a Petrobras define as variações do preço dos derivados de petróleo vendidos nas refinarias. Em 2016, no governo Temer, houve uma mudança nessa política que atrelou o preço dos combustíveis ao valor do barril de petróleo praticado no mercado internacional, o PPI. Nesse cálculo entrava ainda a oscilação do dólar, os custos de importação e outros fatores. No entanto, a Petrobras não explica como exatamente é feito esse cálculo. A empresa alega que nas fórmulas são consideradas informações importantes para o negócio e que, por isso, não podem ser divulgadas.

Como era a política de preços antes do PPI?

Até o início dos anos 2000, havia monopólio da Petrobras na exploração e venda de petróleo no Brasil. Isso mudou com a Lei 9.478 (Lei do Petróleo), aprovada durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A partir de então, qualquer empresa estrangeira, desde que constituída sob as leis brasileiras, passou a estar autorizada a realizar atividades de exploração, produção, transporte, refino, importação e exportação do petróleo.

Para aproximar o preço praticado pela Petrobras ao das empresas estrangeiras, o cálculo para os combustíveis passou a considerar o valor da commodity no mercado internacional. Os repasses relativos à oscilação dos preços eram feitos com periodicidade definida, por exemplo, a cada três meses.

Havia, porém, interferências da União na frequência desses repasses. No segundo mandato do governo Lula, os preços dos combustíveis chegaram a ficar congelados por dois anos e sete meses.

A ex-presidente Dilma adotou estratégia parecida. Ela foi acusada de usar a Petrobras para “postergar” os aumentos na gasolina e no diesel como manobra para conter a inflação. Em 2014, ano de eleições presidenciais, o governo Dilma chegou a congelar o preço dos combustíveis durante meses. A medida não se sustentou, levando a uma inflação de 10,76% no ano seguinte, em 2015. O movimento de Dilma foi criticado em 2022 por Lula durante debate eleitoral. Segundo ele, a ex-presidente “cometeu equívoco na questão da gasolina”.

Em qual contexto o PPI foi implementado?

O PPI foi implantado durante o governo do ex-presidente Michel Temer, em outubro de 2016. Dilma sofreu processo de impeachment naquele ano. A Petrobras estava no centro das investigações da Operação Lava Jato e vinha perdendo valor de mercado.

O engenheiro Pedro Parente, que tinha sido ministro da Casa Civil durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi nomeado presidente da Petrobras e instituiu o Preço de Paridade de Importação. O objetivo, segundo ele, era dissociar os interesses da empresa dos interesses do governo.

Como funcionava o PPI?

O valor do barril do petróleo no mercado internacional era usado como referência principal para os reajustes de preços. Isso significava que as oscilações nos mercados, para cima ou para baixo, eram repassadas ao preço dos derivados de petróleo nas refinarias e, consequentemente, ao consumidor final. A periodicidade desses repasses não era fixa. Aumentos ou quedas no preço aconteciam sempre que havia variação na cotação do barril de petróleo, ainda que isso ocorresse diariamente.

Como a commodity é cotada em dólar, a alta da moeda americana nos últimos anos influenciou diretamente no aumento do preço da gasolina e do diesel no Brasil. Outros custos de produção, como fretes de navios, logística e taxas portuárias, também eram incorporados ao preço do combustível e repassados ao consumidor.

O que aconteceu com o preço dos combustíveis desde a implementação do PPI?

Desde que a mudança na política de preços dos combustíveis passou a ser adotada pela Petrobras, os preços da gasolina e do diesel foram alterados com mais frequência. A estatal disse, em 2017, que a ideia era ter de fato mais repasses para acomodar as flutuações do câmbio, do petróleo e, com isso, permitir “maior aderência dos preços do mercado doméstico ao mercado internacional no curto prazo”, dando condições de competir “de maneira mais ágil e eficiente”. Naquele ano, segundo o atual presidente da estatal, Jean Paul Prates, foram feitos 118 reajustes de preços.

Diante das altas sucessivas, em 21 de maio de 2018, estourou a greve dos caminhoneiros. Os trabalhadores reclamavam do preço do diesel, que, segundo eles, ficou alto demais e comprometeu o transporte de mercadorias no país. O movimento causou desabastecimento de comida e remédios em diversas cidades brasileiras. Em 30 de maio, a greve foi oficialmente encerrada. Dois dias depois, em 1º de junho, Pedro Parente, presidente da Petrobras que instituiu o PPI, pediu demissão da estatal.

Desde o PPI, a gasolina subiu mais que a inflação. O preço médio do litro da gasolina comum passou de R$ 3,66 em outubro de 2016 para R$ 5,51 em abril de 2023, uma alta de 50,5%, segundo levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP). No mesmo período, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 40,27%.

| Gráfico mostra evolução do preço médio da gasolina no Brasil. Fonte: ANP

Qual foi o lucro da Petrobras durante o PPI?

Durante o PPI, a Petrobras registrou lucros recordes três vezes. Em 2019, a estatal atingiu o recorde da sua história até então, com R$ 40,1 bilhões. Em 2021, atingiu novo valor máximo, com lucro de R$ 106,7 bilhões. Já no ano passado, a estatal teve lucro líquido de R$ 188,3 bilhões.

Veja os resultados da Petrobras desde a adoção do PPI (valores não corrigidos pela inflação):

2016 – prejuízo de R$ 14,8 bilhões;

2017 – prejuízo de R$ 446 milhões;

2018 – lucro R$ 25,8 bilhões;

2019 – lucro de R$ 40,1 bilhões;

2020 – lucro de R$ 7,1 bilhões;

2021 – lucro de R$ 106,7 bilhões;

2022 – lucro de R$ 188,3 bilhões.

Como funciona a nova política de preços da Petrobras, implementada em 2023?

Em 16 de maio de 2023, o presidente Lula anunciou mudanças na política de preços da estatal. Quando ainda estava em campanha, no final de 2022, ele havia criticado o PPI e dito que a política era “para agradar aos acionistas em detrimento de brasileiros“.

Segundo o comunicado feito pela empresa, a nova política passa a considerar, além do mercado internacional, o mercado nacional e as margens da companhia. Dessa forma, o PPI não foi abandonado por completo, mas ele não é mais o único critério.

O presidente da companhia, Jean Paul Prates, disse na coletiva após reunião com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira: “Enfatizo que será mantida a referência de preço internacional”.

Também entram na conta os preços dos combustíveis vendidos pelas refinarias privadas e importadores, assim como os preços dos produtos substitutos, como o etanol hidratado, no caso da gasolina.

De acordo com a companhia, os reajustes continuarão sendo feitos sem periodicidade definida, porém, não será mais repassada para os preços internos a volatilidade das cotações internacionais e da taxa de câmbio.

No comunicado relativo à mudança de estratégia, a Petrobras disse que as decisões relativas à estratégia comercial seguem sendo feitas pela empresa através do Grupo Executivo de Mercado e Preço, composto pelo Presidente da companhia, o Diretor Executivo de Logística, Comercialização e Mercados e o Diretor Financeiro e de Relacionamento com Investidores. Segundo Prates, não haverá intervenção do governo.

Como verificamos: Buscamos informações em sites da imprensa profissional a respeito dos acontecimentos referentes à Petrobras e às alterações da política de preços. Também consultamos o site da estatal e da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Por que explicamos: A Petrobras e a política de preços, principalmente em referência à gasolina e ao diesel, são constantemente alvo de desinformação que vem tanto de pessoas que apoiam Lula quanto da oposição. Entender como funciona a formação do preço dos combustíveis e os critérios de aumento ou redução do preço de venda nas refinarias praticados pela Petrobras ajuda a formar repertório de conhecimento para lidar melhor com possíveis conteúdos de desinformação que possa encontrar.

Outras checagens sobre o tema: Em junho de 2022, o Comprova publicou que, ao contrário do que diziam publicações nas redes sociais, o Brasil é acionista majoritário e responsável pelo controle da Petrobras. Sobre o PPI, a Lupa já desmentiu que a política não foi implementada durante o governo Dilma.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-05-15

Saiba o que é e como funciona o Fundo Amazônia, alvo de desinformação nas redes

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Comprova Explica
A seção Comprova Explica detalha o que é o Fundo Amazônia, mecanismo para captar recursos que são utilizados para a preservação da floresta. O tema, que costuma ser associado de forma enganosa a suposta “venda da Amazônia”, é frequentemente alvo de desinformação nas redes sociais.

Conteúdo analisado: Conteúdos publicados nas redes sociais que desinformam sobre o Fundo Amazônia.

Comprova Explica: O Fundo Amazônia foi criado em 2008, durante o segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como um mecanismo de captação de doações para prevenir, monitorar e combater o desmatamento na região amazônica. A captação de recursos, que vêm da Noruega, Alemanha e da Petrobras, só ocorre se for comprovada a redução do desmatamento. 

Gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Fundo já recebeu, desde sua criação, R$ 3,3 bilhões em doações. O primeiro repasse foi feito em 2009 pela Noruega – principal doadora do Fundo. Os rendimentos financeiros somam R$ 2,2 bilhões, totalizando um montante de R$ 5,5 bi arrecadados.

Em 2019, porém, o mecanismo foi abandonado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), e as destinações de recursos ao Fundo cessaram. À época, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou ter encontrado “indicativos de disfuncionalidades” em contratos com ONGs. Três anos depois, em outubro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Fundo deveria ser reativado em até 60 dias, o que ocorreu em 1º de janeiro de 2023, no primeiro dia do mandato de Lula em sua terceira gestão como presidente.

Diante do vai e vem e dos casos de desinformação que envolvem o Fundo, a seção Comprova Explica se propõe a detalhar o mecanismo.

Como verificamos: O Comprova consultou o site do próprio Fundo Amazônia e reportagens da imprensa nacional (Nexo, G1, Folha, CNN e Agência Brasil, UOL). Também entrou em contato com a assessoria do BNDES para solicitar dados de investimentos ao longo dos anos e outras informações.

O que é e quando foi criado o Fundo Amazônia?

O Fundo Amazônia é um mecanismo de captação de recursos para apoio a ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além de iniciativas de promoção do uso sustentável das florestas da Amazônia Legal – área que engloba nove Estados brasileiros (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Estado do Maranhão) e corresponde a 59% do território nacional.

Também podem ser apoiadas pelo fundo ações de controle do desmatamento desenvolvidas no restante do Brasil e em países tropicais. Esse investimento é limitado a 20% do total de recursos. Apenas um projeto internacional recebe apoio do Fundo, os beneficiários são países membros da OTCA (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela, além do Brasil).

Proposto pelo governo brasileiro durante a Conferência Mundial do Clima em 2006 (COP-12), o Fundo foi criado, efetivamente, dois anos depois, em 1° de agosto de 2008, sob o governo Lula, por meio do decreto nº 6527.

O programa surgiu para arrecadar recursos financeiros junto a países considerados desenvolvidos no intuito de preservar a maior floresta tropical do mundo e, consequentemente, conter o avanço das mudanças climáticas.

Desde então, até 28 de fevereiro deste ano, o Fundo destinou R$ 1,5 bilhão a 102 projetos (concluídos ou em andamento), conforme o site oficial. O valor total contratado (já reservado para aplicação em ações) é de R$ 1,74 bilhão. A maioria das iniciativas é realizada em parceria com os Estados e com o terceiro setor (ONGs):

| Print do site oficial do Fundo Amazônia, feito em 12/05/2023.

Os projetos foram aprovados entre 2009 e 2018. A maior fatia do valor foi destinada ao terceiro setor, a segunda maior a projetos desenvolvidos com Estados, e a terceira, com a União.

Ao todo, conforme consta no site do Fundo Amazônia, são 384 instituições envolvidas, 195 unidades de conservação apoiadas, 59 mil indígenas diretamente beneficiados e 207 mil pessoas favorecidas com atividades sustentáveis.

Além disso, com recursos do mecanismo, foram promovidas 1,7 mil missões de fiscalização ambiental.

De acordo com a assessoria de imprensa do BNDES, apenas uma fatia dos recursos doados foi aplicada porque “o Fundo trabalha com projetos” e esses projetos “têm que ser selecionados, desenvolvidos e prestar contas”. Em entrevista recente à GloboNews, a diretora e integrante do Conselho de Administração do BNDES, Tereza Campello, classificou como “pulverizadas” as ações realizadas até então e acrescentou que “um salto” é necessário a partir de agora.

Quem são os financiadores?

O Fundo Amazônia recebe doações de três entidades: do governo da Noruega, da Alemanha e da Petrobras. Ao todo, desde que foi criado, o Fundo recebeu cerca de R$ 3,3 bilhões, sendo a maior parte, R$ 3,1 bilhões, repassada pela Noruega. Outros R$ 192 milhões foram doados pela Alemanha, e R$ 17 milhões, pela Petrobras.

De acordo com a assessoria de imprensa do BNDES, responsável pela gestão do Fundo, considerando os rendimentos financeiros, o valor total se aproxima de R$ 5,5 bilhões em doações.

A captação de recursos para o Fundo está condicionada à redução das emissões de gases de efeito estufa oriundas do desmatamento, ou seja, para obter recursos, é preciso comprovar a redução do desmatamento na Amazônia.

Com base na redução das emissões, calculadas pelo Ministério do Meio Ambiente e validadas pelo Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA), composto por cientistas, o BNDES fica autorizado a captar doações e emitir diplomas de reconhecimento à contribuição dos doadores.

Em cada diploma, são identificados o doador e a sua parcela de contribuição para o esforço de redução das emissões de gás carbônico. Os documentos são nominais, intransferíveis e não geram direitos ou créditos de nenhuma natureza aos doadores.

Período das doações

O governo da Noruega passou a apoiar o Fundo em 2009, um ano após sua criação, e seguiu fazendo doações até 2018 – ano anterior ao “revogaço” de conselhos federais pelo governo Jair Bolsonaro que acabou por inviabilizar os repasses de recursos a projetos ambientais.

Até 2023, os valores permaneceram congelados, por decisão dos países. Ao anunciar a decisão, em 2019, a ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, disse que “a política do governo brasileiro na Região Amazônica deixa dúvidas se ainda se persegue uma redução consistente das taxas de desmatamento” e afirmou que o financiamento poderia vir a ser retomado caso a questão fosse esclarecida.

Os recursos voltaram a ser disponibilizados somente este ano, com a posse de Lula.

Os desembolsos feitos pelo governo norueguês são efetuados anualmente, semestralmente, ou em menor tempo, mediante solicitação do BNDES. Já com a Petrobras, foram 29 contratos de doação entre 2011 e 2018. A Alemanha apoiou o Fundo Amazônia entre 2010 e 2017.

Atualmente, o mecanismo já está preparado para receber doações de governos estrangeiros e empresas nacionais e está se estruturando para receber doações de instituições multilaterais, ONGs e pessoas físicas.

Contribuições futuras

Em fevereiro deste ano, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que França, Espanha e União Europeia manifestaram interesse em doar recursos ao Fundo Amazônia. Mais recentemente, outros dois países fizeram anúncios no mesmo sentido: Estados Unidos e Reino Unido.

Em abril, o presidente norte-americano, Joe Biden, disse que, se houver aprovação do Congresso, o país deve destinar US$ 500 milhões ao mecanismo nos próximos cinco anos. Já o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, antecipou em maio que o Reino Unido pretende contribuir com £ 80 milhões (R$ 500 milhões) para as iniciativas de combate ao desmatamento.

Como é a governança do fundo?

O Fundo Amazônia é gerido pelo BNDES, que conta com dois comitês e também se incumbe da captação de recursos, da contratação e do monitoramento dos projetos e ações apoiados.

O Comitê Orientador do Fundo (COFA) tem a atribuição de determinar suas diretrizes e acompanhar os resultados obtidos. Ele é composto por representantes do governo federal, dos Estados que compõem a Amazônia Legal e da sociedade civil.

Já o Comitê Técnico (CTFA), nomeado pelo Ministério do Meio Ambiente, tem o papel de atestar as emissões oriundas de desmatamentos na Amazônia. Ambos foram restabelecidos por meio do decreto nº 11.368, de 1º de janeiro de 2023.

O mecanismo passa, anualmente, por dois processos de auditoria. O primeiro refere-se à auditoria contábil, que ocorre no âmbito da auditoria externa dos demonstrativos financeiros do próprio BNDES, e o segundo, à auditoria de cumprimento, realizada por empresa de serviços especializados em auditoria externa independente. Os relatórios estão disponíveis no site do Fundo.

Quem recebe os recursos? E qual a contrapartida?

Como já informado, os recursos são destinados a projetos de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além de ações de conservação e uso sustentável do bioma amazônico. Até 20% dos recursos podem ser usados para outros biomas.

Os projetos apoiados pelo Fundo podem ser propostos pelos governos federal, estadual e municipal, por organizações sem fins lucrativos, associações civis, instituições multilaterais e por empresas.

Todas as propostas precisam observar as Diretrizes e Critérios do Fundo Amazônia e os focos de apoio estabelecidos pelo COFA, além das diretrizes do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) e da Estratégia Nacional para REDD+ (ENREDD+).

Entre os projetos apoiados pelo Fundo, a maioria está voltada a terras indígenas e unidades de conservação, parte inclui o Cadastro Ambiental Rural (CAR), e outra parte envolve assentamentos e combate a incêndios e queimadas.

| Projeto “Bombeiros Florestais” do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso | Crédito: Divulgação/CBMMT

Uma iniciativa no Acre, já concluída, por exemplo, prevê o manejo e a produção agroflorestal em comunidades tradicionais e indígenas, o monitoramento e controle do território, e o fortalecimento da organização comunitária local. Outra, concluída nos estados do Pará e Amapá, promoveu a gestão territorial e ambiental sustentável em seis terras indígenas, visando contribuir para a redução do desmatamento nas regiões.

Ainda em andamento, um projeto apoiado pelo mecanismo pretende promover a produção e a disseminação de conhecimentos e tecnologias voltados para a recuperação, a conservação e o uso sustentável do bioma Amazônia, nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Outros projetos ainda incluem ações voltadas para a proteção das Unidades de Conservação (UCs) estaduais, consolidação do Cadastro Ambiental Rural e o fortalecimento da gestão ambiental municipal para contribuir no combate ao desmatamento e à degradação florestal em Rondônia; o fortalecimento do extrativismo e da agricultura familiar em comunidades quilombolas do Pará; e a aquisição de aeronaves, veículos e equipamentos de apoio para a Base de Operações Aéreas e Terrestres do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso, visando ações de monitoramento, prevenção e combate ao desmatamento decorrentes de incêndios florestais e queimadas não autorizadas.

Por que o fundo foi suspenso no governo Bolsonaro?

Em abril de 2019, cem dias depois de assumir a Presidência, Bolsonaro fez um “revogaço” de 250 decretos com o objetivo, segundo o governo, de simplificar a legislação e extinguir normas consideradas desnecessárias. Uma das medidas foi acabar com alguns conselhos federais e, entre eles, foram extintos o COFA e o CTFA. O congelamento dos recursos do Fundo fragilizou órgãos de fiscalização ambiental como o Ibama, mostrou a Pública.

A decisão foi tomada após o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmar ter encontrado “indicativos de disfuncionalidades” em contratos de ONGs, como escreveu o UOL. “Entre as irregularidades elencadas por Salles estariam: alto percentual de contratos sem licitação, falta de comprovação das atividades, folhas de pagamento que consomem a maior parte do valor dos contratos, prestação de contas incompletas e contratos com entidades impedidas de fechar contratos com o estado”, informa a reportagem.

Ainda segundo o texto, a Embaixada da Alemanha e entidades ambientais negaram as acusações do ministro sobre o Fundo.

Mais de um ano depois, em outubro de 2020, Salles disse que a União não havia recriado o COFA porque os países europeus doadores rejeitaram mudanças no modelo de gestão dos recursos, como informou o G1. Uma das propostas do governo era extinguir a necessidade de decisão unânime no colegiado para uso do fundo.

O que mudou na gestão de Lula?

Em 27 de outubro de 2022, ainda na gestão Bolsonaro, o STF determinou que o governo federal deveria reativar, em até 60 dias, o Fundo. Como a Folha noticiou, a decisão foi resultado da análise pelo plenário de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), protocolada no órgão pelos partidos PSB, PSOL, PT e Rede Sustentabilidade.

“Na ocasião, a maioria dos ministros concluiu pela inconstitucionalidade da extinção dos comitês, pois configuraria omissão do governo em seu dever de preservar a Amazônia”, informou a Agência Brasil.

Jair Bolsonaro deixou o governo sem reativar o Fundo, mas, em 1º de janeiro de 2023, cumprindo uma promessa de campanha, Lula editou no primeiro dia de seu mandato decretos ligados à política ambiental, retomando o Fundo Amazônia.

Ainda segundo a Folha, a ministra Marina Silva “aposta no uso de recursos do Fundo Amazônia para recompor o orçamento do controle ambiental do ministério” e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, também já declarou que a pasta vai precisar de verbas do fundo.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação, como o Fundo Amazônia. Criado em 2008, o mecanismo existe há cinco governos, mas já foi extinto e recentemente reativado. Por isso pode gerar dúvidas e tornar-se material para conteúdos enganosos ou falsos. Pensando nisso, a seção ajuda os leitores a formar opinião sobre o tema baseados em informações verdadeiras, apuradas com rigor jornalístico.

Outras checagens sobre o tema: Em checagens anteriores, o Comprova mostrou que vídeo engana ao dizer que Lula teria vendido a Amazônia a mineradora em troca de dinheiro para o Fundo Amazônia. Em 2019, verificação de um conteúdo semelhante comprovou que Lula não vendeu solo da Amazônia para empresa norueguesa em documento secreto. O Comprova demonstrou também que vídeo engana ao distorcer falas de Lula sobre Amazônia e sugerir ameaça à soberania nacional e que retirada de gado de áreas rurais tem a ver com desmatamento ilegal, e não com suposta venda da Amazônia.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-04-20

Entenda a situação da vacina da Astrazeneca e por que sua recomendação mudou

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Em dezembro de 2022, o Ministério da Saúde mudou a recomendação da vacina da Astrazeneca para covid-19 por conta de novas evidências científicas que relacionam o imunizante com casos raros de trombose. Nos últimos dias, conteúdos de desinformação têm usado essa nova indicação para afirmar que o imunizante foi banido no Brasil e que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estava certo ao atacar as vacinas, entre outras afirmações enganosas. A partir desta confusão, o Comprova responde perguntas sobre o assunto.

Conteúdo analisado: Conteúdos publicados nas redes sociais que desinformam sobre a segurança e aplicação da vacina Astrazeneca.

Comprova Explica: Conteúdos de desinformação sobre a vacina Astrazeneca têm se disseminado após reportagens recentes tratarem de nota técnica acerca do imunizante contra a covid-19 publicada em dezembro pelo Ministério da Saúde. No texto, o órgão afirma que a vacina produzida pela Astrazeneca/Oxford e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) passa a ser indicada para pessoas a partir dos 40 anos, “de acordo com as evidências científicas mais recentes” – as evidências, no caso, são ligação da Astrazeneca com casos raros de trombose, diz o texto.

Mas, diferentemente do que dizem os conteúdos de desinformação, as vacinas continuam sendo aplicadas no Brasil. Em nota sobre o assunto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou ser “perfeitamente normal que algumas das vacinas da primeira geração aplicadas anteriormente sejam substituídas por outros imunizantes, como acontece com outras vacinas atualizadas regularmente”.

A seguir, o Comprova responde algumas dúvidas comuns sobre o assunto.

O que diz a nota do Ministério da Saúde sobre os casos de trombose?

A nota é uma atualização da recomendação do uso da vacina Astrazeneca. O texto começa reforçando a importância dos imunizantes para a redução do número de infectados e mortos pela covid e segue para falar “do perfil de segurança das vacinas Astrazeneca e Janssen”.

Neste trecho, o texto destaca que diversos países europeus (como Áustria, Dinamarca, Noruega, Alemanha, Reino Unido) e Austrália registraram casos de síndrome de trombose com trombocitopenia (STT) entre as pessoas que receberam imunizantes que “utilizam plataformas de vetor viral não replicante como a vacina covid-19 recombinante Astrazeneca/Oxford e, posteriormente nos Estados Unidos com a vacina Janssen”. Em linhas gerais, a STT é uma doença marcada pela combinação da formação de coágulos sanguíneos com baixos níveis de plaquetas no sangue.

Ainda de acordo com o documento, a incidência de ocorrência da STT é bastante variável entre os diferentes países, com estimativas entre 0,2 até 3,8 casos por 100 mil doses aplicadas. “Devido à raridade das ocorrências, ainda não foi possível identificar fatores de risco associados à síndrome a exceção de um aparente aumento do risco em indivíduos com idade abaixo de 40 anos de idade”, diz o texto.

A seguir, a nota diz que, embora todas as vacinas sejam seguras, “não se pode descartar a ocorrência de raríssimos casos de reações adversas graves” e que no início da pandemia, com número de mortes elevado, a vacina foi extremamente importante, mas que é preciso reavaliar a relação de risco e benefício constantemente, ainda mais “considerando-se a existência de alternativas para vacinação”.

Ao considerar a elevada cobertura vacinal dos adultos no Brasil, as recomendações de vacinação foram atualizadas “para melhor adequação da relação benefício versus risco face à possibilidade de ocorrência de raríssimos casos de reações adversas graves de vacinas de vetor viral”.

A nota conclui com as novas recomendações, que serão tratadas mais abaixo.

O Brasil deixou de usar e produzir a vacina da Astrazeneca?

Não, o Brasil não deixou de usar e nem de produzir a vacina. Em nota publicada em 13 de abril, a Anvisa reafirmou que todas as vacinas contra covid-19 estão válidas e que os imunizantes são eficazes em reduzir mortes e doenças graves pela infecção e os danos da doença. O documento esclarece ainda que a vacina da Astrazeneca “está registrada no Brasil” e, “com isso, está autorizada para uso no país dentro das condições e indicações aprovadas pela Anvisa”.

Em nota enviada para a CNN Brasil, a Fiocruz manifestou que o acordo de cooperação técnica entre a Bio-Manguinhos (unidade da Fiocruz responsável pela produção de vacinas) e o Ministério da Saúde continua em vigor. Cabe ao Ministério da Saúde, segundo a nota, as tomadas de decisão sobre a descontinuação ou desautorização do imunizante no país.

“Neste momento, em razão do novo cenário epidemiológico e do quantitativo de imunizantes disponíveis, há um contexto de baixa demanda e a produção foi readequada. No momento, Bio-Manguinhos/Fiocruz está produzindo um novo lote de IFA, que permanecerá em estoque para ser processado prontamente caso necessário”, disse a instituição para a CNN.

A Astrazeneca continua a ser aplicada no Brasil? Para quais grupos? Em que situações?

Sim, continua. Em 13 de abril, o Ministério da Saúde publicou recomendação garantindo a segurança e eficácia da Astrazeneca e reforçando que ela foi aprovada pela Anvisa e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Porém, apesar de “escassas ocorrências” de STT ligada à vacina, “e devido a um visível aumento de risco para pessoas com idade inferior a 40 anos”, o Ministério da Saúde mudou a indicação da Astrazeneca. Desde dezembro de 2022, quando foi publicada a nota técnica, ela é recomendada para pessoas acima de 40 anos. De acordo com o texto, “as vacinas de vetor viral (como a Astrazeneca) estão indicadas para uso na população a partir de 40 anos de idade e, em pessoas de 18 a 39 anos de idade, devem ser administradas preferencialmente vacinas Covid-19 da plataforma de mRNA (RNA mensageiro, como a Pfizer)”.

É melhor não tomar vacina nenhuma a tomar a vacina da Astrazeneca?

Não. O melhor é se vacinar. Segundo a nota do ministério, embora a indicação, como informado acima, para pessoas abaixo de 40 anos sejam as vacinas de mRNA, “nos locais de difícil acesso ou na indisponibilidade do imunizante dessa plataforma, poderão ser utilizadas as vacinas de vetor viral (Astrazeneca e Janssen)”.

Bolsonaro estava certo ao atacar as vacinas afirmando que elas causavam trombose e embolia?

Não, essa afirmação tratou-se de mais um ataque, sem provas, às vacinas feito pelo ex-presidente. Bolsonaro citou efeitos adversos considerados raros para colocá-los como uma regra de que os imunizantes provocariam trombose e embolia.

No caso da vacina Astrazeneca, como foi afirmado acima, a ação do Ministério da Saúde foi a de recomendar que as doses sejam dadas a pessoas com mais de 40 anos. Apesar disso, conforme enfatizou a pasta, o imunizante da Astrazeneca pode ser dado a pessoas de qualquer faixa etária. Ou seja, a preferência por imunizar um público específico não anula o fato de que a vacina é segura e eficaz e que seus benefícios superam os riscos.

Ao longo da pandemia, o ex-presidente ficou conhecido por disseminar conteúdos enganosos que, além de descredibilizar a comprovada eficácia dos imunizantes contra a covid-19, iam de encontro às medidas de saúde pública para prevenir a doença, como mostrou o próprio Comprova.

A equipe verificou ser enganoso tuíte que sugere que Bolsonaro recusou oferta anterior da Pfizer para conseguir mais vacinas e ser falso que o Japão declarou ivermectina mais eficaz do que vacinas.

O risco de trombose é maior em contaminados pela covid?

Embora, de acordo com o Ministério da Saúde, haja “escassas ocorrências” de STT em vacinados, o risco de desenvolver a doença ainda é maior em pessoas contaminadas. Essa constatação é corroborada pela professora do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília (UnB) Anamélia Lorenzetti Bocca.

“Quando comparado com os riscos da vacina, ter covid aumenta em 10 vezes a chance de trombose”, detalha a bióloga.

Especialista em vacinas, ela diz não ser necessário se preocupar com a possibilidade de desenvolver STT. A bióloga também indica que pacientes com predisposição à formação de trombose podem procurar um médico para tirar dúvidas sobre a imunização.

“Vale lembrar que agora temos várias vacinas no mercado, com características de imunização diferentes. Isto permite adequar a melhor para cada um dos pacientes”, afirma.

Como verificamos: Pesquisamos documentos sobre a Astrazeneca e sua recomendação, como a nota do Ministério da Saúde, e também reportagens de veículos profissionais sobre o assunto.

Por que explicamos: Desde o início da vacinação contra a covid-19, as redes sociais foram tomadas por dúvidas sobre a eficácia das vacinas e também sobre os possíveis riscos de eventos adversos. Este Comprova Explica tem o objetivo de informar sobre esses tópicos, destacando que a imunização ainda é fundamental, já que, como informa o Ministério da Saúde, “o atual cenário no país, com redução de casos graves e óbitos pela doença, é resultado da população vacinada”. A desinformação não deve atrapalhar e impedir que todos se imunizem.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já explicou que a vacina contra covid-19 não provoca Aids, ao contrário do que sugeriu Bolsonaro em live e que os eventos adversos graves pós-imunização são raros e benefícios superam os riscos.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-04-07

Entenda a transposição do São Francisco e por que ela gera dúvidas

  • Comprova Explica
Comprova Explica
O Comprova explica como funciona o Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), uma obra iniciada em 2007 para levar água do Velho Chico a regiões secas e semiáridas do Nordeste brasileiro. Desde 2019, o Comprova tem verificado conteúdos enganosos sobre a transposição disseminados em redes sociais e aplicativos de mensagem.

Conteúdo analisado: A transposição do Rio São Francisco é alvo frequente de desinformação. Conteúdos publicados nas últimas semanas nas redes sociais afirmam que as bombas da transposição foram desligadas, que comportas foram fechadas e que, por isso, há uma crise hídrica no Nordeste.

Comprova Explica: O Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) é uma obra de R$ 14 bilhões do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) e que tem como objetivo levar água para regiões secas e semiáridas do Nordeste brasileiro.

O projeto nasceu em 1985, mas só saiu do papel em 2007. Segundo o MIDR, a obra está com 98,98% de execução, restando serviços complementares, que, de acordo com o governo federal, não comprometem a operação do PISF que já fornece água aos estados.

A estrutura é composta por dois eixos. O Norte tem 260 km de extensão e alcança cidades dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. O Leste possui 217 km e atende municípios de Pernambuco e Paraíba. A execução do projeto consiste em captar água do Rio São Francisco para estações de bombeamento. As bombas elevam a água por tubos até a parte mais alta do canal e, daí em diante, a água segue canal abaixo por força da gravidade até chegar a uma nova estação.

O MIDR explica que a paralisação dos serviços na transposição pode ocorrer em casos de manutenções preventivas e ou corretivas das estruturas, testes no sistema e durante ajustes operacionais. A estrutura também não necessita de bombeamento contínuo e pode interrompê-lo uma vez atingidos os níveis dos reservatórios.

A oferta de água aos Estados é determinada por meio de outorga e é flexível no atendimento de necessidades. Anualmente, as unidades federativas encaminham as demandas de água a serem atendidas pelo PISF, e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) é encarregada de analisar e aprovar os pedidos dos estados. No Diário Oficial da União do dia 21 de março, o Comprova checou que a ANA publicou a Resolução nº 148/2023, que define as tarifas para a prestação do serviço da Transposição. O custo total previsto para prover os serviços de adução de água bruta da transposição neste ano será de R$ 274,7 milhões.

Diante de tamanha obra, que envolve altas quantias de dinheiro e já atravessou seis governos, a transposição é alvo de disputas políticas e tema frequente de conteúdos de desinformação e, por isso, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre o assunto.

Como verificamos: Pesquisamos documentos e reportagens sobre as obras da transposição e entramos em contato com o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, que repassou informações sobre o projeto e o seu funcionamento. Também foram verificadas reportagens relacionadas ao tema e outras verificações sobre o assunto feitas pelo Comprova.

O que é a Transposição do Rio São Francisco

O Projeto de Integração do Rio São Francisco é uma obra gerida pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) e tem o objetivo de levar água para regiões secas e semiáridas do Nordeste brasileiro. A transposição permite o abastecimento de açudes e rios intermitentes (que desaparecem nos períodos de seca) e é composta por dois eixos principais: o Eixo Norte, que leva água para cidades em Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte; e o Eixo Leste, que abastece as cidades de Pernambuco e Paraíba.

A transposição do Velho Chico (como o rio é conhecido) está sendo possível após a construção de canais e sistemas de bombeamento. A proposta principal é ajudar a resolver a crise hídrica na região, fornecendo água para consumo humano, agricultura e outros fins.

O Rio São Francisco responde por 70% de toda a oferta de água do Nordeste. A região, onde vivem 28% da população brasileira, conta somente com 3% da disponibilidade de água do país.

Histórico e dimensão da obra

A transposição é um projeto que nasceu em 1985 no extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento do governo federal. Em 1999, ainda no papel, ele foi transferido para o Ministério da Integração Nacional. Somente em 2007 a obra começou.

O Rio São Francisco nasce a 1,8 mil metros de altitude na Serra da Canastra, em Minas Gerais, e percorre 2,8 mil km –atravessando os estados da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Sua vazão média é de cerca de 2,8 mil metros cúbicos por segundo.

A obra favorece 12 milhões de habitantes de 390 municípios do agreste e do sertão dos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Além de garantir segurança hídrica, o projeto também colabora para transformar regiões pobres e áridas em áreas produtivas. A transposição é composta por dois eixos que partem de Pernambuco, perto da divisa do estado da Bahia.

O Eixo Norte da obra tem 260 km de extensão; ele alimenta quatro rios, três sub-bacias do Rio São Francisco (Brígida, Terra Nova e Pajeú), e mais dois açudes (Entremontes e Chapéu).

O Eixo-Leste tem 217 km de extensão. Ele parte do reservatório de Itaparica, em Pernambuco, em direção ao leste, e abastece parte do sertão e das regiões agreste de Pernambuco e da Paraíba. Até alcançar o Rio Paraíba no município de Monteiro, ele distribui água para as bacias do Pajeú e Moxotó da Região Agreste de Pernambuco.

Os dois eixos englobam a construção de 13 aquedutos, nove estações de bombeamento, 27 reservatórios, nove subestações de 230 quilowatts, 270 km de linhas de transmissão em alta tensão e quatro túneis. A título de curiosidade, o túnel Cuncas I é o maior da América Latina para transporte de água, com 15 km de extensão.

As obras do Projeto São Francisco passam pelos seguintes municípios no Eixo Norte: Cabrobó, Salgueiro, Terranova e Verdejante (PE); Penaforte, Jati, Brejo Santo, Mauriti e Barro (CE); em São José de Piranhas, Monte Horebe e Cajazeiras (PB). Já no Eixo Leste, o empreendimento atravessa os municípios pernambucanos de Floresta, Custódia, Betânia e Sertânia; e em Monteiro, na Paraíba.

A obra está com 98,98% de execução, restando obras complementares, que, segundo o Ministério da Integração, não comprometem a operação do PISF no que se refere à entrega de água aos Estados.

Os investimentos já somam cerca de R$ 12 bilhões, quando considerados apenas os Eixos Norte e Leste. Ao acrescentar os Ramais Associados (Entremontes, Agreste, Salgado e o próprio Apodi), esse valor alcança cerca de R$ 14 bilhões investidos.

Como funciona a Transposição do São Francisco

A obra consiste em fazer com que as águas do Rio São Francisco cheguem a outros reservatórios de forma sustentável. A água percorre o trajeto de duas formas: por gravidade (usando um canal com um declive de 3°) ou com a força de estações de bombeamento.

Para entender como funcionam as estações de bombeamento da água, podemos citar como exemplo a que fica em Cabrobó, em Pernambuco. Ela tem quase 36 metros de altura, o que equivale a um prédio de 12 andares.

Dentro dela, uma bomba de grande potência puxa água para tubos que desaguam na parte mais alta do canal. Daí em diante, a água segue canal abaixo por força da gravidade até chegar em uma nova estação.

Todo o funcionamento em etapas da transposição ocorre da seguinte forma:

1 – A água sai do rio e desce por gravidade até uma estação de bombeamento;

2 – Na estação, ela é elevada e volta aos canais. Lá continua a descer por gravidade;

3 – Para descer sempre no mesmo ritmo, a água passa por aquedutos e túneis subterrâneos;

4 – No meio do caminho, saídas de água abastecem diretamente 390 comunidades vizinhas à obra;

5 – A água que permanece nos canais vai para reservatórios. Em alguns casos, também é usada para gerar energia elétrica;

6 – Dos reservatórios, a água chega até as cidades por meio de planos de saneamento básico. Depois desse processo, chega às torneiras das casas e à agricultura.

A vazão outorgada pela Resolução ANA nº 411/2005 permite a retirada de 26,4 m³/s, sendo o Eixo Norte com 16,4 m³/s, e o Eixo Leste com 10,0 m³/s. Cada 1 m³/s equivale a 1000 litros/segundo.

Recentemente, no dia 16 de março, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), criou uma comissão externa formada por nove deputados para fiscalizar e acompanhar in loco a situação da transposição do rio São Francisco. O coordenador será o deputado André Fernandes (PL-CE), que solicitou a criação da comissão (REQ 138/23).

| Eixo Norte e Eixo Leste do PISF. Arte: Portal Norte

Como é feita a gestão do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF)

A gestão do projeto e a execução das obras são de responsabilidade do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR). A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), empresa pública ligada ao MIDR, atua na operação e manutenção das estruturas prontas, que se tornam operacionais.

A água que os Estados recebem da transposição do Rio São Francisco é definida através do Plano Operativo Anual (POA) e do Plano de Gestão Anual (PGA). No POA os estados formalizam seus pedidos de fornecimento de água dos para a União. O PGA compila os POAs e define a disponibilidade de água para cada estado e depois é submetido à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para aprovação e posterior publicação.

A oferta de água pelo PISF é determinada por outorga e é intencionalmente flexível para harmonizar as necessidades da bacia doadora e otimizar, de modo adaptativo, as vazões disponíveis ao planejamento dos estados.

Conforme explica o governo federal, além de estabelecer os volumes de água disponibilizados este ano à Paraíba e Pernambuco, no Eixo Leste, e a Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, no Eixo Norte, o PGA define, ainda, para quais finalidades de uso as águas da transposição poderão ser utilizadas, como abastecimento humano e irrigação, por exemplo.

O planejamento para 2023 foi aprovado em março pela ANA (aqui), autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Quem paga pelo serviço

Em 2005, antes do início das obras, foi firmado um Termo de Compromisso entre os entes envolvidos no projeto, por meio do qual ficou acordado que caberia à União arcar com os custos de implantação do sistema e aos estados, os custos de operação e manutenção do projeto.

Em 2021, após tratativas no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) da AGU, foi assinado o Termo de Pré-acordo entre a União e os estados beneficiados. O Governo Federal acolheu todas as solicitações dos governos estaduais, de modo a garantir que as tarifas não viessem a impactar de forma relevante o valor para os consumidores.

O Termo de Pré-acordo previa assinatura dos contratos de operação entre a União e estados beneficiados até agosto de 2021. Os documentos foram elaborados e encaminhados aos entes estaduais, porém, até o momento, o MIDR aguarda manifestação e assinatura para iniciar a operação comercial do PISF.

Tarifas do PISF

No Diário Oficial da União do dia 21 de março, o Comprova checou que a ANA publicou a Resolução nº 148/2023, que define as tarifas para a prestação do serviço de adução (transporte) de água bruta, em 2023, do PISF.

As tarifas terão validade a partir do momento em que houver assinatura dos contratos de prestação do serviço pelos estados receptores das águas do Velho Chico: Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Este é um requisito necessário para início da operação comercial do PISF.

Para 2023 as tarifas serão aplicadas aos estados que recebem águas do PISF pelo Eixo Leste, Paraíba e Pernambuco, assim como os Estados do Eixo Norte, que são Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. O custo total previsto para prover os serviços de adução de água bruta da transposição neste ano será de R$ 274,7 milhões. Desse montante, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte terão respectivamente um custo de R$ 92,9 milhões; R$ 77,6 milhões; 82,4 milhões; e R$ 21,6 milhões.

O valor definido para que a Codevasf possa cobrar dos estados receptores equivale a R$ 0,322 por metro cúbico, para a tarifa de disponibilidade da água do empreendimento, e a R$ 0,204/m³, para a tarifa de consumo da água. Cada metro cúbico equivale a 1000 litros ou 1 caixa d’água residencial.

Vazão

A vazão outorgada pela Resolução ANA nº 411/2005 permite a retirada de 26,4 m³/s de água do Rio São Francisco, sendo o Eixo Norte com 16,4 m³/s, e o Eixo Leste com 10,0 m³/s. Cada 1 m³/s equivale a 1000 litros/segundo.

Conteúdos de desinformação que circulam nas redes

O MIDR esclareceu que nenhum estado do Nordeste enfrenta crise hídrica por conta de problemas no Eixo Norte da transposição do Rio São Francisco como afirmam publicações em redes sociais. O governo federal também nega o fechamento de comportas e revelou problema em bomba hidráulica, que passa por manutenção.

A pasta afirmou que a Estação de Bombeamento 3 (EBI-3), localizada na Barragem de Negreiros, foi paralisada em janeiro deste ano depois de “anomalias” (“uma vibração excessiva de uma de suas motobombas, o que ocasionou um desgaste relevante e prematuro nos rolamentos”) terem sido detectadas em novembro de 2022. “O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional acionou o fabricante da bomba e está atuando para normalizar a situação o quanto antes. A previsão é que a estrutura volte à normalidade no final de maio de 2023, podendo ser restabelecida antes”, informou ao Comprova.

O órgão também disse que a área técnica da pasta não identificou nenhum problema no Reservatório Engenheiro Ávidos, na Paraíba. “A estrutura está vertendo com cerca de 30 cm de lâmina”, informou.

Segundo a pasta, “não há desabastecimento em nenhum dos estados (Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte)” servidos pelo trecho paralisado. O ministério enviou ao Comprova um gráfico que mostra as entregas de água do Eixo Norte para cada estado do Nordeste brasileiro ao longo dos anos. Nele, é possível observar que a Paraíba (em verde) e Pernambuco (azul) estão sendo beneficiados em 2023.

| Volumes de água fornecidos para cada estado no Eixo Norte da transposição. Fonte: Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR).

“O objetivo principal não é o abastecimento diário dessas regiões, isso é realizado pelas companhias de água, por meio da captação do recurso e armazenamento em reservatórios”, concluiu o ministério.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. Neste caso, conhecer de fato, o que é e como funciona a transposição permite que os leitores formem opiniões sobre o assunto com base em informações apuradas com rigor jornalístico.

Outras checagens sobre o tema: A transposição já foi alvo de diversas verificações do Comprova, como a que desmentiu a morte de peixes na barragem de Oiticica por causa do fechamento de comportas da transposição do São Francisco, as que mostraram que Bolsonaro não concluiu 84% das obras da transposição do Rio São Francisco, como alega vídeo, que Posts fizeram comparações enganosas sobre transposição do São Francisco para exaltar Bolsonaro, e que É falso que Lula desligou bombas da transposição do São Francisco. Outras abordagens sobre o assunto já foram feitas pelo Estadão.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-03-17

Entenda a quem pertencem presentes ofertados a presidentes brasileiros

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Comprova Explica
O governo de Jair Bolsonaro (PL) tentou entrar no país ilegalmente com joias de alto valor dadas pelo governo da Arábia Saudita em 2021. Um conjunto de diamantes ficou retido no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, por não ter sido declarado à Receita Federal. Outro foi incorporado ao acervo pessoal do ex-presidente depois que ele deixou o mandato. Segundo a legislação, porém, presentes dados por outros chefes de Estado aos presidentes brasileiros são, via de regra, propriedade da União. Segundo entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU), a exceção são aqueles de “natureza personalíssima” ou de “consumo imediato”. O TCU não considera pedras preciosas e joias como bens personalíssimos e ordenou que Bolsonaro devolva à presidência as joias e armas recebidas por ele durante o seu mandato (2018-2022). O Comprova explica o caso das joias sauditas, o que prevê a legislação e quais são as questões éticas envolvidas no caso.

Conteúdo analisado: Postagens em redes sociais discutem a legalidade ou ilegalidade do recebimento de joias avaliadas em R$ 16,5 milhões pelo governo de Jair Bolsonaro. A existência dos bens, presente do governo saudita, foi revelada pelo Estadão em 3 de março. Parte deles foi retida pela Receita Federal por não ter sido declarada, a outra entrou de forma irregular no país e foi para o acervo pessoal do ex-presidente. O tema repercutiu na imprensa e em grupos alinhados ao atual governo nas redes sociais. Em contrapartida, os presentes recebidos por Lula e Dilma (PT) também passaram a ser questionados por simpatizantes de Bolsonaro. A confusão é potencializada por uma mudança na legislação em 2016 e pela interpretação da norma, que permite aos chefes de Estado manter em seu poder presentes que sejam de “natureza personalíssima”, o que é um termo ambíguo do texto.

Comprova Explica: Em 3 de março deste ano foi revelado pelo Estadão que um conjunto de joias avaliado em R$ 16,5 milhões dado pelo governo da Arábia Saudita a Bolsonaro ficou retido na Receita Federal porque estaria ingressando de maneira ilegal no país. O ex-presidente não apresentou a documentação necessária para que os bens fossem incorporados ao patrimônio da União, e nem registrou-os como itens pessoais, o que acarretaria o pagamento de um imposto e multa quase equivalente ao valor das joias.

A reportagem gerou discussões nas redes sociais principalmente entre apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), segundo levantamento da Quaest. As redes bolsonaristas, por sua vez, questionaram os presentes recebidos em mandatos anteriores de Lula e pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Diante dos conteúdos de desinformação e das discussões sobre o assunto, o Comprova Explica buscou esclarecer o que diz a legislação a respeito e o que deve ser feito com os presentes recebidos pelos presidentes brasileiros.

O regramento para o destino de presentes oferecidos aos presidentes mudou diversas vezes desde a redemocratização. A alteração mais recente foi feita em 2016, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que bens recebidos de chefes de Estado pelo presidente durante o exercício do mandato pertencem à União. Há, contudo, duas exceções: quando o presente é de “natureza personalíssima” e quando é de “consumo imediato”.

No entanto, a avaliação sobre o enquadramento ou não de um item como “personalíssimo” é um tanto subjetiva, uma vez que permite diferentes interpretações. Ainda assim, no caso das joias recebidas por Bolsonaro, o próprio TCU já determinou que não se enquadram na exceção da norma.

Com base no acórdão do TCU de 2016, os presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva tiveram que devolver 471 presentes ao patrimônio comum da Presidência depois de já terem deixado o mandato.

Como verificamos: Procuramos na legislação brasileira as leis e decretos que tratam do recebimento de presentes e de outros bens por parte dos chefes de Estado. Também pesquisamos matérias publicadas nos veículos profissionais de imprensa a respeito das joias enviadas à Bolsonaro e dos desdobramentos da revelação feita pelo Estadão.

O que diz a legislação brasileira

A primeira lei que determina o que é o patrimônio privado dos presidentes é de 1991. Ela não fala de presentes em nenhum dos seus 20 artigos, e só cita o acervo documental do chefe do Executivo. A regulamentação dessa lei ocorreu somente em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, e, desta vez, fez menção aos presentes.

O decreto 4.344/2002 diz que são considerados da União “os documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes, nas audiências com chefes de Estado e de Governo por ocasião das “visitas oficiais” ou “viagens de Estado” do presidente da República ao exterior ou de chefes de Estado e de Governo estrangeiros ao Brasil.

Assim, a interpretação vigente era que bens recebidos fora da cerimônia de troca de presentes eram do acervo pessoal. Contudo, em 2016, o TCU reformou a norma e determinou que todo presente recebido por outros chefes de Estado é da União, com exceção dos itens de “natureza personalíssima” ou de “consumo direto”.

O relator do caso, o ministro Wallton Alencar, argumentou, nos autos, que os presentes dados a outros chefes de Estado são pagos pela União. Logo, os itens recebidos também deveriam ser públicos.

Por conta do novo entendimento, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff tiveram que devolver, ao todo, 471 presentes (360 de Lula e 111 de Dilma) que tinham sido incorporados aos respectivos acervos pessoais. Esses bens voltaram para o patrimônio comum da Presidência.

As joias sauditas

O Estadão revelou no dia 3 de março a existência de um conjunto de joias enviadas pelo governo da Arábia Saudita e que teriam como destino a então primeira-dama Michelle Bolsonaro. As peças, avaliadas em cerca de R$ 16,5 milhões, foram apreendidas pela Receita Federal, em 2021, no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

Elas estavam na mochila de um assessor do ex-ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia), que voltava de um evento no país. Desde então, documentos e vídeos mostram que a Presidência tentou liberar os bens até o último dia de mandato.

Segundo a Receita Federal, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro não apresentou a documentação necessária para que as joias fossem incorporadas ao acervo da União. Para que entrassem no país como itens pessoais, seria necessário o pagamento de 50% do valor do produto, mais multa de 25% do total do item apreendido.

Em 8 de março deste ano, após o caso vir a público, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) defendeu o pai dizendo que um segundo conjunto de presentes, que não foi retido pela Receita, estaria em um galpão pessoal de Bolsonaro. Segundo o parlamentar, tratam-se de itens “personalíssimos” e, por isso, foram incorporados ao acervo pessoal do ex-presidente. A caixa contém um relógio, uma caneta, um par de abotoaduras, um anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça Chopard.

Contudo, o acórdão do TCU de 2016 não considera pedras preciosas enviadas a chefes de Estado como presentes pessoais.

“Imagine-se, a propósito, a situação de um chefe de Governo presentear o presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do presidente da República, uma vez que ele os recebe nesta pública qualidade”, argumentou o ministro Wallton Alencar em 2016.

No mesmo acórdão, o TCU cita como itens personalíssimos as medalhas personalizadas. Já em relação aos itens de consumo, são citados bonés, camisas, camisetas, gravata, chinelo e perfume.

Em entrevista à CNN, a advogada e doutora em Direito Constitucional Gabriela Araújo, assim como o ministro, avaliou que, pelo alto valor, as jóias não podem ser consideradas bens personalíssimos.

O site do Planalto também lista roupas, alimentos e perfumes entre itens personalíssimos que podem permanecer em posse de ex-presidentes após o término do mandato. Cita ainda que “presentes oferecidos por cidadãos, empresas e entidades costumam permanecer com o ex-presidente”.

Em 15 de março, o TCU determinou que o ex-presidente Bolsonaro devolva o conjunto de joias de luxo que recebeu da Arábia Saudita. A entrega deve ser feita à Secretaria-Geral da Presidência da República até o dia 20 de março. Bolsonaro também terá que devolver um fuzil e uma pistola que recebeu em 2019 dos Emirados Árabes.

“Presentes que são doados ao Estado brasileiro são patrimônio público. É preciso separar o público do privado. E no casos dessas joias, não há qualquer dúvida que elas devem ser incorporadas ao patrimônio público”, frisou o presidente do TCU, Bruno Dantas, ao final da sessão do tribunal.

Questão de ética no serviço público

O recebimento de presentes por parte de autoridades públicas, como presidente, ministros e diplomatas deve seguir o Código de Conduta da Alta Administração Federal. A regulamentação do código diz que é permitido receber presentes “quando ofertados por autoridades estrangeiras, nos casos protocolares em que houver reciprocidade ou em razão do exercício de funções diplomáticas.”

É considerado que, nesse caso, não é possível recusar o presente. Porém, a legislação determina que fim precisa ser dado a esse bem. Há três possibilidades:

  1. se for bem de valor histórico, cultural ou artístico, ele precisa ir para o acervo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN;
  2. o presente pode ser doado a entidade de caráter assistencial ou filantrópico reconhecida como de utilidade pública desde que a entidade se comprometa a usar aquele presente ou o dinheiro da sua alienação em suas atividades;
  3. o presente pode ser incorporado ao patrimônio da entidade ou órgão em que o presenteado exerce sua função.

Autoridades podem, sim, receber brindes, mas eles não podem ter valor superior a R$ 100.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos que estão em discussão nas redes sociais e que possam gerar desinformação. Neste caso, conhecer o que de fato diz a legislação brasileira sobre o recebimento de presentes por presidentes permite que os leitores formem opiniões sobre os políticos envolvidos com base na verdade.

Outras checagens sobre o tema: O tema das joias enviadas pelo governo saudita já foi alvo de verificação pelo Aos Fatos, que desmentiu que um ofício provasse que governo Bolsonaro seguiu rito legal para incorporar joias ao acervo público.

Comprova Explica

Investigado por: 2022-11-29

Entenda pedido do PL para anular votos de eleição presidencial e a decisão do TSE

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Comprova explica
Num cenário pós-eleitoral recheado de desinformações e tentativas de desestabilizar a democracia no país, o Comprova explica o mais recente ato do presidente Jair Bolsonaro e sua legenda, o Partido Liberal (PL), para contestar e reverter o resultado do pleito de 2022. A coligação Pelo Bem do Brasil, composta ainda pelos partidos Progressistas e Republicanos, entrou com pedido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que fossem invalidados os votos de 59,18% das urnas eletrônicas usadas no segundo turno, sob alegação de mau funcionamento. Se fosse aceito, Bolsonaro asseguraria, conforme a petição, sua reeleição na disputa contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entenda os argumentos da coligação e as análises técnicas referentes às urnas que motivaram a ação, bem como a decisão da Justiça que indeferiu a petição.

Conteúdo analisado: Pedido de verificação extraordinária do segundo turno das eleições presidenciais 2022 impetrado pela coligação Pelo Bem do Brasil (formada pelos partidos Liberal, Republicanos e Progressistas), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para invalidação de 59,18% das urnas usadas no segundo turno. A ação foi impetrada depois de rumores que circularam, inclusive entre filiados ao PL, de que a legenda pediria a anulação do pleito, a exemplo de vídeo publicado no Instagram por Alex Brasil, que havia sido candidato a deputado estadual por Santa Catarina. Na prática, o PL pedia que fossem desconsiderados os votos de cinco modelos de urnas eletrônicas anteriores ao ano de 2020, sob alegação de mau funcionamento. Se considerados apenas os resultados dos equipamentos de 2020, o vencedor da corrida ao Planalto, de acordo com a petição, seria Bolsonaro.

Comprova Explica: Depois de rumores de um suposto pedido de anulação das eleições circularem pelas redes sociais e serem até mesmo confirmados em matérias jornalísticas, como o fez O Antagonista, o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto, veio a público afirmar que um relatório estava sendo elaborado, com o apontamento de supostas fragilidades nas urnas anteriores ao modelo 2020 – as UEs 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015 – e que o documento seria apresentado ao TSE. No dia 22 de novembro, a coligação fez o pedido de revisão dos votos das referidas urnas, sob alegação de mau funcionamento.

No mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE e designado relator nessa ação, determinou que a coligação apresentasse, num prazo de 24 horas, pedido para a verificação abranger também a votação em primeiro turno, uma vez que as urnas eletrônicas alvo do questionamento da coligação foram usadas nos dois turnos da eleição.

No entanto, em 23 de novembro, a coligação manteve o posicionamento, requisitando a revisão dos votos de parte das urnas, mas sem incluir dados do primeiro turno. Como o pedido de verificação não atendeu ao que foi solicitado pela Justiça Eleitoral, e considerando não haver as irregularidades sugeridas na petição, nem provas do mau funcionamento dos equipamentos, Alexandre de Moraes indeferiu o pedido da coligação e ainda aplicou uma multa de R$ 22,9 milhões aos partidos que a compõem por litigância de má-fé, isto é, quando a Justiça é acionada sem razão para tal. Depois, Progressistas e Republicanos foram excluídos da ação para pagamento da multa. Na sua manifestação, o ministro também rebateu as hipóteses de fragilidade levantadas na ação, com documentação técnica detalhando que todas as urnas são passíveis de identificação individual.

Como verificamos: Diante das primeiras alegações de que o PL iria pedir a anulação da eleição presidencial, hipótese levantada em vídeo por Alex Brasil, líder do Movimento Vem pra Direita de Florianópolis e candidato do partido derrotado na disputa a uma vaga na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, o Comprova buscou informações sobre a veracidade da ação. A princípio, a assessoria da legenda não confirmou a medida, apesar de matérias jornalísticas também indicarem a intenção do PL de solicitar a anulação da votação em segundo turno, que deu vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra Jair Bolsonaro (PL) na corrida ao Palácio do Planalto.

O primeiro passo foi buscar reportagens que contextualizam o possível pedido de anulação do pleito eleitoral pelo PL. Em seguida, a equipe contatou a assessoria de imprensa do partido. Também buscamos com a assessoria do TSE, em diversos momentos, informações sobre a existência do pedido do PL, bem como os eventuais encaminhamentos a serem adotados pelo tribunal após o recebimento da ação.

Após confirmação do pedido, tivemos acesso à íntegra do documento protocolado pelo partido. Para entender as alegações contidas no documento, consultamos na imprensa reportagens que tratavam do indeferimento do pedido por parte do presidente do TSE, bem como as sanções impostas por ele às siglas que compõem a coligação Pelo Bem do Brasil.

Por fim, ainda recordamos um conteúdo feito recentemente pelo Comprova, que trata do funcionamento das urnas de modelo anterior a UE 2020 – cujo equipamento vem sendo alvo de conteúdos de desinformação.

O pedido da coligação de Bolsonaro

A coligação Pelo Bem do Brasil entrou no TSE com um pedido de verificação extraordinária do segundo turno das eleições presidenciais deste ano. A ação foi impetrada depois de rumores que circularam inclusive entre filiados do PL, de que a legenda pediria a anulação do pleito. Na prática, ela solicitava que fossem invalidados os votos de 59,18% das urnas usadas no segundo turno, todas de modelos anteriores ao ano de 2020, sob alegação de mau funcionamento. Se considerados apenas os resultados dos equipamentos de 2020, o vencedor da corrida ao Planalto, de acordo com a petição, seria Bolsonaro, que disputou a reeleição e perdeu para Lula.

A petição foi assinada pelo advogado Marcelo Luiz Ávila de Bessa. A coligação Pelo Bem do Brasil foi representada na ação pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, e pelo seu candidato a vice na disputa deste ano, Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil.

O documento pedia a criação de Comissão Técnica Independente de Verificação Extraordinária, “formada por profissionais especializados, com notório saber técnico em auditoria de sistemas de informação, através de arquivos de LOG de sistemas, que não fossem filiados a qualquer partido político, nem servidores ou colaboradores da Justiça Eleitoral, a fim de garantir a total transparência dos trabalhos de verificação”. E ainda a invalidação dos votos contabilizados em cinco modelos de urnas, todas anteriores ao ano de 2020: UE2009, UE2010, UE2011, UE2013 e UE2015. Seriam validados apenas os votos das urnas modelo 2020 (segundo a legenda, elas não apresentaram problemas). E, se contabilizados somente esses, Bolsonaro seria reeleito com 51,05% dos votos, segundo o relatório.

Relatório do Instituto Voto Legal encomendado pelo PL

O pedido foi feito com base no “Relatório técnico sobre o mau funcionamento das urnas eletrônicas”, um laudo de auditoria encomendado pelo PL ao Instituto Voto Legal (IVL). O texto da petição sugeria “inconsistências graves e insanáveis acerca do funcionamento de uma parte das urnas eletrônicas utilizadas no pleito eleitoral de 2022, que precisam ser devidamente analisadas e solucionadas”.

O ponto chave do relatório no qual a ação se baseia é uma suposta falha na individualização de cada arquivo Log de Urna e seu impacto nas etapas posteriores, tais como o Registro Digital do Voto (RDV) e a emissão do Boletim de Urna (BU). A consequência seria “ausência de certeza quanto à autenticidade do resultado da votação”. De acordo com a Justiça Eleitoral, em linguagem de programação, “log de aplicação é uma expressão utilizada para descrever o processo de registro de eventos relevantes em um sistema computacional”. Assim, a urna eletrônica registra todas as atividades de funcionamento e eventuais falhas em arquivos de log, que ficam disponíveis para avaliação.

A ação no TSE argumentava que cada uma das mais de 400 mil urnas eletrônicas das eleições em 2022 deveria apresentar um número válido para o código de identificação em cada linha de registro de atividade no arquivo Log de Urna, correspondente ao número de série do equipamento. O documento explica tratar-se de um código de identificação da urna eletrônica gravado em seu hardware, “pois, além de ser gravado de forma imutável em seu hardware, urna eletrônica física, compila o registro de todas as atividades realizadas naquele equipamento específico desde o início do processo eleitoral até o encerramento da votação”.

Esse código, segundo o relatório do IVL, seria o único elemento capaz de validar e certificar o que se passa numa urna durante o processo eleitoral. “Sem a correta individualização do arquivo Log com o número de identificação da urna, não é possível realizar, com a certeza e a higidez que o sistema eleitoral brasileiro exige, a vinculação entre a unidade física – urna eletrônica – e o documento gerado por ela”, diz a representação. O relatório mostra ainda que todas as urnas eletrônicas anteriores ao modelo UE2020 exibiram, após o término da votação, o número de LOG genérico 67305985, no lugar de um número único e diferente uns dos outros. Na ação no TSE, o advogado que representa a coligação Pelo bem do Brasil pôs em dúvida o total de votos por partido, por candidato, em branco, total de comparecimento em voto e total de nulos registrados nos Boletins de Urna e, logo, a fidelidade dos votos depositados pelos eleitores.

No despacho de 23 de novembro, o ministro Alexandre de Moraes acrescentou documentação técnica para demonstrar que as urnas eletrônicas, de todos os modelos, são passíveis de identificação individual. “Os argumentos da requerente, portanto, são absolutamente falsos, pois é totalmente possível a rastreabilidade das urnas eletrônicas de modelos antigos”, ressaltou, na decisão.

No documento, assinado por Júlio Valente da Costa Júnior, secretário de Tecnologia da Informação do TSE, somente sobre a possibilidade de identificação da urna eletrônica a explicação é apresentada em sete tópicos, descrevendo e mostrando em fotos, como é feito todo o processo.

Em um dos pontos, ele disse que as urnas eletrônicas podem ser identificadas fisicamente e logicamente. “Do ponto de vista físico, urnas eletrônicas possuem identificação com seus números patrimoniais, já que fazem parte dos conjuntos patrimoniais dos tribunais da Justiça Eleitoral”, descreveu.

Do ponto de vista lógico, continuou Júlio Valente, a identificação das urnas depende de terem sido preparadas para as eleições, pois nem todas são usadas. Aquelas que são utilizadas recebem uma carga de dados e programas, conforme previsto dos artigos 83 a 90, da Resolução do TSE 23.669/2021. Essa carga gera um código que identifica que a urna em questão foi preparada para uma determinada seção eleitoral naquela cerimônia específica.

“Esse código de carga é o que identifica não somente a urna eletrônica, como também o momento de sua preparação e a seção em que recebeu votos.”

 

| Reprodução de imagem que consta da Resposta Técnica ao requerimento do Partido Liberal

Violação

A ação da coligação afirma ainda que, segundo o relatório da auditoria, teria havido cerca de 800 casos de “violação do sigilo de dados pessoais”, tais como número do título e nome completo do eleitor, registrados nos cinco modelos de urnas objeto da representação.

A Justiça Eleitoral já havia se pronunciado anteriormente sobre o assunto, dizendo que os Logs das urnas eletrônicas são dados públicos e não revelam votos de eleitores. Sem relação com as escolhas dos candidatos, nomes podem aparecer nos logs das urnas quando o terminal do mesário apresenta problema na hora de escrever algum texto no Display de Cristal Líquido (LCD). “Se essa escrita falhar, então é registrado no log o texto que se tentou escrever. Se esse texto for o nome do eleitor, então ele pode ficar registrado no log”, afirma.

Para responder à ação, Alexandre de Moraes reafirmou, com o documento técnico, a impossibilidade de violação do voto. Em resumo, o despacho aponta que o software de votação (Vota) não registra no log qualquer tipo de identificação do eleitor, tampouco o voto que foi depositado na urna. Os registros de nomes ou títulos encontrados nos logs referem-se aos textos do terminal do mesário que não foram apresentados no LCD de texto.

“É preciso enfatizar que isso não representa quebra de sigilo de voto, uma vez que não existe vinculação entre o eleitor e o voto registrado. E ainda não é possível rastrear as escolhas de determinado eleitor, feitas na urna eletrônica, a partir de tal informação”, informa um trecho do documento.

No despacho, ressaltou-se, ainda, os inúmeros testes públicos de segurança realizados, ressaltando que no último deles feito para as eleições de 2022 houve um número recorde de participação de investigadores, peritos, acadêmicos e membros da comunidade tecnológica, para testes especificamente desenhados com o objetivo de vulnerar o sigilo do voto. “Nenhum dos testes logrou êxito quando aplicado em ambiente de votação”, sustentou o secretário Júlio Valente.

Manifestação do TSE

O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, deu 24 horas à defesa da coligação para acrescentar à petição pedido para que a verificação abrangesse também o primeiro turno, uma vez que as urnas eletrônicas em questão foram usadas nos dois turnos do pleito, sob pena de indeferimento. Em entrevista coletiva, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, alegou que o pedido diz respeito apenas ao segundo turno, pois “conseguiram pegar essa discrepância apenas no segundo turno, não conseguiram no primeiro”.

O advogado, Marcelo Ávila de Bessa, insistiu que indícios de mau funcionamento existem e seriam ponto de acordo entre diversos auditores. “A divergência é em relação às consequências desses erros e é isso que tem que ser averiguado no pedido de verificação.”

Moraes impõe multa de R$ 22 milhões

Na tarde de 23 de novembro, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, negou o pedido de verificação extraordinária feito pelo PL. Na decisão, ele ainda impôs uma multa de R$ 22,9 milhões aos partidos que compõem a coligação por litigância de má-fé, quando há um entendimento de que a Justiça foi acionada de forma irresponsável.

Moraes apontou que a ação que pede a invalidação de parte dos votos do segundo turno da disputa presidencial não apresenta qualquer indício ou prova de fraude que justifique a reavaliação.

“Ora, as mesmas urnas eletrônicas, de todos os modelos em uso, foram empregadas por igual tanto no Primeiro Turno como no Segundo Turno das Eleições 2022, sendo impossível dissociar ambos dos períodos de um mesmo pleito eleitoral”, cita trecho da decisão.

O presidente ainda classificou o pedido do PL como “exdrúxulo”, “ilícito” e feito de maneira inconsequente. Em sua decisão, determinou também a suspensão dos repasses do fundo partidário às siglas da coligação Pelo Bem do Brasil até que a multa seja quitada, bem como a abertura de um processo administrativo pela Corregedoria-Geral Eleitoral para apurar “eventual desvio de finalidade na utilização da estrutura partidária, inclusive de Fundo Partidário”.

Por fim, determinou o envio de cópias do inquérito ao STF, no âmbito da investigação sobre a atuação de uma suposta milícia digital para atacar a democracia e as instituições, com a inclusão de Valdemar Costa Neto no inquérito e também de Carlos Rocha. Formado em engenharia eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), ele é o presidente do Instituto Voto Legal.

Modelo das urnas

Durante todo o processo eleitoral, Bolsonaro e seus apoiadores tentaram tirar a credibilidade do sistema eletrônico de votação. Com a derrota na disputa presidencial, as manifestações nesse sentido foram reforçadas, com o objetivo de deslegitimar a vitória de Lula. O bom-funcionamento e a possibilidade de auditoria das urnas de modelo anterior à UE 2020, inclusive, já haviam sido alvo de conteúdos de desinformação, como demonstrado pelo Comprova.

O TSE informou que as urnas mais antigas estão em uso desde 2010 (UE 2009 e UE 2010) e todas utilizadas em 2022 já haviam sido usadas nas eleições de 2018, ano em que Jair Bolsonaro foi eleito. Nesse período, os equipamentos foram submetidos a diversas análises e auditorias, tais como: a Auditoria Especial do PSDB em 2015 e seis edições do Teste Público de Segurança – TPS (2009, 2012, 2016, 2017, 2019 e 2021).

O TPS é um evento fixo no calendário eleitoral – previsto na Resolução nº 23.444 do TSE – que tem o propósito de detectar brechas e fragilidades no sistema eletrônico eleitoral. Qualquer cidadão brasileiro pode apresentar um plano de ataque ao sistema durante um período pré-determinado.

Na edição de 2021, o TPS foi realizado com o modelo UE 2015. As Forças Armadas chegaram a questionar o motivo de o teste não ter sido feito com o modelo mais recente. Na época, o TSE explicou que o equipamento e os sistemas do modelo de 2020 ainda estavam em desenvolvimento quando os sistemas e a urna foram submetidos ao teste, de 22 a 26 de novembro de 2021, na sede do tribunal em Brasília.

O TSE, então, delegou ao Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (LARC), da Escola Politécnica da USP (EP-USP), à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) a tarefa de conduzir três testes de segurança independentes com o modelo 2020. Todas as instituições concluíram que não havia risco de fraude, conforme demonstrado nesta verificação do Comprova.

Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e peças que questionam o resultado das eleições presidenciais. A seção Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão, como o suposto pedido de anulação da eleição presidencial. No momento atual, peças de desinformação acabam inflamando atos com intenção golpista pelo país, o que pode tumultuar a democracia.

Outras checagens sobre o tema: Diversos conteúdos de desinformação circulam nas redes sociais na tentativa de descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro. Com isso, alguns temas passam a ser alvo de buscas constantes na internet. Nos últimos dias, a seção Comprova Explica já mostrou que posts desinformam ao confundir recontagem com retotalização de votos e que o artigo 142 da Constituição Federal não prevê intervenção federal, nem militar.

Sobre urnas eletrônicas, verificamos ser falsa a informação de que votos de eleitores tenham sido revelados a partir da decodificação dos sistemas das urnas e que votos depositados em urnas após as 17 horas não indicam fraude.

Comprova Explica

Investigado por: 2022-11-18

Posts desinformam ao confundir recontagem com retotalização de votos em eleição proporcional em SP

  • Comprova Explica
Comprova Explica
É falso que as eleições proporcionais em São Paulo tiveram “recontagem de votos”. O processo que ocorreu foi uma retotalização, o que é previsto em lei. Autores de posts no Twitter comentam publicação do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) sobre a “recontagem” de votos que permitiu sua reeleição em 2022, em detrimento da candidatura de Pablo Marçal (Pros). As postagens questionam se o direito do petista à “recontagem” é parcial, em favor do PT, e a razão pela qual não se deu o mesmo com a eleição presidencial.

Conteúdo analisado: Dois posts no Twitter replicam um tuíte do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) em que ele menciona uma “recontagem” de votos que lhe permitiu a reeleição. As postagens questionam se o direito à recontagem é parcial, em favor apenas do PT, e por qual razão não foi concedido para a eleição presidencial, como desejam apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). Um dos posts questiona: “A recontagem existe desde que seja a favor de um determinado espectro político?” O outro afirma: “Milhões de brasileiros que votaram no PRES Bolsonaro não podem sequer questionar alguma coisa. Muito democrático. Se o Jair Bolsonaro se declarar um trans-petista ele terá o mesmo direito?”.

Comprova Explica: Uma publicação do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) no Twitter causou confusão pois ele utilizou o termo “recontagem” para designar um processo de retotalização de votos que ocorreu na eleição em São Paulo para a Câmara dos Deputados em São Paulo. Recontagem e retotalização são dois procedimentos diferentes, ambos previstos na legislação eleitoral brasileira. O gabinete do parlamentar reconheceu o erro e excluiu a postagem.

O episódio foi utilizado para reforçar o discurso de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), segundo os quais a Justiça Eleitoral age de forma enviesada contra o mandatário. Este Comprova Explica esclarece as questões levantadas.

O que permitiu a reeleição de Paulo Teixeira foi uma retotalização dos votos determinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e prevista no artigo 216 da Resolução nº 23.611/2019, que trata dos atos gerais do processo eleitoral. Ela ocorreu porque o TSE considerou nulos os mais de 234 mil votos dados por eleitores paulistas a Pablo Marçal (Pros). A candidatura de Marçal foi alvo de questionamentos na Justiça Eleitoral de São Paulo pela federação Brasil da Esperança, da qual o PT faz parte, e do próprio Teixeira. Acabou indeferida pelo TSE, mas ainda cabem recursos ao candidato, o que pode mudar sua situação e também a de Paulo Teixeira.

O parlamentar petista foi beneficiado, ao menos momentaneamente, porque a retotalização (com os votos dados a Marçal considerados nulos) deu à federação Brasil da Esperança, da qual o PT faz parte, mais uma cadeira na Câmara. Como Teixeira, que recebeu 122.800 votos, aparecia como primeiro suplente, ele herdou a vaga. Se Marçal reverter o resultado de seu julgamento no TSE, seus votos serão considerados válidos e ele retomará o cargo, relegando Teixeira novamente ao posto de suplente.

Uma recontagem de votos é outro procedimento, diferente da retotalização descrita acima. A recontagem pode ser determinada pelo TSE desde que haja provas contundentes de fraude em determinada localidade. Nesse caso, é aberta uma investigação específica sobre aquela suspeita, como explicaram ao Comprova os advogados Renato Ribeiro de Almeida, coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, e Acácio Miranda, doutor em Direito Constitucional.

Não há, porém, Resolução do TSE que preveja a recontagem geral dos votos de toda a eleição. “A gente não pode confundir essa recontagem com aquilo que algumas pessoas vêm pedindo nas redes sociais, que é uma recontagem total dos votos em virtude de uma suposta fraude. Isso, no nosso ordenamento jurídico, sequer há uma previsão”, afirmou Almeida.

“É preciso entender que as regras eleitorais prevêem a retotalização, e não a recontagem dos votos – a menos que haja fraude com prova contundente”, disse Miranda.

Casos como este envolvendo Pablo Marçal são comuns em eleições proporcionais, as que definem os deputados estaduais, distritais e federais. O advogado Acácio Miranda explica que, nessas disputas, os votos nas federações partidárias ou nos partidos são determinantes para o resultado.

No Brasil, as cadeiras no Legislativo são distribuídas a partir do quociente eleitoral, um número obtido a partir da divisão do número de votos válidos pelo de assentos a serem distribuídos.

Na sequência, há uma divisão do número de votos válidos que cada partido ou federação partidária recebeu pelo quociente eleitoral. O resultado desta divisão é o quociente partidário.

Este número, por sua vez, determina a quantidade de vagas para cada partido ou federação, que obrigatoriamente são distribuídas aos mais votados do partido ou da federação. Se um dos candidatos na disputa tem seu registro indeferido, caso de Marçal, o total de votos válidos muda, alterando a distribuição das cadeiras.

Como verificamos: A verificação começou com a checagem do tuíte que as originou, publicado por Paulo Teixeira. Uma busca em seu perfil na rede social permitiu constatar que o tuíte era real. Foi publicado em 9 de novembro de 2022 às 12h43 e havia recebido 15.400 likes e 1.184 retuítes até as 18h20 de 09/11/2022.

Em um segundo passo, a Secretaria de Comunicação Social do TSE foi indagada, por e-mail, sobre a possibilidade de recontagem de votos. Depois, o Comprova entrou em contato com a assessoria do deputado petista. O gabinete do parlamentar, então, confirmou a indagação do Comprova sobre a eliminação do tuíte original.

Na sequência, o Comprova entrou em contato com o candidato Pablo Marçal, que respondeu, por WhatsApp, que a questão ainda seguia na Justiça Eleitoral e passou o contato de seu advogado, Tassio Renam Souza. O defensor foi entrevistado pelo Comprova e informou o passo a passo do caso, ainda pendente de julgamento pelo TSE.

Por fim, o Comprova entrevistou dois advogados especialistas na área eleitoral: Renato Ribeiro de Almeida, coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, e Acácio Miranda, doutor em Direito Constitucional. Ambos explicaram que não há previsão legal para uma recontagem de todos os votos que, no caso de Marçal-Teixeira, houve a retotalização.

Parcialidade

A decisão do TSE sobre a retotalização de votos não é aleatória nem parcial. Segue os preceitos do artigo 216 da Resolução nº 23.611/2019, que trata dos atos gerais do processo eleitoral. O texto determina que “a retotalização é um efeito de uma alteração na situação jurídica do partido político, coligação ou do candidato que influencie no resultado da eleição”. O mesmo artigo dispõe que a retotalização seja feita pelo Tribunal Regional Eleitoral e seja acompanhada pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

No caso em questão, o tuíte do deputado Paulo Teixeira, de 9 de novembro, estava errado ao usar o termo “recontagem”. “Justica! Tribunal Regional Eleitoral fez a recontagem e me incluiu na lista dos deputados eleitos por São Paulo”, publicou o petista. Diante da confusão gerada pelo tuíte, seu gabinete na Câmara dos Deputados informou ao Comprova ter apagado o post original em 11 de novembro por conta do “erro de escrita”. “O termo é retotalização”, informou o gabinete.

Os dois tuítes que replicaram a postagem de Teixeira levantando a tese de parcialidade do TSE acabaram por reproduzir o erro do deputado petista. Como já explicado, a decisão do TSE baseou-se em resoluções do tribunal que permitem a retotalização em situações de candidaturas indeferidas.

Quanto à eleição presidencial, apesar do clamor de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, não há nenhuma evidência de que tenha ocorrido qualquer tipo de fraude nas urnas eletrônicas.

Caso Teixeira x Marçal

Pablo Marçal, do Pros, teve seu registro de candidatura à Câmara dos Deputados indeferido pelo TRE-SP em 30 de setembro por não ter apresentado certidão criminal negativa de Goiás, onde residia no passado, explicou seu advogado, Tassio Renam Souza. Sua defesa apresentou embargo de declaração alegando que a lei eleitoral exige apenas o mesmo documento do Estado onde o candidato reside. No caso, São Paulo. Mas adicionou a certidão emitida por Goiás.

Marçal obteve 243.037 votos e concorreu sub judice na eleição de 2 de outubro, ou seja, com a expectativa de que o TRE-SP revisse sua situação. Isso aconteceu em 6 de outubro, quando sua candidatura foi deferida pelo tribunal. A federação Brasil da Esperança, da qual o PT faz parte, interpôs um embargo contra essa decisão. A defesa de Marçal recorreu, alegando que o embargo havia extrapolado o prazo para o pedido de indeferimento de candidaturas. O TRE-SP julgou o caso em 25 de outubro, e a candidatura de Marçal foi confirmada.

Em 10 de agosto, porém, o TSE decidiu pela destituição do então presidente do Pros em São Paulo, José Willame Cavalcante de Souza, em outro processo. Também determinou que todos os seus atos no cargo se tornassem sem efeito. Cavalcante havia assinado a substituição de um candidato à Câmara dos Deputados por Pablo Marçal. Portanto, seguindo a decisão de Lewandowski, a candidatura de Marçal seria anulada. Em 25 de outubro, a defesa do candidato entrou no TSE com um Recurso Especial Eleitoral (RES) para pedir que o tribunal reconsidere a decisão de anular os atos de Cavalcante na presidência do Pros. Ainda aguarda julgamento.

A federação Brasil da Esperança e o deputado Paulo Teixeira ingressaram no TSE com reclamação em 27 de outubro para solicitar a suspensão da candidatura de Marçal e a retotalização dos votos. O processo foi julgado por Lewandowski em 29 de outubro. Ele suspendeu a decisão do TRE-SP de deferir a candidatura de Marçal até o julgamento do mérito e determinou a retotalização dos votos. Marçal passou a ter sua candidatura “indeferida com recurso”. Seus votos estão anulados. Com isso, abriu-se uma vaga para o PT na Câmara dos Deputados, e Paulo Teixeira tornou-se reeleito.

O ministro Lewandowski baseou sua decisão na Resolução 23.611/2019. Argumentou que havia revogado a decisão liminar que autorizava Cavalcante de Souza a exercer o cargo de presidente do Pros em São Paulo e também declarado nulos todos os atos por ele praticados no exercício da função – inclusive o deferimento da candidatura de Marçal.

Lewandowski valeu-se do artigo 53 da Resolução 23.609/2019 para justificar sua decisão sobre a recontagem dos votos. O texto determina que “as instâncias originárias do pedido de registro [no caso, o TRE-SP] acompanhem a situação de candidatas e candidatos até o trânsito em julgado”. Ou seja, até a conclusão do processo, sem mais direitos à apelação. O ministro do TSE também referiu-se ao artigo 29 da Resolução 23.677/2021, que determina que os votos sub judice de candidatos passem para anulado definitivo. Ou seja, que a votação de Marçal fosse anulada.

O julgamento do mérito dessa questão pelo colegiado do TSE não havia sido marcado até 16 de novembro. Marçal informou ao Comprova que espera ver esse e outros dois processos – o Recurso Especial Eleitoral e o pedido para manter os efeitos dos atos de Cavalcante enquanto presidente do Pros – julgados até o início da próxima semana.

Esses julgamentos podem levar o TSE a determinar nova retotalização dos votos para deputado federal em São Paulo pelo TRE-SP. Com a candidatura de Marçal deferida, ele será o eleito. Se indeferida, Teixeira terá mais um mandato.

Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas no governo federal que circulam nas redes sociais. A seção Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão, como as postagens no Twitter que indicam haver parcialidade nas decisões do TSE sobre a recontagem de votos das eleições de 2022, em favor do PT e em detrimento da candidatura à Presidência de Jair Bolsonaro.

A verificação dessas postagens no Twitter tem relevância para evitar a disseminação de conteúdos de desinformação nas redes sociais sobre decisões da Justiça Eleitoral.

Outras checagens sobre o tema: Não foram identificadas outras checagens da veracidade de conteúdos publicados nas redes sociais sobre recontagem de votos. A decisão do TSE sobre a retotalização de votos na eleição para deputado federal em São Paulo suscitou, entre outras, reportagens do G1, Poder360 e UOL.O Comprova já explicou anteriormente a confiabilidade do sistema eleitoral no 1º turno, que os resultados das últimas eleições já foram validados e não aguardam análise judicial e o funcionamento da fiscalização do código-fonte das urnas eletrônicas.

Comprova Explica

Investigado por: 2022-11-17

Resultado das eleições não está sob análise da Justiça após relatório das Forças Armadas

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Em 9 de novembro, o Ministério da Defesa encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) relatório produzido pela equipe técnica das Forças Armadas acerca da fiscalização do sistema eletrônico de votação. O documento não apontou qualquer indício de fraude e apenas fez algumas recomendações de segurança. Posteriormente, a pasta emitiu nota afirmando não ser possível excluir a possibilidade de irregularidades no processo eleitoral de 2022, o que acirrou os ânimos de quem já se manifestava contrário ao resultado que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A partir disso, peças desinformativas começaram a circular amplamente nas redes sociais, incluindo publicações sustentando que o relatório coloca as eleições sub judice, ou seja, em trâmite judicial, o que é falso.

Conteúdo analisado: Publicações que circulam nas redes sociais desde 9 de novembro sobre o relatório das Forças Armadas referente às eleições e o sistema eletrônico de votação divulgado pelo Ministério da Defesa. Um dos conteúdos sugere que as eleições estariam aguardando determinação judicial para serem validadas.

Comprova Explica: O sistema eletrônico de votação sofreu diversos ataques ao longo dos últimos anos, tanto pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) quanto por apoiadores, o que levou parte deles a contestar, sem provas, o resultado das eleições que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O Ministério da Defesa acabou intensificando essa postura ao emitir nota afirmando que o relatório produzido pela equipe técnica das Forças Armadas acerca da fiscalização do sistema eletrônico de votação não prova fraude, mas também não a exclui, criticando alguns pontos do processo de transparência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ao Comprova, o professor Marcos Simplicio, do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), vice-coordenador da parceria firmada entre a universidade e o TSE para atuar na segurança do sistema eleitoral, afirma ser impossível eliminar a possibilidade de fraude no sistema eletrônico, mas que a probabilidade não é considerada alta.

Além disso, afirma, ninguém identificou qualquer indício até o momento. Testes de segurança também foram realizados pela Polícia Federal, Ministério Público Eleitoral e pelas universidades federais de São Paulo, Pernambuco e Campinas.

Sobre a argumentação de que as eleições passariam a ser alvo de ação judicial após o relatório, o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, afirma não ser verdadeira. A acusação por fraude está prevista na Constituição Federal, mas o prazo para ser movida a ação se estende da diplomação – agendada para 19 de dezembro – até 15 dias depois, o que ainda não ocorreu. Ademais, a ação deve ser instruída com provas concretas de irregularidades, não existentes.

Diante desses conteúdos de desinformação e das discussões sobre o assunto, a seção Comprova Explica detalha pontos relacionados ao relatório das Forças Armadas.

Como verificamos: Acessamos o ofício do Ministério da Defesa enviado ao TSE com as considerações referentes ao relatório técnico da fiscalização do sistema eletrônico de votação elaborado pelas Forças Armadas e, em seguida, analisamos o documento. Procuramos o tribunal e dois especialistas, um em Direito Eleitoral e outro em Engenharia de Computação e Sistemas Digitais envolvido nos testes de segurança das urnas eletrônicas.

O que diz o relatório e o Ministério da Defesa

Em 9 de novembro, o Ministério da Defesa encaminhou ao TSE o relatório produzido pela equipe técnica das Forças Armadas acerca da fiscalização do sistema eletrônico de votação. O documento também foi disponibilizado na íntegra no site do órgão.

Com 64 páginas, o arquivo não apontou qualquer indício de fraude nas urnas eletrônicas nem no processo eleitoral de 2022. Entretanto, por meio de nota publicada em seu site no dia seguinte, o ministério afirmou que o relatório, “embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”.

Para a pasta, houve “possível risco à segurança na geração dos programas das urnas eletrônicas”, alegando haver acesso dos computadores à rede do TSE durante a compilação do código-fonte.

Termo comum no linguajar de profissionais de tecnologia, código-fonte pode ser definido como um conjunto de símbolos ou de palavras escrito de forma ordenada, com instruções em uma das linguagens de programação existentes, dentro de uma lógica. O TSE define como um conjunto de arquivos de texto contendo todas as instruções que devem ser executadas, expressas de forma ordenada numa linguagem de programação. Essas instruções determinam o que um programa de computador deve fazer – o que ele deve apresentar e como ele deve se comportar.

No relatório, os técnicos afirmam ter havido restrições ao acesso adequado dos técnicos ao código-fonte e às bibliotecas de software desenvolvidas por terceiros, o que, sustentam, “inviabilizou o completo entendimento da execução do código, que abrange mais de 17 milhões de linhas de programação”.

Na conclusão do documento, os militares afirmam que o sistema eletrônico de votação é complexo e que a falta de esclarecimentos técnicos oportunos e de acesso a conteúdos de programas e bibliotecas impossibilitaram a fiscalização completa do sistema.

Eles também afirmam que a simulação de projeto-piloto com biometria no Teste de Integridade da urna eletrônica não reproduz com fidelidade as condições de uso normais das urnas e que isso não isenta o sistema de eventual código malicioso.

Por fim, a pasta sugere a realização de análise minuciosa dos códigos binários executados nas urnas para “superar as dificuldades e lacunas da fiscalização”.

O relatório foi produzido por oficiais de carreira especialistas em gestão e operação de sistemas de tecnologia da informação, em engenharia de computação e de telecomunicações, em defesa cibernética e outras especialidades, seguindo os parâmetros estabelecidos na Resolução nº 23.673, de 14 de dezembro de 2021, do TSE.

O que diz o TSE

Na data em que recebeu o relatório, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, emitiu nota destacando que as Forças Armadas, assim como as demais entidades fiscalizadoras, não apontaram a existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022.

Após a publicação da nota em que o Ministério da Defesa afirma não excluir a possibilidade de fraude ou inconsistência, o TSE foi procurado pelo Comprova e se manifestou sobre os pontos elencados pelo governo federal.

Conforme o tribunal, os computadores em que são compilados os códigos-fonte não ficam permanentemente conectados à internet, mas em rede apartada e com eventuais e controladas aberturas de acesso à rede mundial para atualização de drivers dos tokens utilizados pelas entidades externas, dentre elas, as Forças Armadas, para a realização de assinatura digital dos códigos-fonte. Esse ambiente, sustenta o TSE, possui segurança superior aos de desenvolvimento de sistemas comuns.

Além disso, explica o órgão, os repositórios onde os sistemas são desenvolvidos não estão expostos na internet. E sempre que foram remotamente acessados, isso ocorreu mediante concessão de acesso individualizado, com VPN e uso obrigatório de solução de Múltiplo Fator de Autenticação, isto é, confirmação da identidade em dois ou mais momentos.

O TSE garante que o mesmo código-fonte mantido no repositório de controle de versões foi integralmente disponibilizado para análise e que é possível comparar o código-fonte compilado com aquele disponibilizado no ambiente de inspeção. “Todos os scripts utilizados durante a cerimônia estão disponíveis no ambiente de inspeção do código-fonte. A avaliação dos comandos empregados no processo de lacração deve ser feita nesse ambiente”, assegura.

Ministério da Defesa demorou para iniciar fiscalização

O código-fonte foi aberto um ano antes das eleições, dentro do ciclo de transparência eleitoral, para inspeção de todas as entidades fiscalizadoras. Em outubro de 2021, o TSE reuniu parlamentares, representantes da Comissão de Transparência das Eleições, incluindo o representante das Forças Armadas, e jornalistas para apresentar os procedimentos de inspeção dos códigos-fonte da urna eletrônica e de todos os demais programas do sistema eletrônico de votação.

O TSE destaca que faltando apenas uma semana para encerramento desse prazo, em agosto de 2022, a Defesa enviou pedido urgente de inspeção, que foi concedido.

Antes disso, foram realizadas análises por Polícia Federal, Ministério Público Eleitoral, Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade de Campinas, dentre outras instituições, que não apontaram indícios de irregularidades.

Para o professor Marcos Simplicio, seria impossível que os militares fizessem a análise completa do código-fonte no prazo em que tentaram. “A gente não fez em 11 meses. Eles não fariam análise completa num curto intervalo de tempo”, diz.

Conforme Simplicio, devido ao tamanho do código, o que os especialistas fazem é concentrar-se em pontos específicos e considerados mais importantes, como o aplicativo de votação em si. “A gente também teve acesso ao código compilado, o código-fonte correspondente. O que a USP teve de diferente das Forças Armadas foi mais tempo”.

O professor explica que o relatório das Forças Armadas está tecnicamente correto, porque o processo eletrônico nunca será 100% seguro, mas considera o uso político do documento “esquisito”, porque a probabilidade de fraude é considerada baixa. Segundo o docente, as universidades também apontaram possibilidades de melhorias na segurança. “Não dá para eliminar a possibilidade de fraude, porque pode ter alguma coisa que a gente não enxergou, mas a probabilidade é alta? Não. Por tudo que já apareceu até agora não existe nada muito crível de que houve problemas claros, nada supercrítico.”

Sobre a argumentação do Ministério da Defesa sobre não ter tido acesso completo, o professor afirma que algumas bibliotecas são inacessíveis por serem de propriedade de outras instituições que não o TSE, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que nega acesso.

“Pode atrapalhar, mas não necessariamente é algo crítico. Não acho que eles (Forças Armadas) ficariam analisando com todo cuidado do universo aquela parte específica. Eles tiveram o mesmo nível de acesso fornecido para o pessoal que faz o teste de segurança, que participa da cerimônia de lacração, então esse é o processo que está definido”.

Eleições não estão sub judice

Segundo o advogado Alberto Rollo, o relatório das Forças Armadas não coloca as eleições sob judice, o que representaria ser alvo de ação judicial. Acerca da nota publicada pelo Ministério da Defesa, Rollo ressalta ter havido o que se chama, no Direito, de prova negativa, quando o órgão sustenta que não foi identificada fraude, mas não garante que não tenha havido.

“Se sou acusado de um crime hediondo e a polícia diz não ter encontrado nenhuma prova de que sou culpado, mas diz também não ter encontrado prova de que sou inocente, espera aí… não é assim que funciona o Direito no Brasil. O relatório serve para dizer que não existe fraude. A parte que eles acrescentaram posteriormente, em nota, afirmando não poderem dizer que não houve, é absolutamente vergonhoso.”

Atualmente, explica, o processo eleitoral está em uma fase ainda administrativa, quando o TSE faz a proclamação dos resultados. Nesse momento, qualquer alteração na situação jurídica de agremiação política, federação partidária, coligação ou candidatura individual que acarrete mudança no resultado pode ser motivo para nova totalização dos votos.

Segundo a norma, dentro da votação para cargos majoritários, novas eleições serão convocadas caso sejam anulados, em definitivo, os votos dados para a chapa vencedora ou para a chapa cuja votação tenha sido superior a 50%.

“Contra a proclamação dos resultados é possível fazer uma impugnação, mas com base em dados sólidos. Por exemplo, se tiver um milhão de votos em branco, mas a parcial já indicava 1,2 milhão. Então está errado o relatório. Às vezes, pode ser até um erro de digitação. São alguns detalhes que é possível fazer impugnação”, disse Rollo.

A outra possibilidade – na qual entraria uma acusação por fraude – está prevista no parágrafo 10 do artigo 14 da Constituição Federal. O prazo, contudo, é de até 15 dias após a diplomação do candidato eleito, o que ainda não ocorreu. Nesse caso, a ação deve ser instruída com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

“Para essa ação, você tem que instruir a ação com provas de abuso do poder econômico e, se alguém praticou, não teria sido Lula, mas Bolsonaro (que foi candidato à reeleição), então, ninguém vai alegar isso. Outra possibilidade é se houve corrupção no processo eleitoral, ou seja, se o ministro do TSE foi comprado, por exemplo, o que precisaria ser provado. Por fim, a fraude, mas agora a gente viu que era o último relatório que estava faltando para demonstrar que fraude não existiu. Assim, se existir a ação, a gente já tem uma série de documentos de entidades idôneas que disseram não ter havido fraude”, finaliza o advogado.

Missão de observação das eleições da OEA elogiou o trabalho do TSE

A Missão de Observação das Eleições (MOE) da Organização dos Estados Americanos (OEA) afirmou, em relatório preliminar sobre o segundo turno, divulgado no dia 1º de novembro, que a “urna eletrônica brasileira mais uma vez comprovou sua eficácia, produzindo resultados rápidos, que foram divulgados sem contratempos”.

Entre o primeiro e o segundo turno, a OEA enviou 111 observadores. Os especialistas realizaram uma análise dos aspectos chave do processo eleitoral, como a organização e tecnologia eleitoral, o financiamento político, a participação política de mulheres, indígenas e afrodescendentes, as campanhas e a liberdade de expressão, a votação no exterior, a violência política e a justiça eleitoral.

Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas no governo federal que circulam nas redes sociais. A seção Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão, como as diversas abordagens enganosas dadas ao relatório divulgado pelas Forças Armadas que levantam dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral. Publicações dessa natureza causam prejuízos ao processo democrático.

Outras checagens sobre o tema: Ao menos seis veículos de comunicação fizeram checagens similares ao tema: G1, Uol, Estadão, Gaúcha ZH, Poder 360 e Correio Braziliense. O Comprova vem checando diversas publicações de desinformação que tentam colocar a democracia em risco, como as que questionam o sistema eleitoral. Recentemente, foi publicado serem falsas as alegações feitas em um relatório de autoria desconhecida que coloca em dúvida a lisura do sistema eleitoral e a segurança das urnas eletrônicas e que o jornalista Matthew Tyrmand tenha provado, em um programa da Fox News, dos Estados Unidos, a interferência do governo de Joe Biden, presidente americano, na eleição brasileira.

Comprova Explica

Investigado por: 2022-10-30

Retenção de conta de parlamentar no Twitter segue diretrizes da plataforma e exigências legais

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Comprova Explica
No dia do segundo turno das eleições, Nikolas Ferreira (PL-MG) teve sua conta no Twitter retida. Pouco antes das 8 horas, usuários criticaram a medida da rede social. Às 8h28, a situação da conta já estava normalizada e, às 8h33, o deputado federal eleito já tuitava normalmente. O vereador mineiro foi o deputado mais votado do Brasil em 2022 e é um dos principais defensores do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição. Nikolas tem um histórico de disseminação de informações falsas sobre o candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e já teve sua conta suspensa em mais de uma plataforma. Na reta final das eleições, o vereador foi intimado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e teve que se retratar publicamente por espalhar inverdades sobre o petista.

Conteúdo analisado: Tuíte diz que o deputado federal mais votado do Brasil, Nikolas Ferreira (PL-MG), teve a conta retida no dia das eleições. “Para caso alguém ainda tenha alguma dúvida sobre o que está em jogo”, acrescenta o post, sugerindo ser um caso de censura.

Comprova Explica: Eleito com 1,49 milhão de votos, Nikolas Ferreira é um dos principais defensores e aliados do candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). O político se declara “cristão, conservador e defensor da família” e, na reta final das eleições, foi obrigado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a publicar direito de resposta do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após disseminação de informações falsas sobre o petista.

No dia do segundo turno das eleições de 2022, um tuíte que mostrava o perfil do deputado eleito retido na plataforma viralizou na rede social. Na legenda, o responsável pela publicação da peça verificada sugere censura. O aviso de retenção do perfil de Nikolas no Twitter, no entanto, estava acompanhado da justificativa de que a ação ocorreu por conta de uma demanda legal. De acordo com as diretrizes do Twitter, a retenção total de uma conta cumpre uma exigência legal válida.

Como verificamos: Acessamos a conta do vereador e deputado eleito Nikolas Ferreira no Twitter às 8h28 do dia 30 de outubro. Neste horário, o perfil já estava normalizado. Na sequência, entramos em contato com a assessoria de imprensa do Twitter para confirmar se, de fato, a conta havia sido retida e, em caso de resposta positiva, quais seriam os motivos para a decisão.

A fim de entender em quais circunstâncias a retenção da conta é cabível, pesquisamos as diretrizes do Twitter na Central de Ajuda da plataforma. Como resposta, obtivemos um artigo dedicado inteiramente à explicação da retenção de determinados conteúdos. De acordo com o Twitter, “as retenções são limitadas à jurisdição específica que emitiu a exigência legal válida ou quando o conteúdo viola as leis locais”. Em contato com a assessoria do parlamentar mineiro, a retenção da conta foi confirmada, mas sem explicações do motivo.

A partir de buscas pelos termos-chave “Nikolas Ferreira” e “conta suspensa”, obtivemos como resposta notícias sobre a suspensão da conta reserva do vereador no Instagram e a suspensão da conta no TikTok. Posteriormente, também buscamos reportagens sobre a retratação de Nikolas Ferreira, após intimação do TSE em razão da propagação de conteúdos inverídicos sobre o ex-presidente Lula.

Conta retida e histórico de suspensão

No dia 26 de outubro, o deputado eleito tuitou que sua conta reserva no Instagram, com mais de 2 milhões de seguidores, havia sido suspensa. Em sua conta oficial, após violação de regras da plataforma, o aplicativo já havia proibido que Nikolas realizasse lives. Após recurso, as decisões foram revertidas. De acordo com o jornal O Globo, a plataforma da Meta não quis informar o motivo do bloqueio e do recuo da decisão.

No TikTok, Nikolas também já teve sua conta suspensa por alguns minutos. O parlamentar disse, em reportagem publicada pelo Estado de Minas, que “já aconteceu várias vezes, geralmente eles denunciam em massa”. Nikolas explicou que a conta fica fora do ar, mas, logo após mandar recurso pelo próprio aplicativo, o perfil volta a funcionar.

Neste domingo, 30, tuítes que mostravam a conta oficial do vereador retida circularam nas redes sociais. Na captura de tela do perfil de Nikolas, é possível identificar que a conta estava retida em decorrência de uma demanda legal. Pouco tempo depois, o Twitter do político já havia voltado ao normal.

De acordo com a Central de Ajuda do Twitter, a mensagem exibida no perfil de Nikolas ocorre quando a plataforma é obrigada a reter toda a conta especificada em resposta a uma exigência legal válida, como, por exemplo, uma ordem judicial. Ao Comprova, a assessoria do parlamentar confirmou que a conta, de fato, foi retida, mas que não se sabe o motivo. Após a normalização do perfil, Nikolas publicou “liberdade cantou”.

O Comprova entrou em contato com a assessoria de imprensa do Twitter para saber o motivo específico para a retenção do perfil, mas não obteve resposta até o encerramento da checagem.

Quem é Nikolas Ferreira

Em 2020, Nikolas Ferreira obteve 29.388 votos e se tornou, aos 24 anos, o segundo vereador mais votado de Belo Horizonte, pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB). Ele ficou atrás apenas daquela que seria sua maior adversária na Câmara dos Vereadores da capital mineira, a vereadora Duda Salabert (PDT), primeira mulher trans eleita na cidade, com o recorde histórico de 37.500 votos.

Conservador, ele tinha como propósito barrar durante sua legislatura “toda e qualquer pauta progressista”, guarda-chuva em que ele inclui temas como o aborto, a “ideologia de gênero” e o que já chamava de “doutrinação escolar”.

Evangélico da Comunidade Graça e Paz, Nikolas Ferreira disse na época que militava havia 7 anos no movimento Direita Minas. Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), ele afirmou que, como cristão, “se sentiu tolhido na universidade”.

Hoje, aos 26 anos, ele chega à Câmara Federal pelo Partido Liberal (PL), o mesmo do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro, de quem é defensor ferrenho. Nestas eleições, Nikolas bateu recorde, sendo eleito como o deputado federal mais votado em todo o país, com quase 1,5 milhão de votos. Até então, o líder desse ranking em Minas era Patrus Ananias, escolhido por cerca de 520 mil eleitores em 2002, como relembra reportagem do UOL. Em Brasília, Nikolas reencontrará Duda Salabert, primeira mulher trans eleita deputada federal por Minas.

Recentemente, o vereador e deputado eleito foi intimado pelo TSE a se retratar em decorrência da disseminação de alegações falsas contra o ex-presidente Lula. A nota publicada no perfil do parlamentar explicou que o candidato petista não irá perseguir cristãos nem fechar igrejas. No direito de resposta, concedido pelo ministro Alexandre de Moraes, também foi desmentido que Lula seja ligado ao crime organizado e a favor do aborto e da legalização das drogas, dentre uma série de outras correções.

O TSE também determinou que o Twitter removesse postagens desinformativas publicadas pelo parlamentar, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. Após a retratação, Nikolas tuitou 100 reproduções de uma foto antiga do presidente da Corte Eleitoral, Alexandre de Moraes, com orelhas do personagem ‘Mickey’, da Disney.

Recentemente, o Comprova também investigou um dos conteúdos virais publicados pelo parlamentar. Em suas redes sociais, Nikolas repetiu alegações já desmentidas a fim de relacionar o ex-presidente Lula ao narcotráfico e às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas no governo federal que circulam nas redes sociais. A seção Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão, como restrições nas redes sociais. As situações são utilizadas de forma desinformativa para sugerir censura e também tumultuar o processo eleitoral. Publicações desse tipo causam prejuízos ao processo democrático e atrapalham a decisão do eleitor, que deve ser tomada com base em informações verdadeiras.

Outras checagens sobre o tema: Em checagens anteriores envolvendo o parlamentar Nikolas Ferreira nas eleições deste ano, o Comprova já mostrou que o deputado eleito repete em suas redes sociais alegações já desmentidas para tentar ligar Lula a narcotráfico e às FARC.

Neste final de semana, a equipe do Comprova se uniu a outras 6 iniciativas de checagem de fatos no Brasil para verificar conjuntamente a desinformação sobre as eleições. A parceria reúne AFP, Aos Fatos, Boatos.org, Comprova, E-Farsas, Fato ou Fake e Lupa.

Comprova Explica

Investigado por: 2022-10-29

Postagens confundem documento de Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT com plano de governo de Lula

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Comprova Explica
O documento “Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT” trata de diversas “diretrizes para ampliar o debate político interno”, dentre elas política de combate às drogas e encarceramento em massa. Essas resoluções existem, como descreveram posts críticos nas redes sociais, mas elas não fazem parte do plano de governo do candidato petista à Presidência da República, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As diretrizes foram elaboradas pela setorial do PT especializada em direitos humanos, em dezembro de 2021. O plano de governo, que não faz menção a qualquer proposta do tipo, pode ser acessado no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Conteúdo analisado: Publicações no Instagram, TikTok e YouTube que associam um documento no site oficial do Partido dos Trabalhadores (PT) intitulado “Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT” ao plano de governo do candidato petista ao Palácio do Planalto nas eleições deste ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Comprova Explica: Diversas postagens no Instagram e no TikTok, assim como um vídeo no YouTube publicado pelo deputado federal eleito Gustavo Gayer (PL-GO), têm confundido usuários sobre um documento de resoluções internas do PT que discute políticas voltadas aos direitos humanos. Esses conteúdos indicam que se trataria de parte do plano de governo de Lula — o que não é verdade. O tema chegou a ser abordado pelo candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), na sexta-feira, 28 de outubro, no terceiro bloco do debate presidencial na TV Globo. O debate foi o último antes do segundo turno das Eleições de 2022, cuja votação acontece no domingo (30).

O documento em questão trata das “Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT”, que inclui 20 pontos. O debate sobre esse tema se concentra em algumas dessas propostas, que envolvem “reorganização” das forças policiais, desarmamento civil, “reparação e punição” por irregularidades na gestão da pandemia, políticas de combate às drogas e ao encarceramento em massa.

Independente da análise do mérito dessas propostas, elas são apenas diretrizes internas aprovadas em encontro da “setorial” [subdivisão] do PT especializada em direitos humanos em dezembro de 2021. Essas propostas não compõem o plano de governo de Lula, que pode ser acessado na página de perfil dele no site do TSE para divulgar as candidaturas das eleições deste ano.

Com a repercussão do caso, o Comprova decidiu explicar a diferença entre as “Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT” e o plano de governo de Lula.

Como verificamos: Procuramos pelo termo-chave “Encontro nacional de direitos humanos do PT” no Google. Obtivemos como resposta um artigo do serviço de checagem de fatos da agência de notícias Reuters sobre o tema, além da página no site oficial do PT sobre as “Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT” – ao clicar nessa, porém, o link redireciona para página no site oficial de Lula sobre fake news.

Buscamos, então, pela URL da página no site do PT com as supostas resoluções, (pt.org.br/blog-secretarias/resolucoes-do-encontro-nacional-de-direitos-humanos-do-pt/), no Archive Today, ferramenta que salva páginas de internet, deixando o conteúdo acessível na rede. Nele, descobrimos que o conteúdo existiu e esteve no ar, sem interrupções, até pelo menos quarta-feira (26).

Entramos também em contato com a assessoria de imprensa do PT e de Lula pelo WhatsApp e por e-mail.

Resolução não é plano de governo

As “Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT” são diretrizes internas do partido, aprovadas em 12 de dezembro de 2021 por delegados no Encontro Nacional de Direitos Humanos promovido pelo partido. Em fevereiro do ano seguinte, elas foram validadas pelo Coletivo Nacional do PT, outra estrutura interna do partido que organiza as setoriais. Essas informações constam na página do documento no site oficial do PT.

No terceiro bloco do debate do segundo turno promovido pela TV Globo, em 28 de outubro, Bolsonaro citou o documento. Entretanto, assim como em conteúdos que circulam nas redes sociais, incluindo vídeo do deputado bolsonarista eleito Gustavo Gayer, a menção foi feita de forma descontextualizada.

“Criar um tribunal de Manaus para julgar Bolsonaro e seus cúmplices, desmilitarizar as polícias pelo Brasil, cessar a guerra às drogas, desencarcerar milhares de presos provisórios e, último, vou deixar para você explicar, Lula”, disse o presidente.

Em resposta, o petista negou que os temas citados pelo adversário integrassem seu plano de governo. “Esse documento só você sabe o que é, porque deve ser um documento de um setorial do PT. Como você não tem partido político, toda eleição você aluga um partido, você não criou partido, não tem programa, não tem manifesto, então, você não sabe que o PT é o partido que mais funciona nesse país democraticamente”, disse Lula.

“O partido tem setorial de tudo, setorial de mulher, de direitos humanos, de LGBT, de negros, de estudante. Possivelmente, (esse) seja um documento de um setorial que foi colocado, mas isso nunca fez parte de nenhum programa do PT. Leia todo o meu programa para saber se tem”, acrescentou.

Essa fala pode ser acessada no vídeo do terceiro bloco do debate a partir de 14 minutos e 57 segundos.

Contactada antes do debate presidencial, a assessoria do PT explicou ao Comprova a diferença entre essas resoluções e o plano de governo.

“São apenas resoluções que foram apresentadas, discutidas e aprovadas que, a exemplo de todos os demais setoriais nacionais do partido, ao todo são 16, servem como diretrizes para ampliar o debate político interno. Portanto, não se trata de maneira alguma de conteúdo do plano de governo de Lula”, afirmou a assessoria em nota enviada pelo WhatsApp.

Remoção das “Resoluções” do site do PT

Desde quarta-feira, a URL do documento (https://pt.org.br/blog-secretarias/resolucoes-do-encontro-nacional-de-direitos-humanos-do-pt/) não funciona. Neste sábado (29), dia de publicação desta checagem, o link redireciona para página no site oficial de Lula sobre fake news.

Perguntamos à assessoria do PT, por WhatsApp, o porquê do conteúdo ter sido retirado do ar, mas não obtivemos resposta sobre essa questão. O que dizem as diretrizes do “Encontro nacional de direitos humanos do PT”

O debate sobre essas resoluções se concentra em cerca de cinco de 20 pontos, nas palavras do documento, “esboçando plataforma mínima de direitos humanos para contribuir no desenho do que será a campanha Lula-2022”.

Como consta no documento, esses pontos são:

– Instituir uma política de reparação e punição. Memória, Verdade e Justiça. Processar e punir os responsáveis pelo genocídio (Covid), criar uma política de promoção da memória, da verdade, com a criação de uma justiça de transição. Tribunal de Manaus para julgar Bolsonaro e seus cúmplices.

– Rever toda arquitetura da Segurança Pública. Reorganizar e desmilitarizar as polícias. Retomar e ampliar as diretrizes do Pronasci, colocar a pauta da segurança cidadã como prioridade de todo governo Lula.

– Cessar a guerra às drogas: regular, descriminalizar, redução de danos, educação e saúde.

– Reverter o encarceramento em massa de pretos e pobres, a começar por desencarcerar milhares de presos provisórios.

– Desarmar o país, campanha massiva anti-armas, rever toda legislação bolsonarista, política radical de redução do número de armas circulando no país, retomar Estatuto do Desarmamento.

Independentemente da análise dos méritos dessas propostas, elas são apenas diretrizes internas aprovadas no encontro da setorial petista de direitos humanos, não compondo o plano de governo de Lula.

O que diz o plano de governo de Lula

A proposta de governo de Lula, registrada no TSE, tem 21 páginas e 121 compromissos ao todo. O documento não contempla as resoluções da setorial do PT de direitos humanos, mas aborda o assunto tratado em algumas de outra forma.

Nenhum dos compromissos assumidos pela chapa de Lula e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), fala em criação de um tribunal ou de acerto de contas em relação à gestão da covid-19 no país. Sobre esse tema, o programa prevê em seu item 23 o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e, no item 44, o acolhimento e acompanhamento de famílias e pacientes vítimas da pandemia.

Sobre a suposta “desmilitarização” das polícias, também não há nenhuma menção, embora as forças de segurança sejam contempladas no documento nas propostas de número 32, 33 e 35:

32. O governo federal vai implementar e aprimorar o Sistema Único de Segurança Pública, modernizando estratégias, instrumentos e mecanismos de governança e gestão. Serão realizadas reformas para ampliar a eficiência do Sistema de Segurança por meio da modernização das instituições de segurança, das carreiras policiais, dos mecanismos de fiscalização e supervisão da atividade policial e do aprimoramento das suas relações com o Sistema de Justiça Criminal.

33. A valorização do profissional de segurança pública será um princípio orientador de todas as políticas públicas da área. Serão implementados canais de escuta e diálogo com os profissionais, programas de atenção biopsicossocial, e ações de promoção e garantia do respeito das suas identidades e diversidades.

35. A melhoria da qualificação técnica dos policiais será uma busca permanente a ser alcançada, dentre outras estratégias, pela reformulação dos processos de seleção, formação e capacitação continuada, pela atualização de doutrinas e pela padronização de procedimentos operacionais. Será aberto diálogo sobre a modernização das carreiras, a qualificação e a autonomia dos peritos, a padronização de escalas e jornadas de trabalho e outras estratégias de implementação das diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos policiais”.

Em relação ao combate às drogas, o documento apenas afirma, no tópico 34: “O país precisa de uma nova política sobre drogas, intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário. O atual modelo bélico de combate ao tráfico será substituído por estratégias de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas, baseadas em conhecimento e informação, com o fortalecimento da investigação e da inteligência.”

A proposta do candidato petista também não fala nada em reverter encarceramento nem em liberação em massa de presos. A única menção ao termo encarceramento, bem como a genocídio, é feita no item 38, em tópico sobre combate ao racismo: “É imprescindível a implementação de um amplo conjunto de políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo estrutural, indissociáveis do enfrentamento da pobreza, da fome e das desigualdades, que garantam ações afirmativas para a população negra e o seu desenvolvimento integral nas mais diversas áreas. Construiremos políticas que combatam e revertam a política atual de genocídio e a perseguição à juventude negra, com o superencarceramento, e que combatam a violência policial contra as mulheres negras, contra a juventude negra e contra os povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro”.

As palavras “arma(s)”, “armamento”, “armamentismo” e “desarmamento” não constam no documento. Durante parte do debate da Rede Globo desta sexta-feira, o ex-presidente se posicionou contra a “facilitação de armas” e disse que seu governo vai “distribuir livros” em vez de “coisas que matam”.

Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. A ferramenta Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão. No contexto das eleições no Brasil, muitos conteúdos estão sendo divulgados com o objetivo de tumultuar o processo, pois podem influenciar na decisão de eleitores brasileiros. A população deve escolher seus candidatos com base em informações verdadeiras e confiáveis.

Outras checagens sobre o tema: A agência de checagem Aos Fatos e o serviço de verificação da agência de notícias Reuters publicaram artigos nesta semana explicando a diferença entre as “Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT” e o plano de governo de Lula. Sobre publicações atribuindo ou descontextualizando propostas de candidatos à Presidência da República, o Comprova já mostrou que é falso que Lula e presidente eleito da Colômbia queiram obrigar pessoas a dividir casa com outras famílias; que é falsa imagem de notícia que atrela apoio de banqueiros a Lula em troca da revogação do Pix; que é enganoso que Paulo Guedes tenha anunciado redução em aposentadorias e outros benefícios do INSS; e que edição de vídeo distorce declaração de Bolsonaro sobre ministério para Collor e confisco de aposentadoria.

Neste final de semana, a equipe do Comprova se uniu a outras 6 iniciativas de checagem de fatos no Brasil para verificar conjuntamente a desinformação sobre as eleições. A parceria reúne AFP, Aos Fatos, Boatos.org, Comprova, E-Farsas, Fato ou Fake e Lupa.