O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Investigado por: 2024-04-12

Cobertura de gelo no Ártico segue em declínio contínuo desde 1979

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Análises sobre a extensão da cobertura de gelo marinho no oceano Ártico podem enganar ao comparar períodos de tempo específicos, ignorando a série histórica ao longo dos anos. É o que acontece com postagem no X que afirma, de forma irônica, que “aquecimento global causa aumento no nível de gelo no Ártico”. O post se baseia em informação que aponta que o nível de gelo no Ártico atingiu o maior nível em março deste ano desde 2013, o que refutaria a tese de que o aquecimento global está provocando o derretimento de gelo na região. O post, então, conclui que ambientalistas “estão batendo cabeça”. No entanto, como o Comprova mostra neste texto, a análise de períodos específicos não é correta, mas, sim, a tendência histórica, que mostra uma queda contínua da extensão de gelo marinho no Ártico desde o início das medições, em 1979.

Conteúdo investigado: Post publicado no X mostra um print de uma matéria da Revista Oeste com o título “Nível de gelo no Ártico aumenta e atinge patamar de 2013”, seguido da linha fina “Estatísticas contradizem as teorias que sugerem um ‘derretimento total’ das geleiras na região”. A publicação é acompanhada da legenda “Estão batendo cabeças! Aquecimento Global causa aumento no nível de gelo no Ártico”.

Onde foi publicado: X.

Contextualizando: Post no X levanta dúvida sobre o aquecimento global ao expor dados que mostram que, em março deste ano, a extensão de gelo no oceano Glacial Ártico atingiu o maior nível desde 2013. Isso, segundo o post, refutaria a tese de que o aumento da temperatura do planeta está provocando derretimento progressivo de calotas no Ártico.

No entanto, a análise que baseia o post é enviesada. De fato, março de 2024 registrou o maior nível de extensão de gelo no oceano Ártico desde o mesmo mês de 2013. Porém, a análise da série histórica, ao ser ignorada, resulta em conclusão enganosa. Segundo a Nasa, desde 1979, quando a medição teve início, a extensão máxima da cobertura de gelo no Ártico segue um declínio contínuo há 46 anos. O parâmetro é verificado no mês de março, no fim do inverno, quando o gelo atinge o maior nível anual.

De acordo com a Nasa, observações de satélites mostram que a área total coberta por gelo no Ártico atingiu 15,6 milhões de quilômetros quadrados em 14 de março deste ano. Desde 1979, houve uma redução de 1,68 milhão de quilômetros quadrados, área equivalente ao território do Estado do Alasca ou ao do Irã. A análise está disponível no site da National Snow & Ice Data Center (NSIDC), da Universidade do Colorado.

Na página, consta o gráfico abaixo, que mostra o declínio contínuo da extensão máxima da cobertura de gelo no oceano Ártico ao longo dos anos: com uma queda de 2,4% por década.

| A extensão mensal do gelo de março entre 1979 e 2024 mostra um declínio de 2,4% por década. Fonte: National Snow and Ice Data Center. Imagem acessada em 12 de abril de 2024.

Levando-se em consideração a extensão mínima de gelo no oceano Ártico, verificada em setembro, no fim do verão, a tendência de queda contínua é ainda mais acentuada, e pode ser constatada neste outro gráfico da Nasa, disponível nesta página e reproduzido abaixo. Segundo a agência, “a extensão do gelo marinho do Ártico no verão está diminuindo 12,2% por década devido às temperaturas mais altas”.

Estudos da agência americana mostram que a temperatura média na Terra aumentou pelo menos 1,1° Celsius desde 1880, a uma taxa de aproximadamente 0,15 a 0,20°C por década. Diferente das mudanças de temperaturas locais que experienciamos no dia a dia, como a variação entre dia e noite ou das mudanças das estações, a temperatura global depende principalmente da quantidade de energia que o planeta recebe do Sol e da quantidade que irradia de volta para o espaço.

“Uma mudança global de um grau é significativa porque é necessária uma grande quantidade de calor para aquecer todos os oceanos, a atmosfera e as massas terrestres nessa quantidade. No passado, bastava uma queda de um a dois graus para mergulhar a Terra na Pequena Idade do Gelo. Uma queda de cinco graus foi suficiente para soterrar grande parte da América do Norte sob uma enorme massa de gelo há 20 mil anos”, diz o site da Nasa.

 

| Extensão mínima anual em setembro. Fonte dos dados: observações de satélite. Crédito: NSIDC/NASA. Imagem capturada em 12 de abril de 2024.

A Nasa afirma que, além da perda contínua da extensão de gelo no oceano Ártico, a medição de sua espessura mostra que um volume menor de gelo vem conseguindo se manter nos meses mais quentes do ano. Segundo a agência, isso significa que maior quantidade de novo gelo deve se formar a cada ano a partir do zero, em vez de se acumular sobre gelo antigo para formar camadas mais espessas, que são menos propensas a derreter. No site da agência, a cientista Linette Boisvert conclui que “dentro de algumas décadas teremos verões essencialmente sem gelo”, e com a maior parte do oceano Ártico exposta ao sol.

O resultado disso, segundo a cientista, é que o oceano acaba retendo a radiação solar, aquecendo os oceanos e a atmosfera da Terra. Por outro lado, com maior cobertura de gelo no verão, a superfície reflete a radiação solar, contribuindo para o resfriamento do planeta.

Análise que desconsidera tendência histórica produz desinformação

Segundo o glaciologista Jefferson Cardia Simões, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT), vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a análise repercutida pelo post usa uma “bem conhecida técnica de desinformação” ao utilizar o dado de um ano específico e desprezar o histórico.

“Cientistas não trabalham com anomalias de um dia ou um mês, e sim com tendências ao longo dos anos. Trata-se de um caso típico de desinformação em que ‘se esquece’ que a tendência do gelo marinho ártico continua a decrescer e a espessura deste gelo também diminui”, diz Simões, que também é cientista sênior do Programa Antártico Brasileiro (Pronatar).

Em relação ao gráfico abaixo, retirado do site da Nasa, Jefferson Simões observa que, em 2012, quando foi registrado o recorde mínimo de gelo no oceano Ártico em setembro, a quantidade de gelo em março daquele ano foi maior do que a verificada em março de 2024, o que mostra que a análise comparando meses específicos produz resultado enganoso. “Comparar um mês específico com o mesmo mês de um ano anterior é algo que não tem validade”, diz Simões.

| Extensão diária do gelo marinho no Ártico (milhões de km2). Imagem capturada em 12 de abril de 2024.

O pesquisador destaca que as variações na extensão do mar congelado ao longo dos dias e meses não dependem só da temperatura média, mas de outras variáveis, como mudanças na velocidade do vento e das correntes oceânicas. Ele observa que há momentos de pequeno aumento seguidos por queda acelerada. “O que vale é a tendência. E ela é bem clara: a extensão do gelo marinho está diminuindo”, diz o glaciologista.

Da mesma forma, Luiz Henrique Rosa, professor do departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos coordenadores da primeira missão científica brasileira Operação Ártico, realizada em julho de 2023, afirma que os modelos apontam para um derretimento irreversível da camada de gelo na região. A expedição observou a retração dos glaciares, do gelo marinho e a perda das camadas de neve mais antigas, que antes eram permanentes, e, agora, deixam o solo à mostra durante o verão no Ártico. Também foi observada a presença de mosquitos e de vegetação, historicamente incomuns para a área visitada.

“Os negacionistas, por diferentes motivos, negam a realidade para fugir da mesma. Negam os fatos observados e constatados pela ciência séria, como se isso fosse resolver os problemas. Ou pegam dados pontuais e distorcem para atender seu público ou confundir a sociedade do que realmente importa”, afirma Rosa.

O professor explica que os polos funcionam como refrigeradores da Terra, mantendo assim um equilíbrio para todo o planeta. Caso o aumento da temperatura global torne o derretimento do gelo no Ártico irreversível, o desequilíbrio ambiental fará com que o mesmo ocorra com a Antártica, levando a consequências catastróficas. “A situação tende a piorar nos próximos anos e décadas, pois estamos pagando por não cuidar do planeta”, declara.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Ao apresentar dados fora de um contexto mais amplo comparando apenas dois pontos específicos, 2024 e 2013, o leitor é levado a acreditar que a situação no Ártico está melhorando ou que nunca foi alterada. Entretanto, ao analisar os gráficos embasados por estudos científicos durante o período completo das últimas décadas, é possível ver que a tendência geral é de aumento no degelo na região.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não localizou meios para entrar em contato com o autor da postagem no X.

Alcance da publicação: Até a publicação deste texto, a postagem contava com 15,8 mil visualizações.

Como verificamos: Buscamos pelos dados sobre a taxa de derretimento da camada de gelo no Ártico no site da Nasa e do NSIDC para conferir as informações citadas no conteúdo investigado. Em seguida, entramos em contato com a Nasa, solicitando uma interpretação da agência sobre os dados, e consultamos os especialistas Jefferson Cardia Simões, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT), e Luiz Henrique Rosa, professor do departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em janeiro deste ano, o Comprova explicou por que é consenso científico que ação humana causa mudanças climáticas. Também explicamos o que os protestos de agricultores na Europa têm a ver com políticas ambientais e mostramos ser falso que a Suécia abandonou metas de desenvolvimento sustentável.

Mudanças climáticas

Investigado por: 2024-03-20

Suécia não abandonou metas de desenvolvimento sustentável e vídeo foi gravado na Alemanha

  • Falso
Falso
A Suécia não abandonou as metas ambientais para 2030 sob pressão de agricultores. A postagem com essa alegação é acompanhada do vídeo de um bloqueio em uma estrada, mas as imagens foram gravadas na Alemanha, em janeiro deste ano, durante protesto de agricultores contra um corte no subsídio do diesel. Ao Comprova, o Conselho Sueco de Agricultura, autoridade responsável pela política agrícola, confirmou que o vídeo não foi registrado no país. Não identificamos nenhuma mudança na direção da política ambiental sueca recentemente. O Ministério do Clima da Suécia informou que permanece empenhado em alcançar a Agenda 2030.

Conteúdo investigado: Uma publicação diz que a Suécia abandonou o projeto ambiental para 2030 após pressão de agricultores, com um vídeo que mostra tratores e caminhões bloqueando uma estrada.

Onde foi publicado: X e Facebook.

Conclusão do Comprova: A Suécia não abandonou seu projeto ambiental para 2030 após pressão de agricultores no país, ao contrário do que dizem posts nas redes sociais. Essa alegação é publicada junto de um vídeo que mostra tratores e caminhões bloqueando uma estrada. Uma busca reversa no Google mostrou que as imagens foram gravadas na Alemanha, perto da cidade de Neustadt an der Wied, no oeste do país.

Agricultores alemães organizaram manifestações e bloquearam vias em janeiro de 2024, contra a mudança na política de subsídio de diesel no país. Assim como fazendeiros da França e de outros países europeus, eles protestam contra a concorrência externa, a inflação e os rendimentos baixos. Apesar de estar relacionado à política ambiental, o movimento tem diversas outras reivindicações.

Documentos recentes indicam que a Suécia tem reafirmado seu compromisso com os princípios da Agenda 2030, como são chamados os objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), aos quais vários países aderiram. O Comprova não identificou nenhuma mudança recente na direção da política ambiental da Suécia.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 18 de março, uma das publicações com essa alegação tinha 57,7 mil visualizações e 5 mil curtidas no X.

Como verificamos: Realizamos uma busca reversa pelo Google Lens para tentar identificar o local onde o vídeo foi gravado e, com base no resultado, procuramos informações a respeito de manifestações ocorridas na Alemanha. Também entramos em contato com o Conselho Sueco de Agricultura e com o Ministério das Relações Exteriores da Suécia, e pesquisamos a respeito das posições atuais do governo sueco com relação aos temas ambientais.

Protesto foi realizado na Alemanha

A busca reversa pelas imagens do vídeo apontou uma publicação de 8 de janeiro deste ano, que mostra que o protesto aconteceu na Alemanha. A publicação investigada usa a mesma gravação, com a mesma música de fundo, mas recortou as imagens para cortar a marca d’água do perfil original.

Pesquisamos por protestos de agricultores na Alemanha em 8 de janeiro e verificamos que, naquele dia, houve uma manifestação nacional contra novas políticas agrícolas do governo Olaf Scholz, como mostraram Reuters, Deutsche Welle e Die Zeit. Os participantes levaram centenas de tratores ao Portão de Brandemburgo, um dos principais monumentos da capital Berlim.

Também pela busca reversa, chegamos a um vídeo no YouTube que aponta que a manifestação aconteceu na rodovia A3, perto de Neustadt an der Wied. Buscamos a via no Google Maps e confirmamos que o vídeo foi gravado no local. Isso foi possível a partir de uma comparação entre os elementos da paisagem e da rodovia – como um corrimão vermelho da passarela, que aparece em determinado fragmento do vídeo – com imagens retiradas do Google Maps.

 

O Conselho Sueco de Agricultura, autoridade responsável pela política agrícola na Suécia, confirmou ao Comprova que as imagens não foram registradas no país. O Ministério das Relações Exteriores da Suécia não respondeu até o momento da publicação.

Ao Comprova, o Ministério do Clima e Meio Ambiente da Suécia afirmou que o governo “está totalmente empenhado em alcançar a Agenda 2030” e que não mudou sua posição desde a adoção do programa, em 2015.

Suécia tem reafirmado práticas de desenvolvimento sustentável

Na Suécia, vigora uma lei que orienta as políticas ambientais do país desde 2018. O texto determina que as ações do governo devem “contribuir para proteger os ecossistemas e as gerações atuais e futuras contra os efeitos prejudiciais da mudança climática”, e que devem ser orientadas pelo conhecimento científico. Segundo o site do parlamento sueco, não há nenhuma mudança no dispositivo desde sua aprovação.

A publicação fraudulenta diz que a Suécia estaria abandonando as metas ambientais para 2030, numa possível referência à “Agenda 2030”, como são chamados os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, aos quais vários países aderiram.

No site oficial do governo sueco, foi possível ter acesso ao discurso do Ministro das Relações Exteriores da Suécia, Tobias Billström, na 78ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 23 de setembro de 2023, em Nova York. No pronunciamento, o ministro falou sobre a importância de “recuperar o ímpeto para se alcançar a Agenda 2030” e afirmou que a Suécia é “um parceiro empenhado a contribuir no sistema de desenvolvimento das Nações Unidas”.

Entre as práticas adotadas pelo país no combate às mudanças climáticas está a assistência financeira da Suécia à Agenda 2030. De acordo com o ministro, a Suécia é um dos poucos países a cumprir a meta da ONU de dedicar 0,7% do rendimento anual bruto para a agenda de desenvolvimento global. O discurso do ministro também mostrou preocupação com as mudanças climáticas, reafirmou que o país continuará a fazer sua parte e pediu para que outras nações aumentem suas contribuições ao projeto.

Além disso, em 2024, a Suécia assumiu a presidência do Conselho de Ministros Nórdicos, uma instituição de cooperação entre os governos dos países nórdicos, com o intuito de criar a região mais integrada e sustentável do mundo. Em um comunicado oficial publicado em 1° de janeiro de 2024, o governo sueco disse que o plano de ações do país seguirá a proposta da Nossa Visão 2030, que tem iniciativas para alcançar a Agenda 2030.

No site do governo sueco, consta ainda um documento com as estratégias de cooperação global do país no desenvolvimento econômico sustentável no período de 2022 a 2026. Segundo o Ministério das Relações Exteriores da Suécia, a cooperação do país no período em questão segue os princípios da Agenda 2030.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem enviou uma mensagem para o autor da publicação no X, mas não recebeu retorno. Após o contato, o perfil bloqueou a reportagem do Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: Muitos conteúdos compartilhados nas redes sociais tentam desinformar sobre temas ambientais com o propósito de descredibilizar ações de países que promovem medidas alternativas para reduzir impactos no meio ambiente. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é uma iniciativa das Nações Unidas que contém um plano de ação global para estabelecer metas para o desenvolvimento sustentável de povos e nações em 2030.

Por esse motivo, muitas vezes países que aderiram à Agenda 2030, como a Suécia, são citados em postagens enganosas e falsas. Além disso, a Suécia é o país da ativista ambiental Greta Thunberg, que foi alvo de uma campanha de desinformação nas redes sociais após um discurso na Cúpula da Ação Climática da ONU, em 2019.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já contextualizou a relação entre os protestos de agricultores na Europa no início deste ano com as políticas ambientais. No tópico de mudanças climáticas, mostrou que não há evidência sobre experimentos com energia no Zimbábue e que carros elétricos da polícia francesa não usam combustíveis fósseis.

 

Atualização: Esta verificação foi atualizada em 25 de março de 2024 para incorporar resposta do Ministério do Clima e Meio Ambiente da Suécia.

Mudanças climáticas

Investigado por: 2024-02-29

Não há evidências de que experimentos feitos no Zimbábue possam gerar energia limpa e infinita

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Falso
São falsas as afirmações feitas em um vídeo de que todo o mundo poderia ter energia limpa, gratuita e infinita citando uma suposta invenção feita por um homem no Zimbábue. De acordo com cientistas consultados pelo Comprova, é impossível que as ondas eletromagnéticas presentes no meio ambiente, como as do rádio, sejam transformadas em voltagem a ponto de alimentar um carro, por exemplo.

Conteúdo investigado: Em vídeo, uma mulher que não se identifica alega que todos poderiam ter energia gratuita, limpa e infinita, mas que a “elite do mundo não quer”. Ela se baseia em invenções de Maxwell Chikumbutso, do Zimbábue, que teria criado um carro, um helicóptero e um televisor elétricos sem necessidade de carregar baterias graças à uma máquina que produz, a partir das frequências eletromagnéticas, até 50 mil volts, o que poderia alimentar até 10 mil casas. Junto da narração são apresentadas imagens do homem e das invenções.

Onde foi publicado: Facebook, Kwai

Conclusão do Comprova: É falso que as invenções de um cidadão zimbabuano possam fornecer energia elétrica gratuita e infinita. Os experimentos atribuídos a Maxwell Chikumbutso nunca foram comprovados por cientistas independentes. O homem sequer divulgou como funciona exatamente o gerador de energia limpa que diz ter construído, informando, apenas, que a máquina utiliza um material que não pode ser divulgado por “segredo comercial” para gerar eletricidade a partir de radiofrequência. Em contato com Chikumbutso, o Comprova questionou se foram registradas patentes, mas ele respondeu somente ser o inventor dos dispositivos autoalimentados.

De fato, há estudos demonstrando que frequências de rádio podem ser coletadas e convertidas em energia, mas isso ocorre em quantidades pequenas, capazes de alimentar apenas pequenos eletrônicos. Físicos ouvidos pelo Comprova afirmam que é impossível que as ondas eletromagnéticas presentes no meio ambiente sejam transformadas em voltagem a ponto de alimentar um carro, por exemplo.

Além disso, para os especialistas, o conceito de “energia gratuita infinita” é, por si só, um “absurdo físico”, pois todas as transformações na natureza têm um custo, tanto natural, por necessidade de troca para que a energia seja captada, quanto financeiro, uma vez que são necessários investimentos para qualquer meio de produção e distribuição de energia.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post aqui checado teve 12,5 mil curtidas no Facebook até o dia 27 de fevereiro, além de 4,3 mil compartilhamentos. No Kwai, foram mais 12,7 mil visualizações.

Como verificamos: Primeiramente, procuramos informações, via Google, sobre o inventor citado no conteúdo aqui checado e as invenções atribuídas a ele. Em seguida, pesquisamos se esses produtos haviam sido testados por cientistas ou instituições independentes. Também entramos em contato com o homem e tentamos falar com jornalistas que acompanharam uma demonstração feita por ele. Por fim, consultamos físicos e estudos científicos sobre geração de energia.

Leis básicas da física impedem geração infinita de energia, dizem cientistas

No vídeo investigado, Maxwell Chikumbutso é apontado como suposto inventor de uma máquina que produz, a partir das frequências eletromagnéticas, até 50 mil volts, o que poderia alimentar até 10 mil casas. Mas de acordo com o físico Clemente Augusto Souza Tanajura, professor do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é impossível que as ondas eletromagnéticas presentes no meio ambiente sejam transformadas em voltagem a ponto de alimentar eternamente um aparelho eletrônico de grande porte, como um carro elétrico, por exemplo.

“O vídeo diz que é possível tirar energia dessas ondas eletromagnéticas. O que eu digo é que essas ondas têm pouca energia a ponto de ele [o inventor] conseguir ter algum mecanismo de extração. São ondas com pouca energia, pois não são ondas de alta frequência, como é a radiação solar, que se propaga através de ondas eletromagnéticas”.

Atualmente, a energia solar já responde por quase 15% da matriz elétrica brasileira. No entanto, ela sozinha não é capaz de gerar energia infinita, gratuita ou mesmo 100% limpa, embora o impacto ambiental seja bem menor do que outras fontes, de acordo com Tanajura. “Para usar a energia solar, você tem que fabricar painéis fotovoltaicos. Isso tem um custo de mineração. E os painéis têm vida útil. Duram cerca de 20 a 25 anos. Depois, vai ter que repor e o que sobrou vira resíduo”. Além disso, não é possível gerar energia solar durante a noite ou em dias nublados, o que impossibilita a infinitude.

“De acordo com o vídeo, esse cara está querendo pegar uma radiação eletromagnética que está a todo momento fluindo no ar, seja pelo rádio ou televisão, por exemplo. E que disso é possível extrair eletricidade. Eu não vejo como, pois teria que ser uma energia brutal, radiações de altíssima intensidade para serem convertidas em eletricidade. Numa situação dessa, estaria todo mundo andando na rua e tomando choque”, explicou Tanajura.

Também do Instituto de Física da UFBA , o professor Victor Mancir concorda com o colega. “Se fosse da maneira como o vídeo apresenta, toda torre de rádio seria fonte infinita de energia. Essas radiações de radiofrequência, por si só, não são suficientes para desencadear processos capazes de fazer um carro se mover, por exemplo.”

Para o cientista, o conceito de “energia infinita” é um “absurdo físico”, pois todas as transformações na natureza têm um custo. “Para que todo processo ocorra, algo tem que ser trocado. Logo, energia infinita é como se tivesse alguma coisa que sugasse o tempo todo a energia que vem do nada e vai para lugar nenhum”, explicou Mancir.

Já Tanajura lembra que toda geração de energia tem custo de produção, o que também torna sem sentido o termo “energia gratuita”. “A usina hidrelétrica, por exemplo, se utiliza de água. Ela armazena a água em represas, que gastamos dinheiro para construir. A água fica armazenada e, quando cai, move uma turbina, que também precisou de dinheiro para ser produzida. E a energia é transmitida em cabos que também precisam ser mantidos. Então, mesmo a energia vinda da água da chuva, que seria uma fonte gratuita, precisa de investimento. O mesmo ocorre com a fotovoltaica e solar. As fontes são gratuitas, mas a produção tem custo. Portanto, é infantil o discurso do vídeo.”

Ondas de rádio podem gerar energia, mas para pequenos eletrônicos

Há diversos estudos demonstrando que frequências de rádio podem ser coletadas e convertidas em energia, mas capazes de alimentar apenas pequenos eletrônicos.

Conforme noticiado pelo Science Daily em 2021, por exemplo, uma equipe de cientistas da Universidade Nacional de Singapura e da Universidade Tohoku do Japão desenvolveu uma tecnologia que utiliza pequenos dispositivos para colher e converter as frequências em energia.

No estudo, os pesquisadores coletaram a energia usando sinais de wi-fi para alimentar uma lâmpada de LED de 1,6 volts. Atualmente, são feitas transmissões de informações por meio de ondas eletromagnéticas, como a rede wi-fi, cuja frequência de onda gira em torno de 2,4 GHz.

Ao Science Daily, o professor Yang Hyunsoo, do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade de Singapura, informou que o resultado do estudo é um passo para transformar ondas de 2,4 GHz em uma fonte verde de energia, reduzindo, assim, a necessidade de baterias para alimentar eletrônicos. Contudo, ele se refere a pequenos dispositivos elétricos e sensores.

Algo semelhante é relatado pela Fundação Beneficente Optica a partir de um estudo da Universidade do Sul da Flórida, publicado em 2022. Pesquisadores desenvolveram uma antena para coletar energia de ondas de rádio e abastecer sensores, LEDs e outros dispositivos simples com baixos requisitos de energia.

O que se sabe sobre Maxwell Chikumbutso e suas invenções?

Alegações semelhantes à aqui investigadas foram objetos de checagens de agências internacionais ao longo dos últimos anos (Lead Stories, Snopes, Politifact, AP News e Usa Today). Todas as verificações informam que Chikumbutso fundou a empresa Saith Technologies no Zimbábue, na África, e que apresentou ao público três produtos: um carro elétrico, um helicóptero e um drone, todos com alimentação própria.

O evento ocorreu em 21 de julho de 2015, na capital Harare, e a realização foi antecipada pelo Techzim, um site do país voltado aos temas de tecnologia. No dia do evento, uma equipe do portal foi enviada ao local e outros três textos foram publicados.

O primeiro é um resumo do que foi apresentado, acompanhado de fotos do evento. O segundo é uma análise sobre uma discussão iniciada no campo de comentários do anterior, sobre as invenções serem ou não verdadeiras. Neste, o autor destaca não terem sido mostradas provas científicas das alegações feitas pelo suposto inventor.

O terceiro analisa cada alegação de Chikumbutso, inclusive sobre o “gerador verde”, que, segundo o fabricante, dá suporte a todos os outros produtos. Conforme a reportagem, o inventor alega que essa máquina expõe um material não divulgado pela empresa, alegando necessidade de “segredo comercial”, à radiofrequência, o que geraria energia. O site de notícias afirma não ter como confirmar essa afirmação e esperar que um fórum de cientistas a coloquem à prova.

O Snopes entrevistou o editor do Techzim, Leonard Sengere, que afirmou que o site nunca mais teve acesso ao inventor após o evento. Naquele dia, acrescentou, o carro elétrico e o gerador foram mostrados funcionando, mas não havia chance de alguém verificar exatamente de que forma. O Comprova tentou contato com o Techzim, mas não recebeu retorno.

O evento de 2015 teve cobertura, ainda, do canal South African Broadcasting Corporation e imagens deste trabalho ainda estão disponíveis no YouTube. Uma parte dessas gravações é usada no vídeo aqui checado.

O Lead Stories informa que a história apresentada por Maxwell Chikumbutso foi tema do documentário “Thrive II: This Is What It Takes”, de 2020, em que os cineastas afirmam ter sido apresentados ao gerador descrito como uma “máquina de energia verde fora da rede” e a um “dispositivo de energia microssônica” capaz de alimentar 300 residências.

Em uma página do site do documentário (arquivada aqui) há uma atualização sobre o tema afirmando que a pandemia atrasou a disponibilidade dos produtos da Saith Technologies e uma orientação para que se consulte o site da empresa, porém a página da Saith está inativa. Os responsáveis pelo documentário acrescentam que garantem a eficácia da tecnologia que examinaram, mas que, em junho de 2021, a empresa estava “gravemente inadimplente” na entrega de dispositivos comprados internacionalmente.

A agência de checagem, que publicou a verificação em fevereiro de 2023, afirma que chegou a entrar em contato com uma conta do X atribuída a Chikumbutso e recebeu como resposta que o homem ainda está trabalhando no projeto, mas de forma reservada “por causa das sérias ameaças à segurança na minha vida”. O perfil, contudo, ignorou os pedidos de evidências científicas sobre os dispositivos.

A reportagem também enviou mensagens para a conta de Chikumbutso no X, questionando se ele registrou patentes e por que até hoje essas invenções não se tornaram populares. Ele respondeu somente ser o inventor dos dispositivos autoalimentados.

E-mails foram enviados para o governo do Zimbábue perguntando se o país reconhece o funcionamento dessas invenções na região, mas não houve resposta.

O que diz o responsável pela publicação: A autora da publicação viralizada no Facebook não respondeu à tentativa de contato.

O que podemos aprender com esta verificação: É essencial aplicar um olhar crítico e cético quando se deparar com alegações extraordinárias nas redes sociais, como a criação de dispositivos que desafiam leis estabelecidas da física e, principalmente, que fazem promessas distantes da realidade, como a produção de energia gratuita, limpa e infinita. O cenário atual é justamente contrário a essa alegação, uma vez que crises energéticas são uma realidade em vários países por falta de insumos e há uma constante preocupação em encontrar fontes de energia sustentáveis.

Além disso, o simples fato de uma pessoa afirmar ter inventado algo não é suficiente para aceitar sua validade, sendo necessárias evidências sólidas e revisão por pares para confirmar a legitimidade de novas tecnologias ou descobertas, o que não ocorreu, até o momento, com os produtos anunciados por Maxwell Chikumbutso.

Informações sobre assuntos tecnológicos e, principalmente, quais as limitações deles, devem ser consultadas em fontes de qualidade, como relatórios científicos publicados em revistas conceituadas e reportagens em veículos de imprensa especializados.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Conteúdos semelhantes a esse foram checados por Lead Stories, Snopes, Politifact, AP News e Usa Today. O Comprova já verificou outros assuntos relacionados à eletricidade, como o fato de a taxa sobre energia solar ter sido sancionada no governo de Bolsonaro, não de Lula, ser falso que o MST tenha destruído uma estação de energia no Amapá e que uma postagem engana ao relacionar apagão a decreto para compra de energia na Venezuela.

Mudanças climáticas

Investigado por: 2024-02-22

Carro elétrico de polícia francesa não usa combustível fóssil para se locomover, ao contrário do que diz post

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirma um post nas redes sociais, a Polícia francesa não utiliza geradores a diesel para carregar as baterias que movem seus carros elétricos. Vídeo verificado pelo Comprova mostra o abastecimento da parte elétrica do veículo por um gerador a gasolina, que fornece energia para computadores, rádios e telas quando o carro está parado. O modelo do automóvel é 100% elétrico.

Conteúdo investigado: Um vídeo publicado nas redes sociais mostra um carro elétrico da polícia municipal de Montpellier, na França, sendo abastecido por um gerador. Na legenda, o responsável pelo post diz ser um gerador a diesel.

Onde foi publicado: X, Instagram, TikTok, Kwai e Facebook.

Conclusão do Comprova: Um vídeo que circula nas redes sociais mostra um carro elétrico da polícia municipal de Montpellier, na França, sendo abastecido por um gerador. Publicações enganosas afirmam que isso comprova que os carros elétricos da polícia francesa são, na verdade, movidos a diesel.

De acordo com a prefeitura de Montpellier, o veículo transporta equipamentos de rádio, vídeo e informática e dispõe de um espaço com balcão de recepção ao público. Quando o carro está estacionado, esses equipamentos podem funcionar alimentados por uma tomada externa ou com auxílio de um gerador que é movido a gasolina, não a diesel.

O carro é 100% elétrico e o gerador que aparece na imagem do post verificado é usado apenas para alimentar os equipamentos eletrônicos do veículo quando ele está parado.

A Renault, fabricante do carro, confirmou que o gerador não alimenta o motor do veículo.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, o conteúdo foi visualizado 437,4 mil vezes até o dia 22 de fevereiro e teve 4 mil compartilhamentos, além de 884 comentários e 18 mil curtidas.

Como verificamos: Ao analisar o veículo que aparece no vídeo, identificamos pelos adesivos que ele pertence à Polícia Municipal da cidade de Montpellier. A partir disso, pesquisas no Google levaram a uma reportagem da imprensa local informando que o órgão havia adquirido unidades 100% elétricas que seriam empregadas como delegacias móveis. Mais informações sobre os equipamentos foram consultadas no site oficial da instituição e em um documento do órgão destinado à imprensa. Por fim, procuramos a prefeitura de Montpellier, a Renault na França e o autor do post aqui checado.

França tem incentivado uso de veículos elétricos

A França tem planos de reduzir a emissão de gases de efeito estufa em 50% até 2030, em comparação com os níveis de 1990. Uma das iniciativas é diminuir o consumo de combustíveis fósseis na área de transporte, que representa mais de 30% das emissões. Para isso, o governo tem apostado, entre outras medidas, nos carros elétricos. Em 2024, por exemplo, foi criado um incentivo para popularizar esse modelo de veículo, subsidiando o valor do aluguel dele.

Assim, as frotas policiais do país também começaram a receber automóveis elétricos, caso da Polícia Municipal de Montpellier, no sul da França, que incluiu veículos do modelo que aparece no vídeo como delegacias móveis.

A energia que abastece os veículos é proveniente, principalmente, de usinas nucleares. Segundo a Rede de Transmissão de Eletricidade (RTE), operadora do sistema de transmissão de eletricidade da França, 67% da energia elétrica do país vem dessa fonte. Os combustíveis fósseis são responsáveis por 7% da energia. O país completa a matriz com 13% de energia hidráulica e outros 13% de novas fontes renováveis. O órgão mantém uma página onde monitora ao vivo a geração de energia por tipo de fonte.

Veículo pode usar gasolina, mas para abastecer equipamentos quando parado

De acordo com a prefeitura de Montpellier, o veículo transporta equipamentos de rádio, vídeo e informática e dispõe de um espaço com balcão de recepção ao público. Ao ser posicionado em um setor, ele pode trabalhar através de uma tomada externa ou em modo autônomo, através de um gerador.

Desenhos inseridos em um material de divulgação destinado à imprensa em 2021 apresentam o veículo. O conteúdo reforça que o motor dele é elétrico e que o posto móvel está equipado com baterias, internet, computadores, tablets, tomadas elétricas e um gerador.

O veículo é o modelo Master E-Tech 100% elétrico da Renault, que foi convertido em um posto de segurança móvel para a Polícia Municipal de Montpellier. Ao Comprova, o fabricante informou que em nenhuma circunstância o gerador que aparece no vídeo alimenta o motor do carro.

De acordo com a montadora, como se trata de um veículo de emergência, é essencial que ele tenha uma fonte de alimentação para equipamentos elétricos quando estiver parado. Assim, o gerador fornece energia apenas aos equipamentos eletrônicos do veículo (12V) quando ele não está em movimento.

Além disso, o gerador que é mostrado no vídeo é movido a gasolina, e não a diesel, como afirma o post no X. A Renault informou que ele pode ser substituído também por uma bateria reserva.

A assessoria de comunicação da prefeitura de Montpellier foi procurada, mas não retornou as tentativas de contato.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem enviou uma mensagem direta via X para a conta @Damadeferroofic, perfil conservador que defende pautas do Liberalismo e responsável pela publicação checada, mas não recebeu resposta até o momento.

O que podemos aprender com esta verificação: Conteúdos falsos ou enganosos como o aqui checado desinformam sobre temas ambientais, como o aquecimento global, tentam descredibilizar medidas alternativas adotadas por países e alimentam teorias conspiratórias que negam a existência de uma crise climática, como, por exemplo, a de que líderes mundiais tentam se beneficiar a partir de iniciativas como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), que pretende reduzir as emissões de gases do planeta.

Comentários no post exemplificam isso. Um usuário afirma que “essa agenda global seria cômica, se não fosse trágica!”, enquanto outro diz que “esse vídeo deveria ser o comercial da tal agenda 2030”. Um terceiro declara que “tem que ser muito trouxa pra acreditar em ESG”, referindo-se à sigla, em inglês, para Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança), um conjunto de práticas adotadas por um negócio em busca de minimizar os impactos ambientais e sociais.

A desinformação sobre as mudanças climáticas é perigosa por sugerir que podemos continuar degradando o meio ambiente sem nos atentar para as consequências. Conteúdos desta natureza podem levar as pessoas a negar a discussão sobre os verdadeiros desafios climáticos. Além disso, também podem gerar menos interesse no apoio a políticas públicas, como, por exemplo, a necessidade de diminuição do consumo de combustíveis fósseis.

Informações sobre o assunto devem ser consultadas em fontes de qualidade, como relatórios científicos revisados por pares e com evidências sólidas e agências governamentais que monitoram e relatam informações sobre o clima. No Brasil, um exemplo é o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Uma alegação semelhante foi checada pelo site italiano Open, que a considerou sem contexto. O Comprova tem checado alegações falsas e enganosas que sustentam que as mudanças climáticas não são um problema e não sofrem interferência humana. Recentemente, o projeto explicou ser consenso científico que a ação humana causa as mudanças e que o que os protestos de agricultores na Europa têm a ver com políticas ambientais.

Contextualizando

Investigado por: 2024-02-14

O que os protestos de agricultores na Europa têm a ver com políticas ambientais

  • Contextualizando
Contextualizando
Publicações nas redes sociais alegam que supermercados da Europa estão desabastecidos por conta dos recentes protestos de agricultores, que estariam se manifestando contra políticas ambientais. As postagens omitem que a escassez de determinados produtos em supermercados ocorre de forma pontual, e não generalizada. Os conteúdos virais também sugerem que as regulamentações ambientais seriam o único descontentamento dos manifestantes. Na verdade, os agricultores têm uma série de outras reivindicações, como a redução de importações estrangeiras mais baratas e a redução da burocracia.

Conteúdo investigado: Vídeo exibe gôndolas vazias de um supermercado. A postagem alega que os mercados da Bélgica e França estão desabastecidos por conta dos protestos realizados por agricultores europeus, que estariam se manifestando contra os “lunáticos climáticos e suas políticas”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter), Facebook e TikTok.

Contextualizando: Desde janeiro deste ano, agricultores têm protestado por toda a Europa. Ao contrário do que sugerem as postagens virais, as queixas dos manifestantes vão além do descontentamento com regulamentações ambientais. Os agricultores também protestam contra a concorrência externa, inflação, rendimentos baixos, burocracia da União Europeia (UE), entre outros.

Ações adotadas pelos agricultores como forma de protesto incluem o bloqueio de estradas e de centros de distribuição. A medida acarretou o atraso de entregas e desabastecimentos pontuais de determinados produtos em supermercados da Europa.

Protestos na Europa

Os movimentos orquestrados por diversas entidades sindicais de agricultores ganharam destaque no fim de janeiro na França, com o bloqueio de estradas e de uma fábrica da Lactalis, maior grupo de laticínios do mundo. Os produtores franceses reclamam dos aumento dos custos da energia e das regras ambientais europeias, que impactam os gastos com a produção.

Esses protestos ganharam fôlego para se espalhar pelo continente durante um protesto em Bruxelas, na Bélgica, embora tenham sido registrados uma série de manifestações anteriores. Na ocasião, em 1º de fevereiro, agricultores jogaram ovos e pedras no Parlamento Europeu, em Bruxelas, além de soltarem fogos de artifício próximo ao prédio, em um ato contra os crescentes custos de produção que afetam a agricultura local e favorecem a importação de produtos.

Uma das demandas mais recorrentes entre as organizações de trabalhadores é a alegação de que a concorrência com produtos vindos de outros países seria desleal com os produtores locais. O internacionalista e fundador do instituto Global Attitude, Rodrigo Reis, explica que o movimento da classe agricultora se concentra na competição com o mercado externo em meio a um cenário de aumento de custos. “Existe um receio da classe agricultora em proteger o mercado interno de produtos importados que serão mais baratos do que os produzidos internamente, e aí existe também um argumento usado por eles na questão ambiental de que esses produtos importados não respeitam as mesmas normas ambientais respeitadas por eles”, destaca.

Além dos dois países, foram registrados protestos na Espanha, em Portugal, Itália, Romênia, Polônia, Grécia, Alemanha e Países Baixos. As reivindicações são semelhantes em quase todos os países, com descontentamento em relação à inflação, concorrência externa, burocracia da União Europeia e regulamentações. Apesar disso, existem demandas específicas para a categoria agrícola de cada Estado.

Desabastecimento nos supermercados

Por consequência de bloqueios realizados por manifestantes, algumas unidades de supermercados começaram a sofrer com escassez de produtos frescos, como frutas e verduras. Na Bélgica, de acordo com o The Brussels Times, as redes que passaram por desabastecimento em determinadas regiões foram Aldi, Colruyt, Lidl e Delhaize.

Em 6 de fevereiro, a RTBF informou que os centros de distribuição da Colruyt já estavam funcionando desde o dia 1º do mesmo mês. Ainda de acordo com o veículo, unidades da rede Delhaize também estavam de volta ao normal. A Delhaize ainda acrescentou que a perda de itens durante as manifestações foi limitada e estima que 100 mil quilos de produtos foram doados a bancos de alimentos. De acordo com a rede, alguns supermercados não ficaram desabastecidos.

De acordo com uma reportagem do Le Parisien, publicada em 29 de janeiro, os bloqueios tiveram pouco impacto no abastecimento dos supermercados da França. Ao jornal, o delegado geral da Federação do Comércio e Distribuição – que reúne marcas como Carrefour, Système U, Auchan e Aldi – afirmou que atrasos poderiam acontecer “aqui e ali”, mas de forma marginal.

Segundo o Europe 1, os agricultores pretendiam bloquear o mercado internacional de Rungis, atacadista de produtos frescos, o que levantou a preocupação de escassez de alguns alimentos. No entanto, a reportagem apontou que a distribuição em massa não deveria ser afetada, já que as marcas costumam ter armazenamento próprio. Conforme o Le Parisien, manifestantes tentaram invadir o mercado de Rungis e ao menos 91 pessoas foram presas na ocasião.

O bloqueio de estradas e centros de distribuição afetou outros países, como Luxemburgo. De acordo com o RTL Today, houve escassez de produtos frescos em algumas unidades do Lidl e Delhaize no país que faz fronteira com a Bélgica, França e Alemanha.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A postagem utiliza um registro isolado de um supermercado para alegar que há desabastecimento generalizado na Europa. Além disso, associa o protesto de agricultores europeus apenas a normas ambientais. Dessa forma, a publicação gera um cenário alarmista e omite que a insatisfação dos manifestantes em relação à política verde é apenas uma pauta entre diversas outras reivindicações.

O que diz o responsável pela publicação: Não foi possível entrar em contato com a responsável pela postagem analisada, já que o perfil não aceita mensagem de contas que não segue.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 9 de fevereiro, o conteúdo viral no X acumulava mais de 77,4 mil visualizações, 2 mil compartilhamentos e 5 mil curtidas. No Facebook, o vídeo foi publicado ao menos 40 vezes em contas diferentes com a mesma legenda. No TikTok, uma das publicações descontextualizando as imagens teve mais de 64 mil visualizações e 3,5 mil curtidas.

Como verificamos: Primeiramente, realizamos uma busca reversa do vídeo para verificar o contexto da gravação original. Um dos registros que integra a peça verificada foi encontrado em uma conta do TikTok, indicando que a gravação foi feita em um supermercado na Bélgica. Para comprovar que trata-se de um registro recente, o perfil publicou os metadados do vídeo, que apontam que a gravação foi realizada em 31 de janeiro deste ano.

Depois, também transcrevemos e traduzimos o áudio do vídeo. Com a tradução, foi possível identificar que o supermercado gravado pertencia à rede Lidl. Na gravação, a pessoa que filma diz: “O Lidl está começando a ficar sem estoque, não há mais produtos graças à greve. Continuem assim, pessoal, logo alcançarão sua meta. Estamos indo!”.

Em sequência, procuramos notícias em jornais europeus que informassem sobre desabastecimento em supermercados, sobretudo na rede Lidl. Também buscamos informações sobre os protestos e as reivindicações dos agricultores. Por fim, entramos em contato com um especialista para entender a dimensão da pauta climática nas manifestações.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Recentemente, o Comprova explicou por que a ação humana é responsável pela crise climática no planeta. A checagem mostrou que a participação do ser humano nas mudanças climáticas é um consenso científico.

Comprova Explica

Investigado por: 2024-01-29

Entenda por que é consenso científico que ação humana causa mudanças climáticas

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Conteúdos nas redes sociais desinformam ao afirmar que as mudanças climáticas não são um problema e que a ação humana não é responsável por elas. São postagens que vão contra o consenso científico, como mostrou estudo de 2023 realizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). Como toda desinformação, essas também são perigosas, e, por isso, a seção Comprova Explica esclarece alguns pontos envolvendo o assunto.

Conteúdo analisado: Posts nas redes sociais negam as mudanças climáticas e a responsabilidade do ser humano sobre elas, afirmando, por exemplo, que o clima já mudou antes e que o aquecimento global não é ruim.

Comprova Explica: A crise climática que estamos vivendo não é uma ideia que os cientistas inventaram para receber mais financiamentos para suas pesquisas. Nem está sendo causada sem a participação humana. Diferentemente do que afirmam posts nas redes sociais, ela é real e é consenso entre cientistas que a responsabilidade pela crise é do ser humano.

Há quem afirme que o aquecimento global não é ruim, que o clima já mudou antes e que as soluções apresentadas não funcionam, afirmações perigosas diante de um cenário cada vez mais problemático, segundo especialistas. Em Milão, na Itália, um grupo investigado por espalhar teorias conspiratórias sobre a vacina contra a covid-19 assinou um cartaz onde se lê: “Quem fala de aquecimento global é o mesmo que quer vacinação obrigatória”. É a mistura de duas teorias mentirosas, mostrando que a crise climática passou a ser alvo de negacionistas da pandemia, como mostrou a Folha.

O ano passado, inclusive, foi o mais quente em ao menos 174 anos, desde que se iniciaram as medições meteorológicas, segundo a Organização Meteorológica Mundial, agência da Organização das Nações Unidas.

Como afirmou ao Comprova o geólogo José Maria Landim Dominguez, professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), “modelos climáticos cada vez mais sofisticados, que têm sido desenvolvidos para investigar o funcionamento do clima, confirmam inequivocamente o impacto das emissões de dióxido de carbono (pelo homem) nas mudanças climáticas em curso”.

É o mesmo que afirma o resumo para formuladores de políticas públicas, do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês). “As atividades humanas, principalmente por meio das emissões de gases com efeito de estufa, inequivocamente causaram o aquecimento global “, diz o estudo.

Aumento da temperatura na Terra, secas intensas, incêndios severos e aumento do nível do mar são algumas das alterações que essas ações estão causando, de acordo com especialistas, e que vêm sendo citadas em conteúdos de desinformação não só nas ruas, mas, principalmente, nas redes sociais. Para combater esse fenômeno, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre o que é consenso em relação à crise climática.

Este Comprova Explica abre uma nova frente de verificações no Projeto Comprova. A desinformação em torno das mudanças climáticas passa a ser, juntamente com eleições e políticas públicas em nível federal, um dos focos do Comprova em 2024.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar na internet publicações relacionadas às mudanças climáticas. Reportagens e relatórios de órgãos meteorológicos, citados abaixo, foram consultados para a elaboração deste texto.

A equipe também entrevistou o geólogo José Maria Landim Dominguez, da UFBA, e a bióloga Mariana Vale, doutora em Ecologia pela Universidade de Duke, dos Estados Unidos, e uma das autoras do mais recente relatório do IPCC, da ONU.

O que são mudanças climáticas?

De acordo com esta publicação da ONU, as mudanças climáticas são “transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima”. Elas podem ser naturais – influenciadas pela variação no ciclo solar, por exemplo. Ou podem ser provocadas por uma desregulação do efeito estufa, que gera um aumento da temperatura do planeta, causando assim as mudanças climáticas.

O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) explica que o efeito estufa é um fenômeno natural que faz com que a temperatura na superfície da Terra seja favorável à existência de vida no planeta. Esse efeito permite que parte do calor do sol que entra pela atmosfera fique retido, regulando a temperatura na Terra. Sem ele, a média da temperatura na superfície seria de -18ºC, e não de 15ºC, como temos hoje.

As mudanças climáticas partem da desregulação do efeito estufa, provocada pelo excesso de emissão de gases por conta da carbonização da economia desde a revolução industrial. Esses gases dificultam ainda mais a saída do calor pela atmosfera, aumentando a temperatura média do planeta, o que desperta um efeito em cadeia que intensifica e aumenta a ocorrência de eventos extremos.

“Desde 1800, as atividades humanas têm sido o principal impulsionador das mudanças climáticas, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás”, diz a ONU, que chama a atenção para o fato de que as mudanças climáticas não significam apenas aumento na temperatura, mas alterações em outras áreas, como secas intensas, escassez de água, incêndios severos, aumento do nível do mar, inundações, derretimento do gelo polar, tempestades catastróficas e declínio da biodiversidade.

Consenso científico

De acordo com o dicionário Michaelis, a palavra consenso significa “concordância ou unanimidade de opiniões, raciocínios, crenças, sentimentos etc. em um grupo de pessoas; decisão, opinião, deliberação comum à maioria ou a todos os membros de uma comunidade”.

Na ciência, não é diferente. Como explica em vídeo o imunologista Helder Nakaya, pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, “o consenso tem a ver com o fato de que há tantas evidências que suportam algum fenômeno que não há dúvida entre os cientistas do que está mais próximo da verdade”.

Na animação, ele dá um exemplo ligado às mudanças climáticas: “Se muitos estudos demonstram o papel do homem no aquecimento global, por exemplo, se torna consenso entre os cientistas dessa área que isso é real”. Como ele pontua, “ter um ou outro cientista que pensa diferente não altera a realidade, mas, obviamente, confunde, sim, quem não é o especialista”. Segundo Nakaya, isso acontece porque, quando ouve alguém que pensa diferentemente da maioria, a pessoa acredita que a comunidade científica está dividida, “quando isso não é o que acontece”.

Ação humana e crise climática

Considerando o exposto acima, de que consenso é o que a maioria dos cientistas concordam, embora não seja unanimidade, é consenso que as mudanças climáticas são causadas pela atividade humana, como mostra o mais recente resumo para formuladores de políticas públicas, do IPCC. “As atividades humanas, principalmente por meio das emissões de gases com efeito de estufa, inequivocamente causaram o aquecimento global “, informa o estudo.

Outro levantamento, realizado em 2021 pela Universidade Cornell, dos Estados Unidos, analisou 90 mil estudos e chegou à mesma conclusão: 99,9% dos cientistas concordam que a crise climática é causada pelo homem.

Como explicou ao Comprova o geólogo José Maria Landim Dominguez, da UFBA, existe um consenso na comunidade científica de que a causa principal das mudanças climáticas são as emissões de gases de efeito estufa (GEE) relacionadas às diferentes atividades humanas, principalmente à queima de combustíveis fósseis (hidrocarbonetos e carvão) e desmatamento, mas também à agricultura e à produção de cimento, por exemplo.

“Sempre se soube que o dióxido de carbono (CO2) é um gás estufa muito potente. Desde o século XIX já existiam cientistas que chamavam a atenção que a queima do carvão eventualmente contribuiria para o aumento da temperatura do planeta. As mudanças climáticas são resultado do aumento da temperatura do planeta e existem várias medidas instrumentais que mostram que a temperatura média do planeta já subiu mais de 1ºC desde a era pré-industrial (1850-1900)”, afirma.

No último dia 24 de janeiro, pesquisadores do World Weather Attribution (WWA), um consórcio formado por cientistas de diversas partes do mundo, apontaram que foram as mudanças climáticas – e não o El Niño – o responsável pela seca excepcional na Bacia do Rio Amazonas ao longo de 2023. Lá, a seca é impulsionada pelo baixo nível de precipitação associado às altas temperaturas.

Os pesquisadores apontaram que as populações altamente vulneráveis foram muito mais atingidas pelos impactos da seca, o que foi agravado por “práticas históricas de gestão de terras, água e energia, incluindo desmatamento, destruição de vegetação, incêndios, queima de biomassa, agricultura corporativa, pecuária e outros problemas socioclimáticos que diminuíram a capacidade de retenção de água e umidade do terra e, portanto, piorou as condições de seca”.

O estudo foi tema de reportagem da BBC, que mostrou que, em um mundo onde a atividade humana não tivesse aquecido o planeta, uma seca assim aconteceria uma vez a cada 1.500 anos. As mudanças climáticas provocadas pelo homem, contudo, tornaram uma seca como a da Bacia do Rio Amazonas 30 vezes mais provável – e, agora, espera-se que ela aconteça uma vez a cada 50 anos.

Consenso na mira da desinformação

Para geólogo José Maria Landim Dominguez, apesar do consenso na quase totalidade da comunidade científica a respeito da responsabilidade humana sobre as mudanças climáticas, ainda há um grupo de negacionistas, ou “semeadores de dúvidas”, que não acreditam nisso, sob o argumento de que o homem não seria capaz de promover tal mudança e que outras alterações já aconteceram no passado.

“Realmente, na história passada da Terra, quando o homem ainda não tinha surgido, tais mudanças ocorreram, mas se desenvolveram ao longo de escalas de tempo muito dilatadas, de alguns milênios. Hoje, as mudanças estão ocorrendo em uma escala de tempo de algumas décadas a um ou dois séculos e não podem ser explicadas apenas por variações naturais de emissões de CO2 ou variações de luminosidade do sol”, aponta.

Para Landim, o argumento desses grupos não se sustenta. “É contraditório que aqueles que consideram o homem como um novo agente geológico, a ponto de batizarem uma nova era geológica de Antropoceno, considerem ao mesmo tempo que suas atividades não são capazes de alterar a composição da atmosfera a ponto de desencadear mudanças climáticas”, completa.

Desinformação de cara nova

Para Mariana Vale, uma das autoras do último relatório do IPCC, da ONU, é preciso considerar que as formas de disseminar desinformação sobre mudanças climáticas mudaram nos últimos tempos. Ela considera que não se nega mais as mudanças climáticas, nem que elas foram causadas pelo homem. No entanto, nega-se que essas mudanças sejam um problema, bem como a possibilidade de que as soluções propostas funcionem.

“Como já ficou praticamente impossível negar as mudanças climáticas, porque elas estão acontecendo diante dos nossos olhos, e também a quantidade de evidências científicas de que o homem é o principal ator por trás dessas mudanças, esses negacionistas climáticos começaram a se concentrar em criar fake news em torno das soluções, desacreditar as soluções que são propostas a partir de evidências científicas”, diz Vale, que é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tem as mudanças climáticas entre os principais temas de suas produções acadêmicas.

Para ela, há algo de positivo nisso, pois mostra que a sociedade se convenceu de que as mudanças climáticas são reais e estão acontecendo. Mas ela aponta um novo desafio: “demonstrar que existe evidência científica de que as soluções propostas são viáveis e têm que ser implementadas o quanto antes”.

As soluções, afirma Vale, passam pela decarbonização da economia em escala global e, especificamente no contexto do Brasil, também pela conservação de florestas – a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica – e no reflorestamento, sobretudo da Mata Atlântica e do Cerrado, os dois biomas brasileiros mais degradados.

Para combater a desinformação sobre o tema, os cientistas têm recorrido à geração de informação de qualidade: “São evidências científicas a partir de dados robustos, e isso a gente gera em abundância já há muito tempo. O importante é conseguir aliados, e há muitos aliados que trabalham para difundir essa informação”, afirma Vale, citando ONGs especializadas, mídias alternativas, redes sociais e mídia convencional, como jornais que replicam a informação correta.

Relação entre mudanças climáticas e desinformação

O 19º relatório do Fórum Econômico Mundial sobre riscos globais, publicado em janeiro deste ano, aponta que os eventos climáticos extremos e a desinformação são os dois maiores riscos globais em curto e longo prazo. Nos próximos dois anos, a desinformação aparece no topo da lista dos dez principais riscos, seguida imediatamente dos eventos climáticos extremos.

Já no prazo de dez anos, os quatro primeiros itens da lista envolvem questões climáticas: eventos climáticos extremos; mudanças críticas nos sistemas da Terra; perda de biodiversidade e colapso de sistemas; e escassez de recursos naturais. O próximo item do ranking, não por acaso, é a desinformação.

Pesquisador do Global Change Institute, da Universidade de Queensland, na Austrália, John Cook mantém desde 2007 o site Skeptical Science (Ciência Cética, em tradução livre), que atua desbancando mitos em torno do aquecimento global com base em evidências científicas.

Entre os argumentos usados por aqueles que negam as mudanças climáticas estão as teses de que “o clima já mudou antes”, o aquecimento global “não é ruim”, “não há consenso científico”, que “animais e plantas podem se adaptar” e até que a Terra “está esfriando” e que a Antártida está “ganhando gelo”.

Todos os argumentos são desbancados por artigos, a exemplo deste que aponta que há consenso de 99% dos cientistas sobre o aquecimento global ser provocado, principalmente, pela atividade humana – o que reafirma o artigo de 2021 da Universidade de Cornell, citado acima –, ou este outro, que mostra como os impactos negativos do aquecimento global são muito maiores do que quaisquer aspectos positivos. Também não é verdade que a Antártida esteja ganhando gelo ou que a Terra esteja esfriando.

O geólogo José Maria Landim Dominguez acrescenta outras alegações que também foram sendo descartadas ao longo do tempo, como é o caso da tese de que a luminosidade do sol poderia aumentar a temperatura global – investigada e descartada. “Outros processos como emissões naturais de CO2 devido à atividade vulcânica foram investigados e não conseguem explicar o aumento verificado”, afirma.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. Mentiras sobre as mudanças climáticas, tirando a responsabilidade do homem sobre elas, são perigosas por sugerir que podemos continuar degradando o meio ambiente sem olhar para as consequências. Por isso, é importante que as pessoas tenham acesso a informações verificadas, como as trazidas neste texto.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou diversos conteúdos ligados à crise climática, como o que mentia ao afirmar que a retirada de gado de áreas rurais tem a ver com a venda da Amazônia pelo governo – na verdade, a medida era para combater o desmatamento ilegal. Classificou como enganoso um post afirmando que a Amazônia não estava queimando e um vídeo que, entre outros erros, distorce falas do presidente Lula (PT) sobre mudanças climáticas.