O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Investigado por: 2022-08-11

Entenda o que é e como funciona a fiscalização do código-fonte das urnas eletrônicas

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O código-fonte das urnas eletrônicas é a linguagem de computador em que os aparelhos são programados. Para garantir que não haja nenhuma falha de operação nas urnas, o código-fonte pode ser fiscalizado por entidades que fazem parte da Comissão de Transparência das Eleições (CTE), como as Forças Armadas. Para as eleições deste ano, as entidades foram avisadas, por meio de ofício em 2021, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dos prazos. Mesmo a inspeção estando aberta desde outubro do ano passado, as Forças Armadas só realizaram a solicitação em 1° de agosto deste ano. O pedido, classificado como “urgentíssimo” pelo Ministério da Defesa, foi interpretado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro como uma forma de pressão sobre o TSE e ensejou debate sobre o processo de inspeção.

Conteúdo analisado: Post da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) em que ela comenta sobre o pedido do Ministério da Defesa ao TSE para inspeção do código-fonte das urnas eletrônicas em caráter “urgentíssimo”.

Comprova Explica: A dois meses das eleições presidenciais, a segurança das urnas eletrônicas é alvo frequente de críticas e questionamentos. Uma das formas de comprovar a lisura dos aparelhos é por meio da inspeção do código-fonte, que pode ser realizada por entidades da sociedade civil e partidos políticos meses antes do pleito. O tema vem sendo debatido nas redes sociais uma vez que o prazo para realizar a fiscalização, que começou em outubro de 2021, se encerra em setembro.

A inspeção do código-fonte, conjunto de símbolos que formam um programa de computador e dão as instruções para que aquele sistema opere, foi abordada por Carla Zambelli (PL-SP) em uma publicação no Facebook. No post, a deputada federal menciona o pedido “urgentíssimo” feito pelas Forças Armadas ao TSE para realizar a fiscalização, em uma tentativa de retratar a solicitação como uma exigência dos militares.

Diante da proximidade da votação e da repercussão da publicação, o Comprova decidiu explicar o que é o código-fonte das urnas, como funciona sua inspeção e qual a importância da fiscalização para a segurança do sistema eleitoral brasileiro.

O que é código-fonte das urnas?

O código-fonte é um conjunto de linhas de programação que contém todas as instruções necessárias para que um software funcione. De acordo com o TSE, ele é um conjunto de arquivos de texto contendo todas as instruções que devem ser executadas pelas urnas, expressas de forma ordenada numa linguagem de programação. Essas instruções determinam o que um programa de computador deve fazer – o que ele deve apresentar e como ele deve se comportar.

Uma linguagem de programação é o meio pelo qual os programadores expressam os comandos que devem ser executados por um computador. Em geral, uma linguagem de programação mistura elementos de uma linguagem natural (inglês) com elementos de notação matemática (operações aritméticas).

Na explicação dos professores Paulo Matias, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e Diego F. Aranha, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, o código-fonte é como se fosse uma receita para o funcionamento de um programa. Os dois trabalharam juntos no Teste Público de Segurança do TSE de 2018 e explicam que o código-fonte funciona como uma receita escrita pelos desenvolvedores para especificar o comportamento de um programa como uma sequência de comandos e instruções.

Por que abrir o código-fonte é importante

No caso das urnas, o TSE tem a obrigação, pela Resolução TSE n° 23.673/2021, de abrir o código-fonte antes das eleições para que entidades possam fiscalizar se há algum problema. Ou seja, ao avaliar o código-fonte, é possível saber se o software está programado para operar corretamente ou se tem alguma falha de programação.

De forma geral, segundo os dois especialistas consultados pelo Comprova, abrir o código-fonte para que outras instituições fiscalizem já foi uma prática não aceita para que ninguém encontrasse vulnerabilidades, porém, hoje, até mesmo grandes empresas, como as responsáveis pelo Linux (sistema usado pelas urnas), Firefox, Chrome e pelo sistema operacional Android para celulares, costumam divulgar códigos sensíveis para garantir que não haja nenhuma falha em seus softwares. Segundo os pesquisadores, muitas empresas avaliam que essa abordagem de esconder o código-fonte retarda eventuais melhorias, já que quanto mais olhos conseguem analisar um software, mais provável uma pessoa bem intencionada alertar sobre uma falha.

De acordo com o professor Jéferson Campos Nobre, do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que representou a instituição na verificação no TSE este ano, as entidades podem ter acesso a todos os programas da urna e conseguem se certificar de que tudo está funcionando. “É possível verificar todos os programas, sem nenhuma restrição, que são executados nas urnas”, explica.

Melhorias no sistema

No caso do TSE, os especialistas avaliam que seria necessário realizar melhorias nas possibilidades de inspeção. Segundo Matias e Aranha, as entidades fiscalizadoras têm acesso a uma versão do código-fonte que exige muitas horas de trabalho para que se consiga examiná-lo. O ideal seria que qualquer pessoa pudesse acessar de qualquer lugar. “É uma base bastante grande, da ordem de dezenas de milhões de linhas, o que exige um esforço descomunal de múltiplos inspetores qualificados para realizar a cobertura de uma fração razoável do código. Não há a possibilidade de compilar os programas ou carregar suas versões modificadas em urna eletrônica, o que dificulta muito o entendimento de certas partes”, afirmam Matias e Aranha, em resposta conjunta enviada ao Comprova.

Recentemente, afirmam os analistas, o TSE passou a permitir a utilização de ferramentas de análise para o exame dos códigos-fonte das urnas, o que melhora a capacidade de atuação dos analistas. Ainda assim, acreditam que a inspeção, nos moldes atuais, “não seria capaz de detectar muitos problemas de segurança”. A recomendação deles é de que o TSE amplie as possibilidades aos analistas, para além das dependências do TSE. “Pesquisadores trabalhando no conforto de suas casas ou escritórios, e podendo utilizar todas as ferramentas que tivessem ao seu alcance, fariam um trabalho muito mais efetivo.”

Apesar da ressalva, Jéferson Campos Nobre afirma que o sistema eletrônico de votação é confiável, e ressalta que a verificação do código-fonte é só uma das etapas que garantem a segurança das urnas. “Os mecanismos são usados em conjunto para assegurar a segurança das urnas. A verificação é uma dessas etapas. Tem vários mecanismos. Nós confiamos no sistema público de votação. Um trabalho de mais de duas décadas da Justiça Eleitoral. Um case de sucesso para o mundo.”

Ao Comprova, o TSE afirmou que o ambiente disponibilizado para a análise do código-fonte reúne “todas as condições para que os técnicos façam uma ampla avaliação dos sistemas, inclusive em busca de hipotéticos problemas de segurança”.

“A inspeção de código-fonte dos sistemas eleitorais se presta a uma ampla avaliação de todas as instruções e comandos que fazem o software funcionar. Essa análise inclui também a verificação de elementos relacionados à segurança da informação. O ambiente de inspeção também conta com ferramentas de análise estática de código e busca indexada, assim como a documentação dos sistemas.”

O pedido “urgentíssimo” da Defesa e o processo de inspeção para as eleições de 2022

Em 1º de agosto deste ano, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enviou para o TSE um pedido “urgentíssimo” para que as Forças Armadas pudessem fazer a inspeção do código-fonte das urnas entre os dias 2 e 12 de agosto.

O pedido foi aceito, mas o caráter de urgência adicionado a ele acabou tendo destaque nas redes sociais devido à pressão que o governo de Jair Bolsonaro vem realizando contra o TSE e o sistema eleitoral.

A urgência se deve, no entanto, apenas ao fato de que as Forças Armadas perceberam somente agora, a dois meses da eleição, a necessidade de acessar o código-fonte das urnas. Em nota, o Ministério da Defesa disse que chegou a essa conclusão depois que a instituição estudou o sistema eleitoral. “A partir de novos estudos e com o amadurecimento do conhecimento acerca do processo eleitoral como um todo, os técnicos militares entenderam ser necessário acessar as partes mais relevantes do sistema”, afirmou.

As Forças Armadas tinham a possibilidade de inspecionar o código-fonte que será utilizado em 2022 há quase um ano. Desde outubro de 2021, representantes técnicos dos partidos políticos, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), das Forças Armadas, da Polícia Federal e de universidades, entre outras instituições, podem inspecionar o código-fonte das urnas para as eleições deste ano.

De acordo com o TSE, um ofício foi enviado em 2021 para todas as entidades fiscalizadoras do processo eleitoral com o calendário da inspeção, incluindo as Forças Armadas.

Segundo reportagem do G1, um ofício direcionado ao então ministro Walter Braga Netto em 6 de outubro de 2021 comprova que o TSE convidou o Ministério da Defesa a inspecionar o código-fonte das urnas eletrônicas com antecedência.

No documento, assinado pelo então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, havia o alerta de que as entidades poderiam fiscalizar os códigos-fonte “a qualquer tempo até a Cerimônia de Assinatura Digital e Lacração dos Sistemas para as Eleições 2022″, que deve ocorrer até 2 de setembro.

A cerimônia de abertura dos códigos-fonte dos sistemas eleitorais foi realizada pelo TSE no dia 4 de outubro do ano passado. Tradicionalmente, a fiscalização dos códigos ocorria nos seis meses que antecedem as eleições. Em 2021, no entanto, o prazo foi ampliado para um ano.

Atualmente, a inspeção é feita dentro do TSE, mas existe um projeto-piloto para que as instituições possam fiscalizar os códigos-fonte dos sistemas eleitorais nas próprias dependências, dispensando o comparecimento ao Tribunal.

Segundo o TSE, a fiscalização pode ser realizada pelo uso de ferramentas de análise de código de mercado. Duas ferramentas são disponibilizadas pelo TSE: Understanding C e Source Navigator. Além disso, os representantes podem solicitar melhorias, tirar dúvidas, ou conversar com a equipe técnica. Segundo o tribunal, a cerimônia é documentada e utilizada para melhoria contínua do processo. De acordo com a Resolução TSE n° 23.673/2021, a corte eleitoral tem 10 dias para responder as dúvidas que possam surgir durante o processo.

As entidades fiscalizadoras têm até o fim de agosto para fazer a verificação. Para estas eleições, a urna já foi inspecionada pela Controladoria-Geral da União (CGU), Ministério Público Federal (MPF), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Senado Federal.

O Senado informou ao Comprova que, pela resolução do TSE, as avaliações decorrentes da inspeção estão cobertas por Termo de Sigilo e Confidencialidade. O MPF também informou que não divulga o relatório.

Já a UFRGS explicou ao Comprova que não detectou nenhum problema de segurança nas urnas. Porém, a intenção da vistoria foi colher informações sobre o sistema eleitoral para elaboração de um documento simplificado de como ele funciona. “A nossa percepção é de que não tem um problema de segurança específico, mas que seria muito importante que mais pessoas conhecessem. Então, seria necessário um documento que descrevesse de forma simplificada o sistema de votação. Nós gostaríamos de ter um documento que fosse mais fácil de ser lido. Nós queríamos ampliar os nossos conhecimentos para produzir esse documento”, afirmou o professor Jéferson Campos Nobre, que representou a instituição.

O Partido Verde e o Partido Liberal, ao qual o presidente Jair Bolsonaro é filiado, estiveram na Corte no ano passado, mas não fiscalizaram os códigos. O PTB fiscalizou entre os dias 2 e 5 de agosto, e a Polícia Federal tem previsão de visitar o tribunal entre os dias 22 e 26.

Em 3 de agosto, o Ministério da Defesa enviou nove militares ao TSE para começar a inspeção do código-fonte das urnas. A análise deve se encerrar no dia 12.

Até o momento, segundo o Tribunal, as instituições que realizaram a análise do código-fonte dos sistemas eleitorais não entregaram qualquer tipo de relatório sobre o trabalho realizado para o TSE. No entanto, o órgão destaca que não há a exigência da entrega desse tipo de documentação. O que existe é a demanda para que os técnicos reportem ao TSE de imediato qualquer vulnerabilidade ou defeito que venham a ser encontrados no código-fonte. O Comprova questionou as entidades fiscalizadoras. Nenhuma delas disse ter encontrado fragilidades no código-fonte das urnas.

Por que explicamos: Em seu escopo usual, o Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. Já o Comprova Explica é uma ferramenta utilizada para que os leitores entendam um conteúdo que está viralizando e causando confusão. O código-fonte é a linguagem em que as urnas eletrônicas são programadas. É importante que a população compreenda que sua fiscalização é um procedimento habitual do processo eleitoral e serve para garantir que não haja risco de falhas nas urnas eletrônicas.

Outras publicações sobre o tema: No dia 5 de agosto, o UOL Confere publicou uma verificação afirmando que as Forças Armadas não tiveram “acesso dificultado” ao código-fonte das urnas.

Em outras verificações, o Comprova já mostrou que é falso que TSE tem 32 mil urnas grampeadas com o objetivo de fraudar a eleição, que pesquisas eleitorais seguem métodos científicos e que não é verdade que existe documento “secreto” revelando problemas na apuração das eleições de 2018.

 

 

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Investigado por: 2022-06-17

Entenda projeto do governo federal que permite a penhora de casas por bancos

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Projeto de autoria da presidência da República, já aprovado na Câmara dos Deputados e agora sob análise do Senado Federal, cria o Marco Legal das Garantias de Empréstimos. Na prática, o texto altera aspectos previstos na Lei da Impenhorabilidade do bem de família (Lei 8009/1990), que impede que o imóvel próprio do casal ou da entidade familiar seja penhorado desde que quitado. O novo marco legal cria a possibilidade de que as famílias tenham seu único imóvel penhorado, se ele for dado como garantia para tomar financiamento em um banco. O governo federal argumenta que o texto tem o potencial de estimular a redução das taxas de juros, elevar o número de alternativas de crédito e diminuir os custos operacionais para as instituições financeiras. Já para a oposição, contrária à medida, o projeto cria o risco de uma “bolha” com o excesso de empréstimos.

Conteúdo analisado: Um vídeo divulgado no perfil Nova Ordem Mundial, no Facebook, faz críticas ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), especialmente ao projeto recém-aprovado na Câmara dos Deputados – de autoria da presidência – instituindo o Marco Legal das Garantias de Empréstimos. O autor do vídeo critica o fato de que bancos e outras instituições financeiras poderão penhorar o único imóvel de uma família que esteja em dívida.

Conclusão: Em 1º de junho de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL) 4.188/21, que institui um marco legal para o uso de garantias destinadas à obtenção de crédito. Se aprovado, o texto vai permitir, entre outros pontos, que um imóvel dado como garantia de uma dívida seja penhorado, mesmo que seja o único bem da família – hoje, existe a impenhorabilidade desse tipo de bem.

Conteúdos que circulam nas redes sociais sobre o projeto de lei, como o vídeo publicado no perfil Nova Ordem Mundial que teve mais de 8,6 mil visualizações no Facebook , afirmam que “os bancos poderão tomar as casas de endividados”.

A gravação começa com uma ilustração de uma chamada “corrida dos ratos”, indicando que o brasileiro “trabalha para ganhar dinheiro, pagar contas, até ficar sem dinheiro e trabalhar novamente”, o que o autor classifica como um “ciclo vicioso”. Após a introdução, o autor chega a sugerir que o presidente Jair Bolsonaro (PL) “não só deve perder as eleições, como ser preso” para, em seguida, passar a falar do projeto de lei apresentado pelo governo. Ele também critica governos de esquerda.

Os bancos vão mesmo poder tomar as casas dos brasileiros? Em quais situações? Isso já pode acontecer? Foi o governo que criou a lei? Diante dos questionamentos, o Comprova decidiu explicar os pontos levantados no conteúdo.

Projeto de lei e autoria

O projeto de lei 4188/2021 é de autoria do Executivo, como mostra o site do Congresso Nacional. Esse Poder, de acordo com a Constituição em seu capítulo 76, “é exercido pelo presidente da República, auxiliado pelos ministros de Estado”.

Também conhecido como Novo Marco de Garantias, o texto foi apresentado no dia 25 de novembro de 2021. O PL foi aprovado pela Câmara dos Deputados na forma do substitutivo no início de junho de 2022. Agora, a proposta deve ser votada pelo Senado Federal.

O texto propõe um novo Marco de Garantias, o que, na visão do Ministério da Economia, faz com que “o cenário de crédito brasileiro” seja “aprimorado”. Ao justificar a proposta, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que ela “tem o potencial de estimular a redução das taxas de juros, elevar o número de alternativas de crédito e diminuir os custos operacionais para as instituições financeiras”. Já para a oposição, contrária ao projeto, ele cria o risco de uma “bolha” com o excesso de empréstimos. Bolha, no setor imobiliário, é quando ocorre um aumento do preço dos imóveis que “não condiz com os valores reais dos bens” – esse aumento pode ser resultado da alta procura, o que tende a ocorrer com juros mais baixos. O termo remete à crise financeira de 2008.

A versão original do governo federal passou por algumas alterações feitas pelo relator, o deputado federal João Maia (PL-RN). O parlamentar incluiu, por exemplo, a adoção de procedimentos de execução extrajudicial de bens. Isso significa que uma pessoa que, voluntariamente, colocar sua casa como garantia de uma dívida no contrato poderá perder o imóvel caso fique devendo.

“Hoje, isso não é permitido. Se o texto for aprovado no Senado, isso vai ser permitido”, explica o advogado Guilherme Botelho, professor da graduação e pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Ainda de acordo com o Ministério da Economia, “o Novo Marco de Garantias faz parte do programa Mais Garantias Brasil”, que prevê a modernização dos cartórios e o aprimoramento de garantias rurais, entre outros pontos.

Na abertura do ano legislativo, Bolsonaro citou o Marco Legal das Garantias como uma das prioridades para 2022 ao ler mensagem para o Congresso Nacional. Ainda segundo o Ministério da Economia, o PL facilita as garantias de crédito, reduz custos e juros de financiamentos e aumenta a concorrência.

I Legenda: Ilustração sobre o PL retirada do site da Câmara I

 

Governo propôs, mas não aprovou projeto

Em um trecho do conteúdo aqui analisado, o autor afirma, de forma equivocada, que o governo Bolsonaro foi o responsável pela aprovação do projeto de lei. Na sequência, ainda emenda: “então, quando eu digo que o Bolsonaro é o maior cúmplice do PT e merece ir para a cadeia, não é à toa, meus irmãos”.

O projeto, de fato, foi apresentado pelo Executivo – que detém prerrogativa para adotar essa medida, assim como qualquer deputado, senador, comissão da Câmara, do Senado ou do Congresso, além do procurador-geral da República, o Supremo Tribunal Federal, os tribunais superiores e cidadãos.

Os projetos começam a tramitar na Câmara, à exceção dos apresentados por senadores, que começam no Senado. O Senado funciona como Casa revisora para os projetos iniciados na Câmara e vice-versa. Se o texto da Câmara for alterado no Senado, volta para análise dos deputados. Da mesma forma, se um projeto do Senado for mudado pelos deputados, ele retorna aos senadores. A Casa onde o projeto se iniciou dá a palavra final sobre seu conteúdo, podendo aceitar ou não as alterações feitas na outra Casa.

Após aprovação nas duas Casas (Câmara e Senado), os projetos são enviados ao presidente da República para sanção ou veto.

No caso do Marco Legal das Garantias, o texto já aprovado na Câmara seguiu para o Senado, sem previsão para ser analisado.

Principais mudanças em relação aos imóveis

Frederico Henrique Viegas de Lima, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), explica que o projeto de lei não modifica os financiamentos em si, mas as garantias possíveis para o fornecimento de crédito.

Sobre a possibilidade de instituições financeiras tomarem a casa própria de pessoas endividadas, o especialista afirma que o texto aprovado muda a lei sobre a impenhorabilidade de imóvel (Lei 8.009/90), que coloca a salvo a casa própria de uma família.

Atualmente, o imóvel de família só pode ser usado como garantia do financiamento do próprio imóvel e leiloado se o financiamento imobiliário não for pago. Outros casos dependem de decisão judicial.

Com o PL, os bancos poderão tomar casas próprias em situações como: quando for demonstrado que a família se beneficiou ao colocar o imóvel como garantia ou quando restar caracterizada a vontade do proprietário em dar a casa como garantia, assumindo os riscos.

“Daí, altera-se a lei da impermeabilidade do bem de família para estabelecer que, de qualquer forma, sendo o estabelecimento da garantia um ato de vontade do titular do imóvel, caso ele dê esse bem de garantia, não importa qual é o motivo, aquele imóvel pode ser penhorado mesmo sendo onde reside a família”, continua.

O especialista em direito imobiliário comenta que outra das principais alterações, caso o texto venha a ser aprovado, é que um imóvel poderá ser dado como garantia em vários financiamentos diferentes, tendo como limite o próprio valor. Atualmente, imóveis só podem ser dados como garantia em uma única operação e de quantia menor.

Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos sobre pandemia, eleições e políticas públicas que atinjam alto grau de viralização nas redes sociais. Já o “Comprova Explica” serve como instrumento para que os leitores entendam um conteúdo que está viralizando e causando confusão, caso do vídeo analisado aqui. O post checado cita o presidente e pré-candidato à reeleição, Jair Bolsonaro. Conteúdos falsos ou enganosos que envolvem atores políticos oferecem prejuízos ao processo democrático e atrapalham a decisão do eleitor, que deve ser tomada com base em informações verdadeiras.

Outras publicações sobre o tema: Em meio às dúvidas relativas ao assunto, o novo Marco Legal das Garantias foi tema de uma reportagem do Valor Econômico que responde se o banco poderá tomar casa de devedor.

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Investigado por: 2022-03-16

Pesquisas eleitorais seguem métodos científicos, ao contrário de enquetes; entenda

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Pesquisas eleitorais e de opinião diferem de enquetes informais porque seguem métodos científicos para garantir que a amostra de pessoas entrevistadas é representativa da população como um todo, buscando eliminar possíveis distorções e vieses. São enganosos os posts que tentam desacreditar as pesquisas eleitorais com o vídeo de uma consulta feita pelo humorista Sérgio Mallandro à sua plateia em um show. A enquete só mostra a opinião daquele grupo específico, e não pode ser usada para tirar conclusões sobre a população em geral, dizem especialistas ouvidos pelo Comprova.

Conteúdo analisado: Um vídeo compartilhado por políticos e personalidades que apoiam o presidente Jair Bolsonaro (PL) mostra trecho de um show de stand-up do humorista Sérgio Mallandro. O comediante pergunta à plateia se votariam em uma série de pré-candidatos à Presidência da República em 2022. O público irrompe em gritos e aplausos quando o nome de Bolsonaro é mencionado, indicando que a maioria ali votaria por sua reeleição. Os posts usam o vídeo para descreditar as pesquisas eleitorais que mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à frente nas intenções de voto. O Comprova preparou um conteúdo explicativo para mostrar por que pesquisas eleitorais são mais confiáveis do que enquetes.

 

Pesquisas eleitorais são alvos frequentes de críticas e questionamentos de políticos, em especial de candidatos insatisfeitos com suas posições nos resultados de intenção de voto. As redes sociais facilitaram o compartilhamento de outros tipos de levantamento de opinião, inclusive por meio de funções de enquete disponíveis em plataformas como Facebook e Twitter, que por vezes são usados para contestar os institutos de pesquisa.

Um exemplo disso é um vídeo que tem sido compartilhado do comediante Sérgio Mallandro fazendo uma consulta com a plateia em um de seus shows, realizado em 5 de março de 2022. O humorista pede que as pessoas levantem a mão caso tenham intenção de votar em uma série de pré-candidatos à Presidência em 2022: Sergio Moro (PODE), Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Lula (PT) ou Jair Bolsonaro (PL), apresentados nesta ordem.

Algumas pessoas levantam as mãos para os primeiros candidatos mencionados, mas o público irrompe em gritos e aplausos para Bolsonaro, indicando que a maioria dos presentes ali votariam por sua reeleição. O vídeo foi publicado por vários políticos e comentaristas apoiadores do presidente com textos que questionam os resultados dos institutos de pesquisa. O ex-presidente Lula lidera a maioria das pesquisas sobre o cenário nacional, com Bolsonaro em segundo lugar.

Diante dos questionamentos, o Comprova decidiu explicar por que enquetes não podem ser usadas para fazer inferências sobre as intenções de voto da população em geral, e o que as difere das pesquisas eleitorais registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Pesquisas x Enquetes

A principal diferença entre uma pesquisa eleitoral e uma simples enquete está na aplicação dos resultados. A pesquisa pode ser usada para inferir as intenções de voto de um universo maior (toda a população de um país, ou de uma dada região), enquanto a enquete só informa sobre as intenções daquele grupo específico que a respondeu — os resultados não podem ser extrapolados para a população em geral.

Isso porque a pesquisa é feita com uma amostra cientificamente calculada da população, a fim de representar o grupo como um todo e eliminar vieses, segundo explica Oswaldo Amaral, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop-Unicamp). “[A amostragem é feita] a partir de técnicas que vem da análise estatística, da probabilística, que garantem que aquele número de eleitores entrevistados é capaz de dar uma representação relativamente fiel, dentro de uma margem de erro e um índice de confiança, da opinião da população como um todo”, diz o especialista.

Para montar essa amostra, é considerada uma série de critérios (conhecidos na estatística como “variáveis”) para aproximar o grupo de entrevistados da composição real da população, como raça, gênero, escolaridade, ocupação, etc. As variáveis usadas podem diferir entre os institutos de pesquisa. “É como quando você está cozinhando uma sopa”, afirma Amaral. “Você não vai tomar a sopa inteira para ver se ela está salgada ou não. Você mistura bem, deixa ela bem uniforme, e prova apenas um pedacinho. Aquele pedaço que você prova é uma amostra, e aí você pode extrapolar para toda a panela de sopa”.

Similarmente, pesquisas eleitorais entrevistam um grupo reduzido (de centenas ou milhares de pessoas) para inferir a opinião de milhões. O público pode conferir o relatório das pesquisas para avaliar se a amostragem usada pelos institutos foi bem construída, “para avaliar se as pesquisas foram construídas sem defeitos amostrais que possam enviesar os resultados”, diz o professor.

Já as enquetes, que se popularizaram nas redes sociais, não levam em consideração critérios científicos na montagem da amostra, e por isso são vulneráveis a distorções e vieses. Seguindo outro exemplo do professor, imagine que alguém decida realizar uma enquete na porta do Maracanã, no Rio de Janeiro, num dia de jogo do Flamengo contra o Madureira. “99,9% das pessoas vão dizer que torcem para o Flamengo”, diz Amaral, porque o Maracanã é o estádio do Flamengo e do Fluminense. Mas não se pode dizer, a partir desses resultados, que 99,9% das pessoas acompanhando a partida no país — seja pela televisão, rádio ou outros meios — torcem para o Flamengo.

O mesmo problema se aplica à enquete realizada por Sérgio Mallandro, um humorista com histórico de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Em 2018, quando ainda era candidato à Presidência, Bolsonaro compareceu com a família a um show de stand-up de Mallandro. O comediante chamou o então presidenciável ao palco e disse que ele seria eleito se falasse “há ieié glu glu”. Bolsonaro concordou e repetiu as palavras. Depois da eleição, um programa da rádio Jovem Pan chegou a brincar que o presidente devia a sua vitória àquela aparição no show de Mallandro. Durante a crise hídrica de 2021, o governo Bolsonaro escalou o humorista em uma propaganda promovendo a economia de energia.

Considerando esse histórico, é plausível que o público de um stand-up de Sérgio Mallandro conte com uma proporção maior de apoiadores de Bolsonaro do que o todo da população brasileira, o que explica a divergência da sua enquete com os resultados das pesquisas eleitorais. O levantamento feito pelo humorista só serve para saber as intenções de voto de quem estava na plateia naquela noite, e não deve ser usado para fazer inferências sobre o cenário nacional e tampouco para descreditar as pesquisas feitas por institutos sérios.

Isso também vale para enquetes realizadas na internet, seja por meio das redes sociais ou em sites específicos. Conforme o Comprova já mostrou em verificações anteriores (1 e 2), essas enquetes são feitas sem controle da amostra de entrevistados, dependendo da participação espontânea dos respondentes.

Como é feito o questionário

Enquanto enquetes como a feita por Sérgio Mallandro muitas vezes fazem somente uma pergunta sobre a opinião do público, as pesquisas eleitorais levantam também informações sobre raça, idade, profissão, local de moradia e renda familiar dos entrevistados, o que permite a realização de análises que considerem a proporção dessas diferentes variáveis na composição da população.

Pesquisas eleitorais ainda têm um cuidado maior na elaboração das perguntas, conforme explica Rodolfo Costa Pinto, cientista político e diretor do instituto PoderData. “Uma pesquisa envolve várias etapas, a principal sendo a redação do questionário, considerando como cada palavra pode influenciar as escolhas do respondente e como a ordem das questões também pode influenciar as respostas”, disse ao Comprova.

Há também diferentes modalidades de consulta feitas pelos institutos de pesquisa, geralmente aplicadas em um mesmo levantamento. No método espontâneo, o próprio entrevistado indica em quem pretende votar, sem que o entrevistador cite nomes de candidatos. O respondente pode inclusive apresentar o nome de alguém que nem anunciou candidatura. Já no método estimulado (mais próximo do que fez Sérgio Mallandro), o entrevistador apresenta os nomes dos candidatos e pede que o respondente escolha um deles. Também podem ser considerados vários cenários eleitorais, de primeiro e segundo turno, apresentando diferentes combinações de candidatos.

As pesquisas podem ser quantitativas, quando o objetivo é coletar dados e apontar preferências eleitorais. Elas geram os números de intenção de votos e rejeição e são as mais popularmente divulgadas. Mas também há pesquisas qualitativas, que têm intenção de compreender fenômenos e motivações individuais que não são mensuráveis. Essas são utilizadas por partidos e candidatos para definir estratégias de campanha e, apesar de serem registradas no Tribunal Superior Eleitoral, não são divulgadas.

Resultados das pesquisas em eleições passadas

Por serem projeções feitas a partir de uma amostragem, as pesquisas eleitorais estão sujeitas a inconsistências e falhas. Por isso, são acompanhadas sempre de uma margem de erro, que mostra uma possível oscilação nos resultados — geralmente, de 1 a 4 pontos percentuais, para mais ou para menos. Para eliminar essa margem de erro, seria necessário entrevistar todas as milhões de pessoas com idade para votar na cidade, estado ou país, o que é inviável.

Mesmo com essas limitações, nas mais recentes eleições presidenciais no Brasil, os principais institutos de pesquisa chegaram perto do resultado das urnas. Na última pesquisa publicada em 2018, o Ibope apontava que Jair Bolsonaro teria 36% dos votos; Fernando Haddad, 22%; Ciro Gomes, 11%; e Geraldo Alckmin, 7%. Já o instituto Datafolha apontava os mesmos números para Bolsonaro, Haddad e Alckmin, mudando apenas as intenções de voto de Ciro Gomes para 13%. Depois de fechadas as urnas do primeiro turno, Bolsonaro teve 46% dos votos válidos; Fernando Haddad, 29%; Ciro Gomes, 12%; e Geraldo Alckmin, 4%.

No segundo turno, a última pesquisa divulgada pelo Ibope apontava 54% de intenções de voto para Bolsonaro e 46% para Haddad. Já o Datafolha mostrava 55% para Bolsonaro e 45% para Haddad. No resultado final, Bolsonaro teve 55% dos votos válidos e Haddad 44%.

Em 2014, a última pesquisa divulgada antes do primeiro turno pelo Ibope mostrava Dilma Rousseff com 40% das intenções de voto, Aécio Neves com 24% e Marina Silva com 21%. Já o Datafolha divulgou Dilma com 40%, Aécio com 24% e Marina com 22%. Na eleição, Dilma ficou com 41% dos votos válidos, Aécio com 33% e Marina com 22%.

Um levantamento do site Jota reuniu dados de todas as eleições para governador e presidente no Brasil entre 1998 e 2018 e das pesquisas divulgadas por Datafolha, Ibope, Vox Populi e Sensus para avaliar a influência do tempo que separa a realização da consulta e o dia da eleição. A conclusão foi de que pesquisas feitas mais próximas das eleições têm maior grau de acerto dos resultados. As pesquisas realizadas até 80 dias antes da eleição variaram 9 pontos percentuais do resultado real. Depois de 80 dias, esse número caiu progressivamente até 5 pontos percentuais, nos últimos dias antes da eleição.

Essa tendência é natural. Segundo especialistas, pesquisas eleitorais funcionam como “fotografias de um momento” e são mais precisas quando realizadas em série, de modo a acompanhar possíveis mudanças na opinião pública. “O objetivo de uma pesquisa eleitoral não é o de antecipar os resultados da eleição, mas sim o de mostrar o cenário no momento em que foi realizada”, afirmou Marcia Cavallari, diretora-executiva do Ipec (ex-Ibope Inteligência), à Agência Brasil. Quanto mais perto da data da votação, mais difícil é que os eleitores mudem suas escolhas de candidato.

O registro no TSE

Todas as pesquisas eleitorais, para serem divulgadas em ano eleitoral e terem valor legal, devem ser registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Para isso, precisam apresentar o nome de quem contratou o instituto para a realização da pesquisa, o valor pago, a origem do dinheiro, a metodologia utilizada, a amostragem, o sistema de verificação, o nome do estatístico responsável e o questionário que foi apresentado aos entrevistados.

A realização de enquetes ou pesquisas de opinião que não respeitem os parâmetros estabelecidos fica proibida a partir de 1º de janeiro em anos eleitorais, por determinação do TSE. Enquetes eleitorais não podem ser divulgadas em revistas ou jornais, tampouco por meio de redes sociais ou aplicativos de mensagens. Segundo o advogado Thiago Tommasi, especializado em direito eleitoral, mesmo as enquetes como as do vídeo analisado nesta checagem são ilegais e estão proibidas. “Qualquer material de pesquisa eleitoral para ser divulgado precisa respeitar as diretrizes estabelecidas pelo TSE. Fazer pergunta de intenção de voto em show ou qualquer evento público é vedado, assim como a divulgação do vídeo com a manifestação de quem seja”, disse ao Comprova.

Hoje existem cerca de 1.550 registros de empresas ou pessoas aptas a realizar pesquisas eleitorais no Brasil. A maioria realiza consultas qualitativas. Apenas em 2022, até o momento de publicação desta verificação, foram registradas 90 pesquisas no site do TSE, sendo 44 em âmbito nacional e 46 em estados.

Por que explicamos: O Comprova verifica conteúdos suspeitos que viralizam na internet sobre a pandemia da covid-19, políticas públicas e as eleições presidenciais deste ano. O foco é analisar publicações virais, que tiveram grande alcance nas redes sociais e podem confundir a população. Pesquisas eleitorais podem influenciar eleitores na escolha de um candidato antes da votação. É importante, portanto, que não sejam confundidas com enquetes sem método científico, que incluem possíveis vieses e distorções e não refletem o cenário nacional.

Alcance da publicação: Até o dia 16 de março, o vídeo da enquete no show de Sérgio Mallandro reuniu mais de 1 milhão de visualizações, juntando os números de apenas seis publicações no Facebook e Twitter. O conteúdo também circulava no WhatsApp.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já mostrou em outras verificações que enquetes realizadas em sites e por meio das redes sociais não têm valor científico e não podem ser usadas para determinar as intenções de voto da população como um todo.

Comprova Explica

Investigado por: 2022-01-31

Entenda por que eventos adversos graves pós-vacinação contra a covid-19 são raros e benefícios superam os riscos

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Comprova Explica
Os benefícios da vacina contra a covid-19 superam em muito o risco de eventos adversos graves. O Ministério da Saúde aponta que 92% das reações registradas desde o início da vacinação foram classificadas como não graves. Já a queda da mortalidade de pacientes com covid-19 no SUS foi de 37% no país. O risco de óbito pela doença é 56 vezes maior do que o risco de ocorrência de um evento adverso relacionado à vacinação. Apesar dos avanços, a campanha infantil tem esbarrado em leis conflitantes sobre a obrigatoriedade da imunização.
  • Conteúdo analisado: Diversas publicações feitas em redes sociais têm questionado efeitos adversos graves e até mortes ocorridas após a vacinação por imunizantes disponíveis. Essas dúvidas têm sido manifestadas nas redes por pessoas que temem a vacinação, mas também são usadas por grupos antivacinas para criar pânico e rejeição à imunização.

Desde o início da vacinação contra a covid-19 no Brasil, quase a totalidade (92%) dos eventos adversos relacionados aos imunizantes foi classificada como não grave, segundo o Ministério da Saúde. Os relatos mais comuns são de cansaço, tosse, calafrios, dor no local da aplicação, coceira, hematoma, febre, dor no corpo, diarreia, náusea, dores musculares e nas articulações e dor de cabeça.

Em pouco mais de um ano de campanha, os benefícios podem ser vistos de forma prática. A queda da mortalidade de pacientes hospitalizados com covid-19 no SUS, por exemplo, foi de 37% em todo o país. Um estudo do governo federal mostra que o risco de óbito pela doença é 56 vezes maior do que o risco de ocorrência de um evento adverso relacionado à vacinação.

O mesmo documento apontou que os efeitos de menor gravidade pelos imunizantes estão concentrados na faixa etária de 25 a 44 anos. Já a população idosa apresentou a maior taxa de reações consideradas graves, em especial aqueles com mais de 75 anos de idade.

As vacinas AstraZeneca/Fiocruz e Coronavac respondem pela maior parte das notificações, seguidas das doses da Janssen e Pfizer, respectivamente. A maioria das reações leves teve início no período de 48 horas após a vacinação. Nos casos graves, esse intervalo foi maior, de 17 dias.

Os dados da pesquisa foram coletados entre 18 de janeiro e 25 de outubro de 2021. O texto pondera que as comparações devem levar em conta a proporção da cobertura vacinal de cada imunizante. Os três primeiros meses da campanha nacional não contaram com doses da Pfizer, por exemplo. Nem os seis primeiros meses tiveram Iotes da Janssen disponíveis, o que poderia explicar, em parte, a grande diferença das taxas de reações.

Do início da vacinação até novembro de 2021, o Ministério da Saúde informava 11 óbitos relacionados à vacinação em um universo de 194.278.194 doses aplicadas no mesmo período. O órgão não incluiu, nesta análise, as doses aplicadas em São Paulo. O total de doses administradas em todo o país, incluindo o estado, era de aproximadamente 295 milhões até o dia 22 de novembro de 2021.

[O parágrafo acima foi atualizado em 1º de fevereiro para corrigir o número de doses aplicadas no período, dado que estava incorreto na primeira versão deste texto]

O Comprova solicitou ao Ministério da Saúde e à Anvisa os dados atualizados sobre eventos já comprovados que tenham relação com as vacinas contra a covid-19, mas não obteve retorno. No dia 25 de janeiro a reportagem também fez o pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI) e o governo tem 20 dias para responder, o que ainda não ocorreu.

Entre as crianças, a vacina pode reduzir em seis vezes a chance de complicação por covid-19, de acordo com dados levantados nos Estados Unidos, país onde há o maior número de jovens imunizados. Os casos reportados de miocardite são raros: a incidência é de 9 a cada 100 mil doses aplicadas (0,009%).

Todas as vacinas ofertadas pelo Programa Nacional de Imunizações que têm autorização de uso pela Anvisa passam por um rígido processo de avaliação de qualidade pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fiocruz. O PNI existe desde 1973 e é considerado referência mundial em campanhas de vacinação pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas.

Quais os benefícios e riscos das vacinas?

Como qualquer medicamento, vacinas podem causar reações. A coordenadora do Núcleo Técnico de Produtos Biológicos do INCQS, Maria Aparecida Affonso Boller, explica, em entrevista ao site do órgão, que antes de as doses serem enviadas ao PNI, as amostras são separadas para um controle da qualidade que garante a segurança e eficácia dos lotes. Nesta fase, são realizados testes de potência, estabilidade, esterilidade, pH, volume, entre tantos outros.

Na vida real, a vacina contra a covid-19 tem sido comprovadamente eficaz no combate à doença. Um levantamento da Secretaria de Saúde de São Paulo feito no Instituto de Infectologia Emílio Ribas mostrou que a probabilidade de óbito foi 14 vezes maior em pessoas sem a vacinação, em comparação com quem estava com o esquema completo. A chance de hospitalização também foi maior entre os não vacinados: nove em cada dez pacientes internados não tinham tomado nenhuma dose nos meses em que o estudo foi feito.

Ao Comprova, o médico pediatra Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), observa que um número muito grande de pessoas já recebeu as vacinas ao redor do mundo – mais de 10 bilhões de doses foram aplicadas – e os eventos adversos na imensa maioria são leves a moderados. “Não significa que eventos adversos graves não possam acontecer com qualquer dessas vacinas. Podem acontecer, mas são raros”.

O Ministério da Saúde cita como possíveis complicações tromboses venosas, miocardite e pericardite, síndromes neurológicas como a síndrome de Guillain-Barré, encefalite, hemorragias cerebrais, arritmia, infarto agudo do miocárdio, embolia pulmonar, entre outros. Ainda assim, estes eventos são muito raros, ocorrendo, em média, 1 caso a cada 100 mil doses aplicadas, com risco significativamente inferior à chance de complicações pela própria covid-19.

O boletim epidemiológico com o dado mais recente de óbitos relacionados à vacina é de novembro de 2021 e traz informações preliminares. O documento cita 11 mortes, 0,3% das reações graves notificadas ao Ministério da Saúde até aquele momento. Os casos estão relacionados à síndrome de trombose com trombocitopenia. Do total de vítimas, oito foram vacinadas com doses da AstraZeneca e três com Janssen.

Os especialistas lembram que as vacinas também são uma ferramenta de combate às mutações do vírus. Hoje, são cinco as variantes de preocupação, segundo a OMS: Alpha, Beta, Gamma, Delta e Ômicron. As taxas de eficácia das vacinas para essas mutações variam de 68% a 98%, dependendo da fabricante.

Casos especiais: miocardite, pericardite, trombose com trombocitopenia e Guillain-Barré

Miocardite e Pericardite

Em julho de 2021, a Anvisa informou que os Estados Unidos relataram a ocorrência de casos de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e de pericardite (inflamação do tecido que envolve o coração) após a vacinação contra covid-19 com imunizantes de plataforma de RNA mensageiro (RNAm), que inclui o produto da Pfizer utilizado no Brasil.

Sobre os riscos destas complicações, a farmacêutica explicou que os diagnósticos são raros e ocorrem dentro de 14 dias após a vacinação, mais frequentemente depois da segunda dose, e em homens mais jovens.

No Brasil, foram 90 notificações de eventos adversos com alguma menção a miocardite ou pericardite em 11 meses de campanha. Pouco mais da metade (53%) ocorreu após a aplicação da vacina da Pfizer; outros 31% com AstraZeneca, e 15%, Coronavac. Desse total, 7 evoluíram a óbito, mas todos tiveram a pericardite descartada como causa da morte pelo Ministério da Saúde.

Trombose com trombocitopenia

A incidência aproximada de casos de trombose com trombocitopenia é de 1 caso a cada 100 mil doses aplicadas, ou seja, 0,001% dos indivíduos vacinados. Devido à raridade das ocorrências, ainda não foi possível identificar fatores de risco associados à síndrome.

A maioria dos países na Europa relata casos da doença em pessoas que receberam a vacina de vetor viral não replicante, como é o caso da AstraZeneca, e mais recentemente nos Estados Unidos com a vacina da Janssen.

No Brasil, até 4 de outubro de 2021, o Ministério da Saúde identificou 77 notificações individuais de eventos adversos com menção a quadros compatíveis com trombose e trombocitopenia.

Desse total, 18 foram considerados como associação causal consistente (incluindo 11 óbitos), 17 como indeterminado (6 óbitos), 7 como inconsistente ou coincidente (1 óbito), 11 como inclassificáveis (4 óbitos) e 24 ainda estavam em investigação na época.

Um dos casos registrados que resultou em óbito é do advogado Bruno Graf, de 28 anos, que faleceu em Santa Catarina em agosto de 2021 e cujo caso ganhou alcance nas redes sociais. Segundo boletim epidemiológico, Bruno sentiu calafrios, sensação febril e cefaleia no dia 23 de agosto, e morreu três dias depois. O documento afirma que o quadro foi desencadeado por uma trombose de sistema nervoso central com plaquetopenia associada.

O mesmo boletim aponta outra morte, de uma mulher de 27 anos, como tendo relação causal com as vacinas para covid-19. Ela apresentou febre, dor abdominal e dor nas costas em 10 de setembro e faleceu em 23 de setembro, também por trombose com trombocitopenia. Ambos os óbitos foram associados à vacina Astrazeneca.

Guillain-Barré

Em julho de 2021, a Anvisa emitiu alerta sobre casos raros de Síndrome de Guillain-Barré pós-vacinação. Os eventos adversos foram relacionados às vacinas AstraZeneca, Janssen e Coronavac.

Até aquele momento, haviam sido feitas 27 notificações de suspeitas de relação da doença com a vacina da Astrazeneca, além de três casos com a vacina da Janssen e outros quatro com a Coronavac, totalizando 34 registros. Segundo a Anvisa, a doença também está relacionada a doses aplicadas contra Influenza.

Trata-se de um distúrbio neurológico autoimune raro, no qual o sistema imunológico danifica as células nervosas. A maioria das pessoas se recupera totalmente. O principal risco é quando ocorre o acometimento dos músculos respiratórios e, nesse caso, a síndrome pode levar à morte.

Quais reações outras vacinas podem causar?

O Programa Nacional de Imunização inclui 45 vacinas para todas as faixas etárias da população brasileira. O Comprova pesquisou como se comportam algumas delas em relação aos efeitos adversos graves: a da gripe, a tríplice viral e a da febre amarela.

Anualmente, cerca de 80 milhões de brasileiros são vacinados contra a Influenza, dose produzida pelo Instituto Butantan. As reações mais comuns são dor de cabeça, mialgia, mal-estar, fraqueza, calafrios e febre.

O presidente da SBIm diz que reações de maior gravidade são raras, mas há, por exemplo, a chance de uma anafilaxia, uma alergia grave. “Há possibilidade de cinco casos de anafilaxia a cada milhão de doses aplicadas [contra a gripe]; são números muito parecidos entre as vacinas que a gente já utiliza e a vacina da covid”.

Já a bula da tríplice viral, que combina sarampo, rubéola e caxumba, descreve a possibilidade incomum – entre 0,1% e 1% dos imunizados – de inflamação no ouvido, gânglios linfáticos inchados, especialmente no pescoço, nas axilas e na virilha, perda de apetite, nervosismo, choro anormal, insônia, conjuntivite, bronquite, tosse, inchaço das glândulas que produzem a saliva, diarreia e vômito.

No caso da vacina contra a febre amarela, a dose tem um perfil particular por ser atenuada. “Ela pode ter como efeito grave uma doença semelhante à doença que a vacina protege, diferente da vacina da covid. E podem ser quadros graves. Mas é importante salientar que a imensa maioria dos eventos adversos são leves a moderados, como febre, dor no local, mal-estar, cansaço, o que pode acontecer com qualquer uma das vacinas que a gente usa, inclusive a da covid”, segundo Juarez Cunha.

Durante os estudos também foi identificada a possibilidade rara – entre 0,01% e 0,1% dos vacinados – de reações alérgicas e convulsões associadas à febre. Relatos pós-comercialização apresentaram outras reações raras como meningite; síndrome similar ao sarampo, síndrome similar à caxumba; epididimite e parotidite; síndrome de Guillain Barré, entre outras.

Vacinas pediátricas são seguras?

A cada dois dias uma criança morreu por complicações da covid-19 no Brasil em 21 meses de pandemia, até 6 de dezembro de 2021. Em números absolutos, foram 301 vítimas na faixa etária de 5 a 11 anos. O número de casos da doença neste público ultrapassa a marca de seis mil.

Para além das complicações diretas da infecção, o Ministério da Saúde também alerta para os registros de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica associada à covid-19 em crianças e adolescentes de zero a 19 anos. Até janeiro de 2022, foram confirmados 1.466 casos, com 88 óbitos. A maioria tinha nove anos de idade e 25% delas apresentava doenças prévias, como obesidade e cardiopatias.

Apesar dos números, o Brasil ficou atrás de países da Europa e dos Estados Unidos para dar início à vacinação infantil. As primeiras doses pediátricas da Pfizer começaram a ser aplicadas no início de janeiro de 2022, e a Coronavac foi incorporada à campanha quase um mês depois. Ambas receberam autorização da Anvisa.

O infectologista Juarez Cunha, que é médico pediatra, explica que nos estudos conduzidos pela Pfizer não foram demonstrados eventos adversos graves relacionados ao público infantil. Destaca, contudo, que os estudos utilizam de 2 mil a 5 mil participantes, e que o cenário pode mudar quando milhões de doses passam a ser aplicadas.

De acordo com o The New York Times, desde novembro de 2021, os Estados Unidos vacinaram totalmente mais de 5 milhões de crianças na faixa etária de 5 a 11 anos. O médico destaca que a farmacovigilância do país é muito rigorosa e, como esperado, identificou apenas eventos adversos leves a moderados. “Nenhum relato de morte causada pela vacina”, afirma.

A campanha americana também mostrou que crianças imunizadas contra a covid-19 têm seis vezes menos chances de contrair a doença com gravidade. Cunha acrescenta: “Vacinar a criança protege não apenas ela, mas tem grande possibilidade de, assim, evitar a transmissão para outras pessoas, colegas de escola ou mesmo família”.

O que diz a legislação sobre vacinação infantil?

Com o início da vacinação infantil no Brasil, pais, responsáveis e autoridades têm debatido se a campanha contra a covid-19 nesse público deveria se tornar obrigatória. De acordo com o primeiro parágrafo do artigo 14 do Estatuto da Criança e Adolescente, a imunização em menores de 18 anos é exigida caso haja recomendação feita pelas entidades sanitárias, como é o caso da Anvisa.

Uma decisão no Supremo Tribunal Federal de janeiro deste ano orientou os Ministérios Públicos que acompanhem casos de pais que se recusam a vacinar os filhos contra a covid-19. O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, disse ao Comprova que uma das punições possíveis é a perda temporária da guarda. Na avaliação da promotoria, deve prevalecer o direito à saúde, como previsto no ECA.

Ao mesmo tempo, o STF entende que a vacinação não deve ser forçada, permitindo a recusa do usuário, mas também possibilitando a restrição de atividades previstas em lei.

Pessoas contrárias à campanha infantil contestam a exigência alegando que a Lei n°6259 de 30 de outubro de 1975 torna obrigatórias apenas as vacinas que estão no Programa Nacional de Imunização, que é de responsabilidade do Ministério da Saúde.

Em janeiro deste ano, porém, o governo anunciou a inclusão da dose pediátrica no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), e não no PNI. A própria pasta diz que a imunização da faixa etária de 5 a 11 anos não é obrigatória.

Nestes casos, explica o procurador-geral de Justiça de São Paulo, é usada a Lei de Introdução ao Código Civil, que aborda regras conflitantes. O texto determina que “uma lei posterior revoga uma lei anterior”. Assim, entende o jurista, o ECA, que é de 1990, tem a preferência. Outro ponto disposto na Lei de Introdução ao Código Civil é que uma lei genérica pode ser revogada por uma lei específica, como é o caso do estatuto.

Por que investigamos?

O Comprova faz a verificação de conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições.

Desde o início da vacinação contra a covid-19, as redes sociais foram tomadas por dúvidas sobre eficácia das vacinas e também sobre os possíveis riscos de eventos adversos. Este Comprova Explica tem o objetivo de informar sobre esses tópicos.

As vacinas têm a eficácia e a segurança testadas e comprovadas por diversos órgãos e entidades, como a Anvisa, FDA, dos Estados Unidos, e EMA, da Europa.

Desde o início de 2021, o Comprova checou diversas peças de desinformação sobre os imunizantes empregados no Brasil contra a covid-19.

Alguns exemplos de verificação são a que demonstra ser falsa a declaração de um médico afirmando que as vacinas são “lixo”, a que informa que o Ministério da Saúde descartou a relação entre a morte de um adolescente e a vacina e ser falsa uma postagem que dizia que as vacinas causavam dano ao sistema imunológico, entre outras que podem ser conferidas aqui, aqui, aqui e aqui.

Esta reportagem considerou os dados sobre vacinas e a covid-19 disponíveis até 31 de janeiro de 2022.

Comprova Explica

Investigado por: 2021-12-17

Máscaras protegem contra epidemia de H3N2; entenda

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Máscaras são métodos preventivos eficazes para combater a contaminação por H3N2 e pela covid-19, assim como outros adotados ao longo da pandemia, como a higiene das mãos e o distanciamento social. Uma publicação do Twitter questiona a utilidade do item diante do crescimento de casos de gripe influenza no Rio de Janeiro e em São Paulo. Contudo, segundo especialistas, entre os fatores que podem estar causando a disseminação da gripe estão exatamente o relaxamento das medidas de proteção pela população, que está se aglomerando mais e deixando de usar a máscara.
  • Conteúdo analisado: Post no Twitter de mulher que se identifica como jornalista levanta a dúvida: “Rio e São Paulo com epidemia de Influenza. As máscaras servem para quê?”. O Comprova preparou conteúdo explicativo sobre a eficácia dos equipamentos de biossegurança, já que a publicação teve 7,2 mil interações.

A epidemia da cepa H3N2, da Influenza A, tem gerado comentários que questionam a utilidade de vacinas e métodos preventivos, capazes de combater vírus como o da covid-19 e o do próprio Influenza, conhecido por ser uma gripe sazonal.

Exemplo disso é uma publicação no Twitter que questiona a serventia das máscaras de proteção usadas contra o novo coronavírus se o Rio de Janeiro e São Paulo estão com epidemia de influenza, vírus causador da gripe.

Diante dos questionamentos, o Comprova decidiu explicar por quais razões as máscaras seguem como eficazes no combate de ambos os vírus que se enquadram como epidemias no país.

Epidemia da influenza está ligada às flexibilizações e falta de vacinação

O aumento de casos está realmente acontecendo – e se espalhou para outros locais, como o estado do Espírito Santo e as cidades de Salvador, na Bahia, e Porto Velho, em Rondônia –, mas esse cenário não invalida a importância das máscaras, segundo especialistas.

Como o vacinologista e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Odir Dellagostin explicou ao Comprova, a vacina contra a gripe oferecida neste ano “tem uma baixa proteção contra a Darwin, cepa do vírus influenza A H3N2, que está provocando o surto”. E, para piorar o cenário, diz ele, o uso de máscaras está diminuindo. “As pessoas estão voltando a se aglomerar, a se abraçar, a tomar cafezinho juntas, sem máscara, o que reduz a efetividade dela.”

Ainda de acordo com ele, “a solução é recomendar fortemente a continuidade do uso correto da máscara, o distanciamento e o uso de álcool em gel”.

O mesmo disse à Folha Geraldo Barbosa, presidente da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC): “Agora, (para nos proteger,) são as medidas preventivas, como uso de máscaras, higienização das mãos e evitar aglomerações”.

Epidemia

No dia 9 de dezembro, quando o post verificado aqui foi publicado, a Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro confirmou em redes sociais que a capital vive uma epidemia de influenza. “Será que estamos enfrentando uma epidemia de influenza? A epidemia está localizada no município do Rio e já há aumento do número de casos em outros municípios da região metropolitana”, escreveu o órgão no Twitter.

Em nota publicada no UOL, a secretaria afirmou: “Esse crescimento repentino, verificado a partir de 22 de novembro, quando foram registrados 505 atendimentos, atingiu quase 6 mil atendimentos no último dia 6. Trata-se do maior número de atendimentos por uma única doença realizados nas UPAs estaduais em um único dia desde o início da pandemia”.

Na capital fluminense, a prefeitura está instalando cinco centros de atendimento e testagem de pessoas com síndrome gripal “para reforçar a assistência à população durante o surto de influenza”. A estratégia é semelhante à adotada em 2009, durante o surto de H1N1.

Em São Paulo, segundo e-mail da Secretaria Municipal de Saúde enviado ao Comprova, “houve um aumento significativo de pessoas com síndrome gripal” na última semana. O órgão informou ainda que, em novembro, houve 111.949 atendimentos de pessoas com sintomas gripais, sendo 56.220 suspeitos de covid-19 e, agora na primeira quinzena de dezembro, já foram 91.882 atendimentos com quadro respiratório (45.325 suspeitos de covid-19).

Em 15 de dezembro, o surto da doença já atingia outros locais, como Espírito Santo e as cidades de Salvador e Porto Velho. Só na capital baiana, de acordo com a Folha, a Secretaria Municipal de Saúde “registrou 109 casos da doença em 2021, sendo que 106 deles foram notificados entre o final de novembro e início de dezembro”.

Rio e SP seguem recomendando máscaras em ambientes de maior risco

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), determinou o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras ao ar livre. A medida foi definida por meio de um decreto, publicado em 27 de outubro deste ano.

O anúncio da mudança aconteceu em transmissão ao vivo, com a presença do secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, que lembrou a necessidade de pessoas com sintomas gripais continuarem usando a proteção. A medida também previu a liberação do uso de máscaras em locais com pista de dança, com capacidade de público de até 50%.

Junto à decisão sobre as máscaras, o Rio suspendeu todas as demais regras estabelecidas para combater a covid-19 no município, em um segundo decreto, publicado no dia 12 de novembro no Diário Oficial. Este mesmo decreto manteve o uso obrigatório de máscaras em locais fechados e transportes públicos.

Já em São Paulo, a variante ômicron levou o governo e a prefeitura da capital a manterem o uso obrigatório de máscaras em espaços abertos e fechados.

A suspensão do uso obrigatório de máscaras estava prevista para ocorrer no estado em 11 de dezembro, e o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), havia declarado que pretendia seguir as medidas determinadas pela gestão de João Doria (PSDB).

Com o avanço da nova variante da covid-19, a Vigilância Sanitária recomendou o cancelamento da flexibilização de máscaras. O órgão elaborou um estudo com indicadores epidemiológicos e assistenciais.

Máscaras são importantes contra a covid e a influenza

Ainda que a vacina contra a gripe usada no país tenha a mutação H3N2 em sua composição, a variante não é a mesma que circula agora no Rio e em São Paulo. A nova cepa, titulada Darwin — cidade na Austrália onde ela foi identificada pela primeira vez —, não está coberta pela atual vacina.

O vacinologista Odir Dellagostin detalhou que a cepa não faz parte da formulação que a OMS recomendou para ser utilizada na vacina deste ano. “Portanto, a vacina tem uma baixa proteção contra esta cepa, ainda mais reduzida pelo timing em que está ocorrendo o surto: mais de 6 meses após a campanha de vacinação”, explica.

Na visão de Dellagostin, o uso de máscara está diminuindo e isso representa um risco de exposição tanto para a covid-19 quanto para a nova mutação do vírus da gripe comum.

“As pessoas estão voltando a se aglomerar, a se abraçar, a tomar cafezinho juntas, portanto, sem máscara. Isso está reduzindo a efetividade”.

Ainda de acordo com o vacinologista, o caminho para contornar a epidemia de H3N2 tem que se basear em medidas de prevenção. “A solução é recomendar fortemente a continuidade do uso correto de máscara — cobrindo boca e nariz —, o distanciamento, o uso de álcool gel”, finaliza.

O médico infectologista Rodrigo Nascimento explicou que, para que as máscaras consigam filtrar adequadamente o ar das partículas infecciosas, é preciso que sejam fabricadas de maneira adequada e recebam o selo de aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Os modelos mais indicados, de acordo com o profissional, são as máscaras PFF2 (peça facial filtrante) ou N95 –que trata do mesmo modelo, mas a primeira é certificada no Brasil e a segunda, nos Estados Unidos. “Mas as máscaras simples, cirúrgicas, são eficazes também, em torno de 30% a 40% menos do que as N95 e PFF2”.

Apesar da eficiência das máscaras contra a disseminação dos vírus, seu uso deve ser aliado a outras medidas para melhor efetividade. Os métodos de prevenção contra a doença seguem as mesmas regras de outras doenças virais, assim como a covid-19, incluindo higienização correta das mãos; evitar contato com pessoas infectadas; não compartilhar objetos pessoais, como copos, talheres, toalhas; evitar locais de grande aglomeração e pouco arejado; manter hábitos saudáveis.

Além disso, os governos estaduais realizam anualmente, de forma gratuita, campanhas de vacinação contra a Influenza.

“As vacinas contra influenza são muito eficazes, elas são revisadas anualmente. Através da cepa anterior, é produzida novas vacinas e após 14 dias aproximadamente, ela já produz anticorpos nas pessoas”, relatou o médico.

O público prioritário para receber os imunizantes são idosos, crianças e pessoas com imunossupressão, por serem mais suscetíveis ao vírus e assim, possuírem mais chances de evolução para quadros graves que um jovem saudável, por exemplo.

“Claro que dependem do organismo de cada pessoa, da capacidade que cada pessoa tem de produzir anticorpos. São características individuais imunológicas, por isso que a vacina é prioritariamente indicada para pessoas idosas e pessoas imunossuprimidas, que têm baixa capacidade de se defender de microorganismos”, pontuou.

Questionamento

O tuíte que questiona a eficácia das máscaras e mencionado aqui foi publicado por Flavia Ferronato (@flferronato). Na sequência do post checado agora, ela escreve: “E antes que venham torrar a paciência, eu realmente estou tentando entender como isso é possível, tá ok?”, o que não impediu que seguidores tenham interpretado a publicação como uma forma de descredibilizar as máscaras e outras medidas de combate contra a covid.

Um seguidor comenta: “Será uma epidemia dos vacinados? Por baixa imunidade?”; outro escreve: “Pois é! Inclusive na minha casa todos com a influenza, por enquanto menos eu que não vacinei”; e, mais um: “As máscaras são super eficazes contra doenças respiratórias, o que não é o caso do infl… não, pera…”.

Ferronato já apareceu em uma verificação do Comprova, em novembro de 2020, quando fez um post enganoso no site Jornal da Cidade Online – alvo de algumas checagens do projeto – e em seu perfil no Twitter sugerindo que o Instituto Butantan não havia informado sobre morte de voluntário da vacina Coronavac.

À época, após ser contatada pela reportagem, ela fez publicações em suas redes sociais criticando o trabalho de agências de checagem e procurando intimidar a verificadora que a contatou.

Desta vez, ela respondeu a reportagem dizendo que escreveu o tuíte porque queria “entender por que as máscaras não conseguiram segurar o influenza”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O conteúdo verificado aqui teve mais de 6,6 mil curtidas e foi compartilhado 1,2 mil vezes até 17 de dezembro.

Máscaras seguem como proteção fundamental para evitar a contaminação e disseminação de vírus como a H3N2 e a covid-19, principalmente em ambientes fechados e sem ventilação. Pouco usada antes da pandemia no Brasil, a proteção facial é uma das principais medidas contra a covid-19 e, consequentemente, contra outros vírus que se disseminam pelo ar, como o influenza. Sem as máscaras, os cidadãos ficam mais vulneráveis a esses vírus.

O Comprova checa peças de desinformação sobre as máscaras desde o ano passado. Alguns exemplos de verificação são o do influenciador que dizia que a proteção facial não era eficiente contra a covid-19 e o de estudo sem revisão usado também para desacreditar o uso do equipamento.