O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Investigado por: 2023-08-03

Decreto com contingenciamento de recursos federais não determina corte de verbas

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Está fora de contexto um post no TikTok que mostra imagem com uma relação de ministérios do governo federal e respectivos valores para cada pasta, com a informação de que se tratam de cortes. Os recursos foram bloqueados em julho no cumprimento do teto de gastos, o que, tecnicamente, é chamado de contingenciamento. Não é possível afirmar que são cortes, pois a medida ainda pode ser revertida, caso haja espaço abaixo do teto para o provimento dos recursos. Em outras palavras, o termo corte se refere a uma retirada definitiva das verbas, enquanto a ação foi um bloqueio, que pode ser temporário ou não.

Conteúdo investigado: Publicação apresenta uma lista do que seriam cortes realizados no orçamento federal, acompanhada da frase “Esses são os cortes no orçamento do desgoverno. Parabéns a todos que votaram nesse lixo de desgoverno”.

Onde foi publicado: TikTok.

Contextualizando: Uma publicação no TikTok lista ministérios do governo federal e recursos bloqueados, afirmando que trata-se de um corte no orçamento. O que a tabela mostra é o contingenciamento de recursos orçamentários, uma prática que se tornou comum desde a promulgação da emenda constitucional 95 de 2016, o chamado Teto de Gastos.

A cada bimestre, o governo federal publica um relatório em que se “projeta as receitas e despesas para o resto do ano e estabelece o cronograma de desembolso mensal, efetuando bloqueios ou desbloqueios, caso precise reajustar ou tenha margem para ampliar”, conforme explica Pedro Souza, analista da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal. Assim, no momento, não é possível dizer que as verbas foram cortadas.

A lista apresentada no conteúdo verificado corresponde com a realidade, de acordo com o decreto 11.621/2023, ao informar a verba contingenciada de cinco pastas do governo federal. Na publicação, foi utilizada uma cartela apresentada em uma reportagem do JP News, da Jovem Pan. A emissora destacou na reportagem que os ministérios da Saúde e da Educação foram os mais afetados pelo bloqueio – e não corte.

Porém, como a medida ainda pode ser modificada, não é possível dizer que foi feito um corte, como afirma o conteúdo investigado. O Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) confirma que o bloqueio não é definitivo. “Ele pode ser revisto em algum bimestre seguinte, inclusive ser totalmente eliminado, caso despesas que estavam inicialmente previstas deixem de ocorrer, abrindo assim espaço dentro do teto de gastos”, informou a pasta.

Atualização: em uma primeira versão deste texto, citamos o nº 55 como sendo da emenda constitucional que estipulou o Teto de Gastos. Esse, na verdade é o número da PEC – Proposta de Emenda Constitucional que deu origem à emenda constitucional (EC) 95.

Como o post pode ser interpretado fora do contexto original: A utilização do termo corte se refere a uma ação definitiva, ou seja, em que os recursos federais não poderiam ser empenhados futuramente. No caso, para o cumprimento do teto de gastos, é feito um remanejamento das verbas, com o bloqueio do que constava primeiramente no planejamento do orçamento federal, mas que pode ser liberado posteriormente, em caso de melhora na arrecadação ou na redução do gasto público. Fora deste contexto, a publicação sugere que essa verba foi perdida em definitivo.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil @assimnaoda51 pelo TikTok, mas não obteve respostas. Também buscou correspondência pelo perfil em outras redes sociais, mas não encontrou resultados.

Contingenciamento de despesas

A lista apresentada conta com os cinco ministérios que mais foram afetados pelo contingenciamento de despesas presente no decreto 11.621, publicado em edição extra do Diário Oficial da União na sexta-feira (28). O bloqueio foi direcionado para as despesas discricionárias de dez pastas.

Despesas discricionárias são gastos não obrigatórios, a serem realizados pelo governo dependendo da disponibilidade de recursos. Esse tipo de despesa está relacionado, por exemplo, a investimentos e gastos cotidianos de manutenção. Ao todo, R$ 1,5 bilhão foi bloqueado dos seguintes ministérios:

• Saúde: R$ 452 milhões;

• Educação: R$ 333 milhões;

• Transportes: R$ 217 milhões;

• Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome: R$ 144 milhões;

• Cidades: R$ 144 milhões;

• Meio Ambiente: R$ 97,5 milhões;

• Integração e Desenvolvimento Regional: R$ 60 milhões;

• Defesa: R$ 35 milhões;

• Cultura: R$ 27 milhões;

• Desenvolvimento Agrário: R$ 24 milhões.

O contingenciamento de despesas discricionárias é uma prática comum para adequar o orçamento federal ao teto de gastos, regra aprovada pelo Congresso em 2016, durante a gestão do então presidente Michel Temer, que procura evitar o descontrole das contas públicas. Ao aprovar o orçamento anual, o limite para as despesas primárias (obrigatórias e discricionárias) são delimitadas.

Ao final de cada bimestre, como determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), se for identificado que a receita delimitada no orçamento federal para o pagamento de despesas obrigatórias não será suficiente, é necessária a “limitação de empenho e movimentação financeira” do orçamento de despesas primárias. A análise é feita, atualmente, por meio do Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, responsabilidade da Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento e Orçamento, em conjunto com a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda (STN/MF).

De acordo com a assessoria do MPO, esse relatório avalia como está o desempenho das receitas e despesas até aquele momento. “Elas [as secretarias] também projetam as receitas e despesas primárias para todo o ano, com base em um conjunto de informações recebidas dos ministérios e na grade de parâmetros macroeconômicos produzida pela Secretaria de Política Econômica do MF”, explicou o MP.

Outros dois relatórios já foram divulgados pelo MPO em 2023. Em março, a análise concluiu que não era necessário o contingenciamento de recursos. Nessa estimativa, o valor das despesas diminuíram, o que geraria um espaço no limite orçamentário. Já em maio, a projeção foi revisada e indicou a necessidade de bloquear R$ 1,7 bilhão de reais de despesas discricionárias de seis ministérios (Fazenda, Transportes, Planejamento e Orçamento, Integração e Desenvolvimento Social, Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, e Cidades).

Com o contingenciamento de julho, totaliza-se R$ 3,2 bilhões de despesas bloqueadas para o cumprimento do Teto de Gastos.

Medida pode ser revertida

Segundo o MPO, o decreto 11.621/2023 “trata-se de bloqueio e não de um corte, e é temporário, pois poderá ser revisto tão logo apareça espaço abaixo do teto para acomodar as despesas”. Ou seja, é uma medida que pode ser revista no caso de haver sobra no orçamento nos meses seguintes, caso não, o bloqueio das verbas é permanente e pode inclusive ter volume maior no trimestre seguinte.

O analista da IFI, do Senado Federal, Pedro Souza, explica que a diferença entre o contingenciamento e o corte é temporal. “Neste caso, o contingenciamento é um bloqueio de dotações, que impede que o governo possa empenhar esse montante de despesas. Se não houver reversão futura, pode-se dizer que houve sim um corte”, afirma. Ou seja, no momento, não é possível afirmar, como faz a publicação aqui verificada, que os recursos foram cortados.

O economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da entidade Contas Abertas, afirma que o decreto significa “um bloqueio que poderá ou não ser revertido quando de novas avaliações de receitas e despesas”. Consultor de orçamento e pesquisador da FGV Direito Rio, Dayson Almeida, esclarece que o cancelamento de despesas, chamado popularmente de corte, “é uma redução definitiva da dotação de determinada ação orçamentária para o exercício, e ocorre para dar lugar a outra despesa, mediante créditos adicionais”.

Sendo assim, Almeida resume que no corte o recurso é excluído do orçamento, enquanto que no contingenciamento, a despesa é bloqueada temporariamente, podendo ser desbloqueada posteriormente. “Vale lembrar que, não ocorrendo o desbloqueio até o final do exercício, o efeito prático é o mesmo de um corte”, diz.

Bloqueio não indica irregularidade

Dayson Almeida, pesquisador da FGV Direito Rio, afirma que o bloqueio não tem relação com uso regular dos recursos. Trata-se, no entanto, de um cumprimento às disposições da LRF e da Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO).

“Se verificado, ao final de um bimestre, que as receitas e despesas projetadas poderão não comportar o cumprimento das metas de resultado primário fixadas na LDO (por exemplo, em razão de frustração de receitas ou aumento não previsto de despesas), os Poderes devem promover limitação de empenho e movimentação financeira (contingenciamento), segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”, diz Almeida.

O analista Pedro Souza afirma que as razões para os bloqueios são diversas. “Desde frustrações de expectativas de arrecadação, bem como fatores não previstos (ou não formalizados legalmente) ou que tiveram seu impacto subestimado pelo governo nas despesas.” Castello Branco esclarece que a análise do orçamento feita a cada bimestre gerou, conforme o decreto de julho, a necessidade de limitação de despesas do Poder Executivo.

“Descumprir o teto de gastos enseja crime de responsabilidade, que pode, inclusive, suscitar o impeachment do presidente da República”, diz. Segundo ele, o bloqueio “decorre da defasagem entre as previsões de receitas e despesas e as novas estimativas baseadas em valores efetivamente realizados”.

No ano passado, ainda na gestão Jair Bolsonaro (PL), o último relatório sobre os gastos federais foi publicado em novembro, com o bloqueio de R$ 5,7 bilhões, somando um total de R$ 15,4 bilhões contingenciados ao longo do ano. Na ocasião, as áreas de saúde e educação também foram as mais atingidas, sendo R$ 1,396 bilhão e R$ 1,435 bilhão, respectivamente.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 3 de agosto, a publicação tinha 276,4 mil visualizações, 15,3 mil curtidas e 13,8 mil compartilhamentos.

Como verificamos: Ao observar a lista de ministérios e valores exibida no vídeo, o Comprova identificou que, pela tipografia e as cores utilizadas (vermelho e preto), a imagem poderia ser de algum telejornal da Jovem Pan. Ao pesquisar no Google pelas palavras-chave “Jovem Pan”, “orçamento” e “cortes”, foi encontrada uma reportagem da JP News, de 29 de julho de 2023, em que a mesma lista exibida no TikTok é apresentada.

Em um segundo momento, foram buscados no Google os termos “cortes no orçamento 2023”, que levou a uma matéria da Agência Brasil. Esta reportagem levou à edição extra do Diário Oficial da União, publicação em que está contida o decreto nº 11.621, de 28 de julho de 2023, em que os ministérios e os valores bloqueados estão delimitados.

O Comprova também entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério do Planejamento e Orçamento, com o economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da entidade Contas Abertas, com o analista Pedro Souza, da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, e com Dayson Almeida, consultor de orçamento e pesquisador da FGV Direito Rio. Por fim, tentou entrar em contato com o autor da publicação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: No dia 2 de agosto, o coletivo Bereia publicou uma verificação sobre o contingenciamento de despesas do orçamento federal a partir de uma publicação do deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ).

Conteúdos sobre a economia brasileira são frequentemente checados pelo Comprova. Recentemente, a iniciativa constatou que Lula não anunciou confisco da poupança dos brasileiros e explicou porque não se deve analisar a taxa Selic a partir de valores médios em cada governo.

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Investigado por: 2023-07-28

Declaração de Élcio de Queiroz sobre ter sido “assessor do PT” em Nova Iguaçu é tirada de contexto nas redes sociais

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Publicação no Twitter afirma que o ex-policial militar Élcio de Queiroz, um dos presos acusados pelo assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, trabalhou para o deputado federal Lindbergh Farias (PT) e que o PT não quer tocar no assunto. A investigação do Comprova mostra que Queiroz foi funcionário da prefeitura de Nova Iguaçu, entre 2008 e 2010, quando Lindbergh era prefeito. A afirmação foi feita pelo próprio Queiroz ao alegar não ter nada contra partidos de esquerda. O deputado reconhece que o ex-PM integrou o quadro de servidores da prefeitura, mas nega conhecê-lo pessoalmente. Em delação premiada, Queiroz não cita o nome de Lindbergh Farias e nem o PT. O nome do deputado federal não aparece nas investigações sobre os assassinatos.

Conteúdo investigado: Posts nas redes sociais afirmam que Élcio Vieira de Queiroz, que confessou participação nas mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, trabalhava para o deputado federal Lindbergh Farias (PT).

Onde foi publicado: Twitter e Facebook.

Contextualizando: Élcio Vieira de Queiroz afirmou em 2019, ao prestar depoimento para o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que havia sido “assessor do PT” em Nova Iguaçu (RJ) durante a gestão de Lindbergh Farias (PT), atualmente deputado federal.

A declaração foi feita enquanto ele alegava não ter nada contra partidos de esquerda, ao ser questionado sobre ter feito pesquisas online envolvendo colegas de partido de Marielle Franco (PSOL). A afirmação tem sido usada recentemente em posts que insinuam participação do político e do PT no crime investigado.

Queiroz foi funcionário da prefeitura de Nova Iguaçu, onde ocupou cargo em comissão de gerente de divisão na antiga Secretaria Municipal da Cidade (SEMCID), entre novembro de 2008 e fevereiro de 2010. O deputado reconhece que o ex-PM fez parte do quadro de servidores da prefeitura, mas nega conhecê-lo pessoalmente, argumentando que havia mais de 8 mil funcionários no município.

Em delação premiada firmada recentemente por Queiroz com a Polícia Federal (PF) e com o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), o ex-policial não cita o nome de Lindbergh Farias e nem o PT. Ao Comprova, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) informou que o deputado-federal não aparece nas investigações sobre os assassinatos.

Como o post pode ser interpretado fora do contexto original: O trecho do depoimento de Élcio de Queiroz, no qual ele cita Lindbergh Farias, vem sendo utilizado desde 2019 fora de contexto em posts que têm o intuito de associar o nome do deputado federal e o PT ao crime, embora nenhum deles apareça nas investigações. Uma nova onda de conteúdos desta natureza surgiu a partir das notícias da prisão do ex-sargento do Corpo de Bombeiros Maxwell Simões Corrêa, o Suel, e da delação premiada de Queiroz, em 25 de julho. Os posts desinformam ao compartilharem a informação do depoimento de Queiroz sem contextualizá-la no momento em que novidades sobre o caso estão sendo noticiadas.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com o perfil @Rpereir63156988 pelo Twitter e também não encontrou correspondência da conta em outras redes sociais.

Queiroz trabalhou na Prefeitura de Nova Iguaçu, mas deputado nega conhecê-lo

Em 2019, ao prestar depoimento ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Élcio de Queiroz afirmou não ter antipatia por governos de esquerda, informando ter sido, inclusive, “assessor do PT em Nova Iguaçu, quando o prefeito era Lindbergh”. Em seguida, ele elogiou o político. “Foi o melhor patrão que já tive, pagava muito bem seus funcionários, não tem nada que falar da esquerda.”

Conforme o Estadão, a fala de Queiroz sobre Lindbergh Farias é uma resposta a um questionamento do Ministério Público sobre os motivos que o levaram a pesquisar, com frequência, sobre colegas de partido de Marielle na internet. O acusado argumenta que era pelo fato de eles serem políticos no Rio de Janeiro e alega que também fazia buscas por representantes de outros partidos, acrescentando concordar com algumas pautas da esquerda.

Ainda em 2019, quando divulgado o teor do depoimento, Lindbergh Farias afirmou em sua conta no Twitter que Élcio de Queiroz nunca foi seu assessor e que não lembrava dele, acrescentando que iria verificar se o acusado havia trabalhado na prefeitura, mas adiantando que, de qualquer forma, a resposta seria irrelevante. O deputado apontou, ainda, que Queiroz teria postura direitista.

A prefeitura de Nova Iguaçu informou à reportagem que Elcio Vieira de Queiroz ocupou cargo em comissão de gerente de divisão na antiga Secretaria Municipal da Cidade (SEMCID), entre novembro de 2008 e fevereiro de 2010, quando Lindbergh Farias era prefeito, com salário bruto de R$ 1.276,99.

No dia 26 de abril, ao discutir com o deputado bolsonarista André Fernandes (PL-CE) durante a sessão que criou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) de 8 de janeiro, o deputado reconheceu que Queiroz foi funcionário na administração dele em Nova Iguaçu, mas alegou nunca tê-lo visto.

Ao Comprova, o deputado informou que Queiroz trabalhou na prefeitura, e não para o PT, em decorrência de um programa que fazia a contratação direta de policiais, em seus horários de folga, para fazerem policiamento no centro da cidade. “Nunca conversei com esse cara, não conheço ele (…). Nova Iguaçu tem mais de 8 mil funcionários, é uma cidade de 1 milhão de habitantes”, declarou.

O Comprova questionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a Polícia Federal e a Polícia Civil do Rio de Janeiro se o político é ou foi considerado suspeito no caso em algum momento. A assessoria de imprensa do MJSP informou que o nome de Lindbergh Farias não aparece nas investigações. Os demais órgãos não responderam.

Em 18 de abril, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os familiares das vítimas deveriam ter acesso ao inquérito sigiloso que tenta chegar aos mandantes do crime. A reportagem procurou advogados que acompanham a família de Anderson, questionando se eles já acessaram o conteúdo e, caso sim, se há qualquer menção a Lindbergh entre os investigados, mas eles não retornaram.

O mesmo foi feito junto à assessoria da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que representa a família de Marielle. O órgão informou ao Comprova não poder passar esse tipo de informação por se tratar de um processo que corre em sigilo.

Também foram procurados os advogados que fizeram a defesa de Queiroz, mas eles não responderam às mensagens. No último dia 24, o escritório que o representava emitiu uma nota informando ter deixado o caso após o ex-PM firmar delação premiada com a Justiça, ato que os advogados desconheciam.

O que se sabe sobre as mortes de Marielle e Anderson até agora?

No início de 2023, cinco anos após o crime, apenas Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz estavam presos, apontados como executor do crime e o motorista, respectivamente. Ainda sem respostas sobre a motivação e quem seria o mandante, o ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino requisitou que a Polícia Federal no Rio abrisse um inquérito para dar continuidade às investigações, que eram até então de responsabilidade da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

No dia 24 de julho, a PF e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) prenderam o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, na Operação Élpis. Esta foi a primeira operação desde quando a PF assumiu a investigação.

No mesmo dia, foi noticiada a delação premiada firmada entre Queiroz e o Ministério Público, homologada pela Justiça. Negando envolvimento no crime desde 2019, ele decidiu confessar a participação na execução da ex-vereadora e do motorista dela. Queiroz informou que dirigia o veículo usado no duplo homicídio, além de ter participado do planejamento do ato.

Segundo o ex-PM, no dia do crime, ele recebeu uma mensagem de Lessa ao meio-dia dizendo que precisaria que dirigisse para o policial reformado à noite.

Depois, os dois se encontraram na casa de Lessa às 17h e saíram em seguida, no carro do amigo, seguindo até uma rua sem saída, onde entraram em um Chevrolet Cobalt prata.

Com esse veículo eles seguiram para o Centro e passaram a acompanhar os passos de Marielle. Entre 21h09 e 21h12, diz a confissão, eles emparelharam o carro junto ao que estava a vereadora e Ronnie disparou os tiros.

Segundo a delação, a submetralhadora MP5 utilizada no crime supostamente foi extraviada de um incêndio no Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, nos anos 1980.

Quem é Élcio de Queiroz

Élcio Queiroz é um ex-sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Ele foi expulso em 2015 por fazer segurança ilegal em uma casa de jogos de azar na capital fluminense. O ex-PM foi preso em março de 2019, um ano após os assassinatos da vereadora do Rio Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

De acordo com o Estadão, o ex-sargento tem um histórico de envolvimento com grupos paramilitares, conhecidos como milícias, no Estado. Foi um dos 45 integrantes das Polícias Civil e Militar do Rio presos na Operação Guilhotina por envolvimento em corrupção, participação em milícias, desvio de armas e venda de proteção a bicheiros, narcotraficantes e contrabandistas. Na época, Queiroz atuava no 16º BPM, em Olaria, na Zona Norte.

Antes de ser preso pela PF na primeira vez, cerca de sete anos antes da execução de Marielle, Queiroz já era monitorado pelo setor de inteligência da Polícia Civil do Rio. Setores da polícia chegaram a informações, repassadas por uma fonte protegida, de que o ex-policial faria parte de um grupo de extermínio e atuaria como miliciano desde 1998, na região de Quitungo, Brás de Pina, Vila da Penha e Cordovil, bairros da Zona Norte.

Queiroz é amigo de Ronnie Lessa. Segundo a PF, os dois se conhecem há mais de 30 anos. Durante a infância e adolescência, Queiroz morava na mesma rua que a esposa de Lessa. Eles se conheceram quando Lessa começou a namorar a atual esposa e passou a frequentar o local. Desde então, a relação entre os dois só se fortaleceu. Eles voltaram a se encontrar nos quadros da PM.

Atualmente, o ex-policial militar está preso em uma unidade de segurança máxima do Complexo Penitenciário da Papuda. Ele foi transferido da Penitenciária Federal de Brasília na noite de 25 de julho. Antes disso, ele esteve preso em Porto Velho, em Rondônia.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 28 de julho, a publicação somava 42,8 mil visualizações e mais de 2 mil curtidas no Twitter.

Como verificamos: A partir da cobertura da imprensa e buscas nas redes sociais, o Comprova reuniu informações sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, a delação de Queiroz (Estadão, G1 e O Globo), além da relação do ex-PM com o deputado federal Lindbergh Farias (Estadão, O Globo e Twitter).

Também entrou em contato com as assessorias de imprensa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPE-RJ), que representa Marielle Franco, da prefeitura de Nova Iguaçu, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Por fim, o Comprova tentou conversar com o escritório que fazia a defesa de Élcio Queiroz e falou com o deputado Lindbergh Farias.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em 25 de julho, a agência Aos Fatos publicou um material explicando as principais novidades sobre o caso de Marielle e Anderson Gomes desde a delação de Queiroz.

Recentemente, o Comprova divulgou um conteúdo contextualizando um vídeo de 2019 do senador Randolfe Rodrigues pedindo impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e outro mostrando que fala de Ciro sobre fraude nas eleições de 2022 era crítica a Lula e Bolsonaro, e não denúncia contra sistema eleitoral.

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Investigado por: 2023-07-27

Vídeo de Randolfe pedindo impeachment de ministros do STF é de 2019

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Está fora de contexto o trecho de uma entrevista do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) publicada no Twitter. A declaração do parlamentar é de 2019. Na época, Rodrigues criticou os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e afirmou que ele e outros senadores iriam entrar com um pedido de impeachment contra Dias Toffoli e Alexandre de Moraes após a instauração do Inquérito das Fake News e a execução de medidas judiciais sem a participação do Ministério Público. Em entrevista ao Estadão Verifica em 2022, Randolfe esclareceu que na época da gravação do vídeo havia controvérsia do ponto de vista jurídico sobre a legalidade da instauração do inquérito e que, atualmente, acredita que a medida foi acertada.

Conteúdo investigado: Publicação de um vídeo do senador Randolfe Rodrigues fazendo críticas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. As declarações são parte de uma entrevista ao vivo concedida pelo parlamentar ao programa “Os Pingos nos Is”, da Jovem Pan News. O post carrega a seguinte legenda: “Randolfe atacando o ‘estado democrático de direito’ e as instituições! Caiu isso aqui!”.

Onde foi publicado: Twitter

Contextualizando: No vídeo gravado em 2019, Randolfe Rodrigues afirmou que ele e outros senadores iriam entrar com pedido de impeachment contra Dias Toffoli e Alexandre de Moraes após a instauração do Inquérito das Fake News e a execução de medidas judiciais sem a participação do Ministério Público. O pedido citava crimes de responsabilidade e abuso de poder por conta da abertura da investigação, determinada por Toffoli, e de operações de busca e apreensão feitas pela Polícia Federal, ordenadas por Moraes.

Em janeiro de 2021, o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), rejeitou todos os pedidos de impeachment contra ministros do STF apresentados na Casa.

Atual líder do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso, Rodrigues mudou de opinião sobre o inquérito, que tramita há mais de quatro anos. A apuração acabou investigando empresários, blogueiros e deputados ligados a Jair Bolsonaro (PL), além do próprio ex-presidente. Neste ano, passou a apurar também os atos antidemocráticos de 8 de janeiro em Brasília.

No ano passado, ao ser questionado sobre o tema, o parlamentar disse ao Estadão Verifica que, na ocasião da entrevista à Jovem Pan, em 2019, havia controvérsia do ponto de vista jurídico sobre a legalidade da instauração do inquérito e que, atualmente, acredita que a medida foi acertada.

Como o video pode ser interpretado fora do contexto original: O trecho publicado no Twitter é de uma entrevista concedida em 2019 e publicada agora, sem especificação de data nem contexto. Além de dar a entender que o conteúdo é atual, a publicação serve de argumento para afirmar que o senador está atacando o Estado Democrático de Direito e as instituições. Nos comentários, alguns perfis cobram uma ação enérgica do STF contra Randolfe Rodrigues e reclamam da disparidade de tratamento para o senador em comparação a indiciados pelos atos antidemocráticos.

O que diz o responsável pela publicação: Como o perfil @misteriouspavao não permite o envio de mensagens pelo Twitter, o Comprova buscou a conta em outras redes sociais e entrou em contato via Instagram. Não houve retorno até a publicação desta checagem.

Declaração de Randolfe Rodrigues

O senador Randolfe Rodrigues concedeu uma entrevista ao vivo ao programa “Os Pingos nos Is”, da Jovem Pan News, em 16 de abril de 2019. Parte dessa entrevista foi utilizada no post aqui verificado.

Na ocasião, o parlamentar criticou a instauração do Inquérito das Fake News – que tinha como objetivo investigar mensagens falsas e ataques virtuais contra ministros do STF – e a rejeição de Moraes ao arquivamento da investigação, solicitado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

“Não existe precedente na história do judiciário do mundo a instauração de um inquérito por um órgão, a investigação por este mesmo órgão, e o órgão vir a julgar. É um retrocesso completo, uma ofensa jurídica à ordem constitucional do Brasil”, disse, à época.

Rodrigues ainda afirmou que ele e outros senadores iriam solicitar o impeachment dos ministros por crimes de responsabilidade e abuso de poder, e que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o judiciário, conhecida como “Lava Toga”, era “inevitável”.

Inquérito das Fake News

Em 14 de março de 2019, o ministro Dias Toffoli, então presidente do STF, determinou a abertura de um inquérito para apurar a divulgação de mentiras e ataques contra integrantes da Suprema Corte e seus familiares. Para o posto de relator, indicou o ministro Alexandre de Moraes. À época, a medida gerou polêmica por ter sido implementada sem o envolvimento de autoridade policial ou da PGR e passou a ser alvo de críticas por membros do Congresso e do MPF.

No dia seguinte ao anúncio feito pelo presidente do STF, a então procuradora-geral, Raquel Dodge, encaminhou uma petição ao Tribunal, pedindo mais informações a Moraes sobre o objeto específico do chamado Inquérito das Fake News e sugerindo que a medida poderia afetar a imparcialidade do Supremo. “O Poder Judiciário, fora de hipóteses muito específicas definidas em lei complementar, não conduz investigações, desde que foi implantado o sistema penal acusatório no país, pela Constituição de 1988”, diz trecho do documento assinado por Dodge.

No mês seguinte, em 16 de abril, após o cumprimento de mandados judiciais e sem respostas por parte da Corte, a procuradora-geral manifestou-se pelo arquivamento do inquérito: “O ordenamento jurídico vigente não prevê a hipótese de o mesmo juiz que entende que um fato é criminoso determinar a instauração da investigação e designar o responsável por essa investigação.”

Foi nesse contexto, que o senador Randolfe Rodrigues concedeu a entrevista ao programa “Os Pingos nos Is”, da Jovem Pan News. Na declaração feita, ele manifesta apoio ao posicionamento de Dodge e, na sequência, anuncia a intenção de entrar com um pedido de impeachment contra o ministro relator do inquérito e o presidente do STF.

Mesmo após posicionamento contrário da procuradora-geral e das críticas por parte de congressistas, Moraes decidiu manter a apuração, que foi prorrogada. Meses depois, em setembro de 2019, Augusto Aras assume o lugar de Dodge à frente da PGR e, diferentemente da sua antecessora, considera legal a abertura do inquérito pela Suprema Corte, desde que a apuração fosse acompanhada pelo Ministério Público.

Em 18 de junho de 2020, após uma ação apresentada pela Rede Sustentabilidade no ano anterior, o plenário do STF decidiu, por 10 votos a 1, em favor da legalidade do inquérito.

Já em agosto de 2021, após uma série de operações contra aliados do então presidente, Jair Bolsonaro, suspeitos de disseminação de mentiras, Moraes determinou a inclusão do mandatário como investigado no Inquérito das Fake News. O objeto da apuração seriam os ataques, sem provas, feitos por Bolsonaro às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral do país. Filhos de Bolsonaro e aliados políticos também são investigados.

Em março deste ano, o inquérito, que tramita em segredo de Justiça, completou quatro anos. Ao longo do tempo, a apuração resultou, por exemplo, no bloqueio de mais de cem perfis nas redes sociais, inclusive de parlamentares. Os atos antidemocráticos de 8 de janeiro em Brasília deram ainda mais força à investigação, que não tem data prevista para encerramento.

CPI Lava Toga

Entre fevereiro e agosto de 2019, houve três tentativas de emplacar no Senado a chamada “CPI Lava Toga“, para investigar supostos abusos do judiciário, em especial dos ministros do STF.

A primeira ocorreu em 11 de fevereiro, mas a proposta foi arquivada após a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) e os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Eduardo Gomes (MDB-TO) retirarem suas assinaturas de última hora.

Em março de 2019, o senador Alessandro Vieira (então no PPS e atualmente no MDB-SE) conseguiu as 27 assinaturas necessárias para a criação da CPI, mas o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre, decidiu pela rejeição da instalação da comissão. Alcolumbre encaminhou sua deliberação à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que decidiu pelo arquivamento do pedido de criação da CPI. O placar da votação foi 19 votos favoráveis, sete contrários e nenhuma abstenção.

A terceira tentativa do senador Alessandro Vieira de instalar a CPI se deu em agosto de 2019. As 27 assinaturas foram atingidas no mesmo mês. Em setembro, no entanto, a proposta passou a perder o apoio de parlamentares e o pedido acabou não sendo protocolado.

Posicionamento atual de Randolfe Rodrigues sobre o inquérito

Comentários no vídeo investigado criticam a mudança de posicionamento do senador, que é o atual líder do governo Lula no Congresso, em relação ao Inquérito das Fake News. Isso porque a sindicância acabou investigando empresários e blogueiros ligados a Bolsonaro, além de empresários e deputados de sua base mais fiel.

Em abril de 2022, Randolfe Rodrigues disse ao Estadão Verifica que, na ocasião da entrevista à Jovem Pan, havia controvérsia do ponto de vista jurídico sobre a instauração do inquérito e que, atualmente, acredita que a medida estava correta. “Hoje, esse inquérito das fake news e o dos atos antidemocráticos, são os últimos instrumentos de defesa da democracia brasileira e de combate às hostes criminosas de Bolsonaro e de seus lacaios.”

O Comprova procurou a assessoria de imprensa de Rodrigues, que informou que o parlamentar está em agenda no Amapá. Por isso, até o fechamento da verificação, não foi possível obter uma resposta do senador.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 26 de julho, o vídeo somava 29,4 mil visualizações, 2,6 mil curtidas e 1,1 mil compartilhamentos.

Como verificamos: A partir de uma pista identificada no próprio vídeo, que, na parte de baixo, exibe o título “Ovos de Páscoa estão, em média, 40% mais caros do que em 2018”, o Comprova deduziu que a gravação seria de 2019. Também identificou no próprio vídeo compartilhado a logomarca da emissora e o nome do programa que veiculou a entrevista.

Na sequência, fez uma busca no Google pelos termos “Randolfe Rodrigues”, “2019”, “abril”, “inquérito das Fake News” e “Jovem Pan”, que resultou na notícia publicada à época.

Em seguida, o Comprova reuniu informações sobre o tema com base em conteúdos publicados pela imprensa profissional e checagens de agências como Estadão Verifica e AFP.

Por fim, entrou em contato com o senador Randolfe Rodrigues e com o responsável pela publicação do conteúdo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Vídeos dos senadores Randolfe Rodrigues e Alessandro Vieira criticando os ministros do STF em 2019 circulam sem contexto pelo menos desde o ano passado, como mostram as checagens do Comprova, Estadão Verifica e AFP.

Recentemente, o Comprova checou que não há evidências de que denúncia contra desembargador mineiro e grampo envolvendo Moraes tenham beneficiado Lula, que vídeo engana ao usar súmula do STF para dizer que Reforma Tributária seria inconstitucional e que ministro Fachin não é dono de prédio em Santa Catarina.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-07-14

O que é a teoria da conspiração da Nova Ordem Mundial

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Comprova Explica
O termo Nova Ordem Mundial, criado após a Guerra Fria para designar o mundo com vários centros de poder, ainda é utilizado no contexto geopolítico. A expressão também é conhecida por nomear uma teoria conspiratória segundo a qual haveria um movimento de implantação de um governo mundial totalitário. A conspiração, que circula nas redes frequentemente ligada a temas como Agenda 2030 e Fórum Econômico Mundial, e nomes como Bill Gates e George Soros, é popular entre grupos de extrema-direita dos Estados Unidos e do Brasil. Este Comprova Explica esclarece o surgimento da teoria conspiratória e quem são seus propagadores.

Conteúdo analisado: Três publicações no Telegram que falam sobre uma suposta instrução de Bill Gates a líderes mundiais acerca da necessidade da redução da população do planeta, um suposto preparo do exército francês para assumir o governo e deter Emmanuel Macron, e a aparente tentativa do governo da Holanda em sabotar os agricultores por conta de uma das metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) de reduzir as emissões de gases do planeta.

Comprova Explica: Criada após o fim da Guerra Fria para designar o mundo com diversos centros de poder e não mais apenas dois, o termo Nova Ordem Mundial vem sendo usado também como o nome de uma teoria da conspiração. De acordo com ela, há um movimento para que seja implantado um governo global e totalitário. Bilionários como Bill Gates e George Soros têm seus nomes envolvidos na teoria, como se fossem os patrocinadores desse plano.

Muitas vezes, o termo aparece ao lado de outras expressões ligadas ao conspiracionismo, como Great Reset e globalismo, e também relacionado a mentiras. A seção Comprova Explica traz mais informações sobre o que é a teoria da Nova Ordem Mundial para ajudar o leitor a identificar conteúdos de desinformação.

Como verificamos: O Comprova pesquisou em reportagens da imprensa profissional e sites oficiais de instituições sobre a origem da expressão Nova Ordem Mundial (The New York Times e Washington Post), o surgimento da teoria conspiratória (Folha, Opera Mundi e Revista Galileu – Globo) e quem são seus propagadores (ViceInstitute for Strategic Dialogue), tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

Surgimento da expressão

Há dois significados para a expressão Nova Ordem Mundial. Um deles se refere ao período histórico iniciado depois do fim da Guerra Fria. Antes disso, a expressão já havia sido ventilada por políticos como o americano Woodrow Wilson e o britânico Winston Churchill, mas não chegou a se tornar conhecida.

Segundo reportagem do The New York Times, quem começou a difundir a expressão foi o então presidente dos Estados Unidos George H.W. Bush em 1990. Em agosto daquele ano, ele disse, em uma entrevista coletiva sobre a crise no Golfo Pérsico: “Ao olhar para os países que estão participando aqui agora, acho que temos uma chance de uma nova ordem mundial”.

“Ele gostou do som dessa frase”, afirma a reportagem do jornal americano e, um mês depois, em discurso na ONU, usou novamente a expressão. “Está nas nossas mãos deixar essas máquinas obscuras para trás, na idade das trevas a que pertencem, e avançar para coroar um movimento histórico em direção a uma nova ordem mundial e uma longa era de paz”, afirmou.

Ainda de acordo com o New York Times, Bush teria ouvido a expressão de seu secretário de Estado, James A. Baker III, que, como secretário do Tesouro do presidente Ronald Reagan, teria a escutado do ministro da Fazenda do Peru, Alva Castro, em uma palestra em 1986. O peruano fez um apelo por uma “nova ordem mundial”, pedindo mudança no Fundo Monetário Internacional (FMI).

Já o Washington Post conta que a sugestão do nome veio de um passeio de barco com o conselheiro de segurança nacional de Bush, Brent Scowcroft, na mesma época, em agosto de 1990.

Outro ponto que possivelmente contribuiu para que a expressão fosse difundida, publicou o New York Times, é o fato de que Mikhail S. Gorbachev, então presidente da União Soviética, também usou o termo em uma conferência no Kremlin em abril de 1990. “Estamos apenas no início do processo de formação de uma nova ordem mundial”, afirmou.

Teoria da conspiração

Uma das formas que fez com que o termo “Nova Ordem Mundial” fosse relacionado a uma teoria da conspiração foi a publicação do livreto “None Dare Call it Conspiracy” (Ninguém se atreve a chamar isso de conspiração, em tradução livre), do americano Gary Allen, em 1972.

Allen era membro da John Birch Society, organização de extrema direita, racista e ferrenhamente anticomunista fundada em 1959 nos Estados Unidos. Em seu livro, de acordo com o site Opera Mundi, “ele expôs uma teoria conspiratória de que o movimento ambientalista, o movimento pacifista, o da liberação feminina, a maioria da mídia, o comunismo soviético internacional e as Nações Unidas estavam todos confabulados com os Rockefellers que buscavam controlar o mundo por meio do Conselho de Relações Exteriores”.

Ainda segundo o Opera Mundi, a John Birch Society, que até então tinha poucos membros, viu o número de filiados crescer após o lançamento da obra quando George Bush começou a falar em “Nova Ordem Mundial”. Isso porque a expressão era a favorita da organização quando o assunto era conspiração. Então, foi como se Bush pai tivesse dado um impulso ao uso do termo como teoria da conspiração.

Com o passar dos anos, a teoria foi ganhando novos contornos. Segundo o site noticioso norte-americano Vice, ela já esteve ligada a “todos os tipos de horrores distópicos, incluindo programas de despovoamento forçado, uma classe governante secreta de répteis e ‘globalistas de elite’ em uma missão satânica para trazer o ‘fim dos tempos'”.

Como informado pela revista Galileu, a Nova Ordem Mundial é uma “superconspiração” segundo o cientista político norte-americano Michael Barkun, que fala sobre uma hierarquia de conspirações. Além das “super”, acrescenta, há conspirações “eventuais”, ligadas a eventos específicos, como os atentados de 11 de Setembro, e as “sistêmicas”, em que um sistema inteiro (militares, políticos, cientistas) estaria envolvido. “Teorias da Nova Ordem Mundial alegam que os eventos do passado e do presente devem ser compreendidos como resultado dos esforços de um grupo imensamente poderoso, mas secreto, para controlar o mundo”, afirmou Barkun à Galileu.

Ainda como explica a revista, dependendo do objetivo dos conspiracionistas, esse grupo superpoderoso pode ser formado por diferentes pessoas, como judeus, comunistas, banqueiros, Vaticano, maçons, ONU, e até alienígenas.

Em conjunto

Mais recentemente, a expressão Nova Ordem Mundial vem aparecendo ligada a outras teorias, como a do “Great Reset”, ou “Grande Reset”, que pode ser traduzido como “grande recomeço”, ou “grande reinicialização”.

Como informa a Agência Pública, essa outra teoria começou a ser difundida após o Fórum Econômico Mundial de 2020. Em sua 50ª edição, o evento foi chamado de “The Great Reset” por propor a retomada da economia mundial, com a diminuição da desigualdade social e melhoria de diversos setores pós-pandemia. O termo acabou sendo “emprestado” por conspiracionistas. O fundador do Fórum, Klaus Schwab, inclusive tem seu nome envolvido nessas teorias.

Segundo a Agência Pública, Glenn Beck, político conservador e desinformador norte-americano, ajudou a transformar o termo em teoria da conspiração ao lançar, em 2022, livro em que afirma que o “Great Reset” é “uma conspiração entre banqueiros, empresários e governos para fundar o totalitarismo global, impondo uma agenda verde, mais direitos para as mulheres e igualdade social”, o que “geraria a desaceleração da economia e levaria as pessoas ao desemprego”.

Propagadores

Conforme a Vice, referências à conspiração da Nova Ordem Mundial nos Estados Unidos são utilizadas sobretudo pela extrema direita. “Há uma conspiração genérica da Nova Ordem Mundial e há uma versão mais específica dela usada por certos extremistas de direita”, disse o pesquisador sênior do Centro de Extremismo ADL dos Estados Unidos (ADL’s Center on Extremism, em inglês), Mark Pitcavage. “A versão mais genérica é que se trata de uma referência abreviada a algum tipo de conspiração vaga de esquerda [organizada pela esquerda], em que as ‘elites’ estão tentando manipular nações e atores individuais para seus próprios fins nefastos.”

O especialista afirmou à Vice que a versão genérica da teoria permite que diferentes grupos possam ser responsabilizados pela suposta instituição da Nova Ordem Mundial. “Algumas pessoas podem incluir os maçons ou os Illuminati. Os antissemitas diriam que eram judeus. Outros diriam que foram os comunistas. Outros diriam que eram comunistas judeus. Era nebuloso, e essa é a vantagem que tinha.”

A teoria da Nova Ordem Mundial, de acordo com o Institute for Strategic Dialogue (ISD), organização norte-americana dedicada a reverter a crescente onda de polarização, extremismo e desinformação no mundo, ganhou força entre os movimentos de milícias e extremistas de direita, que se referem à Nova Ordem Mundial no contexto das narrativas antiestatais.

No Brasil, a disseminação da teoria conspiratória também é atrelada à direita. O ex-deputado federal bolsonarista Daniel Silveira, por exemplo, já afirmou que seu livro favorito é “Política, ideologia e conspirações”, de Larry Abraham e Gary Allen, membro da John Birch Society e autor de obras conspiracionistas citado acima. Na obra, segundo O Globo, “os autores acusam bilionários e banqueiros de serem a face oculta do comunismo para criar um governo supramundial”. Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo morto no ano passado, recomendava o livro.

Por que explicamos: Teorias conspiratórias, no geral, costumam oferecer explicações simples para questões complexas. Algumas estratégias utilizadas pelos conspiradores são a manipulação do contexto das informações, o apelo para o emocional e a identificação de um “inimigo”, formando um discurso baseado na polarização “nós contra eles”.

Por isso é preciso tomar cuidado com conteúdos que oferecem respostas fáceis e fazem sugestões sem comprovar ou divulgar a fonte para o que está sendo dito.

Outras checagens sobre o tema: Em 2022, o Comprova mostrou que um texto no Telegram espalhava teoria conspiratória sobre tratado internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS) e que, ao contrário do que alega teoria conspiratória, Lula está vivo e não foi substituído por sósia. Este ano, o projeto explicou por que o nome de George Soros aparece em diversas teorias da conspiração.

A Lupa também já comprovou que a ONU não publicou documento que institui a “Nova Ordem Mundial”.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-07-07

Entenda o que é a Selic e porque ela não deve ser analisada a partir de valores médios em cada governo

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Comprova Explica
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central indicou na ata de sua última reunião que pode começar a cortar a taxa básica de juros, a Selic, em agosto, quando acontece o próximo encontro do grupo. Atualmente, ela está em 13,75%, valor considerado alto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, para que seja reduzida, outros fatores na economia precisam ocorrer. Mas o que é a taxa? Para que ela serve? Essas e outras dúvidas são esclarecidas pela seção Comprova Explica.

Conteúdo analisado: Os juros no Brasil são alvo frequente de desinformação, e muitas dúvidas surgem a respeito da taxa Selic. Post recente no Instagram, por exemplo, usou gráfico com as médias da Selic desde o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) até o de Jair Bolsonaro (PL).

Comprova Explica: O valor da taxa Selic e os recordes em cada governo, entre outros assuntos envolvendo a taxa básica de juros da economia brasileira, costumam ser alvos frequentes de desinformação. O índice, que atingiu o patamar mais baixo entre agosto de 2020 e março de 2021, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), já sofreu sucessivos aumentos e, atualmente, está em 13,75%.

O nome Selic vem da sigla Sistema Especial de Liquidação e de Custódia e se refere a uma plataforma do Banco Central em que são comercializados títulos públicos federais, mas há também as expressões Selic Meta e Selic Over. Diante de tantas dúvidas envolvendo o índice que dá sustentação para os juros da economia brasileira, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre a taxa para ajudar o leitor a entendê-la e saber seu valor no decorrer de diferentes governos.

Como verificamos: Consultamos o site do Banco Central e reportagens sobre o tema, além de vídeos publicados em canais do YouTube que tratam de assuntos sobre mercado financeiro.

Também entrevistamos dois especialistas: Arilda Teixeira, doutora em Economia e coordenadora dos cursos de Gestão Estratégica de Negócios e de Gerenciamento de Projetos, da Pós-Graduação da Fucape Business School, e André Filipe de Moraes Batista, professor da área de Data Science do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

O que é e para que serve a taxa Selic?

Existem três significados que envolvem o termo Selic:

  • Taxa Selic Meta
  • Taxa Selic Over
  • Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic)

A Selic Meta é a que interessa à ampla maioria da população, pois é a taxa básica de juros da economia brasileira. Ela é definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central para controlar a inflação. Sentimos o seu efeito no nosso dia a dia nos empréstimos, financiamentos e aplicações financeiras, pois eles são calculados tendo ela como ponto de partida.

Quando o Copom estabelece uma meta alta para a Selic, os empreendimentos que cobram juros, como empréstimo em banco, financiamento de carro ou casa e compras a juros no cartão de crédito, ficam mais custosos. Por outro lado, empreendimentos que recebem juros, como determinadas aplicações financeiras, rendem mais.

Na prática, com a Selic alta, fica mais caro emprestar dinheiro. O empréstimo mais caro desestimula o consumo e favorece a queda da inflação.

A Selic Over é a taxa das operações que ocorrem entre instituições financeiras e que utilizam títulos públicos federais como garantia de pagamento. Como explica o Nexo Jornal, os bancos fazem empréstimos de 1 dia útil entre si para não haver furo no caixa. Apesar de o empréstimo ser de curtíssima duração, na hora de devolver o dinheiro são cobrados juros. A taxa média praticada nessas milhares de operações que acontecem todos os dias é chamada de taxa Selic Over.

“O Copom vai definir a Selic Meta e o mercado, através das negociações, vai definir a Selic Over”, explica Tiago Feitosa em vídeo publicado em seu canal sobre o mercado financeiro. “O Banco Central, a autoridade monetária máxima deste país, vai operar no mercado interbancário para garantir que a Selic Over não fique maior que a Selic Meta.”

“Operar no mercado” significa dizer que o Banco Central irá comprar ou vender títulos públicos para mexer no valor da taxa Selic. As operações entre instituições financeiras lastreadas com títulos públicos federais são feitas dentro do Sistema Especial de Liquidação e Custódia, conhecido como Selic. Ele é administrado pelo Banco Central.

Quem define a taxa de juros

Instituído em junho de 1996, o Copom, órgão do Banco Central, tem como objetivo “estabelecer as diretrizes da política monetária e definir a taxa de juros”, como explica o Banco Central. É ele quem define a meta da taxa Selic.

Ela é estabelecida por um grupo formado pelo presidente do Banco Central – cargo atualmente ocupado por Roberto Campos Neto – e oito diretores da instituição. Neste ano, já foram realizadas quatro reuniões do Copom e ainda haverá outras quatro – a próxima será em 1º e 2 de agosto.

As reuniões dividem-se em duas sessões. Na primeira, é apresentada a conjuntura econômica e, na segunda, define-se a meta da taxa Selic. As deliberações são divulgadas logo após o encontro, mas as atas do Copom só saem às 8h da terça-feira seguinte à reunião.

Segundo a Agência Lupa, o fator que mais influencia na fixação da Selic é a inflação, mas “geração de empregos, produtividade e atividade econômica” também têm impacto na decisão.

A taxa vem sendo mantida em 13,75% pela sétima vez seguida, valor considerado alto pelo presidente Lula, que a critica desde janeiro, quando assumiu o governo. Ele já quase chegou a comprar uma briga com o presidente do Banco Central, Roberto Campos, economista indicado por Bolsonaro em 2019 e cujo mandato vai até o final de 2024.

Perguntado sobre o motivo de a Selic ainda não ter baixado, apesar do cenário atual estar favorável, um dos diretores do Copom, Maurício Moura, explicou, em transmissão ao vivo do Banco Central, que, além dos dados correntes, outros fatores são levados em consideração para a tomada de decisão. “Preciso olhar para duas outras condições: o que vai acontecer com a inflação no futuro, quais são as expectativas, e também tenho que olhar para o balanço de risco, ou seja, o que pode acontecer de bom ou de ruim no caminho entre hoje e o futuro”, afirmou (a declaração na íntegra pode ser assistida a partir dos 24 minutos e 13 segundos da gravação).

Banco Central independente

Antiga autarquia do Ministério da Economia, o Banco Central passou a ter autonomia em 2021, após aprovação de mudança seguindo promessa de campanha do então presidente Bolsonaro.

Como informou a Folha, a regra prevê que o presidente da República indique o presidente do banco no segundo semestre de seu segundo ano de mandato. O novo presidente do BC e diretoria começam a trabalhar no primeiro dia útil do terceiro ano do mandato do chefe do Executivo. Ainda de acordo com o veículo, “para que possam assumir, os nomes precisam ter sido aprovados pelos senadores em votação secreta no plenário da Casa”.

Uso de médias

Um dos posts que viralizou nas redes sociais envolvendo a Selic apresenta um gráfico com os valores médios das taxas em cada governo federal desde 1999 até 2022. O índice mais baixo é na gestão Bolsonaro, de 6,3%. A publicação traz as médias corretas, mas leva o leitor ao erro ao sugerir que a taxa sempre foi baixa no governo do ex-presidente.

“A média não é o instrumento mais adequado para mensurar a complexidade dessa questão”, afirmou ao Comprova André Filipe de Moraes Batista, professor do Insper. Segundo ele, a média, por si só, mostra um comportamento central e é preciso avaliar a dinâmica da economia em cada período de governo. “É mais interessante olhar quanto a taxa estava quando o presidente assumiu e quando saiu.”

No caso de Bolsonaro, ele iniciou seu governo com a Selic em 6,5% e deixou o cargo com ela em 13,75%. Batista exemplifica por que não é bom usar médias para avaliar os altos e baixos da Selic em diferentes períodos: “Colocar um grupo de 30 pessoas que recebem um salário mínimo junto com Bill Gates em uma sala vai fazer essas pessoas virarem milionárias, em média. Mas isso não significa que em suas particularidades, de fato, elas são”.

Doutora em Economia, Arilda Teixeira reforça que a média da Selic não deve ser usada para comparar a economia de governos e diz que, durante a gestão bolsonarista, houve a pandemia, que fez com que a Selic diminuísse. “Reduziu-se o consumo, então, é lógico que os preços caíram em uma proporção e intensidade acima do que vinha acontecendo antes”, diz ela, referindo-se ao dilapidamento da atividade econômica.

Para ajudar o leitor a visualizar a evolução da Selic, o gráfico abaixo mostra a variação da taxa desde 1996 até o início do atual governo Lula (PT):

 

Por que explicamos: Como já informado, a Selic é alvo frequente de desinformação e de disputas de narrativas políticas. Entender o que ela é, como ela é definida e outros pontos ajuda o leitor a formar sua opinião com base em informações confiáveis, não em conteúdos duvidosos que circulam nas redes sociais.

Outras checagens sobre o tema: Conteúdos associando Lula a desinformação são frequentemente checados pelo Comprova, como o vídeo que engana ao “checar” discurso do presidente sobre desigualdade social e aponta erro inexistente sobre Amazônia e outra publicação que mente ao dizer que ele comprou um avião presidencial de 400 milhões.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-06-22

Tarifação em Pix para empresas é facultativa e existe desde 2020

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Comprova Explica
A Caixa anunciou na segunda-feira, 19 de junho, que passaria a cobrar uma tarifa para transações de Pix feitas por contas de pessoas jurídicas – medida autorizada pelo Banco Central desde 2020. A oposição no Congresso compartilhou postagens em que dizia que “o PT vai taxar o Pix”. A repercussão negativa levou o banco a suspender temporariamente a medida. A politização do tema e o vai e vem do banco geraram dúvidas nas redes sociais e motivaram o compartilhamento de peças de desinformação.

Conteúdo analisado: Postagens nas redes sociais repercutem a notícia de que a Caixa Econômica Federal passará a aplicar uma tarifa sobre contas de empresas que usarem o Pix. As peças afirmam que “o PT taxará o Pix”.

Comprova Explica: Na segunda-feira, 19, a Caixa anunciou que passaria a cobrar uma tarifa sobre transações Pix feitas por clientes pessoa jurídica privada a partir de julho. O banco destacou que pessoas físicas, microempreendedores individuais (MEI) e beneficiários de programas sociais não seriam afetados. Empresas individuais, embora não tenham sido citadas na nota, seguem as mesmas regras das pessoas físicas.

A partir de então, deputados e senadores da oposição ao governo passaram a repercutir a notícia alegando que “o PT vai taxar o Pix”. A repercussão negativa levou o banco público a suspender temporariamente a medida. Em nota, a Caixa afirmou que a suspensão serve “para que os clientes possam se adequar e receber amplo esclarecimento do banco sobre o assunto”. Sites de notícias informaram que a pressão para reverter a implementação da tarifa teria saído do próprio Palácio do Planalto (Estadão, Metrópoles).

O vai e vem do banco, bem como a exploração política do fato, deixaram muitas dúvidas na população. O Comprova decidiu explicar o que de fato aconteceu e o que seria essa “taxa sobre o Pix”.

Como verificamos: É possível consultar as normas referentes ao Pix no site do Banco Central (aqui e aqui). Já as informações sobre o anúncio da cobrança de contas de pessoas jurídicas foram encontradas no site da Caixa (aqui e aqui). Mais informações foram solicitadas por e-mail à assessoria de comunicação do banco. Entrevistamos Mareska Tiveron, especialista em direito bancário e Rafael Gomes Gobbi, especialista em direito tributário.

Quais as regras de tarifação do Pix

Pessoas físicas, MEIs e empresas individuais (EIs) não podem ser tarifadas quando fazem um pagamento via Pix – exceto quando o fazem por canais presenciais ou por telefone. Por isso, há uma ideia equivocada de que o Pix não seria tarifado em nenhuma hipótese.

Pessoas físicas podem ter o Pix tarifado quando:

  • Recebem o dinheiro com fins comerciais, isto é, como pagamento por uma atividade comercial ou serviço.
  • Recebem mais de 30 Pix por mês.
  • Recebem com QR Code dinâmico ou QR Code estático.

Também é possível ser tarifado no recebimento em uma conta definida em contrato como de uso exclusivamente comercial.

Já as contas de pessoas jurídicas podem ser tarifadas tanto no pagamento quanto no recebimento de Pix. Se ela receber o Pix de pessoa física, MEI, EI ou de outra empresa por QR Code, também pode ser tarifada.

Alguns dos maiores bancos do país já cobram a tarifa pelo uso do pagamento Pix por empresas jurídicas (InfoMoney, Estadão): Banco do Brasil, Santander, Bradesco e Itaú. O MercadoPago cobra a depender da modalidade como, por exemplo, por meio de QR Code. Nubank, Inter e C6 não cobram. Na Caixa, antes de ser suspensa, a cobrança seria de 0,89% do valor da operação, com limite de tarifa de R$ 8,50 para modalidade de transferência e de R$ 130 para modalidade de compra.

Qual a diferença entre tarifa e imposto?

Mareska Tiveron, especialista em direito bancário, explica que tarifa é a cobrança pelo uso de serviços não essenciais, feita indiretamente pelo estado por meio de empresas privadas de prestação de serviço em nome do estado. “A empresa pode ou não usar o Pix e, portanto, somente pagará a tarifa se efetivamente usar o serviço ou se o banco escolher cobrar tal valor.”

O imposto, por outro lado, é cobrado diretamente pelo governo sem a intermediação das empresas e sem a possibilidade de dizer que o serviço prestado é facultativo.

Rafael Gomes Gobbi, especialista em direito tributário, concorda que a cobrança anunciada seria uma tarifa, e não um imposto. “Trata-se de um serviço não essencial, cabendo a cada empresa a decisão pela utilização ou não do serviço.”

Por que explicamos: O Comprova Explica esclarece temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. O Pix é uma forma de pagamentos nova que ganhou alta adesão e popularidade. Desde a eleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi alvo de boatos que o acusavam de querer acabar com o Pix.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou ser falso que o plano de governo de Lula, durante a campanha eleitoral, incluiria a tarifação do Pix. Também mostrou que o Pix estava em discussão no Banco Central desde 2018.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-06-20

Entenda o que é e como atua o Foro de São Paulo

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Comprova Explica
A proximidade do 26º encontro do Foro de São Paulo, que será realizado em Brasília no final de junho, tem gerado críticas de políticos de direita e um crescimento da circulação de conteúdos de desinformação nas redes sociais. Este Comprova Explica tem o objetivo de esclarecer o que é o Foro de São Paulo, como atua o grupo formado por partidos de esquerda da América Latina e sua influência política na região.

Conteúdo analisado: O Foro de São Paulo é frequentemente citado em conteúdos de desinformação, principalmente aqueles produzidos por grupos de direita e extrema-direita. O grupo já foi acusado, por exemplo, de ser uma “organização terrorista”, de ser o elo de ligação entre o narcotráfico colombiano e o PT e de causar desestabilização política durante a pandemia de coronavírus. O 26º encontro do Foro, que acontecerá em Brasília, tem sido criticado por cobrar a inscrição dos participantes em dólar, mas também gerado desinformação, como em uma postagem que afirma ser o encontro a prova de que o grupo existe, ao contrário do que teria a “contra-informação petista” e a mídia.

Comprova Explica: Com a proximidade do 26º Encontro do Foro de São Paulo, que ocorrerá em Brasília entre os dias 29 de junho e 2 de julho deste ano, a existência da entidade e sua maneira de atuação foram alvo de críticas e de desinformações. Políticos de direita, como os deputados federais Bia KicisGustavo Gayer e os senadores Flavio Bolsonaro e Eduardo Girão, reforçaram o tom contrário ao evento que volta a ocorrer de forma presencial pela primeira vez desde 2019.

O Foro de São Paulo não é uma entidade política, como um partido. Mas reúne diversos partidos do Brasil e de outros países latino-americanos. Dessa forma, mesmo que indiretamente, o Foro tem alguma influência política. É importante lembrar que, atualmente, o Brasil é governado por um dos fundadores do Foro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O grupo é uma organização de partidos e entidades de esquerda de países da América Latina e do Caribe fundada pelo presidente Lula e pelo ex-presidente de Cuba Fidel Castro, em 1990. O primeiro encontro do grupo aconteceu na cidade de São Paulo, em julho daquele ano, e reuniu 48 partidos e organizações.

Nesse encontro foi formulada a Declaração de São Paulo, que registra alguns dos princípios e objetivos da organização. Entre eles estão a defesa da democracia, defesa da integração e soberania dos países latino-americanos e o combate ao imperialismo e ao neoliberalismo. O Foro se encontra anualmente para debater a atuação do grupo e delibera, ao final e em consenso, uma carta com as diretrizes definidas.

Esse Comprova Explica tem o objetivo de esclarecer o que é o Foro de São Paulo e a sua influência e importância política para a América Latina, sobretudo no Brasil.

Como verificamos: Pesquisamos reportagens, entrevistas, documentos e artigos científicos sobre o Foro de São Paulo, sua criação e atuação. Também encontramos atas dos últimos encontros do grupo, assim como as cartas assinadas pelos membros ao final das reuniões, que ocorriam anualmente até 2019. Os encontros foram suspensos em razão da pandemia de covid-19 e serão retomados neste ano, em Brasília.

Também entrevistamos o professor de economia política internacional Valter Pomar, que já foi secretário-executivo do grupo entre 2005 e 2013, sobre como o Foro se organiza e atua. Por fim, pedimos confirmações aos partidos políticos do Brasil que constam como integrantes do Foro de São Paulo sobre se a situação permanece atual.

Como surgiu o Foro de São Paulo

Em julho de 1990, a partir de uma convocatória de Lula e do ex-presidente de Cuba Fidel Castro (Partido Comunista de Cuba) para o “Encontro de Partidos e Organizações de Esquerda da América Latina”, 48 entidades se reuniram em São Paulo. Nesse encontro foi formulada a Declaração de São Paulo, que registra alguns dos princípios e objetivos da organização ali criada e faz nova convocação para o ano seguinte, no México. Nesse novo encontro foi consagrado o nome do grupo como Foro de São Paulo (FSP).

A declaração com os princípios e objetivos do FSP trata da defesa da democracia, da integração e soberania dos países latino-americanos e do combate ao imperialismo e ao neoliberalismo. Segundo a própria entidade, sua existência se deu em um contexto dos anos 1990 em que os partidos de esquerda buscavam dialogar na América Latina e no Caribe para “resistir às políticas ortodoxas do modelo neoliberal e estabeleceram interlocuções importantes junto aos movimentos sociais, sindicais e populares, no bojo das campanhas contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e de construção do Fórum Social Mundial”.

A dissertação do mestre em Integração da América Latina Ricardo Abreu de Melo, intitulada “O Foro de São Paulo: uma experiência internacionalista de partidos de esquerda latinos-americanos”, ressalta que a entidade surge “em meio ao processo que resultou na dissolução da União Soviética e no fim dos regimes aliados a ela no Leste Europeu, que causou perplexidade e crise na esquerda em todas as partes do mundo”. Melo complementa que nos anos anteriores à criação do FSP muitos países latino-americanos passaram por ditaduras militares de direita e com o insucesso de experiências socialistas.

Havia, na época, conforme o texto de Ricardo Abreu de Melo, a intenção de pluralizar a discussão na esquerda, sem que se tivesse um partido único ou a criação de uma nova Internacional Comunista. O FSP, portanto, correspondia a uma necessidade de unir esforços comuns de reflexão teórica e política e de coordenação de partidos e movimentos de esquerda. Nesta perspectiva, ele se caracteriza como espaço plural e unitário de partidos de “esquerda”, no sentido mais amplo do termo.

Em seu discurso no 17º Encontro do FSP, na Nicarágua, em 2011, Lula afirmou que no surgimento da entidade “ainda não havíamos aprendido uma lição básica que permitiria à esquerda chegar ao poder: é preciso unir as diferenças para derrotar os antagônicos”, citando o pedagogo Paulo Freire. Segundo o site da organização, atualmente são membros do FSP 134 partidos de 28 países. No Brasil, são membros os partidos:

  • Partido Comunista Brasileiro (PCB)
  • Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
  • Partido dos Trabalhadores (PT)

Embora o Partido Popular Socialista (antigo PPS, hoje Cidadania) conste no site como membro do Foro, a sigla esclarece que, desde 2004, não integra mais o grupo. Em comunicado no site do partido, o Cidadania afirma que o afastamento se deu “por discordarem dos rumos que o Foro tomou e que se refletiu na supressão cada vez maior do debate e do pluralismo de ideias no campo das esquerdas latino-americanas com o hegemonismo das concepções bolivarianas antidemocráticas e populistas e com um excessivo, e para nós abusivo, protagonismo do Trio Fidel Castro-Hugo Chavez-Lula”.

O partido diz ainda que já solicitou a formalização de sua saída, inclusive com a retirada do nome do site do Foro, mas o pedido ainda não foi atendido.

O PDT, que também está na lista do site como membro, negou que faça parte do Foro. O Comprova entrou em contato com o PCdoB e com o PCB por email e telefone para confirmar a ligação deles com o grupo, mas não houve retorno.

Atuação

De acordo com o professor de economia política internacional no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Valter Ventura da Rocha Pomar, o FSP realiza reuniões periódicas. “As gerais são os encontros, dos quais participam todos os partidos integrantes. O próximo encontro será no fim de junho, início de julho deste ano, em Brasília”, afirma. Pomar foi secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores (2005-2010) e secretário executivo do Foro de São Paulo (2005-2013).

O professor explica que também há reuniões chamadas de Grupo de Trabalho, nas quais participam um número menor de partidos e que funcionam como uma espécie de coordenação. “Há também reuniões regionais: mesoamérica e caribe, andino amazônica e cone sul. E há a secretaria executiva, sob o encargo do Partido dos Trabalhadores (PT)”, diz. Segundo ele, os gastos do FSP são apenas com suas reuniões, em que “cada partido financia sua participação”.

Pomar ressalta que o FSP funciona por consenso. “E não é uma organização centralizada, ou seja, ninguém é obrigado a cumprir as decisões que constem da Declaração, que tem, portanto uma força moral”, diz. Segundo o mestre em História Yuri Soares Franco, em sua dissertação de mestrado, “A Influência do Foro de São Paulo nas estratégias políticas das esquerdas latino-americanas (1990-2019), o FSP “não centraliza nem se propõe a centralizar o posicionamento interno dos partidos. Portanto, conclui-se que é exagerada a imputação ao Foro das mudanças realizadas nos partidos de esquerda do continente”.

Franco considera que a história do FSP foi marcada por três momentos. O primeiro vai desde a sua fundação até o ciclo de vitórias eleitorais do início do século XXI; o segundo se inicia com as vitórias de seus partidos no início do século XXI; e o terceiro, em que novamente a maioria dos seus partidos integrantes estão na oposição. No entanto, o historiador disserta que isso não alterou os métodos da entidade, que continua agindo sob “os mesmos programas e as mesmas alianças decididas nos anos 1990 e aprofundados nos anos 2000”.

Importância

No final da década de 1990 e no começo dos anos 2000, muitos partidos integrantes do Foro de São Paulo assumiram, pela primeira vez, os governos de países das regiões, como ocorreu, por exemplo, no Brasil, com Lula (2003), na Venezuela, com Hugo Chávez (1999), na Bolívia, com Evo Morales (2006), e Uruguai, com José Mujica (2010). O movimento passou a ser chamado de “Guinada à Esquerda” e, atualmente, com vitórias eleitorais de partidos de esquerda, há discussão sobre uma “Nova Guinada à Esquerda” na América Latina (Open Democracy e Folha de S.Paulo).

A partir dos anos 2000, o Foro passou a ser descrito não só como responsável pela Guinada à Esquerda, mas também como uma “organização criminosa” pelo escritor Olavo de Carvalho, influenciador da direita e do bolsonarismo. Em 2007, em seu livro “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, Carvalho afirmou que o “Foro de São Paulo é a mais vasta organização política que já existiu na América Latina e, sem dúvida, uma das maiores do mundo. Dele participam todos os governantes esquerdistas do continente. Mas não é uma organização de esquerda como outra qualquer”.

Carvalho afirma, sem qualquer documento comprobatório, que o FSP “reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos sequestros, como as Farc e o MIR chileno, todas empenhadas numa articulação estratégica comum e na busca de vantagens mútuas”. O Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR, em espanhol) faz parte do FSP, embora a organização, desde o fim da ditadura militar no Chile, rechaça a continuação da luta armada que ocorreu entre 1973 e 1988.

Com relação às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), nunca houve participação oficial no grupo, que deixou de existir oficialmente em 2016, após acordo de paz com o governo colombiano. Porém, o ex-grupo guerrilheiro ingressou na política partidária, com atuação legal e espaço no congresso nacional, como Força Alternativa Revolucionária do Comum. Em 2021, o grupo mudou novamente de nome, para Comunes, na tentativa de se dissociar da imagem da Farc. O Comunes é integrante do FSP.

Em 2019, chegou a circular uma desinformação na internet de que a agência de inteligência dos Estados Unidos, a CIA, teria colocado o FSP em uma lista de organizações terroristas, o que foi desmentido pelo G1 e UOL Confere. No mesmo ano, a BBC publicou reportagem na tentativa de explicar o motivo da direita dar mais importância ao FSP do que a esquerda.

Nela, o professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e fundador do Instituto Millenium, que atua na defesa de pautas liberais, Denis Rosenfield, afirmou que “o Foro de São Paulo hoje é muito mais uma necessidade da extrema-direita do que da esquerda”. “Olavo de Carvalho e sua turma vão brigar com quem? Com o Rodrigo Maia? O pensamento deles funciona com base nessa conspiração, em que há um grande projeto de dominação das esquerdas cujo centro de comando é o Foro. É contra esse inimigo que essas pessoas se orientam e se unem”, disse.

Para Rosenfield, na ocasião, o FSP serviu para retroalimentar as ideologias dos governos de esquerda, mas que perdeu qualquer importância com a derrota dos mesmos, o que ocorreu no final da década de 2010. O jornalista e escritor Felipe Moura Brasil, que organizou a obra de Olavo de Carvalho, chegou a descrever em 2020 o FSP como o maior inimigo do Brasil. Para Valter Pomar, episódios como esse indicam que “de fato, a extrema-direita brasileira dá muita importância para o Foro. Nem mesmo o Foro se dá tanta importância”.

Pomar explica que o FSP “foi um dos espaços onde se articulou a resistência contra a onda neoliberal que varreu a região na década dos 1990”. Mais recentemente, ele serviu para articulação dos partidos contra a nova onda de governos de direita na América Latina, a partir de 2008. “Agora, cabe ao Foro, na minha opinião, ser um dos espaços para rearticular a integração regional e uma política comum de desenvolvimento”, considera o professor e ex-secretário-geral do FSP.

O historiador Yuri Soares Franco, em sua dissertação de mestrado, estudou a influência do FSP nos governos de esquerda do século XXI. “As fontes aqui pesquisadas indicam que essa influência se deu de forma indireta. O Foro não era o único espaço de troca de opiniões em que as estratégias eram discutidas, tampouco o único lugar no qual as políticas públicas de maior sucesso eram divulgadas. As formulações nestas áreas eram oriundas de cada país, e mesmo quando havia influências externas, ocorria uma adaptação às realidades nacionais antes de sua implementação”, escreveu.

No Brasil, segundo o estudo “O Foro de São Paulo e a Política Externa do Partido dos Trabalhadores: convergências ou divergências nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff”, alguns traços da política externa dos governos petistas se assemelham, pelo menos em discurso, com as resoluções anuais do FSP. “Dentre eles, podemos citar a importância aos processos de integração regional como conditio sine qua non para favorecer a diminuição da desigualdade socioeconômica entre os países e a defesa em uníssono de políticas públicas que refutem o modelo neoliberal.”

“Ao mesmo tempo, a ampla variedade da composição dos partidos políticos integrantes do Foro, somados a distinções gritantes entre os países partícipes, acabou por conferir um caráter muito mais idealizado do que efetivo das resoluções. Ainda que haja uma convergência em torno de temas gerais que podemos caracterizar como progressistas, a realidade de cada país, com suas lutas políticas domésticas singulares, acabaram por conferir um traço muito mais discursivo do que efetivo às decisões”, afirma o trabalho.

26º Encontro do FSP

Entre os dias 29 de junho e 2 de julho acontece em Brasília o 26º encontro do Foro de São Paulo. Segundo o Correio Braziliense, este será um dos maiores encontros desde que o grupo foi criado, em 1990. O jornal apurou que confirmaram presença membros de governo, partidos políticos e organizações de esquerda de 23 países. É possível acessar a programação completa aqui.

O presidente Lula foi convidado a participar, mas ainda não confirmou, oficialmente, participação no evento. Também é esperada a presença de representantes de países de fora da América Latina e do Caribe, como Estados Unidos e Arábia Saudita. Também foi alvo de crítica a suposta contradição do FSP ao cobrar sua inscrição em dólar, moeda dos EUA, visto se tratar de uma entidade anti-imperialista.

Segundo a página do evento, ele tem o objetivo de discutir “a necessidade de construir a integração de nossos países, proteger nossa natureza, povos e soberania, além de lutar contra os efeitos do neoliberalismo em nossa região, convoca forças progressistas, populares e de esquerda a se reunirem novamente para refletir e debater nossos desafios e direções”. Em abril, um Grupo de Trabalho foi realizado na Colômbia como preparação para o 26º Encontro.

O último encontro realizado pelo FSP foi em 2019, em Caracas (Venezuela), e a declaração final foi no sentido de enfrentar o avanço dos governos de direita na América Latina, como o do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL). Outro ponto foi um pedido para a libertação de Lula, que ainda se encontrava preso em decorrência dos processos da Operação Lava Jato. Em anos anteriores, a declaração final já manteve pedidos diversos, como, por exemplo, a independência de Porto Rico em relação aos EUA e a devolução do território de Guantánamo a Cuba.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. Conhecer a origem e a atuação do Foro de São Paulo, neste caso, permite entender qual a importância do grupo perante as políticas públicas e desdobramentos internacionais com relação às entidades que o compõem. Além disso, tenta evitar que desinformações e conspirações sejam propaladas a partir da existência do Foro.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova e outras iniciativas de checagem verificaram conteúdos sobre o Foro de São Paulo ou que citavam a organização. Um dos conteúdos analisados usava a participação de representantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em algumas reuniões do Foro para supostamente embasar uma ligação do PT com narcotraficantes. Outra checagem do Comprova demonstrou que o Foro não estava na lista de entidades que recebiam financiamento do bilionário George Soros.

Peças de desinformação que citam a organização também já foram checadas pelo Estadão, Aos Fatos, Agência Lupa e AFP (aqui e aqui).

Comprova Explica

Investigado por: 2023-06-19

Entenda a crise humanitária na Terra Indígena Yanomami

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Após o agravamento da crise humanitária na Terra Indígena Yanomami, no Norte do Brasil, durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou ações emergenciais que incluem atendimentos em saúde, distribuição de alimentos e combate ao garimpo ilegal na região. Em relação à saúde dos indígenas, contudo, a recuperação é complexa e lenta devido aos casos severos de desnutrição, que podem necessitar meses de tratamento médico. De acordo com o último informe semanal de saúde do Centro de Operação de Emergências (COE) Yanomami, publicado em 16 de junho, já foram registradas 129 mortes neste ano na terra indígena, a maior parte (43,4%) entre crianças de até quatro anos. A principal causa das mortes são doenças infecciosas, em especial pneumonia, agravadas pelos quadros de desnutrição. O Ministério da Saúde pontua que esses dados ainda estão em processo de revisão.

Conteúdo analisado: Após o informe publicado em 22 de maio pelo Centro de Operação de Emergências (COE) Yanomami relatar a ocorrência de 122 mortes entre os yanomamis nos quatro primeiro meses de 2023 (o número subiu para 129 em junho), um site publicou a informação acrescentando, ao título, a pergunta: “Quem é o genocida?”. O comentário faz uma crítica ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), cuja gestão é alvo de investigação por suspeita de prática de genocídio, por determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), devido à crise na comunidade indígena. Em função disso, o Comprova decidiu explicar a crise humanitária dos yanomamis.

Comprova Explica: Há décadas, as comunidades que vivem na Terra Indígena Yanomami, no Norte do Brasil, sofrem com a interferência de não indígenas na região, principalmente devido ao garimpo ilegal, que aumentou consideravelmente os índices de violência, degradação ambiental – impactando diretamente na alimentação – e doenças.

Contudo, ao término do mandato de Bolsonaro, em dezembro de 2022, o cenário estava agravado pela desestruturação de órgãos de fiscalização e de saúde e pelo desmonte de políticas públicas ambientais e indigenistas, associados à gestão da pandemia de covid-19.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, em janeiro deste ano, que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue suspeitas da prática de genocídio e de outros crimes por parte de autoridades do governo de Bolsonaro, devido à situação enfrentada pela comunidade Yanomami.

No mesmo mês, ao assumir o governo, o presidente Lula anunciou uma série de medidas que visam socorrer os povos que vivem na área Yanomami. Os quadros de subnutrição severos são difíceis de serem revertidos e levam meses de tratamento.

De acordo com o último informe semanal de saúde do Centro de Operação de Emergências (COE) Yanomami, de janeiro a 7 de junho foram registradas 129 mortes na área, a maioria (43,4%) entre crianças de até quatro anos. A principal causa das mortes são doenças infecciosas, principalmente pneumonia.

O Ministério da Saúde pontua que esses dados estão em processo de revisão e que o número de óbitos representa o acumulado de registros, visto que existe um represamento dos dados do território. Dessa forma, não é possível apresentar o cálculo mensal de óbitos.

Esse Comprova Explica tem o objetivo de informar sobre o agravamento da crise Yanomami e quais ações estão sendo tomadas para mudar a realidade dos indígenas.

Como verificamos: Inicialmente, consultamos a base de dados Terras Indígenas no Brasil para realizarmos um resgate histórico sobre como a situação do povo se agravou. Em seguida, buscamos notícias em diferentes veículos que denunciaram o agravamento da crise nos últimos anos. Consultamos, por fim, quais ações foram anunciadas pelo atual governo e o que foi executado até o momento.

O que é o território Yanomami?

Com uma área de mais de 9 milhões de hectares, em um perímetro de 3.370 km, a Terra Indígena Yanomami está localizada na Amazônia Legal e ocupa parte dos estados de Roraima e Amazonas, na região Norte do Brasil, fazendo fronteira com a Venezuela. O território, homologado por decreto presidencial em 1992, sobrepõe três unidades de conservação: o Parque Nacional Pico da Neblina, o Parque Estadual Serra do Aracá e a Floresta Nacional Amazonas.

O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) informou ao Comprova que a população atual é estimada em 27 mil indígenas vivendo do lado brasileiro, segundo dados preliminares do Censo 2023. Há yanomamis também na Venezuela.

A Terra Indígena abriga oito povos diferentes, incluindo indígenas considerados isolados, ou seja, que não mantêm relações permanentes com não indígenas. Ocupam o território os Isolados da Serra da Estrutura, Isolados do Amajari, Isolados do Auaris/Fronteira, Isolados do Baixo Rio Cauaburis, Isolados Parawa u, Isolados Surucucu/Kataroa, Yanomami e Ye’kwana.

Ao longo dee décadas, a invasão das terras, em especial por garimpeiros ilegais, afetou a população yanomami em vários aspectos, principalmente pela escalada da violência no território, o aliciamento dos jovens, a contaminação dos rios e a intoxicação de pessoas, animais e plantios pelos dejetos do garimpo ilegal. Também foi registrado aumento significativo dos casos de malária, infecções sexualmente transmissíveis e outras doenças.

Os primeiros contatos entre os yanomamis e não indígenas ocorreram entre 1910 e 1940, e foram intensificados a partir da instalação permanente de missões religiosas e postos do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Na década de 1970, houve outra fase de contato, com o início dos projetos de desenvolvimento do governo federal no âmbito do Plano de Integração Nacional (PIN), incluindo a abertura da Rodovia Perimetral Norte (BR-210), o que começou a afetar a saúde da população indígena devido ao contato com os trabalhadores da obra.

No mesmo período, o Projeto Radar na Amazônia (Radam) – Brasil revelou a existência de um grande potencial mineral estratégico de cassiterita, nióbio, ouro e outros metais no território Yanomami. Entre 1975 e 1976, garimpeiros invadiram a Serra de Surucucus e, em 1980, ocorreu outra invasão, desta vez no Furo Santa Rosa do Rio Uraricoera.

Na segunda metade da década de 1980, a invasão garimpeira aumentou consideravelmente na área e as rotas dos garimpeiros intensificaram as epidemias, provocando grave degradação sanitária, ambiental e social. Desde então, ocorreram operações para a retirada dos garimpeiros, que sempre acabam retornando.

O agravamento da crise no governo Bolsonaro

Embora a Terra Indígena Yanomami já apresentasse problemas na assistência de saúde e com o avanço do garimpo ilegal, a situação se agravou durante a gestão de Bolsonaro, eleito em 2018. Ele é apontado como responsável pela desestruturação de órgãos de fiscalização e saúde e pelo desmonte de políticas públicas ambientais e indigenistas, que, junto da má gestão da pandemia de covid-19, resultou no aprofundamento da crise. Bolsonaro é investigado por suposta prática de genocídio contra a população.

De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), agravadas ao longo dos últimos cinco anos, as razões da crise humanitária Yanomami são a “desestruturação da assistência à saúde indígena e a invasão garimpeira, responsável por uma série de impactos sanitários, ambientais, socioculturais e econômicos sobre as comunidades”.

A crise humanitária dos yanomamis foi noticiada pela imprensa nacional, sobretudo por Sumaúma, que, em 20 de janeiro de 2023, divulgou que 570 crianças de até cinco anos morreram de doenças evitáveis, entre 2019 e 2022, na terra indígena. Elas foram mortas principalmente pela contaminação por mercúrio, desnutrição e fome. O número é 29% maior do que nos quatro anos anteriores, dos governos de Dilma Rousseff (PT) e de Michel Temer (MDB), conforme informações de Sumaúma.

Garimpo ilegal

Em abril de 2022, a ONG Hutukara Associação Yanomami (HAY) divulgou o relatório “Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”, mostrando que, em 2021, o garimpo ilegal havia avançado 46% em comparação a 2020. Entre 2016 e 2020, a região registrou crescimento de 3.350% da prática. A atividade afeta diretamente 273 comunidades, somando mais de 16 mil pessoas, ou seja, 56% da população total. Conforme o relatório, a malária aumentou em zonas de forte atuação garimpeira, como nas regiões do Uraricoera, Palimiu e Waikás. No Palimiu, em 2020, houve mais de 1.800 casos.

No início do monitoramento, em outubro de 2018, a área total da Terra Indígena Yanomami destruída pelo garimpo somava pouco mais de 1.200 hectares. Em dezembro de 2021, a superfície impactada atingiu 3.272 hectares.

Conforme levantamento do MapBiomas, a área do garimpo no Brasil passou de 99 mil hectares para 196 mil hectares entre 2010 e 2021. A expansão garimpeira na Amazônia foi mais intensa em áreas protegidas, como territórios indígenas e unidades de conservação. No mesmo período, as áreas de garimpo em terras indígenas cresceram 632%, ocupando quase 20 mil hectares em 2021. A mais explorada foi a Kayapó, no Pará, com 11.542 hectares tomados pelo garimpo. Em seguida vem o território Munduruku, no mesmo estado, com 4.743 hectares; a terra Yanomami, com 1.556 hectares; a Tenharim do Igarapé Preto, no Amazonas, com 1.044 hectares; e o território Apyterewa, também no Pará, com 172 hectares.

No final de 2020, somava-se 2,4 mil hectares de área degradada pelo garimpo ilegal na terra Yanomami. Desse total, 500 hectares foram registrados entre janeiro e dezembro daquele ano. Os dados são do relatório “Cicatrizes na floresta: evolução do garimpo ilegal na TI Yanomami em 2020“, da HAY.

Como mostrou o Estadão, o garimpo ilegal na região contaminou afluentes, e garimpeiros impediram o acesso de serviços de saúde às comunidades isoladas. Em dezembro de 2022, um posto de saúde chegou a ser queimado na região do Homoxi, em Roraima.

A atividade garimpeira, inclusive ilegal, é defendida por Bolsonaro desde antes de ter se tornado presidente. Em fevereiro do ano passado, o ex-presidente editou um decreto para instituir o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mapa), para estimular o garimpo e direcionar as ações à região da Amazônia Legal.

Em 2020, o governo Bolsonaro foi informado sobre a destruição de uma comunidade Yanomami por garimpeiros, mas nenhuma ação efetiva foi tomada, conforme noticiou Sumaúma.

Pandemia e desmonte de estruturas de saúde

Em 2022, durante a pandemia de covid-19, o Ministério da Saúde deixou faltar cloroquina para atender os casos de malária entre indígenas da Amazônia. A falta do medicamento, conforme noticiou a Folha, ocorreu depois de Bolsonaro ter colocado em prática o plano de usar o remédio para o combate à covid-19, o que não possui sustentação científica.

Entre 2019 e 2020, a taxa de óbitos evitáveis de crianças com menos de cinco anos no Brasil foi cerca de 165 a cada 100 mil habitantes, de acordo com informações obtidas pela Agência Pública no DataSUS. Na Terra Indígena Yanomami, no mesmo período, a taxa foi de 2.275 mortes a cada 100 mil habitantes. São 13,7 vezes mais crianças que perderam a vida.

A partir de 2020, o governo Bolsonaro passou a ignorar decisões judiciais do STF e da Justiça Federal de Roraima para garantir o atendimento aos indígenas yanomamis na pandemia (como garantir a vacinação e a presença de profissionais da saúde no local, enviar medicamentos, insumos e cestas básicas e implantar barreiras sanitárias). Segundo o The Intercept, foram ignorados, também, 21 ofícios com pedidos de ajuda dos Yanomami em 2021.

Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami, disse nas redes sociais que denuncia a situação há cinco anos e que o governo Bolsonaro ignorou pelo menos 50 ofícios enviados.

Dados publicados em setembro de 2022 por Sumaúma mostram que, desde julho de 2020, os cerca de 20 mil garimpeiros que invadiram o território Yanomami obrigaram polos de saúde que atendem os indígenas a fecharem por 13 vezes.

Desnutrição e malária nas crianças yanomamis

Nos três primeiros anos do governo Bolsonaro (2019-2021), ao menos 14 crianças menores de cinco anos morreram em decorrência de malária, segundo dados obtidos pela Agência Pública junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Considerando apenas 2019 e 2020, os últimos anos em que há dados nacionais disponíveis, foram oito mortes por malária na Terra Indígena Yanomami, o equivalente a dois terços do total de óbitos nessa faixa etária em todo o Brasil, onde 12 crianças faleceram por complicações da doença.

Em 2021, cerca de 56% das crianças da Terra Indígena Yanomami tinham quadro de desnutrição aguda (peso baixo ou baixíssimo para a idade), conforme dados da Sesai fornecidos à Agência Pública.

Em setembro de 2021, a Pública também revelou que o índice de mortes por desnutrição na infância da Terra Indígena Yanomami era o maior do país, com 24 mortes por desnutrição entre 2019 e 2020, na faixa etária de até cinco anos.

Números atualizados mostram um cenário ainda pior: foram 29 óbitos, o que representa 7,7% do total de 374 mortes no país, mesmo com os yanomamis sendo cerca de 30 mil – apenas 0,013% da população brasileira. Quando se considera o índice por 100 mil habitantes, as mortes por desnutrição na infância entre os yanomamis ocorreram 191 vezes mais do que a média nacional. A Terra Indígena Yanomami contabiliza também pelo menos 14 crianças em 2021, ano que ainda não tem dados disponíveis em nível nacional.

No ano seguinte, de acordo com o G1, quase 100 crianças entre um e quatro anos morreram na Terra Indígena Yanomami, segundo dados do MPI divulgados em janeiro de 2023. As causas das mortes são, em sua maioria, desnutrição, pneumonia e diarreia.

Ainda segundo a notícia, foram confirmados 11.530 casos de malária no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, distribuídos entre 37 Polos Base, no ano passado. As faixas etárias mais afetadas são as maiores de 50 anos, seguida pela faixa etária de 18 a 49 e 5 a 11 anos.

Segundo Sumaúma, em 2019, ao menos 2.875 crianças yanomamis de até 5 anos (49% do total) tinham peso abaixo do esperado para a idade – sendo 1.601 delas com peso muito abaixo, a forma mais severa de desnutrição. No mesmo ano, 90% das crianças do território eram monitoradas, e os dados de desnutrição foram os maiores já detectados desde 2015, quando o sistema atual de armazenamento de dados começou a ser usado.

Em 2020, o número de crianças yanomamis acompanhadas passou a diminuir. Em 2022, a proporção de crianças de até 5 anos acompanhadas caiu para 75%.

Entre o primeiro e o último ano da gestão de Bolsonaro, pelo menos 876 crianças a menos foram acompanhadas regularmente. Em 2022, 2.205 dos 5.861 yanomamis de até 5 anos tinham peso abaixo do adequado, sendo 1.239 deles peso muito inferior do ideal. No entanto, pela falta de acompanhamento, o governo não sabe a situação nutricional de 1.494 crianças.

Como explicou reportagem do G1, os buracos que os garimpeiros abrem nos rios para a extração do ouro se tornam focos de água parada, ideais para a proliferação dos mosquitos que transmitem os parasitas causadores da malária.

Em 2022, quase 15 mil casos foram notificados, segundo dados do Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena. Isso num universo de cerca de 30 mil indígenas. Neste ano, até março, já eram mais de 3,4 mil casos, conforme o Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Malária.

Como é a recuperação do quadro de saúde dos yanomamis?

Em entrevista ao Jornal da USP, a professora Primavera Borelli, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP), explica que não só no caso dos yanomamis, mas em toda situação de fome, a recuperação da desnutrição é lenta, principalmente quando considerada crônica e severa, na qual houve restrição total de macronutrientes, como é o caso de muitos indígenas da área.

As complicações disso são a anemia e consequente comprometimento da função dos órgãos e da imunidade, o que aumenta o risco de infecções e a morbidade. Conforme a professora, perde-se gordura e a pessoa emagrece, havendo também a perda de músculos e, em estados mais graves, até de órgãos internos. “Isso, associado às infecções e à anemia, leva ao colapso final, à morte”, diz.

De maneira geral, a desnutrição afeta mais as crianças, principalmente abaixo de cinco anos, idade na qual a taxa de mortalidade é maior, o que aparece nas estatísticas yanomamis.

Conforme a professora, a reversão desses quadros depende da gravidade de cada caso e não é rápida. Nos hospitais é realizada alimentação parenteral, com hidratação, tratamento das comorbidades e recuperação nutricional com proteínas, macro e micronutrientes.

“Esse processo tem etapas que podem levar meses porque a recuperação do organismo leva tempo e as consequências dessas sequelas terão que ser avaliadas, pois podem ser duradouras, como a baixa estatura. Outras, como alterações funcionais, talvez não tão evidentes, podem levar a alterações cognitivas, cardiopatias, nefropatias e alterações de imunidade”, explica a professora, destacando que a diarreia e a pneumonia são as principais causas de mortes entre pessoas desnutridas.

Em relação aos povos originários, destaca, há o agravante de outras infecções porque eles não têm proteção contra doenças comuns entre não indígenas. Como a imunidade está alterada, a resposta desses organismos à vacinação também é menor, o que agrava o quadro no curto, médio e longo prazo.

O que o governo Lula fez até agora a respeito da situação?

Ainda em janeiro, quando foi empossado presidente, Lula esteve em Boa Vista, onde visitou a Casa de Saúde Indígena Yanomami (Casai Yanomami), acompanhado das ministras Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e Nísia Trindade (Saúde). À época, o governo anunciou uma série de medidas de socorro diante da grave crise de desassistência sanitária e nutricional na região.

A primeira medida adotada foi a instalação do Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública. Lula também editou decreto criando o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das populações em território Yanomami e o Ministério da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional diante da necessidade de ação urgente frente à crise. Entre as ações emergenciais, estavam o envio imediato de cestas básicas e suplementos alimentares para crianças de várias idades, bem como medidas de atenção à saúde.

Em abril, Lula assinou a Medida Provisória (MP) que liberou R$ 640 milhões para ações de proteção da vida, da saúde e da segurança das comunidades indígenas, especialmente dos yanomamis. A medida atendeu a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que determinou à União uma série de medidas emergenciais de assistência e proteção a povos indígenas, incluindo os yanomamis.

Os recursos foram repassados à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), vinculada ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), para regularização, demarcação, fiscalização de terras indígenas e proteção de povos isolados; para o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), para distribuição de alimentos a grupos populacionais tradicionais e a famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional temporária; para o Ministério da Defesa para apoiar ações emergenciais em terras indígenas; para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima para ações de fiscalização e de gestão de unidades de conservação em terras indígenas; e para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, para cobrir gastos diversos, incluindo deslocamento de policiais federais e rodoviários federais.

Na área da saúde, conforme o último informe de saúde do COE Yanomami, com dados de janeiro a 7 de junho, foram mobilizados até a data 707 profissionais de saúde, incluindo enfermeiros, médicos, agentes de combate a endemias, microscopistas e nutricionistas. Também foram enviadas à região mais de 3 milhões de unidades de medicamentos e insumos, contendo, entre outros, remédios para malária e influenza.

Em Roraima, a Casai atendeu 1.544 pessoas e concedeu 1.2631 altas. Foram atendidas mais 296 no hospital geral, 1.984 no Hospital de Campanha, que teve atividades encerradas em 21 de abril, 5.769 em polos bases e 6.895 no hospital da criança.

Em abril, foi inaugurado o Centro de Referência de Saúde em Saúde Indígena, na região de Surucucu, para atendimentos de urgência, consultas, exames e o tratamento de malária e desnutrição.

Um relatório da segunda quinzena de maio, fornecido pelo MPI ao Comprova, destaca que, até o início daquele mês, foram recuperadas 78 crianças que se encontravam em grave condição nutricional. Seis crianças continuavam com desnutrição grave e outras 23 estavam em tratamento.

Em relação à expulsão de garimpeiros da região, desde fevereiro são realizadas operações interagências com a participação de militares das Forças Armadas e de agentes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Funai, das polícias civil e federal, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Sesai.

A força-tarefa do governo federal tem o propósito de combater o garimpo ilegal, além do tráfico de drogas e realizar ações de caráter humanitário. Até o início de junho, haviam sido apreendidos 1.644 kg de drogas e inutilizadas oito aeronaves e 122 embarcações, entre dragas e balsas. Também foram transportadas 575 toneladas de material e entregues 23.702 cestas básicas às comunidades indígenas.

Outras ações também são desenvolvidas, como o fortalecimento do fornecimento de energia elétrica nas unidades de saúde do território e realização do censo na área pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com o objetivo de se pensar e propor políticas públicas. Os dados serão anunciados no dia 28 de junho.

Lula pediu, ainda, a retirada de tramitação do Projeto de Lei (PL) 191/2020 da Câmara dos Deputados. De autoria do governo Bolsonaro, o PL pretendia liberar a mineração, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas Terras Indígenas.

No começo de junho, mais de quatro meses depois da declaração do estado de emergência sanitária na reserva indígena, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que a situação melhorou, mas segue sendo preocupante. Conforme ela, houve recuperação nas taxas de desnutrição, mas ainda há grande número de casos de malária: 6.735 neste ano, com oito óbitos.

Por que explicamos: A questão Yanomami é complexa e tem servido para alimentar desinformação. A seção Comprova Explica foi criada para contextualizar e explicar temas complexos que envolvam políticas públicas no âmbito federal e que geram confusão e desinformação. 

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou outras alegações que desinformam sobre a atuação do governo federal em áreas de preservação. Foi demonstrado, por exemplo, que a retirada de produtores de arroz de terras indígenas não foi determinação de Lula, que terras indígenas em Rondônia não foram vendidas a empresa irlandesa e que vídeo engana ao dizer que o presidente vendeu floresta a mineradora em troca de dinheiro para o Fundo Amazônia.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-06-02

Entenda por que o nome de George Soros aparece em diversas teorias da conspiração

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Comprova Explica
George Soros, 92 anos, é um bilionário norte-americano de origem húngara que fez fortuna no mercado de capitais. Ele é o criador da Fundação Open Society, que financia causas ligadas ao meio ambiente, direitos humanos e manutenção da democracia. Em 2021, a organização diz ter fornecido US$ 1,5 bilhão em doações para grupos ligados a essas causas. Soros é, ainda, um dos principais financiadores do Partido Democrata dos Estados Unidos.

Conteúdo analisado: O bilionário George Soros tem o nome frequentemente envolvido em teorias conspiracionistas, principalmente produzidas pela extrema-direita. Ele já foi acusado de ser um ex-nazista, de liderar o movimento Black Lives Matter, de financiar o Psol, de promover a crise migratória na Europa e nos Estados Unidos e de “odiar a humanidade”.

Comprova Explica: Um dos homens mais ricos do mundo, o megainvestidor húngaro-americano George Soros tem com frequência seu nome envolvido em casos de desinformação. Muitos dos conteúdos são teorias conspiratórias e têm fundo antissemita.

Posts já mentiram afirmando que ele foi preso nos Estados Unidos, acusado de interferir nas eleições presidenciais, que ele seria um ex-nazista e que ele seria o líder por trás de movimentos sociais como o Black Lives Matter. A teoria mais recente é a de que ele comanda decisões do governo brasileiro relacionadas à Amazônia.

Este Comprova Explica esclarece sobre a vida e o trabalho de George Soros, assim como os investimentos que o bilionário faz em organizações e causas diversas.

Quem é George Soros

Bilionário de 92 anos, Soros nasceu em 1930 em Budapeste, capital da Hungria. De família judia, sobreviveu à ocupação nazista no seu país de origem. Aos 17 anos, mudou-se para a Inglaterra, onde fez faculdade e, depois, pós-graduação, na London School of Economics.

Emigrou para os Estados Unidos em 1956 e, em 1970, criou um fundo de investimentos que ficou conhecido por suas especulações de curto prazo no mercado financeiro. O fundo de investimentos fez de Soros um dos homens mais ricos do mundo. Ele figura atualmente na lista dos bilionários da Forbes, com fortuna estimada em US$ 6,7 bilhões.

Soros ficou conhecido em 1992 como o “homem que quebrou o banco da Inglaterra.” Naquele ano, ele apostou contra a libra esterlina, uma das moedas mais importantes do mundo. Ele pegou um empréstimo de US$ 5 bilhões na divisa e vendeu. Depois, recomprou a mesma quantidade da moeda, já desvalorizada, lucrando US$ 1 bilhão com a operação.

Soros é acusado ainda de provocar uma crise financeira na Ásia em 1997 ao vender as moedas tailandesa e malaia, sinalizando ao mercado que elas estariam supervalorizadas. As repercussões da crise tiveram consequências no Brasil.

Foi por conta desse fato que o mecanismo de circuit breaker, que interrompe as negociações na bolsa de valores quando há queda de 10% no índice acionário, foi implementado pela Bovespa (atual B3).

Soros e a Fundação Open Society

O trabalho de filantropia de George Soros é principalmente feito através da Fundação Open Society, criada por ele no fim da década de 1970. Segundo o site da organização, a fundação é “o maior financiador privado do mundo de grupos independentes que trabalham pela justiça, governança democrática e direitos humanos”.

Os primeiros trabalhos da organização consistiam em financiar bolsas de estudo para estudantes negros durante o período do apartheid na África do Sul. Após o fim da Guerra Fria, o trabalho da Open Society foi expandido para outros continentes e chega hoje a 120 países, incluindo o Brasil.

A fundação critica a guerra contra as drogas como “indiscutivelmente mais prejudicial do que o próprio problema das drogas” e ajudou a dar o pontapé no movimento pró-maconha medicinal nos Estados Unidos. No início dos anos 2000, defendeu o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Em 2021, dado mais recente disponível no site da instituição, a Open Society afirma ter investido US$ 1,5 bilhão em causas diversas pelo mundo. Ao todo, diz já ter distribuído US$ 18 bilhões em doações e financiamentos.

Em que empresas e organizações Soros investe

Soros fez fortuna com especulação financeira e muito se fala sobre seus investimentos, mas a maioria de suas ações não está em empresas muito conhecidas, como afirma o Valor Econômico. Entre os megainvestimentos mais recentes do fundo de George Soros estão as empresas Horizon Therapeutics, da área biofarmacêutica, e First Horizon National Corporation, uma holding de bancos, segundo a Reuters. Só do primeiro grupo foram comprados 2,9 milhões de ações, o equivalente a US$ 325,3 milhões em valores atualizados, de fevereiro deste ano.

O documento 13F, protocolado pelo investidor na Securities and Exchange Commission (SEC, o órgão regulador do mercado financeiro norte-americano), mostra os investimentos de Soros em 31 de março deste ano. Uma das empresas onde ele mais tem ações é a montadora de veículos elétricos Rivian Automotive, conhecida por fornecer vans elétricas à Amazon.

Em alguns conteúdos de desinformação, seu nome aparece ligado à Petrobras, mas, como o Comprova já verificou, afirmar que ele tem controle sobre a companhia é enganoso. De fato, Soros possuía ações da Petrobras, mas ele as vendeu e não tem mais nenhuma desde 2016.

Com sua rede internacional de filantropia, Soros é um dos principais financiadores do Partido Democrata norte-americano. Nas eleições de 2022, ele transferiu de sua fortuna pessoal US$ 170 milhões para candidatos democratas, segundo apurou o jornal estadunidense CNBC através do imposto de renda do magnata. De acordo com a mesma publicação, ele fez outras doações para organizações não-governamentais que promovem o cadastramento de eleitores, principalmente oriundos de minorias, para as eleições, o que é uma bandeira do partido Democrata. No Brasil, apoia projetos como a Agência Pública e o Instituto Sou da Paz. No site da organização, é possível acessar a lista completa de instituições e iniciativas beneficiadas com doações.

As teorias conspiracionistas associadas a Soros

O bilionário tem o nome frequentemente associado a teorias conspiracionistas em todo o mundo, principalmente promovidas pela extrema-direita e, em geral, de cunho antissemita. Soros já foi acusado incorretamente de promover a “crise” migratória na Europa e nos Estados Unidos, de ser um ex-combatente nazista e de participar de grupos como os Maçons e os Illuminati.

No Brasil, circulou um boato de que Soros financiaria o Psol. A peça de desinformação foi compartilhada pelo ex-ministro Ciro Gomes (PDT), na época candidato à presidência, durante um debate em 2022. Após decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ciro foi obrigado a apagar o vídeo em que ele fazia tal afirmação.

Em 2018, também durante a campanha presidencial, circulou a informação falsa de que Soros estaria financiando o movimento #EleNão, contrário ao então candidato Jair Bolsonaro (PL), através da Mídia Ninja. O Comprova demonstrou que a informação era falsa.

Em maio deste ano, Soros foi atacado por Elon Musk dias depois de vender sua participação na Tesla. Musk comparou Soros ao vilão Magneto (da Marvel), que sobreviveu ao Holocausto, segundo os quadrinhos. “Ele quer corroer o próprio tecido da civilização. Soros odeia a humanidade”, respondeu Musk a um usuário no Twitter.

Pontos de atenção

Pesquisadora na área de desinformação e doutora em Comunicação, a professora da Unisinos Taís Seibt explica que é uma característica de algumas teorias conspiracionistas mencionar supostos planos secretos financiados por pessoas com muito dinheiro.

No caso de Soros, assim como o de Bill Gates, a execução do projeto “secreto” seria possível porque eles são bilionários. “As duas figuras representam esse poder econômico que seria capaz, usando um termo bem conspiratório, de comprar o sistema para ter o resultado que quiserem”, diz ela. Durante sua campanha presidencial em 2016, Donald Trump e seus apoiadores denunciaram múltiplas vezes o “globalismo”, suposta união sombria entre poderosos, imprensa, bancos e governos contra o povo e em proveito próprio.

Seibt esclarece que um dos perigos das teorias conspiratórias é que elas mexem com paixões e sensações, como o medo de alguma ameaça desconhecida. “Elas trazem uma questão polarizada, que faz com que os conteúdos sejam impulsionados nas redes sociais dentro das chamadas bolhas. Quanto mais se frequenta aquele espaço, mais vão sendo recomendados conteúdos daquele tipo, fazendo com que haja, além da viralização, uma reverberação que acaba fortalecendo grupos mais afeitos a certos pensamentos.”

Uma dica da pesquisadora para não cair em teorias conspiratórias é desconfiar de conteúdos muito alarmistas. “Há uma armadilha aqui, porque essas teorias se apoiam em descredibilizar a imprensa e as instituições, dizendo que tem algo acontecendo e não estão mostrando isso. Mas comece por aí: se a publicação vai por esse caminho, de que a imprensa manipula, desconfie”, orienta.

Como verificamos: Buscamos em sites da imprensa profissional do Brasil e do exterior a respeito da vida e da trajetória de George Soros. Também buscamos informações no site do empresário e da fundação criada por ele. Entrevistamos ainda a doutora em Comunicação Taís Seibt, que é pesquisadora na agência Fiquem Sabendo.

Por que explicamos: George Soros está constantemente no centro de teorias conspiratórias, notadamente divulgadas por grupos de extrema direita e com características antissemitas. O desconhecimento sobre a vida e a atuação de Soros e da Fundação Open Society leva a falsos julgamentos, e, independentemente do que a pessoa acredita, as opiniões devem ser emitidas com base em informações corretas, e não em desinformação.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já fez checagens diversas relacionadas ao nome de George Soros. Uma delas desmentiu que o bilionário fosse responsável por financiar o movimento #EleNão, contra a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018, e que tenha conspirado com outros candidatos para derrubá-lo da corrida eleitoral. Soros também não emprega o ex-presidente do Partido Novo, João Amoêdo, nem é acionista majoritário da Petrobras.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-05-24

Entenda as políticas de preços da Petrobras

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O Preço de Paridade de Importação (PPI) adotado em 2016 pela Petrobras chegou ao fim. Durante sete anos, o preço dos combustíveis acompanhou as oscilações do valor do barril de petróleo no mercado internacional, assim como a cotação do dólar. No período de vigência, o preço da gasolina subiu mais que a inflação, e a Petrobras obteve lucro recorde. Já o novo modelo anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) considera também a demanda do mercado interno.

Conteúdo analisado: Conteúdos nas redes sociais afirmam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria voltado a instaurar a mesma política de preços da Petrobras aplicada durante o governo Dilma Rousseff (PT).

Comprova Explica: A Petrobras anunciou em 16 de maio de 2023 o fim do Preço de Paridade de Importação (PPI), que durante sete anos manteve o preço dos combustíveis atrelado diretamente ao mercado internacional. Tanto o PPI quanto o novo modelo da política de preços, anunciado pelo presidente Lula, foram alvo de conteúdos de desinformação nos últimos anos.

O Comprova Explica reúne informações sobre como funcionou a política de preços da Petrobras durante os governos Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) e as mudanças implementadas no governo Lula, assim como as consequências para a população ao longo dos anos.

O que é a política de preços da Petrobras?

É a maneira como a Petrobras define as variações do preço dos derivados de petróleo vendidos nas refinarias. Em 2016, no governo Temer, houve uma mudança nessa política que atrelou o preço dos combustíveis ao valor do barril de petróleo praticado no mercado internacional, o PPI. Nesse cálculo entrava ainda a oscilação do dólar, os custos de importação e outros fatores. No entanto, a Petrobras não explica como exatamente é feito esse cálculo. A empresa alega que nas fórmulas são consideradas informações importantes para o negócio e que, por isso, não podem ser divulgadas.

Como era a política de preços antes do PPI?

Até o início dos anos 2000, havia monopólio da Petrobras na exploração e venda de petróleo no Brasil. Isso mudou com a Lei 9.478 (Lei do Petróleo), aprovada durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A partir de então, qualquer empresa estrangeira, desde que constituída sob as leis brasileiras, passou a estar autorizada a realizar atividades de exploração, produção, transporte, refino, importação e exportação do petróleo.

Para aproximar o preço praticado pela Petrobras ao das empresas estrangeiras, o cálculo para os combustíveis passou a considerar o valor da commodity no mercado internacional. Os repasses relativos à oscilação dos preços eram feitos com periodicidade definida, por exemplo, a cada três meses.

Havia, porém, interferências da União na frequência desses repasses. No segundo mandato do governo Lula, os preços dos combustíveis chegaram a ficar congelados por dois anos e sete meses.

A ex-presidente Dilma adotou estratégia parecida. Ela foi acusada de usar a Petrobras para “postergar” os aumentos na gasolina e no diesel como manobra para conter a inflação. Em 2014, ano de eleições presidenciais, o governo Dilma chegou a congelar o preço dos combustíveis durante meses. A medida não se sustentou, levando a uma inflação de 10,76% no ano seguinte, em 2015. O movimento de Dilma foi criticado em 2022 por Lula durante debate eleitoral. Segundo ele, a ex-presidente “cometeu equívoco na questão da gasolina”.

Em qual contexto o PPI foi implementado?

O PPI foi implantado durante o governo do ex-presidente Michel Temer, em outubro de 2016. Dilma sofreu processo de impeachment naquele ano. A Petrobras estava no centro das investigações da Operação Lava Jato e vinha perdendo valor de mercado.

O engenheiro Pedro Parente, que tinha sido ministro da Casa Civil durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi nomeado presidente da Petrobras e instituiu o Preço de Paridade de Importação. O objetivo, segundo ele, era dissociar os interesses da empresa dos interesses do governo.

Como funcionava o PPI?

O valor do barril do petróleo no mercado internacional era usado como referência principal para os reajustes de preços. Isso significava que as oscilações nos mercados, para cima ou para baixo, eram repassadas ao preço dos derivados de petróleo nas refinarias e, consequentemente, ao consumidor final. A periodicidade desses repasses não era fixa. Aumentos ou quedas no preço aconteciam sempre que havia variação na cotação do barril de petróleo, ainda que isso ocorresse diariamente.

Como a commodity é cotada em dólar, a alta da moeda americana nos últimos anos influenciou diretamente no aumento do preço da gasolina e do diesel no Brasil. Outros custos de produção, como fretes de navios, logística e taxas portuárias, também eram incorporados ao preço do combustível e repassados ao consumidor.

O que aconteceu com o preço dos combustíveis desde a implementação do PPI?

Desde que a mudança na política de preços dos combustíveis passou a ser adotada pela Petrobras, os preços da gasolina e do diesel foram alterados com mais frequência. A estatal disse, em 2017, que a ideia era ter de fato mais repasses para acomodar as flutuações do câmbio, do petróleo e, com isso, permitir “maior aderência dos preços do mercado doméstico ao mercado internacional no curto prazo”, dando condições de competir “de maneira mais ágil e eficiente”. Naquele ano, segundo o atual presidente da estatal, Jean Paul Prates, foram feitos 118 reajustes de preços.

Diante das altas sucessivas, em 21 de maio de 2018, estourou a greve dos caminhoneiros. Os trabalhadores reclamavam do preço do diesel, que, segundo eles, ficou alto demais e comprometeu o transporte de mercadorias no país. O movimento causou desabastecimento de comida e remédios em diversas cidades brasileiras. Em 30 de maio, a greve foi oficialmente encerrada. Dois dias depois, em 1º de junho, Pedro Parente, presidente da Petrobras que instituiu o PPI, pediu demissão da estatal.

Desde o PPI, a gasolina subiu mais que a inflação. O preço médio do litro da gasolina comum passou de R$ 3,66 em outubro de 2016 para R$ 5,51 em abril de 2023, uma alta de 50,5%, segundo levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP). No mesmo período, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 40,27%.

| Gráfico mostra evolução do preço médio da gasolina no Brasil. Fonte: ANP

Qual foi o lucro da Petrobras durante o PPI?

Durante o PPI, a Petrobras registrou lucros recordes três vezes. Em 2019, a estatal atingiu o recorde da sua história até então, com R$ 40,1 bilhões. Em 2021, atingiu novo valor máximo, com lucro de R$ 106,7 bilhões. Já no ano passado, a estatal teve lucro líquido de R$ 188,3 bilhões.

Veja os resultados da Petrobras desde a adoção do PPI (valores não corrigidos pela inflação):

2016 – prejuízo de R$ 14,8 bilhões;

2017 – prejuízo de R$ 446 milhões;

2018 – lucro R$ 25,8 bilhões;

2019 – lucro de R$ 40,1 bilhões;

2020 – lucro de R$ 7,1 bilhões;

2021 – lucro de R$ 106,7 bilhões;

2022 – lucro de R$ 188,3 bilhões.

Como funciona a nova política de preços da Petrobras, implementada em 2023?

Em 16 de maio de 2023, o presidente Lula anunciou mudanças na política de preços da estatal. Quando ainda estava em campanha, no final de 2022, ele havia criticado o PPI e dito que a política era “para agradar aos acionistas em detrimento de brasileiros“.

Segundo o comunicado feito pela empresa, a nova política passa a considerar, além do mercado internacional, o mercado nacional e as margens da companhia. Dessa forma, o PPI não foi abandonado por completo, mas ele não é mais o único critério.

O presidente da companhia, Jean Paul Prates, disse na coletiva após reunião com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira: “Enfatizo que será mantida a referência de preço internacional”.

Também entram na conta os preços dos combustíveis vendidos pelas refinarias privadas e importadores, assim como os preços dos produtos substitutos, como o etanol hidratado, no caso da gasolina.

De acordo com a companhia, os reajustes continuarão sendo feitos sem periodicidade definida, porém, não será mais repassada para os preços internos a volatilidade das cotações internacionais e da taxa de câmbio.

No comunicado relativo à mudança de estratégia, a Petrobras disse que as decisões relativas à estratégia comercial seguem sendo feitas pela empresa através do Grupo Executivo de Mercado e Preço, composto pelo Presidente da companhia, o Diretor Executivo de Logística, Comercialização e Mercados e o Diretor Financeiro e de Relacionamento com Investidores. Segundo Prates, não haverá intervenção do governo.

Como verificamos: Buscamos informações em sites da imprensa profissional a respeito dos acontecimentos referentes à Petrobras e às alterações da política de preços. Também consultamos o site da estatal e da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Por que explicamos: A Petrobras e a política de preços, principalmente em referência à gasolina e ao diesel, são constantemente alvo de desinformação que vem tanto de pessoas que apoiam Lula quanto da oposição. Entender como funciona a formação do preço dos combustíveis e os critérios de aumento ou redução do preço de venda nas refinarias praticados pela Petrobras ajuda a formar repertório de conhecimento para lidar melhor com possíveis conteúdos de desinformação que possa encontrar.

Outras checagens sobre o tema: Em junho de 2022, o Comprova publicou que, ao contrário do que diziam publicações nas redes sociais, o Brasil é acionista majoritário e responsável pelo controle da Petrobras. Sobre o PPI, a Lupa já desmentiu que a política não foi implementada durante o governo Dilma.