Política

Investigado por: 2023-09-04

Vídeo exagera tamanho de lista de espera por transplante para enganar sobre Faustão e SUS

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Enganoso
É enganoso vídeo em que um homem alega que Faustão “furou a fila” do transplante de coração e passou na frente de 50 mil pessoas por ser rico. O autor do conteúdo também alega que ele próprio segue à espera de um transplante e que não conseguiu por ser pobre. Na realidade, a lista de transplante de coração no Brasil tem 383 pacientes, conforme dados do Ministério da Saúde de 1º de setembro, não 50 mil. Além disso, a priorização leva em conta fatores como gravidade do caso e compatibilidade. Ao Comprova, o homem disse, sem apresentar provas, que aguarda há mais de cinco anos por um coração e, ainda, que está atrás de 18 mil pessoas na “fila”, o que não é possível, uma vez que a lista de espera pelo órgão tem menos de 400 pessoas.

Conteúdo investigado: Vídeo em que homem afirma que Faustão “furou a fila” e passou na frente de 50 mil pessoas porque é rico e famoso: “Eu tô aguardando há tempo com o pé na cova, mas eu não furei fila não, porque eu sou pobre. Eu não vou receber, eu vou morrer.” A legenda diz: “No Brasil, só quem faz transplante de coração é rico”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É enganoso o vídeo em que um homem alega que o apresentador Fausto Silva, o Faustão, “furou a fila” e passou na frente de 50 mil pessoas que estariam esperando por um transplante de coração. De acordo com o Ministério da Saúde, cada órgão tem uma lista de espera específica, e a lista por um coração, na qual estava Faustão, não tem milhares de pessoas. Segundo dados atualizados em 1º de setembro deste ano, são 383 pacientes à espera do órgão.

No conteúdo investigado, o homem também afirma que o apresentador, de 73 anos, teria sido privilegiado por ser rico e famoso, e que pobre morre sem conseguir passar por transplante no Brasil, citando que ele próprio aguarda há muito tempo pelo procedimento. Entretanto, o Ministério da Saúde ressalta que a priorização dos pacientes não tem qualquer relação com fama ou riqueza e que segue critérios técnicos, como gravidade do caso, compatibilidade e condições de saúde que viabilizem uma boa recuperação pós-transplante.

Procurado pelo Comprova, o autor do vídeo, morador de Floriano, no Piauí, disse que infartou em 2018, que ficou internado por um ano em um hospital do Distrito Federal e que, desde então, aguarda por um transplante de coração. Segundo ele, à sua frente, há 18 mil pessoas – o que não é verdade.

A espera superior a cinco anos também não se confirmou. A Secretaria de Saúde do DF informou ao Comprova que a pessoa que aguarda há mais tempo por um coração na unidade da federação foi cadastrada em 23 de abril de 2019 e já teve 24 ofertas recusadas. A pasta acrescenta que registra 43 pacientes na lista, sendo que 39 já tiveram oferta com recusa. As recusas, explica, podem se justificar por falta de exames do doador, logística inviável, condições clínicas do doador, entre outros motivos.

Por fim, o Ministério da Saúde ressaltou que “os pacientes que aguardam por um coração tendem a ser priorizados com frequência, tendo em vista a gravidade com que muitos entram na lista”.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 1º de setembro de 2023, o vídeo publicado no TikTok somava mais de 4,5 milhões de visualizações, 118 mil curtidas e 17,9 mil comentários.

Como verificamos: Primeiramente, em busca de identificar o autor do vídeo, analisamos o perfil em que ele foi publicado. Pelo conteúdo ali postado anteriormente, percebe-se tratar da mesma pessoa em todos os vídeos da conta, o que dá a entender que o perfil é do homem que aparece no conteúdo investigado. O segundo passo foi tentar identificar o autor e entrar em contato com ele.

A estratégia usada foi a análise do perfil para identificar alguma referência de identidade ou localização. Uma das postagens mais antigas é um folder com informações de atendimento de uma psicóloga, com a legenda se referindo à filha do autor. O Comprova entrou em contato com a profissional e confirmou se tratar da familiar do responsável pelo vídeo e conseguiu contato com ele por meio desta pessoa.

Em entrevista ao Comprova, o autor do vídeo afirmou estar na fila de transplantes desde 2018, ao ficar internado no Hospital Regional de Taguatinga, no DF, e que mora atualmente no interior do Piauí. Depois, entramos em contato com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal e com o Ministério da Saúde. Contatamos, ainda, a Central de Transplantes do Piauí e do Ceará.

Fizemos, ainda, pesquisas no Google sobre o tema, usando termos como “Faustão, transplante de coração, furou a fila e lista de espera”, que resultou em reportagens (UOL, G1, Estadão, Valor Econômico, Agência Brasil) e publicações de agências de checagem (Comprova, UOL Confere). Por fim, entrevistamos a médica cardiologista Lívia Adams Goldraich, coordenadora técnica do Programa de Transplante Cardíaco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Faustão não passou na frente de 50 mil pessoas

Diferentemente do que alega o vídeo, Faustão não passou na frente de 50 mil pessoas para realizar um transplante de coração. A lista de espera pelo órgão sequer tem milhares de pacientes – são, na verdade, 383, segundo dados do Ministério da Saúde atualizados em 1º de setembro deste ano. A maior parte dos pacientes é de São Paulo (212), Distrito Federal (43) e Paraná (29).

Cada órgão tem uma lista específica, ou seja, quem espera por um fígado não está na mesma relação de quem precisa de um coração. O transplante de rim, com 37.139 pessoas, tem a lista mais extensa.

“A lista de espera é dividida por órgão e respeita a gravidade de saúde do paciente para que se liste quais são prioritários no atendimento. O paciente Fausto Silva preenchia requisitos prioritários e constava em segundo lugar na espera”, diz nota encaminhada pelo Ministério da Saúde.

Conforme a pasta, a escolha do receptor do órgão a ser transplantado é feita pelo próprio sistema com base em critérios técnicos, que não incluem, por exemplo, poder aquisitivo e popularidade. Além do tempo de espera, são considerados:

  • a gravidade do caso (que indica o risco de a pessoa vir a morrer antes de passar pelo transplante);
  • o tipo sanguíneo;
  • a compatibilidade imunológica (chance maior ou menor de rejeição)
  • o porte físico (receptor e doador devem ter porte físico semelhante);
  • e a distância geográfica (devido ao tempo de duração do órgão fora do corpo, ele precisa ser retirado do doador e transplantado em um intervalo de aproximadamente 4 horas, ou seja, a distância entre receptor e doador também interfere).

“Um doador pode ser melhor para uma pessoa do que para a outra. Pode acontecer de um doador, ele não ser de um tamanho ideal ou não ter compatibilidade imunológica, aí vai para a próxima pessoa da lista. Às vezes, a pessoa pode estar em décimo lugar, mas acabar transplantando antes dos primeiros”, explica a médica cardiologista Lívia Adams Goldraich, coordenadora técnica do Programa de Transplante Cardíaco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Também é necessário que o paciente esteja em condições de saúde que garantam uma melhor recuperação pós-transplante, ou seja, se o paciente adquirir uma infecção ao longo da espera, tratará primeiro essa infecção para, depois, estar apto novamente a passar pelo transplante. Nesse meio tempo, pode ficar com status “inativo” na lista.

Recentemente, o Comprova Explica elencou algumas das situações de extrema gravidade, com risco de morte, e determinadas condições clínicas do paciente que permitem o acesso mais rápido ao transplante, como necessidade de assistência circulatória para pacientes cardiopatas e rejeição de órgãos recentes transplantados.

O ministério ressalta, ainda, que a lista de espera – que vale tanto para pacientes da rede pública quanto para os da privada – é dinâmica e pode ser alterada diariamente pelo sistema informatizado, sempre orientada pelos critérios técnicos.

Tempo de espera por um coração

Quanto ao tempo médio de espera para um transplante de coração, o Ministério da Saúde informa que 27% dos pacientes fazem a cirurgia em menos de 30 dias e 52% em menos de 90 dias. A pasta ressalta, contudo, que alguns podem constar na lista de espera por dois anos ou mais, porque, apesar de se enquadrarem nas patologias que indicam o transplante de coração, não necessitam de internação.

“Isso acontece porque possuem quadro clínico estável e contam com constante acompanhamento da equipe médica. Assim, caso haja piora em seu estado de saúde e necessidade de realização do transplante, a equipe médica atualizará o prontuário no sistema para que fique compatível com as atuais necessidades de tratamento do paciente”, diz o Ministério em nota enviada ao Comprova.

 

Versão do autor do vídeo não se confirma

O autor do vídeo, Antonio Nunes da Silva, de 56 anos, é natural e morador de Floriano, no Piauí. Ao Comprova, ele reafirmou as alegações feitas na gravação que viralizou e acrescentou que espera por transplante há mais de cinco anos. Segundo ele, em setembro de 2018, foi vítima de um infarto e acabou internado em um hospital de Taguatinga, no Distrito Federal, ocasião em que teria entrado para a lista de espera por um coração.

Conforme o relato, ele teria sido acometido pela doença de Chagas e ficado internado por um ano “numa situação caótica esperando o transplante”. Depois, teria abandonado o tratamento em Brasília e voltado para a sua cidade natal, viajando eventualmente para exames. “Tem 18 mil pessoas na minha frente. Minha posição na fila de transplante é essa, 18 mil pessoas na minha frente”, afirmou.

O Comprova pediu a Antonio que encaminhasse os documentos que comprovam sua situação de saúde e a espera de cinco anos por um coração, mas ele se recusou a encaminhá-los.

Consultada, a Saúde disse que não pode passar informações específicas sobre pacientes, mas destacou que a lista de espera por um coração tem menos de 400 pessoas e que, portanto, o paciente, caso esteja na lista, não pode estar em uma posição maior que essa.

A Secretaria de Saúde do Distrito Federal também não fornece informações sobre pacientes atendidos na rede pública de saúde, mas informou que o cadastro mais antigo na lista é de 23 de abril de 2019 – ou seja, inferior a cinco anos. Esse paciente já teve 24 ofertas recusadas. No total, o DF tem 43 pessoas à espera de um transplante de coração, sendo que 39 já tiveram oferta com recusa.

 

 

“O paciente mais antigo pode, em algum momento, ter tido sua inscrição suspensa por complicações, falta de exames etc. As recusas podem ser por falta de exames do doador, logística inviável, condições clínicas do doador, dentre outros”, disse a Secretaria em nota enviada ao Comprova.

Diante da negativa sobre a espera superior a cinco anos, o Comprova entrou em contato com a Central de Transplantes do Piauí, para verificar se o paciente poderia ter sido cadastrado no estado onde mora atualmente, mas o Piauí não tem hospital autorizado pelo Ministério da Saúde a realizar esse tipo de transplante. Quando um morador precisa de um coração, normalmente é encaminhado para o Ceará e precisa se mudar, devido ao tempo de duração do órgão fora do corpo, que é de aproximadamente quatro horas.

“Ele precisaria estar morando próximo [ao local do doador]. Se ele estivesse listado em Brasília, ele teria que estar morando em Brasília ou na região”, explica a médica cardiologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Tanto o Ministério quanto a Secretaria informaram que o próprio paciente ou qualquer familiar pode consultar a lista de espera por um novo órgão pelo site do Sistema Nacional de Transplantes (SNT). É preciso informar o Registro Geral da Central de Transplantes (RGCT), que pode ser obtido com a equipe médica ou na Central de Transplantes, data de nascimento e CPF do paciente cadastrado.

O que diz o responsável pela publicação: Ao Comprova, Antonio Nunes da Silva afirmou que publicou um vídeo para desabafar sobre sua situação, já que estaria na fila para um transplante de coração desde 2018 sem ser contemplado, enquanto Faustão conseguiu passar pelo procedimento em menos de 20 dias. Contou que sofreu um infarto em setembro de 2018, como consequência da doença de Chagas e que a única possibilidade de cura seria o transplante.

O homem disse ainda estar atrás de 18 mil pessoas. Ao ser indagado sobre documentos que comprovariam o diagnóstico da doença e a permanência na lista de espera pelo transplante, Antonio negou-se a concedê-los e mostrou-se indignado com a dúvida sobre o caso.

O que podemos aprender com esta verificação: O vídeo usa números exagerados e ataca o sistema de saúde e o apresentador Fausto Silva sem apresentar provas. O autor do conteúdo investigado adiciona um relato pessoal para sensibilizar as pessoas sobre o tema, alegando que, como pobre, não teria o mesmo acesso que uma pessoa rica a um transplante, despertando indignação em quem assiste, o que pode ser percebido pelos comentários no post. Novamente, ele não apresenta nenhum documento que comprove tal alegação.

Ao se deparar com um conteúdo como esse, antes de compartilhar a publicação, busque se informar junto a órgãos oficiais e veículos jornalísticos de sua confiança sobre como funciona a lista de espera por transplantes no Brasil.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Outras agências de checagem já verificaram conteúdos falsos ou enganosos associados ao transplante pelo qual passou Faustão (Aos Fatos, UOL Confere, Agência Lupa, Estadão Verifica).

O próprio Comprova já fez um Explica sobre como funciona a lista de espera por um transplante de órgãos no Brasil. Também já mostrou que a autorização da ozonioterapia no país está condicionada à aprovação da Anvisa e que as vacinas não têm vírus e fungos ‘do câncer’.