O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2024-02-19

Vídeos enganam ao indicar ivermectina para o tratamento da dengue

  • Enganoso
Enganoso
Não há comprovação científica da eficiência da ivermectina, um antiparasitário, na prevenção e tratamento de pacientes com dengue e nem seu uso é recomendado para tratamento da doença. Estudo usado como base para a afirmação feita por alguns profissionais da saúde nas redes sociais foi realizado apenas com ensaios in vitro. São necessários estudos clínicos para comprovar a eficácia em seres humanos. A ivermectina produz efeitos colaterais e não deve ser tomada indiscriminadamente.

Conteúdo investigado: Profissionais da saúde afirmam em vídeo nas redes sociais que a ivermectina, um medicamento antiparasitário, serviria para o tratamento do vírus da dengue. Um deles usa um artigo científico para embasar a defesa, estudo em que o medicamento é utilizado in vitro (apenas em ambiente laboratorial).

Onde foi publicado: X (antigo Twitter), WhatsApp e Instagram.

Conclusão do Comprova: Vídeos que circulam nas redes sociais mostram profissionais da saúde afirmando que a ivermectina seria eficaz no combate à dengue, o que já foi desmentido pelo Ministério da Saúde (MS) em 5 de fevereiro de 2024. De acordo com a pasta, a ivermectina — um antiparasitário usado principalmente para combater vermes— não é eficaz e não diminui a carga viral da dengue. O MS alerta ainda que não reconhece qualquer protocolo que inclua o medicamento no tratamento da doença.

Em uma das gravações, o biomédico Dermeval Reis mostra um estudo publicado em uma revista científica que embasaria as afirmações.

Nos outros vídeos, o médico Leandro Almeida nega que haja um aumento incomum nos casos de dengue no Brasil e sugere que o “alarde” é porque “agora existe uma vacina”. Ele também diz que médicos que negam a eficiência da ivermectina no tratamento de infecções virais e bacterianas “não estudam ou têm viés ideológico”.

A vacina contra a dengue, conhecida como Qdenga, da farmacêutica Takeda, foi incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e já está sendo aplicada em adolescentes de 10 a 14 anos. O Brasil foi o primeiro país do mundo a oferecer a vacina no sistema público universal. A eficácia e a segurança da vacina foram comprovadas por estudos científicos validados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que liberou o imunizante, neste primeiro momento, apenas para adolescentes de 10 a 14 anos – faixa etária que concentra o maior número de hospitalizações, depois dos idosos. O laboratório não apresentou à Anvisa resultados de testes com pessoas acima de 60 anos, então o imunizante só pode ser aplicado nesse público em caso de indicação médica.

Casos prováveis da doença quintuplicaram em janeiro de 2024 no comparativo com o mesmo período do ano passado: subiram de 93.298 para 472.129, segundo o Painel de Monitoramento das Arboviroses, do Ministério da Saúde, um aumento de 406,04%.

Em ambos os casos, a disseminação de informações sem comprovação científica é feita por profissionais da saúde, o que leva parte da população a acreditar na veracidade da informação sem buscar por uma verificação. Entretanto, nenhum estudo ou órgão oficial de saúde endossa o uso do medicamento para prevenção e tratamento da dengue. Aqueles que seguem a recomendação de tais profissionais se submetem ao risco de ter a saúde prejudicada, uma vez que o medicamento pode provocar efeitos colaterais.

O antiparasitário ivermectina voltou a circular nas redes sociais em postagens falsas e enganosas como um possível medicamento para tratar doenças virais, assim como ocorreu na pandemia de covid-19. À época, Ministério da Saúde e Organização Mundial de Saúde (OMS) ressaltaram a ineficácia do medicamento no combate ao coronavírus. Em novembro de 2023, com o avanço da vacinação global da covid, a OMS chegou a atualizar diretrizes terapêuticas da doença e reiterou o veto ao uso da ivermectina.

Os conteúdos são enganosos, pois usam um estudo real, para chegar a uma conclusão falsa, que pode ser prejudicial aos pacientes com dengue, segundo especialistas. Há pesquisas em laboratório que testam o uso da ivermectina contra o vírus da dengue, mas ainda não existe nenhum teste clínico em humanos em larga escala que comprove sua eficácia.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 16 de fevereiro, os vídeos tinham 135,6 mil visualizações, 2 mil compartilhamentos e 5 mil curtidas no X. Somadas, no Instagram, as publicações foram vistas por 705 mil pessoas e tiveram 37 mil compartilhamentos.

Como verificamos: Buscamos o artigo citado em um dos vídeos pelo título. Após constatar que se tratava de um estudo real publicado em uma revista científica, entramos em contato com especialistas para entender se apenas aquela pesquisa seria suficiente para confirmar a suposta eficácia da ivermectina contra o vírus da dengue – o que eles negaram. Também procuramos posicionamento do Ministério da Saúde sobre os boatos.

Experimentos in vitro não podem ser usados para confirmar eficácia de medicamento

O coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Naime Barbosa, verificou o artigo citado em um dos vídeos e explicou que pesquisas feitas em tubos de ensaio ou com animais não podem ser tomadas como definitivas para conduta médica. “São estudos que prospectam a possível ação de uma droga, ou seja, dão algumas pistas”, disse.

“Não existe comprovação de eficácia [da ivermectina contra a dengue] em seres humanos. Esse estudo foi feito com amostra de seres humanos, mas foi um estudo in vitro. Portanto, não serve para tomada de decisão e, por isso, nenhum organismo recomenda. Até porque o mecanismo de ação da ivermectina não é esse: ele atua contra vermes, parasitas, não tem nada a ver”, afirmou.

Na mesma linha de raciocínio, André Prudente, médico infectologista e professor do Departamento de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que um medicamento testado in vitro, isto é, somente no laboratório, não necessariamente será eficaz in vivo, no organismo humano, para combater ou tratar determinada doença.

“Eu conheço o trabalho. Esse artigo publicado não prova absolutamente nada. É um artigo que foi feito in vitro. Inibir uma proteína do vírus não quer dizer que seja tratamento para o vírus. Portanto, não há estudos bem conduzidos, com metodologia adequada, o que a gente chama de ‘ensaio clínico randomizado’, que mostrem qualquer eficácia da ivermectina em dengue ou qualquer outro vírus”, detalha.

Para conseguir verificar se o medicamento é, de fato, eficaz contra uma condição, seriam necessários ensaios clínicos com pacientes infectados pela doença, de acordo com os especialistas. O coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Dengue, Mauro Teixeira, diz que um trabalho de 2021 concluiu que a ivermectina não tem eficácia clínica contra o vírus da dengue.

“Não há evidência óbvia na literatura, que eu consiga achar em fontes confiáveis, que [a ivermectina] funcione para pacientes com dengue. Se não há evidências, não há recomendação de uso”, declarou.

Ele lembrou ainda que a ivermectina, assim como todo medicamento, produz efeitos colaterais e não deve ser tomada indiscriminadamente. A bula da ivermectina cita dores, vômitos, reações na pele e dispneia (falta de ar) como algumas das reações adversas mais comuns.

Recomendações do Ministério da Saúde

Na nota citada anteriormente, o órgão aconselha que pessoas com sintomas da dengue procurem a unidade de saúde mais próxima, para serem orientadas por um profissional. Além disso, não é indicado se automedicar, porque uma série de remédios comuns, como a aspirina, podem ter efeitos colaterais indesejados.

A recomendação para casos leves da doença é de repouso, enquanto durar a febre, e hidratação. Na maioria dos casos, os sintomas desaparecem após 10 dias. Caso haja dor forte e sangramentos, é indicado procurar um serviço de saúde.

“As condutas clínicas indicadas pelo Ministério da Saúde são sustentadas em bases científicas e evidências de eficácia que garantem a segurança do paciente. Os medicamentos prescritos para o tratamento têm aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e constam na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais do SUS (Sistema Único de Saúde)”, informa a pasta.

O ministério ainda orientou não confiar em tudo que circula na internet. “Não existe receita milagrosa quando o assunto é saúde”, afirma o comunicado . “Não repasse conteúdos duvidosos, cheque os dados em fontes oficiais e informe a todos que você conhece sobre o perigo da desinformação. Fake news pode matar”.

O que diz o responsável pela publicação: Leandro Almeida insistiu na falsa eficácia da ivermectina contra o vírus da dengue, e disse que “existem vários artigos mostrando eficácia, porém, cada veículo de informação irá postar somente aquilo que é do seu interesse, mesmo que a verdade se mostre outra”. Ele indicou três artigos que, assim como o checado por Comprova, também foram limitados a testes em laboratório e em animais e, portanto, não comprovam nenhum benefício da ivermectina em pacientes humanos. Um deles, inclusive, teve os resultados questionados pelo conselho editoral da revista científica. Dermeval Reis não respondeu até o fechamento desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: Interpretações de estudos científicos podem ser usados para chegar a conclusões falsas. Desconfie de publicações que não tragam link para a fonte dos estudos citados. E, na dúvida, procure as autoridades da área, como a OMS e o Ministério da Saúde, e dados na imprensa profissional para ter informações confiáveis.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Além do Ministério da Saúde, veículos de imprensa também desmentiram a suposta eficácia da ivermectina contra a dengue, como a Folha de S.Paulo e o g1. O Comprova também verificou outro vídeo falso de Leandro Almeida, de julho de 2022, que relacionava a vacina da covid-19 a herpes-zóster. Na pandemia, o Comprova verificou ainda que não havia prova de que a ivermectina curasse a covid-19, ao contrário do que afirmava uma médica. Além disso, uma publicação no Twitter sobre um estudo que supostamente provava a eficácia da ivermectina contra a covid-19 foi desmentida.

Saúde

Investigado por: 2024-02-16

Vinagre de álcool não é recomendado como medida para combater mosquito da dengue

  • Falso
Falso
É falso que distribuir recipientes com vinagre de álcool no chão dos domicílios seja um método recomendado contra o Aedes aegypti, transmissor da dengue. Especialistas ouvidos pelo Comprova afirmam não haver comprovação científica sobre o uso da substância no combate ao mosquito. O Ministério da Saúde também não cita a utilização do produto alimentício como forma de prevenção à dengue e outras arboviroses urbanas, como zika e chikungunya.

Conteúdo investigado: Vídeo divulgado nas redes sociais indica o uso de vinagre de álcool como repelente contra o mosquito da dengue. Nas imagens, um homem que diz ser presidente do Comitê da Dengue de São Miguel do Iguaçu (PR) afirma que colocar o produto em recipientes no chão dos cômodos da casa funciona para afastar o Aedes aegypti.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e TikTok.

Conclusão do Comprova: Não é verdadeiro que o vinagre seja um método de prevenção e controle do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, diferentemente do que alega vídeo viral. Procurada pelo Comprova, a Prefeitura de São Miguel do Iguaçu (PR), cidade da qual o autor do vídeo diz ser, afirmou que o homem que aparece na gravação recomendando o produto é Edílio Diesel, que atuou como presidente do Comitê Intersetorial para Controle da Dengue de 2019 a 2020 e atualmente não faz parte do grupo. A gestão do município informou que usar vinagre para o combate ao Aedes aegypti não é uma orientação dada à população, pois “não há comprovação da sua efetividade”.

A tática de colocar potes com o produto nos cômodos de casa, citada no vídeo investigado, não faz parte das recomendações do Ministério da Saúde para o enfrentamento à doença. Os especialistas consultados pelo Comprova também informaram não haver comprovação de que o vinagre seja capaz de combater a dengue e disseram que, na realidade, a ação pode causar mais exposição.

Tânia Vergara, médica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), explicou que não há estudos que demonstram que o vinagre é capaz de combater o mosquito. “A notícia é falsa e aumenta o risco de adquirir a dengue, por ser inadequada”, diz. A pesquisadora em gestão de saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Chrystina Barros, também afirmou que “a informação não tem procedência” e enfatizou que “o vinagre não é usado como repelente ou para matar larvas e afastar o mosquito”.

Ademir Martins, biólogo do Laboratório de Biologia, Controle e Vigilância de Insetos Vetores do Instituto Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), esclareceu que os mosquitos podem ser atraídos pelo vinagre através do olfato e, ao se aproximarem, morrerem por intoxicação ou afogados. No entanto, a medida não é adequada para o combate à dengue. “Em muitas casas há crianças e animais domésticos que não devem beber o líquido. Além disso, todo recipiente que acumule água pode se tornar um criadouro de Aedes”, frisou o pesquisador.

O site da Associação Nacional das Indústrias de Vinagre (Anav) é citado nas publicações sobre a utilização do produto para o combate à dengue, nesse caso, no entanto, ele seria utilizado para combater as larvas, e não o próprio mosquito. Em 2008, a Anav divulgou um artigo recomendando o vinagre como um “poderoso auxiliar no tratamento de saúde” e “mais nova e barata arma para combater a larva que origina o mosquito Aedes aegypti”. Porém, ao ser procurada pelo Comprova em 2024, informou que “não há atualização da orientação, pois foi publicada há alguns anos”.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, a publicação acumulou mais de 2,9 mil visualizações e 75 curtidas até o dia 16 de fevereiro. O vídeo foi replicado por diferentes contas no TikTok superando mais de 800 visualizações antes da publicação desta checagem.

Como verificamos: A reportagem fez contato com a Prefeitura de São Miguel do Iguaçu para verificar a veracidade da relação do homem que aparece no vídeo com o Comitê Intersetorial para Controle da Dengue e as recomendações oficiais da pasta para a população do município. Ainda foram realizadas buscas pelas orientações do Ministério da Saúde de combate e prevenção, dados da dengue e informações sobre a vacina contra a doença, bem como entrevistas com especialistas da área de saúde sobre a eficácia da utilização de vinagre contra o Aedes aegypti. A checagem ainda procurou por vídeos e matérias com os termos vinagre, mosquito e dengue, descobrindo que a publicação já circulava nas redes sociais desde 2020 e já havia sido desmentida por outros veículos.

Combate à dengue

Segundo o Ministério da Saúde, a dengue é uma doença febril aguda, sistêmica, dinâmica, debilitante e autolimitada, em que a maioria dos doentes se recupera, porém, parte deles pode progredir para formas graves, inclusive ir a óbito. O vírus da dengue (DENV) pode ser transmitido ao homem principalmente por via vetorial, ou seja, pela picada de fêmeas de Aedes aegypti infectadas. Já os casos de transmissão por via vertical (de mãe para filho durante a gestação) e por transfusão de sangue são raros. Dados do painel de monitoramento de arboviroses do Ministério da Saúde, verificados pelo Comprova em 16 de fevereiro, apontam que o Brasil registrou 532.921 casos prováveis de dengue, com 90 mortes pela doença confirmadas e outras 348 em investigação. O coeficiente de incidência da dengue no país, até a data, era de 262,4 casos para cada grupo de 100 mil habitantes.

Em dezembro de 2023, a vacina contra a dengue foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e entrou no Calendário Nacional de Vacinação pela primeira vez em fevereiro deste ano. Por conta da capacidade de produção laboratorial, a primeira campanha atende 521 municípios, distribuídos em 37 regiões endêmicas, e contempla apenas crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, faixa etária que apresenta maior risco de agravamento. Além desse grupo, um estudo do Ministério da Saúde, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMSRio), iniciado em 16 de fevereiro, vai imunizar 20 mil voluntários, entre 18 e 40 anos, residentes do bairro de Guaratiba, na Zona Oeste da cidade, para avaliar a eficácia da vacina na população adulta. O objetivo é comparar a incidência de infecção sintomática em um grupo vacinado com a incidência entre não vacinados, tornando possível medir a efetividade do imunizante na prevenção de casos sintomáticos de por qualquer sorotipo.

O Ministério da Saúde e especialistas da área ouvidos pelo Comprova destacam que, mesmo com a vacina, o controle do vetor Aedes aegypti é o principal método para a prevenção e combate à dengue e outras arboviroses urbanas. As ações preventivas devem ser adotadas em períodos fora da sazonalidade da doença, porque são o momento ideal para manutenção de medidas para prevenir epidemias futuras. A pasta recomenda o uso de telas nas janelas e repelentes em áreas de reconhecida transmissão; remoção de recipientes que possam se transformar em criadouros de mosquitos; vedação de reservatórios de caixas d’água; além de desobstrução de calhas, lajes e ralos.

“As ações para dengue têm que envolver educação, eliminar criadouros de mosquitos, aplicar inseticidas e larvicidas, devidamente registrados, em áreas de risco, além das medidas de proteção individual, como repelentes e, para dentro de casa, as telas”, afirmou Chrystina Barros. “Prestem atenção em caixas d’água abertas, calhas, pneus, acúmulo de lixo na via pública, o poder público também é responsável. Em piscinas, devem ser limpas e cloradas adequadamente. Usem repelentes à base de DEET ou Icaridina”, destacou Tânia Vergara.

“Com apenas dez minutinhos por semana é possível andarmos pela casa e ao redor para verificar se há objetos que estão acumulando água e virando depósito de ovos do mosquito. Agindo uma vez por semana, a população interfere no desenvolvimento do vetor, já que seu ciclo de vida, do ovo ao mosquito adulto, leva de 7 a 10 dias. Com uma ação semanal, é possível impedir que ovos, larvas e pupas do mosquito cheguem à fase adulta, freando a transmissão dessas doenças”, reforçou Ademir Martins.

O que diz o responsável pela publicação: Procurados, os responsáveis pelos perfis que divulgaram o vídeo e o ex-presidente do Comitê Intersetorial para Controle da Dengue da Prefeitura de São Miguel do Iguaçu, Edílio Diesel, não responderam à tentativa de contato do Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: Em meio a crises de saúde, é comum que a desinformação sobre métodos de prevenção ou tratamento se torne viral nas redes sociais. É importante lembrar que movimento semelhante também ganhou destaque em 2020, no início da pandemia de covid-19, com indicações de produtos como a água tônica para combater a doença, o que não tem qualquer comprovação científica. Neste caso, o surto de dengue no Brasil e a urgência do enfrentamento da doença se tornaram o alvo do conteúdo falso que faz recomendações sem evidências e comprovações científicas. Duvide de indicações milagrosas de medicamentos ou produtos que prometem uma resolução rápida de problemas de saúde ou doenças. Antes de acreditar, procure pelas recomendações das autoridades de saúde e especialistas e dados publicados na imprensa profissional para ter informações confiáveis sobre o assunto.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As informações verificadas já haviam sido desmentidas anteriormente pelo UOL Confere, bem como a ação de outros métodos que não os recomendados pelas autoridades de saúde no combate ao mosquito e cura da doença, pelo Boatos.org. Em 2023, o Comprova também já tinha esclarecido sobre a incorporação da vacina contra a dengue ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), Em 2024, o Comprova mostrou como funciona o mosquito geneticamente modificado utilizado no combate à dengue.

Comprova Explica

Investigado por: 2024-02-15

Entenda como age o mosquito da dengue geneticamente modificado

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Posts com desinformação envolvendo mosquitos Aedes aegypti geneticamente modificados para o controle de doenças como dengue estão viralizando em um momento em que o país vive uma alta no número de casos. Uma dessas postagens cita reportagem de 2019 sobre um estudo que questionava a eficácia da tecnologia e, mais do que isso, afirmava que poderiam agravar o quadro das doenças. A reportagem é verdadeira, mas a revista Nature, que publicou o estudo originalmente, divulgou meses depois um texto com críticas ao artigo dizendo não haver dados que apoiem a tese de que o mosquito modificado seria mais resistente do que a espécie anterior.

Conteúdo analisado: Posts envolvendo o Aedes do Bem, caixa com ovos de mosquitos Aedes aegypti geneticamente modificados para o controle de doenças como dengue e febre amarela. Um dos conteúdos usa reportagem exibida pela Band em 2019 sobre um estudo que sugere que a alteração genética pode ter criado um supermosquito mais resistente.

Comprova Explica: Dados do Ministério da Saúde divulgados na quarta-feira, 14 de fevereiro, dão conta de mais de 524 mil casos prováveis de dengue em todo o país em 2024, com 84 mortes confirmadas desde o início do ano. Em paralelo, crescem nas redes sociais publicações de boatos envolvendo a dengue que confundem e podem causar danos à população.

Um dos boatos detectados pelo Comprova trata do Aedes do Bem, produto de uma empresa britânica com filial no Brasil constituído por ovos de mosquitos Aedes aegypti geneticamente modificados com o objetivo de controlar a dengue e outras infecções, como chikungunya e febre amarela. Posts usando uma reportagem da Band de 2019 sobre uma possível piora do quadro de transmissão de doenças que o Aedes do Bem poderia causar estão sendo compartilhados de forma descontextualizada. O estudo citado na reportagem foi questionado pela comunidade científica e rebatido por editores da revista Nature, onde havia sido publicado originalmente.

Frente ao perigo da desinformação relacionada à saúde, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre o que é o mosquito Aedes aegypti geneticamente modificado para o controle de doenças.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar a situação da dengue no Brasil em sites como o do Ministério da Saúde e o que é o Aedes do Bem na página da empresa e em reportagens sobre o assunto.

Também foi consultada a página da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), agência reguladora de biossegurança do Brasil, da revista Nature e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Aedes do Bem

Este é o nome comercial usado pela empresa britânica Oxitec para seu carro-chefe: uma caixa com ovos do mosquito Aedes aegypti geneticamente modificados para controle de doenças. Como diz o site da empresa, que tem filial em Campinas, no interior paulista, os mosquitos que vêm na caixa são machos e, do cruzamento com as fêmeas – que são as transmissoras de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela, entre outras –, apenas os filhotes machos sobrevivem, reduzindo a população transmissora dos vírus.

O produto é apresentado em duas versões, uma para uso em residências e outra para utilização profissional. A primeira pode ser comprada pela internet por R$ 199 (valor em 14 de fevereiro).

Fundada em 2002 na Universidade de Oxford, no Reino Unido, a Oxitec está no Brasil há mais de dez anos. Os mosquitos Aedes do Bem já foram testados em cidades brasileiras (leia mais abaixo) e possuem um gene marcador fluorescente, que brilha ao ser exposto a uma luz específica sob o microscópio, permitindo que sejam rastreados e diferenciados dos mosquitos selvagens, como explica o site da empresa.

Segundo parecer técnico da CTNBio publicado em 2020, o produto atende à legislação que visa “garantir a biossegurança do meio ambiente, agricultura, saúde humana e animal”.

Em quais evidências científicas ele se baseia?

Um projeto piloto de quatro anos foi realizado em Piracicaba, no interior de São Paulo, com o objetivo de apurar a eficácia do programa em áreas com altos índices de transmissão de dengue, entre 2015 e 2018. Os testes tiveram início em um bairro com 5 mil moradores e, ao longo do tempo, foram ampliados para 11 regiões do município, englobando 60 mil residentes. Após quatro anos de liberação do “mosquito do bem”, os estudos identificaram uma redução média de 98% na população do “mosquito selvagem” nas áreas controladas pelos pesquisadores.

O projeto foi conduzido em três fases: na primeira, foram coletados dados do histórico do mosquito na região monitorada, incluindo sazonalidade, incidência de dengue e demografia, e também montadas as armadilhas para os ovos do mosquito; na segunda, teve início a liberação do “mosquito do bem”; na terceira, os pesquisadores avaliaram se a supressão do mosquito selvagem já era suficiente para reduzir os vetores modificados.

No piloto, a prefeitura de Piracicaba selecionou o bairro CECAP/Eldorado para receber o produto e tentar controlar a epidemia de dengue naquele momento, com 133 casos entre cinco mil pessoas. O bairro controle, Alvorada, que serviu de referência para comparar a eficácia do programa e não recebeu os mosquitos modificados, ficava a dois quilômetros de distância. As áreas possuíam características semelhantes de tipo de edificação, saneamento básico e densidade populacional.

A liberação dos mosquitos modificados ocorria três vezes por semana. No primeiro ano, foram soltos 45 milhões de mosquitos; no segundo, 30 milhões; no terceiro, 13 milhões. No primeiro pico da estação chuvosa, período em que o transmissor se reproduz com mais facilidade, a quantidade de larvas nas armadilhas foi sete vezes menor no bairro CECAP/Eldorado do que a observada no bairro controle, o Alvorada. A redução da população do mosquito foi de 79%. Com o resultado positivo, os pesquisadores diminuíram em 33% a liberação de novos vetores.

Na segunda estação chuvosa, entre 2016 e 2017, a circulação do mosquito selvagem permaneceu em queda, de 81%. Na terceira estação, a supressão foi de 76%. Durante esse período, os bairros não receberam inseticidas de origem química.

Em outro estudo de caso, foram realizados testes na cidade de Indaiatuba, também em São Paulo, em 2018, com uma segunda geração do produto. O projeto alcançou 12 bairros, uma área com 45 mil habitantes. Após cinco anos de monitoramento, a queda média da população do Aedes aegypti nas áreas tratadas foi de 96%.

Entre 2011 e 2015, a empresa também fez testes em duas cidades do interior da Bahia: Jacobina e Juazeiro. As pesquisas foram realizadas por cientistas da Universidade de São Paulo em conjunto com a Biofábrica Moscamed Brasil, primeira fábrica de mosca do país. A fábrica foi criada em 2006 com o objetivo de realizar o controle biológico da mosca-do-mediterrâneo, uma praga da fruticultura brasileira, por meio de insetos estéreis. Em ambos os municípios, o projeto-piloto identificou uma queda de mais de 90% da população de Aedes aegypti após a liberação dos mosquitos modificados.

Um parecer técnico emitido pela CTNBio em 2020 atestou que o programa “não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente ou saúde humana”. No mesmo ano, o programa foi testado na Flórida, nos Estados Unidos, e também não representou riscos de biossegurança, garantindo aprovação da Agência de Proteção Ambiental do país. Os resultados do piloto em território americano ainda não foram divulgados, e o estudo segue em andamento.

Estudo publicado pela Nature em 2019 e revisado em 2020

Um dos posts que viralizou sobre o Aedes do Bem usa uma reportagem da Band de 2019 que citava um estudo publicado na revista Nature segundo o qual a alteração genética poderia gerar um supermosquito, piorando o quadro de doenças que ele deveria combater. Só que, em 2020, editores da publicação fizeram alguns apontamentos revisando o que havia sido publicado inicialmente.

O estudo, publicado em setembro de 2019, foi assinado por dez cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, e analisou dados do Aedes do Bem em um piloto realizado entre junho de 2013 e setembro de 2015 em Jacobina, na Bahia. Os pesquisadores alegam ter concluído que a liberação de mosquitos geneticamente modificados criou um “supermosquito”, mais selvagem do que o Aedes aegypti anterior e possivelmente resistente a inseticidas.

De acordo com a pesquisa, os mosquitos manipulados em laboratório transferiram os genes para a população local do inseto, o que teria contribuído para a suposta adaptação da espécie. Os cientistas alegam na conclusão do estudo que não é possível apontar os efeitos dessa transferência no controle de transmissão de doenças, e afirmam não terem encontrado “diferenças significativas” nas taxas de infecção por dengue e zika em laboratório, o que, segundo os autores, pode ser alterado em condições de campo.

O programa criado pela Oxitec parte do princípio de que os mosquitos modificados não chegarão à idade adulta por terem nascido mais frágeis. O estudo aqui verificado diz que, se essa letalidade for completa, a liberação da espécie com o novo genoma deverá resultar apenas na redução da população, sem alterar a genética do inseto natural. Os cientistas reconhecem, no entanto, que entre 3% e 4% dos descendentes do mosquito modificado com o mosquito selvagem podem sobreviver até a idade adulta, embora sejam fracos e possivelmente inférteis.

O estudo também afirma que a cepa liberada pela empresa Oxitec em território baiano foi derivada do cruzamento de duas outras cepas: uma originária de Cuba e outra do México. Essa combinação “tri-híbrida” teria gerado características genéticas distintas, resultando em uma população mais robusta do que a espécie anterior do mosquito devido justamente ao “vigor híbrido”, de acordo com os pesquisadores.

Em março de 2020, a revista Nature publicou um “editorial de preocupação” com o artigo. A nota cita falta de dados e omissão de resultados que comprovem as conclusões da pesquisa e faz ponderações quanto à linguagem utilizada pelos cientistas.

“O título não deixa claro que os autores examinaram apenas genomas de espécimes que não possuíam os transgenes e foram amostrados durante o período de liberação”, diz trecho do editorial. “Nenhuma amostragem para este estudo foi realizada mais do que algumas semanas após o programa de liberação e, como tal, não há evidências no artigo que estabeleçam se as sequências introgredidas não transgênicas da cepa liberada permaneceram na população ao longo do tempo. Além disso, trabalhos anteriores de alguns dos autores (referência 6 no artigo) mostraram que, com o tempo, o transgene se perde da população, mas o artigo não divulga esta informação”, afirma a nota.

A revista também faz um alerta sobre as alegações de que a espécie híbrida seria mais resistente do que a população anterior. “Não existem dados no artigo que apoiem este ponto; além disso, os dados incluídos no artigo indicam que um número de indivíduos híbridos diminuiu rapidamente após a libertação”, diz o comunicado. Os editores ponderam, ainda, que os pesquisadores sugerem a ausência de monitoramento da liberação do mosquito geneticamente modificado no município de Jacobina. O programa, no entanto, já estava sendo acompanhado pela CTNBio.

Os cientistas que assinam o artigo foram contatados sobre as preocupações apontadas pela revista, que também procurou outros revisores especialistas no assunto. A comunidade científica consultada pelos editores confirmou que as ponderações são válidas. Dos dez pesquisadores envolvidos no estudo, seis concordaram com a revisão e outros quatro discordaram das notas. A publicação ofereceu a possibilidade de correção dos pontos abordados, mas, segundo a Nature, os autores não responderam se chegaram a um consenso sobre a retificação.

Por que explicamos: A seção Comprova Explica esclarece temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. Quando posts geram boatos infundados sobre temas relacionados à saúde, como neste caso, a desinformação pode colocar vidas em risco. No momento em que o Brasil vive surtos da dengue, com ao menos 84 mortos e mais de 226 mil casos confirmados da doença até 14 de fevereiro, segundo o Ministério da Saúde, a sociedade tem o direito de receber a informação correta para se proteger.

Outras checagens sobre o tema: Outros conteúdos de desinformação tentando assustar a população com assuntos ligados à saúde já foram verificados pelo Comprova. Para levar a informação correta ao leitor, a seção Comprova Explica já trouxe detalhes de como funciona a lista de espera por transplante de órgão no Brasil e mostrou por que recomendação da vacina da Astrazeneca contra a covid-19 foi alterada.

Saúde

Investigado por: 2023-12-01

Agência europeia não desqualificou vacinas contra a covid-19, diferentemente do que afirma médico

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Enganoso
Não é verdade que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) tenha desqualificado vacinas de RNA mensageiro contra a covid-19. A alegação foi feita por um médico brasileiro que se baseou em uma entrevista coletiva de um deputado europeu antivacina que distorce uma carta da organização. No documento, a agência defende a segurança dos imunizantes e mantém a recomendação ao uso deles.

Conteúdo investigado: Em vídeo no Instagram, médico cita uma coletiva de imprensa realizada no Parlamento Europeu, em que alguns deputados discorreram sobre uma carta enviada a eles pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Segundo o autor da publicação, a EMA diz no documento, que não estaria publicado no site da entidade, que não há indicação para vacinação de menores de 60 anos, devido à “baixíssima fatalidade de pessoas jovens e sadias”. O médico ainda afirma que a EMA “só autorizou comercialização de vacina de RNAm para proteção individual dependendo do médico”, não tendo sido indicada a imunização em massa. Ainda de acordo com o médico, a proteína Spike — utilizada pelas vacinas de RNAm — seria tóxica. Um texto acompanha o vídeo: “EMA surpreende parlamentares europeus com conclusões óbvias mas que desqualificam as vac de RNAm”.

Onde foi publicado: Instagram.

Conclusão do Comprova: Não é verdade que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) tenha desqualificado vacinas de RNA mensageiro contra a covid-19, conforme alega um médico em vídeo no Instagram. Ele também menciona informações falsamente atribuídas à EMA sobre os imunizantes ao se basear em uma coletiva de imprensa comandada por um deputado europeu antivacina, Marcel de Graaff, que, na verdade, deturpou na ocasião uma carta da agência.

O parlamentar havia enviado uma carta anterior à entidade em 4 de outubro de 2023 requerendo a suspensão, na Europa, das autorizações de venda das vacinas Comirnaty e Spikevax, ambas de RNA mensageiro e feitas contra a covid-19. No dia 18 daquele mesmo mês, a EMA respondeu às ponderações do deputado com documento no qual defende a segurança dos imunizantes e mantém a recomendação do uso deles.

“As evidências continuam a mostrar que as vacinas proporcionam proteção, o que é particularmente importante para as pessoas vulneráveis. Remover essas vacinas como uma opção aos estados-membro da União Europeia e para os profissionais de saúde sem a devida atenção aos dados disponíveis seria, portanto, um grande desserviço para a União Europeia e para a saúde pública”, aponta a carta assinada por Emer Cooke, diretora-executiva da EMA. Esse trecho não é lido pelo deputado na coletiva.

O médico brasileiro, que se baseia na entrevista coletiva, alega que a EMA teria admitido não haver indicação de imunização para menores de 60 anos, que a covid-19 tem baixíssima letalidade entre pessoas jovens e sadias, e que não há registros de efeitos secundários das vacinas. A entidade não faz nenhuma dessas alegações.

Na carta, a EMA afirma que as vacinas são indicadas para ativar a proteção do indivíduo imunizado contra a doença e que as autoridades de saúde monitoram continuamente os dados sobre vacinados e relatos de eventuais efeitos, ponderando que nem toda adversidade pode ser associada aos imunizantes.

“Tais eventos adversos podem ocorrer por outras razões em pessoas vacinadas, como acontecem em pessoas não vacinadas”, explica a EMA na carta enviada ao deputado e tornada pública desde então.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo teve 776 mil visualizações, 60,7 mil curtidas e 1,6 mil comentários até 1º de dezembro.

Como verificamos: Acessamos o link disponibilizado na postagem original. A partir da descrição do vídeo no link, foi possível entender que se tratava de uma coletiva de imprensa concedida no Parlamento Europeu em Estrasburgo, na França, em 21 de novembro de 2023. Na ocasião, não houve qualquer participação da Agência Europeia de Medicamentos.

A coletiva foi comandada por Marcel de Graaff, deputado europeu pelo partido holandês Fórum pela Democracia (FVD) e conhecido por se manifestar contra a vacinação, e tratou de uma carta escrita pela EMA em resposta a questionamentos anteriores dele, relativos às vacinas contra covid-19.

A partir dessas informações, fizemos buscas no Google com os termos “Fórum pela Democracia”, “Parlamento Europeu” e “vacina”, com um filtro temporal para resultados a partir do dia 21 de novembro. A busca, entretanto, não retornou resultados relevantes. Refizemos, então, a mesma pesquisa, porém com os termos em francês “Parlement Européen”, “Forum pour la Démocratie” e “vaccin”. Com essa nova pesquisa encontramos uma reportagem da AFP checando os pontos abordados na coletiva de imprensa.

De acordo com a matéria da AFP, a coletiva gerou diversos conteúdos de desinformação em vários países da Europa, principalmente nos Países Baixos, na Alemanha, na Bulgária e na Bélgica.

Encontramos a carta mencionada pelo deputado europeu na seção “Cartas Abertas” no site da EMA, contrariando o médico autor da postagem, que afirma que a entidade não teria divulgado o documento.

Também entramos em contato com o médico autor da postagem original.

O que diz a carta da EMA

A coletiva de imprensa mencionada pelo médico autor da publicação não contou com a participação de representantes da EMA. Participam da apresentação os deputados Marcel de Graaff e Joachim Kuhs (do partido alemão AfD, de extrema-direita), a médica dinamarquesa Vibeke Manniche e o holandês Willem Engel, líder da organização Viruswaarheid (Verdade sobre o Vírus, em holandês).

Durante a coletiva, os participantes falaram sobre uma carta enviada a eles pela EMA, em resposta a uma carta remetida anteriormente por De Graaff. De acordo com o deputado, ele havia pedido à Agência que retirasse a autorização de comercialização de vacinas contra a covid-19.

Bem como o médico autor do vídeo, De Graaff diz que a EMA teria autorizado “apenas a vacinação individual e não a vacinação em massa para controle da doença” e que, com poucas exceções, “menores de 60 anos não deveriam ter sido vacinados”. Os outros participantes da entrevista afirmam também que haveria “lotes de vacinas perigosos” e que não haveria registros adequados dos efeitos adversos das vacinas.

A carta referenciada durante a coletiva está disponível na íntegra no site da EMA. A partir da leitura do texto, é possível verificar que a EMA não “desqualificou as vacinas de RNAm” e que o uso da carta feito na coletiva — e posteriormente pelo médico no Instagram — não condiz com o conteúdo do documento.

Sobre a alegação de que pessoas com menos de 60 anos não deveriam ser vacinadas, salvo exceções: a carta da EMA não menciona uma idade limite para a utilização da vacina. O documento diz apenas que as vacinas “também fornecem proteção contra formas graves da doença, incluindo hospitalização. Isso é particularmente importante para pessoas vulneráveis ​​que correm maior risco”.

Apesar de a carta da EMA não mencionar a vacinação de menores de 60 anos, há outros documentos e estudos que comprovam a eficácia e importância da vacinação desta faixa etária. Uma pesquisa conduzida no Paraná, mostrou que, entre pessoas com menos de 60 anos, o número de mortes de não vacinados foi 83 vezes maior do que no caso de pacientes imunizados.

Sobre a alegação de que a EMA só autorizou comercialização de vacina de RNAm para proteção individual, e não para vacinação em massa: na carta, a Agência realmente afirma que as vacinas não foram indicadas para prevenir a transmissão de uma pessoa para outra, e sim para a proteção de indivíduos vacinados apenas. O documento ainda aponta que não há dados o suficiente para avaliação conclusiva sobre a prevenção de transmissão da doença em relação aos imunizantes.

No entanto, diferentemente do que alega o autor da postagem, a agência não diz que “não fazia sentido imunizar todo mundo” nem que o imunizante foi autorizado para aplicação “dependendo do médico”. Depois da coletiva de imprensa, a EMA adicionou uma seção em seu site respondendo a pergunta “vacinas contra a covid-19 reduzem a transmissão do vírus SARS-CoV-2?”. De acordo com a Agência, apesar de o principal objetivo da vacina ser a proteção contra a doença, isso não significa que ela não possa reduzir a transmissão do vírus. Após a autorização das vacinas pela EMA, estudos comprovaram que vacinas contra a covid-19 podem, sim, prevenir a transmissão do vírus.

Sobre a alegação de que não há registros adequados dos efeitos adversos da vacina: a carta da EMA fala várias vezes sobre efeitos adversos das vacinas, mas em momento algum diz que não há registros deles. “Gostaríamos de salientar que a EMA e as autoridades nacionais monitoram continuamente os dados sobre os efeitos secundários notificados”, afirma o documento.

A carta ainda clarifica que a notificação de uma suspeita de efeito colateral não é evidência que a vacinação seja a causa do efeito em questão. “Para determinar se uma vacina tem um efeito adverso, as autoridades têm de avaliar todos os dados relevantes, incluindo dados que possam indicar que a condição ocorre com maior frequência em pessoas vacinadas ou pessoas recentemente vacinadas do que em outras.”

Sobre a alegação de que a proteína Spike é tóxica: o documento redigido pela EMA não menciona efeitos da proteína Spike para humanos, tanto na vacinação, quanto em outros contextos, como, por exemplo, na própria infecção por SARS-CoV-2.

Entretanto, a possibilidade da proteína Spike utilizada nas vacinas ser tóxica já foi discutida por pesquisadores. Ainda que o assunto esteja sob evolução, estudos publicados pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, chegam à conclusão de que, apesar de poder haver certa toxicidade nas proteínas Spike das vacinas, os imunizantes “são uma boa aposta por serem muito menos tóxicos do que as proteínas spike produzidas durante as infecções virais que previnem”.

Este artigo publicado pela Universidade de Berkeley, nos EUA, discute possíveis efeitos da proteína Spike em casos graves de covid-19 e vai ao encontro do que diz a outra pesquisa. “A quantidade de proteína Spike que circula no corpo após a vacinação é muito menos concentrada do que as quantidades observadas em pacientes com covid-19 grave e que foram utilizadas no estudo.”

Autor de vídeo teve outros conteúdos verificados

O autor do vídeo é o médico clínico geral Roberto Sebastian Zeballos, já verificado pelo Comprova em ocasiões anteriores por divulgar conteúdos falsos ou enganosos sobre a pandemia (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7).

Em 2021, reportagem do Aos Fatos mostrou que Zeballos era um dos médicos com maior projeção de conteúdos de desinformação sobre a doença. Na conta do Instagram, em que divulgou o vídeo com alegações enganosas sobre a carta da EMA, ele acumula atualmente 651 mil seguidores.

Em janeiro do ano passado, professores da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgaram uma carta aberta em protesto às declarações de Zeballos contra as vacinas da covid-19. O médico é formado pela instituição, na qual também obteve grau de mestre e doutor em imunologia.

“Embora tenha o grau de médico e doutorado, parece que pouco aprendeu sobre metodologia científica e aplicações práticas de epidemiologia clínica. Situação que gera, para dizer o mínimo, falta de credibilidade e de integridade. Apresentar experiência clínica individual como única prova da veracidade de suas hipóteses é desconhecer o mais simples pressuposto de metodologia científica. Ninguém julga um tratamento com base em experiência individual”, escreveram os autores da carta.

Em uma das ocasiões em que foi procurado pelo Comprova, Zeballos afirmou que suas afirmações sobre a covid-19 são baseadas na experiência tratando casos da doença. 

Mais recentemente, o Comprova mostrou ser enganoso que a FDA, agência norte-americana que regula medicamentos quanto à eficácia e segurança, tenha autorizado o uso da ivermectina para a prevenção ou tratamento da covid-19, o que havia sido alegado por Zeballos também em vídeo no Instagram.

O que diz o responsável pela publicação: Ao Comprova, Roberto Zeballos listou, em contatos por telefone e WhatsApp, uma série de considerações sobre a carta. Ele afirmou que não encontrou a íntegra dela em um primeiro momento e que se baseou na coletiva de imprensa concedida no Parlamento Europeu para gravar o vídeo.

Após a reportagem enviar a ele o link do documento, disponível no site da EMA, o médico afirmou que a EMA “coloca que autorizou (ONLY) apenas com análise individual” a aplicação da vacina. O trecho ao qual ele se refere diz, na verdade, que a indicação autorizada do imunizante é apenas para prover proteção à pessoa que for vacinada (“The indications are for protecting the vaccinated individuals only”).

Zeballos disse que a EMA cita na carta sobre a autorização ter o objetivo de reduzir doenças graves — a agência escreve que as vacinas protegem contra quadros severos, incluindo hospitalização, o que é particularmente importante para pessoas vulneráveis.

O médico acrescenta, ainda, que devido ao Reino Unido considerar como população de risco a faixa etária acima dos 60 anos, o que não consta no documento, isso pode ter levado o eurodeputado no qual se baseou a interpretar que, na prática, a vacinação não seria indicada pela EMA para quem tenha idade menor do que essa.

Zeballos afirmou, também ao Comprova, que a EMA desqualifica as vacinas ao dizer que elas não controlam a transmissão da covid-19. Ele disse ainda considerar que, no momento, não existem incentivos para a notificação de efeitos adversos da vacina. Na carta, a EMA cita, na verdade, que não há indicação autorizada até aqui das vacinas para a redução da transmissão, por não haver dados que permitam avaliação conclusiva sobre isso. A agência afirma também monitorar continuamente relatos de efeitos adversos. Além disso, reforça a segurança e importância dos imunizantes em prover proteção.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma tática comum usada por desinformadores para criar o efeito de credibilidade para informações falsas é usar documentos reais de forma distorcida. No caso verificado, o médico utilizou-se das falas de um deputado europeu que, já naquela altura, deturpou uma carta da EMA, com conteúdo de defesa da vacinação, ou seja, no sentido contrário ao que é alegado pelos desinformadores. Por isso, é importante consultar declarações originais e diversos veículos de comunicação, além de desconfiar caso não seja informada a fonte primária da informação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Conteúdos falsos ou enganosos sobre a vacinação contra a covid-19 são frequentemente verificados pelo Comprova. Recentemente, mostramos que uma médica engana ao dizer que os imunizantes causam infarto e morte súbita em crianças e ser falsa a alegação de que o Parlamento Europeu tenha classificado a vacina como arma biológica.

 

Atualização: Esta verificação foi atualizada em 7 de dezembro de 2023 para incorporar na seção “O que diz o responsável pela publicação” a resposta do autor da publicação verificada.

Saúde

Investigado por: 2023-11-29

Médica engana ao dizer que vacinas contra a covid-19 causam infarto e morte súbita em crianças

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Enganoso
Vídeo gravado por médica engana ao sugerir que vacinas contra a covid-19 provocam morte súbita, infarto, problemas neurológicos e catatonias musculares em crianças. Não há confirmação disso no boletim de monitoramento de segurança das vacinas do Ministério da Saúde. Ela também afirma, incorretamente, que não constam na bula da Pfizer dados de estudos em menores de 5 anos – eles aparecem na atualização de 31 de outubro – e que a doença sempre apresenta formas leves em crianças, o que também não é verdade.

Conteúdo investigado: Em vídeo publicado nas redes sociais, uma médica afirma que a vacina contra covid-19 causa os seguintes efeitos colaterais graves em crianças: morte súbita, infarto, problemas neurológicos, catatonias musculares, crises convulsivas, miocardite e pericardite. Ela utiliza como mote para trazer o assunto à tona a inclusão da vacina pediátrica contra covid-19 no Calendário Nacional de Vacinação, a partir de 2024, para crianças de 6 meses a menores de 5 anos. A medida foi anunciada pelo Ministério da Saúde (MS) em outubro. A autora do vídeo ainda afirma que as crianças teriam formas leves da doença e, por isso, não seria necessário vaciná-las. Ela também menciona o fato de o acompanhamento do calendário vacinal ser um dos critérios para o Programa Bolsa Família, e ainda afirma que não há uma política pública do MS para monitoramento da segurança das vacinas e que a bula da Pfizer não traz dados sobre estudos em menores de 5 anos.

Onde foi publicado: Instagram e Facebook.

Conclusão do Comprova: Dados do estudo do Observatório Infância, da Fiocruz, mostram que é falso que crianças têm covid-19 de forma muito leve. De acordo com a pesquisa, em 2020 e 2021, a doença causou a morte de 539 crianças de 6 meses a 3 anos de idade. Sobre a ocorrência de pericardite e miocardite como efeitos adversos pós-vacinação, o conteúdo investigado confunde ao não deixar claro que se tratam de ocorrências consideradas muito raras. Além disso, um estudo publicado no site do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos EUA, mostrou que o risco de complicações cardíacas, incluindo miocardite e pericardite, foi significativamente maior após a infecção pelo vírus Sars-CoV-2, que provoca a covid-19, do que após a aplicação da vacina entre pessoas com ao menos 5 anos.

Diante da baixa incidência de miocardite/pericardite como evento adverso pós-vacinação, a última nota técnica do Ministério da Saúde sobre o tema, de número 139/2022, reforça o benefício da vacina em comparação com o risco de infecção por covid-19 e desenvolvimento das formas graves da doença.

Em relação a outras complicações em crianças que, segundo a responsável pela gravação, seriam consequências da vacina – morte súbita, infarto, problemas neurológicos e catatonias musculares – não há dados no boletim de monitoramento da segurança das vacinas, do Ministério da Saúde, que confirmem a alegação. A autora também não cita o que poderia embasar a alegação. Já sobre convulsão como possível evento adverso, a informação aparece (página 12) com uma incidência de menos de 0,06% a cada 100 mil doses aplicadas da vacina Pfizer/Wyeth e 0,03% a cada mil doses da Janssen – mas sem necessariamente ter relação de causalidade com a vacina comprovada.

A responsável pelo vídeo também afirma que a bula da vacina pediátrica da Pfizer não indica que o imunizante foi testado em crianças menores de 5 anos. Mas o documento cita estudos clínicos em crianças a partir de 6 meses de idade. Em pessoas com 5 anos de idade ou mais, a miocardite e a pericardite são classificadas como eventos adversos “muito raros”, com ocorrência em menos de 0,01% dos pacientes que usaram o imunizante.

O Comprova considerou o conteúdo enganoso por trazer informações imprecisas sobre a vacinação infantil, distorcendo o que os dados oficiais e a bula da citada vacina apontam.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Instagram, até a manhã do dia 29 de novembro, o vídeo registrava mais de 380 mil visualizações, além de 36,4 mil curtidas e 42,6 mil compartilhamentos. No Facebook, o material audiovisual alcançou mais de 288 mil visualizações e 29 mil curtidas.

Como verificamos: O Comprova buscou informações em canais de órgãos oficiais de saúde, no Brasil e no exterior, para entender o real cenário de incidência de miocardite e pericardite como evento adverso pós-vacinação contra covid-19 em crianças e possíveis óbitos causados pela imunização. Além da análise desses dados, foi feita a observação de boletins epidemiológicos e notas técnicas do MS. Outro caminho da apuração foi a solicitação de esclarecimentos do MS sobre as vacinas disponibilizadas no Plano Nacional de Imunização (PNI) para crianças e a respeito dos critérios para recebimento do Bolsa Família.

A reportagem consultou a bula da vacina Comirnaty, da Pfizer. Foi analisado o documento para identificar menções à incidência de miocardite e pericardite e a estudos da aplicação do imunizante em menores de 5 anos. Também foram consultadas notas oficiais do MS sobre a inclusão da vacina da covid-19 pediátrica no calendário nacional de vacinação a partir de 2024. Além disso, o Comprova consultou uma especialista do Instituto Gonçalo Moniz/Fiocruz Bahia.

Imunização contra covid-19 no PNI

No dia 31 de outubro deste ano, o Ministério da Saúde anunciou que a imunização contra a covid-19 será incluída no calendário nacional de vacinação a partir de 2024. A recomendação do órgão é priorizar vacinas para crianças de 6 meses a menores de 5 anos, além das pessoas propícias a desenvolver as formas mais graves da doença, como idosos, imunocomprometidos, pessoas com comorbidades, gestantes e puérperas.

A inclusão da vacina já passou por avaliação da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19 (CTAI) e do PNI. Segundo informações do MS, estão disponíveis pelo PNI as vacinas Pfizer pediátrica para crianças de 6 meses a menores de 5 anos de idade (tampa vinho); Pfizer pediátrica para crianças de 5 a 11 anos de idade (tampa laranja); e Coronavac para crianças de 3 a 4 anos de idade.

Por meio de nota ao Comprova, o órgão afirmou que a decisão de incluir a vacina da covid-19 pediátrica no calendário nacional de vacinação “foi tomada com base em evidências científicas mundiais e dados epidemiológicos de casos e óbitos pela doença no país”. O MS explicou ainda que segue a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que, em março deste ano, recomendou que a imunização seja prioritária para a população de alto risco, como pessoas com comorbidades significativas, incluindo crianças com 6 meses ou mais.

O ministério ainda reforçou que, no Brasil, “os números demonstram que as crianças não estão isentas das formas graves e letais da doença, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P)” – veja dados abaixo. Além disso, destacou que mais de 60 países já autorizaram a vacinação de crianças a partir do final de 2021.

Não é verdade que crianças não vacinadas têm apenas formas leves da doença

Ao contrário do que afirma a médica no vídeo, não é verdade que crianças têm covid-19 sempre de forma “muito leve”. O estudo do Observatório Infância, da Fiocruz, divulgado em julho de 2022, apontou que, em dois anos (2020 e 2021), a covid-19 matou mais do que o triplo de crianças de 6 meses a 3 anos, se comparado à soma de todas as mortes nessa faixa etária, ao longo de quase uma década, causadas por outras 14 doenças que podem matar e são preveníveis por vacinas. À época do levantamento, a vacina contra a covid-19 ainda não estava aprovada para esse público.

De acordo com o estudo, em 2020 e 2021, a covid-19 causou a morte de 539 crianças de 6 meses a 3 anos de idade. Já no período de aproximadamente uma década, de 2012 a 2021, foi constatado um total de 144 mortes nesta mesma faixa etária por doenças em uma lista que inclui neurotuberculose, tuberculose miliar, tétano neonatal, tétano, difteria, coqueluche, poliomielite, sarampo, rubéola, hepatite B, caxumba, rubéola congênita, hepatite viral congênita e meningite meningocócica do tipo B.

Segundo o boletim epidemiológico mais recente do Ministério da Saúde – atualizado em 13 de novembro – neste ano, até a semana 35 (3 de setembro), foram registradas 3.586 hospitalizações e 93 mortes por covid-19 em crianças com até 4 anos. Os dados aparecem, respectivamente, na Tabela 5 (Pág. 15) e na Tabela 6 (Pág.16) do boletim.

Na página 13, o boletim informa que a maior incidência e mortalidade por covid-19 em crianças menores de 4 anos ocorreu em 2022 e 2023 quando comparados aos demais anos da pandemia. Por outro lado, é observada uma redução de casos e mortes pela doença entre adultos jovens (20 a 59 anos). Já os idosos, com 60 anos ou mais, permanecem sendo o grupo mais acometido pela covid-19.

Já em relação à SIM-P (página 30 do boletim), foram confirmados 2.064 casos, dos quais 141 evoluíram para óbito. Segundo o documento, a SIM-P associada à covid-19 é uma condição rara, pós-infecciosa e hiper inflamatória que acomete crianças e adolescentes após o contato com o SARS-CoV-2.

Não há comprovação que vacinas causam morte súbita, infarto e problemas neurológicos em crianças

Diferentemente do que a médica sugere no vídeo, há, sim, uma política pública do Ministério da Saúde de análise da segurança das vacinas. Ela se insere na fase IV de avaliação clínica, denominada fase pós-implantação dos imunizantes, em que é realizada a farmacovigilância de vacinas com o monitoramento dos Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (Esavi) de forma a identificar possíveis eventos adversos raros. Segundo o Ministério da Saúde, os Esavi “são qualquer ocorrência médica indesejada após a vacinação, não possuindo necessariamente uma relação causal com o uso de uma vacina”.

O mais recente boletim epidemiológico dos casos de Esavi foi publicado pelo Ministério da Saúde em 6 de julho. No documento, não consta qualquer confirmação de que as vacinas causem morte súbita, infarto, problemas neurológicos, catatonias musculares ou crises convulsivas em crianças, como sugere a médica no vídeo.

Na página 15, na seção dedicada a menores de 18 anos, há a informação de que foram notificados 734 casos de Esavi considerados graves em um universo de 47.600.374 doses aplicadas até 31 de dezembro de 2022 na faixa etária. Ou seja, a incidência de supostos eventos adversos graves relacionados à vacina representa 0,0015% do total de aplicações. Dessas 734 notificações, 48 tiveram óbito como resultado, mas nenhum foi comprovadamente causado pela vacina.

Considerando todas as faixas etárias, a convulsão aparece como possível evento adverso grave após a aplicação de duas vacinas (página 12), porém em proporção extremamente baixa (menos de 0,06% a cada 100 mil doses da Pfizer/Wyeth e 0,03% a cada mil doses da Janssen) e sem ter necessariamente relação causal com as vacinas.

No vídeo, a mulher cita um “histórico de problemas neurológicos” relacionados à vacinação em crianças. Não é correta a informação. O boletim cita apenas um problema neurológico, a síndrome de Guillain Barré. No entanto, mais uma vez, somente como possível evento adverso, sem necessariamente relação causal com a vacina, e numa incidência rara – pouco mais de 0.06% a cada mil doses aplicadas da vacina Janssen (página 12).

Na página 19, também levando em consideração todas as faixas etárias, o boletim afirma que os eventos graves notificados com provável ou possível relação causal com a vacinação foram principalmente: reações de hipersensibilidade graves, síndrome de trombose com trombocitopenia (STT), pericardite e miocardite e síndrome de Guillain Barré.

Miocardite e pericardite: incidência de possível evento adverso pós-vacina é baixa

Já em relação a Esavi com suspeita de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) ou pericardite (inflamação do pericárdio, a membrana que reveste o coração), a análise dos casos (página 16) aponta que houve 154 notificações no Brasil, entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022 – incidência de 0,04 casos a cada 100 mil doses aplicadas.

Segundo o boletim, “a maioria dos casos foi de indivíduos do sexo masculino (64,9%), com mediana de idade de 32 anos, variando entre cinco e 78 anos”. Entre os eventos graves (EG), cinco (3,2%) evoluíram a óbito. Porém, nenhum deles teve relação de causalidade comprovada com a vacina.

Diante da baixa incidência de miocardite/pericardite como evento adverso pós-vacinação, a última nota técnica do Ministério da Saúde sobre o tema, publicada em outubro de 2022, reforça o benefício da vacina em comparação com o risco de infecção por covid-19 e desenvolvimento das formas graves da doença.

Miocardite e pericardite: covid-19 pode resultar em mais casos do que possíveis efeitos vacina

No boletim epidemiológico de Esavi, a miocardite e a pericardite aparecem listadas, na página 20, como duas das complicações que podem ser consequências da covid-19. A página 17 cita um estudo na Inglaterra com indivíduos vacinados contra a covid-19, de 13 anos ou mais, que apontou que o risco de miocardite é maior após a infecção por Sars-CoV-2 do que após a vacina, e permanece modesto após a aplicação de doses sequenciais, incluindo uma dose de reforço da vacina de mRNA.

Outro estudo, publicado no site do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos EUA, mostrou que o risco de complicações cardíacas, incluindo miocardite e pericardite, foi significativamente maior após a infecção por SARS-CoV-2 do que após a aplicação da vacina.

Já esta publicação no site do governo federal destaca que o risco de miocardite entre doentes de covid-19 é “muito maior” do que entre vacinados. A comparação é feita entre os 154 casos notificados como Esavi em um universo de 510.573.962 doses aplicadas até 31 de dezembro de 2022 – o que corresponde a 0,3 casos por milhão. Já a incidência de casos de miocardite em doentes de covid-19 é de 30 casos por milhão para a população em geral.

O que diz a bula da Pfizer

Ao contrário do que é dito no vídeo investigado, a bula da Comirnaty/Pfizer, atualizada em 31 de outubro, mostra que houve, sim, estudos clínicos em menores de 5 anos de idade. Na página 11, constam as reações adversas em estudos clínicos com Comirnaty e experiência pós-autorização em indivíduos de 2 a menos de 5 anos de idade:

  • Reações muito comuns (ocorrem em 10% dos pacientes que utilizam este medicamento): diarreia, febre, dor no local de injeção, cansaço, vermelhidão no local de injeção.
  • Reações comuns (ocorrem entre 1% e 10% dos pacientes que utilizam este medicamento): dor de cabeça, vômito, dor nas articulações, dor muscular, calafrios, inchaço no local de injeção.
  • Reações incomuns (ocorrem entre 0,1% e 1% dos pacientes que utilizam este medicamento): aumento dos gânglios linfáticos (ou ínguas), erupção cutânea (lesão na pele), urticária (alergia da pele com forte coceira), diminuição de apetite, náusea e dor nos membros (braço), astenia (fraqueza, cansaço físico intenso).
  • Desconhecida (não pode ser estimado a partir dos dados disponíveis): reação alérgica grave (anafilaxia).

Na sequência, aparecem as reações adversas em estudos clínicos com Comirnaty e experiência pós-autorização em indivíduos de 6 meses a menos de 2 anos de idade:

  • Reações muito comuns (ocorrem em 10% dos pacientes que utilizam este medicamento): diminuição de apetite, irritabilidade, febre, sensibilidade no local da injeção, vermelhidão no local de injeção.
  • Reações comuns (ocorrem entre 1% e 10% dos pacientes que utilizam este medicamento): erupção cutânea (lesão na pele), diarreia, vômito, inchaço no local de injeção.
  • Reações incomuns (ocorrem entre 0,1% e 1% dos pacientes que utilizam este medicamento): aumento dos gânglios linfáticos (ou ínguas), urticária (alergia da pele com forte coceira), dor de cabeça, letargia (cansaço e lentidão de reações e reflexos), cansaço, calafrios.
  • Desconhecida (não pode ser estimado a partir dos dados disponíveis): reação alérgica grave (anafilaxia).

A bula informa que casos muito raros de miocardite e pericardite foram relatados após a vacinação com Comirnaty/Pfizer, sendo mais frequentes em homens mais jovens e após a segunda dose da vacina e em até 14 dias após a vacinação. “Geralmente os casos são leves e os indivíduos tendem a se recuperar dentro de um curto período de tempo após o tratamento padrão e repouso”, diz um trecho do manual.

“Temos toda a segurança para dizer que a vacina é segura e eficaz”, diz especialista da Fiocruz Bahia

A pesquisadora Fernanda Grassi, do Instituto Gonçalo Moniz/Fiocruz Bahia, conversou com o Comprova sobre a inclusão da vacina pediátrica contra covid-19 no PNI e a importância de imunizar a população, inclusive crianças. Segundo a médica, atualmente, o vírus se tornou endêmico, já que ele circula e infecta um determinado número de pessoas, mas em proporção menor ao que aconteceu durante a pandemia. Esse cenário, de acordo com Grassi, justifica a ação do MS de incluir a vacina no calendário nacional.

Para a especialista, não restam dúvidas quanto ao nível de segurança e eficácia das vacinas contra a covid-19. “Depois de três anos de pandemia, quando tivemos a mortalidade muito elevada por conta da ausência da vacinação, nós já temos dados muito seguros mostrando a eficácia e a segurança desses imunizantes, inclusive no público infantil”, destacou Grassi.

A médica explica que a vacina pediátrica possui uma formulação especial e que os efeitos adversos graves são raros. “As reações adversas são semelhantes àquelas causadas por todas as outras vacinas, como febre e um pouco de dor local. Os efeitos adversos mais graves, como miocardite ou situações outras de maior gravidade, são extremamente raros”, afirmou. Além disso, segundo a pesquisadora, não é verdade que crianças têm uma forma mais leve da covid-19. “No Brasil, nós tivemos mortalidade do público infantil maior do que em outros países, sem contar que a gente não sabe concretamente quais são os efeitos da covid longa em crianças”.

Critérios do Bolsa Família

O Programa Bolsa Família, criado em outubro de 2003, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), existe para garantir renda básica para brasileiros e brasileiras em situação de pobreza. Para continuar recebendo mensalmente o benefício, atualmente fixado em R$ 600, as famílias devem “cumprir compromissos, nas áreas de saúde e de educação, para reforçar o acesso aos seus direitos sociais básicos”. O trecho citado está presente numa cartilha, disponibilizada no site do governo federal, com o intuito de tirar dúvidas sobre a nova versão do programa.

Uma das condicionalidades para o recebimento do benefício é o acompanhamento do calendário nacional de vacinação, além da realização do pré-natal, frequência escolar mínima de 60% para crianças de 4 a 5 anos, entre outros critérios. Portanto, com a vacina da covid-19 incluída no calendário nacional de imunização, torna-se obrigatório que as famílias beneficiadas pelo programa vacinem as crianças contra a doença causada pelo vírus SARS-CoV-2.

Todas as condições estão previstas na Lei Nº 14.601, que institui o programa no país. Em nota ao Comprova, o Ministério da Saúde afirmou que “o objetivo das condicionalidades é assegurar o acesso dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) às políticas sociais básicas de saúde, educação e assistência social e, dessa forma, promover a melhoria da situação de vida dessas pessoas”.

Quem é a médica Raissa Soares

Responsável pelas informações incorretas no vídeo, a médica Raissa Oliveira Azevedo de Melo Soares já teve diversas afirmações apontadas como desinformação por diferentes agências de checagem. Em dezembro de 2021, durante audiência na Assembleia Legislativa da Bahia, ela divulgou informações falsas sobre as vacinas contra a covid-19, ao afirmar que elas causam doenças autoimunes e que a variante ômicron não resultou em nenhuma morte.

Na fase inicial da pandemia, Raissa Soares foi defensora do chamado “tratamento precoce” da covid-19 com uso de medicamentos sem evidências científicas de efetividade comprovadas, ao mesmo tempo que se opunha à vacinação. No fim de 2020, disse que se a população tomar hidroxicloroquina e ivermectina a circulação do vírus iria acabar antes da chegada do inverno, o que era falso. Ela chegou a postar um vídeo em sua conta no Facebook pedindo ao então presidente Jair Bolsonaro para enviar hidroxicloroquina a Porto Seguro (Aos Fatos e UOL).

Raissa Soares é ex-secretária municipal de Saúde de Porto Seguro, na Bahia, e foi candidata ao Senado Federal pelo PL nas eleições de 2022, mas não se elegeu.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova fez contato com a médica Raissa Soares, mas não houve retorno até a publicação desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: Mensagens que não apresentam fontes confiáveis das informações veiculadas podem levar a conclusões equivocadas. Para elucidação do conteúdo apresentado, é sugerido uma pesquisa em canais de órgãos oficiais; neste caso, do Ministério da Saúde e da Fiocruz, entre outros.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova realizou outras checagens recentes sobre a vacinação. No início de novembro, explicamos que, aprovada pela Anvisa, vacina contra a dengue está em análise da comissão técnica do SUS. Em outubro, mostramos que post de deputado engana sobre eficácia de vacinas ao usar dados imprecisos e fora de contexto.

Saúde

Investigado por: 2023-10-30

Estudo não prova relação entre vacinados por covid-19 e mortes por câncer na Inglaterra

  • Falso
Falso
Pesquisa com dados de mortes por câncer na Inglaterra não demonstrou aumento “monstruoso” nos óbitos por conta da vacinação por covid-19, como afirma postagem no X. Não há no estudo qualquer dado que sustente a relação de causalidade entre o crescimento no número de mortes por câncer e o imunizante. Estudos científicos e entidades médicas britânicas apontam que o aumento de mortes por câncer em 2021 e 2022 se deu por conta do impacto da pandemia no sistema de saúde, que fez com que pessoas doentes abandonassem os tratamentos ou precisassem postergar diagnósticos.

Conteúdo investigado: Postagem afirma que houve um aumento “monstruoso” de tumores malignos entre 2021 e 2022 entre pessoas jovens na Inglaterra, que chegaria “perto de 50%”, e de mortes por causas cardiovasculares. A autora afirma que o Ministério da Saúde britânico atribui isso à Covid longa, mas que o fenômeno teria sido causado, na verdade, pela “terapia genética, rotuladas [sic] como vacina anti-Covid — a verdadeira causadora desta explosão de doenças e mortes”. O post traz dois gráficos com legenda em inglês e o link para uma pesquisa que supostamente identificou o problema.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: Não há provas de que as vacinas contra a covid-19 tenham causado um aumento de mortes por tumores malignos e doenças cardiovasculares entre pessoas mais jovens na Inglaterra, como alega um post no X.

O conteúdo verificado usa como base uma publicação no site de uma gestora de investimentos que repete a formatação de um estudo científico e mostra o suposto aumento expressivo do número de mortes em excesso (óbitos a mais do que o esperado para determinado período) por câncer de pessoas com idade entre 15 e 44 anos na Inglaterra e no País de Gales em 2021 e 2022.

Na conclusão do artigo, o autor afirma adotar a hipótese de que o aumento das mortes em excesso de câncer seria um dos efeitos negativos de médio a longo prazo das vacinas contra a covid-19. Não há ao longo do texto, contudo, detalhamento sobre essas vítimas de câncer terem sido vacinadas ou não. Também não há qualquer outro dado que sustente a relação de causalidade proposta por ele, de que as vacinas seriam o motivo desses óbitos.

A empresa que publica o suposto estudo e um dos seus sócios já produziram outros conteúdos antivacina em inglês que foram desmentidos por organizações de checagem internacionais.

A autora da postagem no X diz que o aumento das mortes por tumores malignos teria chegado perto de 50%. A publicação citada por ela sequer faz menção, no entanto, à variação do número absoluto de óbitos. O texto no site da gestora de investimentos trata de mortes em excesso, calculadas com base em método do próprio autor, o que, isoladamente, também não permite atribuir causas à vacinação.

Segundo dados levantados pelo Comprova junto ao Office For National Statistics (ONS, na sigla em inglês), órgão britânico responsável pela gestão de dados locais oficiais, houve aumento no número de óbitos por câncer na Inglaterra e no País de Gales em 2021 e 2022 de 1,4% e de 4,3%, respectivamente.

Também de acordo com dados do ONS tabulados pelo Comprova, houve 1.744 mortes de câncer consideradas em excesso na Inglaterra e País de Gales entre 2021 e 2022, o que representou 0,57% do total de óbitos pela doença no período em ambos os países (300.896).

Estudos científicos e entidades médicas britânicas apontam que o aumento de mortes por câncer e doenças do coração durante e após o surgimento da covid-19 se deu por conta do impacto da pandemia no sistema de saúde, que fez com que pessoas doentes abandonassem os tratamentos ou precisassem postergar diagnósticos. Nenhum deles cita a vacinação como causa do aumento das mortes.

Além disso, dados reunidos por um estudo da universidade de Birmingham mostram que a vacina reduziu as mortes por covid-19 de pacientes com câncer.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 30 de outubro, a postagem tinha 55 mil visualizações, mil compartilhamentos e 2 mil likes.

Como verificamos: Primeiramente foi consultada a pesquisa usada na postagem desinformativa para entender como ela foi feita e quem a produziu. Em seguida, o Comprova buscou junto aos órgãos oficiais do Reino Unido informações sobre mortes por câncer entre 2010 e 2022 (período usado no estudo).

Uma busca no Google pelos termos “death” + “cancer” + “covid” levou a diversos estudos que analisaram o impacto da covid nos pacientes com câncer e matérias de jornais britânicos sobre o assunto.

Ao pesquisar sobre a empresa que publicou o estudo foi possível encontrar checagens feitas por veículos internacionais de conteúdos antivacina publicados pela mesma empresa ou por um de seus sócios.

Dados oficiais não corroboram postagem

No site do Office For National Statistics há dados de mortalidade da Inglaterra e do País de Gales entre 2010 e 2022 (aqui e aqui). O Comprova selecionou as ocorrências de mortes por tumores cancerígenos malignos através do código usado pelo governo britânico, equivalente ao sistema CID-10 usado no Brasil.

A partir daí, buscou dados populacionais da Inglaterra e do País de Gales para formular uma taxa de mortes por câncer por 100 mil habitantes, métrica usada no estudo citado pela postagem falsa.

Como é possível ver nos gráficos, tanto os números absolutos quanto a taxa de mortalidade tinham tendência de queda entre 2010 e 2020. Contudo, nos dois anos seguintes houve alta, o que fez o número de mortes retornar ao patamar de 2018. Não há, porém, registro de aumento de “quase 50%” nas mortes por câncer, como aponta a postagem checada.

Os dados de mortes em excesso por tumores malignos na Inglaterra e no País de Gales nos três primeiros anos de pandemia também foram levantados pelo site do ONS.

Outros estudos não citam vacina como causa das mortes

O aumento no número de mortes por câncer durante e após a pandemia de Covid foi causado, segundo estudos científicos e entidades médicas, pelo impacto da pandemia no sistema de saúde britânico.

Um estudo publicado no The Lancet mostrou que, durante a pandemia, houve aumento de mortes pelos quatro tipos mais comuns de câncer no Reino Unido, mas a causa não foi a vacina.

“São esperados aumentos substanciais no número de mortes evitáveis ​​por câncer na Inglaterra, como resultado de atrasos no diagnóstico devido à pandemia de COVID-19 no Reino Unido”, concluíram os pesquisadores.

Outro estudo, este publicado no European Journal of Cancer, apontou que pacientes com câncer no Reino Unido eram mais propensos a morrer por covid do que pacientes saudáveis e até mesmo do que pacientes de câncer de outros países europeus.

Isso porque, durante a primeira onda da pandemia, o ministério da saúde britânico recomendou que os tratamentos oncológicos fossem paralisados com a intenção de não fragilizar ainda mais o organismo dos pacientes e fazê-los mais suscetíveis à covid. O estudo constatou que a pausa no tratamento não afetou o risco dessas pessoas de adoecerem por conta do vírus.

A vacinação, contudo, foi comprovadamente eficaz para evitar que pacientes com câncer morressem por covid-19, como mostra pesquisa da universidade de Birmingham.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com Karina Michelin, autora da postagem, e com a empresa que publicou o estudo, mas não houve retorno. Os conteúdos antivacina publicados por Karina já foram checados anteriormente. O Comprova já demonstrou que as vacinas não fizeram “explodir” doenças cardíacas em crianças, não causam danos ao sistema imunológico e não causam alterações genéticas.

O que podemos aprender com esta verificação: Números alarmantes acompanhados de gráficos são ferramentas bastante usadas por desinformadores. O uso desses recursos de forma desonesta dá a aparência de seriedade para a informação falsa ou enganosa. Como a reprodução dos cálculos ou até o acesso aos dados é, muitas vezes, difícil, dificulta a conferência pelo leitor. Nesses casos, é importante buscar informações junto às autoridades no assunto, pesquisas científicas publicadas em jornais reconhecidos e na imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As vacinas contra a covid-19 ainda são alvo frequente de desinformação. Nos últimos meses, o Comprova já esclareceu que a da Pfizer não modifica o código genético nem causará epidemias; que o Canadá não admitiu que vacinadostenham desenvolvido Aids; que o CDC não falsificou dados sobre 99% das mortes por covid; e que o Parlamento Europeu não classificou o imunizante como arma biológica.

Saúde

Investigado por: 2023-10-17

Post de deputado engana sobre eficácia de vacinas ao usar dados imprecisos e fora de contexto

  • Enganoso
Enganoso
Post de deputado usa dados incompletos e imprecisos para sugerir de maneira enganosa que as vacinas contra a covid-19 não são eficazes. O número de mortes pela doença, isoladamente, não mostra a eficácia dos imunizantes. Seria indicado, conforme especialista consultado pelo Comprova, analisar quantos eram vacinados e não vacinados entre os mortos no período, método adotado por diversos estudos. Além disso, é preciso avaliar a taxa de letalidade, que é a quantidade de mortos entre os infectados.

Conteúdo investigado: Em post no X, deputado federal contesta a eficácia das vacinas contra a covid-19 ao fazer uso de números de mortes na pandemia em Taiwan, Austrália e Japão. Ele alega que, na ocasião em que os três países atingiram, respectivamente, uma cobertura vacinal de 78%, 77% e 81% da população, a quantidade subsequente de mortes pela doença foi muito maior do que o volume do período anterior àquelas taxas de vacinação. Em Taiwan, por exemplo, teriam ocorrido 21 vezes mais óbitos. “Aguardamos as explicações da OMS ou dos nossos ‘especialistas’ da grande mídia…”, escreve o parlamentar.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: Os dados de mortes por covid-19 no Japão, Taiwan e Austrália não mostram a ineficácia da vacinação contra o vírus que causa a doença, diferentemente do que afirma o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) em postagem.

Além de haver inconsistências nos dados apresentados pelo parlamentar, a comparação direta entre número de mortes e percentual geral de vacinados em intervalos diferentes de tempo não indica a eficácia, ou não, das vacinas. Isso porque não é possível saber pelas informações do post se os mortos por covid-19 pertenciam ao grupo de pessoas vacinadas ou que não receberam o imunizante.

Ao Comprova, o médico epidemiologista Sérgio de Andrade Nishioka, consultor da Fiocruz e da Organização Mundial de Saúde (OMS) para avaliação clínica de vacinas e professor aposentado da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), afirma que um método adequado para análise, ao menos no período citado por Terra, seria comparar as taxas de letalidade de vacinados e não vacinados.

Um estudo sobre a pandemia na Austrália, um dos países citados por Terra, utilizou o método indicado por Nishioka e mostrou que a vacinação de idosos reduziu o risco de morte em 93% em comparação com idosos não vacinados. Entre a população geral, aqueles que não foram vacinados representaram apenas 4,6% dos casos de covid-19, mas 22,8% das mortes ocorreram entre pessoas que não receberam dose alguma.

um estudo publicado no The Lancet em agosto de 2022 mostrou que a vacinação reduziu em 67% as mortes por covid no Japão e em 33% o número de casos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 17 de outubro, a postagem tinha cerca de 101,1 mil visualizações, mil compartilhamentos e 3 mil likes.

Como verificamos: O Comprova encontrou a fonte dos gráficos citados pelo deputado federal Osmar Terra ao fazer a busca no Google pela frase “Total Coronavirus Deaths In Australia”, que dá título a um deles. Trata-se do site de estatísticas Worldometer. Não constam no mesmo portal, no entanto, os percentuais de vacinação mencionados pelo parlamentar, que também não descreveu a origem deles.

No site do Worldometer, há uma página dedicada a explicar as fontes e métodos do painel sobre covid-19. Ela não detalha, no entanto, a origem dos números sobre Taiwan e Japão. Há uma explicação genérica sobre ser feito uso de fontes governamentais e o monitoramento de relatórios de saúde.

A reportagem buscou então checar os números citados pelo deputado a partir dos painéis sobre covid-19 do Our World in Data e do Coronavirus Resource Center, este segundo da universidade norte-americana Johns Hopkins, que tornam explícitas com links as fontes dos dados reunidos por cada um.

O Comprova também fez uso de dados mencionados por fontes primárias para informações sobre covid-19 nos três países: o Centro de Controle de Doenças de Taiwan, o Departamento de Saúde e Envelhecimento da Austrália e o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão.

Dados reais são diferentes do que alega post

O deputado Osmar Terra afirma que, 24 meses após o início da pandemia, a Austrália tinha 3.114 mortes por covid-19 e 77% da população completamente vacinada.

A data aludida por ele seria 11 de março de 2022, dois anos depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter declarado a pandemia de covid-19 (11 de março de 2020).

A Austrália ultrapassou o número de óbitos citado por Terra, no entanto, em 24 de janeiro de 2022, e não em 11 de março daquele mesmo ano, quando a pandemia faria 24 meses. Já o percentual da população vacinada com o esquema primário completo passou de ao menos 77% em 27 de janeiro de 2022.

O parlamentar também alega que o Japão chegou a 20.701 mortes por covid-19 e a 81% da população completamente vacinada em fevereiro de 2022, data que trata erroneamente como 24 meses após o início da pandemia (esse período só estaria completo em 11 de março daquele ano).

O Japão ultrapassou o número de óbitos citado por Terra em 15 de fevereiro de 2022. O país ainda passou a ter ao menos 81% da população vacinada com o esquema primário completo em 28 de fevereiro daquele mesmo ano.

O deputado federal ainda afirma que Taiwan contabilizou 873 mortes por covid-19 em 27 meses de pandemia, quando também alcançou 78% da população completamente vacinada.

Diferentemente do que alega o deputado, Taiwan passou desse número de mortes em 3 de maio de 2022, e não em 11 de junho daquele ano, quando fez 27 meses do início da pandemia. Além disso, o país passou a ter ao menos 78% da população com o esquema vacinal primário completo em 1º de maio de 2022.

O deputado federal Osmar Terra ainda faz menção a outros números de maneira confusa. Ele cita, por exemplo, que, nos 22 meses seguintes à data em que a pandemia completou 24 meses (ou seja, 11 de março de 2022), o número de mortes por covid-19 na Austrália teria saltado para 22.754.

No entanto, o período de 22 meses após a data de 11 de março de 2022 só estará completo em 11 de janeiro de 2024. Portanto, o intervalo citado por ele sequer está consolidado.

Comparação feita por deputado não permite contestar eficácia de vacina

O deputado também cita que, se as vacinas fossem eficazes, “deveriam diminuir as internações e mortes, mas aconteceu o contrário”. Ele não detalha, contudo, dados das internações às quais faz menção.

Além disso, os números efetivamente citados por ele não têm, isoladamente, significância estatística alguma para se chegar a uma conclusão sobre as vacinas serem eficazes ou não contra a covid-19.

O método adotado para isso por diferentes estudos é o de comparação das taxas de mortalidade (número de mortes em relação ao de pessoas) e de letalidade (número de mortes em relação ao de casos identificados) durante um mesmo período entre os não vacinados e as pessoas imunizadas, conforme explica o médico epidemiologista Sérgio de Andrade Nishioka ao Comprova.

“Começou a morrer mais, mas quem que estava morrendo? Ele [autor da postagem sobre as vacinas] não fala sobre esses dados, não dá essa informação, só diz que morreu, não diz se quem morreu foi vacinado ou não vacinado”, afirma o especialista, que reforça a necessidade da comparação: “Você só pode medir a efetividade de uma vacina se você comparar quem foi vacinado com quem não foi vacinado, senão não tem como você fazer essa comparação de uma maneira considerada válida”.

Nishioka ainda pondera que estudos mais recentes passaram a fazer comparações entre pessoas imunizadas com um primeiro esquema vacinal e as que já receberam alguma dose de reforço.

“A questão agora é que é muito difícil você ter pessoas que não foram vacinadas ou que não se infectaram naturalmente pelo Sars-Cov-2. Então, o que tem acontecido é que esses novos estudos têm utilizado o que se chama de eficácia relativa. Então você compara o vacinado com a nova vacina com o vacinado que recebeu a vacina anterior”, acrescenta o especialista.

Número de casos também aumentou, e não só o de mortes

O médico epidemiologista consultado pelo Comprova lembra ainda que Taiwan, Austrália e Japão são arquipélagos, o que permitiu a esses países um controle mais rigoroso na entrada de pessoas e, consequentemente, do coronavírus em um primeiro momento da pandemia, quando a cobertura vacinal da população ainda tinha percentuais baixos.

Taiwan, por exemplo, é reconhecida por ter tido uma resposta bem-sucedida à covid-19 durante os primeiros anos de pandemia. Foram adotadas fortes medidas de prevenção como fechamento de escolas sempre que haviam dois casos confirmados da doença, e quarentena de 15 dias para estrangeiros que chegavam ao país. No entanto, em abril de 2022, as autoridades passaram a adotar a estratégia de conviver com o vírus.

Já a Austrália ficou quase dois anos sem receber turistas internacionais. Em fevereiro de 2022, reabriu os aeroportos apenas para os viajantes vacinados. Naquele ano, o país também passou a adotar uma estratégia de convivência com o vírus, relaxando medidas de prevenção. Ambos os países citados tiveram picos de casos de covid-19 ao adotar políticas menos restritivas a respeito da pandemia.

Nishioka afirma ser necessário se atentar, portanto, ao fato de que não apenas o número absoluto de mortes, mas também o de casos em geral subiu nos intervalos de tempo comparados pela postagem do deputado federal Osmar Terra.

Isso ajuda a explicar a maior quantidade de óbitos subsequente ao alcance dos índices de cobertura vacinal destacados pelo parlamentar, embora a taxa de letalidade (relação entre mortes e número de casos identificados), não citada por ele, tenha apresentado queda junto do avanço da vacinação.

O gráfico abaixo mostra que, no Japão e na Austrália (dois dos países citados pelo deputado), a taxa de letalidade cai ao longo do tempo. O primeiro deles iniciou a aplicação de vacinas em 17 de fevereiro de 2021. Já o segundo começou o programa de vacinação no dia 21 daquele mesmo mês.

Ao analisar a taxa de letalidade, é preciso considerar ainda que, em períodos de maior pressão sobre o sistema de saúde, quando nem todas as pessoas infectadas conseguem acesso à testagem e diagnóstico, o número de casos pode estar subnotificado e, portanto, ser ainda maior.

“Além disso, foi a época em que começaram a surgir as primeiras variantes de preocupação, as que têm maior escape e que infectam mesmo as pessoas já vacinadas ou que já foram infectadas previamente”, completa o médico epidemiologista, referindo-se às ondas de covid-19 causadas, por exemplo, pela Ômicron, surgida em novembro de 2021 e contra a qual não havia imunizante específico no início de 2022.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova contatou o deputado Osmar Terra por email. Sua assessoria pediu número de telefone para que o deputado fizesse contato, mas ele não o fez até a conclusão desta checagem.

O que podemos aprender com esta verificação: Dados reais são frequentemente usados fora do contexto ou de maneira intencional para enganar e levar a uma interpretação diferente da verdadeira. No caso checado, o autor da publicação utiliza dados parciais e informações incompletas para inferir que as vacinas contra a covid-19 não são eficazes. Informações corretas a respeito das vacinas podem ser encontradas junto aos órgãos sanitários, sites de governos e junto à imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Desde o início da pandemia, Osmar Terra é autor recorrente de peças de desinformação sobre a eficácia de vacinas e as estratégias de combate à transmissão do coronavírus reconhecidas como efetivas pela comunidade científica, como o distanciamento social.

Em 2020, o Comprova mostrou que ele misturou, em um tuíte, dados corretos com outros imprecisos, exagerados ou não consolidados para criticar medidas de isolamento adotadas pelos estados brasileiros. Ainda naquele primeiro ano de pandemia, o deputado federal fez uso dos números de um único hospital em Porto Alegre para dizer que a covid-19 estava reduzindo em todo o Rio Grande do Sul.

Ele também já alegou enganosamente que expor a população ao vírus seria melhor que a imunização, sugeriu com dados descontextualizados que, no Rio Grande do Sul, haveria mais mortes de pessoas imunizadas e afirmou que as vacinas não tiveram impacto sobre a redução de óbitos, atribuindo isso à imunidade natural de infectados.

Recentemente, o Comprova mostrou, ao checar alegações de outros autores, que é falso que um estudo tenha provado que vacina da Pfizer modifica o código genético e que o Canadá não admitiu que as pessoas triplamente vacinadas contra a covid-19 tenham desenvolvido Aids.

Saúde

Investigado por: 2023-10-11

Estudo não mostra que vacina da Pfizer modifica o código genético e que causará epidemias

  • Falso
Falso
É falsa a alegação de um médico de que um estudo sueco feito com a vacina da Pfizer tenha revelado que o imunizante modifica o código genético e que isso possa causar futuras epidemias de doenças autoimunes, câncer e infertilidade. Na verdade, a pesquisa mediu o efeito do imunizante em linhagens de células do fígado em laboratório, em condições experimentais, e não em humanos ou qualquer outro ser vivo, o que é apontado como limitador da pesquisa pelos próprios autores. Especialistas ouvidos pelo Comprova destacam que outros estudos atestam que não há a inoculação do DNA pela vacina. As doenças citadas pelo médico sequer aparecem no estudo.

Conteúdo investigado: Em um vídeo, o médico Alessandro Loiola afirma, citando um estudo, que vacinas vão causar, no futuro, “epidemia de doença cardiovascular, epidemia de doença autoimune, epidemia de câncer, e isso se daqui a uma ou duas gerações a gente não tiver uma epidemia de infertilidade junto, entre outras coisas” ao mudar o código genético das pessoas. Ele lista problemas de saúde que dizem estarem sendo causados pela vacina atualmente: trombofilia, trombocitopenia, AVC isquêmica, AVC hemorrágico, trombose arterial periférica, amputação de membros, mal cardíaco súbito e morte súbita. Afirma ainda que 99,9993% das crianças não apresentam qualquer sintoma ao pegarem covid-19.

Onde foi publicado: Facebook e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso que um estudo sueco feito com a vacina da Pfizer contra a covid-19 tenha revelado que o imunizante modifica o código genético e que isso vá causar epidemias de “doenças autoimunes, câncer e infertilidade”, como afirma médico em vídeo.

Os autores decidiram realizar uma pesquisa com células hepáticas após estudos pré-clínicos mostrarem efeitos hepáticos reversíveis em animais que receberam a injeção da Pfizer e por uma análise ter apontado que o RNA do SARS-CoV-2 pode ser transcrito reversamente e integrado no genoma das células humanas. O estudo aqui citado mede o efeito da vacina da Pfizer em linhagens de células do fígado em laboratório, em condições experimentais, e não em humanos ou qualquer outro ser vivo, o que é apontado como limitador da pesquisa pelos próprios autores. Além disso, não faz previsões a respeito de nenhuma doença.

Eles concluíram que a vacina entra nas células do fígado em meio de cultura seis horas após a administração e que surge DNA convertido a partir do RNA mensageiro em células hospedeiras, mas apontam não saber se o DNA convertido está integrado ao DNA das células, ou seja, se ele compromete o genoma. Especialistas ouvidos pelo Comprova destacam que outros estudos atestam que não há a modificação do DNA pela vacina.

Ao Comprova, a Pfizer afirmou que, até o dia 5 de outubro, distribuiu mais de 4,6 bilhões de doses da vacina ComiRNAty em mais de 181 países. Segundo a empresa, não há, até o momento, qualquer alerta de segurança ou preocupação, de modo que o benefício da vacinação segue se sobrepondo a qualquer risco.

O Ministério da Saúde reforçou que as vacinas passam por um rígido processo de avaliação de qualidade pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fundação Oswaldo Cruz, instituição responsável pela análise de qualidade dos imunobiológicos adquiridos e distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo aqui verificado teve 16,3 mil visualizações no Telegram. No Facebook, foram 31 mil compartilhamentos e 34 mil reações até 10 de outubro.

Como verificamos: Primeiro, localizamos e consultamos o estudo sobre o qual o médico se refere no vídeo. Em seguida, buscamos explicações dos autores da pesquisa sobre os resultados e de especialistas que pudessem comentá-los. Revisitamos também checagens anteriores do Comprova sobre a segurança da vacina da Pfizer e dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde, além de procurarmos a própria farmacêutica e analisarmos a bula do imunizante.

Estudo não prova mudança no código genético

No vídeo verificado, o médico cita o estudo “Transcrição reversa intracelular da vacina de mRNA BNT162b2 da Pfizer BioNTech COVID-19 in vitro em linhagem de células de fígado humano”, publicado em fevereiro de 2022, por pesquisadores da Universidade de Lund, da Suécia. O médico alega que a pesquisa demonstrou que a vacina modificou a expressão genética de uma linhagem de células, surgindo um novo padrão de DNA, e que essas alterações passaram para as células-filhas. A partir disso, o médico conclui que a vacina modifica o código genético e que isso seria transmissível à geração posterior da pessoa imunizada

Os autores investigaram o efeito do imunizante mRNA BNT162b2, fabricado pela Pfizer e BioNTech, na linhagem celular do fígado humano. Para tal, células Huh7, de uma linha originalmente retirada de um tumor de fígado, foram expostas à vacina in vitro e foi feita PCR quantitativa no RNA extraído das células. A Huh7 é uma célula imortal, capaz de se dividir indefinidamente e frequentemente utilizada como modelo para investigar cânceres e hepatite C. Já a PCR é uma proteína produzida no fígado, cuja concentração se eleva quando há um processo inflamatório em curso.

No ano passado, após o estudo ter sido acessado massivamente e discutido nas redes sociais, muitas vezes mal interpretado, a Universidade de Lund publicou uma página com explicações de dois dos autores, os professores Yang de Marinis e Magnus Rasmussen.

Conforme De Marinis, o estudo mostra que a vacina entra nas células do fígado seis horas após a administração e que surge DNA convertido a partir do RNA mensageiro em células hospedeiras, mas Rasmussen destaca que estas descobertas foram observadas em placas de Petri e em condições experimentais, portanto, não se sabe se o DNA convertido está integrado ao DNA das células, o que, sim, poderia trazer alguma consequência caso se comprovasse.

Eles ressaltam, também, as limitações do estudo. De acordo com Rasmussen, as linhagens celulares são diferentes das células dos organismos vivos, portanto, é importante que investigações semelhantes sejam feitas em humanos. “É importante ter em mente que as células do fígado neste estudo são geneticamente mais instáveis ​​do que as nossas próprias células do fígado”.

De Marinis acrescenta que não se sabe se o que foi observado nesta linhagem celular também poderia acontecer em células de outros tecidos. Por fim, eles afirmam não haver qualquer razão para alguém mudar a decisão de se vacinar com base na pesquisa e defendem a realização de mais pesquisas sobre o assunto.

Assim como os autores pontuam, Patrícia Almeida, hepatologista do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, destaca se tratar de um estudo in vitro, ou seja, em que é utilizada uma linhagem de célula carcinogênica (retirada de um tumor) e isso foge do que acontece normalmente no corpo humano. “O hepatócito tem um ciclo de replicação completamente diferente de um ciclo de uma célula carcinogênica, que é bem mais ativa em multiplicação”, explica.

Segundo ela, o estudo demonstra que ocorre uma penetração de RNA mensageiro no tecido hepático, mas que isso já é esperado porque o fígado é quem faz a metabolização do que entra no corpo, inclusive a vacina da covid-19. Conforme ela, a pesquisa não demonstra que ocorreu uma modificação do código genético. “É encontrado RNA mensageiro na célula, mas não é comprovada a transcrição e incorporação dessa informação genética do vírus no nosso genoma, no nosso código genético, então se o estudo não traz essa informação, quiçá afirma que isso vai passar para nossa descendência”, afirma.

A hepatologista explica que o DNA está no núcleo da célula, então para o RNA mensageiro se ligar a ele, teria que passar pela membrana nuclear e, em seguida, através de um sistema de chave e fechadura, conseguir acessar o núcleo, o que não existe na vacina. “O RNA mensageiro não tem toda a informação genética viral e, mesmo que ele entrasse, haveria necessidade de tradução dessa linguagem para DNA, para que ele fosse inoculado. Ou seja, mesmo que existisse a transcrição reversa, ainda teria que ser integrado esse material genético ao DNA, para isso é necessária outra enzima, a integrase, que também não está presente na vacina. Assim, a probabilidade do RNA mensageiro alterar o DNA do paciente é nula”, diz.

O médico Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), também ressalta que não há a possibilidade de uma vacina que usa RNA mensageiro, como a da Pfizer, alterar o DNA de uma pessoa, que fica guardado no núcleo da célula. “O número de estudos é gigantesco mostrando que não há nenhuma possibilidade de incorporação de material genético no genoma de ninguém. Não modifica a expressão genética e não interfere no longo prazo”, disse.

O Comprova já esclareceu, anteriormente, que as vacinas contra a covid-19 não causam danos ao DNA de quem é vacinado.

Possibilidade de haver epidemias não é citada na pesquisa

Após afirmar que a vacina modifica o código genético, o médico cuja fala aqui é verificada declara aguardar pra ver “a desgraça que isso vai fazer no sistema linfocitário, no sistema macrofágico e no ‘sistema natural killer’”, referindo-se às células NK, que fazem parte do sistema imune e têm como função reconhecer o patógeno invasor e destruí-lo. Ele alega, com base do estudo sueco, que devem surgir epidemias de doença cardiovascular, doença autoimune e de câncer. Também especula que, em “uma ou duas gerações”, poderá haver uma epidemia de infertilidade.

Nenhuma dessas doenças ou previsões é citada no estudo. Renato Kfouri afirma que não há “plausibilidade biológica” na ideia de que a vacina poderia trazer algum transtorno no futuro, como os citados no vídeo, porque a proteína de RNA mensageiro da vacina se desintegra rapidamente.

Patrícia Almeida destaca que é impossível definir qualquer risco da vacina a partir do estudo apresentado, assim como seria impossível um estudo desta natureza apontar que existirão epidemias de outras doenças em decorrência do imunizante. A médica destaca que existem vários questionamentos em relação à genotoxicidade desde o surgimento das primeiras vacinas feitas de RNA mensageiro, mas que a inoculação do DNA é algo improvável cientificamente.

Efeitos colaterais graves e covid em crianças

Os efeitos colaterais provocados pelas vacinas podem ser encontrados nas bulas dos imunizantes, que estão disponíveis no site da Anvisa.

No caso da Pfizer, as reações mais comuns (ocorrem em 10% dos pacientes) são consideradas leves, como dor e inchaço no local de injeção, cansaço, dor de cabeça, diarreia e dor muscular, dor nas articulações, calafrios e febre. Já a miocardite (infecção das fibras do coração) e a pericardite (inflamação do revestimento externo do coração), consideradas reações graves, são tidas como muito raras, ocorrendo em menos de 0,01% dos pacientes.

Procurada pelo Comprova, a Pfizer afirma que, normalmente, os casos de pericardite e miocardite ocorreram com mais frequência em homens mais jovens, após a segunda dose da vacina e em até 14 dias após a vacinação. Reações foram menos relatadas em crianças com 5 a menos de 12 anos de idade do que em adolescentes de 12 a 17 anos. Sobre o problema, a empresa declara ainda que geralmente os casos são leves e os indivíduos tendem a se recuperar dentro de um curto período de tempo, embora não informe qual, após o tratamento padrão, que pode incluir compressa fria se houver dor no local da aplicação e ingestão de analgésico em caso de febre e dores na cabeça e no corpo, além de repouso. A Pfizer solicita que após a vacinação, a pessoa deve ficar alerta para sinais de miocardite e pericardite, como falta de ar, palpitações e dores no peito, e procurar atendimento médico imediato, caso ocorram.

A empresa disponibilizou um portal para comunicação de informações relacionadas a relatos de eventos adversos para facilitar o contato com a empresa e o monitoramento de farmacovigilância.

Diferentemente do que afirma o médico, crianças podem desenvolver doenças graves associadas à covid-19, principalmente a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P).

O Instituto Butantan ressalta que ela atinge majoritariamente crianças não vacinadas. Um estudo internacional também mostrou que crianças não vacinadas são mais propensas a desenvolver sintomas graves de covid-19, representando 90% dos casos moderados a graves da doença entre o público pediátrico.

Pfizer diz que não há alerta de preocupação

Sobre os comentários do médico, o Comprova procurou a Pfizer para que a empresa comentasse as acusações. A Pfizer informou que não comenta estudos que não sejam de autoria dela e declarou que já distribuiu, até o dia 5 de outubro, mais de 4,6 bilhões de doses da vacina ComiRNAty em mais de 181 países. Segundo a empresa, não há, até o momento, qualquer alerta de segurança ou preocupação, de modo que o benefício da vacinação segue se sobrepondo a qualquer risco.

A empresa ressalta que agências regulatórias pelo mundo como a Federal Drug Administration (FDA), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizaram o uso da vacina contra a Covid-19, baseadas em avaliações robustas e independentes de dados científicos sobre qualidade, segurança e eficácia, incluindo o estudo clínico da fase 3. Esse estudo procedeu com a administração da vacina a milhares de pessoas, para que fosse demonstrada a sua eficácia e segurança, ou seja, que a vacina é capaz de proteger os indivíduos com o mínimo possível de reações adversas.

A empresa também informou que dados de estudos de mundo real complementam as informações dos estudos clínicos e proporcionam evidência adicional de que a vacina fornece proteção eficaz contra formas graves da doença.

Na mesma linha, segue o Ministério da Saúde, que também considera que os benefícios do uso da vacina superam os seus possíveis riscos.

De acordo com a pasta, a probabilidade de eventos adversos graves causados pelas vacinas é muito menor do que o risco das doenças e suas complicações. O ministério salienta que, como qualquer outro medicamento, as vacinas não estão livres de provocar eventos adversos e, por isso, está atento e acompanhando todos os casos notificados como Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização, para rápida resposta à população.

Sobre reações oriundas da vacina, a Pfizer disse ao Comprova que realiza habitualmente o acompanhamento de relatos de potenciais eventos adversos de seus produtos, mantendo sempre informadas as autoridades, de acordo com a regulamentação vigente nos países onde é aplicada. A empresa disponibilizou um portal para comunicação de informações relacionadas a relatos de eventos adversos para facilitar o contato com a empresa e o monitoramento de farmacovigilância.

Ministério da Saúde reforça segurança das vacinas

Ao Comprova, o Ministério da Saúde informou que todas as vacinas ofertadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) são seguras e possuem autorização de uso pela Anvisa, após terem demonstrado eficácia e segurança favoráveis em estudos clínicos. O órgão também afirma que as vacinas passam por um rígido processo de avaliação de qualidade pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fundação Oswaldo Cruz, instituição responsável pela análise de qualidade dos imunobiológicos adquiridos e distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Sobre os possíveis efeitos colaterais provocados pela ComiRNAty, a pasta declarou que a Anvisa é o órgão responsável pelo recebimento de relatórios de segurança das vacinas. Além dela, o PNI coordena o Sistema Nacional de Vigilância (SNV) de Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (ESAVI), cuja fonte de dados são as notificações de casos suspeitos que são realizadas por qualquer profissional de saúde do Brasil, por meio do sistema de informações e-SUS Notifica. Dessa forma, o PNI realiza o monitoramento da ocorrência de ESAVI de forma contínua e sistemática, permitindo a detecção de sinais de segurança e a avaliação do benefício-risco das vacinas recomendadas e em uso no país.

O Ministério da Saúde reforça que para a avaliação e investigação de ESAVI graves, raros ou inusitados foi criado um Comitê Interinstitucional de Farmacovigilância de Vacinas e outros Imunobiológicos (Cifavi) com participação da Anvisa, Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) e especialistas de diversas modalidades médicas e de saúde pública, coordenado pela pasta ministerial.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova enviou um pedido de posicionamento ao número de WhatsApp controlado pela equipe do médico Alessandro Loiola, que faz as alegações aqui verificadas, mas não teve resposta até o momento.

O que podemos aprender com esta verificação: O post verificado lança dúvidas sobre a segurança das vacinas contra a covid-19, que são alvo frequente de desinformação. Para passar um ar de seriedade e comprovação sobre o que está dizendo, o autor cita um estudo real, mas omitindo considerações importantes dos pesquisadores sobre o assunto, além de acrescentar informações que não estão na pesquisa. As pesquisas científicas ficam disponíveis para consulta online e, como no caso aqui verificado, frequentemente são abordadas em entrevistas e reportagens de veículos profissionais de imprensa ou de instituições, como universidades, que buscam traduzir as informações para o público leigo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Alegações semelhantes sobre o estudo sueco foram checadas no ano passado por Reuters e AP News. Anteriormente, o Comprova demonstrou que vacinas não injetam “DNA alienígena” nas pessoas, que é falso que elas causem danos irreversíveis ao DNA e que Bill Gates tenha comprado ações da Coca-Cola para inserir vacinas com mRNA na bebida.

Saúde

Investigado por: 2023-10-10

É falso que Canadá tenha admitido que triplamente vacinados contra a covid-19 tenham desenvolvido Aids

  • Falso
Falso
É falso que o governo canadense tenha admitido que pessoas que já tomaram três doses da vacina de covid-19 tenham desenvolvido Aids. Não há relação entre os imunizantes e a doença, que é causada pela infecção do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Dados do governo canadense mostram apenas as taxas de casos de covid-19 entre vacinados e não imunizados, sem qualquer relação com casos de infecções por HIV.

Conteúdo investigado: Publicação compartilha link de matéria e print de uma manchete do site Tribuna Nacional que diz “Governo canadense admite que 74% dos triplamente vacinados tem Aids”. A legenda afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria avisado sobre a relação entre a covid-19 e a Aids e questiona: “será que daria pra lascar um processo naqueles comunistas e genocidas da cpmi do circo?”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e site.

Conclusão do Comprova: É falso que o governo canadense tenha admitido que pessoas que foram vacinadas contra a covid-19 tenham desenvolvido quadro de Aids. A Agência de Saúde Pública do Canadá (PHAC, em inglês) confirmou que a notícia é falsa e apresentou links de agências de checagem internacionais que desmentem a correlação.

Uma publicação no X distorce dados epidemiológicos do governo do Canadá. Nestes relatórios, não há qualquer menção ao HIV. Há somente informações referentes ao resumo dos casos, mortes, testes e variantes preocupantes de covid-19 em todo o Canadá ao longo do tempo.

Os dados destacados no conteúdo investigado são inadequados e as comparações propostas ali não fazem sentido. Em uma delas, o texto afirma que a população não vacinada teve menos casos de covid-19. Porém, a população não vacinada é muito menor do que a que foi vacinada.

Por exemplo, na segunda semana epidemiológica citada no artigo, terminada em 13 de fevereiro de 2022, os dados oficiais do governo canadense mostram que a população vacinada com duas doses era de 13,72 milhões de habitantes. Os triplamente vacinados eram 16,84 milhões e os não vacinados eram 5,75 milhões. Esses dados foram obtidos na plataforma Wayback Machine, que compila páginas antigas da Internet. No conteúdo investigado, a população por status de vacinação foi subestimada no casos dos vacinados (11,50 e 11,70 milhões, respectivamente), e superestimada para os não vacinados (13,21 milhões).

Para efeitos de comparação, desde o início da vacinação, em dezembro de 2020, 40% dos casos confirmados de covid foram de não vacinados, contra 32,3% de vacinados com esquema inicial e 18,7% com uma dose de reforço. Esses números são de 14 de outubro de 2022, data da última atualização do portal da Agência de Saúde Pública do Canadá.

Além disso, o conteúdo investigado usa dados de dezembro de 2020 a 2022, quando a proporção de vacinados e não vacinados oscilou drasticamente com o avanço da imunização. O Canadá demorou para iniciar o processo, mas teve uma alta busca por vacinação, além de ter adotado medidas mais rígidas para conter a disseminação do vírus.

Alguns dos gráficos usados no material de desinformação apresentam dados corretos sobre vacinados no Canadá. Os números mostrados não revelam qualquer relação com casos de Aids ou imunodeficiência adquirida.

Consultado pelo Comprova, o médico imunologista e especialista em doenças parasitárias e infecciosas José David Urbáez Brito, que também é presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, reforça que a ideia de que vacinados perdem imunidade e desenvolvem Aids não se sustenta.

“Primeiro que a Aids é uma doença causada por um vírus. É o vírus da imunodeficiência humana, HIV. Então essa vacina (de covid-19) não tem nenhum componente vivo, nada que possa lembrar um vírus. Portanto, não teria nem maneira (de causar a infecção). Mesmo que a intenção fosse de uma conspiração internacional completamente à margem da ética, não há maneira”, afirma o especialista.

Ele avalia ainda que a metodologia, de comparar eficácia da vacina com base no número de casos de vacinados e não vacinados, é utilizada apenas em fase de testes ou nos estágios iniciais da criação de uma vacina. “O cálculo você faz quando a vacina é criada, neste momento você vai comparar o número de casos entre pessoas vacinadas com o número de casos entre pessoas não vacinadas. Você calcula a eficácia porque você vai ver que entre os vacinados teve um caso, entre os não vacinados teve 100 casos. Então, aí a vacina evitou 99 casos”, explicou.

Falso: Conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post foi excluído antes da finalização desta verificação, mas até o dia 3 de outubro, a publicação no X contava com 97 mil visualizações.

Como verificamos: Inicialmente, procuramos informações sobre a covid-19 no Canadá no site oficial do governo local. Também buscamos no Google pelas palavras-chave “Canadá covid aids”, para saber se houve algum pronunciamento relacionando a vacinação com a doença. Buscamos pelo site britânico The Exposé, para encontrar o conteúdo original, traduzido pelo Tribuna Nacional. Pesquisamos no Google por explicações oficiais e médicas sobre o vírus da Aids, além de outros momentos em que peças de desinformação envolvendo vacinas de covid-19 e Aids viralizaram. Em seguida, buscamos pelo site da Agência de Saúde Pública do Canadá no Wayback Machine, para tentar encontrar os dados apresentados na matéria.

Por fim, entramos em contato com José David Urbáez Brito, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal e com a Agência de Saúde Pública do Canadá. Buscamos pelo autor em outras redes sociais e no Google, mas não encontramos nenhuma informação que nos permitisse entrar em contato com ele. Na rede social X não há possibilidade de pessoas que não se seguem mutuamente enviarem mensagens.

Vacina da covid não causa Aids

Além de usar dados de forma incorreta, a publicação investigada compara a Aids a uma suposta redução da resposta do sistema imunológico após a aplicação da vacina de covid-19. O artigo cita até mesmo que os imunizantes contra a doença causariam a “síndrome de imunodeficiência adquirida por vacina” (vaids), uma espécie de Aids. As alegações são infundadas, como também mostram outras verificações, aqui, aqui e aqui.

A Aids é o estágio mais avançado da infecção por HIV e ocorre se o paciente não utilizar medicamentos antirretrovirais e recusar acompanhamento médico. Conforme a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o HIV tem como alvo o sistema imunológico e enfraquece os sistemas de defesa das pessoas contra infecções e alguns tipos de câncer.

Como o vírus destrói e prejudica a função das células imunes, os pacientes vivendo com o vírus se tornam gradualmente imunodeficientes. A função imunológica é medida pela contagem de células CD4, um tipo de linfócito que atua na identificação, no ataque e na destruição de bactérias, fungos e vírus que invadem o corpo.

A imunodeficiência resulta em um aumento da suscetibilidade a várias infecções e doenças que pessoas com um sistema imune saudável podem combater. Com o avanço da medicina, o uso de medicamentos antirretrovirais permitiu que pessoas vivendo com HIV não desenvolvessem Aids e pudessem viver com qualidade. Pessoas com HIV em tratamento antes do avanço da doença podem ter expectativa de vida quase igual à de pessoas não infectadas.

O efeito imunossupressor causado tanto por medicamentos como pela manifestação da Aids não tem qualquer relação com a resposta do sistema imunológico após a aplicação de vacinas. Conforme o médico José David Urbáez Brito, a publicação investigada tenta associar erroneamente a vacina à diminuição da imunidade.

Medicamentos imunossupressores são geralmente usados por pessoas que fazem tratamento para doenças autoimunes como lúpus, artrite reumatoide, doença de Crohn e anemia hemolítica. Pessoas que estão em tratamento pós-transplante de órgãos ou células tronco ou ainda que façam quimioterapia também são consideradas imunossuprimidas.

“Nesse paciente, o tratamento passa por modificar a imunidade do indivíduo por conta da própria natureza agressiva do tratamento. Então, uma leucemia aguda, para você combater, você usa tratamentos agressivos que acabam destruindo a medula óssea e você fica imunossuprimido, você fica sem as células de defesa. Então, o que eles estão tentando combinar nesse texto é que a vacina agiria modificando o sistema imunológico para ele ficar fraco, como se fosse um imunossupressor. Isso não existe”, ressalta o infectologista.

Ao Comprova, a Agência de Saúde Pública do Canadá negou a informação de que as vacinas contra covid tenham causado Aids e apresentou links de agências de checagem internacionais que desmentem a correlação entre a vacinação contra covid-19 e a Aids, como esta da AP News. Ao site de verificação de fatos Lead Stories, a agência enviou uma resposta ressaltando o caráter falso do artigo.

“Com bilhões de doses de vacinas contra a covid-19 administradas a indivíduos em todo o mundo, os dados do mundo real sugerem fortemente que os indivíduos vacinados contra a covid-19 não ficam imunocomprometidos após a vacinação. A eficácia protetora destas vacinas contra a casos graves de covid-19 é inequivocamente conhecida por ser mediada pela atividade do sistema imunitário do indivíduo vacinado”, explicou em nota.

A agência destacou que, até a data de fechamento deste material, ainda não haviam sido apresentadas à PHAC quaisquer notificações de Aids após a vacinação contra a covid-19. Além disso, a nota ressalta ainda que as autoridades de saúde canadenses monitoram “continuamente” os dados sobre a vacinação no país.

“A vacinação continua a ser uma das formas mais eficazes de proteger as nossas famílias, comunidades e nós próprios contra a covid-19. As evidências mostram que as vacinas utilizadas no Canadá são muito eficazes na prevenção de casos graves, hospitalização e morte por covid-19”, concluiu a agência.

Níveis de vacinação e casos confirmados de covid no Canadá

Segundo dados oficiais do governo canadense, o país administrou mais de 99 milhões de doses de vacina contra a covid-19 de 14 de dezembro de 2020 até 10 de setembro de 2023, última atualização da plataforma. Do total da população, 83,2% receberam pelo menos uma dose – o equivalente a 32.372.771 habitantes –, enquanto 80,5% do total completaram o esquema primário de vacinação. A terceira dose foi aplicada em 62,2% dos mais de 24 milhões que já tomaram duas doses.

Com a vacinação alcançando mais de três quartos da população canandense, os números de casos e mortes caíram drasticamente. Depois de ter ultrapassado os 300 mil casos e beirado as 900 mortes em uma semana epidemiológica de janeiro de 2022, a semana terminada em 4 de outubro de 2023 registrou 7.901 novos casos e 65 mortes pela doença.

A publicação analisada apresenta dados verídicos, mas compara o número de casos entre vacinados, com até três doses tomadas, e não vacinados. A metodologia, conforme o médico José David Urbáez Brito, é considerada em fases iniciais da vacina. Com a aplicação em massa na população, é feita a análise da onda de contágio do contingente total de habitantes de um país.

“Quando faz o ensaio da vacina, você tem esse interesse (de comparar vacinados e não vacinados), mas depois você vai ver como se comportava a população toda. E aí o que você viu foi a queda vertiginosa, a ausência de casos graves e de óbito. A eficácia você calcula lá atrás. Para você, com isso, fazer a incorporação aos programas de vacinação”, pontuou.

Suposta relação entre vacinação contra covid e Aids teve início em 2021

Em um material explicativo publicado pelo Comprova em 25 de agosto de 2022, foi mostrado que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por associar a vacinação contra a covid-19 com o desenvolvimento da Aids.

Em uma de suas lives semanais, em 21 de outubro de 2021, Bolsonaro leu uma notícia que afirmava que relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugeriam que pessoas totalmente vacinadas contra a covid-19 – a época, com três doses – estariam desenvolvendo a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids) de maneira muito mais rápida do que o previsto.

“Recomendo ler a matéria, não vou ler para vocês aqui porque posso ter problema com a minha live aqui, não quero que caia a live aqui, eu quero dar informações concretas. Vou deixar bem claro aqui, talvez eu tenha sido o único chefe de Estado do mundo que tenha tido coragem de colocar a cara à tapa nessa questão”, disse o ex-presidente. A transcrição do áudio original desta live está em uma pasta organizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e disponibilizada na ferramenta Pinpoint, do Google, que reúne a transcrição de todas as lives semanais do presidente.

A matéria lida por Bolsonaro era do site norte-americano Before It’s News, conhecido por propagar informações falsas sobre vacinas. À época, em resposta ao Fato ou Fake, do g1, o Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido afirmou que a publicação é de um site que propaga “fake news” e teorias da conspiração e diz que a história não é verdadeira.

A suposta relação entre a vacina e a doença teve uma sobrevida em fevereiro de 2023, quando peças de desinformação começaram a circular dizendo que o governo alemão teria anunciado que “um número alarmante” de vacinados contra a covid-19 estariam desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida. Agências de verificação como a Lupa e a AFP Checamos mostraram que esses conteúdos eram falsos.

O que diz o responsável pela publicação: Não é possível enviar mensagens diretas por meio de contas que não se seguem mutuamente no X (antigo Twitter). O nome do autor da publicação foi procurado em outras redes sociais, mas as contas não eram do mesmo usuário.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma das táticas mais comuns de peças de desinformação é a utilização de dados reais utilizados de forma distorcida para corroborar uma informação falsa. A série de estatísticas reais sobre a situação de casos de covid-19 e vacinação no Canadá poderiam gerar uma espécie de credibilidade dos subsequentes cálculos e o suposto desenvolvimento de Aids.

Além disso, caso o governo canadense realmente tivesse admitido ou afirmado algo nesse sentido, tal informação seria amplamente divulgada pelos próprios canais oficiais e em diversos veículos de comunicação

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As agências Aos Fatos, boatos.org e Reuters também verificaram o mesmo conteúdo e concluíram que a alegação é falsa.

A temática da vacinação costuma ser alvo de desinformadores e peças sobre o assunto já foram verificadas pelo Comprova. Recentemente, o projeto mostrou que CDC não falsificou dados nem admitiu que 99% das mortes por Covid nos EUA foram por outras causas, que governo da Flórida não declarou vacina contra a covid-19 uma arma biológica, ao contrário do que diz post e que OMS não admitiu que bebês de mães vacinadas estão nascendo com problemas no coração.

Saúde

Investigado por: 2023-10-03

CDC não falsificou dados nem admitiu que 99% das mortes por Covid nos EUA foram por outras causas

  • Falso
Falso
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos não falsificou os dados de morte por covid-19 para convencer a população a se vacinar. A publicação falsa distorce os dados do painel de controle da doença disponibilizado pela agência e faz menção ao número de mortos por covid-19 durante a semana de 13 a 19 de agosto de 2023. Uma publicação do jornal britânico Daily Mail é usada como base, mas o conteúdo foi alterado e não diz que o CDC falsificou o número de mortos por covid na referida semana.

Conteúdo investigado: Artigo compartilhado por virologista no X, antigo Twitter, afirma que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos admitiu que “falsificou 99% das mortes por covid-19 para assustar o público e fazê-lo tomar a vacina”. Segundo o texto, dados da agência de saúde revelam que apenas 1,7% das 324 mortes pelo vírus registradas na semana encerrada em 19 de agosto de 2023 tiveram a doença como principal causa de óbito.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso o artigo compartilhado pelo virologista Paolo Zanotto, no Twitter, afirmando que 99% das mortes por covid-19 foram falsificadas pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. A publicação distorce dados do painel do COVID Data Tracker que registra o número de óbitos decorrentes do vírus, por semana, no país.

A peça de desinformação usa como base uma afirmação incorreta publicada pelo Daily Mail em 28 de agosto, mas que foi corrigida no dia seguinte. O jornal britânico havia publicado, a partir de uma interpretação errada dos dados do CDC da semana que se encerrou em 19 de agosto de 2023, que “99% das mortes de covid na semana passada não foram causadas principalmente pelo vírus”.

A matéria foi alterada e o veículo exibe, desde então, uma nota informando a correção do conteúdo anteriormente publicado e que o comparativo percentual toma como base as mortes por todas as causas. O texto foi editado para afirmar que apenas 1% das mortes por todas as causas nos EUA na semana encerrada em 19 de agosto de 2023 teve como causa a covid-19, justamente como mostra o painel disponibilizado pela agência.

O jornal explica que há, na parte inferior do rastreador de dados da covid do CDC, uma nota de rodapé que diz que a porcentagem de todas as mortes relatadas atribuídas como covid-19 é calculada “com base no número de mortes por todas as causas”. “Alteramos o artigo para refletir isso”, afirma o Daily Mail.

| Captura de tela de artigo publicado no Daily Mail feita em 3 de outubro de 2023.

O painel do CDC que reúne informações relacionadas à covid-19 nos Estados Unidos tem um gráfico que registra semanalmente as mortes decorrentes da doença relatadas à agência de saúde. Na semana do dia 13 a 19 de agosto deste ano, a tabela mostra que ocorreram 881 mortes pelo vírus, o que representou 1,6% de todos os óbitos notificados nesse intervalo de tempo, por todas as causas, no país.

Em resposta a Zanotto, um usuário do X compartilhou o link para a checagem feita pelo USA Today sobre o mesmo assunto e questionando o exagero das afirmações. O autor do post verificado pelo Comprova, no entanto, manteve o posicionamento de que os dados sobre mortes na pandemia são deturpados.

Falso para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até esta terça-feira, 3, foram mais de 187,4 mil visualizações, 6 mil curtidas e 2 mil compartilhamentos. O conteúdo também foi publicado no Telegram com duas visualizações, não sendo possível saber se o conteúdo foi republicado.

Como verificamos: O Comprova leu a notícia publicada pelo virologista para entender as alegações feitas na publicação. A partir disso, buscou pelos dados oficiais da agência de saúde norte-americana e reportagens na imprensa sobre o assunto.

Na pesquisa, a equipe confrontou as informações publicadas pelo artigo com os números do painel COVID Data Tracker, do CDC, e descobriu que os dados sobre a quantidade de mortes relacionadas à covid-19 estavam distorcidos.

Foi encontrada também a publicação do Daily Mail que informava sobre o erro na primeira versão publicada da reportagem, base para o conteúdo desinformativo. A verificação localizou ainda checagens do USA Today e da Associated Press desmentindo o mesmo conteúdo.

Por fim, buscamos informações relacionadas ao biólogo Paolo Zanotto e tentamos contato com ele por e-mail. O CDC também foi consultado sobre o caso.

Publicação usa reportagem com erro reconhecido pelo próprio Daily Mail

Em 28 de agosto deste ano, o Daily Mail publicou uma interpretação incorreta dos dados do CDC. No entanto, para corrigir a informação, a manchete foi alterada no dia seguinte e uma nota foi publicada na reportagem.

O esclarecimento, anexado ao fim da matéria, frisou que “uma versão anterior deste artigo afirmava que 99% por cento das mortes de Covid na semana passada não foram causadas principalmente pelo vírus. Na verdade, uma nota de rodapé na parte inferior do rastreador de dados da Covid do CDC explica que a porcentagem de todas as mortes relatadas atribuídas como Covid-19 é calculada com base no número de mortes por todas as causas. Alteramos o artigo para refletir isso”.

Apesar da atualização feita pelo jornal, a publicação analisada baseou-se na notícia antiga, sem a correção. O Daily Mail atualizou o seu texto um dia depois, em 29 de agosto, enquanto o post desinformativo possui a data do dia 31, ou seja, após a edição com os dados corretos.

No X, um usuário enviou para o autor da publicação a checagem feita pelo USA Today, questionando um exagero nas afirmações feitas por Zanotto. O biólogo, no entanto, sustentou o posicionamento de que os dados sobre mortes na pandemia são deturpados.

Os números mostram que, na época, o painel da agência norte-americana registrava 324 mortes por covid-19 entre os dias 13 e 19 daquele mês – representando 1,7% do total de mortes no país naquela semana. A partir daí, houve uma atualização pelo CDC com a inclusão de novos relatórios de mortes relacionadas àquela semana.

As informações mais recentes do COVID Data Tracker, atualizadas em 23 de setembro, mostram que na semana encerrada em 19 de agosto de 2023 a covid-19 foi responsável por 1,6% do total de mortes nos Estados Unidos.

O autor do post

Paolo Zanotto é um virologista e professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Em 2021, ele foi apontado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid, no Senado Federal, como o idealizador do “gabinete das sombras”. O grupo era formado por médicos negacionistas e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que serviria para orientar o governo no combate à pandemia.

Em um vídeo de setembro de 2020, divulgado pelo jornal Metrópoles, médicos desaconselharam Bolsonaro a comprar a vacina contra o vírus, durante reunião no Palácio do Planalto. Nas gravações, Zanotto faz um discurso e sugere a criação do grupo oculto para discutir o “tratamento precoce”, além de orientar o ex-presidente a tomar “extremo cuidado” com os imunizantes.

O relatório final da CPI, apresentado em 20 de outubro de 2021 pelo senador Renan Calheiros (MDB), sugeriu o indiciamento do virologista pelo crime de epidemia com resultado morte, previsto no artigo 247 do Código Penal, por conta da participação no “gabinete paralelo”.

Vacinação segue sendo melhor método de proteção contra covid-19

O número de mortes causadas pela covid-19 caiu por causa da vacinação. As vacinas são altamente eficazes na prevenção de doenças graves, hospitalização e morte causada por todas as cepas do vírus SARS-CoV-2, incluindo a variante ômicron e suas sub-linhagens, conforme a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). As vacinas são altamente eficazes na redução da transmissão do vírus, embora possam não impedir completamente a infecção.

Há dez vacinas contra a covid-19 aprovadas pela OMS, para as quais foram emitidas recomendações de uso e que são produzidas pelos seguintes fabricantes: Pfizer/BioNTech, AstraZeneca/Oxford, Janssen, Moderna, Sinopharm, Sinovac, Bharat, Novavax, Casino e Valneva. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou o uso de seis delas: Pfizer/Wyeth, Pfizer, Coronavac, Janssen, Oxford/Covishield (Fiocruz e Astrazeneca) e Spikevax.

Como mostrou o Comprova, a imunidade natural, ou seja, quando uma pessoa já contraiu a doença e seu corpo desenvolveu anticorpos, não torna a vacina desnecessária no combate à infecção por covid.

O que diz o responsável pela publicação: No X, não é possível mandar mensagens diretas por usuários que não se seguem mutuamente. O professor foi contatado por meio de seu email institucional da USP, mas, até o fechamento desta checagem, não houve retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: Como as informações publicadas podem sofrer alteração, é preciso estar atento a alertas ou notas explicativas que apontem para essas possíveis mudanças. Outra técnica usada para criar o efeito de credibilidade para informações falsas é usar dados reais de forma distorcida. Por isso, é importante consultar as fontes originais e diversos veículos de comunicação, além de desconfiar caso não seja informado a origem dos dados ou autoria da informação. Neste caso, a consulta ao conteúdo original já demonstraria o uso de dados de forma errada. O uso de termos alarmantes como “assustar a população a se vacinar” e “número de mortes foi falsificado” também são usados para gerar medo e incentivar teorias contra a vacinação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Outros veículos como o USA Today e a Associated Press desmentiram o mesmo conteúdo. O Comprova já checou outras alegações relacionados às decisões e dados do CDC, como que é enganoso post que afirma que a agência de saúde recomendou suspensão da aplicação da vacina da Janssen recentemente, que médica retirou dados de hospital israelense de contexto ao acusar CDC de mentir sobre infecções em não vacinados e que deputada distorce entrevista de diretora do CDC para criticar imunizantes e “passaporte sanitário“.