O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Comprova Explica

Investigado por: 2024-03-19

Entenda o acordo entre a Anatel e o TSE para as eleições e o que é o ‘poder de polícia’

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Comprova Explica
Publicações em rede social e site levantam desconfiança sobre um acordo feito entre o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, e o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, para atuação dos órgãos nas eleições. As postagens indicam que a Anatel usará o chamado "poder de polícia para retirar do ar todos os sites e aplicativos que o TSE considerar antidemocratas”. Na prática, os acordos feitos entre as instituições buscam combater a desinformação nas eleições e acelerar a comunicação entre esses órgãos. O “poder de polícia” refere-se, na verdade, ao poder que a administração pública possui de ordenar condutas, estabelecer obrigações, fiscalizar e impor sanções. A Anatel, na situação em questão, atuará no cumprimento de determinações judiciais, baseadas em normativas eleitorais que vetam, dentre outros, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, racismo, ideologia nazista e antidemocráticos.

Conteúdo analisado: Publicações em rede social e site afirmam que, após um acordo feito entre o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, e o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, a agência “terá poder de polícia para retirar do ar todos os sites e aplicativos que o TSE considerar antidemocratas”.

Comprova Explica: O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou, no último dia 12 de março, o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), sob a liderança do presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes. O propósito do centro, conforme o TSE, é combater a disseminação de desinformação eleitoral, incluindo deepfakes e discursos prejudiciais à democracia, promovendo uma cooperação entre a Justiça Eleitoral, órgãos públicos e entidades privadas (como as plataformas de redes sociais). E assim garantir o cumprimento de normas eleitorais, como a Resolução TSE nº 23.610/2019, que trata sobre propaganda eleitoral e que recentemente foi atualizada para abordar o uso fraudulento da tecnologia em campanhas políticas.

No mesmo dia, Alexandre de Moraes firmou um acordo de cooperação técnica com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para facilitar as operações do CIEDDE, uma vez que a empresa é uma das instituições externas convidadas a participar do centro em um modelo de colaboração mútua.

Anteriormente, em dezembro de 2023, o TSE e a Anatel já haviam assinado outro acordo para garantir um fluxo de comunicação célere e direto, por meio eletrônico, entre os dois órgãos e agilizar o cumprimento de decisões judiciais para bloqueio de sites que propaguem desinformação.

No caso, o poder de polícia que chegou a ser mencionado pelo presidente da Anatel, Carlos Baigorri, em referência à atuação na parceria com o TSE, diz respeito ao poder que a administração pública tem de estabelecer obrigações, fiscalizar e determinar sanções. No trabalho da Anatel, cabe à agência, diante de decisão da Justiça Eleitoral, que ordene, por exemplo, a retirada de sites do ar por propagarem desinformação, além do contato com as prestadoras de serviços de telecomunicações para que as mesmas efetuem o bloqueio do acesso dos websites em questão.

Portanto, a Anatel dá cumprimento ao que é decidido pela Justiça Eleitoral com base em normativas eleitorais. Em 2024, as normativas eleitorais foram atualizadas para englobar também, dentre outros pontos, a proibição das deepfakes, a obrigação de aviso sobre o uso de Inteligência Artifical (IA) na propaganda eleitoral e a responsabilização das big techs sobre a retirada imediata do ar de conteúdos com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, além dos antidemocráticos, racistas e homofóbicos.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos notícias sobre o assunto. Em seguida, procuramos o TSE para solicitar esclarecimentos de modo a explicar alguns pontos da parceria com a Anatel. Posteriormente, procuramos a Anatel para entender o papel da agência na iniciativa de combate à desinformação nas eleições deste ano. Também entrevistamos o advogado Francisco Zardo, mestre e doutorando em Direito Administrativo pela Universidade de São Paulo (USP) e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Seccional Paraná, que explicou que é o poder de polícia.

Acordo assinado entre o TSE e a Anatel

O TSE inaugurou, em 12 de março o CIEDDE, que é um grupo criado por meio da Portaria 180/2024, assinada pelo presidente da Corte, Alexandre de Moraes. O objetivo, segundo o TSE, é combater a desinformação e os discursos de ódio, discriminatórios e antidemocráticos no processo eleitoral. O CIEDDE funcionará na sede do tribunal, em Brasília.

O grupo busca estabelecer uma cooperação entre a Justiça Eleitoral, órgãos públicos e entidades privadas (em especial plataformas de redes sociais e serviços de mensageria privada) para garantir o cumprimento da Resolução TSE nº 23.610/2019, que trata da propaganda eleitoral.

Em fevereiro deste ano, a resolução foi atualizada para incorporar o combate ao uso fraudulento da tecnologia, como a produção de notícias falsas e a utilização irregular da Inteligência Artificial, em campanhas eleitorais.

O CIEDDE terá uma rede de comunicação em tempo real com os 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). O centro será comandado pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes, e composto por:

  • Secretário-geral do TSE, Cleso Fonseca;
  • Diretor-geral do Tribunal, Rogério Galloro;
  • Diretor da Escola Judiciária Eleitoral do TSE, ministro Floriano Azevedo;
  • Secretária de Comunicação da Corte, Giselly Siqueira;
  • Assessor-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, José Fernando Chuy;
  • Dois juízes auxiliares da Presidência da Casa, a serem designados.

A norma que criou o CIEDDE indica ainda que o TSE fechará acordos de cooperação com a Procuradoria-Geral da República (PGR), com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

No caso da Anatel, isto ocorreu no próprio dia 12 de março, quando Alexandre de Moraes assinou um acordo de cooperação técnica com a agência para operacionalizar o CIEDDE, visto o convite feito às instituições externas.

Os envolvidos no acordo devem:

  • Implementar a cooperação no âmbito administrativo;
  • Realizar o intercâmbio de informações e agilizar a comunicação entre órgãos, entidades e plataformas de redes sociais, visando otimizar a implementação de ações preventivas;
  • Cooperar na defesa da integridade do Processo Eleitoral e da confiabilidade do sistema eletrônico de votação, inclusive mediante a emissão de notas, pareceres e declarações públicas;
  • Promover a cooperação entre a Justiça Eleitoral, órgãos públicos e entidades privadas, em especial as plataformas de redes sociais e serviços de mensageria privada, durante o perı́odo eleitoral;
  • Cooperar na realização de cursos, seminários e estudos para a promoção de educação em cidadania, Democracia, Justiça Eleitoral, direitos digitais e combate à desinformação eleitoral;
  • Cooperar na organização de campanhas publicitárias de educação contra a desinformação, discursos de ódio e antidemocráticos, e em defesa da Democracia e da Justiça Eleitoral.

Antes disso, em dezembro de 2023, o TSE e a Anatel já haviam assinado outro acordo de cooperação para agilizar a derrubada de sites que propaguem desinformação. Segundo o texto da norma, o acordo tem o propósito de “estabelecer um fluxo de comunicação célere e direto, por meio eletrônico, entre os dois órgãos para o cumprimento de decisões judiciais para bloqueio de sites”. Esse acordo tem prazo de vigência indeterminado.

Conforme publicação do TSE, até então, as determinações de retirada de sites do ar por disseminação de informações prejudiciais ao processo eleitoral eram enviadas por meio de oficiais de Justiça. Na prática, ao vigorar o acordo de cooperação, é gerada uma integração eletrônica entre os sistemas das duas instituições, tornando a comunicação mais ágil.

Na ocasião, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, explicou que o mecanismo anterior era “mais moroso”, e, segundo ele, a Anatel recebeu “diversas determinações e julgamentos do Tribunal para retirar do ar sites, conteúdo e aplicativos que estavam disseminando desinformação e colocando em risco o processo eleitoral”.

“Poder de polícia” citado pelo presidente da Anatel

Em declaração à imprensa no dia 12 de março, Baigorri disse que a “Anatel usará poder de polícia contra fake news na eleição”. Essa afirmação tem gerado repercussão sobre o que vem a ser esse poder de polícia.

Ao Comprova, o advogado Francisco Zardo explicou que o poder de polícia, ao contrário do que sugere o nome, não se relaciona à atuação das polícias Militar, Civil ou Federal. Poder de polícia administrativa é o poder que a administração pública possui de ordenar condutas, estabelecer obrigações, fiscalizar e impor sanções.

“Por exemplo, quando a vigilância sanitária fecha um restaurante sem condições de higiene, ela está exercendo o poder de polícia. Da mesma forma, quando o Ibama autua alguém que cortou uma árvore sem licença ambiental”, explicou o advogado.

Ainda segundo Zardo, a finalidade principal do documento divulgado pelo TSE é agilizar o cumprimento das decisões judiciais, não introduzir novos poderes ou atribuições para ambas as instituições. “Não se cria nada novo, tanto o TSE quanto a Anatel continuarão a exercer os poderes e obrigações que já possuíam, apenas de forma mais ágil, a partir da integração eletrônica”, afirmou.

O advogado ainda ressaltou que, no caso específico, pode não ser adequado falar em exercício do poder de polícia pela Anatel. “Aqui, a Anatel estará meramente cumprindo determinações judiciais. A diferença é que os sistemas estarão integrados”, concluiu Zardo.

Portanto, o acordo entre o TSE e a Anatel busca a eficiência e a celeridade no cumprimento das decisões judiciais, garantindo uma integração eletrônica que otimiza os processos, sem alterar as competências e responsabilidades já estabelecidas para ambas as instituições.

Questionada sobre o uso da expressão, a Anatel, em nota, respondeu ao Comprova que a menção ao poder de polícia “trata-se de um conceito de Direito Administrativo, definido como a faculdade de que dispõe a administração pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”.

Eleições e bloqueio de sites

Sobre o acordo para o fluxo de comunicação entre o TSE e a Anatel, assinado em dezembro de 2023, a agência esclareceu ao Comprova que a Anatel “não efetua os bloqueios determinados pelo Poder Judiciário diretamente, mas sim entra em contato com as prestadoras de serviços de telecomunicações para que elas efetuem o bloqueio do acesso a determinados websites, nos termos estritos das decisões judiciais”.

Do mesmo modo, diz a Anatel, a participação no centro inaugurado pelo TSE não altera o fato de a agência ser “a intermediária que assegura, junto às prestadoras reguladas, que determinada decisão judicial seja cumprida”. A Anatel reforça que “não entra no mérito das decisões judiciais que recebe, mas assegura o seu cumprimento, dentro de suas atribuições legais”.

Desinformação na propaganda eleitoral

O Comprova também questionou o TSE sobre quais normativas norteiam o entendimento da Corte sobre o que vem a ser desinformação no cenário eleitoral e quais conteúdos eventualmente poderão ser retirados do ar. Em resposta, o TSE informou uma lista com as resoluções que regerão as eleições deste ano.

Dentre elas, há a que trata de propaganda eleitoral (a Resolução 23.732/2024 que alterou a 23.610/2019) que, atualizada em 2024, busca incorporar medidas relativas, por exemplo, ao uso da inteligência artificial na propaganda de partidos, coligações, federações partidárias e candidatos.

As mudanças na resolução estabelecem ainda a possibilidade de divulgação de posição política por artistas e influenciadores em shows, apresentações, performances artísticas e perfis e canais de pessoas na internet, desde que as manifestações sejam voluntárias e gratuitas.

Também proíbem o uso de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deepfake), para prejudicar ou para favorecer candidaturas.

Dentre outros pontos, há também:

  • Obrigação de aviso sobre o uso de IA na propaganda eleitoral;
  • Restrição do emprego de robôs para intermediar contato com o eleitor (a campanha não pode simular diálogo com candidato ou qualquer outra pessoa);
  • Responsabilização das big techs que não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, além dos antidemocráticos, racistas e homofóbicos.

Por que explicamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e busca esclarecer aqueles considerados duvidosos e que podem gerar entendimentos confusos e boatos.

Outras checagens sobre o tema: Em 2022, o Comprova classificou como falsa uma alegação publicada em vídeo no Kwai de que o TSE teria comprado 32 mil urnas “grampeadas” para serem usadas nas eleições daquele ano e dar um “golpe final no Brasil”.

Contextualizando

Investigado por: 2024-03-15

Estados só enviam verbas ao governo federal para o pagamento de dívidas

  • Contextualizando
Contextualizando
Um post viral afirma que os estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul se uniram para não enviar mais verbas ao governo federal. Não existe no sistema tributário brasileiro a previsão de repasses de um ente menor da Federação (estados e municípios) para um ente maior (governo federal). Ou seja, os estados não enviam verbas ao governo federal; eles enviam valores para o pagamento de dívidas. Atualmente, alguns governos estaduais estão tentando negociar a forma de pagar a dívida que têm com a União.

Conteúdo investigado: Post dizendo que os governos de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Minas Gerais se uniram para não enviar mais verbas à União. “O povo apoia. Chega de tratar vagabundos!”, finaliza a publicação.

Onde foi publicado: TikTok e WhatsApp.

Contextualizando: Está circulando nas redes sociais que alguns governadores de estados do Sudeste, Sul e Centro-Oeste teriam se unido para não enviar mais verbas ao governo federal. A alegação precisa ser contextualizada.

O Comprova consultou os estados mencionados na postagem – São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Minas Gerais. Os que responderam fizeram referência exclusivamente ao pagamento de dívidas com o governo federal. Mato Grosso do Sul afirmou não estar fazendo esse movimento e que o post é desinformativo. Mato Grosso e o Rio Grande do Sul não responderam até a publicação deste texto, assim como o Ministério da Fazenda.

Um ponto a ser esclarecido é que o repasse de verbas de estados à União se dá, exclusivamente, para o pagamento de dívidas. Governos estaduais e federal estão conversando para chegar a um acordo sobre o pagamento desses valores.

No dia 13, segundo a Folha, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que o governo irá apresentar uma proposta de renegociação da dívida com os estados. O documento deve ser levado já na próxima semana ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para, então, ser levado aos governadores e, depois de aprovado pelas partes, ser encaminhado ao Congresso para que se torne um projeto de lei complementar.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 15 de março, o post foi visualizado mais de 253 mil vezes no TikTok e compartilhado no WhatsApp cerca de 3,2 mil vezes.

Como verificamos: O Comprova pesquisou notícias sobre as dívidas dos estados com o governo federal, buscou contato com os estados citados na postagem e o Ministério da Fazenda, entrevistou a advogada Bruna Neves e o economista José Márcio Camargo e consultou a legislação sobre o tema.

Estados pagam dívidas para a União

Quando se trata de repasse de verbas dos estados para o governo federal, a questão envolvida é o pagamento de dívidas dos estados com a União. Segundo a advogada Bruna Neves, especialista em Direito Empresarial e Tributário, não existe no sistema tributário nacional a previsão de repasses de um ente menor da Federação (estados e municípios) para um ente maior (governo federal), e sim o contrário: “O que acontece são repasses do ente maior para o menor, porque a União sempre tem mais arrecadação, maior fôlego financeiro”, diz a advogada. Caso os estados decidam suspender o pagamento das dívidas, ela explica que eles “incorrerão num endividamento ainda maior”.

Professor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo explica que o endividamento dos estados com a União ocorre devido a empréstimos diretos feitos pelo governo federal aos estados ou nas ocasiões em que os estados contratam crédito no mercado financeiro tendo o governo federal como agente garantidor. “Se o estado não paga, o governo federal assume a dívida e o estado se torna devedor da União.”

De acordo com Bruna Neves, para que haja qualquer renegociação da dívida dos estados com o governo federal é necessário alterar a legislação. Ela cita a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº101, de 4 de maio de 2000), que veda, no artigo 35, operação de crédito entre entes da Federação “ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente”.

Sendo assim, a proposição de governadores do Sul e do Sudeste de deixarem de pagar juros sobre a dívida e que incida apenas correção monetária sobre os débitos, deveria necessariamente contar com uma mudança na legislação. O mesmo se aplica às propostas apresentadas pelo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ao presidente Lula, em novembro do ano passado, para a renegociação das dívidas dos estados. “Para negociar a dívida em si, como o Pacheco está propondo, certamente deverá haver alteração legislativa autorizadora”, explica a advogada.

Proposta dos governadores do Sul e Sudeste

Governadores dos estados do Sul e do Sudeste se reuniram no início do mês, em Porto Alegre, no âmbito do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), e discutiram alternativas que facilitariam o pagamento da dívida. A proposta desses estados, e também defendida por Goiás, está registrada na Carta de Porto Alegre, documento produzido ao final do encontro.

O texto propõe a revisão da metodologia de amortização do saldo devedor e dos encargos contratuais das dívidas dos estados com a União, o que, segundo os estados, “geram ônus exacerbado e crescente aos orçamentos estaduais, penalizando políticas públicas e investimentos essenciais à população”. Tanto o documento quanto as respostas dos estados sinalizam haver disposição do governo federal para dialogar sobre o tema. “Ressaltamos ter observado disposição de diálogo do Ministério da Fazenda a respeito do tema, que precisa se transformar, agora, em encaminhamento prático e objetivo”, diz trecho da Carta de Porto Alegre.

A resposta dos estados

O estado de São Paulo tem uma dívida de R$ 260 bilhões com a União, conforme o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse em áudio enviado pela assessoria de imprensa do governo ao Comprova. Segundo ele, São Paulo tem capacidade de pagar a dívida, mas desembolsa R$ 21 bilhões por ano, valor que poderia ser gasto com obras públicas.

Consultada pelo Comprova, a Secretaria da Fazenda do Paraná confirmou que o estado “apoia movimento no âmbito do Cosud, mas não encabeça o pleito que busca viabilizar melhores condições e acordos para renegociar a dívida dos entes federativos envolvidos”.

Por e-mail, a assessoria de imprensa do governo de Santa Catarina informou que a dívida pública do estado com a União gira em torno de R$ 10,9 bilhões e equivale a 26,4% da Receita Corrente Líquida do estado, que em 2023 foi de R$ 41,2 bilhões. A resposta destaca que o governador Jorginho Mello (PL) descarta qualquer possibilidade de não honrar os compromissos e suspender o pagamento das parcelas da dívida com a União. “Não haverá calote por parte de Santa Catarina e tal alternativa nunca foi discutida entre os governadores que integram o Cosud”, diz trecho da nota.

A assessoria ressaltou que está em discussão no momento no Cosud a alteração dos encargos da dívida pública dos estados com a União, o que pressupõe a mudança de metodologia de cálculo do Coeficiente de Atualização Monetária (CAM) usado pelo Governo Federal.

“A proposta defendida é recalcular os saldos devedores dos contratos e fazer com que o CAM seja apurado segundo as variações mensais do IPCA mais 4% ao ano e Selic, aplicando o menor resultado. Atualmente, o CAM considera a série histórica de 1º de janeiro de 2013 para cá e o indexador aplicado é a Selic. Para efeitos de comparação, vale lembrar que em 2023 a Selic fechou em 11,75%, contra um IPCA de 4,62%”, detalha o governo de Santa Catarina, acrescentando que, com a mudança, o estado teria um saldo devedor em média 15% menor do que o atual.

O governo de Minas Gerais informou que a dívida do estado com a União é de R$ 145,79 bilhões, e que “não há qualquer alinhamento conjunto do Governo de Minas e de outros estados da federação para deixar de repassar recursos ao Governo Federal”. A nota afirma que o governo aguarda uma análise do Ministério da Fazenda sobre possíveis soluções para o equacionamento da dívida de Minas com a União.

“Uma das propostas debatidas diz respeito à necessidade de revisão dos indexadores de cobrança da dívida para possibilitar um acordo no qual o abatimento dos valores devidos seja real e progressivo, permitindo ao governo melhorar a gestão dos recursos, incrementar a arrecadação e aumentar os investimentos públicos em serviços essenciais, como saúde, segurança e educação”, diz a nota do governo de Minas

Já o estado de Goiás disse que “desconhece qualquer iniciativa no sentido de suspender unilateralmente o envio de recursos à União, contrariando previsões legais ou contratuais”. Ainda de acordo com a nota, “o que existe é uma discussão junto ao Ministério da Fazenda para mudança nos indexadores de correção das dívidas dos estados com a União, reduzindo e tornando os juros mais adequados ao cenário econômico atual”.

Como afirmado acima, Mato Grosso do Sul disse não estar participando de nenhuma proposta conjunta de estados para renegociar a dívida, e Mato Grosso e Rio Grande do Sul não responderam até a publicação deste texto.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Publicado com a palavra “urgente” no alto, o post afirma algo que não é verdadeiro, e confunde os cidadãos. É um conteúdo que ataca o governo federal, cujos integrantes são chamados de “vagabundos”. Em uma democracia, como a brasileira, críticas e ataques podem ser feitos, mas, quando se baseiam em mentiras, são perigosos. O post fala de governos estaduais e federal, mas o Brasil terá eleições neste ano e, embora elas sejam para escolher prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, publicações como esta, desinformativas, prejudicam o processo eleitoral, uma vez que muitas pessoas podem se basear em peças como essa para escolher candidatos de um partido em detrimento de outros.

O que diz o responsável pela publicação: Procurado pela reportagem, o perfil que publicou o post viral não respondeu até a publicação deste texto.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já contextualizou outros conteúdos relacionados a contas públicas, como o de decreto com contingenciamento de recursos federais não determina corte de verbas. Também verificou ser enganoso vídeo que compara dados diferentes e engana sobre contas.

Política

Investigado por: 2024-03-13

Não há lei que acabe com a obrigatoriedade de aulas em autoescola para obter CNH

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso um vídeo que diz que as autoescolas vão acabar após a aprovação do projeto de lei 6485/2019. Esse projeto foi arquivado no Senado. Há outras propostas nesse sentido tramitando no Congresso Nacional, mas elas ainda não foram analisadas.

Conteúdo investigado: Vídeo narrado por uma voz feminina afirma que os brasileiros não precisarão mais pagar por aulas em autoescolas para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A novidade já estaria em vigor após a aprovação do projeto de lei 6485/2019.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É enganoso o vídeo que diz que as autoescolas vão acabar após a aprovação do projeto de lei nº 6485, de 2019. De autoria da ex-senadora Kátia Abreu (PP), a proposta foi arquivada em dezembro de 2022 e não foi analisada —nem aprovada— pelo Senado ou pela Câmara dos Deputados.

O projeto da ex-senadora propunha acabar com a exigência de cursos em autoescolas como condição para fazer os exames de habilitação. Ela também sugeriu criar um credenciamento para instrutores independentes e que as multas de trânsito fossem usadas para aprimorar as provas teóricas e práticas necessárias para tirar a CNH. Não há nenhuma menção de proibir as autoescolas de cobrar pelas aulas ou de que elas serão gratuitas.

Atualmente, para conseguir a habilitação para dirigir, é necessário passar por avaliação médica e psicológica e ser aprovado nos exames teóricos e práticos de direção. O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) estabelece que o curso de formação em centros habilitados é obrigatório e que há um número mínimo necessário de aulas para fazer as provas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 12 de março, o vídeo tinha 3,9 milhões de visualizações e 114 mil curtidas no TikTok.

Como verificamos: Para verificar a situação do projeto de lei nº 6485/2019, fomos ao site do Senado Federal, onde é possível acompanhar a tramitação de todas as propostas dos senadores. Depois, realizamos buscas para verificar a existência de projetos semelhantes em tramitação na Câmara dos Deputados. Consultamos também o Código Civil e o site oficial do governo federal para conferir o Código de Trânsito Brasileiro e a resolução nº 789/2020, que determinam as regras em vigência para a obtenção da CNH.

Vídeo cita propostas que ainda não foram analisadas

As propostas de Kátia Abreu, assim como de todos os ex-senadores que não conseguiram se reeleger em 2022, foram arquivadas ao fim do mandato, como manda o regimento interno do Senado. As exceções são para matérias que tenham vindo da Câmara, ou que já tenham parecer favorável de pelo menos uma comissão – o que não era o caso da iniciativa em questão.

O vídeo também menciona o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), que seria o responsável pela aprovação da lei. Ele apresentou um projeto semelhante ao de Kátia Abreu, para fazer com que a frequência nas autoescolas seja facultativa, mas a matéria ainda não foi apreciada pelo plenário. Na verdade, a proposta foi apensada, termo usado quando um projeto passa a tramitar em conjunto com outro por tratarem de temas parecidos, a outra proposta, e aguarda criação de comissão temporária pela Mesa Diretora para ser analisada.

Curso de formação em centros habilitados é obrigatório

Todas as aulas, teóricas e práticas, devem ocorrer em um Centro de Formação de Condutores (CFC) devidamente autorizado e são contabilizadas por meio de biometria, como estabelece a resolução nº 789, publicada em 2020.

A resolução estabelece que, para dar início ao processo de habilitação, o candidato deverá ser penalmente imputável, saber ler e escrever, possuir documento de identidade e possuir Cadastro de Pessoa Física (CPF). O primeiro passo é realizar avaliação psicológica e exames de aptidão física e mental nas clínicas credenciadas pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

Sendo considerado apto, é obrigatório que o candidato faça o mínimo de 45 horas de aulas teóricas e o exame correspondente. Ao ser aprovado, ele deve cumprir a carga horária mínima de 20 horas de aulas práticas, das quais pelo menos uma no período noturno. O aprendiz deve estar sempre acompanhado por um instrutor de Prática de Direção Veicular e portando a Licença para Aprendizagem de Direção Veicular (LADV), expedida pelo órgão ou entidade executiva de trânsito do Estado ou do Distrito Federal. Cumprindo os requisitos mínimos, o candidato pode realizar o exame de direção veicular para a obtenção da CNH.

Para cada etapa da formação, é necessário o pagamento de taxas cobradas pelo Detran, como a taxa de inscrição, do exame de direção e dos exames médico e psicológico. Os valores variam de acordo com as diretrizes de cada estado e estão disponibilizados para consulta no site do Detran correspondente. Em São Paulo, por exemplo, estes são os preços:

  • Exame médico: R$ 116,69 (R$ 85,57 se for pessoa com deficiência)
  • Avaliação psicológica: R$ 85,57
  • Aulas teóricas e práticas: pagamento à autoescola, varia conforme a empresa
  • Taxa para fazer o exame teórico: R$ 48,62
  • Taxa para fazer o exame prático: R$ 48,62
  • Taxa para emissão e envio da CNH pelo correio: R$ 127,69
  • Total sem as aulas: R$ 563,33

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil que publicou o vídeo no TikTok, mas não obteve resposta até a publicação desse texto. O perfil não se identifica, e não houve correspondência ao buscar pelo mesmo nome de usuário ou foto em outras redes sociais.

O que podemos aprender com esta verificação: O vídeo usa uma proposta que ainda não foi analisada para causar confusão sobre a obtenção da CNH. Os sites da Câmara e do Senado têm todas as informações sobre projetos de lei, como o texto integral e o estágio da tramitação. Qualquer um pode buscar pelo número do projeto, ano, autor ou assunto. Também é importante desconfiar de perfis que não se identificam e não indicam a fonte das informações. Uma mudança que afetaria tanto o cotidiano das pessoas seria noticiada amplamente por veículos de jornalismo profissional e órgãos oficiais do governo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em 2022, o UOL e o Jornal do Carro, do Estadão, publicaram textos explicando o projeto de lei. Em verificações envolvendo temas ligados a regras de trânsito, o Comprova já mostrou que outras mudanças no Código de Trânsito aguardam aprovação e que não há exigência de placa e habilitação para andar de skate, bicicleta e patinete.

Política

Investigado por: 2024-03-07

Homem em evento com Bolsonaro foi detido por portar faca; Boletim de Ocorrência não fala em tentativa de homicídio

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma publicação dizendo que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sofreu uma nova tentativa de homicídio quando participava de uma feira agrícola no interior do Rio Grande do Sul, em 5 de março. Apesar de um homem ter sido detido no evento por portar uma faca, não há nenhuma comprovação de que ele tenha atentado contra Bolsonaro, ou que seja ligado a organizações de esquerda como o MST.

Conteúdo investigado: Postagem alega que um associado ao MST foi preso por tentar matar o ex-presidente Jair Bolsonaro com um punhal durante uma feira do agronegócio em Não-Me-Toque (RS).

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: Uma publicação do ex-candidato a deputado federal pelo PP-SP Diego Di engana ao dizer que “um homem foi preso por flagrante delito por tentativa de homicídio contra o ex-presidente Jair Bolsonaro” durante feira do agronegócio em Não-Me-Toque (RS). O post fala ainda que o suspeito seria um esquerdista radical ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A imagem usada na postagem parece ser a simulação de uma notícia já que o Comprova não encontrou nenhum site com o mesmo conteúdo e as mesmas características gráficas do recorte.

Em 5 de março, a Brigada Militar gaúcha deteve um homem, identificado como Wesley de Castro Ferreira, por porte de arma branca no mesmo local onde estava o ex-presidente Bolsonaro. Wesley foi denunciado por outros participantes do evento, que ficaram assustados ao ver o cabo da faca aparente. Não há nenhuma menção a tentativa de homicídio no Termo Circunstancial de Ocorrência – como é chamado o boletim de uma infração com menor potencial ofensivo.

De acordo com a ocorrência, o homem estava em meio à multidão que acompanhava a visita do ex-presidente Jair Bolsonaro nas dependências da feira Expodireto Cotrijal, em Não-Me-Toque. O homem de 32 anos, residente da região e sem antecedentes criminais, alegou que teria comprado a faca em uma loja dentro da própria feira momentos antes. Ele mostrou o comprovante da compra, o que foi confirmado pelo dono da loja.

A faca foi apreendida e o suspeito foi liberado após assinar termo circunstanciado por violação do Artigo 19 da Lei das Contravenções Penais, que prevê multa ou pena simples de até seis meses por “trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade”. Segundo o delegado responsável pelo caso, a princípio, o detido não é investigado por tentativa de homicídio.

Consultado, o MST afirmou que o homem acusado nunca fez parte do movimento. O grupo também disse que não atua em nenhuma área na cidade do suspeito. Em entrevista ao Metrópoles, o irmão do acusado conta que Wesley é eleitor de Bolsonaro e que teria feito campanha para o então candidato em 2022.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 7 de março, a publicação de Diego Di tinha 99,4 mil visualizações e 2 mil compartilhamentos no X.

Como verificamos: O Comprova entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública e com a Polícia Civil do Rio Grande do Sul. A análise da foto usada na publicação apontou para um vídeo. Uma busca reversa usando o Google Lens e o InVID não mostrou que as imagens tenham sido usadas anteriormente, em outro contexto.

A reportagem também buscou os perfis do suspeito nas redes sociais, mas não encontrou qualquer relação entre ele e o MST ou outro movimento político.

O que diz o responsável pela publicação: Não conseguimos contato com o autor da postagem até a última atualização do texto.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum o uso de ocorrências de forma descontextualizada e com acusações exageradas para provocar revolta e atingir objetivos políticos. Nesses casos, o uso de supostas fontes não-identificadas, como a que aparece na postagem de Diego Di, que utiliza o termo “segundo informações”, também servem para dar uma falsa impressão de verdade e rigor na apuração. Desconfie sempre de publicações com afirmações que não indicam fontes confiáveis ou informações que não possam ser checadas.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já investigou outros boatos que relacionam indivíduos ao MST a crimes. Verificações mostraram que é falso que um membro do MST tenha depredado um relógio histórico nos atos de 8 de janeiro e que um homem abordado em ocupação era funcionário, não dono de fazenda.

Política

Investigado por: 2024-03-07

É falso que proposta do governo proíba Uber e iFood no Brasil

  • Falso
Falso
É falso que o governo federal tenha apresentado proposta para proibir a atuação das empresas Uber e iFood no Brasil, conforme havia afirmado o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em 2022. Na época, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a remoção da publicação do parlamentar por desinformação. A peça verificada relaciona o conteúdo ao recente projeto de lei elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) juntamente às plataformas digitais. A proposta, contudo, não fala em “proibir” a atuação das empresas, apenas regulamenta o trabalho dos motoristas de aplicativos de transporte individual.

Conteúdo investigado: Postagem exibe captura de tela da notícia “Eduardo Bolsonaro e redes bolsonaristas terão que apagar fake news sobre Lula”, publicada pelo veículo independente Mídia Ninja em 2022. A matéria informa sobre uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ordenar a remoção de publicações que afirmassem que o petista iria proibir o trabalho de entregadores e motoristas de aplicativo, como iFood e Uber. A legenda do post verificado afirma: “TSE proibiu e mandou @BolsonaroSP apagar ‘fakenews’ sobre Lula e aplicativos de Uber e Ifood. UOL, Aos Fatos, a Globo disseram que era falso, mas, Eduardo tinha razão, e agora?”. O texto faz referência ao recente projeto de lei apresentado pelo governo federal para regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativo.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: É falso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha apresentado proposta para proibir aplicativos como Uber e iFood, conforme havia alegado o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em 2022. À época, o parlamentar afirmou que Lula, se eleito, acabaria com “empregos de motoboys no Uber, iFood e apps similares”. Naquela ocasião, o TSE ordenou que a postagem fosse apagada por “veicular fatos gravemente descontextualizados e sabidamente inverídicos” que atingiriam a integridade do processo eleitoral.

A peça verificada traz à tona a decisão da Corte Eleitoral em 2022 para fazer uma ligação com uma proposta do governo federal apresentada em 2024 que pretende regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativo, como Uber e 99. O projeto do Ministério do Trabalho, contudo, não fala em “proibir” a atuação das empresas no Brasil. O texto, inclusive, foi elaborado juntamente às plataformas digitais.

Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga se existe vínculo empregatício entre os motoristas de aplicativo e as plataformas digitais. Em deliberação unânime, os ministros reconheceram o caráter de repercussão geral da matéria e vão fazer um julgamento único sobre o tema, ainda sem data marcada. A futura decisão será válida para todos os casos semelhantes. Ao STF, a Uber argumenta que o reconhecimento de vínculo empregatício tem o potencial de inviabilizar a continuidade de sua atividade.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 7 de março, a postagem viral no X acumulava mais de 59,8 mil visualizações, 3 mil compartilhamentos e 7 mil curtidas.

Como verificamos: Primeiramente, o Comprova pesquisou a notícia exposta na postagem analisada, publicada pelo veículo Mídia Ninja. Em sequência, realizou uma busca no Processo Judicial Eletrônico (PJe) para encontrar a decisão da Corte Eleitoral abordada na matéria. Além disso, também buscou por checagens que analisaram o conteúdo que foi objeto da decisão do TSE.

Para compreender o cenário trabalhista dos motoristas de aplicativo, o Comprova procurou notícias sobre o recente projeto de lei que pretende regulamentar a atividade e sobre a ação julgada no STF em relação ao vínculo empregatício entre os profissionais e as empresas. Por fim, entrou em contato com as empresas Uber e iFood, citadas na alegação checada.

Decisão do TSE

A postagem aqui analisada utiliza uma notícia publicada pelo veículo independente Mídia Ninja, em 29 de agosto de 2022. A matéria informava sobre uma decisão do TSE que ordenava a exclusão de duas publicações desinformativas sobre Lula. Uma das postagens, publicada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, alegava falsamente que o petista iria “acabar com os empregos de motoboys no Uber, iFood e apps similares”.

Na decisão, o TSE argumentou que agências de checagem, como Lupa, Aos Fatos e Polígrafo, atestaram que não houve promessa de “acabar com os empregos de aplicativo”. À época, o boato também foi verificado pelo UOL Confere e AFP. Em 2023, uma alegação similar voltou a circular nas redes sociais e foi checada pelo Fato ou Fake, do g1, e também pelo UOL Confere.

As postagens desinformativas descontextualizaram uma entrevista do petista à rádio Passos FM, de Minas Gerais, concedida em 22 de fevereiro de 2022. No depoimento, Lula defendeu a ampliação de direitos da categoria. Leia um trecho da declaração:

“A gente vai criar emprego desses intermitentes que o trabalhador não tenha direitos? A gente vai ficar fazendo o trabalhador trabalhar nesses aplicativos sem nenhum direito? É preciso dar garantia da seguridade social para as pessoas, é preciso que as pessoas tenham um descanso, é preciso que as pessoas tenham férias, é preciso que as pessoas ganhem um salário minimamente digno para comer.”

A então ministra Maria Claudia Bucchianeri, relatora do caso, ressaltou que a Resolução do TSE nº 23.610, de 18 de dezembro de 2019, estabelece que a “livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando (…) divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução”.

O art. 9º-A mencionado, por sua vez, afirma que “é vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”. Os ministros do TSE, por unanimidade, confirmaram a decisão da relatora.

Projeto de lei para regulamentar trabalho de motoristas de aplicativo

Nesta segunda-feira, 4, o governo federal anunciou um Projeto de Lei Complementar (PLC) para regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativos. O documento ainda será encaminhado ao Congresso e, se aprovado, entrará em vigor 90 dias após a sanção.

De acordo com o Ministério do Trabalho, o PLC foi elaborado a partir de um Grupo de Trabalho Tripartite, criado em maio de 2023. A elaboração da proposta contou com representantes dos trabalhadores, das empresas e do governo federal, com acompanhamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério Público do Trabalho (MPT), entre outros.

O projeto prevê aos motoristas de aplicativo uma remuneração mínima, tempo de trabalho máximo por dia e contribuição previdenciária pelos trabalhadores e empresas. Os trabalhadores também serão representados por uma entidade sindical.

Mesmo com as novas definições, não existirá vínculo empregatício. A nova categoria foi denominada “trabalhador autônomo por plataforma”. A proposta estabelece um valor mínimo de remuneração de R$ 32,09 por hora, sendo que R$ 8,02 são referentes ao trabalho e R$ 27,07 englobam os custos de produção (combustível, celular e veículo).

Já em relação à previdência, a contribuição ao INSS ocorrerá em cima do valor de R$ 8,02, com alíquota de 7,5% para empregados e de 20% para a plataforma. Além disso, a proposta também indica que o período máximo de conexão do motorista a uma mesma plataforma não poderá ser superior a 12 horas diárias.

Por meio de nota, a Uber afirmou que considera a proposta elaborada pelo Grupo de Trabalho Tripartite como um importante marco para uma regulamentação equilibrada do trabalho realizado por meio de plataformas, e que seguirá acompanhando a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional. “A empresa valoriza o processo de diálogo e negociação entre representantes dos trabalhadores, do setor privado e do governo, culminando na elaboração dessa proposta, a qual inclui consensos como a classificação jurídica da atividade, o modelo de inclusão e contribuição à Previdência, um padrão de ganhos mínimos e regras de transparência, entre outros”, diz em nota.

Na mesma linha, a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que reúne empresas que prestam serviços tecnológicos relacionados à mobilidade de pessoas ou bens, também avaliou o projeto de lei como positivo para a categoria, em especial no que diz respeito à inclusão dos trabalhadores na Previdência Social. “Da forma como foi acordada entre os participantes do Grupo Tripartite, a proposta contempla as prerrogativas de uma atividade na qual a independência e a autonomia do motorista são fatores fundamentais. Certamente será usada como exemplo para muitos países que hoje discutem a regulação deste novo modelo de trabalho”, afirma a associação em nota oficial.

Proposta não inclui iFood

A proposta de regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativo não engloba empresas de delivery, como iFood. Isso porque não houve acordo entre as empresas e os entregadores. Ao Comprova, a empresa afirmou que sempre houve diálogo com o governo para a construção de uma regulamentação que seja boa para todos e reiterou que não tem planos de encerrar suas atividades no Brasil: “O iFood continuará investindo no Brasil por meio de seus pilares de tecnologia, sustentabilidade e inclusão social. As expectativas para o mercado de delivery em 2024 são otimistas, refletindo o avanço contínuo das tecnologias e as transformações nos padrões de consumo.”

O presidente Lula falou que vai insistir em negociar. Durante o lançamento da proposta elaborada pelo Ministério do Trabalho, Lula disse que vai “encher tanto o saco que o iFood vai ter que negociar”.

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, também comentou a regulamentação para a categoria de duas rodas. “Não adianta o iFood mandar recado; encontra ministro, encontra gente do governo, amigo do governo… Nós queremos conversar. Nós conversamos o ano inteiro, mas o fato é que o iFood, o Mercado Livre diziam que essa negociação não cabe no seu modelo de negócios. Portanto, um modelo de negócios altamente explorador”, afirmou o ministro.

Em comunicado à imprensa, o iFood disse que a declaração do ministro Marinho “não é verdadeira”. “O iFood participou ativamente do Grupo de Trabalho Tripartite (GT) e negociou um desenho regulatório para os entregadores até o seu encerramento. A última proposta feita pelo próprio ministro Marinho, com ganhos de R$ 17 por hora trabalhada, foi integralmente aceita pelo iFood”, alegou.

Ainda segundo a nota da empresa, o governo federal priorizou a discussão com os motoristas de aplicativo, já que a bancada de trabalhadores divergia menos entre si. O iFood também defendeu que apoia a regulação do trabalho intermediado por plataformas desde 2021.

Ao Comprova, o iFood explicou que o ponto de discussão está no modelo de previdência que o entregador será incluído. “Nossa ideia é discutir um modelo de alíquota progressiva, por exemplo, o mesmo raciocínio do Imposto de Renda: quanto menos você ganha, menos você paga e vice-versa, ou outros modelos que estejam de acordo com o ganho médio do entregador autônomo”, afirma a empresa.

Ação julgada no Supremo Tribunal Federal

O STF também está de olho nesse tema. A corte vai decidir se existe vínculo empregatício entre os motoristas de aplicativo e as empresas criadoras e administradoras das plataformas digitais. Neste primeiro momento, em deliberação unânime, os ministros reconheceram o caráter de repercussão geral da matéria. Isso significa que o julgamento é relevante do ponto de vista social, jurídico e econômico e ultrapassa os interesses das partes envolvidas no processo.

Com isso, uma futura decisão da corte sobre o tema terá amplo alcance e será válida para todos os casos semelhantes. A data do julgamento ainda não foi marcada. A questão é fruto de um recurso apresentado pela Uber, que narra existirem mais de 10 mil processos sobre o tema tramitando nas diversas instâncias da Justiça trabalhista.

A plataforma questiona decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre uma motorista e a empresa. O TST considerou que a subordinação fica caracterizada porque o motorista não possui nenhum tipo de controle em relação ao preço das corridas e ao percentual a ser descontado sobre o valor.

A autonomia do trabalhador, destaca a decisão, está restrita apenas à escolha de horários e corridas. Além disso, a empresa estabelece parâmetros para aceitar determinados motoristas e faz unilateralmente o desligamento do motorista, caso ele descumpra alguma norma interna.

Já a Uber argumenta, para o STF, que a decisão do TST tolhe o direito à livre iniciativa de exercício de atividade econômica e tem potencial de inviabilizar a continuidade de sua atividade.

De acordo com apuração do Valor, a maioria do STF derrubou decisões a favor de vínculos empregatícios com aplicativos. O levantamento mostra que pelo menos sete ministros decidiram contra os trabalhadores em reclamações levadas ao Supremo.

O que diz o responsável pela publicação: A autora da publicação checada foi procurada via mensagem direta no X, mas não respondeu até o fechamento do texto. O espaço está aberto.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que desinformadores utilizem um material antigo e descontextualizado para espalhar desinformação sobre um fato atual. No caso aqui analisado, a responsável pela publicação usa um boato já desmentido para fazer uma ligação com o projeto de lei que pretende regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativo. Para confirmar se a alegação é verdadeira ou falsa, é importante buscar notícias e fontes confiáveis que informem sobre o assunto. Uma busca rápida é capaz de mostrar que a proposta contou, inclusive, com a participação de representantes das empresas.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em 2022, as postagens que alegavam falsamente que Lula iria “acabar com os empregos de motoboys no Uber, iFood e apps similares” foram objetos de checagens da Lupa, Aos Fatos, Polígrafo, UOL Confere e AFP. Em 2023, uma alegação similar voltou a circular nas redes sociais e foi checada pelo Fato ou Fake, do g1, e também o UOL Confere.

Política

Investigado por: 2024-03-06

Livro “O Avesso da Pele” foi aprovado no governo Bolsonaro e escolhido por escola para o ensino médio

  • Contextualizando
Contextualizando
Em um vídeo publicado nas redes sociais, a diretora de uma escola da cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul denuncia a distribuição pelo Ministério da Educação do livro "O Avesso da Pele". Ela afirma que o título é inadequado para o ensino médio por conta da linguagem. Parlamentares que compartilharam o vídeo atribuíram a adoção da obra à gestão do presidente Lula (PT). Contudo, o MEC esclareceu que a escolha do material é feita pelos educadores de cada escola e que o título foi incluído no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) em 2022, durante a presidência de Jair Bolsonaro (PL).

Conteúdo investigado: Vídeo gravado pela diretora de uma escola estadual de Santa Cruz do Sul (RS) diz que o Ministério da Educação enviou o livro “O Avesso da Pele”, do autor Jeferson Tenório, para ser trabalhado pelos alunos do ensino médio. Ela diz que a obra é inadequada por descrever uma relação sexual do protagonista e questionamentos de outros personagens sobre os aspectos de um relacionamento com um homem negro. A publicação foi compartilhada por parlamentares que atribuíram a escolha da peça literária à atual gestão do PT.

Onde foi publicado: Instagram.

Contextualizando: Em um vídeo publicado em suas redes sociais, em 1º de março, a diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, em Santa Cruz do Sul (RS), pede que o Ministério da Educação (MEC) recolha os exemplares de “O Avesso da Pele”, do escritor Jeferson Tenório, distribuídos para alunos do ensino médio. Na gravação, Janaina Venzon diz que a unidade recebeu mais de duzentas cópias do livro, que, segundo ela, é inadequado por conta da linguagem e termos utilizados na história.

A profissional lê duas passagens da obra que aponta serem inapropriadas. Em uma delas, o narrador conta que uma personagem branca passou a receber questionamentos sobre características físicas e o comportamento do namorado, que é negro, durante as relações sexuais. Em outro trecho, o protagonista, um homem negro, relata momentos do ato sexual com a namorada, branca. Na postagem, Venzon diz que os professores e a escola não escolheram o livro e que as obras literárias estão sendo escolhidas pelo governo federal. “Desconheço o critério de escolha por parte do governo, só penso que deveriam analisar antes, para depois enviar para as escolas trabalharem.”

O vídeo foi compartilhado por parlamentares, entre eles a deputada estadual Kelly Moraes (PL-RS) e os deputados federais Zé Trovão (PL-SC), Marcelo Moraes (PL-RS) e Bia Kicis (PL-DF), que atribuíram a adoção do livro à gestão atual do Ministério da Educação e ao PT. Em uma publicação em suas redes sociais, o autor do livro, Jeferson Tenório, relatou que, com a repercussão e a moção de repúdio do vereador Rodrigo Rabuske (PRD-SC), a 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) ordenou que os exemplares fossem recolhidos das escolas e bibliotecas, até que o governo federal se manifestasse.

Entretanto, procurada pelo Comprova, a Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul (Seduc) informou que não orientou que o livro fosse retirado de bibliotecas da rede estadual de ensino. “O uso de qualquer livro do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) deve ocorrer dentro de um contexto pedagógico, sob orientação e supervisão da equipe pedagógica e dos professores”, afirmou. A pasta ressaltou que a 6ª CRE vai seguir a orientação da Seduc e providenciar que as escolas da região usem adequadamente os livros.

A Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal declarou, em nota divulgada em 2 de março, que “peças de desinformação estão repercutindo de maneira deturpada a escolha da obra ‘O Avesso da Pele’ como material a ser adotado em salas de aula no Brasil”. O texto informa que o livro foi incluído no PNLD por meio de portaria de setembro de 2022, assinada pelo então secretário de educação básica substituto, Gilson Passos de Oliveira, depois de passar por uma seleção publicada em edital de 2019, durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL).

| Portaria de 2022 que aprovou inclusão de “O Avesso da Pele” no PNLD.

A nota esclarece que a escolha das obras literárias a serem adotadas em sala de aula é feita pelos educadores de cada escola, a partir de um guia digital, onde os livros do programa estão listados para conhecimento de professores e gestores. A definição deve ser realizada de maneira conjunta entre o corpo docente e dirigente da escola, com base na análise das informações contidas no guia, considerando a adequação e a pertinência em relação à proposta pedagógica de cada instituição..

A Secom apontou que, “diferentemente do que conteúdos maliciosos estão repercutindo”, o MEC não envia os livros sem a participação dos educadores. “Os livros são distribuídos às escolas somente após a escolha dos profissionais de educação, realizada em sistema informatizado do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”, afirmou o órgão. A utilização da obra na escola de Santa Cruz do Sul foi aceita por Janaina, que é diretora da unidade de ensino e autora da denúncia. A editora Companhia das Letras, responsável pela publicação de “O Avesso da Pele”, divulgou o comprovante da escolha nas redes sociais.

| Comprovante de Escolha PNLD divulgado pela editora Companhia das Letras.

Programa Nacional do Livro e do Material Didático

De acordo com o governo federal, o PNLD é uma política do Ministério da Educação com mais de 85 anos de existência e adesão de mais de 95% das redes de ensino do Brasil. A permanência é voluntária, segundo a legislação, em atendimento a um dos princípios basilares do programa, que é o respeito à autonomia das redes e escolas.

A nota destaca que a aquisição das obras ocorre por meio de um chamamento público e são avaliadas por professores, mestres e doutores inscritos no banco de avaliadores do MEC. Os livros aprovados passam a compor um catálogo no qual as escolas podem escolher, de forma democrática, os materiais que mais se adequam à sua realidade pedagógica, tendo como diretriz o respeito ao pluralismo de concepções pedagógicas.

A formalização da escolha dos livros didáticos é feita via internet e apenas após a compilação dos dados referentes aos pedidos realizados pelas instituições é que o FNDE inicia o processo de negociação com as editoras. “O envio de obras literárias para escolas sem o devido e expresso interesse das instituições é falso, uma vez que os exemplares sequer foram adquiridos das empresas editoras”, continua o texto.

A compra é realizada sem licitação, algo previsto em lei, tendo em vista que as escolhas dos livros são efetivadas pelas escolas e que são editoras específicas que detêm o direito de produção de cada livro. Os materiais chegam às escolas entre outubro do ano anterior ao atendimento e o início do ano letivo. Nas zonas rurais, as obras são entregues nas sedes das prefeituras ou das secretarias municipais de educação, que devem efetivar a entrega dos livros.

Vencedor do prêmio Jabuti, “O Avesso da Pele” foi traduzido para 16 idiomas

“O Avesso da Pele” foi publicado em agosto de 2020 pela Companhia das Letras e conta a história de um jovem que, após a morte do pai, assassinado em uma abordagem policial, busca resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. O livro é apresentado pela editora como “um romance sobre identidade e as complexas relações raciais, sobre violência e negritude” e “uma obra contundente no panorama da nova ficção literária brasileira”.

Em 2021, a obra venceu o prêmio Jabuti, o mais tradicional da literatura do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, na categoria melhor romance. O livro foi traduzido para 16 idiomas, teve seus direitos de publicação vendidos para mais de dez países e foi adaptada para o teatro. Ainda segundo a editora, o autor “traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido”.

Os trechos lidos pela diretora induzem a audiência a acreditar que a peça literária apresenta conteúdo erótico, mas não contextualiza os acontecimentos narrados. A primeira passagem retrata que, apesar do protagonista, um homem negro, e sua namorada, uma mulher branca, não se importarem com suas diferenças étnicas, o relacionamento deles se torna pauta para familiares e amigos, que passam a fazer questionamentos sobre a intimidade do casal, características físicas e o comportamento do rapaz, baseados em estereótipos raciais.

Já no segundo trecho, o personagem narra uma relação sexual com a namorada, mostrando que a questão racial, antes desimportante, passou a fazer parte do relacionamento, uma vez que eles passam a se tratar como “branquinha” e “negão/nego”, e a usar a cor da pele um do outro como elogio.

Em uma nota publicada no Instagram, a Companhia das Letras diz que o título foi inscrito, avaliado pelo PNLD e aprovado por uma banca de educadores, especialistas e mestres em literatura e língua portuguesa juntamente com outros 530 títulos. A empresa destaca ainda que, para chegar à escola gaúcha, precisou passar por aprovação da própria diretora, que assinou o documento de “ata de escolha” da obra e que agora contesta o conteúdo do livro.

“A retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo. Repudiamos veementemente qualquer ato de censura que limite o acesso dos estudantes a obras literárias sob pretexto de protegê-los de conteúdos considerados ‘inadequados’ por opiniões pessoais e leituras de trechos fora de contexto. O que se destaca em ‘O avesso da pele’ não é uma cena, tampouco a linguagem, mas sim a contundente denúncia do racismo que se imiscui em todas as nossas relações, até as mais íntimas”, completa a nota.

O autor do livro também usou as redes sociais para se manifestar, lembrando que a obra foi incluída no programa ainda na gestão Bolsonaro. “As distorções e fake news são estratégias de uma extrema direita que promove a desinformação. O mais curioso é que as palavras de ‘baixo calão’ e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes de ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos”, escreveu Jeferson Tenório.

No dia 4 de março, o ministro-chefe da Secom da Presidência da República e a ministra da Cultura (MinC) criticaram a tentativa de censura e os ataques ao livro. “Em minha opinião, trata-se de uma demonstração de ignorância, de preconceito, mas também de covardia por parte dessas pessoas”, disse Paulo Pimenta. “Meu total repúdio a qualquer tipo de censura em relação à nossa literatura (…) Nós estamos procurando ter todo o cuidado. E o ministro Camilo (Santana, do MEC), o Ministério da Educação também têm essa sensibilidade”, declarou Margareth Menezes.

Em uma publicação no Facebook, em 5 de março, Janaina Venzon agradeceu ao apoio que recebeu do Legislativo de Santa Cruz do Sul. No texto, ela aponta que apenas o vereador Alberto Heck (PT-RS) não assinou a moção de repúdio e diz não ter nada contra o livro. “Voltamos afirmar: nada contra a obra, ela foi escolhida pelos professores principalmente por falar de antirracismo, mas os vocabulários apresentados em vários trechos do livro fica difícil o trabalho.”

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A autora do vídeo escolhe mostrar duas passagens do livro para indicar linguagem inadequada para o ensino médio, mas lê apenas algumas frases, sugerindo que o livro trata só de sexo. Ao afirmar que o governo federal, comandado pelo presidente Lula, escolheu a obra, ela tenta criar a imagem de que as políticas do atual governo são absurdas, o que não poderia ser dito a partir dessa história, ainda mais considerando que o livro foi escolhido na gestão anterior, do PL, e com a participação dela.

O que diz o responsável pela publicação: A publicação original foi excluída pela diretora. Procurada pelo Comprova, Janaina Venzom não respondeu aos contatos. A reportagem também tentou contato com os deputados Marcelo Moraes, Zé Trovão, Bia Kicis e Kelly Moraes e não obteve respostas.

Alcance da publicação: Até o dia 6 de março, juntas, as publicações tinham mais de 149,6 mil visualizações.

Como verificamos: A reportagem buscou por matérias sobre a censura do livro e procurou esclarecimentos do governo federal sobre a inclusão da obra ao PNLD e sobre como ocorre o processo de escolha e distribuição dos livros. Também contatou a Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul, leu o trecho citado no vídeo desta verificação para entender o contexto das passagens apontadas como inadequadas pela autora da publicação. A diretora da escola e os parlamentares que compartilharam o post também foram procurados.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As alegações e informações apresentadas no vídeo desta verificação também foram checadas pelo Estadão Verifica, Aos Fatos e UOL, que as classificaram como falsas e enganosas. É comum que apoiadores de determinados governos criem ou tirem informações do contexto para atacar e descredibilizar opositores. Recentemente, o Comprova desmentiu que Israel cancelou contrato na área da saúde depois da fala do presidente Lula sobre a guerra na Faixa de Gaza e confirmou que um vídeo foi editado para insinuar que o senador Magno Malta estava bêbado em ato pró-Bolsonaro.

Política

Investigado por: 2024-03-04

Lula não parou a guerra na Faixa de Gaza, ao contrário do que diz post

  • Enganoso
Enganoso
São enganosos posts com afirmação de que "Lula parou a guerra na Faixa de Gaza". Declarações recentes do presidente contra a guerra ou pedidos pelo seu fim feitos no ano passado não tiveram efeito para acabar com o conflito. Atualmente, há mediação internacional para convencer Israel e Hamas a uma trégua, mas a situação segue indefinida.

Conteúdo investigado: Posts afirmam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o responsável por parar a guerra entre Israel e o Hamas na Faixa da Gaza. O fim da guerra teria sido anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para 4 de março; outras publicações afirmam que Lula poderá acabar com a guerra da Ucrânia a partir de uma intervenção junto à China.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: São enganosos os posts no X que afirmam que o presidente Lula (PT) parou a guerra na Faixa de Gaza. O argumento usado nas publicações é de que o Brasil foi o primeiro país a propor, no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), um cessar-fogo, e que, após o anúncio feito pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de que uma trégua poderia ocorrer em 4 de março, a conquista deveria ser atribuída ao petista.

No X, a expressão “Lula parou a guerra” ficou entre os assuntos mais comentados durante a semana passada. Além de publicações sobre a guerra na Faixa de Gaza, diversas postagens também levantaram a possibilidade de que Lula acabe com outro conflito, entre Ucrânia e Rússia. Isso porque o embaixador ucraniano no Brasil, Andrii Melnyk, disse em uma entrevista ao Poder 360 que pediu ao governo brasileiro uma intermediação junto à China, por acreditar que o país asiático tem capacidade de acabar com a guerra.

De fato, o Brasil pediu um cessar-fogo logo após o início do conflito em Gaza, em 18 de outubro de 2023, mas a proposta foi vetada pelos Estados Unidos na época – o país vetou mais duas propostas de lá para cá. Na semana passada, Joe Biden disse a jornalistas que esperava por um cessar-fogo até 4 de março, mas tanto Israel quanto o Hamas contestaram a declaração e afirmaram que ele se precipitou. Sobre a situação na Ucrânia, o Itamaraty disse não ter comentários a fazer.

Especialistas em Relações Internacionais ouvidos pelo Comprova afirmaram que Lula é um ator importante no cenário internacional e que suas declarações no sentido de chamar a atenção mundial para a situação de Gaza geram impacto. No entanto, um eventual cessar-fogo não seria mérito exclusivo do presidente brasileiro, nem os discursos dele, isoladamente, têm poder suficiente para contribuir para um cessar-fogo em qualquer que seja o conflito: o da Faixa de Gaza ou o da Rússia contra a Ucrânia.

Além disso, a guerra no Oriente Médio não parou. Em 29 de fevereiro, o Ministério da Saúde de Gaza, que é controlado pelo Hamas, divulgou que o número de palestinos mortos em decorrência de ataques israelenses em Gaza passou de 30 mil, enquanto as baixas do lado israelense são de 1,4 mil pessoas no dia 7 de outubro, além de 242 militares. Na mesma quinta, militares israelenses mataram mais de 100 palestinos durante entrega de ajuda humanitária, enquanto Israel disse que disparou tiros de advertência e que boa parte dos mortos foram pisoteados ou atropelados. A ONU condenou o ataque.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 4 de março, apenas duas publicações no X somavam 584,1 mil visualizações.

Como verificamos: O primeiro passo foi buscar notícias sobre negociações por um cessar-fogo no conflito entre Israel e o Hamas, na Faixa de Gaza, e buscar dados atualizados que apontassem se houve ou não paralisação na guerra. Além disso, foram procuradas publicações que indicassem se houve uma tentativa da Ucrânia em pedir que o Brasil interceda pelo fim da guerra contra a Rússia.

Em seguida, foi consultado o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) para saber qual a posição oficial do Brasil em relação ao primeiro conflito e sobre o pedido relacionado à guerra da Ucrânia.

Por fim, foram entrevistados dois especialistas: os professores Bruno Huberman e Rodrigo Amaral, ambos da Faculdade de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A guerra parou?

Não. Desde o início do conflito entre Israel e o Hamas, pedidos de cessar-fogo vêm sendo votados em reuniões do Conselho de Segurança da ONU, mas nenhum deles foi aprovado até agora. O primeiro pedido foi feito pelo Brasil, ainda em outubro de 2023, e contou com 12 votos favoráveis dos 15 possíveis. Mesmo com a maioria, a proposta foi barrada pelos Estados Unidos, um dos cinco países com poder de veto – os demais são China, Rússia, França e Reino Unido, membros permanentes do Conselho.

A segunda proposta de cessar-fogo foi feita em dezembro, pelos Emirados Árabes Unidos, e mais uma vez foi vetada pelos Estados Unidos. Naquela ocasião, foram 13 votos favoráveis, mesmo número alcançado na votação do último dia 20 de fevereiro, quando ocorreu o terceiro veto dos norte-americanos, desta vez de uma proposta feita pela Argélia. O Brasil votou a favor do cessar-fogo nas três ocasiões.

A expectativa agora se concentra em uma proposta preliminar de cessar-fogo na guerra entre Israel e o Hamas, discutida em Paris com negociadores dos Estados Unidos, Catar e Egito, que prevê uma pausa de 40 dias nas operações militares, além da troca de reféns por prisioneiros palestinos. As informações foram divulgadas pela agência Reuters em 27 de fevereiro.

Na véspera, 26 de fevereiro, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse a jornalistas que espera por um cessar-fogo até 4 de março. A trégua ocorreria durante o Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos.

Tanto Israel quanto o Hamas questionaram o otimismo de Biden. Ao jornal britânico The Guardian, autoridades israelenses que não quiseram se identificar disseram estar surpresas com o comentário e afirmaram que o Hamas segue pedindo “demandas excessivas” para estabelecer uma trégua. Já o chefe da divisão política do Hamas, Basem Naim, disse ao jornal que as declarações de Biden eram prematuras: “Não condizem com a realidade do terreno”.

Até o início da tarde de segunda-feira 4, não foi anunciado cessar-fogo na região. Segundo a CNN, Israel optou por não enviar uma delegação ao Egito para negociações de cessar-fogo e libertação de reféns no domingo 3.

Opinião de especialistas

Ainda que o cessar-fogo ainda não tenha ocorrido, especialistas ouvidos pelo Comprova acreditam que os Estados Unidos têm protagonismo para colaborar nesse sentido.

Para o professor Rodrigo Amaral, do curso de Relações Internacionais da PUC-SP, é possível acreditar na voz de Joe Biden porque, hoje, quem permite que o conflito aconteça são os Estados Unidos. “Quem garante que a guerra em Gaza aconteça é o próprio governo norte-americano, porque são os Estados Unidos que dão suporte militar a Israel, são os Estados Unidos o único Estado que, dentro do Conselho de Segurança, vetou o pedido de cessar-fogo imediato. Então, se os Estados Unidos virarem a chave e falaram: ‘Não, a gente agora apoia um cessar-fogo’, Israel fica sem apoio, e sem apoio, encerra o conflito”, aponta.

Amaral diz que isso não quer dizer que Joe Biden abandonará Israel, que é um aliado. “Evidentemente que tudo isso é negociado, conversado diretamente no alto escalão diplomático israelense e norte-americano”, completa. Mas indica, de qualquer forma, um possível cessar-fogo, uma trégua, e não o fim do conflito de fato.

Também professor de Relações Internacionais na PUC-SP, Bruno Huberman destaca que as negociações de paz passam pela criação do Estado da Palestina, o que não está na mesa de negociações há anos. “O que acontece nos últimos anos, quando houve os bombardeios israelenses a Gaza e retaliações do Hamas, normalmente é troca de reféns por cessar-fogo, por trégua. É abertura de ajuda humanitária, abertura comercial, geralmente diminuição do bloqueio israelense a Gaza. Geralmente esses eram os pontos negociados no cessar-fogo entre Hamas e Israel nos últimos anos, que é o que tem sido negociado nos últimos meses”, diz.

Se a guerra parar, isso pode ser atribuído a Lula? Faz sentido tal afirmação?

Para os dois especialistas ouvidos pelo Comprova, o presidente brasileiro é um importante ator político no cenário internacional, mas dizer que ele parou ou que terá o mérito exclusivo caso a guerra seja interrompida é exagero. “Um eventual cessar-fogo, obviamente, não seria mérito exclusivo do Lula. O Lula é uma pessoa que vem buscando chamar a atenção mundial para o massacre, o genocídio que vem em curso em Gaza, e eu acho que se ele tem um mérito, é trazer a atenção mundial para isso através das suas declarações”, afirma Bruno Huberman.

Para o pesquisador, o presidente brasileiro é um dos líderes mais vocais nas críticas a Israel, dentre aqueles com relevância, mas as ações não têm a mesma força que as declarações. “O Brasil não tem um papel de mediação num cessar-fogo. Quem cumpre esse papel até o momento é Estados Unidos, Catar e Egito. Eu vejo a Rússia tentando participar de negociações, mas o Brasil, até onde eu vi, não foi convidado, não é parte de negociações por cessar-fogo”, observa.

Rodrigo Amaral, também professor da PUC-SP, acredita que os discursos do presidente brasileiro geram impacto, sobretudo pelo fato de ser uma liderança do Sul global e por estar em um momento de grande representação institucional internacional, como a presidência do G20, dos Brics e do Conselho de Segurança da ONU. Mas, isoladamente, estes discursos não têm poder para um cessar-fogo.

“Evidentemente que os discursos do Lula não têm poder suficiente, de forma isolada, de contribuir para um cessar-fogo em qualquer que seja o conflito, seja na questão da Ucrânia, ou seja na questão de Gaza”, diz. Apesar disso, Amaral acredita que a decisão de Lula em acusar abertamente Israel de genocídio e adotar um discurso anti-guerra acaba pressionando outros atores internacionais a buscarem uma solução emergencial para o assunto.

“Isoladamente não é suficiente, mas em termos de grande representação, o Brasil de fato é um ator importante, é um ator que fez, sim, uma proposta que foi a que chegou mais perto da resolução dentro do Conselho de Segurança da ONU por um cessar-fogo, estabelecimento de corredores humanitários. Foi um país que apoiou de forma explícita o processo iniciado pela África do Sul no Tribunal Penal Internacional que acusa Israel de estar cometendo genocídio. Dos países de grande porte que não são grandes potências, é o país que tem tomado uma posição ativa no sistema internacional e essa é uma característica da política externa do Lula”, diz Amaral.

Para ele, aliás, as últimas declarações do petista, acusando Israel de genocídio e comparando as atrocidades em Gaza com as do Holocausto, não representam um problema real para o Brasil do ponto de vista diplomático. “Não houve uma reverberação negativa, de maneira explícita, da comunidade internacional depois da declaração do Lula. A única reverberação negativa foi a própria crise diplomática com os israelenses. E aí é um ato desesperado, a gente pode colocar assim, do governo Netanyahu”, aponta.

Posição do Brasil sobre a guerra

Em 7 de outubro de 2023, mesmo dia dos ataques do Hamas em Israel, o Itamaraty divulgou uma nota condenando os ataques na Faixa de Gaza e se solidarizando com os familiares das vítimas e com o povo de Israel. Na nota, o governo brasileiro destacou sua posição histórica, que defende a existência de dois Estados independentes:

“O governo brasileiro reitera seu compromisso com a solução de dois Estados, com Palestina e Israel convivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas. Reafirma, ainda, que a mera gestão do conflito não constitui alternativa viável para o encaminhamento da questão israelo-palestina, sendo urgente a retomada das negociações de paz”, diz a nota.

Com o decorrer do tempo e o avanço dos ataques por Israel em Gaza, o Brasil vem defendendo um cessar-fogo imediato na região. Procurado pelo Comprova, o Itamaraty apontou o discurso do ministro Mauro Vieira no Debate de Alto Nível do Conselho de Segurança da ONU sobre a situação no Oriente Médio, em 29 de novembro do ano passado, como o posicionamento mais recente do Brasil sobre o conflito.

Nele, o chanceler brasileiro voltou a defender a existência mútua de dois Estados, condenou o “horror sem precedentes que está acontecendo em Gaza” e cobrou um cessar-fogo imediato entre as partes, além da libertação de todos os inocentes.

Lula pode parar a guerra da Ucrânia?

Outros posts no X afirmam que Lula pode parar, na realidade, duas guerras: a da Faixa de Gaza e da Ucrânia. Isso porque o embaixador ucraniano no Brasil, Andrii Melnyk, pediu ao governo brasileiro que interceda junto à China para que o país asiástico trabalhe pelo fim do conflito entre Ucrânia e Rússia.

Melnyk fez essa declaração em entrevista ao Poder 360 em 24 de fevereiro de 2024, quando a invasão russa à Ucrânia completou dois anos. “Penso que a China poderia desempenhar um papel crucial para persuadir ou, diria mesmo, para forçar os russos a parar esta guerra”, disse Melnyk.

Procurado, contudo, o Itamaraty disse não ter comentários a fazer sobre essa questão.

Para Bruno Huberman, o Brasil se colocou como um ator importante fora da Europa para intermediar o conflito, mas não é possível dizer, ainda, se o país seria de fato convidado a isso. “O Lula tem o mérito de ser o primeiro líder mundial, logo no início do seu mandato, a colocar a paz como um horizonte necessário e defender a realização de uma Cúpula de Paz. Ele fez isso por muitos meses, só que não trouxe resultados imediatos”, diz.

Apesar de não poder prever se o Brasil seria de fato convidado a mediar o conflito, Huberman acredita que o país seria importante nesse cenário. “Eu acho que seria importante o Brasil ser convidado, pela importância do presidente Lula, pela importância do Brasil, que é um ator externo ao conflito e que tem a confiança das partes. Poucos atores têm a confiança dos Estados Unidos e da Rússia, o Brasil é um dos raríssimos casos que consegue, eu acho, ter esse papel nesse momento”, observa.

Já Rodrigo Amaral acredita que o Brasil não teria tanta capacidade de influência nesta questão, em particular, porque o conflito envolve uma grande potência, que é a Rússia: “Israel depende, evidentemente, dos Estados Unidos, mas a Rússia não depende de ninguém para a guerra. Ela tem uma ação unilateral, uma capacidade militar tremenda, uma capacidade econômica tremenda. A gente sabe, claro, que a economia russa tem sofrido internamente, as discussões políticas têm sido muito intensas sobre o governo Putin. Mas, nesse tema, eu acredito que a capacidade de influência brasileira é menor”, afirma.

O que diz o responsável pela publicação: Os dois perfis responsáveis pelas publicações checadas nesta investigação não permitem o envio de mensagens pelo X. Um deles, o Notícias Paralelas, respondeu por e-mail e disse estar confiante “que as declarações do presidente Lula moveram o mundo no sentido de condenarem o genocídio praticado pelo regime do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu contra os palestinos”, acrescentando que as declarações do presidente brasileiro começaram a ecoar fora do país. “Estou otimista que o cessar-fogo venha o quanto antes em Gaza. Quanto à Ucrânia, houve o pedido mencionado pela jornalista [em entrevista ao Poder 360], o que aponta para uma posição de destaque do Brasil no cenário mundial. Acreditamos que tanto uma, quanto a outra guerra estejam com os dias contados, para o bem do mundo”, disse Gabriel Souza, responsável pelo perfil.

O que podemos aprender com esta verificação: Conteúdos deste tipo enganam na medida em que usam um fato verdadeiro – neste caso, a notícia de que há a possibilidade de um cessar-fogo em Gaza – para distorcer seu significado, exagerar no cenário e inflar politicamente uma figura pública. Ao se deparar com publicações assim, é importante buscar informações sobre as principais alegações: A guerra parou? Se sim, como isso aconteceu? Quem esteve envolvido nas negociações? A figura a quem está sendo atribuído o mérito da questão realmente teve tanta influência quanto se diz? Neste caso, as publicações caem por terra ao se constatar que a guerra, na realidade, sequer parou.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já checou outros conteúdos nas redes envolvendo o governo brasileiro e o conflito entre Israel e o Hamas e mostrou, por exemplo, que uma doação de R$ 25 milhões feita em 2010 foi para a Autoridade Palestina, e não para o Hamas; que o governo Lula assinou um termo de cooperação técnica em 2023 também com a Autoridade Palestina, e não com o grupo terrorista; e que os alimentos doados pelo MST e transportados pela Força Aérea Brasileira foram destinados aos palestinos vítimas do conflito. Também publicamos um conteúdo explicativo sobre a declaração de Lula a respeito do Holocasto e a possibilidade de abertura de um processo de impeachment.

 

Atualização: Esta verificação foi atualizada em 19 de março para incorporar resposta de um dos responsáveis pela publicação investigada.

Política

Investigado por: 2024-02-29

É falso que Israel cancelou contrato para fornecimento de aparelho contra o câncer depois de fala de Lula

  • Falso
Falso
É falso que Israel cancelou contratos firmados no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para fornecimento de aparelhos para diagnóstico e tratamento de câncer, durante a gestão do presidente Lula (PT). Procurados pelo Comprova, o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer (INCA) esclareceram que nunca houve acordo entre os dois países. Já a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) afirmou que o método mencionado na publicação não existe; é um desafio científico e tecnológico ainda não atingido.

Conteúdo investigado: Uma publicação afirma que um acordo firmado em 2019, entre Brasil e Israel, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), importaria, a partir de 2024, um aparelho com tecnologia israelense que detecta câncer de mama e próstata a partir da primeira célula e faz a retirada de tumores sem cortes. Entretanto, o contrato teria sido cancelado dias após as falas do presidente Lula (PT) sobre a atuação israelense na guerra na Faixa de Gaza.

Onde foi publicado: X e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso que Israel tenha cancelado contratos de exportação na área da saúde ao Brasil após o presidente Lula (PT) criticar a atuação israelense no conflito com o Hamas. Postagens citam a venda de um suposto aparelho que detectaria câncer de mama e de próstata precocemente, mas os contratos nunca existiram. A publicação também diz que os acordos teriam sido firmados em 2019, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e que a tecnologia chegaria ao país a partir de agosto deste ano.

Procurado pelo Comprova, o Ministério da Saúde negou que haja qualquer contrato de importação de equipamento para tratamento oncológico com o governo de Israel. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) também reafirmou a inexistência de acordo em vigor entre a instituição e empresas israelenses para a compra de dispositivos de tratamento de câncer de mama e de próstata. “As alegações de cancelamento de contrato são infundadas e foram categorizadas como informações falsas”, destacou o instituto.

Além disso, de acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), o aparelho supostamente criado por Israel mencionado na publicação não existe. “O câncer de mama é uma doença complexa que envolve a multiplicação descontrolada de células anormais. Detectar o câncer a partir da primeira célula é um desafio científico e tecnológico que ainda não foi atingido”, destacou a entidade

O post mente ainda ao afirmar que a transação teria sido desfeita pela gestão israelense em 21 de fevereiro de 2024. O conteúdo sugere que o suposto rompimento do contrato teria sido motivado pelas declarações de Lula em uma entrevista coletiva em Adis Abeba, capital da Etiópia, em 18 de fevereiro, quando fez um paralelo entre a guerra na Faixa de Gaza e o Holocausto. O post faz isso ao utilizar uma imagem com a hashtag NaziLula e uma suástica nazista, formada por vários “L”, em alusão ao nome do chefe de Estado.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 29 de fevereiro, a publicação no X (antigo Twitter) teve 300,5 mil visualizações, 12 mil curtidas, 4 mil compartilhamentos e 351 comentários. Já no Telegram, o post recebeu 4,3 mil visualizações.

Como verificamos: A reportagem pesquisou no Google por contratos entre Brasil e Israel na área da saúde, para diagnóstico e tratamento de câncer, e encontrou verificações de outros veículos sobre o tema, entre 2019 e 2024. Ainda foram procurados o Ministério da Saúde e o INCA para questionar sobre a existência do contrato citado na publicação. A Sociedade Brasileira de Mastologia também foi consultada para esclarecer sobre a veracidade e utilização da suposta tecnologia israelense.

Diagnóstico a partir da primeira célula é desafio ainda não atingido

A tecnologia que a publicação afirma ter sido criada em Israel e que faz a detecção de câncer a partir da primeira célula não existe. De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, o câncer de mama é uma doença complexa que envolve a multiplicação descontrolada de células anormais e, por isso, o método de diagnóstico citado é um “desafio científico e tecnológico que ainda não foi atingido”, mas existem pesquisas na área.

“A SBM conhece, por exemplo, a existência de pesquisas sobre biópsia líquida, um método desenvolvido por cientistas brasileiras da Universidade Federal de Uberlândia que permite a detecção do câncer de mama pelo sangue. O método consiste em analisar o DNA das células tumorais que circulam na corrente sanguínea. É menos invasivo que outros exames e pode contribuir, futuramente, para o diagnóstico precoce da doença. Além disso, os mastologistas também acompanham o andamento das pesquisas israelenses com uso da inteligência artificial para diagnóstico precoce do câncer de mama e com vacina para prevenir a doença”, afirmou a Sociedade.

Com relação à retirada de tumores sem cortes, o INCA afirmou que utiliza técnicas de ablação de pequenos tumores em casos selecionados, que consiste em um tratamento minimamente invasivo guiado por ultrassonografia ou tomografia, realizado pelo intervencionista oncológico, que acarreta na destruição térmica, química ou elétrica de um tumor benigno ou maligno. Existem diferentes tipos de ablação, dependendo do órgão e do método utilizados. Porém, segundo o Instituto, não se trata de uma tecnologia israelense. “Essas técnicas já existem há anos e não estão relacionadas a um contrato específico com Israel.”

A SBM também explica que existe uma técnica denominada crioablação, que consiste na colocação de uma agulha dentro do nódulo, guiado por ultrassonografia, provocando o congelamento do tumor e de parte do tecido ao redor. Contudo, ressalta que pode ser indicada apenas para pacientes com tumores pequenos (preferencialmente menores que 1cm), únicos e sem metástases em linfonodos axilares. A entidade também lembra que se trata de um método de tratamento e não diagnóstico de câncer de mama.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com a autora da publicação, porque o perfil no X (antigo Twitter) não é aberto para receber mensagens. A reportagem também tentou contato por telefone e WhatsApp, mas não conseguiu resposta até a publicação desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que apoiadores de grupos políticos inventem informações e criem cenários falsos para atacar, desacreditar e provocar rejeição contra opositores. Publicações como a investigada aqui também geram comoção da audiência, por tratar de temas relacionados à saúde, em especial o câncer, que afeta pessoas de todas as idades e seu diagnóstico e tratamento ainda são considerados um desafio para a medicina e ciência. É necessário ficar em alerta com a divulgação de informações sobre ações de governos e envolvendo tratamentos de doenças. Nesses casos, deve-se sempre checar o conteúdo com órgãos oficiais, entidades e na imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As informações sobre o acordo entre o Brasil e Israel circulavam desde 2019 e já haviam sido alvo de investigação do Estadão e UOL naquele ano. Em 2024, o cancelamento do suposto contrato também foi verificado pelo Estadão Verifica e Reuters. Ainda neste ano, o Comprova explicou sobre a abertura do processo de impeachment contra Lula, após as falas sobre a guerra em Gaza. O Comprova também desmentiu, em 2023, a relação entre vacinados contra a covid-19 e mortes por câncer na Inglaterra e que o imunizante contra a poliomielite causou câncer em 98 milhões de americanos.

Comprova Explica

Investigado por: 2024-02-29

Pé-de-Meia vai pagar R$ 9,2 mil a aluno de baixa renda que concluir o ensino médio e realizar o Enem

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Postagens nas redes sociais repercutem a criação do programa Pé-de-Meia pelo governo federal com informações incompletas e que podem suscitar dúvidas. O Comprova explica do que se trata o benefício, que vai apoiar com até R$ 9,2 mil alunos de baixa renda que concluírem integralmente o ensino médio em instituições públicas de ensino, além de mostrar quais são os pré-requisitos para o recebimento do auxílio.

Conteúdo analisado: Posts com voz feminina gerada por inteligência artificial incentivando pessoas a curtir e compartilhar conteúdos sobre o programa Pé-de-Meia, do governo federal.

Comprova Explica: Recém-lançado pelo governo federal, o programa Pé-de-Meia deve beneficiar cerca de 2,5 milhões de estudantes do ensino médio da rede pública com pagamentos que podem somar até R$ 9,2 mil por aluno durante os três anos do período escolar. Criado como um incentivo financeiro-educacional, é uma aposta do Ministério da Educação contra a evasão escolar, cuja média nos três anos é de 7,2%.

O programa, que deve receber R$ 7,1 bilhões de investimentos por ano, foi implantado em fevereiro de 2024, e alguns perfis nas redes sociais usaram a notícia para ganhar curtidas e viralizar com posts com pouco ou nenhum conteúdo informativo.

Com o objetivo de trazer a informação correta para o leitor, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre o programa.

Como verificamos: O Comprova consultou informações na legislação referente ao Pé-de-Meia, no site do governo federal e entrou em contato com Ministério da Educação (MEC) para o esclarecimento de dúvidas.

Apoio financeiro a alunos de baixa renda do ensino médio

Uma das principais ações do governo Lula na área da educação, o Pé-de-Meia é um incentivo financeiro-educacional para estudantes de baixa renda do ensino médio da rede pública. Criado em 26 de janeiro deste ano por meio do decreto nº 11.901, que, por sua vez, regulamenta a lei nº 14.818, de 16 de janeiro, o programa oferece uma poupança para os beneficiários como forma de mantê-los estudando.

Entre os objetivos descritos na lei estão reduzir a taxa de abandono escolar e acabar com os efeitos das desigualdades sociais na permanência e na conclusão do ensino médio.

Considerando os três anos do ensino médio, o Pé-de-Meia prevê o pagamento total de R$ 9.200 no período. Funciona da seguinte forma:

  • Incentivo Matrícula, no valor anual de R$ 200;
  • Incentivo Frequência (exige a presença em ao menos 80% das horas letivas), no valor total anual de R$ 1.800, dividido em nove parcelas mensais;
  • Incentivo Conclusão, no valor total anual de R$ 1.000;
  • Incentivo Enem, no valor total de R$ 200.

Os pagamentos serão feitos em uma conta na Caixa Econômica Federal que o governo abrirá para os inscritos no programa. O Incentivo Matrícula, depositado após efetivação da matrícula no início de cada ano letivo, poderá ser sacado assim que cair na conta do estudante e o relativo à frequência poderá ser retirado mensalmente, como informa a portaria que estabelece os procedimentos de gestão do programa.

Já o Incentivo Conclusão será acumulado por ano concluído e só poderá ser resgatado após o fim do terceiro ano do ensino médio, mediante apresentação do certificado de conclusão do curso, e poderá ter como requisito também, “quando for o caso, a participação comprovada nos exames do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e nos exames aplicados pelos sistemas de avaliação externa dos entes federativos para o ensino médio”.

Já a concessão do Incentivo Enem terá como requisito a participação comprovada no Exame Nacional do Ensino Médio e a obtenção do certificado de conclusão do ensino médio, e será paga apenas uma vez ao estudante do terceiro ano do ensino médio.

Segundo o MEC, o estudante poderá consultar o calendário de pagamento, situação do pagamento, FAQ do estudante, regras do programa e informações sobre conta e recebidos por meio do aplicativo Jornada do Estudante. Já as informações sobre frequência escolar deverão ser verificadas diretamente nas escolas.

O artigo 14 do decreto afirma que os Ministérios da Educação e da Fazenda ainda vão definir os requisitos de acesso ao Pé-de-Meia, valores e outros detalhes para os alunos matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Até a publicação deste texto do Comprova, em 29 de fevereiro, os critérios não haviam sido divulgados. Segundo o MEC, a expectativa é que a regulamentação seja feita ainda no primeiro semestre de 2024.

Critérios e relação com Bolsa Família

De acordo com o decreto citado acima, para ter direito ao benefício é preciso ser estudante de baixa renda, estar matriculado no ensino médio das redes públicas (federal, estadual, distrital e municipal), ter entre 14 e 24 anos, ser integrante de família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e estar inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF).

Segundo o site do Ministério da Educação, “nesse início, a prioridade será de beneficiários do programa Bolsa Família”. Mas, diferentemente do que posts virais afirmam, não basta apenas se encaixar nos critérios já mencionados e fazer parte do Bolsa Família. Há uma exceção: estudantes cadastrados como família unipessoal no Bolsa Família não têm direito ao Pé-de-Meia.

Valores serão depositados automaticamente pelo governo

Os valores referentes ao Programa Pé-de-Meia serão depositados pela Caixa Econômica Federal na conta aberta em nome do aluno após o MEC enviar ao banco as folhas de pagamento. O ministério fará esse envio depois de ter analisado as informações repassadas pelas instituições de ensino médio.

Os alunos não precisam realizar qualquer tipo de inscrição para aderir ao programa. Segundo o governo federal, as contas dos alunos elegíveis ao Pé-de-Meia serão abertas automaticamente pela Caixa, que comunicará o beneficiário. Os menores de 18 anos precisarão do consentimento de um responsável para a movimentação da conta no aplicativo ou na agência.

A adesão ao Pé-de-Meia é feita por secretários municipais e estaduais de Educação e reitores de institutos federais que ofertam ensino médio em todo o Brasil por meio de sistema eletrônico. No ato da adesão, as instituições indicam representante que será responsável por enviar mensalmente ao MEC as informações referentes ao aluno.

De acordo com o cronograma do MEC, a habilitação dos estudantes elegíveis ao programa, que será feita pelo governo mediante cruzamento das informações de matrícula com as informações disponíveis no CadÚnico, tem prazo final no dia 13 de março. Já a abertura de contas pela Caixa para o repasse dos recursos será até o dia 22 do mesmo mês. A previsão do pagamento do primeiro benefício (Incentivo Matrícula no valor de R$ 200) é entre os dias 26 de março e 7 de abril.

Por que explicamos: O Comprova Explica busca esclarecer conteúdos que viralizam em redes sociais e podem gerar confusão ou o surgimento de dúvidas ou boatos. Políticas públicas é um dos temas de atenção do projeto.

Outras checagens sobre o tema: A seção Comprova Explica já trouxe detalhes sobre outros programas sociais do governo federal abordados em posts nas redes sociais. Já informou por que não há pagamento da 13ª parcela no Bolsa Família e também tratou das variantes que podem reduzir o valor do benefício.

Política

Investigado por: 2024-02-28

É falso que Brasil pode ficar sem arroz e preços vão aumentar por conta de exportação ilegal

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirma vídeo publicado no TikTok e no Instagram, é falso que a maior parte da produção de arroz no Brasil esteja sendo vendida ao exterior e que o país pode ficar desabastecido. Ao Comprova, a Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz) afirmou que cerca de 15% da produção nacional é exportada, enquanto o país importa aproximadamente a mesma quantidade do grão. O diretor de assuntos internacionais da Abiarroz destacou uma alta recente dos preços do alimento, provocada pela redução de áreas de produção, mas reforçou que um aumento de 400% nos preços, como afirma o vídeo investigado, não ocorrerá.

Conteúdo investigado: Vídeo afirma que grande parte da produção brasileira de arroz está sendo vendida para o exterior, por meio de contratos ilegais e que a informação teria sido repassada por “fontes da agricultura”. A publicação diz ainda que o Brasil pode ficar com poucos grãos, ocasionando um possível aumento de até 400% dos preços nos supermercados e recomenda que a população faça estoque do alimento.

Onde foi publicado: Instagram e TikTok.

Conclusão do Comprova: Em um vídeo em suas redes sociais, o youtuber Luciano Guilherme Cesa afirma que os preços do arroz vão disparar porque a produção nacional está sendo vendida para o exterior, o que é falso. Na publicação, o ex-candidato a deputado federal pelo Rio Grande do Sul pelo Patriota nas eleições de 2022 e ex-candidato a vereador de Caxias do Sul (RS) em 2020 cita supostos acordos irregulares para exportação. Sem apresentar provas, ele diz que “fontes da agricultura” alertaram sobre um aumento de até 400% no preço do produto nos mercados, por conta do suposto desabastecimento que o país sofrerá, e aconselha os seguidores a fazerem estoques.

De acordo com o diretor de assuntos internacionais da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Gustavo Trevisan, em 2023, o Brasil exportou menos arroz do que em 2022. Ele explica que o país passou a exportar o grão há cerca de 15 anos e que, antes, toda a produção brasileira era consumida internamente. Ele apontou ainda que alguns estados, como os do Centro-Oeste, precisam importar o grão. “No balanço final, fica muito equilibrado”, disse.

Segundo Trevisan, uma alta nos preços do arroz foi registrada ao final do último semestre de 2023, ocasionada por uma “questão pontual de redução de áreas, nesses últimos 15 anos, da produção de arroz nacional”. Segundo ele, isso ocorreu por conta do crescimento da área de produção de soja. Entretanto, ele afirma que não é possível alcançar o patamar de aumento relatado no vídeo. “Hoje mesmo, os preços já estão baixando em relação a dezembro (…) Essa informação de 400% (de aumento) é totalmente descabida”, completou.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 28 de fevereiro, o vídeo tinha 557 mil visualizações no Instagram e 58,2 mil no TikTok.

Como verificamos: A reportagem fez buscas pelo autor do vídeo e seus perfis nas redes sociais. Também foram realizadas consultas à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ao Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE), além da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), sobre a produção e exportação do grão. O Comprova também buscou posicionamento sobre as alegações de contratos ilegais com o autor da publicação, com o Ministério da Agricultura e Pecuária e com a Receita Federal, mas os questionamentos foram direcionados ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e à Abiarroz.

Associação garante que não há risco de faltar arroz

O Brasil é o maior produtor de arroz da América e o nono em todo o mundo, atrás somente de países asiáticos. Um levantamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apontou que a média de consumo anual no país ficou em cerca de 10,6 milhões de toneladas, entre 2018 e 2020, e são necessárias importações para atender a demanda interna. Segundo a Abiarroz, a produção média se mantém em aproximadamente 10 milhões de toneladas há pelo menos uma década. Em 2022, de acordo com dados da Embrapa e do IBGE, foram produzidas 10,7 milhões de toneladas.

Segundo a Abiarroz, a exportação nacional é de cerca de 15% da produção total. Ao contrário do que diz o vídeo, dados compilados pela associação apontam que a exportação no país caiu em 2023 na comparação com o ano anterior devido a uma redução na área de plantio.

Uma nota da Abiarroz de 3 de fevereiro diz que não há risco de faltar arroz no prato do brasileiro neste ano, apesar de produtores esperarem que a produção do ano passado fique aquém do anterior, devido às chuvas do El Niño. A publicação destaca também que a produção gaúcha, estimada entre 7,5 milhões e 7,8 milhões de toneladas, somada às produções de Santa Catarina e Centro-Oeste e ao contingente que pode ser importado do Paraguai, Argentina e Uruguai, será suficiente para abastecer o país no ano fiscal de 2024.

O segundo prognóstico de área e produção para a safra brasileira de grãos em 2024, realizado e divulgado pelo IBGE em novembro de 2023, apontou que a estimativa é de 10,5 milhões de toneladas de arroz (em casca), o que representa crescimento de 2,3% em relação ao volume produzido em 2023. A área plantada deve crescer 3,5%, a área a ser colhida aumentar 4,6% e o rendimento médio cair 2,2%. “Já vamos iniciar uma safra agora, não teremos uma safra muito grande, será uma safra praticamente igual a 2023. Teremos uma exportação muito semelhante ao ano passado, acreditamos até que um pouco menor”, afirmou o diretor de assuntos internacionais da Associação.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com Luciano Guilherme Cesa, que compartilhou print de Instagram onde uma usuária da rede apontava para o preço do arroz, que estava R$ 48,90 o pacote com 5 quilos. Questionado, porém, sobre a origem das informações sobre exportação ilegal e sobre suposta paralisação de 30 dias, Cesa não respondeu.

O que podemos aprender com esta verificação: Tenha cautela com alertas para crises, desabastecimento, paralisações e teorias conspiratórias quando publicadas nas redes sociais por pessoas comuns, que aparentemente não têm autoridade para falar sobre o assunto e nem para ter informações privilegiadas sobre o tema. Mais ainda quando essas publicações não fornecem links para suas fontes. Quando a esse tipo de conteúdo é também adicionado algum pedido de uma ação urgente ou algo que provoque uma reação emocional, certifique-se em outras fontes da veracidade dessas afirmações antes de passá-las adiante, curtir ou comentá-las. Se você não encontrar notícias sobre o assunto em veículos de comunicação de sua confiança, evite interagir e não compartilhe essas publicações em suas redes. É bem possível que elas sejam falsas.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A agricultura e o abastecimento da população já foram alvo de verificações anteriores. Em 2024, o Comprova explicou que o desabastecimento de supermercados na Europa não ocorreu de forma generalizada, mas pontual, e não foi ocasionada somente por conta de protestos de agricultores contra políticas ambientais, mas também pela redução de importações estrangeiras mais baratas e da burocracia. A perda da soberania brasileira também já havia sido desmentida em uma verificação de 2023, que afirmava que um projeto de lei do Congresso dos Estados Unidos previa a internacionalização da Amazônia, a transformando em “patrimônio mundial”.