O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2020-10-13

Publicação mistura informações verdadeiras com dados imprecisos sobre meio ambiente no Brasil

  • Enganoso
Enganoso
Sequência de tuítes que lista "10 coisas que todo brasileiro deveria saber antes de querer lacrar sobre o tema meio ambiente" usa dados imprecisos e enganosos para defender políticas ambientais
  • Conteúdo verificado: Sequência de tuítes faz 10 afirmações sobre a questão ambiental no Brasil

Uma publicação com 10 afirmações sobre o meio ambiente no Brasil mistura dados verdadeiros com imprecisos. A sequência de mensagens no Twitter defende que o Brasil tem a mais limpa matriz energética dos países do G-20, o que é verdade se considerados dados de energia renovável da Agência Internacional de Energia (IEA) consultados pelo Comprova, mas também aponta que a agropecuária brasileira é a mais limpa dentre as maiores economias do mundo e que o Brasil é o país que mais tem feito no âmbito do Acordo de Paris, o que não se sustenta com base em dados e avaliações de órgãos independentes.

A série de publicações também afirma que o etanol seria uma fonte de energia mais limpa que a usada em carros elétricos na maioria dos países europeus. A informação é correta segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, mas apenas quando comparada a países com geração baseada em fontes de energia não renováveis, como o carvão.

Os tuítes também sustentam que a Amazônia teria 84% de mata nativa preservada, mas, segundo informado pela MapBiomas ao Comprova, o percentual de área não desmatada seria de 78%, sendo que desse total, uma parte já sofreu algum nível de degradação por queimadas e exploração madeireira.

As postagens ainda sustentam que o país tem 60% de área ocupada por florestas, o que está correto segundo dados do MapBiomas. Porém, afirmam que o país possui “a legislação ambiental mais restritiva dos países do G20”, o que encontra divergências em estudos sobre legislação florestal e preservação de áreas ambientais consultados pelo Comprova.

O texto foi publicado como uma sequência de postagens no Twitter por Vicente Santini, ex-secretário executivo da Casa Civil e nomeado em setembro como assessor especial do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Procurado, não respondeu até a publicação desta checagem.

Como verificamos?

Começamos consultando reportagens sobre o tema, que levaram a estudos e rankings sobre os investimentos e os avanços dos países em energia limpa. As fontes utilizadas para comparação entre países foram o Balanço Mundial de Energia, da Agência Internacional de Energia, e dados da British Petroleum (BP), divulgados no site Our World in Data. Também consultamos especialistas na área de energia e questionamos o Ministério do Meio Ambiente sobre comparativos entre a matriz energética brasileira e de outros países.

Verificamos também checagens semelhantes sobre outras afirmações da publicação, como a do Fakebook.eco, do Observatório do Clima, que já havia apontado inconsistências na afirmação de o Brasil ter o agronegócio mais sustentável do mundo. Recorremos também a documentos como o Climate Action Tracker e o Relatório Sobre a Lacuna de Emissões, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que monitoram as políticas adotadas pelos países para cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris.

Entrevistamos um dirigente da Associação de Engenharia Automotiva e o Observatório do Clima para verificar pontos como a afirmação de o etanol ser menos poluente do que a energia de carros elétricos usados em países europeus. Consultamos dados do MapBiomas para encontrar percentuais de áreas florestais preservadas no país e um estudo comparativo sobre legislações ambientais em diferentes países, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e Proforest.

Ainda consultamos dados internacionais do Banco Mundial e da Global Forest Watch, da ONU, para comparar a porcentagem de área protegida em diferentes países.

Também fizemos contatos por e-mail com o Ministério do Meio Ambiente para questionar o assessor especial sobre a fonte das informações afirmadas por ele nas postagens, mas não obtivemos resposta até a publicação desta verificação.

Verificação

A matriz energética mais limpa?

Uma das postagens verificadas afirma que “o Brasil tem a mais limpa matriz energética dentre os países do G20”. Segundo dados do Balanço Energético Mundial 2020, da Agência Internacional de Energia, o Brasil tem, de fato, o maior percentual de energia renovável na matriz energética entre as nações do G20 que aparecem no relatório, com 44,9% de fontes renováveis.

Logo atrás do Brasil estão Indonésia (25%) e Índia (22%), que fecham as três melhores posições neste quesito entre as principais economias do mundo, segundo o IEA. Com esses percentuais, o Brasil também supera a média mundial, que tem apenas 13,8% de energia renovável.

A relação traz dados de países da OCDE e outras nações associadas, o que exclui Rússia, Argentina e Arábia Saudita, dentre os integrantes do G20. No entanto, mesmo considerando dados desses três países disponíveis no site da IEA, as primeiras posições entre países com maior percentual de fontes renováveis não se alteram. Os dados são referentes a 2018 e consideram o total de energia fornecida.

Dados de outra instituição, a British Petroleum, divulgados no site Our World in Data, também mostram um maior percentual de energia renovável na matriz energética brasileira em comparação com as do G20. São 45% de origem em fontes renováveis no Brasil, à frente de Canadá (27,6%) e Turquia (18,4%), compondo as três primeiras posições. Esta pesquisa não inclui biocombustíveis entre as fontes renováveis, o que ajuda a explicar a mudança nas primeiras posições em relação ao balanço do IEA. Na comparação entre todos os países, incluindo os que não integram o G20, o Brasil aparece em terceiro, atrás de Islândia e Noruega, no mapa de matrizes com mais fontes renováveis da BP.

Procurado, o Ministério do Meio Ambiente também enviou à reportagem dados sobre a proporção de fontes renováveis na matriz energética brasileira e em países do G20. Os números do governo também mostram Brasil, Indonésia e Índia nas três primeiras posições, como o estudo do IEA, mas com pequenas diferenças nos percentuais – 43,4%, 33,2% e 23,4%. Os números repassados pelo Ministério consideram a oferta interna de energia dos países. Os dados também são do IEA, de 2017.

É importante ressaltar também que os dados do IEA se referem à energia renovável – fontes hídrica, geotérmica, eólica, solar, das ondas e marés, biocombustíveis e resíduos. Ao falar de energia limpa, como mencionado na postagem, há quem defenda que seria possível incluir a energia nuclear, que não provoca emissão de CO2, mas que possui outras implicações ambientais e não é considerada renovável. Nesse caso, a França, que tem a maior dependência da energia nuclear na matriz, ficaria à frente do Brasil na análise de fontes “limpas” (renováveis somada à nuclear), segundo os mesmos dados do IEA de 2018.

Importante destacar que o Brasil possui a maior quantidade proporcional. Em termos absolutos, a China lidera a quantidade de energia renovável.

O professor Nivalde J. de Castro, do Grupo de Estudos do Setor Elétrico, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que a alta incidência de energia hidrelétrica favorece o percentual de fontes renováveis acima de outros países na matriz brasileira, sobretudo na parte elétrica.

Agropecuária mais limpa?

A publicação também afirma que “o Brasil tem a agropecuária mais limpa dos países do G20”. O assunto já foi alvo de uma checagem recente do Fakebook.eco, do Observatório do Clima, que apontou ausência de indicador para comparar a sustentabilidade das áreas produtivas entre os países e apresentou dados como uso de agrotóxicos e fontes de emissões de gases do efeito estufa para avaliar o impacto gerado pela atividade no Brasil.

A verificação do Fakebook.eco aponta que a Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), estabeleceu um indicador de proporção de área sob agricultura produtiva e sustentável para avaliar o setor em países sob o aspecto da sustentabilidade ambiental, econômica e social. O indicador, no entanto, ainda está sendo testado em países selecionados de diferentes regiões, segundo o site da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês).

Por isso, para avaliar a sustentabilidade da agropecuária brasileira, o Fakebook.eco recorreu a outros indicadores. Um deles é o uso de agrotóxicos. O Brasil aparece como o terceiro país que mais usa agrotóxicos em número absoluto no mundo, conforme dados da mesma FAO. Na análise por área plantada, está entre os 28 países com maior utilização – das nações do G20, apenas China, Japão e Coreia aparecem com maior utilização por área cultivada. O país também utiliza pesticidas proibidos em nações da Europa e é o segundo maior comprador destes insumos, conforme reportagem recente da Galileu.

Além disso, a agropecuária foi responsável, diretamente, por 22% do total das emissões de gases do efeito estufa no Brasil em 2018, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg Brasil). É o segundo maior fator, atrás apenas da mudança de uso do solo, que inclui desmatamento e queimadas. A redução dessas emissões é o principal compromisso assumido pelo país no Acordo de Paris.

Um estudo da Embrapa sobre sustentabilidade na agricultura também aponta que, apesar de ter tido avanços, o país “continua incorporando cerca de 1 milhão de hectares de áreas de vegetação nativa ao sistema de produção agropecuária a cada ano”.

Brasil e o Acordo de Paris

Outro trecho da postagem afirma que “o Brasil é o país que mais tem feito no âmbito do Acordo de Paris”. No entanto, relatórios que avaliam o desempenho dos países no tratado mostram que o Brasil pode não atingir a meta de 2030 e teve projeção de emissões ampliadas por fatores como o desmatamento.

O Acordo de Paris foi firmado por 195 países para reduzir a emissão de gases de efeito estufa e, desse modo, manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C até o final do século – se possível, menor que 1,5°C. O tratado completa cinco anos em dezembro de 2020, quando países devem informar se renovarão as metas. Segundo reportagem do Valor, o Brasil até agora não deu sinais do que pretende na sequência do acordo.

A avaliação mais recente da Climate Action Tracker, consórcio científico que faz análises independentes sobre as propostas dos países no Acordo de Paris, classifica como “insuficientes” as metas apresentadas pelo Brasil para promover a contenção no aquecimento do planeta. O órgão aponta também que “existem lacunas significativas na formulação de políticas brasileiras para conter o crescimento das emissões”.

As medidas de isolamento social motivadas pela pandemia da covid-19 frearam a atuação de setores como transporte e indústria, o que gera expectativa de queda de 4% nas emissões de gases do efeito estufa nesses segmentos em 2020 no país, segundo a organização. Mesmo assim, a análise aponta que o desempenho brasileiro é prejudicado por pontos preocupantes como a falta de políticas para mitigar emissões no setor agrícola e as taxas de desmatamento cada vez mais altas – aumento de 34% em 2019 e perspectiva de crescimento ainda maior este ano, segundo a avaliação.

De acordo com a análise, a redução de emissões causada pela crise da covid-19 poderia permitir ao Brasil cumprir a meta para 2025. No entanto, sem uma queda sustentada a partir da pandemia, o país estaria fora do caminho para cumprir a meta de 2030. Outros compromissos, como reduzir o desflorestamento e alcançar o desmatamento ilegal zero na Amazônia até 2030, também devem ser perdidos, conforme o Climate Action Tracker.

A Índia, que também integra o G20, tem metas que são consideradas “compatíveis” com o objetivo de conter o avanço da temperatura em até 2ºC e deve conseguir cumprir a meta estabelecida de redução de emissões até 2030, segundo a última avaliação do Climate Action Tracker. Os motivos devem ser a redução de emissões durante a pandemia e as políticas até aqui adotadas, apesar de ressalvas feitas no estudo sobre os planos de expansão da energia a carvão no país asiático.

O último Relatório Sobre a Lacuna de Emissões, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), publicado antes da pandemia, em novembro de 2019, avalia as ações dos países e aponta que apenas seis integrantes do G20 deveriam atender as metas do Acordo de Paris com as políticas atuais adotadas: China, Índia, México, Rússia e Turquia, além da União Europeia. Outros sete países, incluindo o Brasil, precisariam de ações adicionais para atingi-las. No caso do Brasil, diz o relatório, as projeções de emissões de publicações atualizadas anualmente foram revisadas para cima por causa, entre outros motivos, de mudança na tendência de desmatamento.

Uma nota explicativa do Observatório do Clima também avalia o cumprimento das metas do Brasil no Acordo de Paris e aponta que o país ainda não havia apresentado um plano de implementação das metas propostas em 2015.

O órgão expõe, entre outros pontos, uma das principais preocupações: o aumento do desmatamento. O texto indica ainda que medidas como a redução do orçamento de prevenção a incêndios florestais, a suspensão do Fundo Amazônia e a tentativa de abrir terras indígenas para mineração “ajudaram a desviar o Brasil de seu NDC (as metas) ao acelerar o desmatamento”.

Etanol versus carros elétricos europeus

Outro tuíte verificado afirma que “o etanol é uma fonte de energia mais limpa que a maioria usada nos carros elétricos europeus”. A informação é correta, conforme fontes consultadas, desde que a comparação seja com países que tenham a geração de energia elétrica baseada em fontes poluentes como o carvão.

O Comprova consultou o vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), Edson Orikassa, para apurar o tema. Ele confirmou que o etanol pode ser uma fonte mais limpa do que a usada em carros elétricos europeus. Mas é preciso observar algumas condições. A principal delas é que a comparação deve ser com fontes de energia não renováveis, como o carvão, predominante em alguns países europeus. Em comparação com a energia elétrica em países como o Brasil, onde prevalece a energia hidrelétrica (renovável), o carro elétrico gera menos emissões do que o etanol.

O dirigente explica que o assunto é complexo porque é preciso considerar todo o ciclo envolvendo a produção do etanol e da energia elétrica (análise chamada de “do poço à roda”), e não apenas a partir do abastecimento (“do tanque à roda”). No entanto, segundo ele, esse cálculo geral de emissão de gases de efeito estufa é menor no caso dos carros a etanol do que nos elétricos quando considerada a energia termelétrica como fonte, como ocorre em parte dos países europeus.

“Considerando todo o ciclo, apesar de você ter variação dependendo do tipo de adubo, do combustível usado na produção do etanol, mesmo assim nesse cômputo geral realmente os veículos flex são melhores do que os elétricos da Europa, se você considerar a principal fonte de energia na Europa, que é a termelétrica”, disse Orikassa.

A situação muda ao comparar o etanol com veículos elétricos abastecidos em países com maior participação de energia renovável.

“Se considerar a energia elétrica gerada no Brasil, de maioria hidráulica, vamos imaginar trazer o veículo da Europa e carregar com energia gerada no Brasil, nesse caso os elétricos seriam um pouco melhores do que o híbrido flex, e também que o flex, mesmo considerando do poço à roda”, afirma.

O coordenador de Comunicação do Observatório do Clima, Claudio Angelo, também confirma que no balanço de emissões o etanol emite menos gases que carros elétricos em países que têm a energia a carvão como predominante na matriz de eletricidade.

Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA), a energia a carvão foi a segunda maior fonte de energia elétrica em países da Europa, com 21% do total em 2018, atrás apenas da energia nuclear. Países como Alemanha, Polônia e Turquia detêm os maiores volumes desta geração no continente, segundo o IEA. Em alguns países, no entanto, a transição para fontes renováveis começa a diminuir a proporção das termelétricas, o que dificulta uma análise sobre o etanol ser mais limpo que a energia elétrica na rigorosa “maioria dos países europeus”, conforme mencionado na postagem.

84% da mata nativa da Amazônia segue preservada?

A série de tuítes afirma que “84% da mata nativa da Amazônia segue preservada”, mas especialistas e a base de dados consultados afirmam que este número está exagerado.

A Coleção 5 do MapBiomas, publicada em agosto de 2020, indica que, no ano passado, 83,3% do bioma Amazônia, no território brasileiro, era coberto por vegetação nativa, sendo 79,8% de floresta e 3,5% de vegetações não florestais. O MapBiomas estima que 20% dessa área que mantém cobertura nativa já tenha sofrido algum nível de degradação por fogo ou exploração madeireira. “Portanto, a área da Amazônia que não foi desmatada é de 78% e a área que está preservada e não sofreu nenhum tipo de degradação é menor que isso”, disse a iniciativa.

Fonte: MapBiomas

O MapBiomas reúne mapas anuais de uso e ocupação de terra que cobrem o período de 1985 a 2019 e permite ver que, ao longo da série histórica, o bioma perdeu 44 milhões de hectares de floresta natural – uma perda de 11,5%, equivalente a 289 vezes a área da cidade de São Paulo.

Já a Coleção 2 do MapBiomas, com dados de 1985 a 2018, analisa a cobertura vegetal na Pan-Amazônia, isto é, em todos os países que ela cobre. Sob este ângulo, 84% do bioma era ocupado por floresta natural (76%) ou formação natural não florestal (8%).

O Brasil possui mais de 60% de sua área ocupada por florestas nativas?

A afirmação de que “o Brasil possui mais de 60% de sua área coberta por mata nativa” está correta. De acordo com a Coleção 5 do MapBiomas, em 2019, 66,5% do território brasileiro era coberto por vegetação nativa, que engloba floresta natural e formação natural não florestal. Quando se olha apenas a cobertura de floresta natural, chegamos a 60,27% do território nacional.

Apesar de sermos o país com a maior área absoluta de florestas tropicais, somos também os que mais desmatam este tipo de bioma. Segundo a iniciativa Global Forest Watch, que monitora os índices de perda de cobertura florestal no mundo, o Brasil perdeu 1,361 milhão de hectares de florestas tropicais úmidas primárias em 2019. Isto equivale a mais de um terço do observado em todo o mundo (3,8 milhões de hectares). O país liderou o ranking de perda de florestas primárias.

Fonte: MapBiomas

O Brasil tem a mais restritiva legislação ambiental dos países do G20?

A série de tuítes afirma que “o Brasil tem a mais restritiva legislação ambiental dos países do G20”, mas estudos comparativos entre a legislação estrangeira e a nossa mostram que outros países preservam mais do que o Brasil.

No país, a preservação das áreas de vegetação em propriedades rurais segue o estabelecido pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa. Aprovada em 2012, estabelece que 20% da mata de uma propriedade deve ser preservada. As regras são diferentes caso a propriedade esteja no território da Amazônia legal: 80% deve ser preservada em áreas de floresta; 35%, em área de cerrado; e 20% em áreas de campos.

Isto não quer dizer que apenas 20% do território amazônico estaria sujeito a perder sua cobertura vegetal. Isso porque “tem anistias a desmatamentos passados e vários jeitos de burlar o limite de 20% dependendo do Estado e do tamanho da propriedade”, disse o assessor do Observatório do Clima, Claudio Angelo.

Para comparar com outros países, o Comprova consultou um estudo, de 2011, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) com o Proforest, que analisou a legislação florestal de 11 países, dos quais 8 pertencem ao G20. Na Índia, por exemplo, o governo tem o poder de impedir a conversão de floresta para outros usos em propriedades privadas. No Japão e no Reino Unido, a conversão de florestas para agricultura é proibida. Já na Alemanha, a exploração da madeira é permitida desde que haja recomposição e manejo.

Estudo Imazon e Proforest

É possível olhar a questão sob a perspectiva das áreas nacionais de conservação. Segundo o último Censo Agropecuário do IBGE, feito com dados até 30 de setembro de 2017, 31,6% do território nacional está em Terras Indígenas ou Unidades de Conservação. A maior parte se encontra na Região Norte (24,9%).

O site Protected Planet, mantido pelo Centro Mundial de Monitoramento da Conservação (ONU-WCMC), contabiliza a porcentagem que cada país destina de seu território para a preservação natural. O Brasil ocupa a segunda colocação dentro do G20 com 30,28%, perdendo apenas para a Alemanha (37,8%). O resultado brasileiro é próximo do encontrado em Japão (29,39%), Reino Unido (28,73%) e França (27,28%).

A Agência de Agricultura e Alimentação da ONU calcula os dados de cobertura florestal em todo o mundo. Na Ásia Leste, região que engloba China, Coreia do Sul, Japão, Coreia do Norte e Mongólia, sendo que os três primeiros pertencem ao G20, a área de floresta aumentou 61,497 milhões de hectares entre 1990 e 2020. Já na Europa, a área de floresta cresceu 23,142 milhões de hectares no mesmo período.

Seguindo tendência contrária, a América do Sul perdeu 129,48 milhões de hectares de florestas. O Brasil liderou a perda de florestas no mundo na última década, com uma média de 1,496 milhão de hectares perdidos por ano.

Quem é Vicente Santini

Em janeiro, o presidente Bolsonaro demitiu Santini do cargo de secretário-executivo da Casa Civil após ele utilizar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajar de Davos, na Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial, para Nova Délhi, na Índia, para acompanhar o presidente em viagem oficial.

Na ocasião, ele ocupava o cargo de ministro no lugar de Onyx Lorenzoni, que estava de férias. Mas outros ministros, como Tereza Cristina (Agricultura) e Paulo Guedes (Economia), fizeram o mesmo trajeto por meio de vôo comercial.

Atualmente, Santini é assessor especial do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele foi nomeado, em 16 de setembro, com aval do Palácio do Planalto, após os três processos contra ele serem arquivados. O MPF considerou, em um dos processos, que ele estava a serviço da Presidência e que, por isso, não haveria imoralidade nem ilegalidade no gesto.

Em seu Twitter, Santini utiliza como imagem de capa uma foto em que aparece ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal. As equipes do Comprova checam áudios, imagens e textos compartilhados nas redes sociais e que alcançaram alto grau de viralização. O tuíte do assessor especial do Meio Ambiente foi retuitado 2,6 mil vezes e curtido 12,4 mil até a publicação desta checagem.

O governo federal sofre pressão para preservar o meio ambiente em meio a grandes queimadas que devastam o Pantanal e a Floresta Amazônica. A política ambiental brasileira atraiu de forma negativa a atenção de bancos, grandes empresas, fundos de investimentos e ameaça o acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

O mesmo conteúdo verificado pelo Comprova chamou a atenção do Fakebook.eco, iniciativa de checagem do Observatório do Clima com foco em peças de desinformação sobre o meio ambiente. O projeto já tinha checado informações abordadas nesta verificação em outras ocasiões.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos e que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-10-08

É falso que Exército tenha apreendido madeira ilegal ligada a ONGs e MST

  • Falso
Falso
O Exército informou que não há registros de nenhuma apreensão de madeira recente nas condições descritas pelas publicações verificadas pelo Comprova. Algumas postagens usaram uma foto que mostra caminhões carregados de toras de madeira. A imagem, no entanto, é de 2015
  • Conteúdo verificado: Publicações no Twitter e no Facebook afirmam que madeira ilegal apreendida no Pará pelo Exército seria de fundador de uma ONG ligada à proteção ambiental na Amazônia, que também teria envolvimento com o MST no estado.

É falso que o fundador de uma ONG ligada à proteção ambiental na região amazônica seria dono de um carregamento ilegal de madeira apreendido em ação do Exército no Pará. As afirmações circulam em uma série de postagens virais no Twitter e no Facebook. As publicações afirmam ainda que a entidade estaria ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-PA).

Não há evidências de que uma apreensão do tipo tenha sido feita na região nas últimas semanas, e nem o Comprova encontrou qualquer ligação recente entre o MST ou ONGs ambientais com o desmatamento ilegal na região.

O Exército informou que divulga suas operações no site oficial e não há registros de nenhuma apreensão de madeira recente nas condições descritas pelas publicações verificadas pelo Comprova. O MST também nega qualquer ligação com madeireiras.

Como verificamos?

Entramos em contato com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e com o Exército, que são diretamente mencionados nas publicações, para saber a veracidade das alegações. Consultamos os sites oficiais do Exército, do governo federal e do Ministério da Defesa, além de reportagens publicadas neste ano sobre a ação dos militares na região da Amazônia.

Além disso, para checar a origem da imagem que circulou em outras postagens sobre o mesmo conteúdo, usamos a ferramenta de busca reversa de imagens do Google, que resultou em uma foto com a logo da “Máfia da Tora” — que foi, então, localizada nas redes sociais.

Também entramos em contato com o usuário que fez a postagem no Twitter, @Gabriel08819060, por meio de mensagem direta na rede social, mas, até a publicação desta checagem, não tivemos resposta.

Verificação

Foto de toras de madeira é antiga

O mesmo conteúdo circulou no Facebook. Na rede social, a alegação falsa sobre a apreensão de madeira pelo Exército foi compartilhada em algumas postagens com uma foto que mostra caminhões carregados de toras de madeira. A imagem, no entanto, é de 2015 e foi reproduzida em outras postagens nos anos posteriores.

O Comprova usou a ferramenta de busca reversa de imagem do Google para encontrar fotos semelhantes publicadas antes de 2020. Em um dos resultados, aparece a inscrição “Máfia da Tora”. Encontramos uma página de Facebook de mesmo nome, que publicou a mesma foto em novembro de 2017.

O site E-Farsas, que também investigou a origem da fotografia, encontrou uma postagem na mesma página ainda mais antiga, de janeiro de 2016. O post atribui o registro ao leitor Alessandro Antoniazzi, durante festejo da padroeira da cidade de Cláudia, no Mato Grosso.

A reportagem do E-Farsas conversou com Antoniazzi, que é cantor. Ele confirmou que fez a foto em 2015, e que as toras mostradas na imagem foram presenteadas à paróquia Nossa Senhora da Glória por madeireiras da região. O Comprova entrou em contato com Alessandro e com a igreja de Cláudia, mas não obteve retorno.

Operação Verde Brasil 2

O Exército, de fato, tem atuado no combate ao desmatamento ilegal e aos incêndios na região da Amazônia Legal. A “Operação Verde Brasil 2” foi iniciada no dia 11 de maio, e é encabeçada pelo Conselho Nacional da Amazônia, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e formada por onze outras organizações, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes (ICMBio). A ação vai até o dia 11 de novembro.

Desde o início das atividades, a força-tarefa resultou na apreensão de 28,7 mil metros cúbicos de madeira, com a realização de mais de 26 mil inspeções navais e terrestres e 712 apreensões.

O Comprova entrou em contato, via assessoria de imprensa, com o Exército, que informou que “as operações realizadas pelo Exército Brasileiro, bem como os resultados obtidos, são os divulgados no site da Força”.

Na busca, no site oficial, pelos conteúdos relacionados à operação, estão listadas algumas ações conjuntas no Pará, ligadas ao combate à extração ilegal de madeira, mas não há menção à suposta origem relacionada ao MST ou a ONGs de preservação ambiental, já que o Exército não divulga esse tipo de informação. O Comprova perguntou especificamente sobre as alegações feitas no tuíte e nos posts verificados, mas a assessoria de imprensa não nos forneceu detalhes do tipo.

Postagens acusam, sem provas, marido de Marina Silva

A alegação falsa sobre a apreensão de madeiras pelo Exército também foi compartilhada em postagens com acusações ao marido da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, Fábio Vaz de Lima. Os posts reciclam um boato de que Lima seria “um dos maiores desmatadores da Amazônia”.

Em 2018, o site Aos Fatos mostrou que a acusação distorcia uma investigação do Tribunal de Contas da União (TCU). O Comprova checou, no mesmo ano, um boato semelhante.

Fábio é um dos fundadores do Grupo de Trabalho amazônico (GTA). Esse grupo era ligado a uma ONG chamada Fase, que, em 2003, recebeu do Ibama a doação de 5,7 mil toras de mogno ilegais apreendidas na Amazônia. A investigação do TCU ocorreu porque havia divergências entre o valor atribuído às madeiras e o valor real.

Marina explicou que o marido deixou o GTA em 1999 para trabalhar no governo do Acre.

MST nega envolvimento

Procurado pelo Comprova, o MST disse não ter qualquer ligação com madeireiras. “Desde a semana passada temos sido alvo de uma série de informações falsas que têm circulado deliberadamente na internet”, comunicou o movimento.

De fato, o MST tem sido acusado nas redes sociais de envolvimento com as queimadas na Amazônia e no Pantanal. O Comprova desmentiu uma postagem que afirmava que um dos fundadores do movimento, João Pedro Stédile, estaria sendo investigado pela Polícia Federal por envolvimento em queimadas. Não há registro que tal investigação exista.

Na contramão das acusações e “como resposta ao desmatamento”, a organização afirma que está encabeçando uma campanha nacional de plantio de árvores.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais que tenham ligação com políticas públicas do governo federal ou com a pandemia do novo coronavírus.

O tuíte analisado aqui teve mais de 16,9 mil interações desde o dia 5 de outubro. A informação falsa foi reproduzida em postagens no Facebook, onde ganhou mais de 1,3 mil compartilhamentos.

A preservação da floresta amazônica é um dos maiores desafios para o governo — um estudo publicado na revista Science Advance indica que, se o desmatamento atingir 20% da bacia Amazônica, atingiremos um ponto irreversível de savanização do bioma. Atualmente, 17% da floresta já foi desmatada.

Os sites Aos Fatos, E-Farsas e Lupa também publicaram verificações semelhantes.

O Comprova já checou vários conteúdos relacionados à Amazônia, a ONGs e ao MST. Na semana passada, mostramos que não havia provas de que o MST tivesse relação com as queimadas na Amazônia ou no Pantanal. Outros exemplos incluem uma verificação sobre um vídeo lançado pela Associação de Criadores do Pará que afirma que a Amazônia não está queimando e outra sobre postagem que afirmam que indígenas prenderam em flagrante integrantes de ONGs que seriam incendiários.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-10-01

Postagem acusa sem provas MST de ter relação com as queimadas na Amazônia e no Pantanal

  • Falso
Falso
Texto com afirmações sem base tem como origem a página de Facebook de um general da reserva do Exército que afirma desconhecer a fonte do conteúdo
  • Conteúdo verificado: Post com conteúdo atribuído a general e publicado em página de apoio ao vice-presidente Hamilton Mourão afirma que a Polícia Federal investiga MST e João Pedro Stédile por conexão com incêndios no Pantanal.

É falso um texto disseminado via redes sociais segundo o qual João Pedro Stédile, um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), teria relação com incêndios no Pantanal. A postagem afirma que a Polícia Federal (PF) investiga, além do MST, ONGs pela autoria de queimadas. A PF não comenta casos em andamento, mas informou que todas suas operações deflagradas envolvendo casos recentes na Amazônia e no Pantanal estão no site oficial da entidade. Em consulta ao site, o Comprova não encontrou menções ao MST ou a Stédile no que diz respeito aos incêndios nesses dois biomas.

O post menciona, ainda, que há detidos na Amazônia, e que ONGs e tribos indígenas teriam envolvimento em possíveis crimes ambientais. Essas informações também não são verdadeiras. A peça também pontua que Stédile vive na Venezuela, o que não é verdade, e classifica o líder do movimento como terrorista – acusação imprópria juridicamente neste caso, conforme especialista.

A autoria do material é atribuída a um general da reserva do Exército. Ao Comprova, ele confirmou que postou o conteúdo no Facebook após receber pelo WhatsApp, mas não sabe sua origem. “Compartilhei como recebi. Não sei qual é a fonte”, disse ele. A página que divulgou o material verificado aqui foi acionada pelo Comprova, mas não retornou o contato.

Como verificamos?

Recorremos ao Google para mapear possíveis acusações ambientais contra o MST ou João Pedro Stédile, bem como encontrar reportagens sobre tais questões para auxiliar na apuração. Serviram de apoio a esta checagem, ainda, verificações prévias das agências Lupa e Boatos.org sobre o assunto — ambas apontando que o conteúdo não é verdadeiro.

Contatamos também a assessoria da Polícia Federal via e-mail questionando sobre investigações de incêndios na Amazônia e no Pantanal, além de possíveis inquéritos envolvendo MST e seu integrante fundador. Para complementar, acionamos um especialista em Direito para compreender se é pertinente considerar Stédile terrorista do ponto de vista legal. Quem nos trouxe esclarecimentos foi o professor de Processo Penal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Matheus Felipe de Castro.

Durante o processo, localizamos o militar da reserva apontado como autor do texto, general Paulo Chagas, e pedimos esclarecimentos via Facebook à página que divulgou as informações.

Verificação

De onde vem?

Em 28 de setembro, a página “General Mourão – Eu Apoio” fez uma publicação com o título: “Polícia Federal na cola de João Pedro Stédile do MST”. Nela, o texto é acompanhado por uma montagem que traz o rosto do economista à frente do Movimento Sem Terra com aplicações de desenho que aludem a chamas. O conteúdo é atribuído ao general da reserva Paulo Chagas, que realmente divulgou o material no mesmo dia, pela manhã, às 9h02.

Contatado via WhatsApp pelo Comprova para saber a origem do que está escrito, o militar retornou dizendo que apenas compartilhou. “Não sei qual é a fonte. Recebi em um grupo de Zap e compartilhei no FB”, afirmou o general.

A possível origem das acusações contra o integrante da direção do MST é uma peça anterior que o acusava de ter declarado que o movimento estaria disposto a “incendiar o Brasil para derrubar Bolsonaro”. Em 21 de setembro, a Agência Lupa mostrou que a frase não foi encontrada em nenhuma entrevista concedida por Stédile, nas redes sociais do MST ou no site oficial do movimento.

O mesmo tema foi objeto de análise do Boatos.org, que destacou que a mensagem se baseia em uma informação sem comprovação: a de que o MST seria responsável pelos incêndios no Pantanal.

O mesmo texto da publicação analisada, sobre a suposta participação do líder do MST nos incêndios, também apareceu seis dias antes, em 22 de setembro, em um blog e, um dia depois, em 23 de setembro, em uma série de postagens no Twitter, com link para um grupo fechado de Facebook chamado “Grupo Elas e Eles com Bolsonaro”.

Investigações

A postagem verificada aqui destaca que “a Polícia Federal está investigando os incêndios criminosos que estão acontecendo no Pantanal, segundo superintendente da PF, há fortes indícios de que o MST e ONGs ligadas ao terrorista João Pedro Stédile estejam agindo ilegalmente, devemos ressaltar que Stédile já fez graves ameaças no sentido de ‘incendiar o Brasil’ caso Bolsonaro vencesse as eleições.” Porém, não há fontes dessas afirmações.

Questionada pelo Comprova via e-mail, a PF respondeu, por meio de sua assessoria, que tem deflagrado diversas operações para combater crimes ambientais, tanto na Amazônia quanto no Pantanal e que “todas elas foram divulgadas amplamente para toda a imprensa”.

Em busca no site do órgão, responsável por investigações de possíveis crimes ambientais, o Comprova não encontrou citações a Stédile ou ao MST nos links que tratam de operações deflagradas a respeito de incêndios no Pantanal e na Amazônia.

A única menção a investigações sobre incêndios no Pantanal no site da PF é uma nota sobre a Operação Matáá, deflagrada em 14 de setembro nas cidades de Corumbá e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. O texto aponta que a investigação identificou o início e a evolução diária dos focos de queimada na região por meio de imagens de satélite e sobrevoos. A nota diz que foram cumpridos 10 mandados de busca e apreensão, mas não divulga os nomes dos investigados.

Segundo reportagem do portal G1 de 24 de setembro, os incêndios “começaram em quatro fazendas de grande porte em Corumbá (MS)”, conforme a investigação da PF. Ainda de acordo com a matéria, “a suspeita é que produtores rurais tenham colocado fogo na vegetação para transformação em área de pastagem”.

Sobre investigações de incêndios na Amazônia, a notícia mais recente no site da PF é de outubro de 2019 e versa sobre cumprimento de mandados para “colher novas provas em investigação que apura associação criminosa suspeita de praticar crimes ambientais em reservas e Unidades de Conservação Federais na Amazônia.”

O The Intercept, em reportagem de novembro de 2019, apontou que entre os suspeitos pelo ‘Dia do Fogo’ na Amazônia “não há nenhuma organização não-governamental”. Também não há material que indique culpa de populações indígenas.

Stédile terrorista?

A postagem verificada aqui também classifica João Pedro Stédile como “terrorista” ao culpá-lo por queimadas no Pantanal. O Comprova consultou o professor de Processo Penal no curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Matheus Felipe de Castro para saber se o fundador do MST poderia ser considerado terrorista segundo a lei brasileira.

O professor apontou que a chamada Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016, artigo 2º) define o que é considerado terrorismo no país, como a prática de atos “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. Essa mesma lei diz, no entanto, que isso “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais”, entre outros.

Para o advogado, seria impróprio pela tipificação penal brasileira chamar o líder de um movimento social de terrorista mesmo se houvesse suspeita de um incêndio, por exemplo, já que este crime possui outra legislação específica.

“Não estou dizendo que um movimento social não poderia começar a praticar o terrorismo, mas você precisaria ter totalmente caracterizado o ato de terrorismo, com razões de xenofobia, discriminação, preconceito de raça, cor, etnia e religião. E nenhuma dessas razões é mencionada naquele artigo (objeto desta verificação). Ele simplesmente diz que a Polícia Federal o investiga [a Stédile] por incêndio no Pantanal e já o chama de terrorista. Só como está colocado ali, é uma utilização indevida e sensacionalista, que não está baseada na legislação” afirmou, em entrevista por telefone.

Na Câmara e no Senado existem projetos de lei que tentam incluir movimentos sociais entre os grupos enquadrados na Lei Antiterrorismo, mas nenhum deles já foi, ou está em vias de ser, aprovado. As situações dos projetos foram consultadas no site das duas Casas.

O Comprova ainda enviou e-mail à PF perguntando se havia investigações contra João Pedro Stédile e se alguma poderia ser tipificada como terrorismo. A PF respondeu que “não se manifesta sobre nomes de investigados, tampouco sobre eventuais investigações em andamento”.

Também checamos o Banco Nacional de Mandados de Prisão, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e o banco de procurados da Interpol e não há qualquer menção ao nome do líder do MST.

Stédile mora na Venezuela?

A assessoria de comunicação do MST informou ao Comprova por mensagem no WhatsApp que Stédile não mora na Venezuela, como pontua o material verificado, mas sim no Brasil. Também reafirmou que ele não ameaçou “incendiar o Brasil” em caso de vitória de Bolsonaro.

Stédile também aparece como membro em situação regular de filiação ao Partido dos Trabalhadores (PT) em Cachoeirinha (RS).

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais que tenham ligação com políticas públicas do governo federal ou com a pandemia do novo coronavírus. É o caso do post verificado aqui.

O Brasil padece de uma série de problemas ambientais, principalmente em decorrência das queimadas que consomem a Amazônia e o Pantanal. Segundo matéria da Folha de S.Paulo, os 14 dias de setembro deste ano já registraram mais focos de incêndio na floresta amazônica do que em todo o mesmo mês no ano passado. Já o Pantanal — apontado como maior planície alagada do Planeta e com um bioma que cobre Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bolívia e Paraguai — é vítima de um dos maiores incêndios da história.

O post divulgado pela página “General Mourão – Eu Apoio” teve mais de 2,5 mil interações no Facebook até 30 de setembro.

O Comprova já verificou outros conteúdos relacionados às queimadas na Amazônia e no Pantanal. Entre eles, um vídeo lançado pela Associação de Criadores do Pará afirma que a Amazônia não está queimando, que o Brasil é o país que mais preserva áreas nativas do mundo, outro sobre publicações nas redes sociais dizendo que indígenas prenderam em flagrante membros de ONGs que seriam incendiários e uma filmagem mostra brigadistas usando técnica de fogo controlado sugerindo que seriam os próprios combatentes responsáveis por incêndios.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-09-30

Vacinas contra a covid-19 não serão capazes de provocar danos genéticos nem vão monitorar a população

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirma vídeo publicado no YouTube, as vacinas mRNA são desenvolvidas para não interferir no DNA humano e não são capazes de provocar danos genéticos. Além disso, essas vacinas nada têm a ver com a instalação de microchips ou com controle social
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no YouTube alega que vacinas contra o novo coronavírus poderão causar danos genéticos irreversíveis e conterão nanopartículas de controle social, que vão permitir o monitoramento de quem for imunizado.

São falsas as alegações sobre as vacinas contra o novo coronavírus feitas em um vídeo que circula na internet. No material, um homem alega que a imunização que usa a técnica mRNA seria capaz de causar defeitos genéticos irreversíveis – o que não é verdade. As vacinas desse tipo são desenvolvidas para não interferir no DNA humano e não são capazes de provocar danos genéticos, segundo Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), ouvida pelo Comprova.

No vídeo, o autor também afirma que nanopartículas serão instaladas nas doses da vacina, com capacidade de monitorar quem for imunizado, sugerindo a participação de Bill Gates. Isso também não é verdade. Uma das vacinas em desenvolvimento contra a covid-19 é a INO-4800, da empresa Inovio, que recebeu uma doação da Fundação Bill & Melinda Gates, e usa uma tecnologia chamada de eletroporação para aumentar a permeabilidade da membrana das células – e nada tem a ver com a instalação de microchips ou com controle social.

Tentamos entrar em contato com o autor do vídeo, mas não recebemos retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Primeiramente, para entender melhor as alegações sobre as vacinas, buscamos conteúdos publicados na imprensa sobre os modelos atualmente em desenvolvimento no mundo, e recuperamos uma entrevista que já havia sido feita pelo Comprova sobre o tema, com uma consultora científica da Sociedade Brasileira de Imunologia. Buscamos também informações nos sites oficiais da Fundação Bill & Melinda Gates, do Centers for Disease Control (CDC) e de empresas farmacêuticas envolvidas na produção de vacinas.

Depois, para confirmar quem é o autor do vídeo, Claudio Lessa, acessamos, além de reportagens encontradas por meio do Google, informações sobre ele em suas redes sociais, no Portal da Transparência da Câmara dos Deputados, já que ele afirma ser servidor concursado do Legislativo, e em um processo contra ele por meio do site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, ao qual fomos direcionados por uma reportagem de junho deste ano. Por Twitter e Facebook, tentamos contato com ele, sem retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de setembro de 2020.

Verificação

Vacinas mRNA

Entre as 40 vacinas contra o novo coronavírus que estão em fase de ensaios clínicos, segundo a Organização Mundial da Saúde, cinco utilizam o mRNA. São elas: Moderna, BionTech (desenvolvida em parceria com a Pfizer), Curevac, Arcturus e People’s Liberation Army (PLA) Academy of Military Sciences/Walvax Biotech. Entre as 151 candidatas em avaliação pré-clínica, 15 se valem dessa técnica.

Normalmente, essas vacinas usam o vírus desativado ou pedaços de proteínas do vírus para provocar uma resposta imune no organismo. As vacinas de mRNA têm pedaços do código genético do vírus, o RNA. Esse material é introduzido nas células do paciente dentro de lipossomos – pequenas bolhas de gordura – e faz com que o próprio corpo humano passe a produzir essas proteínas do vírus.

Ao contrário do que Lessa afirma no vídeo, elas são desenvolvidas para não interferir no DNA humano e são incapazes de causar danos genéticos. Em entrevista ao Comprova, em agosto, Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, explicou que, “biologicamente, não tem evidência nenhuma disso [da possibilidade de que sejam causados danos genéticos]. No caso das vacinas de mRNA, tudo é transparente, tudo é publicado. Os dados estão aí para serem analisados”.

A técnica, moderna, realmente nunca foi utilizada em uma vacina aprovada para uso em humanos, mas o método já é conhecido há décadas e vinha sendo aprimorado mesmo antes dos primeiros casos da covid-19. “Já fazia muito tempo que essa discussão estava em andamento para liberar essas vacinas porque tem evidência robusta de que ela funciona e ela não tem efeitos adversos graves”, afirmou ainda a professora da UFSCPA.

Anthony Fauci

Lessa afirma que a vacina é “desenvolvida e endossada” pelo infectologista Anthony Fauci, considerado o principal especialista em doenças infecciosas dos Estados Unidos. É verdade que Fauci endossa, ou seja, defende, a criação de uma imunização. Porém, Lessa não explica direito o envolvimento de Fauci na produção da vacina. O especialista é diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão norte-americano que tem, entre suas funções, a de garantir a segurança das vacinas no país. Ou seja, ele tem o poder para permitir ou barrar uma vacina, mas não participa de seu desenvolvimento diretamente. Quem as produz são empresas do ramo farmacêutico. Neste momento, há duas em teste no país.

Fauci ficou conhecido mundialmente por ser um dos membros da força-tarefa da pandemia na Casa Branca e se tornou alvo de aliados de Donald Trump por ter contrariado o presidente ao não defender o uso da hidroxicloroquina e ao propor medidas de isolamento mais fortes, afetando a economia.

Bill Gates

Outra figura que Lessa ataca no vídeo é Bill Gates. Na terceira e última vez em que cita o magnata, diz: “Bill Gates deve ter orgasmos múltiplos só de pensar numa possibilidade dessas [controlar os dados dos imunizados], além de promover a drástica redução da população mundial, como é o desejo dele, coisa que ele já declarou publicamente”.

O empresário norte-americano é alvo de apoiadores de Trump há algum tempo, o que se intensificou na pandemia. Lessa engana ao afirmar que o fundador da Microsoft deseja um extermínio. O jornalista distorce afirmações de Gates na Conferência de Segurança, em Munique, em 2017. À época, o empresário disse que o mundo precisava se preparar para uma pandemia: “Os epidemiologistas dizem que uma doença transmitida pelo ar que se propaga rapidamente pode matar 30 milhões de pessoas em menos de um ano”.

Lessa também erra ao afirmar que Bill Gates financia uma vacina que usa o mRNA e que vai controlar os dados de quem a tomar. Em março, a Fundação Bill & Melinda Gates investiu US$ 5 milhões na empresa de biotecnologia norte-americana Inovio Pharmaceuticals, que está testando a INO-4800. Diferentemente das vacinas que usam o mRNA, a da Inovio é “focada na injeção direta de DNA cultivado por cientistas (o coronavírus só tem RNA, então cientistas precisam cultivar o DNA com a ajuda de estruturas bacterianas chamadas plasmídeos) para o interior das nossas células para que elas produzam anticorpos para combater a infecção”, segundo explica reportagem da BBC.

Ela usa uma tecnologia conhecida como eletroporação, que aumenta a permeabilidade da membrana da célula por meio de impulsos elétricos no músculo após a injeção.

A fundação também investiu US$ 150 milhões no Serum Institute of India, maior fabricante mundial de vacinas. Ele trabalha em parceria com a britânica SpyBiotech no desenvolvimento de uma vacina que usa partículas semelhantes ao vírus, as VLPs, na sigla em inglês (Virus Like Particles).

Ou seja, novamente, o que Lessa faz é disseminar desinformação, já que nenhuma das vacinas financiadas por Bill Gates usa partículas que causarão danos ao nosso organismo ou controlarão nossos dados. Em março, questionado em seu blog sobre quais mudanças teremos que fazer para manter a economia com distanciamento social, Gates respondeu que, “eventualmente, nós teremos alguns certificados digitais para mostrar quem se recuperou ou foi recentemente testado ou, quando houver uma vacina, quem a recebeu”. Ou seja, ele não falou sobre usar a vacina como forma de controle social.

O nome do magnata é tão envolvido em teorias da conspiração que o site da Fundação Bill & Melinda Gates até inclui a pergunta “A fundação ou Bill Gates está planejando implantar microchips para rastrear quem se vacinar?” em sua página. Como resposta, informa que isso é falso e encaminha o leitor para uma verificação feita pela agência Reuters.

O autor do vídeo

O homem que aparece no vídeo é Claudio Lessa. Em seu canal no YouTube, que tem mais de 200 mil inscritos, ele afirma que é jornalista, tendo trabalhado para diversos veículos em Brasília até o início dos anos 2000, quando foi aprovado em um concurso para a Câmara dos Deputados. Lessa foi diretor da TV Câmara durante a gestão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à frente da Casa, por indicação do político, mas foi demitido do cargo em 2016, pelo presidente interino Waldir Maranhão (PP-MA), após transmitir, na íntegra, uma entrevista dada por Cunha quando ele já havia sido afastado do cargo e estava impedido, por decisão do STF, de exercer o mandato. A assessoria da Câmara e de Maranhão negaram, na época, que o motivo da demissão do cargo tivesse sido a veiculação do conteúdo.

Em uma reclamação datada de 17 de março de 2016, “em razão de graves irregularidades ocorridas no serviço de comunicação social desta Câmara dos Deputados”, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) escreve que “Lessa tem adotado atitudes infringentes e desconexas com o ordenamento constitucional e legal vigentes, que assegura a liberdade de expressão e de manifestação de todas as pessoas”.

Atualmente, Lessa consta como funcionário do quadro efetivo da Câmara, no cargo de analista legislativo. Ele começou a atuar como servidor em 2004 e tem uma remuneração bruta mensal de mais de R$ 34 mil.

Neste ano, Lessa foi alvo de uma ação civil do governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), para a retirada do ar de conteúdos considerados difamatórios e falsos sobre a família do governador e o uso de hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. No dia 9 de junho, o juízo da 7ª Vara Cível de Vitória concedeu uma liminar ao governador, exigindo que Lessa, o Facebook e o Instagram removessem os vídeos das redes sociais. O processo (n. 0008977-12.2020.8.08.0024), que também pede indenização de R$ 8 mil por danos morais, ainda está em andamento, mas, até a publicação desta checagem, os vídeos que deveriam ter sido retirados do ar ainda estavam disponíveis.

Além do canal no YouTube, Lessa também publica vídeos diários comentando assuntos do momento, na plataforma Vimeo e, no formato podcast, no site Spreaker.com. Ele também mantém um perfil no Twitter e uma página no Facebook, onde, basicamente, republica os links para acesso aos vídeos.

O Comprova tentou entrar em contato com Lessa, pelo Facebook e Twitter, mas ele não respondeu até o fechamento deste texto.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. O vídeo em questão, que teve 180.585 visualizações no YouTube até 30 de setembro, gera medo e desconfiança e pode levar pessoas a decidirem não se vacinar quando a proteção estiver disponível para os brasileiros. O mesmo conteúdo foi publicado pelo site Jornal da Cidade Online, e foi compartilhado no Facebook mais de 56,2 mil vezes. Após ser informado pela Agência Lupa, que também verificou o material, o site fez uma errata – mas manteve o vídeo no ar.

Publicações que tentam desacreditar a importância da vacina já foram verificadas pelo Comprova, como o texto que afirmava que a proteção causa danos irreversíveis ao DNA, o tuíte sobre as vacinas usarem células de fetos abortados e uma teoria conspiratória segundo a qual a proteção teria um microchip para rastrear a população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-09-30

Demarcação de terra indígena em Roraima não tem relação com alta do preço do arroz

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo atribui inflação do arroz à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mas desconsidera fatos básicos a respeito da produção de grãos no Brasil
  • Conteúdo verificado: Vídeo que relaciona a alta do preço do arroz verificado ao longo deste ano no Brasil com a demarcação e homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, realizadas na década passada.

É enganoso o conteúdo do vídeo que relaciona a alta no preço do arroz ocorrida neste ano com a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada em Roraima.

A terra indígena foi identificada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1993, demarcada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e homologada em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Corroborada por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), a demarcação promoveu a expulsão dos arrozeiros da região e a queda da produção do grão em Roraima, como alegam as imagens. O vídeo, no entanto, não leva em conta que o arroz produzido em Roraima representou apenas 0,79% da safra brasileira, na média dos últimos 20 anos – ou seja, desde antes da homologação; e desconsidera que agricultores têm preferido investir na soja, devido à maior rentabilidade.

A própria Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), fonte dos dados utilizados nos gráficos apresentados, destacou que a alta acumulada de 19,25% no preço do arroz desde o início do ano é resultado de seis fatores, entre eles a alta do dólar, a maior exportação e a pandemia da covid-19.

Diretor de assuntos internacionais da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Mário Eduardo Figueira Pegorer esclareceu que a produção de Roraima já foi mais expressiva, mas que “ela não tem nada a ver com a alta do preço do arroz neste ano”. “Se tem um culpado, é o novo coronavírus”, diz.

Como verificamos?

O primeiro passo foi verificar as informações divulgadas sobre a produção de arroz em Roraima. Como os dados eram creditados à Conab, entramos no site da companhia. Nele, é possível encontrar a série histórica das safras de arroz, desde 1976, tanto por área plantada quanto por produção.

Depois, fizemos o levantamento de qual o aumento do preço do arroz em 2020 no Brasil e a que essa alta é atribuída. Para isso, usamos os levantamentos mensais do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e reportagens feitas por A Gazeta, pelo Jornal CORREIO, pelo G1 e pelo Fantástico.

Também buscamos informações sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, por meio do portal Terras Indígenas do Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA). Nele, há informações sobre a demarcação de terras indígenas e notícias relacionadas. Nessa última página, uma matéria do Conselho Indigenista Missionário traz os números da petição e da portaria relacionadas à Raposa Serra do Sol e uma reportagem especial do Estadão.

Para analisar as informações encontradas e as divulgadas feitas por meio do vídeo investigado, entrevistamos ainda um especialista da Abiarroz. Também questionamos, por e-mail, a própria Conab sobre o cenário nacional; e acionamos o Governo de Roraima, que deu detalhes sobre a produção de arroz e a agricultura no estado.

Verificação

Por que o arroz aumentou?

De acordo com as informações mais recentes do IBGE, divulgadas no dia 9 de setembro e referentes ao mês e agosto, o preço médio do arroz subiu 19,25% desde o início deste ano. Consequentemente, diversos veículos de comunicação, como o G1, A Gazeta, CORREIO e o Fantástico, fizeram matérias repercutindo a alta e explicando os fatores que a motivaram. Entre eles estão:

  • Valorização do dólar frente ao real, que encareceu insumos agrícolas, deixou o arroz brasileiro mais barato para o mercado internacional e tornou mais vantajosa a exportação do grão;
  • Período de entressafra do arroz, que acontece no segundo semestre de cada ano;
  • Aumento da demanda por causa da pandemia do novo coronavírus.

Além desses três motivos, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), procurada pelo Comprova, também citou:

  • Patamares elevados do preço internacional antes da crise da covid-19;
  • Menor disponibilidade de importação de arroz dos parceiros do Mercosul;
  • Redução da área de arroz no Brasil nas últimas duas safras, como consequência do resultado das baixas rentabilidades identificadas nos últimos anos.

Diretor de assuntos internacionais da Associação Brasileira das Indústrias de Arroz (Abiarroz), Mário Eduardo Figueira Pegorer explicou a dinâmica do mercado. “Em termos de preço internacional, o arroz não teve uma variação muito grande. Porém, a tendência é o preço do arroz no Brasil ir para a cotação média internacional. Como houve uma desvalorização muito forte do real bem no início da nossa safra, houve essa alta expressiva aqui”, esclareceu.

A demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol

Diferentemente do que sugere o vídeo, a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol não é resultado de uma “canetada do governo Lula” – mas, sim, de um processo judicial que durou anos no Supremo Tribunal Federal (STF) e que teve como origem a portaria 820 do Ministério da Justiça, em 1998. A judicialização do caso aconteceu no ano seguinte, 1999, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Somente em 2005 o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que homologava de forma contínua o território da terra indígena, atendendo a uma demanda dos próprios índios da região. A portaria 534/2005 alterava a anterior, de 1998. Dois anos depois, o STF determinou a saída dos outros povos, incluindo os rizicultores – produtores de arroz -, que pediam que fosse esperado o período da colheita.

Após a safra, os produtores de arroz permaneceram no local e o Instituto Nacional de–Colonização e Reforma Agrária (Incra) deu início ao reassentamento. Líder dos arrozeiros e então prefeito do município de Pacaraima (RR), Paulo César Quartiero acabou preso pela Polícia Federal, após um atentado contra indígenas, ocorrido em maio de 2008.

Em março de 2009, o STF encerrou o julgamento da petição 3388, que questionava a demarcação da Raposa Serra do Sol, e a manteve contínua. Relator do caso, o ministro Ayres Britto declarou no voto que “a presença dos arrozeiros subtrai dos índios extensas áreas de solo fértil, imprescindíveis às suas atividades produtivas, impede o acesso das comunidades indígenas aos rios Surumu e Tacutu e degrada os recursos ambientais”.

No mesmo julgamento, o STF também decidiu que os produtores deveriam sair imediatamente da região. O ministro Gilmar Mendes foi um dos que votou a favor desta retirada: “Uma vez reconhecida a ilegalidade da ocupação deles, acho que não se justifica qualquer prazo para que eles continuem produzindo ilegalmente dentro da terra indígena e causando danos às comunidades”.

Atualmente, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol abriga mais de 26 mil índios de cinco povos, conforme levantamento feito neste ano pelo Instituto Socioambiental (ISA). O território tem 1.747.000 hectares e fica dentro da Amazônia Legal. No extremo norte de Roraima, ela faz parte de três municípios: Normandia, Pacaraima e Uiramutã.

O impacto na produção de arroz de Roraima

Por causa da demarcação e homologação da terra indígena, o vídeo afirma que “os arrozeiros viram as áreas plantadas encolherem pela metade” – o que não é verdade. De acordo com dados históricos da Conab, havia 25.500 hectares de plantação em 2005. Essa área só chegou à metade entre 2015 e 2016, mais de cinco anos após a retirada dos produtores da região.

No que diz respeito à produção em si, houve três reduções significativas. A primeira aconteceu entre as safras de 2004/05 e 2006/07; e a segunda na de 2008/09. “Eu me lembro que, na época, havia alguns projetos de expansão e produtores foram afetados. Esses pontos de queda podem ser em virtude da Raposa Serra do Sol”, explicou Mário Pegorer, da Abiarroz.

 

A preferência pela soja

Desde 2001, a menor produção de arroz aconteceu na safra de 2015/16. Nesse período, a produção de soja em Roraima apresentou o quinto crescimento consecutivo, superando a do arroz em 19 mil toneladas. Essa mudança do cenário agrícola no estado é mencionada pelo vídeo, mas também é atribuída – equivocadamente – à demarcação da terra indígena.

“Esse ponto de inflexão e esse preterimento do arroz está acontecendo em várias regiões, porque a soja tem um atrativo muito forte. A remuneração é melhor, os preços são maiores. Então, os produtores optam por ela”, explicou Mário Pegorer, da Abiarroz. Segundo a Conab, a nível de produtor, o preço da saca (60 kg) do arroz era R$ 66 e da soja, R$ 112 no último mês de agosto, em Roraima.

“Em 2020, a soja teve um salto de área de 50 milhões de hectares, mais que dobrou”, afirmou o governo de Roraima, por meio de nota. De acordo com a Secretaria Estadual de Planejamento e Desenvolvimento, esse investimento na soja é um dos principais fatores que contribuíram para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do estado.

Qual a importância diante da produção e do consumo nacionais?

Na média dos últimos 20 anos, a produção de arroz de Roraima representou apenas 0,79% de toda a produção brasileira. Nesse período, a maior representatividade aconteceu na safra de 2007/08 – após a homologação da terra indigena, mas com a questão ainda judicializada -, quando chegou a 1,05% da nacional, com 127 mil toneladas produzidas. Em termos absolutos, a maior safra aconteceu três anos antes, com 135 mil toneladas.

“Se você pensar que o Brasil vai precisar importar cerca de 200 mil toneladas de arroz de países de fora do Mercosul, essa produção (antiga, de 135 mil toneladas) é significativa. Tem a sua importância para o abastecimento interno. Apesar disso, ela não tem nada a ver com a alta do preço do arroz neste ano”, afirmou Mário Pergorer.

Já o governo de Roraima ressaltou que o arroz produzido no estado tem, tradicionalmente, a Venezuela como principal destino. No ano de 2018, as exportações também foram significativas para a Holanda e Guiana. Além disso, o grão serve apenas ao mercado local e do Amazonas.

Por que investigamos?

Na terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais e que tenham ligação com políticas públicas do governo federal ou com a pandemia da covid-19. É o caso do vídeo que relaciona a alta no preço do arroz brasileiro neste ano com a demarcação e homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2005.

As disputas por terras indígenas têm aparecido com frequência em postagens nas redes sociais que questionam ou criticam o direito das comunidades indígenas de permanecerem nas próprias terras – que, neste caso, faz parte da Amazônia Legal, que tem sofrido com diversas queimadas e informações falsas sobre a respectiva preservação.

Esta também não é a primeira vez que conteúdos tentam atribuir problemas enfrentados na região da Amazônia aos povos indígenas. O Comprova verificou recentemente conteúdos relacionados à questão, como um vídeo que deturpava informações sobre a atuação do governo na preservação da Amazônia e uma fotografia retirada de contexto para afirmar que ONGs provocavam queimadas na Amazônia. Em 2019, o Comprova também mostrou que era falso um texto compartilhado no Facebook afirmando que terras indígenas em Rondônia tinham sido vendidas a uma empresa irlandesa.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo que usa dados imprecisos e induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou que confunde, com ou sem a intenção de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-09-28

Texto usa erroneamente dados preliminares para ligar queda de homicídios a aumento de armas de fogo

  • Enganoso
Enganoso
Texto compara dados preliminares com dados consolidados – um erro metodológico – e não leva em conta diversos aspectos relevantes para correlacionar números de armas vendidas com números de homicídios. O próprio Ministério da Saúde afirmou ao Comprova que “os dados de óbitos levam dois anos para serem consolidados” e que “não é correto comparar dados fechados com preliminares”
  • Conteúdo verificado: Publicação em site que divulga uma análise do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), na qual o autor relaciona a queda de homicídios no Brasil com a alta do registro de armas de fogo durante os últimos anos.

É enganosa uma publicação segundo a qual o Brasil teve, em 2019, o menor índice de homicídios por armas de fogo desde 1999 e que isso ocorreu a despeito do aumento do número de armas de fogo em circulação.

O texto é baseado em um estudo, de responsabilidade do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes, uma organização independente e sem relação com o governo), que compara dados preliminares com dados consolidados – um erro metodológico – e não leva em conta diversos aspectos relevantes para correlacionar números de armas vendidas com números de homicídios.

Os assassinatos com arma de fogo, de acordo com documentos consultados pelo Comprova, ainda são uma parcela significativa do total de homicídios no Brasil, mas seu crescimento vem desacelerando desde que o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor, em 2003. Além disso, especialistas afirmam que o efeito do maior número de armas só poderá ser avaliado a médio e longo prazos.

O autor do artigo do Cepedes não considera nenhum dos aspectos listados acima. A análise se apoia em números oficiais, mas preliminares. O próprio Ministério da Saúde, órgão responsável pelas informações, afirmou ao Comprova que “os dados de óbitos levam dois anos para serem consolidados” e que “não é correto comparar dados fechados com preliminares”.

Os dados consolidados mais recentes disponibilizados pelo Datasus são referentes a 2018. Eles são utilizados por pesquisas como o Atlas da Violência, feito por especialistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), lançado no final do mês de agosto.

Como verificamos?

A verificação começou com a busca das informações que embasam a análise feita pelo Cepedes. O próprio autor do estudo, Fabrício Rebelo, destaca que utiliza “dados preliminares” do ano passado, disponíveis no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

Por meio do Datasus, foram levantados os números de óbitos nas 12 categorias relacionadas a armas de fogo, chegando ao total preliminar de 2019. Na mesma página é possível levantar as mortes por tais causas ocorridas durante os anos anteriores.

No que diz respeito ao armamento da população, o Projeto Comprova entrou em contato com a Polícia Federal, que disponibilizou o número de registros de armas de fogo feitos no país desde 2009 – com uma categoria específica relacionada a pessoas físicas.

Além de consultas ao Atlas da Violência de 2020 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram ouvidos quatro especialistas: Luiz Cláudio Lourenço, do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade da Universidade Federal da Bahia; Leonardo Carvalho, do Instituto Sou da Paz; Jose Ignacio Cano Gestoso, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj); e Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Verificação

Os números

Os dados levantados pelo Cepedes existem e estão disponíveis no site do Ministério da Saúde (MS), mas não são dados definitivos. Segundo o próprio ministério, os números de óbitos levam dois anos para serem consolidados e, por isso, não é correto comparar dados fechados com preliminares, como feito pelo artigo em questão.

Rebelo aponta, fazendo essa comparação, que os homicídios registraram a maior queda desde 1999 no Brasil, sobretudo os cometidos com arma de fogo. A queda, comparando os números preliminares de 2019 com os consolidados de 2018, seria de 26,65%, saindo de 41.179 registros de mortes intencionais com emprego de arma de fogo em 2018, para 30.206 em 2019 – ainda maior do que os 13,33% de queda no mesmo item comparando dados, agora consolidados, de 2018 com relação a 2017.

O pesquisador usa esses resultados para falar que dois anos de uma série consolidada mostram recordes inversos: enquanto o número de homicídios com emprego de armas de fogo vem caindo, o número de vendas de armas vem subindo no mesmo período. “A relação entre armas legalmente postas em circulação e quantidade de homicídios se revelou inversamente proporcional”, afirma Rebelo, na conclusão do artigo.

Para especialistas ouvidos pelo Comprova, a conclusão é enviesada e não leva em conta o impacto do Estatuto do Desarmamento, de 2003, na queda do número de homicídios com emprego de arma de fogo.

Estatuto do Desarmamento

Divulgado no mês de agosto deste ano, o Atlas da Violência 2020 tem um trecho dedicado ao número de mortes por armas de fogo. Os pesquisadores apontam dados que mostram como o Estatuto do Desarmamento, de 2003, foi fundamental para frear a escalada de homicídios que ocorria desde 1980 no Brasil.

De acordo com o Atlas da Violência, a taxa de homicídios por arma de fogo a cada 100 mil habitantes teve um crescimento médio de 5,8% entre os anos de 1999 e 2003; de 5,9% entre 1989 e 2003; e de 6% de 1980 a 2003. Nos quinze anos após o Estatuto (entre 2003 e 2018), a velocidade média de crescimento anual dessas mortes diminuiu para 0,9%.

Os pesquisadores concluem que, antes de 2003, quando foi sancionado o Estatuto do Desarmamento, “a velocidade de crescimento das mortes era cerca de 6,5 vezes maior do que a que passou a vigorar no período subsequente”. Apesar disso, não houve tanta alteração na velocidade de crescimento das mortes por outros meios, que não a arma de fogo.

O sociólogo Luiz Cláudio Lourenço, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade, da Universidade Federal da Bahia (Lassos/Ufba), rejeita a declaração de que a venda de armas não tem efeito sobre as mortes por arma de fogo. “A finalidade da arma de fogo é matar. É como você falar que um explosivo não serve para explodir”, declarou.

Ignacio Cano, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), considera “oportunista” dizer que uma queda de homicídios em 2019 está ligada ao porte de armas.

Segundo Leonardo Carvalho, coordenador de projetos e pesquisador do Instituto Sou da Paz, também não há ainda um estudo que aponte que a política apoiada pelo governo federal, de liberação de mais armas para civis, redunde em mais segurança para a população.

“Não tem ainda nenhum estudo que mostre que esse tipo de iniciativa política redundou em mais segurança para a população. O que a gente teme é justamente o contrário, que mais armas redundem em mais violência. Para você ter causalidade, você tem que ligar uma coisa à outra, usar o dado isolado é uma falácia”, completa.

Na edição de 2020, o Atlas da Violência reafirma uma conclusão já consolidada em edições anteriores e bastante debatida na publicação do ano passado: a de que a flexibilização da política de acesso a armas e munição tem uma forte influência no aumento dos índices de crimes violentos letais intencionais, os chamados CVLIs.

Venda de armas de fogo

O artigo de Rebelo cita números corretos de registros de novas armas de fogo no País. O autor usou como fonte uma reportagem do jornal O Globo, que indicou alta de 24% entre o número de armas novas registradas de janeiro a novembro de 2019 e todo o ano de 2018. No período coberto pela matéria, o presidente Jair Bolsonaro editou oito decretos sobre posse de armas de fogo que facilitaram o acesso da população a revólveres e pistolas.

O Comprova também analisou os dados de registros de armas de fogo fornecidos pela Polícia Federal. No total, o número de armas novas registradas por pessoas físicas em 2019 foi de 61.821, um salto de 67% em relação ao ano anterior. Em nosso levantamento, consideramos armas compradas por cidadãos comuns, servidores públicos e caçadores de subsistência. Todas essas categorias estavam englobadas na nomenclatura “pessoa física” em 2018.

O aumento no número de registros de novas armas de fogo em 2020 deve ser ainda maior. Considerando apenas o período de janeiro a maio — meses dos dados mais recentes disponibilizados pela Polícia Federal — a alta neste ano é de 184%, em comparação com o mesmo período de 2019.

 

Dos civis para o mercado ilegal

Segundo Leonardo Carvalho, do Instituto Sou da Paz, quanto mais armas circulando, mesmo que legalmente, maior a chance de elas irem parar no mercado ilegal. O efeito disso não vai ser visto imediatamente. “Essas armas que estão hoje no mercado legal, de repente são subtraídas e vão parar no mercado ilegal. A vida útil dela vai de 60 a 80 anos”.

“Se você tira a arma de circulação, acabou. Mas enquanto ela está circulando, ela está sendo usada. A gente já viu apreensão de arma da Segunda Guerra Mundial. Com o avanço tecnológico, tem armas com uma vida útil muito grande”, completa Leonardo. Ou seja, o impacto da circulação dessas armas sobre os dados de letalidade ainda vai demorar um pouco a aparecer.

É uma conclusão parecida com a do professor Ignacio Cano, da Uerj. “As armas que estão sendo difundidas vão provocar violência a longo e médio prazo. O impacto dessas armas não se mede a curto prazo. Quanto mais armas circularem no mercado formal, mais armas vão aparecer no mercado ilegal e mais baixo vai ser o preço dessas armas no mercado ilegal”, explica.

Números preliminares

Embora os números apresentados por Fabrício Rebelo existam e estejam disponíveis no site do Ministério da Saúde, eles são ainda preliminares. Pesquisadores ouvidos pelo Comprova não recomendam o uso destes para fazer comparações, uma vez que pode haver variação até a consolidação, em um prazo de dois anos.

O Comprova questionouRebelo quanto ao uso de dados preliminares. Ele afirmou que as informações do Datasus apresentam “variação mínima entre a divulgação preliminar e os definitivos”. Leonardo Carvalho, do Instituto Sou da Paz, considera a posição de Rabelo “bem equivocada”.

Carvalho explica que o Datasus libera dados preliminares “como uma medida de engajar os estados” e afirma que “nenhum estudo sério considera esses dados”. Segundo Ignacio Cano, os números não costumam variar muito nacionalmente, mas podem apresentar discrepâncias regionais. Leonardo Carvalho exemplifica: “Pelos dados preliminares do Datasus, o Rio de Janeiro teria uma redução de 56% de mortes por arma de fogo e 54% no total, comparando 2019 a 2018. Eu queria muito que fosse verdade, mas não vai ser. Historicamente, o RJ e nenhum outro estado teve uma queda tão grande de um ano para outro”.

Daniel Cerqueira, que é técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea e coordenador do Atlas da Violência 2020, ressaltou que não existem dados revisados do Ministério da Saúde sobre óbitos de 2019.

“Os dados de óbitos que os estados começam a enviar preliminarmente referentes a 2019 estão muito longe de serem adequados para análise, porque existem muitas informações que precisam ser checadas pelo MS, principalmente a causa básica da morte (se foi agressão, violência auto infligida ou acidente). É um trabalho difícil e cuidadoso que o MS faz, motivo pelo qual demora quase dois anos para liberar os dados oficiais revisados”, destacou Cerqueira. Para ele, o pesquisador que faz análise com dado preliminar está cometendo um “erro grosseiro” e, por isso, “qualquer análise dessa natureza não pode ser levada a sério”.

Leonardo Carvalho defende o uso dos números do Datasus, mas diz que é preciso aguardar a publicação dos dados definitivos. “O Datasus é uma referência para a gente falar de homicídio no país, é uma metodologia conhecida e que está rodando desde a década de 1970. Mas você não vai ver nenhum estudo sério usando dados preliminares”, afirma.

Qualidade dos dados

Há duas fontes de dados principais no Brasil usadas para tratar de números da violência: o Datasus, do Ministério da Saúde, e os dados enviados pelas secretarias estaduais de Segurança Pública, com números de crimes. Para pesquisadores, no entanto, os números do Datasus são os mais consistentes e confiáveis, já que têm abrangência nacional e são alimentados seguindo uma mesma metodologia – o que não acontece com a contabilização dos estados.

Apesar disso, segundo texto publicado no Atlas da Violência, até mesmo os números do Datasus têm perdido qualidade por causa do não preenchimento correto das informações sobre vítimas e incidentes e, sobretudo, porque em alguns casos não se consegue estabelecer a causa básica do óbito ou a motivação que gerou o fato. Ou seja, não dá para dizer se a pessoa cometeu suicídio, foi vítima de acidente de trânsito ou de uma agressão por terceiros ou por intervenção legal (homicídios).

“Nesse caso, o óbito fica classificado como uma morte violenta com causa indeterminada (MVCI), e a sociedade e o Estado ficam sem saber por que o cidadão morreu. Com isso, muitos casos de homicídio ficam ocultados, fazendo com que o principal termômetro da violência letal nos estados deixe de funcionar adequadamente. Entre 2017 e 2018, o número de MVCI aumentou 25,6%”, aponta o Atlas da Violência.

O Atlas considera alguns resultados “escandalosos”. Por exemplo, a taxa de MCVI em São Paulo em 2018 foi de 9,4 para cada 100 mil habitantes, enquanto a taxa de homicídios foi menor, de 8,2 para cada 100 mil habitantes. Em publicação de 2013, Daniel Cerqueira, coordenador do estudo, estimou que, no Brasil, “73,9% das MVCI eram, na verdade, homicídios que ficaram ocultos, em face do desconhecimento da informação correta”.

O autor e a página

Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes) e autor do artigo verificado, Fabricio Rebelo já foi diretor do Movimento Viva Brasil, que se descreve como “associação civil sem fins lucrativos em defesa do direito de possuir e portar armas” e é presidido por Bene Barbosa, um dos principais nomes contra o desarmamento da população no Brasil. Tratando-se como amigos, os dois já realizaram palestras juntos em prol do armamentismo, em um evento realizado em fevereiro deste ano em Mato Grosso do Sul.

Questionado pelo Comprova, Rebelo declarou que não considerou o aumento de mortes por causas violentas indeterminadas ao analisar a evolução de homicídios por arma de fogo. Ele argumentou que “os dados analisados são objetivos, considerando as variações diretas dos indicadores disponibilizados no Datasus”. Rebelo disse ainda que “a pesquisa não busca causas ou determinantes sociais, mas, apenas, evidenciar que a relação ‘armas x homicídios’ é imprópria”. Os demais especialistas consultados nesta verificação criticaram a ausência de contexto dos dados.

Já o site Senso Incomum, que divulgou o artigo, se coloca como publicador de “notícias e opiniões contra a corrente”. No entanto, essa não é a primeira vez que a página publica conteúdos problemáticos. No último dia 15 de setembro, a página compartilhou uma informação enganosa sobre a inconstitucionalidade do voto impresso, que chegou a ser verificada e esclarecida pelo Projeto Comprova.

Por que investigamos?

Na terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos relacionados à covid-19 e a políticas públicas do governo federal. Informações falsas ou enganosas como a checada acima são prejudiciais à sociedade e contribuem para uma interpretação distorcida da realidade.

No conteúdo verificado, a relação equivocada entre a queda de homicídios e a alta de registros de armas de fogo pode afetar discussões de temas importantes à sociedade, como segurança pública. Incluindo Facebook e Twitter, as publicações foram curtidas por cerca de 2,5 mil pessoas.

No ano passado, o Projeto Comprova fez duas verificações semelhantes. A primeira de um artigo que enganava os leitores ao vincular o maior número de armas a menores índices de violência, por meio de estatísticas incompletas do Brasil e dos Estados Unidos. Já a segunda, de uma publicação enganosa que atribuía melhorias nos índices de segurança ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos, que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-09-25

Vídeo deturpa informações sobre a atuação do governo na preservação da Amazônia

  • Enganoso
Enganoso
Bolsonaro não foi o responsável por criar Conselho da Amazônia e seu governo não foi o que mais destinou verba aos indígenas
  • Conteúdo verificado: Vídeo que circula nas redes sociais defende a atuação do governo Jair Bolsonaro na preservação da Amazônia usando dados enganosos.

Vídeo que viralizou nas redes sociais traz informações deturpadas sobre a atuação do atual governo no combate às chamas e na preservação da Amazônia brasileira. A produção audiovisual “Preservar a Amazônia” afirma que Jair Bolsonaro (sem partido) criou um conselho para atuar na proteção da floresta e que “é a primeira vez na história que um governo mobiliza todas as suas forças para combater, de verdade, os ilícitos ambientais.” Não é verdade. Bolsonaro reformulou o Conselho Nacional da Amazônia Legal, órgão regulamentado em 1993 por Itamar Franco.

Ao afirmar que a gestão atual prestou mais assistência em saúde aos povos indígenas do que nos últimos cinco anos, a gravação desconsidera os recursos voltados a essa população. Segundo o site Siga Brasil, sistema de informações sobre orçamento público federal, a verba destinada à assistência aos indígenas em 2020 é a menor desde 2015 (R$ 1,4 bilhão).

A peça alega, ainda, que o “país irá prover a segurança alimentar do mundo. Já somos responsáveis por alimentar 1 bilhão de pessoas no planeta”. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), essa conta teria como base dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Porém, o órgão, braço das questões ligadas à fome na ONU afirma que é difícil estabelecer essa estatística de maneira precisa. A FAO tem dados sobre a quantidade nutricional necessários ao ser humano, mas não estudos que indiquem o potencial de pessoas que cada país consegue alimentar com sua produção.

Além disso, especialistas contestam a metodologia da Embrapa argumentando que não é possível comprovar quantas pessoas são beneficiadas por alimentos oriundos do Brasil, já que muitos produtos exportados – grãos, principalmente – são usados para alimentar animais, não humanos. O papel do Brasil na segurança alimentar do planeta também é posto em cheque pela FAO e por pesquisadores.

O mesmo vídeo, que viralizou nas redes via Twitter, foi publicado anteriormente pelo deputado federal Coronel Armando (PSL-SC). Ele não soube informar a origem da gravação e, questionado sobre as informações distorcidas, negou qualquer desinformação e disse que o material não tem “a distorção produzida por uma parte da grande imprensa”.

Como verificamos?

Por meio de pesquisa de imagem reversa nas ferramentas InViD e Google Imagens, foi possível encontrar a primeira vez em que o vídeo aparece, na página do deputado coronel Armando, com quem conversamos por mensagem no Facebook.

Em sites como Google e Siga Brasil, fizemos buscas sobre o papel do país na segurança alimentar do planeta, a atuação do governo federal da proteção dos índios e na preservação da Amazônia.

Também conversamos com especialistas para abordar esses tópicos e esclarecer dúvidas. Entrevistamos o professor de sociologia de desenvolvimento rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sergio Schneider, e o professor de Economia Agrícola do Instituto de Economia da Unicamp, Walter Belik. Falamos ainda com o Instituto de Estudos Socioeconômico (Inesc) e Greenpeace — ONGs que trabalham na preservação dos povos indígenas e do meio ambiente —, e com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.

Acionamos, ainda, órgãos do governo para confirmar informações, como Embrapa, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Ministério da Saúde e Fundação Nacional do Índio (Funai).

Verificação

Criação do conselho

O vídeo afirma que “Jair Bolsonaro criou um conselho para atuar na proteção da floresta brasileira” e que “é a primeira vez na história que um governo mobiliza todas as suas forças para combater, de verdade, os ilícitos ambientais”.

O Conselho Nacional da Amazônia Legal foi regulamentado em 1993, pelo então presidente Itamar Franco. Um dos objetivos era coordenar uma “política nacional integrada para a região amazônica” e, para isso, era composto por ministros e representantes dos governos dos estados que compõem a Amazônia.

Em junho de 1995, Fernando Henrique Cardoso publicou um novo texto, com algumas mudanças – como a inclusão do novo nome do ex-Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, que passou a se chamar Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, e da sigla Conamaz para designar o conselho.

No mês seguinte daquele mesmo ano, ao discursar em uma audiência do Conamaz, FHC falou sobre o surgimento do conselho: “Este órgão, em si mesmo, já mostra a importância que o governo da República – não o meu, mas em geral, desde o governo anterior, quando já tínhamos essa organização – atribui à questão da região amazônica. Este tipo de conselho é uma peculiaridade na nova organização política-administrativa brasileira, porque aquela é a única região do Brasil onde há formalmente um mecanismo de entrelaçamento do governo federal com os governos estaduais e com os vários níveis de administração”.

O que Bolsonaro fez foi reinstalar o órgão, apesar de tê-lo anunciado como novidade em resposta às cobranças de entidades ambientais. Em janeiro deste ano, no Fórum Econômico de Davos, ele afirmou que criaria um conselho para a proteção da Amazônia. Segundo ele, o objetivo é “coordenar as diversas ações em cada ministério voltadas para a proteção, defesa e desenvolvimento sustentável da Amazônia”.

Menos de um mês depois, em 11 de fevereiro, Bolsonaro assinou o decreto que dispõe sobre o Conselho Nacional da Amazônia Legal, revogando o decreto de FHC, de 1995 – que, por sua vez, anulou o de Itamar, de dois anos antes. A sigla do órgão passou a ser CNAL.

Se em seu formato anterior, o conselho ficava sob o guarda-chuva do Ministério do Meio Ambiente, agora ele foi transferido para a vice-presidência da República – Hamilton Mourão é o seu presidente. Além disso, os governadores da região amazônica, que faziam parte do conselho, foram excluídos do texto de Bolsonaro. Questionado sobre essa mudança, o presidente afirmou que ter governadores no grupo “não resolveria nada”, mas que não tomaria decisões sem falar com eles.

Povos indígenas

“Hoje, o Brasil é um país que cuida não só do seu território, mas da sua gente. Os índios que vivem na Amazônia e em outras partes do país querem proteção, como todos nós, mas querem, acima de tudo, liberdade.” Assim o vídeo introduz a afirmação de que Bolsonaro prestou mais assistência em saúde aos indígenas do que nos últimos cinco anos e ataca as ONGs.

O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena, informou que desde 2019 foram realizados 21 milhões de atendimentos, enquanto que, entre 2014 e 2018, foram 19,6 milhões. Mas, ao informar apenas sobre o número de procedimentos, o órgão não leva em conta os recursos voltados às populações indígenas.

Uma consulta simples no site Siga Brasil, que reúne informações sobre orçamento da União, mostra que o orçamento planejado para assistência aos povos indígenas neste ano, de R$ 1,4 bilhão, é o menor desde 2015. Em 2017, na presidência de Michel Temer, os recursos planejados foram de R$ 1,8 bilhão.

Em nota enviada ao Comprova, o Instituto de Estudos Socioeconômicos, afirma que houve uma redução nos valores do programa “Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena”, do governo federal: “Houve uma queda de 9% no valor autorizado entre 2019 e 2020. Isto, seguido de uma queda de 5% entre 2018 e 2020, totalizando um corte de 14% se comparado ao orçamento autorizado para 2018”.

Sobre assistência durante a pandemia, o Ministério da Saúde afirmou que “foram realizadas 14 missões interministeriais de atendimento em áreas indígenas, garantindo reforço aos atendimentos realizados pelos 14 mil profissionais” e que enviou “mais de 2,5 milhões de equipamentos de proteção individual, medicamentos, insumos e testes rápidos”.

Entretanto, a nota do Inesc ressalta ainda que “apesar da chegada do novo coronavírus, não houve recomposição orçamentária nem mesmo através de créditos extraordinários, o que seria tanto justificado pela vulnerabilidade indígena diante da pandemia, como autorizado pelo regime fiscal especial decorrente da emergência sanitária”. Para Leila Saraiva e Alessandra Cardoso, assessoras políticas do instituto que assinam a nota, “o governo federal tem falhado seriamente no enfrentamento do novo coronavírus entre os povos indígenas”.

Danicley Aguiar, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace, fala em incompetência do governo. “A verdade é que o governo se preparou para enfrentar uma gripe e não foi capaz de propor um plano eficiente de combate à covid-19, do contrário, não teria sido instado pelo STF a fazê-lo”, afirmou

O papel do Brasil na segurança alimentar mundial

Em determinado trecho do vídeo verificado, há a afirmação de que o Brasil “é o país que irá prover a segurança alimentar do mundo. Já somos responsáveis por alimentar um bilhão de pessoas no planeta”. Não há menção à fonte desses dados. Questionamos Embrapa e Ministério da Agricultura sobre qual o papel do Brasil nessa questão mundial e se há algum tipo de estudo sobre isso. Também indagamos os dois órgãos sobre quantas pessoas o país é responsável por alimentar no planeta e como é feita essa mensuração.

Somente a Embrapa retornou ao pedido do Comprova por e-mail. A mensagem da empresa explica que “a informação de que a agropecuária brasileira alimenta hoje mais de 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo a partir de um dado da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO-ONU), de que uma pessoa precisa de 250 kg de alimentos por ano para ter segurança alimentar. A partir desse dado, foi feito o seguinte cálculo: só com a produção de grãos (250 milhões de toneladas por ano), o Brasil alimenta 1 bilhão de pessoas. Se for somado a esse total 30 milhões de toneladas de tubérculos (mandioca, batata, batata doce, inhame etc), 35 bilhões de litros de leite, 60 milhões de toneladas de frutas e hortaliças e 31 milhões de toneladas de açúcar, chega-se ao redor de 1,5 bilhão de pessoas. Não está incluída no cálculo a produção brasileira de proteína animal (bovinos, caprinos, ovinos, suínos, aves, ovos, pescado). Para chegar a esta estimativa de 250 kg por habitante: a FAO calcula que uma pessoa precisa, por dia, no mínimo (varia com idade, peso, atividade, por exemplo), de 2,5 mil calorias/dia. Para obter 2,5 mil calorias/dia, uma pessoa precisa, em média, de 0,70 kg de grãos (arroz, feijão, trigo, milho, soja, por exemplo) por dia. Em 365 dias são aproximadamente 250 quilos por habitante.”

De acordo com Carlo Cafiero, gerente do projeto Voices of the Hungry (Vozes da Fome, em tradução livre) e líder da equipe de segurança alimentar e estatísticas nutricionais da FAO, é impreciso dizer quantas pessoas os alimentos produzidos no Brasil são capazes de alimentar. Em resposta ao Comprova, por e-mail, ele explica que é extremamente complexo rastrear dados e fazer essa avaliação: “Existem muitas etapas intermediárias da produção agrícola ao consumo de alimentos, especialmente para commodities comercializadas internacionalmente”.

Para o professor de sociologia de desenvolvimento rural da UFRGS, Sergio Schneider, afirmações assim não são precisas e tendem a ser equivocadas. “’O Brasil produz uma quantidade x de toneladas de grãos, por exemplo. Mas essas toneladas são transformadas em alimentos não para seres humanos, mas para animais. A soja é transformada em farelos para bovinos e suínos. Essa estatística eu temo que ela seja muito difícil de ser estabelecida.”, pondera o docente.

Para Schneider, que também coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento (Gepad), não há clareza em como o cálculo foi feito: “Suponho que, simplesmente, tenha sido tomado a quantidade de toneladas produzidas e dividida por uma quantidade de calorias/dias que uma pessoa deve consumir. Não esqueçamos que, do ponto de vista nutricional, as pessoas não devem comer só um tipo de comida. Por exemplo, derivados de grão ou de proteína animal. É muito complicado pegar essas informações sobre a quantidade produzida de grãos e de carnes que o Brasil exporta e dizer que isso gera um abastecimento para um número x ou y de pessoas. Essa informação não é usada no mundo acadêmico, nem entre pesquisadores e cientistas, porque é de difícil comprovação e não é uma estatística adequada que possa servir para medir a eficiência de um determinado sistema de produção.“

O professor de Economia Agrícola do Instituto de Economia da Unicamp, Walter Belik, reforça a avaliação do colega gaúcho. “Não existe essa estatística de que o Brasil alimenta tantas pessoas no planeta. Os indianos não comem carne, os chineses não tomam café e o mundo está diminuindo o consumo de açúcar. Cada país tem o seu sistema alimentar e suas preferências. Somar todos os produtos, mesmo que seja em termos calóricos, e dividir pelo número de habitantes do planeta não quer dizer nada”, exemplifica Walter Belik.

Ele também rebate a alegação de que o Brasil vai prover segurança alimentar para todo o planeta: “A alimentação do mundo não depende do Brasil. O nível de autossuficiência alimentar é elevado e apenas poucos e pequenos países dependem de importações. Ocorre que, como o comércio internacional derrubou boa parte das barreiras, o que acaba valendo são as vantagens competitivas de cada país, e o Brasil, dada a geografia, mantém vantagens competitivas enormes na área agrícola. […] Hoje o mundo convive com o fantasma da superprodução e do desperdício, não precisamos produzir mais e, sim, produzir com qualidade”.

Schneider tem raciocínio na mesma linha. Ele alega que existem alimentos suficientes no mundo para que todas as pessoas possam se alimentar a uma quantidade de 2,7 mil calorias/dia. “O Brasil certamente tem papel importante na oferta de alimentos, é um dos principais produtores mundiais de alimentos. Isso é reconhecido tanto por organizações internacionais, como a FAO, quanto por organizações do comércio. Mas a discussão sobre segurança alimentar propriamente dita não é exclusivamente sobre quantidade. A segurança alimentar do mundo depende, e está fundamentalmente ligada, a questões de como se distribuem os alimentos. De como as pessoas acessam os alimentos. Então, você pode ter uma superoferta de alimentos, um quantidade enorme de comida disponível, mas as pessoas podem não ter acesso a ela”, analisa o professor da UFRGS.

O chefe da equipe de segurança alimentar e estatísticas nutricionais da FAO referenda a posição dos especialistas afirmando não estar ciente de nenhum estudo específico que discuta a contribuição do Brasil ou qualquer outro país para a segurança alimentar do planeta. “O conceito de segurança alimentar (a definição internacional endossada pela FAO) refere-se à habilidade de as pessoas terem acesso à alimentação de que precisam, e não simplesmente a disponibilidade geral de comidas. Embora se possa presumir que a maior disponibilidade local de alimentos pode contribuir para o combate à insegurança alimentar, a verdade é que a oferta atual de alimentos no mundo, em termos quantitativos, supera em muito as quantidades necessárias para garantir uma vida ativa e saudável a todos. O problema da segurança alimentar hoje tem mais a ver com as desigualdades no acesso aos alimentos disponíveis para as pessoas do que com a falta de suprimentos baratos”, reforça Cafiero.

Postagem

O vídeo viralizou no Twitter a partir do dia 20 de setembro, mas circula na internet pelo menos desde o dia 8, quando foi postado no YouTube do deputado federal Coronel Armando (PSL-SC). Ao Comprova, ele disse que não sabe a origem do material – apenas o compartilhou. Avisado sobre a conteúdo enganoso, ele enviou o link de uma reportagem sobre o anúncio da criação do Conselho da Amazônia feito por Bolsonaro.

Sobre a assistência aos indígenas, disse: “Da mesma forma que você tem a impressão de que os índios não estão sendo melhor atendidos, nós temos a impressão oposta, já que vivenciamos diariamente todas as ações que o governo federal vem tomando em prol do Brasil e dos índios, e nos informamos diretamente pelos sites dos Ministérios, sem a distorção produzida por uma parte da grande imprensa”.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais que tenham ligação com políticas públicas do governo federal ou com a pandemia. É o caso do vídeo verificado aqui, que desconsidera informações para afirmar que Jair Bolsonaro é o presidente que mais se preocupou com a floresta amazônica e seus moradores.

Enquanto a floresta está sob ameaça, sofrendo incêndios criminosos, Bolsonaro enfraquece a gestão ambiental do país afirmando em discurso na ONU que as queimadas ocorrem “onde o caboclo e o índio queimam seus roçados”. No mês passado, inclusive, ele chegou a afirmar que “essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira”. Conteúdos como a gravação investigada, que teve, 1,9 mil visualizações no Twitter até 25 de setembro (e 10 na página do coronel Armando no YouTube), disseminam versões distorcidas da realidade, agravando o risco que a floresta e a população indígena correm.

O Comprova já investigou conteúdos relacionados aos indígenas e à Amazônia, como o post que usa uma foto antiga de madeireiros para acusar ONGs por incêndios, o vídeo que distorce dados sobre queimadas na região e o que mostra fogo controlado feito pelo Ibama, e não incêndio provocado para culpar o presidente.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo que usa dados imprecisos e induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou que confunde, com ou sem a intenção de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-09-25

Texto engana ao comparar aumento na venda de armas com queda dos assassinatos por arma de fogo

  • Enganoso
Enganoso
O texto verificado afirma que o número de homicídios por arma de fogo está no “menor patamar em 21 anos”, e que esse dado se deu mesmo diante de um aumento de 200% na venda de armas de fogo. A publicação, no entanto, compara dados de anos diferentes e usa números preliminares, ainda não consolidados
  • Conteúdo verificado: Conteúdo que circula em formato de imagem e de texto afirma que o número de homicídios por arma de fogo está no “menor patamar em 21 anos”, e que esse dado se deu mesmo diante de um aumento de 200% na venda de armas de fogo.

É enganoso um conteúdo que circula nas redes sociais afirmando que os homicídios com armas de fogo caíram ao “menor patamar em 21 anos” ao mesmo tempo em que a venda de armas de fogo aumentou 200% no Brasil. O texto verificado compara dados de anos diferentes e usa números preliminares, ainda não consolidados.

O dado sobre o crescimento no número de registros de armas de fogo é real e foi verificado entre o primeiro semestre de 2019 e 2020. A informação sobre os homicídios, no entanto, se refere a um outro período; utiliza números preliminares, e que, portanto, não podem ser utilizados como finais; e ainda é atribuído a um instituto que não pesquisa mortes por armas de fogo.

Consultado pelo Comprova, o Instituto Sou da Paz, ONG dedicada a debater criminalidade e violência, destacou que as mortes por arma de fogo são um fenômeno complexo e influenciado por vários fatores.

Como verificamos?

Para checar a veracidade das afirmações deste conteúdo procuramos, por e-mail, a Polícia Federal e o Exército para que pudessem nos auxiliar a interpretar os dados do Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da PF, e do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército. Para entender a relação entre número de armas de fogo em circulação e as taxas de homicídio no Brasil, conversamos com o Instituto Sou da Paz.

Procuramos também o Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes), grupo de pesquisas vinculado à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que é citado no texto como fonte das informações. Por e-mail, o coordenador do grupo, o professor Carlos Machado de Freitas, negou que eles desenvolvam pesquisas sobre mortes por armas de fogo.

Utilizando o Google, descobrimos a existência do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança, que também tem a sigla Cepedes, e enviamos e-mail para o idealizador do projeto, o advogado Fabrício Cardoso Rebelo.

Por fim, procuramos a equipe do site TerraBrasil Notícias, responsável por divulgar o conteúdo verificado aqui.

Verificação

Venda de armas

O primeiro número citado pelo texto verificado refere-se ao aumento na quantidade de armas registradas no Brasil. De fato, houve uma elevação de quase 200% entre o primeiro semestre de 2019, em que 24.663 unidades foram registradas, e o primeiro semestre de 2020, no qual o número de armas registradas chegou a 73.985. Esses dados são do Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal.

Procurada pelo Comprova, a PF enviou os dados mais atualizados, segundo os quais a tendência de alta continua. De janeiro a agosto deste ano, 105.603 novas armas entraram legalmente em circulação no Brasil; o que já supera todas as armas compradas legalmente em 2019.

Os dados da PF incluem armas compradas por cidadãos em geral, empresas de segurança privada e algumas categorias especiais, como servidores da segurança pública, magistrados e membros do Ministério Público. Não entram nessa conta os armamentos adquiridos pelas Forças Armadas, por órgãos de segurança pública e pelos colecionadores, atiradores e caçadores (CACs), cujo controle é feito pelo Exército. Ao Comprova, o Exército informou que o número de armas liberadas para os CACs também vem crescendo – 33,47% entre 2018 e 2019. Até agosto de 2020, 75.202 novas armas foram autorizadas para os CACs, número praticamente igual ao verificado nos 12 meses de 2019.

Mortes por armas de fogo

O segundo número que o texto verificado traz diz respeito ao número de homicídios por armas de fogo no Brasil. De acordo com o conteúdo, o aumento do número de armas seria coincidente com o “menor patamar” de homicídios em 21 anos. Há aqui vários problemas com essa afirmação.

O primeiro é com relação à fonte do suposto dado. Procuramos o site responsável pela publicação e este informou, por e-mail, que o texto foi baseado em “informações jornalísticas” e nos enviou o link para um conteúdo de outro portal, o site Gazeta Brasil, que também já teve conteúdo verificado pelo Comprova.

Ambos os textos citam como fonte o Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes), um grupo de pesquisas vinculado à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ocorre que este centro de estudos nem mesmo pesquisa mortes provocadas por armas de fogo. A informação foi confirmada por e-mail pelo coordenador do grupo, o professor Carlos Machado de Freitas.

Por meio de uma pesquisa no Google, descobrimos a existência de uma outra entidade que atende pela sigla Cepedes. Trata-se do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança, cujo idealizador é o advogado licenciado Fabricio Cardoso Rebelo, um colecionador e atirador desportista que tem atuação pública contra o desarmamento civil.

Por e-mail, Rebelo afirmou que o Cepedes não possui qualquer material publicado apontando aumento de 200% na venda de armas em 2020 ou mesmo sobre homicídios para este ano. “Desconhecemos – e desautorizamos – nossa indicação como fonte dessa afirmação”, disse.

Rebelo também afirmou que o último texto publicado no site do Cepedes comparou os homicídios de 2017 a 2019, utilizando dados do Datasus “que somente são disponibilizados, em versão preliminar, nove meses após o ano de ocorrência e consolidados como definitivos seis meses depois (15 meses após tal ano)”.

O segundo problema está justamente nos dados apresentados por Rebelo. Como ele próprio afirma, são dados preliminares, que portanto ainda serão atualizados e não podem ser considerados como finais.

De acordo com os números do Datasus, plataforma do Ministério da Saúde, 2017 foi o ano recorde de assassinatos por armas de fogo no Brasil, com 47.510 óbitos. Em 2018, essas mortes recuaram, com o registro de 41.179 óbitos. Para 2019, os dados preliminares do Datasus apontam ao menos 30.206 óbitos desta natureza. Esses números, porém, podem ser alterados porque os estados ainda podem incluir registros de mortes na plataforma. Deste modo, é enganoso afirmar que 2019 registrou o “menor patamar” de assassinatos por armas de fogo desde 1999.

O Instituto Sou da Paz destaca que o Datasus leva, geralmente, dois anos para consolidar a sua base. “A partir do segundo semestre inicia-se a liberação de dados preliminares do ano anterior, mas como os estados ainda estão inserindo informações, esses números não correspondem à totalidade das mortes. Somente depois de consolidada, a base do Datasus pode ser utilizada para estudos e pesquisas como o texto em questão”, afirma a entidade.

Uma terceira questão envolvendo a afirmação feita no conteúdo verificado foi levantada pelo Instituto Sou da Paz. Tanto em 2018 quanto nos dados preliminares de 2019 foram registrados aumentos expressivos dos registros de mortes por causas externas com intenção indeterminada – isso significa que não foi possível saber se a causa foi uma agressão, um acidente ou suicídio.

“Se as agressões diminuíram 12% em 2018 em relação ao ano anterior, as mortes cuja intenção é indeterminada aumentaram 26%. Já no ano de 2019, preliminarmente, observa-se redução de 23% nas mortes por agressão e aumento de 61% nas mortes cuja intenção é indeterminada em relação a 2018. As mortes cuja intenção é indeterminada representaram 14% das mortes por causas externas em 2019, o dobro do valor médio observado na série 2010-2018, que é de 7%”, afirma a ONG. “O recorte das mortes por arma de fogo acentua essa diferença: agressões por arma de fogo caíram 13%, mas as mortes por disparo de arma cuja intenção é indeterminada subiram 63% entre 2017 e 2018, variação que entre 2018 e 2019 foi de -27% e +77%, respectivamente”, argumenta a Sou da Paz.

Ao Comprova, o Sou da Paz destacou ainda que a variação na taxa de homicídios é um fenômeno que pode ser afetado por diversos fatores além da compra de armas, como a desigualdade econômica, a atuação da polícia e a disputa de grupos criminais.

A organização lembrou que, em 2013, um estudo do Ipea mostrou que, isolando-se os demais fatores, a maior disponibilidade de armas tende a gerar maiores taxas de homicídios. “A hipótese de que a simples venda de armas leve à redução de crimes de maneira quase imediata é irracional. Ela presume, por exemplo, que uma venda genérica de armas leve roubadores contumazes a rapidamente exercerem outras formas de obter renda. Mesmo tentando exercitar a hipótese de efeito dissuasório, presume-se que as armas que entram em circulação para legítima defesa demorem, em média, vários meses para serem legitimamente utilizadas e supostamente gerarem algum efeito dissuasório àquele perfil de vítima”, pontuou a entidade.

Enquetes são diferentes de pesquisas

No texto verificado, o Terra Brasil Notícias afirma ainda que uma enquete realizada pelo próprio site teria mostrado o apoio da população à posse e ao porte de armas. Uma enquete, porém, é um levantamento com pouco rigor metodológico, que mede apenas as opiniões daqueles que responderam as questões. Ela difere de uma pesquisa, que usa métodos estatísticos para representar o pensamento de toda a população.

Para isso, a proporção de homens e mulheres e as diferentes faixas de idade e de renda do público que responde a pesquisa devem ser equivalentes às da população que ela busca representar. Em junho de 2019, uma pesquisa do Ibope mostrou que 73% dos brasileiros são contra a flexibilização do porte de armas. Um mês depois, outra pesquisa feita pelo instituto Datafolha mostrou que 66% dos brasileiros são contra a posse de armas e 70% rejeitam a flexibilização do porte de armas.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova monitora e verifica conteúdos sobre a pandemia do novo coronavírus, eleições municipais de 2020 e políticas públicas do governo federal que podem causar desinformação nas redes sociais. É o caso do conteúdo em questão que engana ao relacionar erroneamente o aumento no número de registro de armas de fogo à diminuição dos homicídios no Brasil.

Segundo dados da plataforma CrowdTangle, o texto do site Terra Brasil Notícias somava mais de 4,6 mil interações no Facebook, até a data de fechamento deste texto. O link do site também circula no Twitter, com menor viralização e interações. Um conteúdo com as mesmas afirmações também foi publicado na página da organização política Aliança Pelo Brasil no Facebook, recebendo 6,9 mil curtidas e 1,9 mil compartilhamentos.

Com a proximidade das eleições municipais, conteúdos como este podem contribuir negativamente para o debate político brasileiro. Quando a desinformação passa a integrar a gramática da disputa eleitoral, discussões sobre os projetos e agendas dos candidatos são prejudicadas, dificultando a escolha dos eleitores.

Sobre o tema da segurança pública, o Comprova já mostrou ser enganoso um artigo que associa mais armas a menos violência e falso que scanners veiculares para uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF) tenham sido implantados no governo Bolsonaro. O Comprova também já mostrou ser falsa uma publicação do site Terra Brasil Notícias.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos e que induzam a uma interpretação diferente da intenção do seu autor; ou ainda o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-09-23

Decisões do STF contra Bolsonaro estão dentro das atribuições da Corte

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte distorce fatos para sugerir uma atitude de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a ações envolvendo o governo de Jair Bolsonaro. As decisões, porém, se basearam em artigos da Constituição
  • Conteúdo verificado: Post sugere que o STF está agindo de maneira inconstitucional para limitar os poderes do presidente Jair Bolsonaro.

Uma publicação feita no Twitter distorce fatos para sugerir uma atitude de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a ações envolvendo o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

No texto, a autora levanta suspeita sobre alguns atos recentes do Poder Judiciário: a suspensão da nomeação do diretor da Polícia Federal; a decisão de que os estados e municípios têm “competência concorrente” para tomar providências no enfrentamento ao novo coronavírus; a afirmação que as Forças Armadas não exercem o poder moderador entre os poderes; a audiência pública promovida pelo órgão para discutir a captação de recursos para o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo do Clima). Todas essas decisões, porém, se basearam em artigos da Constituição.

Especialistas ouvidos pelo Comprova consideraram que nenhum dos atos citados representa uma ação inconstitucional por parte do STF. Na visão deles, o único ponto que não é pacífico é o que trata da nomeação para o comando da PF. Ainda assim, o ministro Alexandre de Moraes seguiu entendimento que a Corte já havia usado recentemente em dois episódios durante os governos dos ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

Como verificamos?

Por meio do Google, procuramos notícias sobre os temas levantados pela postagem verificada e quais foram os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal em cada um deles. Depois, procuramos na Constituição Federal quais são as atribuições do STF.

Na sequência, entrevistamos advogados constitucionalistas para saber se houve algum ato inconstitucional por parte do STF. Por telefone, falamos com Pietro Alarcon, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito na PUC-SP, e com Marcelo Labanca, professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco. Também tentamos contato com a autora do tuíte, mas não tivemos resposta até o fechamento deste texto.

Verificação

As atribuições do Supremo Tribunal Federal são definidas pelo artigo 102 da Constituição Federal, que descreve o órgão como o guardião da Constituição. Ao todo, o artigo cita 22 frentes em que a Suprema Corte brasileira pode atuar. As principais delas são julgar a inconstitucionalidade de leis federais; julgar o presidente da República, o vice e todos os deputados ou senadores por crimes comuns; julgar habeas corpus e julgar conflitos entre a União e os estados.

Quarentena

No dia 15 de abril, o plenário do STF decidiu que a União, os estados e os municípios têm “competência concorrente” para tomar providências no enfrentamento ao novo coronavírus. O entendimento dos ministros foi de que se o presidente definisse sozinho por decreto quais serviços essenciais deveriam continuar funcionando, afrontaria o princípio da separação de poderes. O argumento é que apenas a União teria as prerrogativas de isolamento, quarentena, interdição da locomoção e de serviços públicos e atividades essenciais. Estavam em discussão a Medida Provisória 926/2020 e o artigo 3º da Lei Federal 13.979/2020.

Bolsonaro criticou algumas vezes a decisão e chegou a dizer que o STF havia decidido que cabia apenas aos governadores e prefeitos as ações de combate a pandemia; embora a decisão da Justiça diga que os entes têm “competência concorrente”. Na época, o ministro Luiz Fux fez questão de frisar que o STF não eximiu o governo federal de responsabilidade nas ações de combate à pandemia.

O artigo 23 da Constituição diz ser competência comum da União, dos estados e dos municípios cuidar da saúde e o artigo 24 afirma que os três entes podem legislar sobre a “proteção e defesa da saúde”, lembra Marcelo Labanca. “O federalismo brasileiro tem competências que são compartilhadas entre a União, estados e municípios. E outras que são exclusivas. No caso da União, por exemplo, só ela pode legislar sobre direito penal. Mas, em relação à saúde, todos os entes podem legislar”, explica. Labanca lembra ainda que a Lei Federal 12.608/2012, que criou a Política Nacional de Defesa Civil, estabeleceu o papel de cada ente em situações de emergência e calamidade, cabendo ao governo federal a função de coordenar e centralizar as ações. A Lei que estava em discussão no STF prevê medidas para combater a pandemia por considerá-la, juridicamente, uma emergência de saúde pública.

Para Pietro Alacon, a decisão do STF não é uma invenção, apenas a interpretação lógica do que está previsto no artigo 23. “Nesses casos específicos, como a questão da crise sanitária, existe uma questão que se denomina — um elemento importantíssimo — que é a forma federativa de Estado, uma cláusula pétrea da Constituição. A forma federativa de Estado determina competências para cada um dos entes federativos. Uma dessas competências é a competência comum, que foi reconhecida pelo STF para que governadores e autoridades municipais realizassem atos de gerenciamento da crise”, explica o professor.

Forças Armadas

Uma liminar do ministro Luiz Fux, de 12 de junho, decidiu que as Forças Armadas não podem exercer o poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A decisão afirma que, embora o presidente da República seja o chefe das Forças Armadas, esse poder é limitado pela Constituição e não pode ser usado para “indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes”. Ele também esclareceu que a prerrogativa do presidente de autorizar o emprego das Forças Armadas, ainda que por intermédio dos presidentes do STF, do Senado ou da Câmara, “não pode ser exercida contra os próprios Poderes entre si”. A liminar foi concedida dentro da ação direta de inconstitucionalidade 6457, que pede que o Supremo interprete os dispositivos da Constituição que tratam do emprego das Forças Armadas.

Em julho, a Advocacia-Geral da União (AGU), órgão que representa o Poder Executivo, enviou parecer ao STF defendendo que as Forças Armadas não podem atuar como poder moderador. O processo já foi incluído na pauta do plenário para que uma decisão final seja concedida pelo conjunto dos ministros do STF.

Na visão do professor Alarcon, a interpretação de que as Forças Armadas podem intervir em outros poderes é um “desafio à Constituição”. “Tentar desprender do artigo 142 da Constituição que existe um tal poder moderador das Forças Armadas é uma forçação de interpretação. Não há nenhum exercício hermenêutico sadio que possa te conduzir a isso dentro da Constituição de 1988. O STF, nesse caso, a única coisa que fez foi reconhecer exatamente qual é a atribuição das Forças Armadas”, avalia.

Segundo Labanca, a decisão do STF é acertada porque a função definida na Constituição para as Forças Armadas é a de defender o Brasil perante ameaças externas e proteger as fronteiras. “A corporação militar é muito nobre. Ela tem que ser muito aplaudida pela população, porque eles pagam com a vida pela nossa proteção. Mas não existe nenhuma possibilidade de que o Supremo esteja indo além da sua competência porque simplesmente ele disse uma coisa que é muito clara, como a luz do dia, de que as Forças Armadas não têm um poder moderador”, argumenta.

Diretor da Polícia Federal

Diferentemente dos outros dois casos citados, a suspensão do decreto que nomeou o delegado Alexandre Ramagem como novo diretor-geral da Polícia Federal (PF) é vista como polêmica pelos especialistas ouvidos pelo Comprova.

O caso aconteceu no final de abril deste ano. O ministro Alexandre de Moraes atendeu um pedido do PDT por meio de um mandado de segurança. Na decisão, o magistrado citou falas do ex-ministro Sergio Moro, que acusou o presidente Jair Bolsonaro de tentar interferir politicamente na Polícia Federal.

Para Pietro Alarcon, a decisão do STF nesse caso está aberta a uma discussão sobre interferência em um direito presidencial. No entanto, ressalta ele, a decisão de Alexandre de Moraes não foi inconstitucional.

“Esse é um ponto polêmico, que tem a ver com a discricionariedade presidencial para essa nomeação. Nesse caso, pode até se discutir se houve em algum momento uma interferência do Supremo. Entretanto, daqui não pode se desprender uma generalidade, uma avaliação geral de que o Supremo Tribunal Federal seja um desafiador, por assim dizer, do ordenamento constitucional ou da Constituição. Não. Esse é um ponto polêmico, mas um ponto com o qual você tem pontos de vista, interpretações variadas”, analisa.

A decisão de Alexandre de Moraes não é uma novidade em relação à suspensão de nomeações presidenciais pelo STF, como lembra Marcelo Labanca. Durante o governo de Dilma Rousseff (PT), o ministro Gilmar Mendes suspendeu a nomeação de Lula para a Casa Civil, em 2016. Dois anos depois, a ministra Carmen Lúcia impediu a posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho, no governo de Michel Temer (MDB).

“O STF vem, já há algum tempo, exercendo um controle desproporcional em relação a essas nomeações discricionárias dos presidentes. Os requisitos para ser ministro, de acordo com a Constituição, são três: idade, ter nacionalidade brasileira e estar no exercício dos direitos políticos. Na hora que o STF diz que não pode nomear, eu acho que ele está ultrapassando o seu poder. (…) O STF fez isso com Dilma, fez isso com Temer. Então não se pode dizer que ele fez isso [suspender a nomeação da PF] contra o Bolsonaro”, afirma.

“Sobre nomear ou não o diretor da Polícia Federal, o que está em jogo aí é se o presidente da República deixou de ser imparcial para poder manobrar dentro da Polícia Federal pessoas que pudessem beneficiar sua família. É isso o que está no contexto dessa decisão. Do ponto de vista formal, ele pode nomear o diretor da PF, porque é um cargo de confiança, assim como ele pode nomear um ministro”, prossegue.

Meio ambiente

Ao falar sobre o meio ambiente, a postagem verificada faz referência à audiência pública promovida pelo STF nos dias 21 e 22 de setembro. O encontro tinha como intuito debater a captação de recursos para o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo do Clima). O ministro Luís Roberto Barroso é relator do processo que acusa o governo de ter paralisado o projeto.

O evento contou com depoimentos de Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. Ao encerrar a audiência, Barroso criticou o que chamou de “realidade imaginária paralela” no enfrentamento da questão ambiental no Brasil.

“Há um capítulo dentro do título da Ordem Social que nos fala sobre o meio ambiente: todos nós temos direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Temos aqui, no artigo 225 em diante, uma regulamentação do meio ambiente como autêntico direito fundamental. No momento em que uma lei ou um ato do poder público contradiz aquela pretensão constitucional, o Supremo Tribunal Federal pode ser invocado para poder decidir sobre o assunto, sobre o tema”, explica Pietro Alarcon.

Tramitam no STF duas ações parecidas envolvendo as políticas em relação ao meio ambiente. Uma delas, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 708, relatada por Barroso, questiona a suposta falta de iniciativa do governo de Jair Bolsonaro para o funcionamento do Fundo do Clima.

Já a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 59, sob relatoria da ministra Rosa Weber, pede que seja reconhecida a omissão da União em relação à paralisação do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima). O pedido foi feito pelo PSB, PSOL e PT.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham tido ampla viralização nas redes sociais e que tratem de políticas públicas do governo federal ou da pandemia da covid-19. É o caso desse conteúdo, que questiona decisões do Supremo Tribunal Federal em ao menos quatro políticas públicas federais. O tuíte, publicado pelo perfil @mitags, teve 3,1 mil curtidas e 1,1 mil compartilhamentos no mesmo dia em foi postado, 23 de setembro.

Informações falsas ou enganosas envolvendo o Supremo Tribunal Federal levantam dúvidas sobre a lisura de um dos poderes da República.

O Comprova verificou outras afirmações recentes envolvendo o STF. Uma delas dizia que o órgão havia decidido que o voto impresso é inconstitucional. Outra omitia que o governo de Jair Bolsonaro liberou R$ 12 milhões para o tratamento de uma criança por causa de uma ordem judicial.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo que usa dados imprecisos e induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou que confunde, com ou sem a intenção de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-09-21

É verdade que o Ensino Médio apresentou melhor resultado em 15 anos do Ideb

  • Comprovado
Comprovado
O índice é divulgado a cada dois anos. O resultado de 2019 foi maior que o de 2017 (3,8), mas o número ficou abaixo da meta prevista pelo governo, que era de 5. O resultado segue uma tendência do Ensino Médio brasileiro, que não bateu a meta nos últimos quatro resultados do Ideb
  • Conteúdo verificado: Texto diz que o resultado do Ideb teve o maior salto dos últimos 15 anos no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

São verdadeiras as informações de um texto do site Jornal da Cidade Online que diz que a avaliação do Ensino Médio teve no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) o maior salto desde 2005. A notícia usa os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2019, que apresentou uma nota de 4,2, em uma escala de 0 a 10.

O índice é divulgado a cada dois anos. O resultado de 2019 foi maior que o de 2017 (3,8), mas o número ficou abaixo da meta prevista pelo governo, que era de 5. O resultado segue uma tendência do Ensino Médio brasileiro, que não bateu a meta nos últimos quatro resultados do Ideb.

O Ideb faz parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e calcula a qualidade do ensino com base nos dados do Censo Escolar e médias de desempenho nas avaliações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), como a Prova Brasil. Os índices consideram os anos iniciais do Ensino Fundamental (do 1º ao 5º ano), anos finais (6º ao 9º ano) e Ensino Médio.

Como verificamos?

O primeiro passo da verificação foi acessar o site do Inep para saber se os dados eram reais. Lá, encontramos os resultados e as metas estipuladas desde 2005.

Na sequência, fomos em busca de especialistas para repercutir os resultados do instituto. Fizemos uma entrevista por e-mail com Maria Teresa Gonzaga Alves, professora do departamento de ciências aplicadas à educação da faculdade de educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e uma por WhatsApp com Ana Helena Rodrigues, assessora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação – nesta última, as respostas foram enviadas em um arquivo de Word.

Enviamos e-mails para o Inep e para o Ministério da Educação com questões envolvendo o resultado do Ideb, mas não obtivemos resposta.

Verificação

O que é o Ideb?

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica é um indicador criado em 2007, ainda na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Apesar de lançado em 2007, o programa usou o mesmo método para calcular as notas de 2005 e colocá-las como base para as metas dos anos seguintes.

Os resultados do Ideb são a combinação dos índices de rendimento escolar (taxas de aprovação, reprovação e abandono) e médias de desempenho. A taxa é calculada a partir dos dados do Censo Escolar e das médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica.

A responsabilidade pelos resultados do Ideb acaba sendo dividida entre poderes estaduais e municipais. Isso porque as escolas, as cidades e os estados têm metas individuais a serem atingidas a cada dois anos. É com base nesses dados que o Ministério da Educação traça o planejamento de distribuição de recursos.

Ana Helena Rodrigues, assessora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, faz ressalvas ao Ideb como instrumento de avaliação da educação brasileira.

“É um modelo de avaliação extremamente limitado, por considerar somente as notas de Matemática e Língua Portuguesa na avaliação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e índices de aprovação do Censo Escolar para analisar o desenvolvimento da educação básica brasileira. Ainda que as notas tenham apresentado aumento, isso não significa melhora na qualidade da educação como um todo. Para avaliar a qualidade ou o desenvolvimento da educação é necessário considerar uma série de outros fatores, como infraestrutura das escolas, formação e valorização dos profissionais da educação, gestão escolar, etc.”, explica.

A cada dois anos, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, vinculado ao Ministério da Educação, divulga os resultados do Ideb dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano), anos finais (6º ao 9º ano) e ensino médio. O ciclo do índice chegará ao fim em 2021, com a meta do ensino médio fixada em 5,2.

“Seria muito bom se os educadores de fato pudessem influenciar no que irá suceder o Ideb, no seu aperfeiçoamento ou na proposição de outros indicadores para uma avaliação educacional mais relevante para as escolas”, analisa Maria Teresa Gonzaga Alves, professora do departamento de ciências aplicadas à educação da faculdade de educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Abaixo da meta

A nota do ensino médio em 2019 realmente foi superior aos números anteriores apresentados pelo Ideb. Ainda assim, o valor de 4,2 ficou abaixo da meta estipulada no Plano de Desenvolvimento da Educação, que era de 5.

“Se aceitarmos que os componentes do Ideb refletem uma concepção de qualidade – isto é, qualidade significa mais aprendizado com menos reprovação –, essa qualidade estava um pouco melhor somente nos anos iniciais do ensino fundamental devido, sobretudo, ao aumento da taxa de aprovação. (…) A elevação da média pode não ter um significado substantivo que aparenta”, analisa Maria Teresa Gonzaga Alves.

Esse é o quarto ano seguido que a nota do Ensino Médio fica abaixo da meta estipulada. O mesmo aconteceu em 2013, 2015 e 2017.

“O Ensino Médio é uma etapa que tem sido negligenciada pelas políticas educacionais. A própria reforma do Ensino Médio não trouxe melhora, pois a exclusão se mantém com a carência de políticas intersetoriais mais robustas, com programas de aprendizagem, de proteção social etc.”, opina Ana Helena Rodrigues, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Em entrevista coletiva depois da divulgação dos resultados, Carlos Eduardo Moreno Sampaio, diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, considerou “expressivo” o aumento do índice do Ensino Médio. “Temos de comemorar, sobretudo porque o ensino médio vinha em um ritmo bem lento de crescimento

Posição semelhante teve Fernando Haddad (PT), ministro da Educação na época da criação do PDE:, “Havia (e há) grande preocupação com o Ensino Médio, que reagia pouco aos estímulos oferecidos. Só os desinformados, contudo, podem considerar o recém-divulgado aumento de 0,4 ponto do Ideb um fato menor”, escreveu em sua coluna na Folha de S. Paulo.

Ele considerou ser normal uma demora na evolução do Ensino Médio, em comparação com os resultados apresentados pelo Fundamental. “A onda de melhoria tinha que começar pelos anos iniciais e só com o tempo chegaria ao ensino médio.”

Limitações

O índice deveria servir apenas como um auxílio, mas adquiriu protagonismo político ao ser incluído na Meta 7 do Plano Nacional de Educação. Especialistas citam uma série de falhas e de limitações no uso do Ideb como ferramenta para avaliar o Ensino Médio brasileiro. A começar pela periodicidade do índice, divulgado apenas nos anos ímpares.

De acordo com pesquisadores da área, sistemas de ensino podem “burlar” o Ideb ao adotar critérios diferentes conforme o ano em questão. Segundo eles, nos pares, emprega-se um nível mais exigente, com maiores taxas de reprovação para estudantes com desempenho mais fraco; nos ímpares, quando o índice é calculado, evita-se a reprovação.

“Essa hipótese nos leva ao problema das trajetórias escolares que não são consideradas no índice. Esse é um problema invisibilizado no Ideb. O indicador é calculado com dados transversais. Ele não capta as trajetórias escolares, que só podem ser estudadas com dados longitudinais”, explica Maria Teresa Gonzaga Alves.

Sinaeb

O impacto do resultado do Ideb esbarra em outras limitações. O índice não mede ítens importantes como infraestrutura das escolas, formação e valorização dos profissionais da educação e gestão escolar. Para contemplar esses aspectos, especialistas defendem a implementação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), previsto na lei 13.005/2014. Ele consta na EC 108/2020, que regulamentou o novo Fundeb.

“Celebrar um avanço tão pequeno em uma avaliação tão limitada é, no mínimo, insensato. Ainda que tenha havido uma melhora, esse dado vale para um período pré-pandemia. Vivemos em uma realidade em que as políticas de continuidade das atividades escolares de forma remota excluíram e discriminaram uma grande parcela dos estudantes. Esses resultados do Ideb 2019 já não têm valor. Houve uma quebra de continuidade no processo do desenvolvimento da educação que está sendo ignorada”, analisa Ana Helena Rodrigues.

Os microdados do Ideb de 2019, com o detalhamento de todos os resultados que compuseram a nota, ainda não foram divulgados. Sem eles, para Maria Teresa Gonzaga Alves, é difícil analisar o atípico crescimento em Matemática e em Língua Portuguesa no Saeb.

Por que investigamos?

A terceira fase do Comprova visa verificar postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia da covid-19 e de políticas públicas do governo federal.

Apesar da melhora apresentada no último resultado divulgado pelo Inep, o Brasil tem tido dificuldade para atingir as metas recentes do Ideb para o Ensino Médio.

Esta verificação foi sugerida por leitores do Comprova. A postagem do Jornal da Cidade Online teve 25 mil curtidas e mais de 1 mil comentários no Facebook até o fechamento deste texto.

O Comprova já fez outras verificações envolvendo o site. Durante as eleições de 2018, mostrou ser falso que códigos das urnas eletrônicas haviam sido entregues a venezuelanos. No ano passado, um artigo publicado no site de notícias misturava dados para fazer parecer que a avaliação do presidente Jair Bolsonaro havia melhorado. Mais recentemente, um texto do Jornal da Cidade Online distorcia declarações da Organização Mundial da Saúde sobre a hidroxicloroquina.

Comprovado, para o Comprova, é o fato verdadeiro ou o conteúdo original publicado sem edição.