O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2021-10-29

CDC não disse que imunidade natural é superior à das vacinas, como sugere empresário indiciado pela CPI

  • Falso
Falso
É falso que o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos tenha admitido que a imunidade de quem já foi infectado pela covid-19 seja superior a de quem se vacinou. Tuíte de um empresário brasileiro reproduz o conteúdo de uma publicação em inglês escrita após uma troca de emails com o CDC. Embora o autor insista que a “imunidade natural” é superior aos imunizantes, o órgão americano não sustenta essa tese nas mensagens. Na verdade, o CDC defende que mesmo quem já teve a doença deve se imunizar, para evitar reinfecções. Um estudo publicado pelo órgão diz ainda que as vacinas melhoram resposta imune em pessoas que tiveram a doença.
  • Conteúdo verificado: Tuíte afirma que o “CDC americano teve que admitir, em uma troca formal de emails, que a imunidade natural é superior à imunidade da vacina”. O link que acompanha o tuíte mostra uma troca de emails entre um escritório de advocacia e integrantes do CDC, mas, em nenhum momento, o CDC faz tal admissão.

É falso um tuíte do empresário Otávio Fakhoury segundo o qual o CDC, órgão de controle de doenças americano, teria admitido que a imunidade de quem já teve covid-19 é superior a de quem se vacinou. Ele se baseia em uma publicação em inglês que trocou emails com o CDC. Nas mensagens publicadas em anexo pelo site, o CDC, na verdade, reitera sua política de que mesmo as pessoas que já se recuperaram do novo coronavírus devem buscar ser imunizadas.

Além disso, no site da instituição, há um estudo defendendo que as vacinas melhoram a resposta imune em pessoas que já tiveram a doença.

Autoridades de saúde do Brasil, como a Anvisa, a Sociedade Brasileira de Imunizações, a Fiocruz e o Instituto Butantan também defendem que mesmo os recuperados devem buscar se vacinar para se proteger contra novas variantes e porque a imunidade natural tende a cair com o tempo.

Essa necessidade de reforço dos anticorpos também foi explicada ao Comprova pelo imunologista João Bosco, do Hospital Albert Einstein. Após analisar o conteúdo original, o médico ainda criticou o fato de o estudo citado pelo site em inglês, no qual Fakhoury se baseou, estar em um repositório de pré-publicações e, portanto, nunca ter tido seus resultados revisados por outros cientistas.

Indiciado pela CPI da Pandemia por supostamente financiar sites que difundem desinformação sobre a covid-19, o empresário disse ao Comprova, por telefone, que apenas reproduziu em português o que estava dito na página em inglês, não emitindo nenhuma opinião nova e, por isso, não deveria ser alvo de uma verificação.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Inicialmente, o Comprova contatou o CDC questionando se a troca de e-mails é real e aguardamos um retorno. Além disso, foram realizadas buscas na internet para saber quem é Otávio Fakhoury.

Verificamos que ele atua como líder do PTB em São Paulo e foi indiciado por incitação ao crime (artigo 286 do Código Penal) pela CPI da Covid, no Senado Federal, que apura as ações e omissões do governo federal e seus aliados no combate à pandemia.

Encaminhamos um e-mail ao diretório estadual da sigla em que ele atua para saber se ele gostaria de se manifestar sobre o posicionamento compartilhado no Twitter. Em retorno, a assessoria política do PTB informou que Fakhoury estava disponível para esclarecer pontos via ligação.

Na sequência, a reportagem foi em busca de estudos do próprio órgão de saúde norte-americano que mostrassem seu posicionamento científico a respeito da imunidade contra a covid-19. Encontramos pesquisas que asseguram que a vacina é a melhor alternativa contra o vírus por reduzir as chances de reinfecção e desenvolvimento de quadros graves da doença.

Através dos sites dessas instituições, também consultamos a posição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantan sobre a necessidade de imunizar pessoas que já se recuperaram da covid-19.

A reportagem contatou ainda o médico imunologista João Bosco, diretor de genética do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, que analisou o conteúdo da publicação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 29 de outubro de 2021.

Verificação

Vacinas melhoram resposta imune em pessoas que tiveram a doença, sugere estudo do CDC

Diferentemente do que sugere a publicação compartilhada no Twitter, o CDC afirma em um estudo divulgado em agosto deste ano que as vacinas trazem uma proteção maior a pessoas que tiveram infecção prévia por covid-19. A pesquisa desenvolvida em Kentucky, nos Estados Unidos, avaliou a imunidade de pessoas que já tinham sido infectadas com o Sars-COV-2.

Centenas de moradores da região, que haviam contraído o vírus até junho de 2021 e não foram vacinados, tiveram 2,34 vezes mais chances de reinfecção em comparação com os totalmente imunizados.

Segundo o CDC, os resultados sugerem que, entre as pessoas que tiveram covid-19 anteriormente, a vacinação completa fornece proteção adicional contra a reinfecção.

As vacinas também evitaram hospitalizações ligadas à covid-19 entre os grupos de maior risco, como idosos acima dos 65 anos e pessoas com comorbidades. “À medida que os casos, hospitalizações e mortes aumentam, os dados do relatório semanal sobre a doença reforçam que as vacinas são a melhor forma de prevenir a covid-19″, explica o CDC.

O autor da publicação em inglês na qual o tuíte se baseou apresentou uma petição ao CDC pedindo que revisse a política de vacinação de quem já teve a covid-19. O pedido foi rejeitado por uma questão formal. Ainda assim, o órgão faz questão de reiterar a necessidade de vacinação para quem já foi infectado, como uma forma de prevenir a reinfecção pelo novo coronavírus. O CDC argumenta que os dados atuais mostram que contrair novamente a doença é mais provável para quem não recebeu os imunizantes.

No email, o CDC diz ainda que não vai oferecer uma resposta detalhada a todas as “incorreções” presentes no email. O autor, então, diz que o órgão “falhou em rebater de forma clara, consistente e irrefutável” os argumentos. Ao contrário do que afirma o post em inglês e, em seguida, o tuíte do empresário brasileiro, no entanto, o CDC nunca admitiu que a “imunidade natural” é superior à conquistada pelas vacinas.

Categorias de imunidade contra a covid-19

O centro de monitoramento de doenças norte-americano detalha quais são os tipos de imunidades geradas contra a covid-19 e pontua que existem dois grupos: o de imunidade ativa e outro de imunidade passiva.

O primeiro ocorre quando há a exposição ao vírus e o sistema imunológico precisa reagir com a produção de anticorpos contra a doença, o que pode ocorrer por imunidade natural — quando há um quadro infeccioso — ou por imunidade induzida pela vacina.

Já os casos de imunidade passiva ocorrem quando um bebê recém-nascido adquire anticorpos por meio da placenta ou do leite materno.

“A principal vantagem da imunidade passiva é a proteção ser imediata, enquanto a imunidade ativa leva tempo (geralmente várias semanas) para se desenvolver”, detalha o CDC.

Autoridades no Brasil

Como o Comprova mostrou recentemente, a Anvisa já argumentou que testes de anticorpos não substituem a imunização e servem tão somente para indicar se as pessoas já foram infectadas pelo Sars-CoV-2.

“Não existe, até o momento, a definição da quantidade mínima de anticorpos neutralizantes necessária para conferir proteção imunológica contra a infecção pelo Sars-CoV-2, uma reinfecção, as formas graves da doença e nem contra as novas variantes circulantes”, diz a agência brasileira, na nota técnica 33/2021.

A Sociedade Brasileira de Imunizações também defende que pessoas que já tiveram a doença devem se vacinar. “Como a duração da proteção natural gerada pela própria doença é desconhecida e por existir a possibilidade de reinfecção, ainda que pouco frequente, a vacinação é indicada, independentemente de histórico de covid-19”, argumenta a entidade. A única recomendação é esperar quatro semanas após o início dos sintomas para se vacinar ou, no caso de assintomáticos, após receber o resultado positivo no teste de RT-PCR.

A mesma posição é defendida pela Fiocruz e pelo Instituto Butantan, centros de pesquisa responsáveis pela produção da AstraZeneca e da CoronaVac. “Mesmo quem já teve covid-19 deve ser imunizado”, defende a Fiocruz.

“Isso porque, mesmo com anticorpos, nem sempre o organismo cria a chamada ‘memória imunológica’, que é a capacidade de reconhecer e se proteger contra uma segunda invasão. E uma pessoa pode contrair novamente a covid-19, ainda mais por conta das variantes que circulam por aí”, explica o Butantan.

Especialista reforça que mesmo quem teve covid deve se vacinar

A pedido do Comprova, o imunologista João Bosco analisou o conteúdo verificado. Segundo ele, mesmo quem já foi infectado pelo coronavírus deve se vacinar.

“A gente sabe que a infecção natural claramente induz proteção. Ninguém está dizendo que não. Quem teve infecção passada está mais protegido do que quem nunca se vacinou ou nunca foi infectado. Porque o nosso organismo produz anticorpos. Só que os níveis de proteção alcançados pela infecção natural são inferiores a quem toma duas doses de uma boa vacina. Principalmente agora que muitos de nós estão tomando uma dose extra de reforço”, afirmou.

Segundo ele, isso acontece porque os imunizantes estimulam mais produção de anticorpos do que no caso de uma infecção comum. “A gente já sabe que quanto mais anticorpos, mais difícil é de você ser infectado ou que essa infecção seja mais grave”, lembra o médico. Além disso, o especialista afirma que, para quem já se recuperou da covid-19, a vacinação pode funcionar como uma dose de reforço dessa imunidade.

“Independente de como você adquirir a proteção, pelo que a gente tem visto da covid, o nível dessa proteção tende a cair com o tempo. Inclusive por causa do surgimento de novas variantes. Tanto que nós já estamos trabalhando com uma janela de aplicação de uma dose de reforço do imunizante de seis a oito meses em alguns grupos mais vulneráveis. É possível que a gente entre num ciclo como o influenza, o vírus da gripe, que todo ano a gente tem uma vacina nova por causa do surgimento de novas variantes. Por isso eu me vacino mesmo depois de ter sido infectado”, projeta o imunologista.

Ele lembra ainda que a imunização ajuda a proteger outras pessoas, como crianças, que não puderam se proteger e, com menos vírus circulando, a chance de surgirem novas variantes diminui.

Por fim, Bosco questiona o artigo citado como argumento pela publicação, dizendo ser errado afirmar que os anticorpos produzidos por uma infecção natural não permitem a transmissão do vírus. “Tanto o vacinado quanto quem foi infectado podem ter infecção por Delta, por exemplo”, afirma. Ele cita que o texto está disponível apenas num repositório de pré-publicação e, portanto, não foi sequer revisado e confirmado pela comunidade acadêmica.

O autor

Otávio Fakhoury é um empresário que se descreve em sua conta verificada no Twitter como “conservador, antiglobalista, anticomunista”, além de presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em São Paulo. Essa informação pode ser confirmada no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ele foi indiciado por incitação ao crime (artigo 286 do Código Penal) pela CPI da Covid no Senado Federal por suspeita de disseminar fake news. Segundo o relatório final, ele teria financiado diversos grupos e sites que propagaram desinformação durante a pandemia, investindo mais de R$ 310,2 mil ao longo dos anos de 2020 e 2021, além de transferências financeiras para o blogueiro Allan dos Santos.

Ainda de acordo com o documento, ele também teria feito postagens em suas próprias redes sociais com críticas à vacinação e defendendo o uso de medicamentos sem eficácia para tratar a covid-19.

“Com essa conduta, Otávio Fakhoury contribuiu para que um número significativo de brasileiros não aceitasse a vacinação com a CoronaVac”, afirma o relatório.

Fakhoury depôs à CPI no dia 30 de setembro. Disse que suas conclusões seriam uma opinião pessoal e que a emitiu com base no direito à liberdade de expressão.

O que diz Fakhoury

Em entrevista ao Comprova via ligação pelo WhatsApp, na presença do assessor de comunicação, Otávio Fakhoury afirmou que a postagem do Twitter não tinha cunho opinativo, com exceção da última linha, em que ele escreveu: “Leia a troca formal com o CDC e julgue você mesmo”.

De acordo com ele, o restante do tuíte seria uma transcrição resumida do que havia na suposta troca de mensagens entre o colunista norte-americano e o CDC.

“No meu texto deixei claro ali [que não opinei]. Até escrevi que não emiti opinião minha. Coloquei no final que gostaria que todo mundo formasse a sua opinião”, disse o líder do PTB. Fakhoury também disse não ser apto a debater sobre a imunização e que apenas leu o “texto inteiro” e achou “a troca de emails interessante”.

O líder do PTB alega não ser contra a vacinação, mas declara abertamente que não concorda com o uso obrigatório dos imunizantes contra a covid-19 e o passaporte vacinal.

“Eu até coloquei num segundo tuíte agora, como você está falando comigo, onde eu digo: (sic) ‘Antes q qquer um venha taxar o tweet acima de ‘fake news’, já deixo claro q o q escrevi foi um resumo em português do q foi escrito nos parágrafos iniciais pelo autor do artigo. Não sou jornalista, não faço notícias, e o q compartilho são matérias q podem ser de interesse geral'”.

Por telefone, o político disse que o texto é apenas uma tradução e que a veracidade do texto deve ser checada com o autor do mesmo. Mais uma vez, ele voltou a afirmar que apenas “reproduziu a tradução”.

“Eu não sou técnico, mas gosto de ler coisas de gente técnica. Cresço quando assisto gente técnica debater, a gente não cresce vendo senador debater. Sou leigo, então como posso formar uma opinião? Vendo os técnicos falarem, vendo o CDC falar”, reforçou.

Ao ser questionado sobre a leitura de um estudo recente do centro de controle da saúde norte-americana, que aponta para a melhor resposta imune em pessoas já tiveram covid-19 e se vacinaram, Fakhoury afirmou não saber da existência dele.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre a pandemia, as políticas públicas do governo federal e as eleições. O tuíte em questão teve mais de 3 mil interações.

Publicações que envolvem a covid-19, especialmente as vacinas, são importantes de serem verificadas porque podem afetar a confiança da população nos imunizantes que, até aqui, são a principal arma defendida por autoridades de saúde para combater a doença. Além disso, pessoas desinformadas sobre a pandemia podem colocar suas vidas em risco.

Recentemente, o Comprova mostrou que os testes de anticorpos não devem substituir a vacina contra a covid-19, como sugeria um deputado do Paraná; que uma deputada distorceu entrevista de uma diretora do CDC para criticar as vacinas e a adoção de “passaportes sanitários”; e que um infectologista fez uma publicação enganosa ao comparar a imunidade gerada por doenças como sarampo, febre amarela e hepatite B àquela gerada pela covid-19.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-10-29

É falso que órfãos da Polônia são usados em experimentos de vacina da Pfizer e Moderna

  • Falso
Falso
São falsas as afirmações compartilhadas por uma apresentadora brasileira que vive nos Estados Unidos sobre médicos poloneses terem denunciado a utilização de bebês órfãos em experimentos ilegais de “vacinas de engenharia genética” contra a covid-19, desenvolvidas pela Pfizer e Moderna. A partir de mentiras, a publicação nociva induz a população a evitar os imunizantes, ainda que os insumos sejam comprovadamente eficazes e seguros, de acordo com órgãos nacionais e internacionais de vigilância em saúde.
  • Conteúdo verificado: Texto que circula nas redes sociais diz que médicos poloneses denunciaram supostos “experimentos ilegais realizados com bebês órfãos na Polônia, Espanha, Finlândia e Estados Unidos”. Os experimentos, diz o texto, visam “testar suas novas vacinas de engenharia genética“.

É falso que médicos poloneses denunciaram a utilização de bebês órfãos em experimentos ilegais de “vacinas de engenharia genética” contra a covid-19. A autora da postagem é Karina Michelin, já verificada em checagens anteriores do Comprova, e na publicação verificada utiliza argumentos sem comprovação, desmentidos pelo Ministério da Saúde polonês e pela fabricante dos imunizantes.

Procurada pelo Comprova, a primeira conselheira de Missão da Embaixada da República da Polônia em Brasília, Renata Siuda-Ambroziak, afirmou que todos os estudos sobre o imunizante contra o coronavírus obtiveram autorização legal exigida pelas entidades de saúde e ética locais.

Além disso, um infectologista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) esclareceu que “engenharia genética” é o antigo nome dado à biologia molecular, utilizada tanto na fabricação de vacinas quanto de medicações, como a insulina.

Diferentemente da indução que o texto de Karina Michelin faz sobre o uso dessa técnica ser algo prejudicial, o especialista afirma que ela é utilizada por mais de 50 anos, sem prejuízos aos usuários dos fármacos.

A reportagem contatou a autora da postagem, para saber quais eram suas fontes e verificar a procedência das informações. Até o momento, não houve retorno.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

O Comprova contactou as farmacêuticas Pfizer e Moderna para checar se as informações citadas na publicação verificada procediam. Apenas a primeira retornou até o momento, com explicações sobre a não procedência das informações.

Em seguida, pesquisamos na internet sobre quem é Grzegorz Braun, o político citado na postagem. O Comprova pesquisou o perfil de Braun no Twitter para descobrir se, realmente, ele compartilhou informações a respeito de supostos experimentos ilegais com crianças órfãs polonesas, como divulgaram Karina Michelin, em sua página, e o grupo Médicos pela Vida, pelo Telegram.

Na sequência, a reportagem recorreu às checagens anteriores sobre publicações feitas por Michelin, para consultar as informações que haviam sido levantadas sobre ela. Buscas na internet também foram realizadas para conseguir dados sobre quem seria a jornalista e apresentadora, além do contato com ela. Até o momento, não houve retorno.

Depois, fez contato com o político Grzegorz Braun por meio do perfil dele no Twitter, na página pessoal que ele mantém na internet e, também, com o partido que ele diz presidir.

O passo seguinte consistiu em buscar respostas junto ao governo polonês procurando a Embaixada da Polônia em Brasília, a fim de confirmar a existência de tal pesquisa e saber se ela estaria sendo feita com crianças órfãs da covid-19 no país.

Por último, foi consultado Daniel Mansur, infectologista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), para que uma explicação científica sobre o assunto pudesse contextualizar e dizer se procedia ou não o uso de “engenharia genética” para a produção de vacinas.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 29 de outubro de 2021.

Verificação

O que diz o governo polonês

A equipe do Comprova contatou o Ministério da Saúde da Polônia, e também a Embaixada da Polônia em Brasília. Nos dois casos, enviamos o link do post do político Grzegorz Braun sobre a pesquisa realizada no país com crianças, e também o da postagem de Karina Michelin.

Em resposta, Renata Siuda-Ambroziak, primeira conselheira/vice-chefe da Missão da Embaixada da República da Polônia em Brasília confirmou que um ensaio clínico patrocinado pela BioNTech com a vacina Comirnaty está em andamento no país e que todos os protocolos legais foram cumpridos.

“O estudo é justificado cientificamente, descrito no protocolo do ensaio clínico e conduzido por pesquisadores – médicos com qualificação profissional adequada, conhecimento científico e experiência no trabalho com pacientes”. Além disso, o pesquisador é responsável pela obtenção do consentimento consciente de cada participante do estudo.

A vice-chefe da missão acrescentou que, em abril deste ano, “o estudo obteve a autorização legalmente exigida junto ao Gabinete de Registo do PLWMiPB e o parecer favorável da comissão de ética, após cumprir os requisitos estabelecidos no regulamento que rege os ensaios clínicos de medicamentos”.

A pesquisa tem três fases e o objetivo é determinar a dose e avaliar a segurança, a tolerabilidade e a imunogenicidade. O estudo de fase II/III é cego para observador controlado por placebo para determinar a segurança, a tolerabilidade e a imunogenicidade da vacina candidata de RNA Sars-CoV-2 contra covid-19 em crianças saudáveis ​menores de 12 anos. Siuda-Ambroziak ressalta que a fase I da pesquisa já foi realizada nos Estados Unidos.

Quanto ao procedimento adotado para as pesquisas com crianças, a chefe da Missão explica que, os regulamentos poloneses preveem a necessidade de consentimento do representante legal da criança menor de 13 anos.

Quanto ao questionamento se Grzegorz Braun oficializou alguma denúncia, a representante da embaixada da Polônia em Brasília informou que, “até ao momento, o Gabinete não recebeu qualquer informação sobre quaisquer irregularidades a este respeito. (…) Braun emitiu perguntas e notificações oficiais. Na opinião do Instituto, as dúvidas decorrem do desconhecimento das disposições legais sobre ensaios clínicos de medicamentos.”

Quem é Grzegorz Braun?

Grzegorz Michał Braun é um político conservador do Sejm, a Câmara baixa do parlamento polonês. Concorreu nas eleições municipais de Gdansk, logo após o assassinato do então prefeito Pawel Adamowicz, ocorrido em 2019. Segundo reportagem da RFI, a plataforma de Braun foi “a defesa da Polônia da invasão migratória e das ordens da União Europeia”.

No site que leva seu nome, ele diz ser graduado em Estudos Poloneses pela Universidade de Wrocław, onde também foi professor de jornalismo até 2007. Em 2015, concorreu ao cargo de presidente da República da Polônia.

No que consiste a denúncia?

O Comprova pesquisou o perfil de Grzegorz Michał Braun no Twitter para descobrir se, realmente, ele tuitou sobre supostos experimentos ilegais com crianças órfãs polonesas, como divulgaram Karina Michelin e o grupo Médicos pela Vida.

Localizamos o post e, usando a ferramenta do Google Tradutor, identificamos que, o post, ele publica a imagem de um documento e cita o presidente do Escritório de Registro de Medicamentos, Dispositivos Médicos e Produtos Biocidas, Grzegorz Cessak, afirmando que, desde 27 de de abril, havia uma decisão do órgão “que permite a vacinação experimental ‘anti covid’ de crianças e bebês saudáveis — a sentença de “partes” é suficiente para toda a justificativa”.

Após encontrar o documento postado pelo político, o Comprova recorreu ao Google Tradutor para descobrir como se escreve “crianças órfãs”, “órfãs” ou “órfãos” em polonês e encontrou os seguintes termos: “osierocone dzieci”, “sierota” e “sieroty”. Não há nenhuma dessas palavras no post de Braun nem no documento postado por ele. Há, tão somente, a afirmação de que as autoridades autorizaram “a vacinação experimental anti covid de crianças e bebês saudáveis”.

O Comprova quis saber de Braun qual era a crítica dele à pesquisa e se o documento postado fazia menção a crianças órfãs da covid. Os contatos foram feitos por meio de mensagens enviadas em seu perfil do Twitter e também para o Kon Federacja, partido do qual ele se apresenta como presidente. Além disso, nossa equipe enviou e-mail para a seção “contato” da página que ele mantém na internet. Até o fechamento desta matéria não houve retorno.

O que diz o infectologista

Diante da confirmação do governo polonês sobre a existência da pesquisa de vacina contra a covid-19 com crianças menores de 12 anos, o Comprova quis saber de um infectologista como são os protocolos de testes.

Daniel Mansur explica que é fundamental apresentar evidências dos ensaios de segurança durante o pedido de uso emergencial de vacina, capazes de assegurar que os imunizantes são seguros e eficazes.

O cientista descreveu ainda que esses mesmos ensaios costumam ser testados em grupos diversos de pessoas, iniciando a testagem — em linhas gerais — em pessoas a partir dos 18 anos e, à medida em que se apresentam indícios seguros e eficientes, outra faixa de idade é testada.

Ao ser questionado se era possível que crianças órfãs estejam sendo submetidas aos testes, como afirma a publicação de Karina Michelin, o infectologista afirma que a ação, caso estivesse de fato ocorrendo, não seria ética.

Terapia de “engenharia genética”

Diante dos questionamentos feitos na publicação sobre os imunizantes, o professor da UFSC disse que as vacinas são seguras e que, até agora, os efeitos colaterais que aparecem na maioria das pessoas são rápidos.

A engenharia genética faz parte da constituição de diversas vacinas, segundo explica o infectologista. Mansur diz ainda que este termo foi substituído por “biologia molecular”.

“Pessoas mais de antigamente chamariam isso de engenharia genética [esse método de produzir imunizantes]. Isso não quer dizer que existe um problema. É uma técnica estabelecida há 40, 50 anos. Então, sim, a maioria delas é feita por engenharia genética, mas não existe nenhum problema relacionado”.

A insulina e os anticorpos utilizados para tratar o câncer são exemplos que ilustram a utilização da biologia molecular no cotidiano, de acordo com o infectologista.

Quem é a autora do post verificado

A autora do post, replicado também no grupo do Telegram ‘Médicos pela Vida’, se apresenta no Linkedin como produtora e apresentadora de um programa de TV na Flórida, voltado para brasileiros interessados em compras e baladas em Miami.

Outras publicações de Karina já foram alvos de checagens do Comprova. No caso do vídeo postado por ela para dizer que a imprensa dá destaque para pesquisadores irrelevantes. Além de usar o índice-H — métrica que avalia a quantidade de citações de artigos científicos de um determinado pesquisador — de cientistas que estudam o novo coronavírus de forma equivocada, ela errou ao dizer que pesquisadores da Organização Mundial de Saúde (OMS) não têm citações acadêmicas.

O Comprova contatou a autora da postagem, para saber quais eram suas fontes e verificar a procedência das informações. Até o momento, não houve retorno.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O post verificado alcançou 1.500 curtidas e mais de 500 compartilhamentos no Twitter.

Publicações falsas, como a que foi aqui verificada, colocam a saúde da população em risco ao afirmar que a vacinação contra a covid-19 voltada para crianças é dispensável. Já foi comprovada em estudos de órgãos nacionais a eficácia das vacinas disponíveis atualmente contra a doença.

Isso fica claro na reação dos seguidores de Karina Michelin ao comentarem o post. “Querem destruir a todo custo quem não tem como se defender… literalmente”, tuitou uma mulher que se apresenta como pastora.

Outro seguidor escreve: “Eugenia in progress”, com o emoji da lupa.

O Comprova já verificou outros boatos como esse relacionados à vacina, como um tuíte que engana ao dizer que a vacina da Pfizer tem partículas contaminantes e a publicação que engana ao dizer que dados oficiais sobre a covid-19 em 2020 e 2021 apresentados pelo G1 comprovam a ineficácia das vacinas

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-10-27

Frase de Nobel de Medicina, de 2007, é tirada de contexto para defender “tratamento precoce”

  • Enganoso
Enganoso
Post viral no Facebook engana ao associar comentário do vencedor do prêmio Nobel de Medicina de 1993, Richard J. Roberts, ao "tratamento precoce" contra a covid-19, comprovadamente ineficaz. O post sugere que não há interesse da indústria farmacêutica em produzir medicamentos para tratamento de doenças, mas a frase foi tirada de contexto. Ao Comprova, Roberts desmentiu a relação entre a frase que disse em 2007 e a pandemia.
  • Conteúdo verificado: Post no Facebook usa foto e comentário de Richard J. Roberts, vencedor do prêmio Nobel de Medicina de 1993, fora de contexto para promover o “tratamento precoce” contra a covid-19.

É enganosa a publicação viral no Facebook que usa uma fala de Richard J. Roberts, vencedor do Prêmio Nobel de Medicina, para promover o “tratamento precoce” contra a covid-19.

O autor do post usa a seguinte frase creditada a Roberts, acompanhada de foto do cientista: “Medicamentos que curam não são rentáveis, portanto, não são produzidos. A indústria farmacêutica, na realidade, não quer curar ninguém, e por um motivo muito simples e direto: a cura é menos rentável que a doença”. Na legenda, o autor do post enganoso escreve: “Por isso não queriam autorizar o tratamento precoce”, associando a reputação de um conceituado cientista a um tratamento sem eficácia comprovada.

O comentário foi feito por Roberts em 2007, mas nada tinha a ver com o novo coronavírus, que estava longe de ser descoberto. Ao Comprova, o cientista afirmou ter dado a declaração sobre “antibióticos e em relação à motivação do lucro que impulsiona a indústria farmacêutica” e descartou relação com a pandemia.

A reportagem contatou o perfil do grupo Bolsonaro 2022, um dos primeiros a publicar o conteúdo, mas não recebeu resposta. O Comprova considerou enganoso o conteúdo porque a frase foi tirada do contexto original e usada para induzir a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Como verificamos?

A reportagem buscou informações sobre Richard J. Roberts e sobre seu trabalho com biologia molecular no processamento de genes que lhe rendeu o Nobel. Por meio de pesquisa no Google, verificou-se que o comentário dele sobre a indústria farmacêutica foi feito em entrevista publicada na página 64 da edição de 27 de julho de 2007 do jornal La Vanguardia, da Espanha.

Em seguida, o Comprova procurou também a Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas e o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo para comentarem a alegação de que não haveria interesse em produzir medicamentos contra a covid-19, o que foi refutado por ambas as instituições.

O próximo passo foi contatar o cientista pelo e-mail informado na página da Universidade Northeastern, onde ele aparece como docente. Para saber mais sobre a pesquisa de novos medicamentos, a reportagem entrevistou, por WhatsApp, Lucindo Quintanas, diretor da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas (ABCF) e pró-reitor de pós-graduação e pesquisa da Universidade Federal de Sergipe, além de representantes do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma).

A equipe também procurou o autor de uma das primeiras publicações feitas utilizando a montagem no Facebook e o usuário que compartilhou o post relacionando-o ao “tratamento precoce”, mas eles não responderam até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 27 de outubro de 2021.

Verificação

A origem da frase

A fala de Roberts é verdadeira, mas foi tirada de contexto. A afirmação é de 27 de julho de 2007, portanto 13 anos antes da pandemia, e está publicada no jornal espanhol La Vanguardia.

“Os antibióticos foram interrompidos porque eles são muito eficazes e curam completamente. Como nenhum novo antibiótico foi desenvolvido, os microrganismos infecciosos se tornaram resistentes e, hoje, a tuberculose, que havia sido derrotada na minha infância, está ressurgindo e matou 1 milhão de pessoas no ano passado”, diz o cientista no texto.

Questionado pelo jornalista do La Vanguardia se estaria se referindo ao Terceiro Mundo, Richard responde: “Esse é outro triste capítulo: apenas se investigam as doenças do Terceiro Mundo, mas os medicamentos que as combateriam não são rentáveis. Mas estou te falando do nosso Primeiro Mundo: o medicamento que cura completamente não é rentável e por isso não o pesquisam”.

Nenhuma referência à covid-19

O Comprova entrou em contato com Richard J. Roberts para esclarecer o contexto em que a fala sobre a indústria farmacêutica foi dita e questionou se ele mantém o mesmo entendimento quando trata-se da busca por novos medicamentos para a covid-19.

O cientista afirmou ter feito a declaração usada no post verificado aqui, “mas no contexto dos antibióticos e em relação à motivação do lucro que impulsiona a indústria farmacêutica”. À reportagem, ele explicou: “A premissa é simples. Se eu comprar um medicamento que me cura, só preciso de uma dose. Se eu comprar um medicamento que apenas atenua os sintomas temporariamente, preciso continuar a tomá-lo regularmente, talvez pelo resto da minha vida. Os lucros do último excedem em muito os do primeiro, mesmo que o custo de uma dose seja bastante alto”.

Quando questionado se a frase usada no post poderia ser aplicada em relação à pesquisa e ao desenvolvimento de remédios contra a covid-19, Richard afirmou que a situação é diferente também por aspectos econômicos. “É muito diferente. Em parte, devido ao número de casos em todo o mundo e à probabilidade de se tornar endêmica como a gripe. Em um caso como este, as consequências econômicas da doença são muito diferentes das de uma infecção bacteriana que ocorre com pouca frequência.”

Além do posicionamento enviado ao Comprova, Richard já havia se manifestado a favor da Ciência em outras ocasiões. Em um bate-papo com o pesquisador Johan Rockström e com a vice-presidente de Ciência e Programa do Museu do Prêmio Nobel, Anna Sjöström, publicado no canal oficial do Prêmio Nobel no YouTube, há sete meses, ele disse: “Sinto que os países que se saíram melhor na crise da covid foram aqueles nos quais os políticos realmente reconheceram que os cientistas eram as pessoas que precisavam fazer a comunicação, e não eles”. Na ocasião, o Nobel também afirmou que “o valor da Ciência realmente cresceu muito dentro de um ano nesta terrível pandemia” e defendeu os imunizantes, que costumam ser criticados por quem apoia o “tratamento precoce”. “A vacina foi desenvolvida em tempo recorde, o que foi realmente bom”, disse.

Sem comprovação científica

Desde os primeiros meses da pandemia, o governo federal defendia o uso de medicamentos sem comprovação científica para o tratamento da doença, algo que o presidente continua fazendo. Em 20 de maio de 2020, foi publicado documento com orientações para o manuseio de medicamentos incluídos no chamado “tratamento precoce” contra a covid-19.

Há menções ao tratamento precoce em boletins informativos disponibilizados no site do poder executivo entre 2020 e 2021, sendo que a última menção clara foi feita no dia 11 de janeiro de 2021, nos posts “Em visita a Manaus, ministro Pazuello diz que programa de vacinação do Brasil será ‘o maior do mundo’” e “Ministério da Saúde levanta situação da atenção primária em Manaus”.

No dia 25 do mesmo mês, a Folha noticiou que a Saúde apagou um texto que orientava o ‘tratamento’ de seu site oficial. Em maio, conforme a Piauí, a recomendação para o uso de cloroquina também foi deletada do site do Ministério da Saúde, às vésperas do início da CPI da Pandemia.

Sem nenhuma comprovação científica contra a covid e não recomendado por autoridades de saúde, o ‘tratamento’ continua sendo defendido por Jair Bolsonaro (sem partido), aliados e seguidores como uma forma de enfrentamento da pandemia. As ações do presidente em relação aos medicamentos foram alvo de investigação da CPI da Pandemia no Senado.

No relatório final da CPI consta trecho de uma nota técnica enviada pelo Ministério de Saúde com entendimento de que os medicamentos defendidos não têm eficácia comprovada e não devem ser usados no tratamento da doença. “Alguns medicamentos foram testados e não mostraram benefícios clínicos na população de pacientes hospitalizados, não devendo ser utilizados, sendo eles: hidroxicloroquina ou cloroquina, azitromicina, lopinavir/ritonavir, colchicina e plasma convalescente. A ivermectina e a associação de casirivimabe + imdevimabe não possuem evidência que justifiquem seu uso em pacientes hospitalizados, não devendo ser utilizados nessa população”, descreve o documento.

Entretanto, o presidente Jair Bolsonaro continua defendendo o tratamento precoce. Em 21 de setembro, quando participou da 76ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), ele disse que “desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do ‘tratamento precoce‘”.

Novos medicamentos

Lucindo Quintanas, diretor da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas, reforçou que a aspa destacada no post verificado aqui foi tirada de contexto. “Em nenhum momento ele (Richards) afirma que o setor farmacêutico esteja trabalhando para o não desenvolvimento de drogas contra a covid-19. Pelo contrário, indústrias de biotecnologia, startups e o setor farmacêutico, chamado de big pharma, têm trabalhado incansavelmente no desenvolvimento das vacinas”, afirmou.

Segundo Quintanas, “algumas medicações estão sendo desenvolvidas para pacientes que vão ter a covid-19, alguns já estão na fase 3 de testes, e o setor farmacêutico é um grande parceiro e financiador de parte deste trabalho”.

Ele destacou ainda que “nesse momento, a covid é uma das áreas de maior interesse para o setor, que tem investido muito para desenvolver tratamentos de eficácia clínica para os pacientes e imunizantes para reduzir a possibilidade de que as pessoas cheguem a desenvolver as formas graves da doença”.

Em nota oficial enviada à reportagem, o Sindusfarma também destacou o empenho do setor para o desenvolvimento de imunizantes e de medicações. “A pandemia reafirmou o papel fundamental da indústria farmacêutica para a prevenção e a cura de doenças. Até a manhã do dia 22 de outubro, mais de 3,8 bilhões de pessoas – 50% da população mundial – foram vacinadas e protegidas. Uma grande conquista da indústria farmacêutica em benefício da Humanidade”, afirmou a entidade.

Quem é Richard J. Roberts?

Um dos vencedores do prêmio Nobel de Medicina de 1993, Richard J. Roberts é formado em Química e doutor em Química Orgânica pela Universidade de Sheffield, na Inglaterra. Atualmente, é diretor científico da New England Biolabs, empresa que trabalha na descoberta e produção de enzimas para aplicações em biologia molecular. Também está no quadro de docentes da Universidade Northeastern, em Boston, nos Estados Unidos.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O post que associa a fala de Richard Roberts ao tratamento precoce teve mais de 2,6 mil compartilhamentos e 3,8 mil curtidas no Facebook até 27 de outubro.

Comentários na postagem, como “Sim, muitas doenças já têm cura e outras são provocadas pelos medicamentos contínuos que nos oferecem, quando lemos a bula vemos os interesses exclusos (sic). A vacina também é um jeito de deixá-los mais ricos do que já são” e “Fizemos aqui em casa o tratamento precoce e estamos todos bem, queremos saber também sobre as pessoas que tomaram a segunda dose da vacina e morreram de covid. Exemplo Tarcísio Meira e outros”, reforçam a ideia de que medicamentos e vacinas com segurança e eficácia comprovadas cientificamente não funcionam, contribuindo para a desinformação.

Outros conteúdos que tentam questionar a segurança das vacinas contra o coronavírus já foram publicados recentemente pelo Comprova, como a comparação enganosa entre a imunidade gerada pelas vacinas contra o sarampo, a febre amarela e a hepatite B com a da covid-19, a associação, também enganosa, entre partículas contaminantes e a vacina da Pfizer, e a suposição de que vacinados estariam se tornando transumanos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-10-26

Comparar número de mortes por covid em 2020 e 2021 não indica ineficácia da vacinação

  • Enganoso
Enganoso
Publicação feita no Twitter engana ao relacionar o número de vacinados e o avanço de mortes por covid-19 entre 2020 e 2021. O post compara cenários diferentes da pandemia, da evolução de casos e da cobertura vacinal no Brasil. Ele descontextualiza matérias jornalísticas utilizadas como base dos argumentos apresentados no Twitter. Entidades de saúde brasileiras e internacionais reforçam que a vacina tem sido eficaz no combate e na redução de casos graves e mortes pela doença.
  • Conteúdo verificado: Publicação feita pelo economista e comentarista da Jovem Pan Rodrigo Constantino, no Twitter, distorce dados oficiais sobre a covid-19 apresentados pelo G1 para contestar a eficácia das vacinas.

É enganosa a publicação compartilhada no Twitter pelo economista e comentarista da Jovem Pan Rodrigo Constantino contestando a eficácia das vacinas contra a covid-19, porque descontextualiza matérias jornalísticas utilizadas como base dos argumentos apresentados.

No tuíte verificado, Constantino utiliza dados divulgados pelo portal G1 em 1º de janeiro e em 15 de outubro de 2021. Na primeira data, o Brasil registrava 195 mil mortes pela doença, enquanto, na segunda, havia ultrapassado 600 mil mortes.

Diante disso, o comentarista escreveu: “Em 2020, sem vacinas, o Brasil não chegou a 200 mil mortes com covid; em 2021, com mais de 100 milhões de pessoas vacinadas com 2 doses, até agora mais de 400 mil pessoas morreram, ou seja, o dobro”.

A construção narrativa feita por Constantino descredibiliza os imunizantes contra a covid-19 por uma comparação sem fundamento, visto que os números de mortes e casos da doença têm caído desde o início da vacinação. Além disso, a publicação não considera o ritmo da imunização do país, distorcendo a realidade.

Diante disso, o Comprova considerou o conteúdo enganoso porque se baseia em dados imprecisos e confunde os internautas sobre os efeitos gerados pela vacina contra o coronavírus, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

O Comprova buscou informações sobre o caso em matérias jornalísticas e no site oficial da OMS (Organização Mundial da Saúde), da Universidade Johns Hopkins e do Ministério da Saúde brasileiro.

Entrevistamos, por WhatsApp, o autor da publicação, Rodrigo Constantino. Procuramos Sabine Righetti, pesquisadora de Política Científica associada à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fundadora da Agência Bori, com trabalho voltado para a covid-19.

Também conversamos por WhatsApp com Leonardo Weissmann, infectologista do instituto Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, além do infectologista da Sociedade Mineira de Infectologia, Carlos Starling.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 26 de outubro de 2021.

Verificação

A relação estabelecida pelo comentarista da Jovem Pan Rodrigo Constantino entre o número de vacinados e o avanço de mortes por covid-19 entre 2020 e 2021 não tem fundamento, porque compara cenários diferentes da pandemia, da evolução de casos e da cobertura vacinal no Brasil. Ele descontextualiza matérias jornalísticas utilizadas como base dos argumentos apresentados no Twitter.

Não é cabível utilizar como parâmetro as métricas citadas por Constantino devido a uma série de fatores. O colunista errou ao afirmar que o ano de 2020 tinha menos mortes devido à ausência de vacinas.

Em entrevista ao Comprova, o infectologista Leonardo Weissmann, analisou a publicação de Constantino.

Segundo Weissmann, a informação citada na postagem está “fora de contexto” e é “sem sentido”. Ele explicou o motivo em 6 pontos:

  • A primeira pessoa foi vacinada no Brasil no dia 17 de janeiro e é de conhecimento geral que a vacinação no país demorou a engrenar, por falta de organização e de vacinas.
  • Em 10 de abril de 2021, o país registrou 2.616 óbitos em um único dia, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde. O número de óbitos acumulados já passava de 351 mil. Nessa mesma data, de acordo com o site Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford, na Inglaterra, 9,7% da população brasileira havia tomado a primeira dose da vacina e apenas 2,8% tinha imunização completa.
  • Com o aumento de vacinados no país, a curva de hospitalização e óbitos assumiu uma tendência de queda, demonstrando que o imunizante está cumprindo com o seu papel de proteção contra formas graves da covid-19. Os números demonstram isso claramente.
  • Estudo realizado pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, e divulgado recentemente, com 1.174 pacientes internados de janeiro a setembro de 2021, demonstrou que aproximadamente 88% não tinham imunização completa, ou seja, quase 9 em cada 10 pacientes. Desses, 274 morreram, sendo que 237 não estavam vacinados e apenas 16 pessoas tinham recebido duas doses, isto é, quase 15 vezes mais óbitos entre os não vacinados.
  • Outro estudo, realizado por pesquisadores da Fiocruz, com dados oficiais de 1º a 26 de setembro, demonstrou que, dos indivíduos entre 0 e 59 anos que morreram nesse período, 85% tinham vacinação incompleta.

Também contatado pelo Comprova, o ex-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia Carlos Starling, que é um dos integrantes do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 de Belo Horizonte, criticou a colocação do tuíte e a chamou de ingênua “do ponto de vista epidemiológico”, além de “contaminada por ideologia política”.

“Vacinas não são mágicas. O fato de termos as doses não significa que tenham sido aplicadas”, respondeu o infectologista à reportagem. Na avaliação dele, a capacidade vacinal do SUS poderia ter salvado muito mais vidas no começo do ano, caso os imunizantes tivessem sido adquiridos antes.

Starling lembrou ainda que o país teve, no começo de 2021, a disseminação da variante Gama (P1), mais transmissível e virulenta do que a Alpha, até então predominante.

“Somente agora, no segundo semestre de 2021 podemos ver o efeito real da vacinação nos indicadores epidemiológicos. Estudos de vida real publicados pelo Reino Unido, Israel, Uruguai, Chile, etc; mostram que as vacinas – todas elas – reduziram em mais de 90% o risco de morte por covid”, completou.

Pesquisadora de Política Científica associada à Unicamp, com trabalho voltado para a covid-19, Sabine Righetti afirmou ao Comprova que a análise tem de ser feita a partir do início da vacinação no país.

“Em abril a gente chegou a 4 mil mortos por dia, com uma média móvel aí de mais de 3,5 mil. De lá pra cá, com a aceleração da vacinação, a tendência de queda de mortos tem se mantido, nunca foi revertida, mesmo com as variantes”, disse a pesquisadora, fundadora da Agência Bori.

O mês de abril de 2021 foi o mais letal da pandemia no Brasil. Foi encerrado com média móvel de mortos superior a 2,5 mil, com 82.401 óbitos. A média móvel é o cálculo por meio do qual é possível analisar com mais precisão os movimentos da curva de infectados ou mortos, se ascendente ou decrescente.

Consiste na soma do número de casos ou de mortos dos sete dias anteriores. O resultado da soma deve ser dividido por sete. Não são os óbitos ocorridos na semana os que entram na operação matemática, mas os que foram registrados no sistema no decorrer da semana.

Em 30 de abril, o esquema vacinal havia sido completado em 15.677.543 pessoas, isto é, em 7,40% da população brasileira.

Para que um resultado coletivo favorável contra o vírus seja atingido, especialistas citam uma cobertura vacinal entre 80% e 90%, como mostra esta reportagem do UOL. “Só assim a gente terá uma prevenção de casos moderados e graves, o que tornará a doença algo possível de conviver”, projetou em janeiro Melissa Palmieri, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) em São Paulo.

As vacinas funcionam

Números do Consórcio de Veículos de Imprensa e do site Our World in Data mostram que a curva de mortos pela covid-19 caiu na medida em que a vacinação avançou no Brasil. É uma relação de causa e consequência possível de ser estabelecida, como afirmou Leonardo Weissmann e ao contrário do que sugeriu Constantino.

Em 25 de outubro, a média móvel de mortes diárias por covid-19 no país estava em 338, segundo dados do Consórcio de Veículos de Imprensa. Já o Our World in Data demonstra que a taxa de vacinação contra a covid estava, em 24 de outubro (último dado disponibilizado, até a publicação desta checagem), em 53,97%. Outros 20,08% da população tomaram uma dose do imunizante.

No país, onde há maior recusa de aplicação das vacinas, o número de internados por covid-19 tem sido elevado. Em uma matéria publicada em 30 de setembro, o UOL mostrou que, no Rio de Janeiro, 94,5% dos internados em um hospital de referência eram pessoas não vacinadas.

Um total de 206 pessoas entre os 218 internados com o vírus no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla não foram imunizados. Desse grupo, 12 hospitalizados haviam tomado ao menos uma dose da vacina. As informações foram repassadas ao portal de notícias pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

O cenário se repete nos Estados Unidos: o número de casos e mortes tem aumentado nos estados com as menores taxas de vacinação.

Como mostrou uma verificação anterior, feita pelo UOL Confere, dados da Universidade Johns Hopkins utilizados pelo monitoramento do site Our World in Data sobre o avanço da covid-19 entre março de 2020 e outubro de 2021 nos Estados Unidos comprovam que o avanço da imunização gerou queda no número de mortes pela doença entre janeiro — que foi o pico de casos no país — e julho deste ano.

O autor

O Comprova entrou em contato com Rodrigo Constantino. O economista respondeu que “publicou um dado oficial” e que “deixou perguntas sobre qual a explicação para tal fenômeno no ar”.

Em seguida, o comentarista da Jovem Pan expôs a repórter do Comprova no Twitter, por meio do compartilhamento das mensagens trocadas na apuração das informações aqui checadas, mas sem incluir a íntegra da mensagem enviada.

100 milhões de vacinados no Brasil

O Brasil alcançou a marca de 100 milhões de pessoas totalmente vacinadas em 13 de outubro deste ano, de acordo com dados levantados pelo consórcio de veículos de imprensa, do qual o UOL, a Folha de S. Paulo, o Estadão, o G1, o O Globo e o Extra fazem parte.

Naquela altura, o país passou a integrar a lista de nações mais populosas a ultrapassar a marca. Os Estados Unidos, a Índia e a China também haviam completado o esquema de vacinação em mais de 100 milhões de pessoas, segundo dados do Our World in Data e de veículos internacionais de imprensa.

O número foi alcançado 58 dias após a marca de 50 milhões de pessoas com o esquema de imunização completo, que ocorreu no dia 16 de agosto.

No dia em que o país atingiu a marca de imunizados, 201 novas mortes por covid-19 foram registradas. Ao todo, o Brasil notificou 605.884 óbitos por conta da doença desde o início da pandemia até o dia 25 de outubro de 2021.

São Paulo registrava mais de 100 mortes diárias e na data em que houve o recorde foram notificados apenas nove. No mesmo momento, os estados do Acre, Amapá, Ceará, Rondônia e Roraima não registraram nenhum óbito.

Ao todo, 18 estados apresentam queda e sete, alta. O Distrito Federal e o Ceará apresentaram estabilidade. O dado foi comparado com o mesmo índice de 14 dias anteriores.

A variação do Brasil está pelo quarto dia seguido em queda: o índice ficou em -41%. Se ficar abaixo de -15%, indica tendência de queda; acima de 15%, aceleração; entre esses dois valores, estabilidade.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O post verificado foi compartilhado originalmente no Twitter e alcançou mais de 15,4 mil interações, entre curtidas, comentários e compartilhamentos.

Publicações enganosas como esta colocam a saúde da população em risco ao sugerir que a vacinação contra a covid-19 é dispensável. A eficácia e a segurança dos imunizantes já foram comprovadas em estudos de órgãos nacionais, como a.Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e internacionais.

É por meio da imunização que os números de casos e óbitos da doença têm caído. Além da repercussão, a postagem torna-se nociva por partir de uma pessoa de visibilidade, capaz de formar opinião de outras pessoas sobre assuntos diversos. Dessa maneira, o tuíte acaba sendo considerado por pessoas que o têm como autoridade.

Outras verificações desmentem boatos da internet como essa, ligada à vacina, como a de um deputado do Paraná que afirma que teste de anticorpos podem substituir os imunizantes e a de um tuíte que engana ao dizer que a vacina da Pfizer tem partículas contaminantes.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-10-25

Antiviral em teste da Pfizer não tem ivermectina na fórmula

  • Falso
Falso
São falsas as alegações feitas em vídeo de que a Pfizer estaria desenvolvendo um remédio para covid-19 que contém, entre seus componentes, a ivermectina. A farmacêutica está, sim, produzindo um medicamento via oral contra a doença, mas, como a empresa informou ao Comprova, sua fórmula não contém o antiparasitário, comprovadamente ineficaz contra o coronavírus.
  • Conteúdo verificado: Um vídeo que circula no TikTok afirma que a Pfizer está desenvolvendo um remédio para covid-19 com ivermectina na composição.

É falso o conteúdo de um vídeo que circula no TikTok afirmando que a Pfizer está desenvolvendo um medicamento contra a covid-19 com ivermectina em sua fórmula. O PF-07321332 (nome provisório do medicamento em teste) é uma terapia antiviral projetada especificamente para ser administrada por via oral.

Como a farmacêutica informou ao Comprova, o remédio é um “inibidor de protease”, enzima presente no novo coronavírus necessária para que ele se replique, e não tem nenhuma semelhança com a ivermectina ou com “qualquer composição” dela.

Naylson Ribeiro, farmacêutico clínico formado pelo Instituto de Ciência e Tecnologia da Qualidade (ICTQ) do Piauí, explica que a ivermectina é um antiparasitário, enquanto o medicamento desenvolvido pela Pfizer é um antiretroviral. “São mecanismos de ação diferentes”, disse.

A reportagem tentou contato com o autor do vídeo, mas não obteve retorno até a conclusão desta verificação. O Comprova considerou o conteúdo falso porque foi inventado.

Como verificamos?

A reportagem buscou informações sobre o autor do vídeo em redes sociais como TikTok, Facebook e LinkedIn.

Para saber sobre o remédio em desenvolvimento, levantamos informações no site da farmacêutica Pfizer e contatamos a assessoria de imprensa da empresapor e-mail. Além disso, buscamos sua composição química nos sites DrugBank, PubChem e Chemical & Engineering News.

No site da Abbott Laboratories, fabricante da ivermectina, encontramos informações sobre o antiparasitário, inclusive sua fórmula molecular.

Também entrevistamos Naylson Ribeiro e o professor doutor em Farmacologia da Universidade Federal de Campina Grande Sávio Benvindo Ferreira.

Verificação

O medicamento em teste

Em março deste ano, a Pfizer iniciou um estudo clínico de fase 1 de um antiviral contra a covid-19 via oral em adultos saudáveis para verificar sua segurança, tolerabilidade e farmacocinética. Chamado inicialmente de PF-07321332, o medicamento atua como um inibidor que impede a replicação do vírus causador da doença nas células.

Em julho, a farmacêutica anunciou em seu site o progresso dos estudos e a evolução para testes nas fases 2 e 3 com o intuito de avaliar a eficácia e a segurança do medicamento, administrado com uma baixa dose de ritonavir (antirretroviral prescrito no tratamento do HIV) em pacientes diagnosticados com o coronavírus e com alto risco de ter o quadro piorado.

Segundo explica reportagem da Galileu, “a droga foi desenvolvida para se conectar à estrutura do Sars-CoV-2, impedindo que ela realize o seu papel: ‘cortar’ o material genético do patógeno e dar origem a novos vírus”. E, como informou a farmacêutica ao Comprova, no passado, o mecanismo dos inibidores de protease revolucionaram o tratamento de HIV e hepatite C, outras doenças virais.

O medicamento em teste e a ivermectina

Diferente do que o autor do vídeo afirma, o remédio que a Pfizer está testando não leva ivermectina em sua fórmula. No vídeo, ele diz que quando a farmacêutica “precisava vender vacina, a ivermectina não tinha comprovação científica” e que, “agora, ela pode ser usada”, o que é uma informação falsa, segundo a checagem feita pela reportagem.

A Pfizer está pesquisando medicamentos contra a covid desde o início da pandemia, como afirma em seu site. E, como afirma mensagem enviada ao Comprova, o PF-07321332 não tem relação nenhuma com o antiparasitário.

O mesmo já havia sido informado pela empresa anteriormente. Conforme a Folha noticiou em agosto, “em ofício enviado ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid, que solicitou informações sobre o medicamento à empresa”, a Pfizer afirmou que o antiviral estudado “é composto de estruturas químicas e mecanismos de ação totalmente diferentes da hidroxicloroquina, da azitromicina e da ivermectina”.

Entrevistado pela reportagem, Naylson Ribeiro, farmacêutico do ICTQ do Piauí, diz que os dois remédios são de classes farmacológicas totalmente diferentes. “A ivermectina é um antiparasitário de amplo espectro, enquanto que o PF-07321332 atua na inibição da protease, enzima que o vírus precisa para se replicar e infectar novas células”, diz ele.

Sobre o uso do antiparasitário contra a covid, o Ministério da Saúde do Brasil afirmou em março que “o uso da ivermectina para covid-19 não está previsto em bula e a utilização off label [fora do que a bula prescreve], até o momento, não teve o respaldo das agências reguladoras, bem como do fabricante do medicamento”. Mesma opinião da Organização Mundial da Saúde (OMS), que não recomenda a utilização “para quaisquer outros propósitos diferentes daqueles para os quais seu uso está devidamente autorizado, como para tratamento de oncocercose e sarna”.

O vídeo

O autor do vídeo usa como fundo de tela uma ampliação de um texto do site Zero Hedge intitulado “Pfizer lança estudo final para medicamento covid que é supostamente semelhante a ‘pasta de cavalo'” e, logo após ler o título, aponta no conteúdo do texto a palavra “ivermectina”.

O Zero Hedge afirma em um manifesto no site que uma de suas missões é “liberar o conhecimento oprimido”. A página é conhecida por compartilhar informações de extrema-direita.

O link do texto citado no vídeo está com um aviso no Twitter dizendo que ele pode ser inseguro.

Em uma reportagem da ABC News, divulgada em fevereiro deste ano e intitulada “​Os super espalhadores por trás das principais teorias da conspiração covid-19​”, o Zero Hedge é citado por republicar um texto de um site ligado a teorias da conspiração.

No ano passado, o Zero Hedge foi banido do Twitter por relacionar um cientista chinês à pandemia.

O autor do vídeo

No Linkedin, Luciano Raul Mazeo – que usa o perfil @lucianomazeo no TikTok – se denomina jornalista, estudante de História e autodidata e afirma ter experiência como “coordenador de mídias sociais no partido Patriotas”.

A reportagem enviou e-mail para o grupo Anhanguera Educacional, que aparece no LinkedIn de Mazeo, para confirmar se ele estuda ou já estudou na instituição – a faculdade respondeu que ele “não é mais aluno da instituição”.

Já em sua página no Facebook, Mazeo se apresenta como empreendedor.

O Comprova tentou falar Mazeo via WhatsApp e mensagem privada no Facebook e no Instagram, mas ele não respondeu em nenhum dos canais. Após a tentativa de contato, o post verificado aqui passou a aparecer como “vídeo indisponível” no TikTok.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O post verificado aqui foi visualizado 31,7 mil vezes no TikTok até 18 de outubro — depois, foi retirado do ar.

Ao defender a ivermectina contra a covid-19, o autor do vídeo vai contra as evidências científicas e coloca a saúde da população em risco ao indicar um medicamento que até o momento não possui eficácia comprovada contra a doença. Além disso, ele menospreza a vacina, dizendo que não se imunizou, sendo que o produto é a ferramenta mais eficaz contra o coronavírus no momento.

UOL Confere, Boatos.org, AFP Checamos, Associated Press e Politifact checaram conteúdos semelhantes.

O Comprova já publicou outras verificações relacionadas à pandemia, como a que informa ser falso que documento da Suprema Corte dos Estados Unidos afirma que vacinados se tornam transumanos e a reportagem que mostra que deputada distorce entrevista de diretora do CDC para criticar vacinas e “passaporte sanitário“.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-10-22

Infectologista engana ao comparar imunidade gerada por sarampo, febre amarela e hepatite B com a gerada por covid-19

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o tuíte de um médico comparando os vírus da covid-19 com os do sarampo, febre amarela e hepatite B para defender que pessoas já infectadas pelo coronavírus não precisariam se vacinar. Diante das altas taxas de mutação do Sars-CoV-2 e do fato de que até aqui não se sabe a duração da imunidade após a infecção ou mesmo após a vacinação, as autoridades de saúde recomendam que mesmo os já infectados tomem a vacina
  • Conteúdo verificado: Tuíte afirma de maneira enganosa que “ninguém recomenda vacina da gripe após a pessoa ter pego gripe” e sugere que a mesma lógica deve ser aplicada para os casos de covid-19. A mesma publicação usa como exemplo outros tipos de vírus, como hepatite b, sarampo e febre amarela.

Pessoas que já foram infectadas pela covid-19 devem ser vacinadas porque há o risco de reinfecção. Por isso, é enganosa a relação que um médico faz no Twitter entre a imunização contra o novo coronavírus e outras doenças, como sarampo, febre amarela e hepatite B.

O pediatra e infectologista Marcio Nehab, do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz, explicou ao Comprova que o poder de mutação da covid-19 e da gripe são maiores que o das outras três doenças.

Além disso, até aqui, as pesquisas não mostraram por quanto tempo uma pessoa está protegida contra o novo coronavírus após se recuperar da doença. Estudos iniciais indicam que a vacinação ajuda a protegê-la, mesmo que já tenha sido infectada. Os principais órgãos de saúde do mundo recomendam a vacinação de quem já teve a doença, e essa também é a orientação do Ministério da Saúde no Brasil.

Em relação ao sarampo, à hepatite B e à febre amarela, a postagem diz não ser recomendada a vacina caso a pessoa já tenha sido infectada, mas as organizações orientam pela vacinação caso não haja comprovação sorológica de imunidade. Além disso, algumas das doenças citadas são prevenidas por vacinas que protegem contra múltiplas enfermidades, como a tríplice viral.

Sobre a gripe comum — influenza —, as vacinas sazonais são projetadas para proteger contra os vírus mais comuns durante a próxima temporada, e as pessoas devem se vacinar mesmo que tenham apresentado estado gripal recentemente. Além disso, a imunidade natural ou vacinal ao vírus cai com o tempo, uma possibilidade que também está sendo levantada no caso da covid-19.

Este conteúdo é enganoso, para o Comprova, porque usa dados imprecisos. Procurado, o autor do tuíte, o médico Francisco Cardoso, fez uma resposta pública ao Comprova, mas bloqueou a conta do projeto no Twitter. Ele alegou que imunizar esse grupo seria um “desperdício de vacinas” porque os casos de reinfecção seriam raros e normalmente mais brandos.

Como verificamos?

A reportagem buscou informações oficiais sobre o esquema vacinal do sarampo, da gripe, da covid-19 e da hepatite B nos sites oficiais do Ministério da Saúde, da Bio-Manguinhos e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e OMS (Organização Mundial da Saúde). A intenção era encontrar quais recomendações eram feitas em casos nos quais o paciente já foi infectado pelo vírus anteriormente.

A pasta da Saúde foi procurada em 18 de outubro, mas não retornou. As demais mantinham disponíveis as informações em seus sites ou responderam e-mails encaminhados pelo Comprova. Reportagens e artigos científicos fizeram parte da pesquisa.

Em seguida, foram entrevistados o pediatra e infectologista Marcio Nehab, do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz, e a microbiologista Jordana Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Por fim, o Comprova contatou o autor do post. A resposta foi feita de maneira pública, no Twitter, à reportagem.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 21 de outubro de 2021.

Verificação

Vírus da covid-19 tem mutação acelerada

Reportagem da National Geographic Brasil explica de forma detalhada haver milhares de variantes do Sars-CoV-2 que surgiram desde o início da pandemia e que estas são produzidas de forma rápida e intensa porque há muita gente infectada. O processo é aleatório, mas tende a ocorrer com mais frequência em um cenário de alta circulação do vírus.

Depois que o coronavírus entra em contato com as mucosas do corpo (olhos, nariz e boca), ele inicia a trajetória de infecção ao se prender na superfície das células e ao disparar o seu material genético (RNA). O objetivo é fazer com que o nosso corpo ajude a produzir cópias do vírus. Neste processo, contudo, é possível ocorrer mutações.

Parte delas compromete estruturas e acaba prejudicando os próprios organismos, mas algumas dessas mutações se mostram úteis para o vírus e o fortalecem para que passe de um hospedeiro a outro, ajudando-o a superar outras variantes existentes na região.

No caso dos coronavírus, a taxa de mutação é ligeiramente mais baixa do que outros vírus de RNA, mas não o suficiente para impedir que essas mutações sigam ocorrendo. À medida que o novo coronavírus se espalhava de maneira descontrolada pelo mundo, tornou-se inevitável que uma série de variantes surgisse.

Vacina contra coronavírus deve ser aplicada em quem foi infectado

O infectologista Marcio Nehab, afirmou ao Comprova que o poder de mutação dos vírus da covid-19 e da gripe é maior que o de doenças como sarampo, hepatite B e febre amarela. Portanto, as pessoas devem ser vacinadas, independentemente de já terem sido infectadas pelo novo coronavírus.

“As pesquisas ainda não mostraram por quanto tempo você está protegido contra a covid-19 depois de se recuperar da doença. A vacinação ajuda a protegê-lo, mesmo que você já tenha tido a doença e a manter anticorpos circulantes por mais tempo”, diz.

A mesma orientação é dada pela Fiocruz: “Quanto à vacina contra covid-19, ela deve ser ministrada mesmo nos usuários que já tenham tido o diagnóstico da doença, pois pode haver o risco de reinfecção. Deve ser observado o intervalo preconizado entre a doença e a vacinação”.

A microbiologista e professora da UFMG Jordana Reis relata que as evidências disponíveis sugerem diferenças na imunidade gerada pela infecção por covid-19 em relação a doenças como o sarampo e a febre amarela, neste caso, duradouras.

Casos de reinfecção por covid-19 foram registrados por várias autoridades sanitárias e em estudos científicos, com o primeiro caso apontado ainda em agosto de 2020, em Hong Kong. Em dezembro, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso no Brasil. Ainda assim, questões como a frequência desse tipo de caso e o nível de risco oferecido para os pacientes permanecem incertas.

A maior preocupação é que o surgimento de variantes do novo coronavírus possa facilitar essas ocorrências. Evidências sugerem, no entanto, que essa possibilidade existe mesmo com as mesmas linhagens do vírus, em um caso em que a pessoa não desenvolve uma resposta imunológica robusta o suficiente para evitar uma nova contaminação — o que geralmente está associado a um primeiro quadro brando ou assintomático.

Os principais órgãos de saúde do mundo recomendam a aplicação da vacina contra a covid-19 em quem já teve a doença. A OMS justifica essa posição pelo fato de que “a proteção que as pessoas recebem por uma infecção anterior de covid-19 varia muito de pessoa para pessoa” e de que a imunidade obtida com a vacina nestes grupos é “muito forte”, fazendo com que a pessoa fique mais protegida e por mais tempo.

Pessoas que tiveram a doença e depois foram vacinadas receberam até o apelido de “superimunizadas”, como mostra esse artigo de divulgação científica da revista Nature. Rishi Goel, imunologista da Universidade da Pensilvânia, conta que algumas pessoas que tiveram covid-19 desenvolvem um nível altíssimo de anticorpos ao receber as vacinas. Estudos iniciais de laboratório sugerem, inclusive, que essa resposta pode gerar uma proteção mais eficiente contra as variantes.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos afirma que pessoas que tiveram covid-19 devem receber as vacinas por dois motivos principais: a ciência ainda não sabe por quanto tempo elas continuam protegidas após a recuperação; e pelo fato de que já foram constatados benefícios da vacinação neste grupo.

O órgão sanitário norte-americano cita como evidência um estudo que analisou casos no Estado de Kentucky e mostrou que, entre pessoas que tiveram covid-19 antes, as não vacinadas tinham cerca de duas vezes mais chances de contrair a doença novamente do que aquelas com o esquema vacinal completo.

O Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC), agência que faz parte da União Europeia, destaca que não existem informações suficientes para dizer por quanto tempo alguém que teve covid-19 está protegido de uma reinfecção, ou seja, a chamada imunidade natural. “Evidências iniciais sugerem que a imunidade natural contra a covid-19 pode não durar muito, porém, mais estudos são necessários para entender essa questão.”

No Brasil, o Ministério da Saúde defende a vacinação de pessoas com infecções prévias, como mostra essa página oficial do órgão. “Pessoas que já pegaram covid-19 devem ser vacinadas. Pesquisas apontam que a vacina pode proporcionar uma imunidade mais duradoura à covid-19 e fortalecer a imunidade natural à doença”, aponta o conteúdo. Procurada pela reportagem, a pasta não respondeu aos questionamentos.

Gripe

O post engana também ao afirmar que “ninguém recomenda vacina de gripe APÓS a pessoa ter pego gripe”. A gripe (influenza) é uma infecção viral aguda de elevada transmissibilidade e distribuição global e, apesar de ter evolução autolimitada, pode apresentar-se de forma grave.

Conforme a Fiocruz, a vacinação deve ser realizada anualmente nas campanhas oferecidas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) para os grupos prioritários com predisposição para complicações, mesmo os que já tenham apresentado algum “estado gripal”, pois são grandes as variações antigênicas, ou seja, quando o vírus altera as proteínas ou carboidratos em sua superfície e, assim, evita uma resposta imune do hospedeiro. Além disso, na rotina, não se faz o diagnóstico etiológico dos casos.

Nehab explica que as vacinas contra a gripe fazem com que os anticorpos se desenvolvam no corpo cerca de duas semanas após a vacinação e estes anticorpos fornecem proteção contra infecção por vírus influenza circulantes. “As vacinas sazonais contra a gripe são projetadas para proteger contra os vírus da gripe que a pesquisa indica que serão mais comuns durante a próxima temporada.”

Ele acrescenta que se você teve influenza recentemente, ainda assim deve tomar a vacina que contém três ou quatro cepas diferentes do vírus. “Fora que sua imunidade natural ou vacinal ao vírus cai com o tempo. Daí a importância das doses de reforço”, destaca.

Sarampo

De acordo com a Fiocruz, o sarampo é uma doença viral, infecciosa aguda, potencialmente grave, transmissível e altamente contagiosa e, por isso, a vacinação é a única forma de prevenir a ocorrência na população suscetível e ela, sendo administrada na rotina da rede básica de saúde em bloqueio ou intensificação vacinal e nas campanhas de vacinação de seguimento.

Desde 2013, o calendário básico de imunizações do Brasil passou a contar com a vacina tetravalente viral que inclui a imunização contra a varicela (catapora), além de sarampo, caxumba e rubéola, já contempladas anteriormente na tríplice viral. O imunizante é produzido pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos – Bio-Manguinhos.

Após os últimos casos da doença no ano de 2015, o Brasil recebeu em 2016 a certificação da eliminação do vírus. Consequentemente, nos anos de 2016 e 2017 não foram confirmados casos de sarampo no país. Em 2018, contudo, o vírus voltou a circular.

O Ministério da Saúde, via Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde de outubro de 2021, informa que em 2021, até a Semana Epidemiológica (SE) 35, 580 casos de sarampo foram confirmados. Atualmente, existem casos no Amapá, Pará, Alagoas, São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro.

Considerando que alguns estados ainda mantêm circulação do vírus do sarampo, é recomendado que as ações de vacinação na rotina sejam mantidas e que todas as pessoas de 12 meses até 59 anos de idade estejam vacinadas contra a doença.

Recomenda-se não serem vacinados apenas casos suspeitos de sarampo, entre a primeira amostra de sangue coletada e a coletada de 15 a 25 dias após a primeira, isso porque a administração da vacina interfere diretamente no resultado laboratorial e classificação final do caso.

Após a fase aguda do sarampo, contudo, com ausência de sinais e sintomas e com coleta das amostras para confirmação e/ou descarte do caso, é orientado seguir com a administração da vacina tríplice ou tetra viral, considerando a imunização para as demais doenças prevenidas pelas vacinas.

A Fiocruz afirma que os indivíduos que comprovam sorologicamente que já foram infectados pelo vírus, em princípio, apresentam proteção natural pela doença.

Em entrevista ao Bem Estar, em 2019, a infectologista e diretora técnica da Secretaria de Saúde de São Paulo Helena Sato afirmou que aqueles que já tiveram sarampo devem tomar a vacina. “O sarampo pode se confundir com outras doenças. Não necessariamente a pessoa teve sarampo”, lembrando que outras infecções virais têm sintomas semelhantes.

O Ministério da Saúde destaca ser fundamental que as pessoas que não tomaram a vacina ou que não sabem se tomaram a vacina procurem os postos de saúde.

Marcio Nehab reforça que, se a pessoa não tem certeza se é imune ao sarampo, deve primeiro tentar encontrar os registros de vacinação ou documentação de imunidade à doença. Caso não possua comprovação escrita sobre a imunidade, deve ser vacinada.

“Não há mal nenhum em receber outra dose da vacina tríplice se você já for imune ao sarampo (ou caxumba ou rubéola). E se você não for imune e pegar o vírus, a doença pode ser muito grave e até matar. Outra opção é pedir a um profissional de saúde para testar seu sangue para determinar se você está imune, mas isso geralmente não é recomendado e poucos laboratórios fazem esse teste validado pelo Ministério da Saúde”, explica.

Febre amarela

A maioria dos infectados pela febre amarela, transmitida por um vírus que tem como vetor em áreas urbanas o mosquito Aedes aegypti — o mesmo da dengue —, adquire imunização permanente contra a doença, segundo informações divulgadas pela Fiocruz.

O vírus só causa sintomas em pessoas que nunca tiveram contato com a doença ou que não receberam a vacina. Desde 1937, a Bio-Manguinhos prepara os imunizantes a partir da cepa atenuada 17D, da febre amarela.

O vírus é cultivado em ovos embrionários de galinhas, acompanhando as normas que a OMS estabelece.

O Ministério da Saúde recomenda que a vacina seja aplicada a partir dos nove meses de vida, com um reforço a cada dez anos, no mínimo. A medida vale especialmente para quem reside em regiões endêmicas ou quem irá viajar para esses locais, acompanhando o Calendário Nacional de Vacinação

Também devem evitar a vacinação contra a febre amarela quem teve histórico de reações anafiláticas a ovos de galinha e seus derivados, gelatina, eritromicina e canamicina. Gestantes, a não ser em situação epidemiológica com alto risco de exposição, seguindo recomendações expressas das autoridades de saúde, devem evitar o imunizante.

Quem tem imunodeficiência congênita ou secundária por doenças, como câncer e leucemia, ou por medicamentos, não pode receber a dose. O mesmo vale para quem possui histórico de doença do timo, como miastenia grave, timoma ou timectomia e para crianças com menos de seis meses de idade.

A reportagem entrou em contato com a Bio-Manguinhos, responsável pela fabricação da vacina, para saber se quem teve um quadro infeccioso por conta do vírus precisa tomar o imunizante. Em resposta, a entidade afirmou que se a infecção foi confirmada laboratorialmente, a pessoa deve ter anticorpos contra a febre amarela e, portanto, está protegida contra uma nova infecção e não é preciso se vacinar.

“Há, porém, algo a se considerar: se o fato ocorreu há mais de 10 anos, por segurança seria recomendada a vacinação, já que os títulos de anticorpos neutralizantes se reduzem no decorrer dos anos”, afirmou em nota a Bio-Manguinhos.

Hepatite B

A hepatite B é um dos cinco tipos de hepatites existentes no Brasil, causada pelo vírus HBV, que atinge o fígado. Assim como a C, ela pode ser transmitida por sangue contaminado, sexo desprotegido e compartilhamento de objetos perfurocortantes. Conforme a Fiocruz, também há risco potencial de transmissão vertical (da mãe para o bebê) no momento do parto.

Sobre a imunidade adquirida naturalmente pela doença, o instituto diz que esta deve ser avaliada sorologicamente. “A vacina é recomendada, de forma universal, a partir do nascimento.”

Segundo o infectologista Marcio Nehab, a maioria das pessoas infectadas por hepatite B na idade adulta é capaz de lutar contra o vírus e se recuperar totalmente em 1 a 3 meses e ficará imune à infecção pelo resto da vida. Porém, há pessoas que precisam ser vacinadas para adquirir a imunidade. “Se não souber se é ou não imune pode tomar a vacina sem problemas.”

A principal forma de prevenção da doença é a vacina, que está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde), de acordo com dados do Ministério da Saúde. A pasta oferta o imunizante para todas as faixas etárias.

O Ministério da Saúde estima que o risco da infecção tornar-se crônica depende da idade do indivíduo. Enquanto as crianças de até um ano têm 90% de chance de desenvolver um quadro mais agudo, as demais, entre um e cinco anos, têm entre 20% e 50% de chance.

Em adultos, as chances caem: entre 20% a 30% das pessoas infectadas cronicamente pelo vírus desenvolverão cirrose ou câncer de fígado.

Diferenças entre covid-19 e outras doenças

As doenças não são causadas pelo mesmo agente patológico, e algumas também diferem entre si pelo meio de transmissão. Além disso, ao contrário do sarampo, da hepatite B, da febre amarela e da gripe, a covid-19 é uma doença nova e é a única caracterizada como pandemia atualmente.

O vírus do sarampo é um RNA vírus, que pertence à família Paramyxoviridae, sendo uma doença de transmissão respiratória como a covid-19. A hepatite viral B é causada por um vírus com genoma de DNA, pertencente à família Hepadnaviridae; a transmissão ocorre por meio do sangue contaminado e de relações sexuais desprotegidas.

O vírus da febre amarela é um gênero de vírus RNA da família Flaviviridae, transmitido por meio da picada de um mosquito. A gripe é causada por diferentes tipos de vírus influenza, que fazem parte da família Orthomyxoviridae, de vírus de RNA, transmitida também pelas vias respiratórias.

Já a covid-19 é causada pelo vírus Sars-CoV-2, um coronavírus que está mais próximo dos agentes causadores da MERS e da SARS, por exemplo. O seu genoma é de RNA e ela também é definida como uma doença de transmissão respiratória. As formas de contágio mais comuns ocorrem por meio do contato próximo com pessoas infectadas, a partir da entrada de gotículas nas mucosas dos olhos, nariz e boca.

Está bem estabelecido que pessoas que tiveram sarampo, por exemplo, passam a ficar imunes contra a doença ao longo de toda a vida. Da mesma forma, a aplicação de vacinas contra o sarampo, a hepatite B e a febre amarela costuma ocorrer somente uma vez, de preferência já durante a infância.

No caso da covid-19, no entanto, estudos iniciais sugerem que a proteção individual contra o vírus (adquirida pela doença prévia ou pela vacina) tende a cair com o tempo — inclusive, esse é o motivo da dose de reforço estar sendo recomendada para grupos de risco atualmente no Brasil. Mas uma resposta exata sobre a duração da proteção ainda não é certa, até porque o surgimento do novo coronavírus ocorreu apenas em 2019.

No caso da gripe, a situação é um pouco diferente. Por conta da variabilidade de tipos (influenza A, B e C) e de subtipos (como H1N1, por exemplo, que causou uma pandemia em 2009) as vacinas são atualizadas todos os anos, observando quais vírus estão circulando mais e representam maior perigo para a saúde pública. A campanha de imunização acontece antes de cada inverno.

Por fim, apesar de ocorrerem em várias partes do mundo, as outras quatro doenças citadas não configuram uma pandemia atualmente, ao contrário da covid-19. Ou seja, o risco de exposição ao Sars-CoV-2 é consideravelmente mais elevado hoje.

O Comprova acessou uma série de boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde para checar a frequência com que aparecem cada uma dessas doenças no Brasil. Em relação ao sarampo, foram registrados 20.901 em 2019 e 8.848 casos em 2020. Para a hepatite B, foram 13.256 em 2019 e 6.064 em 2020.

Sobre a febre amarela, um documento recente menciona cinco casos confirmados entre julho de 2020 e abril de 2021. O impacto da gripe influenza foi verificado com base no número de pacientes hospitalizados, 2.602 no ano passado, mas uma grande parte dos casos gera sintomas leves e dispensa atendimento hospitalar.

A covid-19 supera todos esses números em 24 horas. Em 20 de outubro, o Brasil registrava uma média móvel de 11.933 novos casos e 380 mortes por dia, de acordo com o levantamento do consórcio de veículos de imprensa. Desde a chegada do vírus no País, em fevereiro do ano passado, foram registrados 21,6 milhões e 604,3 mil óbitos pela doença.

O autor

Francisco Eduardo Cardoso Alves é especialista em Infectologia pelo Instituto Emílio Ribas e diretor-presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP). Defensor do “tratamento precoce” com medicamentos que não possuem eficácia comprovada contra a covid-19, foi ouvido pela CPI da Pandemia, onde defendeu a prática, em junho deste ano.

Já foi alvo de verificação anterior do Comprova, ao afirmar, em sequência de tuítes, que Casa Branca, CDC, FDA, OMS, Pfizer, Moderna e Johnson & Johnson não obrigam funcionários a se vacinarem, o que é enganoso.

O Comprova procurou Alves por e-mail e o questionou a respeito de dados sobre reinfecção pelo vírus e estudos mostrando benefícios da vacinação neste grupo, entre outros pontos. Ele não retornou o email mas decidiu “responder publicamente” em sua conta no Twitter.

O médico afirmou que está ciente da possibilidade de reinfecção por covid-19, mas alegou que as chances são mínimas, sustentando a tese de dispensar a vacinação. No entanto, um estudo publicado por autoridades dos Estados Unidos mostra que não vacinados tiveram mais que o dobro de chances de serem reinfectados, em comparação com os completamente vacinados.

Francisco diz que teve acesso aos estudos mostrando que a vacina melhora a resposta imunológica das pessoas com infecções prévias, mas afirmou que a imunização “é desnecessária quando a pessoa já tem imunidade natural”.

A opinião do infectologista vai à contramão do que determina o Ministério da Saúde e a OMS em relação às vacinas. A orientação é para que quem já teve covid-19, após a baixa da infecção, seja imunizado para diminuir as chances de uma nova infecção.

Por fim, ele diz que não teve covid-19 e que não concorda com a aplicação “obrigatória sob coação” das vacinas.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O post verificado foi compartilhado originalmente no Twitter e alcançou mais de 7,5 mil interações. Na repostagem do mesmo conteúdo feita no grupo Médicos pela Vida, no Telegram, o conteúdo enganoso foi visualizado por outras 20,2 mil pessoas.

Publicações enganosas como esta acabam reforçando que a vacinação contra a covid-19 seria dispensável quando, na realidade, é por meio da imunização que os números de casos e óbitos da doença têm caído. Além disso, por ser médico, o discurso do autor da postagem acaba sendo considerado por pessoas que o têm como autoridade em saúde.

Fica claro nos comentários da publicação que os usuários do Twitter e Telegram que viram o post acreditam que a vacina não é eficaz e que haveria uma “conspiração” por trás do imunizante, o que não é verdade.

Outros conteúdos no mesmo sentido foram checados pelo Comprova, como a informação falsa sobre um documento da Suprema Corte dos Estados Unidos apontando que os vacinados se tornariam transumanos. Outra postagem verificada foi sobre a deputada Bia Kicis, que distorceu entrevista de diretora do CDC para criticar vacinas e “passaporte sanitário“.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-10-15

Teste de anticorpos não deve substituir vacina contra a covid, como sugere deputado do PR

  • Falso
Falso
São falsas as alegações do deputado estadual Ricardo Arruda (PSL-PR) em um vídeo em que ele afirma que os exames de anticorpos garantem que as pessoas que já tiveram a doença estão imunes contra a covid-19 e, por isso, elas não precisam se vacinar; que o “tratamento precoce” teve a sua eficácia comprovada; e que ninguém monitora os efeitos colaterais dos imunizantes. Segundo a ciência, a vacinação garante uma proteção mais robusta do que a demonstrada pelos exames de anticorpos pós-infecção. Não há nenhum ensaio clínico que comprove a eficácia de medicamentos contra o novo coronavírus; pelo contrário, esses tratamentos são desaconselhados por autoridades de saúde internacionais. Já as reações aos imunizantes são monitoradas de perto, no Brasil, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
  • Conteúdo verificado: Vídeo que circula no Facebook mostra o deputado estadual do Paraná Ricardo Arruda fazendo diversas alegações falsas sobre a pandemia. Entre elas, ele afirma que o “tratamento precoce” foi “comprovado estatisticamente” por “milhões de médicos”.

São falsas várias alegações do deputado estadual do Paraná Ricardo Arruda (PSL-PR), declaradas em um vídeo que viralizou na Internet com críticas ao programa de vacinação contra a covid-19 e defesa de tratamentos ineficazes contra a doença.

Segundo Raphael Rangel, virologista, coordenador do curso de biomedicina do Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação (IBMR) e membro da Rede do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde, o grupo não vacinado é aquele que mais tem risco para exposição ao vírus, assim como a possibilidade de evolução para a forma grave da covid-19.

O virologista afirma que o grande perigo desse grupo é que essas pessoas podem se infectar recorrentemente e, por isso, dar origem a novas variantes.

Também é falso que não exista um acompanhamento dos efeitos colaterais das vacinas. Em primeiro lugar, porque antes de ser autorizado no Brasil, cada imunizante passou por três fases de testes clínicos para garantir a sua segurança e eficácia. Em segundo, porque notificações de reações adversas são monitoradas de perto por órgãos de vigilância sanitária como a Anvisa, que tem poder para suspender a aplicação das vacinas se houver risco à saúde da população.

Além disso, o deputado erra ao afirmar que o Supremo Tribunal Federal (STF) retirou a autonomia do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para atuar durante a pandemia e, por isso, todas as ações são decididas por governadores e prefeitos. O que a Suprema Corte decidiu foi que União, estados e municípios têm competência conjunta para atuar em questões de saúde pública, como determina a Constituição Federal. Segundo o órgão, caberia ao governo federal coordenar as ações específicas dos governos subnacionais.

Outra declaração falsa do parlamentar inclui a defesa do “tratamento precoce”. Ele alega, sem provas, que o método foi “estatisticamente” comprovado. O próprio Ministério da Saúde já afirmou à CPI da Pandemia que os remédios do kit covid, inicialmente defendido pelo governo federal, são, na verdade, ineficazes no combate ao vírus.

Ricardo Arruda também estabeleceu falsa equivalência entre a proteção contra o vírus oriunda da contaminação e a conferida pela vacina. O doutor em Epidemiologia pela Universidade de São Paulo (USP) Julio de Carvalho Ponce explica que a proteção “mais robusta” somente é garantida com a aplicação dos imunizantes.

O legislador ainda diz que o “tratamento precoce” contra a covid-19 é perseguido, enquanto as pessoas defendem a liberação de compostos medicinais a base de cannabis. De acordo com a médica especialista em dor crônica e medicina canabinóide Maria Teresa Jacob, “não há comparação possível entre tratamento precoce e maconha medicinal’. Aliás, nem se pode afirmar que existe tratamento precoce consensual [contra a covid-19]”.

Em nota, a assessoria do deputado afirmou que todas as informações sobre saúde que constam no vídeo tiveram como fonte “médicos confiáveis e renomados”, sem detalhar a quem se refere. A equipe do parlamentar também disse que as informações são checadas antes de serem publicadas.

Para o Comprova, é falso todo conteúdo inventado e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Inicialmente, buscamos informações em verificações acerca da vacinação contra covid-19 e do “tratamento precoce” já publicadas pelo Comprova. Além disso, entrevistamos o virologista Raphael Rangel; o epidemiologista Júlio de Carvalho Ponce; e a médica especialista em dor crônica e medicina canabinóide Maria Teresa Jacob.

Por email, o Comprova entrou em contato com a assessoria do gabinete do autor do vídeo.

Foram consultadas, por fim, informações científicas da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, da Anvisa e portais de notícias.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 15 de outubro de 2021.

Verificação

Efeitos colaterais das vacinas são monitorados

Em todas as bulas das vacinas autorizadas no Brasil, a Anvisa afirma que os imunizantes, como qualquer outro medicamento, podem causar efeitos colaterais, ainda que eles passem por três fases de testes clínicos que, além da eficácia, indicam se são seguros; isto é, que não provocam reações graves.

Não significa, contudo, que, após serem autorizadas, as vacinas não são mais acompanhadas pelas autoridades sanitárias. A Anvisa continua monitorando qualquer evento adverso por meio de um processo chamado farmacovigilância, assim como outras agências ao redor do mundo. Quando uma pessoa tem um episódio de saúde que se suspeita estar relacionado à imunização, o profissional de saúde que a atendeu notifica os órgãos competentes, incluindo a Anvisa, para que iniciem uma investigação criteriosa do caso.

A Anvisa tem poder para suspender total ou parcialmente (para alguns grupos) o uso de algum medicamento ou imunizante que esteja sendo aplicado em desacordo com a bula e que possa causar risco à saúde da população. Um exemplo foi a suspensão do uso da vacina da AstraZeneca em gestantes, no dia 10 de maio de 2021 A aplicação desse imunizante em mulheres grávidas não era prevista pela bula.

Em junho deste ano, o médico David Urbaez, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, disse ao Comprova que a existência de algumas reações leves são comuns em todas as vacinas contra qualquer doença, já que elas estimulam o sistema imune. Essas reações leves, como dor no local da aplicação e febre, não têm relação com a forma como esse imunizante foi desenvolvido. “O sistema imune estimulado gera uma série de substâncias biológicas, que em mais ou menos proporção, geram os efeitos adversos sistêmicos como febre, dores musculares, indisposição, etc”, explicou.

De acordo com Urbaez, em mais de 99% das vezes, as reações aos imunizantes são leves. “Rarissimamente podem acontecer efeitos adversos mais sérios, sempre menos de 1% das ocorrências. Sempre lembrando, todas as vacinas em uso não têm vírus vivos, pelo que sua segurança é garantida após as fases de ensaio clínico”, afirmou.

STF e o papel dos estados e da União

Em 15 de abril de 2020, o plenário do STF reconheceu a competência concorrente entre a União, os estados e municípios no enfrentamento da pandemia. Na ação que avaliava trechos da Medida Provisória 926/2020, ficou entendido que governadores e prefeitos tinham autonomia para adotar medidas de distanciamento social que pudessem prevenir a infecção pela covid-19, considerando as realidades locais, já que o número de casos e de leitos varia de um lugar para outro do país. O papel do governo federal seria coordenar nacionalmente essas ações locais.

A decisão tinha como base o artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual, “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” é uma competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

O presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores sempre criticaram a decisão do STF. No entendimento do chefe do Planalto, o Judiciário limitou seus poderes para atuar durante a pandemia. O governo chegou a apresentar ações na Suprema Corte contra decretos estaduais que instituíram lockdown para contenção do vírus. Mas elas não prosperaram.

Em julho deste ano, o STF lançou uma peça de marketing dizendo ser falso que o Judiciário tenha retirado poderes do presidente para atuar na pandemia. “O STF decidiu que União, estados e prefeituras tinham que atuar juntos, com medidas para proteger a população”, explica o vídeo divulgado nas redes sociais. A peça também trazia o slogan “Uma mentira contada mil vezes não vira verdade”.

A decisão mais recente, citada no vídeo verificado, ocorreu após o Ministério da Saúde recomendar a suspensão da vacinação de adolescentes. A imunização de pessoas acima de 12 anos com a vacina da Pfizer havia sido autorizada pela Anvisa desde 11 de junho deste ano, após avaliar estudos que comprovaram a segurança e a eficácia do composto para esta faixa etária.

Apesar da orientação da União, alguns estados anunciaram que seguiriam aplicando a vacina. No dia 21 de setembro, o ministro do STF Ricardo Lewandowski concedeu uma liminar afirmando que “a imunização de adolescentes acima de 12 anos é da competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios”. A decisão dizia que estados e municípios deveriam observar, sob pena de responsabilização, as orientações dos fabricantes dos imunizantes, da Anvisa e das autoridades de saúde.

No dia seguinte, a Anvisa concluiu que o óbito de adolescente que ocorreu em São Paulo — citado pelo Ministério da Saúde como justificativa para suspensão da imunização — não tinha relação com a aplicação da vacina da Pfizer, após um processo de investigação. Na mesma data, o Ministério da Saúde voltou atrás e passou a recomendar novamente a imunização dos adolescentes.

Tratamento precoce não foi comprovado estatisticamente

Diferentemente do que afirma o parlamentar, não há comprovação estatística sobre eficácia do dito “tratamento precoce”. Ricardo Arruda não citou números nem alguma fonte que tenha embasado sua fala.

Como o Comprova já mostrou, a hidroxicloroquina é ineficaz no combate ao vírus. Trata-se de um dos remédios difundidos pelo presidente Jair Bolsonaro e aliados como antídoto para a infecção, ao lado da ivermectina e da azitromicina, sem comprovação de eficácia.

A OMS e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) já emitiram recomendações contrárias ao uso da hidroxicloroquina, da cloroquina e da ivermectina.

Um estudo randomizado – que compara duas ou mais intervenções conduzidas por pesquisadores e aplicadas de modo aleatório em voluntários – publicado na revista The Lancet mostrou que a azitromicina é ineficaz e não tem relação com redução de mortes por covid-19.

O próprio Ministério da Saúde assumiu que os medicamentos do chamado kit covid são incapazes de neutralizar o vírus. Em documento enviado à CPI da Covid, a pasta disse:

“Alguns medicamentos foram testados e não mostraram benefícios clínicos na população de pacientes hospitalizados, não devendo ser utilizados, sendo eles: hidroxicloroquina ou cloroquina, azitromicina, lopinavir/ritonavir, colchicina e plasma convalescente. A ivermectina e a associação de casirivimabe + imdevimabe não possuem evidência que justifiquem seu uso em pacientes hospitalizados, não devendo ser utilizados nessa população” .

O infectologista Julio Ponce explica que relatos individuais de “cura” não são suficientes para provar a eficácia de um medicamento. “Em medicina, não abordamos a capacidade de cura como um evento pessoal, único, mas sim com redução de risco, melhora de sintomas, diminuição de evolução a óbito, etc”, afirmou ao Comprova em entrevista feita pelo Twitter.

Exame de anticorpos não substitui vacina

Não é verdadeira a fala do parlamentar Ricardo Arruda que estabelece equivalência entre o resultado do teste de covid-19 e a vacina contra o vírus, como se ambos fossem atestados de imunidade contra o Sars-CoV-2.

A Anvisa alertou em seu site, em junho deste ano, que os testes disponíveis servem tão somente para a identificação de pessoas que tenham sido infectadas pelo coronavírus.

Na nota técnica 33/2021, a agência reguladora brasileira afirma que “não existe, até o momento, a definição da quantidade mínima de anticorpos neutralizantes necessária para conferir proteção imunológica contra a infecção pelo Sars-CoV-2, uma reinfecção, as formas graves da doença e nem contra as novas variantes circulantes.”

A FDA, agência sanitária norte-americana, equivalente à Anvisa no Brasil, também advertiu que os testes não devem ser usados para avaliar o nível de imunidade contra o vírus, seja antes ou depois da vacinação. De acordo com o comunicado, emitido em maio deste ano, são necessárias mais pesquisas para entender o significado de um teste de anticorpos positivo ou negativo.

Sobre os não vacinados, público ao qual o parlamentar se dirige na fala, a FDA sublinha que um resultado positivo não é significado de quantidade específica de imunidade ou proteção contra a infecção. O resultado positivo significa que o paciente provavelmente deve ter sido infectado pelo vírus. Dessa forma, a recomendação da agência reguladora estadunidense é de que um médico seja consultado.

“Se os resultados do teste de anticorpos forem interpretados como uma indicação de um nível específico de imunidade ou proteção contra a infecção pelo Sars-CoV-2, há um risco potencial de que as pessoas tomem menos precauções contra a exposição ao vírus. Tomar menos precauções pode aumentar o risco de infecção e pode resultar no aumento da disseminação do Sars-CoV-2”, diz o comunicado.

Júlio de Carvalho Ponce disse ao Comprova que o exame de anticorpos é um “indicativo de proteção, mas há uma proteção mais robusta com o uso de vacinas, mesmo para quem já foi infectado.”

Há mais literatura sobre maconha medicinal

Ricardo Arruda criticou o colega de Assembleia, o deputado Goura Nataraj (PDT), por ele ser contrário ao “tratamento precoce”, mas favorável ao uso da maconha para fins medicinais. Arruda então estabeleceu falsa equivalência entre o uso de produtos à base de cannabis e o tratamento que ele defende contra o Sars-Cov-2, cuja ineficácia já foi comprovada pela comunidade científica.

De acordo com a médica especialista em dor crônica e medicina canabinóide Maria Teresa Jacob, “não há comparação possível entre tratamento precoce e maconha medicinal”. Segundo ela, “nem se pode afirmar que existe tratamento precoce consensual [contra a covid-19]”.

Em entrevista ao Comprova, ela afirma que “estudos sobre cannabis medicinal têm crescido muito a cada ano e mostram como é possível aliviar a dor crônica no caso de muitas doenças como endometriose, problemas de coração e cefaléia, inclusive incluindo tratamento de covid-19”.

Uma resolução colegiada da direção da Anvisa, de número 327/2019, entrou em vigor no dia 10 de março de 2020 e definiu as condições e procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e importação de produtos de cannabis para fins medicinais.

A empresa farmacêutica Prati-Donaduzzi, como mostra matéria do portal UOL, conseguiu autorização para comercializar o canabidiol com cinco anos de validade. Não significa, porém, que os produtos tenham status de medicamento.

No quinto capítulo da mesma resolução, o segundo inciso do artigo 50 determina que os pacientes devam ser informados de que “o produto de Cannabis não é medicamento”.

Em 2021, a Anvisa aprovou dois novos produtos à base de cannabis fabricados nos Estados Unidos, ambos com concentração de tetra-hidrocarbinol (THC) de até 0,2%. O THC é o principal componente ativo da maconha, responsável pelos efeitos alucinógenos da planta.

O Conselho Federal de Medicina, citado pelo deputado, de fato adota postura resistente ao uso destes produtos. Ao lado da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a instituição assinou um decálogo em que se contrapôs ao uso do termo “maconha medicinal”. O argumento usado foi o mesmo da Anvisa, o de que não podem ser considerados medicamentos.

“Como os poucos resultados obtidos estão longe de ser generalizados, mesmo que o uso controlado possa ser feito, deve-se levar em conta os potenciais malefícios já comprovados”, dizem as associações no item 3 do documento.

O autor do vídeo

Segundo seu perfil no site da Assembleia Legislativa do Paraná, Ricardo Arruda (PSL) é formado em finanças e foi presidente do Banco Comercial. Ele também se diz ligado à Igreja Mundial do Poder de Deus, a quem prestou consultoria financeira durante a carreira. Exerceu o primeiro cargo político em 2013, quando se tornou deputado federal após o licenciamento de Edmar Arruda. Em 2014, foi eleito deputado estadual do Paraná, sendo reeleito em 2018. Entre seus projetos, propôs a adoção no Paraná do “Escola Sem Partido”, movimento que defende que professores não podem falar de política em sala de aula.

Em seu perfil oficial do Instagram, ele também se define como “anti-PT” e apoiador do presidente Jair Bolsonaro.

De acordo com o site Paraná Portal, parceiro do UOL, ele já foi condenado a retirar um vídeo do ar após acusar uma médica do estado de estar “matando pacientes” por se recusar a prescrever o tratamento com cloroquina. A BandNews FM de Curitiba também informa que ele já foi multado pela Justiça Eleitoral por propaganda antecipada ao contratar outdoors com sua foto e a do presidente da República.

Procurada, a assessoria de Ricardo Arruda afirmou que o objetivo do vídeo era “informar a população” e “transmitir dados que a grande mídia não divulga”. Segundo a equipe do parlamentar, todas as informações relativas a questões de saúde citadas na fala foram extraídas de “médicos confiáveis e renomados”; sem citar nomes. A assessoria também garante que elas são checadas antes de serem publicadas.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O vídeo verificado aqui teve mais de 40 mil visualizações e 1,2 mil curtidas no Twitter.

Em falas que reverberam as mesmas falácias do vídeo verificado, o presidente Jair Bolsonaro voltou a dizer que não tomará a vacina, por considerar que já está imunizado contra a covid-19 depois de ter sido infectado com o Sars-Cov-2.

A desinformação sobre o processo de imunização é prejudicial para a saúde pública e a manutenção do controle da pandemia no país.

Segundo monitoramento do Imperial College de Londres, pela primeira vez, desde o início da pandemia, a taxa de transmissão da doença no Brasil atingiu o menor nível desde abril de 2020, quando começou a ser medida.

O Comprova já publicou diversos conteúdos sobre imunização, como o que informa que é falso que documento da Suprema Corte dos EUA afirma que vacinados contra a covid-19 se tornam transumanos e a reportagem que mostra que deputada distorce entrevista de diretora do CDC para criticar vacinas e ‘passaporte sanitário’. O Estadão também já verificou alguns dos temas abordados nessa checagem, como uma postagem no Facebook desinforma ao transferir responsabilidade do combate à pandemia ao STF e uma reportagem que informa que testes de anticorpos não servem para medir proteção das vacinas contra a covid-19.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-10-15

Tuíte engana ao dizer que vacina da Pfizer tem partículas contaminantes

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a publicação que circula nas redes sociais afirmando que há micropartículas contaminantes na vacina desenvolvida pela Pfizer contra a covid-19. Os argumentos utilizados pelo autor da postagem não encontram respaldo na realidade e vão contra os preceitos básicos da OMS para definir a aprovação de uso emergencial de uma vacina, que inclui a eficácia e segurança. A Pfizer, a Anvisa e especialistas ouvidos pela reportagem afirmaram que o conteúdo é de cunho enganoso e que os imunizantes passam por processos rigorosos antes da liberação.
  • Conteúdo verificado: A tradução de uma sequência de tuítes feita por uma conta que seria de um médico norte-americano publicada no grupo Médicos Pela Vida no Telegram. As imagens postadas falam de partículas presentes na vacina da Pfizer e termina afirmando que podem ser “contaminantes”. Nos comentários, os leitores do grupo de Telegram se perguntam se as imagens comprovariam teorias segundo as quais as vacinas têm como objetivo acabar com a humanidade.

Um grupo do Telegram voltado a pessoas contrárias à vacinação republicou uma sequência de tuítes feita por um suposto médico norte-americano.

A publicação enganosa diz que há micropartículas contaminantes dentro de imunizante desenvolvido pela Pfizer contra a covid-19 e gerou especulações de internautas sobre as vacinas serem criadas para prejudicar a humanidade.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Pfizer e um cientista consultado pela reportagem apontam que as informações checadas não procedem, uma vez que as vacinas passam por três etapas de testagem, que avaliam a pureza, a eficácia e a segurança delas. O órgão de vigilância sanitária afirmou ainda que, na análise do imunizante, não constatou nenhum resíduo com potencial de impacto tóxico ou genético.

O Comprova tentou contatar o autor da postagem, mas as redes sociais do suposto médico John B. não permitem o envio de mensagens. A reportagem também não localizou qualquer indício de que o perfil seja, de fato, de um especialista norte-americano e a origem real das amostras que são apresentadas como sendo da vacina da Pfizer.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

Como verificamos?

Foram realizadas buscas na internet para conseguir mais informações sobre quem é o suposto médico norte-americano John B. O primeiro resultado que aparece redireciona a busca para o Twitter do perfil que compartilhou as informações com críticas à composição da vacina desenvolvida pela Pfizer.

Com a falta de resultados capazes de mostrar a formação e mais detalhes sobre a carreira e pesquisa de John B., a reportagem realizou uma busca reversa da imagem do perfil no Twitter para localizar outras redes sociais do suposto médico, mas também não encontrou registros além da conta do Twitter e do Telegram — que também não traz detalhes.

Pela falta de registros, a reportagem suspeitou que o perfil pudesse ser falso. Utilizamos duas ferramentas de checagem para nos aproximarmos de respostas sobre quem estaria por trás do gerenciamento da conta: o Pegabot e o Botometer. Ambos foram desenvolvidos para identificar contas automatizadas no Twitter, também conhecidas como ‘bots’, ou ‘robôs’.

As plataformas indicaram que há mais de 51% de chance do Twitter ser gerido por um terceiro, que não seria médico, tampouco cientista.

O Comprova tentou contactar o suposto médico via Twitter, mas o perfil de Dr. John B. recusa automaticamente o recebimento de mensagens.

Junto à Pfizer, o Comprova quis saber se as imagens analisadas em microscópio eram verdadeiras. Também contactamos a Anvisa para identificar se havia algum registro de denúncia ou pesquisa capaz de colocar em dúvida a pureza do imunizante ComiRNAty — nome que a Pfizer deu à vacina contra a covid-19.

Também consultamos o site da OMS (Organização Mundial da Saúde) para levantar informações oficiais sobre os processos de aprovação e produção de vacinas, além de consultar o virologista e professor da UnB (Universidade de Brasília) Bergmann Ribeiro para conferir a veracidade das imagens.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 15 de outubro de 2021.

Verificação

Quem é o John B.?

A reportagem buscou informações sobre quem é o doutor John B. na internet. O primeiro resultado que aparece redireciona a busca para o Twitter do perfil que compartilhou as informações sobre supostas micropartículas contaminantes presentes na vacina da Pfizer.

Por meio de uma busca reversa da imagem do perfil de John B., o Comprova tentou localizar outras redes sociais do suposto médico, mas também não encontrou registros além da conta do Twitter.

O nome, muito comum nos Estados Unidos, indica para o perfil de diversos médicos, mas nenhum parecido com o que aparece na foto do Twitter.

A reportagem suspeitou que o perfil fosse falso, considerando que a mesma foto parece ter sido retirada de um banco de imagens. Esses bancos produzem fotografias produzidas, com cenários genéricos, que podem ser utilizadas para ilustrar conteúdos diversos. O padrão de imagens presente nesses sites se aproxima da foto utilizada no perfil de John B.

Outro elemento suspeito é o número expressivo de seguidores — mais de 31 mil até 6 de outubro de 2021 — em apenas quatro meses de criação do perfil, que, segundo o Twitter, foi criado em junho de 2021.

Então, a reportagem partiu para uma segunda análise na tentativa de descobrir quem são alguns dos seguidores do doutor John B.. De forma aleatória, entrou em alguns dos perfis e descobriu que, coincidentemente, também eram contas recentes e com conteúdos contrários à vacina.

Checagem do perfil

Para verificar se o perfil era ou não falso, utilizamos duas ferramentas de checagem: o Pegabot e o Botometer. Ambos foram desenvolvidos para identificar contas automatizadas no Twitter, também conhecidas como “bots”, ou robôs.

Segundo o Pegabot, há 51% de chances de o perfil de John B. ser gerido por alguém que se passa por um médico capaz de analisar imunizantes em nível microscópico. Pelas métricas apresentadas pela plataforma, há grandes chances de o perfil ser fake — falso, em português. O termo é usado para denominar contas ou perfis usados na Internet com o intuito de ocultar a identidade real de um usuário.

A métrica do Botometer calcula as chances de perfis serem verdadeiros ou falsos em uma escala de 0 a 5, sendo 5 a maior chance de ser falso e 0 a menor probabilidade. Ao checarmos o perfil do suposto médico, a plataforma apontou uma nota de 4.2. De acordo com a base de dados do Botometer, apenas 17% das contas com uma pontuação similar eram gerenciadas por humanos, enquanto outros 83% eram, de fato, perfis automatizados.

O Comprova tentou contactar o suposto médico via Twitter, mas o perfil de Dr. John B. recusa automaticamente o recebimento de mensagens.

Uma segunda busca foi feita pela reportagem via Telegram, no entanto, o grupo em que a mensagem verificada aqui circulou não redireciona o contato para o criador do conteúdo. Também procuramos o perfil dele no Instagram, mas não encontramos.

Por esse motivo, a reportagem não conseguiu acioná-lo para questionar o levantamento que ele diz ter realizado sobre a composição da vacina da Pfizer.

O que dizem a Anvisa e a Pfizer

O Comprova quis saber, então, se as supostas imagens da análise microscópica do imunizante da Pfizer eram verdadeiras. A empresa diz desconhecer a análise em questão e reafirma “que seu processo de fabricação respeita regras rigorosas de vigilância sanitária, para garantir a pureza e a segurança do imunizante”.

A Pfizer esclarece que todas as etapas de fabricação do imunizante, “incluindo análise de qualidade do produto, são minuciosamente avaliadas pelas agências regulatórias em todo mundo por ocasião de aprovação de uso e seguem processos contínuos de inspeção e análise por esses órgãos de acordo com a legislação vigente. A Pfizer dedica seus maiores esforços na vigilância da qualidade, segurança e eficácia dos insumos e produtos que fabrica e comercializa, disponibilizando seus produtos de forma segura e responsável ao mercado, em conformidade com as mais rigorosas normas de qualidade e segurança.”

E, por fim, a farmacêutica compartilhou o link da bula da vacina destacando que todas as informações, inclusive a sua composição, estão disponíveis ao público.

Nossa equipe também questionou a Anvisa se havia denúncia ou pesquisa que colocassem em dúvida a pureza do imunizante ComiRNAty. Por e-mail, a autarquia informou que os estudos de biodistribuição avaliados durante o registro do produto “não indicaram qualquer resíduo com potencial de impacto tóxico ou genético para as células do corpo humano”.

Segundo a agência, um ponto central na análise de todas as vacinas em uso no Brasil são os critérios de pureza e esterilidade nos ambientes de produção dos imunizantes. “A Anvisa mantém as indicações aprovadas para a vacina e não há dados que indiquem alteração no perfil de benefício-risco.”

Produção e aprovação de vacinas pela OMS

A aprovação de uma vacina pelo órgão conta com três fases de ensaios clínicos. Além disso, os imunizantes são avaliados para que sua segurança e eficácia sejam comprovados.

Essa aprovação regulatória precede o envio do imunizante pelos fabricantes à OMS. Com a entrega desse material ao órgão de saúde, um novo processo de avaliação é feito com ajuda da ONU (Organização das Nações Unidas) e de outras entidades internacionais para garantir a qualidade da vacina.

No site da OMS, a entidade explica que o controle de qualidade monitora de forma constante as vacinas e estabelece a gravidade de qualquer efeito colateral adverso e resposta das pessoas imunizadas.

Não existe um tempo mínimo determinado para o desenvolvimento de vacinas e a duração desse processo depende de uma série de variáveis, que incluem o processo, do teste pré-clínico à fabricação. Em casos de maior impacto para a saúde global, como o que ocorreu durante a pandemia em 2020, um procedimento legal permite que vacinas sejam aprovadas para uso emergencial, respeitando critérios de segurança e eficácia. A agilidade que acelerou o processo de fabricação das vacinas ocorreu porque entidades públicas e privadas uniram recursos financeiros e tecnológicos para combater a covid-19.

A organização afirma, ainda, que os estudos são realizados de forma frequente para determinar por quanto tempo a imunização será estabelecida pela vacina.

Bergmann Ribeiro, virologista e professor da Universidade de Brasília (UnB) classificou a divulgação das imagens como “absurdas” porque não dá para saber como foram feitas e se realmente usaram um frasco da vacina da Pfizer.

Segundo ele, qualquer remédio, antes de ser aprovado para uso, passa por testes rigorosos de qualidade e as agências de controle só aprovam após analisar e constatar que o conteúdo do frasco é o mesmo descrito na bula.

O especialista explica que o imunizante da Pfizer é composto por ácido nucleico (informação genética do coronavírus para produzir uma proteína chamada espícula), lipídios (que formam uma proteção para quando RNA-mensageiro for injetado nas pessoas), colesterol, fosfolipídio, sacarose, cloreto de sódio, cloreto de potássio, fosfato de sódio, por exemplo.

“Como se vê, são vários sais e, se eles forem ressecados, produzem cristais de diferentes tamanhos. Essas moléculas, num processo de precipitação, podem formar um cristalzinho. Nem por isso significa que o cristal é impureza. É um absurdo espalhar esse tipo de informação”, alerta Bergmann Ribeiro.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O conteúdo verificado aqui teve mais de 37 mil visualizações no Telegram, com 149 comentários que, em sua maioria, falam sobre teorias conspiratórias a respeito de um “great reset” — grande reinicialização, em português — envolvendo a vacina contra a covid-19, o que não procede.

O impacto gerado por esse conteúdo enganoso é observado a partir desses comentários. Um deles é a desinformação e o outro é a aversão aos imunizantes, ainda que sejam comprovadamente seguros e eficazes em salvar vidas ao redor do mundo.

Além disso, o Comprova decidiu investigar o material por conta da fonte de difusão desses dados, que seria um suposto médico norte-americano. A reportagem tentou localizá-lo, mas não há indícios de que realmente seja um médico por trás do gerenciamento da conta que difundiu as informações.

Outras checagens verificaram conteúdos semelhantes, como a agência Aos Fatos, que desmentiu um estudo japonês que havia “encontrado’ nanopartículas de mRNA em pessoas vacinadas com a Pfizer. A BBC também produziu uma matéria que traz esclarecimentos sobre os boatos de DNA alterado, microchips e supostos efeitos colaterais das vacinas.

Enganoso para o Comprova é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações. Também se encaixa nessa categoria a publicação que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

Saúde

Investigado por: 2021-10-13

É falso que documento da Suprema Corte dos EUA afirme que vacinados contra a covid-19 se tornam transumanos

  • Falso
Falso
É falso o vídeo que circula nas redes sociais em que um homem afirma que, segundo documento da Suprema Corte dos Estados Unidos, pessoas que receberam vacina de RNA mensageiro sofrem alterações no DNA e se tornam transumanas, podendo ser patenteadas. O link citado por ele é, de fato, do órgão de Justiça, mas o trecho que ele lê não consta no documento. Publicado em 2013, o documento informa que os genes humanos não podem ser patenteados, mas o DNA criado artificialmente pode ser reivindicado como propriedade intelectual.
  • Conteúdo verificado: Vídeo que circula nas redes sociais mostra homem com suposto documento da Suprema Corte dos Estados Unidos, afirmando que quem recebeu vacina de RNA mensageiro sofre alteração no DNA e deixa de ser considerado humano.

É falso o vídeo que circula em plataformas como TikTok, Facebook e Telegram em que um homem afirma que, segundo um documento da Suprema Corte dos Estados Unidos, as pessoas que se imunizaram com vacina de RNA mensageiro sofrem alteração no DNA, tornam-se transumanas e passam a ser consideradas bens patenteados do governo.

O documento apresentado pelo autor do vídeo é, de fato, uma decisão do órgão de Justiça norte-americano, mas não tem relação com a pandemia e não cita vacinas, como sugere o falso vídeo. O texto foi publicado em 2013, após decisão unânime da Suprema Corte determinar que os genes humanos não podem ser patenteados, mas que o DNA criado artificialmente pode ser reivindicado como propriedade intelectual. A decisão ocorreu após a empresa de biotecnologia Myriad Genetics reivindicar a propriedade de dois genes ligados ao câncer de ovário e de mama.

No vídeo, o autor inventa dados para atacar as vacinas, mas os imunizantes contra a covid-19 são eficazes e seguros, de acordo com diversas autoridades de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.

Procurado, o autor do vídeo insistiu que não relatou informações falsas. Também foi feito contato com o canal que distribuiu o conteúdo com tradução para o português, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

O Comprova considera falso o conteúdo que tenha sido inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Ao buscar as palavras “transhuman”e “RNA” no Facebook, a reportagem encontrou o vídeo compartilhado na página Holistic Health Through Nature (em português, Saúde Holística por meio da Natureza), página que compartilha, entre outras coisas, publicações antivacinação. Nela, diferentemente da versão que o Comprova recebeu pelo Telegram, aparece o nome do autor do vídeo.

Foi feito contato com o perfil do autor do vídeo no Facebook e com a página que legendou o vídeo em português que viralizou no Telegram.

Para confirmar que o arquivo citado era original, a reportagem buscou o documento mencionado no vídeo no site da Suprema Corte dos Estados Unidos, mas verificou que a página “Opiniões do Tribunal” só mostra arquivos de 2014 a 2021. Para ter a certificação de que o documento é real, foi feita uma busca no Google, que encontrou o texto citado no vídeo.

Com a ferramenta de tradução do Google, foi possível ler a íntegra do documento da Corte em português e verificar que a publicação dele ocorreu em junho de 2013.

Por último, a reportagem consultou o site do CDC para checar informações sobre a segurança das vacinas.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 13 de outubro de 2021.

Verificação

A decisão

O documento citado pelo autor do vídeo – que, inclusive, publica o link para o texto no site da Suprema Corte – é uma decisão publicada em junho de 2013 pelo órgão.

A decisão se referia ao caso em que a empresa Myriad Genetics reivindicava a propriedade de dois genes ligados ao câncer de ovário e de mama. Ao contrário do que afirma o autor do vídeo, o tribunal não permite que o DNA humano seja patenteado.

“Um segmento de DNA de origem natural é um produto da natureza e não pode ser patenteado simplesmente porque foi isolado, mas o DNA complementar pode ser patenteado porque não se produz de maneira natural”, diz a segunda página do documento.

Em entrevista à AFP Fact Check sobre postagem com conteúdo semelhante, a pesquisadora Jennifer Piatt, do Centro de Legislação e Política de Saúde Pública da Universidade do Estado do Arizona, diz que “a alegação feita nas redes sociais é uma distorção completa de como as vacinas funcionam e do que o tribunal diz”. Segundo ela, “em primeiro lugar, não há possibilidade de alteração do DNA humano por meio das vacinas” e, ao afirmar que a Corte decidiu que pessoas podem ser patenteadas, “eles (os desinformadores) estão olhando para isso por uma perspectiva que nem está presente na decisão do tribunal”.

Segurança das vacinas

No vídeo que está viralizando, o autor enfatiza a questão da vacina, sugerindo que as pessoas não devem tomar a “picadinha estúpida” – ou seja, o imunizante contra a covid-19. Mas, no documento citado por ele não há relação com qualquer vacina ou mesmo citação sobre alterações causadas por vacinas no DNA humano.

De acordo com o CDC, “as vacinas são seguras e eficazes” e todos com mais de 12 anos são elegíveis à imunização.

Na área de perguntas e respostas sobre vacinas do site do órgão, há uma questão sobre a segurança dos produtos. A resposta: “Sim, as vacinas contra a covid-19 são seguras e eficazes. Centenas de milhões de pessoas nos Estados Unidos receberam as vacinas sob o mais intenso monitoramento de segurança da história do país”.

Especificamente sobre as vacinas de RNA mensageiro, o CDC afirma: “são um novo tipo de vacina para proteger contra doenças infecciosas” e “o benefício delas, como de todas as vacinas, é que as pessoas vacinadas ganham proteção sem nunca ter que correr o risco das graves consequências de adoecer de covid-19”.

Como diversos conteúdos desacreditando esses imunizantes já viralizaram, há, no site do órgão, a informação de que “eles não afetam ou interagem com o DNA de forma nenhuma”.

O autor do vídeo

Em seu perfil no Facebook, Ben Barlow publica conteúdos anti-vacina e anti-máscara. Também continua defendendo que as eleições norte-americanas, que deram a vitória ao democrata Joe Biden, empossado em janeiro, foram fraudadas.

Pelo menos oito conteúdos publicados por ele desde agosto de 2020 estavam marcados como “informação falsa”, “parcialmente falsa” ou “sem contexto” pelo Facebook. Procurado, Barlow não respondeu sobre a origem da informação falsa que compartilha no vídeo. Ele insistiu que não divulgou falsidades e chamou a vacina de “veneno forçado que eles estão nos empurrando”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O vídeo verificado aqui teve mais de 45 mil visualizações e mais de 2,4 mil interações até 11 de outubro.

O conteúdo verificado aqui tenta enganar e causar desinformação referente à segurança das vacinas, que já foram cientificamente comprovadas como o principal método contra o coronavírus. Além disso, ao citar que “causa alteração no DNA humano”, o vídeo pode gerar pânico na população, aumentando o número de pessoas que não querem tomar a vacina por medo.

Outros veículos verificaram conteúdos semelhantes, como AFP Fact Check e Newschecker. Só nos últimos dias o Comprova classificou como enganoso post da deputada federal Bia Kicis que distorcia entrevista de diretora do CDC para criticar vacinas e “passaporte sanitário” e vídeo de apresentadora com estilista dizendo que o número de pessoas infartadas em Israel não cresceu após a imunização.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-10-11

Deputada distorce entrevista de diretora do CDC para criticar vacinas e ‘passaporte sanitário’

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte engana ao trazer trecho descontextualizado de uma entrevista da diretora do CDC, Rochelle Walensky, feita em agosto, para afirmar que o fato de a vacina contra a covid-19 não prevenir totalmente a transmissão do vírus mostra a “total inutilidade do passaporte sanitário”. Na verdade, pessoas imunizadas tendem a se infectar menos e a apresentar uma carga viral mais baixa comparada com os não vacinados, o que indica que a medida traz benefícios do ponto de vista da saúde pública.
  • Conteúdo verificado: Tuíte de deputada federal traz o trecho de uma entrevista da diretora do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Na legenda, diz que o órgão sanitário estaria admitindo que as vacinas contra a covid-19 não previnem a transmissão e que isso mostraria a “total inutilidade do passaporte sanitário”.

Para criticar o chamado “passaporte da vacina” adotado em dezenas de municípios brasileiros para reduzir o risco de contágio e incentivar a vacinação, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) compartilhou no Twitter um trecho de uma entrevista antiga de Rochelle Walensky, diretora do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão sanitário dos Estados Unidos. O conteúdo havia sido veiculado dois meses antes na rede de televisão CNN e não sustenta o argumento da deputada, de que vacinados e não vacinados apresentam o mesmo risco de transmissão do coronavírus e, portanto, a medida seria inútil.

Sem o contexto original, o trecho solto de uma fala de Walensky causou confusão nas redes. Na época da entrevista, início de agosto, os Estados Unidos enfrentavam uma escalada no número de casos de covid-19 por conta da variante Delta. Diante desse fato e de estudos comprovando que pessoas imunizadas também poderiam transmitir o vírus, o CDC passou a recomendar novamente o uso de máscaras para toda a população em espaços públicos fechados, como forma de reduzir o risco de contágio.

Walensky aparece na entrevista reforçando a necessidade das medidas de prevenção, como uso de máscaras, e convocando as pessoas para que se vacinassem assim que possível. No trecho recortado pela deputada Bia Kicis, a diretora do CDC afirma que as vacinas “continuam funcionando excepcionalmente bem” em prevenir quadros graves e mortes, mas que elas “não podem mais prevenir a transmissão” em um cenário de avanço da Delta.

Isso não quer dizer que vacinados e não vacinados tenham a mesma chance de serem contaminados e passar o vírus adiante. Os fabricantes das vacinas aprovadas nos Estados Unidos comprovaram, por meio de estudos, que elas funcionam para diminuir as infecções na população, além de drasticamente reduzir a chance de quadros graves e mortes. O que ocorre é que elas não são infalíveis — no momento em que existe uma alta circulação do vírus, o número de casos da doença entre pessoas vacinadas, ainda que menos frequente, também aumenta.

Estudos científicos demonstram ainda que a Delta consegue romper essa barreira com mais facilidade do que outras cepas do vírus. Porém, novas pesquisas com as vacinas mostram que elas continuam sendo eficazes contra a Delta. E mesmo que haja uma infecção entre os vacinados, essa pessoa tende a transmitir menos o vírus do que aqueles que se recusam a tomar o imunizante, o que vem sendo associado por especialistas a uma carga viral mais baixa e a uma duração mais curta dos sintomas.

A posição atual do CDC, atualizada em 15 de setembro, é de que “pessoas totalmente vacinadas têm menos probabilidade do que pessoas não vacinadas de adquirir Sars-CoV-2” e de que as eventuais “infecções com a variante Delta em pessoas vacinadas têm potencialmente menos transmissibilidade do que as infecções em pessoas não vacinadas, embora estudos adicionais sejam necessários”.

O Comprova classificou o conteúdo como enganoso porque a deputada usa informações de forma a induzir uma interpretação errada – de que as vacinas não auxiliam a reduzir a transmissão do vírus para diminuição de casos. A deputada foi procurada, mas não retornou o contato.

Como verificamos?

Primeiramente, o Comprova buscou no Google o link do vídeo original da entrevista feita pela CNN dos Estados Unidos, encontrando no Facebook da emissora. Em seguida, foi procurada uma transcrição completa. Além disso, também foram buscadas notícias que repercutiam as falas do vídeo com Rochelle Walensky.

A partir dessas informações, o Comprova foi em busca de dados sobre o número de vacinados e de pessoas que testaram positivo para a covid-19 nos Estados Unidos na data que a entrevista foi ao ar.

Foram contatados os especialistas Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), e o doutor em Imunologia e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Daniel de Oliveira Gomes.

A reportagem também consultou a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19, difusora de dados sobre o coronavírus em redes sociais, e a epidemiologista e professora da Ufes Ethel Maciel. Por fim, o Comprova contatou o CDC e a deputada Bia Kicis, autora do post verificado, mas não obteve resposta de ambos até a publicação desta checagem.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 11 de outubro de 2021.

Verificação

Origem do vídeo

A postagem é da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania na Câmara. A parlamentar é uma das lideranças da base aliada de Jair Bolsonaro (sem partido) na casa legislativa.

Na legenda, a deputada escreve: “A diretora do CDC, Rochelle Walensky, agora admite que a v4c1n4…não pode prevenir a transmissão. Isso mostra a total inutilidade do passaporte sanitário, além da grave violência à liberdade”. Kicis substituiu a palavra “vacina” por letras e números. Essa é uma tática utilizada por muitos perfis e páginas que buscam escapar do monitoramento das redes.

O vídeo é apenas um trecho de uma entrevista em inglês de Rochelle Walensky para a rede de televisão CNN, dos Estados Unidos. Quem faz as perguntas é o jornalista Wolf Blitzer.

A partir dessas informações, o Comprova pesquisou no Google por “Rochelle Walensky CNN Wolf Blitzer” e encontrou o conteúdo original na página da CNN no Facebook. A entrevista é de 5 de agosto deste ano — ou seja, Bia Kicis resgatou um conteúdo de quase dois meses antes e o compartilhou como se fosse uma revelação recente.

O Comprova encontrou ainda a transcrição completa do programa The Situation Room daquele dia e uma notícia publicada no site da CNN repercutindo as declarações da diretora do CDC.

Um tuíte de Wolf Blitzer confirma ainda a data e o horário da entrevista com Rochelle Walensky e o motivo do convite: os Estados Unidos haviam registrado mais de 100 mil casos de covid-19 em 24h. Era o começo de uma nova onda de covid-19 no País, segundo dados do órgão de saúde, cenário atribuído ao aumento do número de casos da variante Delta, quando metade da população tinha o esquema vacinal completo.

O que diz a entrevista

O vídeo original postado pela CNN tem 3 minutos e 25 segundos, enquanto o trecho usado por Bia Kicis no Twitter explora apenas 26 segundos. De acordo com a transcrição completa do programa, a participação da especialista durou cerca de 20 minutos.

No recorte da deputada, Walensky diz: “Nossas vacinas estão funcionando excepcionalmente bem. Elas continuam funcionando bem com a Delta em relação a quadros graves da doença e mortes. Elas previnem isso”.

E completa a seguir: “Mas o que elas não podem mais fazer é prevenir a transmissão. Então, se você está indo para a casa de alguém que não foi vacinado ou que não pode ser vacinado, imunossuprimido ou um pouco frágil, com comorbidades de alto risco, eu sugiro que você use uma máscara em ambientes públicos fechados”.

A postagem engana porque dá a entender que o posicionamento oficial do CDC é de que uma pessoa vacinada tem a mesma chance de transmitir o vírus do que alguém que não tomou a vacina, o que não é verdade. Esse tipo de alegação desconsidera o fato de que a imunização reduz a possibilidade de infecção em primeiro lugar, conforme os estudos científicos que resultaram na aprovação dos imunizantes pelo órgão sanitário.

Na entrevista, Walensky falava sobre as chamadas taxas de “breakthrough”, ou seja, sobre os casos de pessoas totalmente vacinadas que eventualmente se contaminam com o vírus da covid-19. Nenhuma vacina elimina completamente a chance de pegar o vírus, desenvolver a doença ou mesmo vir a óbito, mas é fato que os imunizantes protegem a população, dificultam a infecção e reduzem drasticamente a chance de agravamento do quadro.

Nesse ponto, as vacinas contra a covid-19 se assemelham a outras, como a do rotavírus, que não conseguiram chegar a um patamar esterilizante. Esse debate não é uma novidade: especialistas alertavam para esse fato desde o começo do ano, quando os países davam os primeiros passos na imunização.

Vacinação X transmissão

Na época, a entrevista da diretora do CDC repercutiu em uma reportagem da CNN. A publicação lembra, por exemplo, que na semana anterior, em 30 de julho, o órgão sanitário havia divulgado um estudo indicando que a variante Delta poderia produzir uma quantidade semelhante de vírus em pessoas vacinadas e não vacinadas no caso de uma contaminação. “Dados sugerem que pessoas vacinadas que pegam o vírus podem apresentar uma tendência parecida de espalhar o vírus em relação aos não vacinados”, informa o conteúdo. Com o estudo, que foi considerado uma “descoberta fundamental” na época, o CDC voltou atrás na recomendação sobre máscaras em ambientes fechados.

Meses antes da entrevista de Walensky, já era discutido entre cientistas a questão da transmissibilidade em pessoas vacinadas, como é possível ver em matéria da BBC de fevereiro: “Não há evidências de que qualquer uma das vacinas covid-19 atuais possa impedir completamente a infecção de pessoas – e isso tem implicações em nossas perspectivas de obter imunidade coletiva”.

E na da revista Fapesp, em março: “Estudos clínicos sobre as formulações em uso revelam que elas são eficazes na prevenção da enfermidade, reduzindo os sintomas e evitando quadros graves, mas não se sabe ainda se também conseguem impedir que o vírus invada as células humanas e inicie o processo de replicação”.

Para Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), sempre se soube que, mesmo com a vacinação, o vírus continuaria circulando. “No início, não se tinha muitas respostas, mas a partir do momento que veio a variante Delta isso mudou. Ficou bem estabelecido, que independente da vacina utilizada, mesmo a pessoa vacinada, ela pode se infectar e transmitir”, afirma.

Além disso, ele ressalta que, no caso dos EUA, há dois fatores importantes: uma taxa bastante elevada de pessoas não vacinadas e, ao mesmo tempo, uma alta circulação da variante Delta, que é o que não tem sido observado no Brasil, já que aqui a Delta não circulou com tanta força.

Reportagem da Nature, de 12 de agosto, destaca que “relatórios de vários países parecem confirmar o que os cientistas temiam depois que a variante atravessou a Índia com velocidade alarmante em abril e maio: a Delta tem mais probabilidade do que outras variantes de se espalhar por pessoas vacinadas”.

“Dados de testes covid-19 nos Estados Unidos, Reino Unido e Cingapura mostram que as pessoas vacinadas que são infectadas com Delta SARS-CoV-2 podem carregar tanto vírus no nariz quanto as pessoas não vacinadas. Isso significa que apesar da proteção oferecida pelas vacinas, uma proporção de pessoas vacinadas pode passar para a Delta, possivelmente auxiliando no seu aumento”, acrescenta o conteúdo.

Publicação no site da Universidade Johns Hopkins traz que os dados do estudo do CDC mostraram “que pessoas vacinadas infectadas com a variante delta podem carregar cargas virais detectáveis ​​semelhantes às de pessoas não vacinadas, embora nos vacinados esses níveis diminuam rapidamente. Também há dúvidas sobre o quão cultivável – ou viável – esse vírus recuperado de pessoas vacinadas realmente é”.

Segundo a publicação, embora pareça desencorajador, é importante manter três coisas em mente: as vacinas permanecem altamente eficazes na prevenção de doenças graves; infecções disruptivas entre indivíduos vacinados permanecem incomuns e a maioria das novas infecções por covid-19 nos Estados Unidos estava ocorrendo entre pessoas não vacinadas.

O texto destaca que é fundamental entender que o estudo é derivado principalmente de um local no qual as atividades e os ambientes que estavam levando a infecções não são necessariamente representativos da vida cotidiana de um indivíduo totalmente vacinado. O estudo descreve 469 residentes de Massachusetts que foram infectados em um surto de julho no Condado de Barnstable, que inclui o destino de férias de verão Provincetown. Nenhuma morte foi relatada entre eles.

Pesquisas recentes

Uma série de estudos científicos contrariam a tese de que vacinados teriam o mesmo risco de adquirir a doença — e consequentemente de transmiti-la — do que não vacinados, mesmo em um cenário de prevalência da variante Delta. Desde o final de agosto já existem dados para os quatro imunizantes aplicados no Brasil — Coronavac, Astrazeneca, Pfizer, Janssen — como mostra essa reportagem do UOL.

Cientistas da Universidade de Oxford, por exemplo, recentemente divulgaram um artigo em que examinam 139 mil contatos próximos rastreados de 95 mil casos de covid-19 no Reino Unido entre janeiro e agosto deste ano. O objetivo era comparar qual foi o impacto de uma ou duas doses das vacinas da Astrazeneca e da Pfizer na transmissão da doença contra as variantes Delta e Alfa.

De acordo com esse estudo, pessoas que haviam recebido duas doses da vacina da Pfizer tiveram 58% menos chance de pegar a variante Delta de uma pessoa contaminada com a qual tiveram contato. No caso da Astrazeneca, o risco foi reduzido em 36%. Esse percentual sobe para 82% e 63% contra a variante Alfa. Os autores, por outro lado, alertam para uma redução da efetividade três meses depois da segunda dose, algo que também já vinha sendo debatido na comunidade científica e que indica a necessidade de doses de reforço em grupos de risco. Apesar de ainda não ter sido revisado e publicado, o estudo foi citado pela Nature, uma das principais revistas científicas do mundo.

Nos estudos que embasaram a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil, realizados ao longo do ano passado, os imunizantes da Pfizer e da Astrazeneca tiveram 95% e 70,4% de eficácia geral, ou seja, reduziram o risco de casos sintomáticos da doença nessa proporção. A Coronavac teve 50,38% e a Janssen, 67%.

Outras pesquisas focaram na comparação entre contaminados no grupo de pessoas vacinadas versus pacientes não vacinados — e mais uma vez, o grupo protegido se saiu melhor nessas análises preliminares. Pesquisadores das universidades de Harvard, Yale e Columbia, nos Estados Unidos, analisaram amostras de 175 indivíduos infectados de uma liga de basquete. Vacinados ou não, eles atingiram o pico de carga viral de forma semelhante, por volta do terceiro dia. Só que os vacinados conseguiram eliminar o vírus já no quinto dia, contra sete a oito dias nos demais. O artigo ainda passa por revisão

Dessa forma, apesar de estudos anteriores, na época da fala de Walensky, descobrirem que as pessoas infectadas com Delta têm aproximadamente os mesmos níveis de materiais genéticos virais em seus narizes, pesquisas mais recentes sugerem que as pessoas vacinadas têm menos probabilidade de espalhar o vírus se subsequentemente contraírem Delta.

Como aponta um artigo escrito para a revista Nature, encaminhado ao Comprova pela epidemiologista Ethel Maciel, os níveis de vírus presentes no nariz de pessoas vacinadas caem mais rápido do que os de pessoas infectadas não vacinadas — e elas também são menos propensas a contaminar contatos próximos.

O que dizem especialistas e órgãos de saúde

A posição oficial do CDC está disponível no site do órgão sanitário norte-americano, com atualização mais recente em 15 de setembro de 2021. De acordo com o texto, “dados mostram que mostram que pessoas totalmente vacinadas têm menos probabilidade do que pessoas não vacinadas de adquirir SARS-CoV-2, e infecções com a variante Delta em pessoas com esquema vacinal completo estão associadas com menos desfechos clínicos graves”.

O CDC afirma ainda que “as infecções com a variante Delta em pessoas vacinadas têm potencialmente menos transmissibilidade do que as infecções em pessoas não vacinadas, embora estudos adicionais sejam necessários”. A nota lembra que o risco não pode ser completamente eliminado enquanto existir uma elevada circulação do vírus na comunidade.

Da mesma forma, o posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que os dados apontam que a chance de infecção e de transmissão é menor entre os vacinados, mas a entidade sugere que esse poder das vacinas é menos crítico comparado à queda de hospitalizações e mortes. A OMS também destaca que existem incertezas a partir do momento que surgem novas variantes de preocupação.

Juarez Cunha, da SBIm, explica que “as pessoas vacinadas, quando se infectam, têm uma carga viral mais baixa comparada com os não vacinados, ou seja, transmitem muito menos que uma pessoa com a doença natural. Para as formas graves e óbitos, a eficácia das vacinas, mesmo com a variante delta, tem se mantido bastante elevada”.

Segundo o médico, com esse cenário, é fundamental manter as medidas farmacológicas, em especial o uso de máscaras. “As vacinas não são só a proteção do indivíduo, mas a proteção da coletividade. Quanto maior o número de pessoas vacinadas, menor as chances de continuar circulando os vírus, inclusive de aparecerem novas variantes”, comenta.

A biomédica Mellanie Fontes-Dutra observa que as vacinas podem impactar na proteção contra infecção (proteger contra a entrada do vírus na célula) e podem reduzir a replicação viral do Sars-Cov-2 na célula (o que gera menos partículas virais).

Assim, os vacinados, reforça Mellanie, a partir dessa redução da replicação viral, liberam menos partículas virais para o ambiente, permanecem contagiosos por um tempo menor (comparado com não vacinados), além de se protegerem contra a doença sintomática e suas versões mais sérias.

“Portanto, já temos um conjunto de evidências demonstrando que vacinados transmitem menos do que não vacinados”, frisa a especialista, que atua na Rede Análise covid-19, equipe Halo da ONU, grupo InfoVid, Todos Pelas Vacinas e União Pró-Vacina.

Ela também já havia abordado o assunto em postagens no Twitter, como a que diz que imunização reduz transmissão de delta e indivíduos vacinados transmitem menos e a que apresentou dados de Harvard sobre infecção e transmissão entre vacinados e não vacinados. Nessa publicação, ela pontua como as vacinas contribuem para a redução do contágio.

‘Passaporte da vacina’

O chamado “passaporte sanitário” citado pela deputada Bia Kicis — ou “passaporte da vacina” — é como ficou conhecida popularmente a exigência de comprovante de vacinação contra a covid-19 para que as pessoas frequentem certos ambientes, sejam eles públicos ou privados, como bares, restaurantes, academias, shows, museus e outros estabelecimentos durante a pandemia.

Diferentemente do que sugere a parlamentar, esse tipo de medida poderia, em tese, diminuir o risco de contágio ao barrar a presença de pessoas suscetíveis ao vírus dentro de um ambiente fechado, por exemplo. Já existem pesquisas indicando que as eventuais falhas vacinais – que é quando a vacina não gera imunidade efetiva, portanto, se exposta ao agente infeccioso, a pessoa pode adoecer – geralmente resultam em menor carga viral e duração reduzida de sintomas, o que contraria a ideia de que o potencial de transmissão seria o mesmo independentemente de quem frequenta o local.

Além disso, esse tipo de medida costuma ser imposta pelo poder público como um incentivo para a população buscar o posto de saúde. Em um boletim técnico divulgado em 1º de outubro, a Fiocruz recomendou a adoção da medida em todo o território nacional como forma de incentivar a imunização no País e de proteger mais a população.

O professor da Ufes Daniel de Oliveira Gomes ressalta que a alegação da deputada, relacionando a transmissibilidade ao passaporte da vacina, não procede.

Embora seja de conhecimento público, desde o início da vacinação, que nenhum dos imunizantes bloqueia a transmissão, Gomes observa que a parlamentar desconsiderou que, ao ser vacinada, a pessoa tem menos possibilidade de manifestar a doença nas fases moderada e severa e, portanto, de ser hospitalizada.

“É bom lembrar que são raras as vacinas que bloqueiam a transmissão; não é nenhum demérito da vacina da covid. Não impede a transmissão, mas previne uma evolução clínica com gravidade”, pontua.

Na avaliação de Gomes, o passaporte sanitário é uma importante estratégia de política pública porque, indiretamente, leva mais pessoas a se vacinar. “Porque se flexibilizadas todas as situações, sem necessidade de comprovação da vacina, o indivíduo que naturalmente é mais resistente vai falar que não precisa se vacinar. O passaporte é uma forma de fomentar a própria campanha de vacinação”, argumenta.

O professor faz ainda ponderações do ponto de vista de saúde pública. Ele diz que o passaporte vai restringir o acesso a locais eventualmente com aglomeração, e se as pessoas estão vacinadas, apesar da possibilidade do vírus circular, reduz-se a incidência de infecção.

“O vírus pode ser disseminado, mas o indivíduo tem anticorpos neutralizantes (protetores) que impedem de acessar, infectar as células. E, caso infecte, não vai impactar de maneira significativa”, reforça.

De acordo com um levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), ao menos 249 municípios brasileiros impuseram algum tipo de regra desse tipo até o final de setembro. A pesquisa ouviu gestores de 2.461 cidades, de um total de 5.568.

A exigência está presente em uma série de localidades fora do Brasil, como Nova York, nos Estados Unidos. Driblando as restrições, o presidente Jair Bolsonaro apareceu em uma foto comendo pizza na calçada durante a viagem para a Assembleia Geral da ONU. Ele afirma que não se vacinou até hoje.

Reportagem do G1 de agosto cita ainda os exemplos de França, Itália, Israel e China. Outra notícia, do El País, do começo de agosto, menciona ao todo 21 países da União Europeia, incluindo Portugal, Grécia e Dinamarca. Um terceiro levantamento, da CNN Brasil, acrescenta informações sobre os casos de Japão e Coreia do Sul.

Críticas de bolsonaristas

A postagem de Bia Kicis, uma das principais aliadas do presidente Jair Bolsonaro na Câmara, vai ao encontro das declarações recentes do presidente e de outros integrantes do governo, como o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

Bolsonaro se posicionou contra o “passaporte”, inclusive, em seu discurso na ONU. “Apoiamos a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina”, afirmou o mandatário brasileiro, que causou desconforto no evento diplomático como único líder do G20 a sustentar publicamente que recusou o imunizante.

Em 27 de agosto, em uma agenda no Rio de Janeiro, Queiroga classificou a adoção do “passaporte” como uma medida “descabida”. “Você começar a restringir a liberdade das pessoas, exigir um passaporte, carimbo, querer impor por lei uso de máscaras para estar multando as pessoas, indústria de multa, nós somos contra isso”, disse.

Outro a atacar a medida foi o secretário especial de Cultura, Mário Frias. “Nenhum prefeito irá decidir o que os órgãos vinculados a mim irão ou não fazer. Não aceitarei fazer parte do teatrinho autoritário sanitarista. Nas entidades vinculadas da Cultura, não iremos adotar o abominável passaporte de vacinação, ponto final”, escreveu em sua conta no Twitter, no dia 24 de setembro.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Projeto Comprova checa conteúdos de redes sociais sobre políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia que alcancem uma grande quantidade de visualizações, reações e compartilhamentos.

O tuíte da deputada Bia Kicis teve quase 10 mil curtidas e mais de 3,5 mil retuítes em pouco mais de uma semana, de acordo com a plataforma CrowdTangle. Publicações enganosas sobre as vacinas contra a covid-19 são perigosas porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.

O Comprova já verificou anteriormente que a deputada defendeu o uso da ivermectina contra a covid-19, mesmo que o vermífugo não tenha eficácia comprovada contra a doença, e afirmou que máscaras podem causar problemas à saúde, o que também é mentiroso.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.