O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2021-09-23

Vacinas contra covid-19 não provocam câncer, diferentemente do que afirma médico dos EUA

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso vídeo publicado no Telegram em que médico afirma estar observando aumento de casos de câncer do endométrio e outras doenças em pessoas que se imunizaram contra a covid-19.
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no Telegram em que médico norte-americano afirma ter observado aumento em 20 vezes dos casos de câncer de endométrio em pessoas que se vacinaram contra o Sars-Cov-2. Segundo ele, outras doenças também estão se tornando mais frequentes nesse público.

É enganoso vídeo publicado no Telegram em que o médico norte-americano Ryan Cole afirma ter observado aumento em 20 vezes dos casos de câncer do endométrio em pacientes vacinados contra o novo coronavírus. O médico também diz que percebeu uma diminuição na capacidade do sistema autoimune de matar células infectadas nesse público e cita o aumento também de outras doenças, como herpes e HPV. Na realidade, as vacinas contra o coronavírus não são capazes de provocar tais doenças.

As vacinas desenvolvidas para combater a covid-19 são seguras e eficazes, como também são responsáveis por aumentar a produção de células-T, também conhecidas como “células de memória”, que produzem anticorpos, para defender o corpo do vírus. Ou seja, diferentemente do que afirma o médico, os imunizantes não baixam a imunidade nem facilitam o surgimento de novas doenças, mas, sim, protegem o corpo contra o coronavírus.

No Brasil – o vídeo verificado aqui viralizou em um grupo de brasileiros – não há nenhuma indicação de que as vacinas em uso possam afetar a capacidade do corpo de se proteger de outras doenças, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Isso vale tanto para os estudos científicos, testes clínicos ou no monitoramento que o órgão faz das reações aos imunizantes.

Ouvida pelo Comprova, a médica Monica Levi, presidente da Comissão de Revisão de Calendários de Vacinação da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), também disse que as alegações do americano são um argumento antigo de grupos antivacinas já desmentidos pelos cientistas. Segundo ela, não só não há registro de que os imunizantes prejudiquem o sistema imune como há, inclusive, estudos que sugerem que eles podem fortalecer a defesa do corpo contra outras infecções além daquela para a qual o composto foi desenvolvido. Ela também lembra que não há registro na literatura médica de que as vacinas possam provocar câncer.

Procurado, o médico não respondeu até a publicação deste texto. O Comprova considerou o conteúdo enganoso porque Cole usa dados que induzem a uma interpretação errada – de que as vacinas são prejudiciais, como mostram alguns comentários da publicação. Uma pessoa escreve, por exemplo, ter esperança de que a campanha de imunização seja cancelada para menores de 30 anos no Brasil; outra, conta que não vai se vacinar.

Como verificamos?

O Comprova buscou informações sobre o médico Ryan Cole. Em uma pesquisa na internet, encontramos o site da clínica do médico e links de matérias feitas por outras agências de checagem e portais de notícias sobre as informações sem fundamento de Cole.

Para checarmos a fundamentação dos dados citados pelo médico durante o vídeo, entramos em contato via mensagem, pelo site do laboratório, mas não recebemos a confirmação no nosso e-mail. Então, escrevemos via perfil do Facebook do laboratório – não houve retorno até a publicação deste texto.

Também procuramos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para saber se há algum indício de que as vacinas em uso no Brasil tenham efeito negativo sobre o sistema imune.

Por fim, entrevistamos a médica Monica Levi. presidente da Comissão de Revisão de Calendários de Vacinação da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 23 de setembro de 2021.

Verificação

Quem é Ryan Cole

Ryan Cole é um dermatologista norte-americano especializado em patologia. Atua como CEO do laboratório Cole Diagnostics, focado em serviços de laboratório clínico e patologias.

Cole integra a Associação de Médicos Independentes do estado de Idaho, grupo formado em 2013 por profissionais que possuem suas próprias práticas médicas, com “liberdade de diagnosticar e tratar sem sobrecarga de interesses potencialmente conflitantes”, segundo define o site da organização.

“Somos uma organização de médicos independentes em Idaho. Donos de nossas clínicas, portanto, livres para nos juntar a nossos pacientes na escolha de suas melhores opções de cuidados de saúde”, diz o site.

Cole já havia questionado a eficácia e segurança das vacinas contra a covid-19. Suas declarações foram checadas e desmentidas pela FactCheck.Org.

Impacto das vacinas nas células-T

Para entender como as vacinas contra a covid-19 funcionam no corpo, é importante entender a função das células T, citadas por Cole e também conhecidas como linfócitos T ou glóbulos brancos.

São elas que entram em ação de forma rápida, caso o corpo encontre o mesmo vírus mais de uma vez. Por essa razão, também são chamadas “células de memória”, por efetivar as respostas antivirais com ataque às células que já foram infectadas.

Quando os vírus familiares são detectados pelas células T, fica a cargo dos linfócitos B — glóbulos brancos defensivos — produzirem anticorpos para atacá-los.

Os imunizantes são seguros e funcionam de maneiras distintas, a depender da tecnologia empregada para fabricação.

De maneira geral, eles agem para deixar o corpo com um suprimento extra de linfócitos T — para memorizar quais vírus devem ser combatidos — e linfócitos B — que saberão como executar esse combate.

A proteção das vacinas ocorre dentro de algumas semanas e, por isso, algumas pessoas podem ser infectadas com a covid-19 imediatamente após a aplicação da dose, ou antes da vacinação, pelo intervalo curto entre a aplicação da vacina e a produção de anticorpos.

Assim, a função das células T, presente nos imunizantes contra o coronavírus, é a de aumentar a imunidade contra a doença.

Por essa razão, é falsa a afirmação do patologista Ryan Cole sobre a queda do sistema imune do corpo após a aplicação da vacina. O médico antivacina afirma ainda que a aplicação das doses favorece o aparecimento de doenças autoimunes e o câncer, o que não é verdade.

Em outra ocasião, Cole havia indicado um artigo de 2018, publicado pela revista Nature Reviews Drug Discovery, para sustentar a tese de que as vacinas provocavam câncer. Ao FactCheck.Org, o autor principal do artigo, Norbert Pardi, afirmou que em nenhum momento a publicação demonstra que as vacinas de mRNA causam câncer ou doenças autoimunes.

Autoridades

Ao Comprova, a Anvisa afirmou que “não há indicações a partir dos estudos científicos e estudos clínicos ou ainda do monitoramento de notificações de que as vacinas contra covid-19 possam afetar a capacidade do organismo humano em responder contra outras doenças”. “Pelo contrário, as vacinas são consideradas seguras e com relação de benefício-risco positiva”, prossegue o órgão de segurança sanitária brasileira.

Segundo a médica Monica Levi, o discurso de que as vacinas sobrecarregam o sistema imune e baixam a imunidade é uma alegação antiga do movimento antivacina que já foi desmentida pela ciência. Ela explica que mesmo antes da pandemia já existiam dados que mostravam que a vacinação auxilia a resposta imune.

“Quando você pega um recém-nascido, ele em poucas horas está totalmente colonizado e tem que responder a um monte de estímulos antigênicos, em uma quantidade muito maior do que a carga antigênica de qualquer vacina”, diz Levi. “Além disso, cálculos matemáticos mostram que se 11 vacinas fossem aplicadas ao mesmo tempo numa criança, isso ativaria aproximadamente 0,1% do sistema imune”, afirma ainda.

De acordo com a especialista, também há indícios nas pesquisas científicas de que os imunizantes em geral possam ter exatamente o efeito contrário do que afirma o conteúdo verificado pelo Comprova. Isso porque entre as várias defesas ativadas pelos antígenos presentes nas vacinas, está uma barreira de resposta inespecífica, que pode atenuar outras infecções.

“Há estudo mostrando que crianças recém-vacinadas estão menos suscetíveis a vírus respiratórios, por exemplo”, ela cita. Embora os pesquisadores ainda trabalhem em estudos mais conclusivos sobre o efeito da resposta inespecífica, o tema já era bastante conhecido no ambiente científico mesmo antes da pandemia, diz Levi.

A médica também diz que jamais houve registro de aumento de câncer em pessoas vacinadas. “Muito pelo contrário. Em relação ao câncer, nós temos a vacina do HPV e da hepatite B. E a gente tem visto os resultados delas há muito tempo: a redução do câncer de colo de útero e a redução do câncer de fígado nas populações vacinadas”, lembra.

Segundo o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC na sigla em inglês), as vacinas trabalham estimulando o sistema imune a produzir anticorpos, exatamente como acontece quando você é exposto à doença. Depois de ser vacinado, você desenvolve imunidade àquela doença sem ser infectado por ela.

Em um vídeo publicado em fevereiro deste ano, o médico Paul Offit, do Children’s Hospital of Philadelphia, explica porque as vacinas de RNA contra a covid-19 não comprometem o sistema imune.

“O RNA mensageiro entra nas células e, em essência, é transformado numa proteína. Nesse caso, a proteína spike do Sars-CoV-2, que se conecta com a superfície da célula. Assim, a célula produz a proteína spike. Enquanto a célula está produzindo a proteína spike, ela também está fazendo uma variedade de outras proteínas usando o RNA mensageiro do corpo, nenhuma das quais afeta o sistema imune negativamente. Nenhuma dessas proteínas deve desregular o sistema imune ou causar uma perturbação nele”, ele argumenta.

“Na verdade, ocorre exatamente o oposto. A vacina contra o Sars-CoV-2 não enfraquece o sistema imune, mas o fortalece. Porque agora finalmente você tem anticorpos contra esse vírus que pode causar uma infecção severa e ocasionalmente fatal”, conclui.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal, eleições e pandemia que tenham viralizado nas redes sociais, como é o caso deste vídeo, visualizado 42,2 mil vezes até 22 de setembro.

A verificação foi sugerida pelos leitores, por meio do número 11 97045-4984, pelo qual os usuários podem enviar ao Comprova sugestões de conteúdos cuja veracidade esteja sendo questionada.

O vídeo é prejudicial, pois desinforma ao dizer, erroneamente, que a vacina pode causar doenças. Fazendo isso, o conteúdo coloca a população em risco, pois pessoas que acreditam nele podem deixar de se vacinar, e o imunizante é a principal ferramenta contra a covid-19 atualmente.

O Comprova vem mostrando conteúdos enganosos sobre as vacinas, como o post que afirmava que empresas não exigem vacinação e que CEO da Pfizer não se imunizou e o vídeo em que médico dizia que imunizantes não são eficazes contra a variante dela.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-09-22

Morte de adolescente não tem relação causal com vacina da Pfizer, ao contrário do que sugere tuíte

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte engana ao sugerir que a vacina da Pfizer teria sido a causa da morte de uma adolescente de 16 anos. No dia em que o post foi publicado, o caso era considerado suspeito e estava sendo investigado, ou seja, não tinha nenhuma confirmação. Um dia depois, o governo de São Paulo afirmou que não há como atribuir relação causal entre a Púrpura Trombótica Trombocitopênica (PTT) – doença preexistente detectada na garota – e a vacina. Além disso, foi concluído que a paciente não apresentou qualquer doença cardiológica, como dito na sequência do tuíte.
  • Conteúdo verificado: Tuíte fala sobre a morte de uma adolescente e traz imagens dela com o cartão de vacinação: “essas fotos são da última semana de sua vida feliz”. Além disso, a mesma pessoa fez outros dois tuítes, com imagens de comentários feitos por uma página no Instagram, que sugerem que a vacina foi a causa da morte, mas ao mesmo tempo falam em infarto, anemia e choque cardiogênico.

É enganoso um tuíte que sugere que a causa da morte de uma adolescente de 16 anos, de São Bernardo do Campo (SP), foi a vacina contra a covid-19 da farmacêutica Pfizer. Comentários no post, em sua maioria criticando os imunizantes, mostram que os usuários também interpretaram que a vacina foi a responsável pelo falecimento.

No dia da publicação, uma nota da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já dizia que os dados sobre a morte da garota ainda eram preliminares e necessitavam “de aprofundamento para confirmar ou descartar a relação causal com a vacina”. Dessa forma, o caso ainda estava sendo investigado.

No dia seguinte, o governo de São Paulo descartou a possibilidade e concluiu que não havia como atribuir relação causal entre a Púrpura Trombótica Trombocitopênica (PTT) – doença preexistente detectada na garota – e a vacina. Além disso, um grupo de especialistas do governo concluiu que a paciente não apresentou qualquer doença cardiológica, como dito no tuíte.

Segundo um infectologista consultado pelo Comprova, a PPT é uma condição que ocorre na infância e na adolescência em que o organismo apresenta uma queda de plaquetas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Procurada, a autora do post apenas disse, por mensagem, que “a família (da jovem) está tomando as providências necessárias para os fatos serem devidamente esclarecidos”.

Como verificamos?

O Comprova buscou informações nos sites oficiais dos órgãos do governo e em matérias publicadas em veículos jornalísticos.

Além disso, pediu posicionamentos da Anvisa, Ministério da Saúde, Pfizer, Hospital Vida’s Alta Complexidade – onde a jovem faleceu – e conversou com especialistas: o infectologista pediátrico do Grupo Prontobaby (rede de hospitais pediátricos com 4 unidades no Rio de Janeiro) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) André Ricardo Araújo da Silva e com o virologista, coordenador do curso de biomedicina do Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação (IBMR) e membro da Rede do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde Raphael Rangel.

O Comprova chegou até a família da adolescente depois de entrar em contato com um repórter que entrevistou a mãe dela para um jornal do ABC Paulista.

Cristiane Borges, a mãe, nos enviou um áudio em que afirmou não ter condições de dar detalhes e passou o telefone de uma amiga, identificada como Juliana, que estaria acompanhando o caso.

Em seguida, pelo WhatsApp, Juliana disse que a adolescente não tinha doenças preexistentes, mas se recusou a encaminhar o atestado de óbito por, segundo ela, ser uma decisão dos advogados.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 21 de setembro de 2021.

Verificação

A autora do post verificado sugere que a causa da morte da adolescente foi a vacina. Na publicação, é possível notar inúmeros comentários negativos sobre os imunizantes, como: “Meu filho tem 6 anos, vai pra igreja, supermercado e escola. Nunca perdeu um dia de aula e… Não será vacinado. Não matarei meu filho com uma picada”; “Estamos em um pais (sic) que somos obrigados a ser cobaia destes crapula (sic) da medicina…que Deus possa confortar a família”; “Que tristeza. A minha filha não vai tomar de jeito nenhum”.

No dia em que o post foi publicado, 16 de setembro, havia apenas a suspeita de que a morte poderia estar relacionada com a vacina da Pfizer, sem nenhuma comprovação. A Anvisa disse em nota, na mesma data, que “os dados recebidos ainda são preliminares e necessitam de aprofundamento para confirmar ou descartar a relação causal com a vacina”. Dessa forma, o conteúdo aqui verificado já era enganoso por levar à interpretação de que a morte teria sido pela vacina quando, na verdade, nada estava confirmado.

Um dia depois, 17 de setembro, um comunicado divulgado pelo governo de São Paulo trazia a conclusão de que a morte da adolescente não foi causada pela vacina. O diagnóstico apontou que a causa do óbito, sete dias após a jovem ser imunizada, foi uma doença autoimune, grave e rara, conhecida como Púrpura Trombótica Trombocitopênica. Segundo o infectologista pediátrico André Ricardo Araújo da Silva, a PTT é uma condição que ocorre normalmente na infância, podendo se manifestar na adolescência, em que o organismo apresenta uma queda de plaquetas, um dos componentes do sangue envolvido na coagulação. De acordo com o especialista, a doença é a forma mais comum de queda de plaquetas e, na grande maioria dos casos, é um fenômeno benigno, permitindo que a pessoa se recupere bem. Mas existem alguns casos que, mesmo com tratamento, não evoluem de forma satisfatória.

“Existe um pico, que vai mais ou menos de 2 a 5 anos (de idade), que é a incidência maior, mas pode ocorrer também em adolescentes. A causa da PTT ainda é desconhecida, parece ser um fenômeno imune que ocorre no organismo, mas há algumas relações de como a pessoa adquire. Algumas infecções, como HIV, mononucleose ou outras doenças autoimunes, como lúpus, podem desencadear esses sintomas”, afirmou.

Dentre os 70 profissionais que participaram do diagnóstico da adolescente, estavam especialistas em Hematologia, Cardiologia, Infectologia, médicos dos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs) do Estado e representantes dos municípios de São Bernardo do Campo, Santo André e São Paulo. O Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) estadual também contribuiu para a análise.

Segundo o texto do comunicado, “não é possível atribuir diretamente a doença e óbito à vacinação” e “tal caso não pode ser usado como justificativa para alterar a estratégia de vacinação de adolescentes sem comorbidades”. A doença é rara e grave e não tem “uma causa conhecida capaz de desencadeá-la”, sendo assim “não há como atribuir relação causal” entre ela e as vacinas de RNA mensageiro, como é o caso da Pfizer.

No mesmo dia, a Anvisa informou que se reuniu com a Pfizer, mas no encontro não foram apresentadas novas informações sobre o caso. De acordo com a agência, “até o momento, os achados apontam para a manutenção da relação benefício versus risco para todas as vacinas autorizadas no Brasil, ou seja, os benefícios da vacinação excedem significativamente os seus potenciais riscos”.

Na segunda-feira (20), a agência confirmou a inexistência de relação causal. Segundo nota, representantes da área de Farmacovigilância da Anvisa se reuniram com membros da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e técnicos do Centro de Vigilância Sanitária e Centro de Vigilância Epidemiológica e concluíram que os dados apresentados pelo governo paulista são “consistentes e bem documentados”.

Procurada pelo Comprova, a Anvisa afirmou que até 15 de setembro houve 32 notificações de eventos adversos de diferentes tipos após a vacinação de adolescentes com a Pfizer, mas nenhum óbito foi relacionado ao produto.

Em nota enviada ao Comprova, a farmacêutica informa estar ciente de relatos raros de miocardite e pericardite, além de outros possíveis eventos adversos, após a aplicação de vacina e leva o acompanhamento e monitoramento desses casos “muito a sério”. Sobre o caso específico do óbito da adolescente em São Bernardo do Campo, diz estar acompanhando e reafirmou que não foi estabelecida uma relação causal entre o ocorrido e o imunizante.

Suspensão

O caso da adolescente foi usado como uma das justificativas do Ministério da Saúde para recomendar a suspensão da imunização em adolescentes sem comorbidades em 16 de setembro. A própria Anvisa, entretanto, manteve a recomendação de vacinação neste grupo, com base em evidências científicas avaliadas e aprovadas pelo órgão.

O ministro Marcelo Queiroga atribuiu o recuo a dúvidas sobre a segurança e eficácia dos imunizantes em adolescentes. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus apoiadores pressionaram Queiroga a rever as regras.

Na noite do dia 16, Queiroga enviou um áudio ao programa “Os Pingos nos Is”, da rádio Jovem Pan, no qual afirmou que adolescentes “sem comorbidade, no momento, não serão considerados para a vacinação para a covid”. A gravação era uma resposta às críticas do programa sobre a vacinação dos jovens. Um dos motores da campanha para não vacinar ainda os adolescentes é Ana Paula Henkel, ex-atleta de vôlei e comentarista da rádio.

A medida foi alvo de críticas. Segundo a Folha, o presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e secretário de Saúde do Maranhão, Carlos Lula, disse que a decisão de restringir a vacinação dos adolescentes é o maior golpe que o PNI (Programa Nacional de Imunizações) recebe em quase 48 anos de atividades.

“Sempre achei que a gente poderia perder esse patrimônio diante de tudo isso que aconteceu no combate à pandemia, mas não [por gesto] vindo de um ministro da Saúde”, afirmou o secretário.

A Anvisa e especialistas recomendam a vacinação de todos entre 12 e 17 anos. A OMS (Organização Mundial da Saúde) diz que a vacinação de adolescentes não é prioridade, mas tendo vacinas, reforça que todos devem se vacinar.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) também divulgou nota de posicionamento em que reafirma a recomendação de vacinar esse público.

Em 20 de setembro, o Ministério da Saúde concluiu, após sete dias de investigação, que a morte ocorreu por Púrpura Trombocitopênica Trombótica, que diz respeito a um distúrbio autoimune.

As informações foram divulgadas pela coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, a partir de uma entrevista com o ministro Marcelo Queiroga.

O ministro ainda afirmou que “mesmo que o caso estivesse vinculado ao imunizante, isso não invalidaria a vacinação [desta faixa etária]. Os benefícios são infinitamente maiores do que os riscos”.

Reportagem do Estadão mostra que, desde o início da pandemia, 7.063 adolescentes foram internados com covid-19 no Brasil. Destes, 60% eram saudáveis, sem nenhum fator de risco para a doença, e 657 morreram. Especialistas ressaltam que os sobreviventes ainda precisam se recuperar das sequelas.

A conclusão do caso, no entanto, não deve fazer o ministério voltar a indicar a vacinação de adolescentes de forma imediata. O ministro afirma que talvez seja necessário segurar o freio por uma questão de “priorização e logística”.

Quem é a adolescente?

Isabelli Borges era de São Bernardo do Campo (SP). Ela, que tinha 16 anos, tomou a vacina no dia 25 de agosto de 2021. O Comprova chegou até a família da adolescente por meio de um repórter que entrevistou a mãe dela para um jornal do ABC Paulista.

Cristiane Borges, a mãe de Isabelli, nos enviou um áudio em que afirmou não ter condições de dar detalhes. A foto do perfil do Whatsapp dela é uma imagem da filha ainda criança. Ela passou o contato de uma amiga, identificada como Juliana, que estaria acompanhando o caso.

Segundo Juliana, após receber a primeira dose do imunizante, Isabelli apresentou algumas reações. Os detalhes sobre o caso foram reportados ao site Vigimed, da Anvisa, e no site da Pfizer, segundo ela.

A jovem foi ao Hospital Coração de Jesus, no ABC paulista, e depois transferida para o Hospital Vida’s Alta Complexidade, na cidade de São Paulo. Após alguns exames, foi informado que a vacina teria “roubado” hemácias e hemoglobinas dela.

Raphael Rangel, do IBMR, afirma que é infundado o argumento de que a vacina “roubou” hemácias e hemoglobinas. Segundo o especialista, isso é impossível de acontecer no mecanismo do imunizante de RNA mensageiro, como a da Pfizer. “Lembrando que a vacina tem por finalidade estimular a produção de anticorpos, então, não tem nenhum tipo de ligação com a questão hematológica do paciente”, afirmou.

Por três vezes, o Comprova solicitou mais informações sobre Juliana, como sobrenome, ocupação e a relação que mantém com a família da adolescente (duas direcionadas a ela e uma terceira a Cristiane), mas não obteve resposta.

Atestado de óbito

Em 2 de setembro de 2021, Cristiane foi chamada ao hospital, onde foi informada sobre a morte da filha.

“Os médicos relataram para a mãe que a jovem sofreu dois infartos, tendo sido descrito na certidão de óbito: ‘Choque cardiogênico, infarto agudo do miocárdio e anemia severa’. É importante ressaltar que ela era uma jovem saudável, não tinha comorbidades, não estava com covid e não tinha anemia”, disse Juliana.

No entanto, a nota do governo de São Paulo ressalta que o grupo de especialistas concluiu que a paciente não apresentou qualquer doença cardiológica e que o quadro clínico e os exames complementares sugerem Púrpura Trombótica Trombocitopênica.

O Comprova pediu para ter acesso ao atestado de óbito da adolescente e foi informado pela amiga da família que, no momento, não era possível “compartilhar nenhum documento” e que o caso está nas mãos dos advogados. A equipe pediu o contato desses advogados, mas não obteve resposta.

“A família tomará as providências necessárias para esclarecer a verdade”, afirmou Juliana, ao ser questionada sobre o posicionamento da família diante da conclusão feita pelo Ministério da Saúde que afastou a possibilidade de a morte ter relação com a vacina da Pfizer.

Procurado pelo Comprova, o Hospital Vida´s Alta Complexidade enviou uma nota, na qual confirma que a jovem esteve internada no local e faleceu, pois “não resistiu aos procedimentos adotados”. Apesar de ter sido solicitado, pelos verificadores, o atestado de óbito, eles não quiseram passar e não deram mais informações sobre a causa da morte, pois “toda e qualquer informação referente ao caso deverá (se assim, concordarem) ser respondida pelos responsáveis da menor”, e que, “obviamente, não fomos autorizados a divulgar mais informações, tampouco o laudo mencionado no atestado de óbito”.

Autora do post

Apoiadora do presidente Jair Bolsonaro, Valeria Rozen Scher é psicóloga e ficou conhecida nas redes sociais após publicar vídeos em que se recusava a usar máscara ao andar na praia de Búzios, no Rio de Janeiro.

“Continuando a saga das arbitrariedades da pandemia. Pode me prender, mas não vou colocar a p* da máscara!”, escreveu no Twitter em 8 de agosto de 2020. O perfil dela na plataforma conta com mais de 29 mil seguidores.

Em dezembro de 2020, Valeria desejou que 2021 fosse um ano “sem distanciamento e isolamento”. A psicóloga bolsonarista disse ainda que tem orgulho de estar entre as pessoas que não aceitam as medidas restritivas.

O uso de máscaras foi recomendado pela OMS para fornecer uma barreira contra as gotículas potencialmente infecciosas da covid-19. A organização deixou claro, no entanto, que apenas as máscaras não seriam suficientes para combater a pandemia, sendo necessário aliar o distanciamento social e a higiene das mãos. Mais tarde, quando as vacinas estavam disponíveis, o órgão passou a recomendá-las também.

O Ministério da Saúde do Brasil determina o uso obrigatório de máscaras para ambientes internos e externos, ficando a cargo dos estados e municípios determinar quais serão as punições aplicadas a quem descumprir a orientação.

Em postagens nas redes sociais, Valeria aparece ao lado de personalidades que apoiam o governo Bolsonaro em fotos e vídeos. Em um dos muitos registros ao lado da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), ambas aparecem para apoiar a candidatura de Alberto Szafran para vereador do Rio de Janeiro nas eleições de 2020.

A médica Nise Yamaguchi, que defende o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes para combater a covid-19, também aparece ao lado de Valeria. A foto foi compartilhada em 2 de junho deste ano. Na legenda, ela detalha que a imagem é do dia em que conheceu Yamaguchi e que, no mesmo momento, estavam “entre amigos. Pessoas do bem, pensando em um país melhor”.

Procurada pelo Comprova, ela apenas disse, por mensagem, que “a família está tomando as providências necessárias para os fatos serem devidamente esclarecidos”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O tuíte verificado aqui teve mais de 8 mil interações.

Conteúdos que tentam desacreditar as vacinas ou minimizar os riscos da pandemia são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.

O Comprova já publicou diversos conteúdos sobre imunização, como o do médico que engana ao afirmar que as vacinas não funcionam contra a variante delta, o de post que desinforma afirmando que o CDC e Anthony Fauci não acreditam nos imunizantes e o de médica que engana ao afirmar que vacinas são experimentais.

Enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-09-15

Maioria dos países europeus com taxa de vacinados igual ou inferior ao Brasil recomenda uso de máscara

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte engana ao afirmar que o uso da máscara foi abolido pelas autoridades em "muitos países europeus, menos vacinados (do que o Brasil)". De 27 nações europeias que imunizaram 66% de sua população (índice de brasileiros vacinados com a primeira dose) ou menos, 26 recomendam o uso de máscaras; alguns, inclusive, multam quem circular sem a proteção facial.
  • Conteúdo verificado: Tuíte que pergunta “até quando vai ser obrigatório o uso de máscaras?”, e diz que “muitos países europeus, menos vacinados, já aboliram o uso obrigatório”.

É enganoso o tuíte segundo o qual “muitos países europeus, menos vacinados (do que o Brasil)”, aboliram o uso obrigatório de máscaras como medida de segurança contra o novo coronavírus. O índice de brasileiros imunizados com pelo menos uma dose em 14 de setembro era de 66% segundo a plataforma Our World in Data, e, na mesma data, de 27 nações europeias com índice igual ou menor, 26 continuam recomendando o uso da proteção facial.

A Alemanha, por exemplo, recomenda fortemente que a máscara “seja usada em locais onde pode ser difícil manter a distância de segurança” – em Berlim, especificamente, é obrigatória a utilização do modelo PFF2 no transporte público. No Chipre, a regra é mais rígida: quem for visto sem máscara em locais públicos fechados ou abertos pode ser multado em 300 euros, o equivalente a cerca de R$ 1.857, com base na cotação de 15 de setembro. Os dois países estavam com 66% da população imunizada, mesma taxa que o Brasil, em 14 de setembro.

A postagem foi feita pelo perfil @monark no Twitter. A reportagem tentou entrar em contato com o autor do post, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O conteúdo foi considerado enganoso pelo Comprova por usar dados imprecisos com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

No Our World in Data, site ligado à Universidade de Oxford que coleta dados sobre a pandemia, conferimos os índices de vacinação de países europeus e, com esses dados, entramos nos sites do Ministério da Saúde de nações que apresentavam taxa igual ou inferior à do Brasil para checar as recomendações em relação às máscaras.

Buscamos ainda, no site do Ministério da Saúde brasileiro, as diretrizes sobre o uso de máscaras de proteção individual.

Além disso, buscamos atualizações das medidas de prevenção ao coronavírus nos portais de 27 países da Europa que vacinaram até o momento menos de 66% da população total.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 15 de setembro de 2021.

Verificação

Ritmo da vacinação na Europa

Conforme a plataforma Our World in Data, 42,3% da população mundial recebeu pelo menos uma dose da vacina contra a covid até o início desta semana, tendo sido administradas 5,76 bilhões de doses. Atualmente, são aplicadas, em média, 33 milhões de doses ao dia.

Na Europa, a vacinação segue com disparidade entre os países. Enquanto alguns possuem mais de 80% da população vacinada, como Portugal (87%), Malta (81%) e Espanha (80%), outros sequer chegaram aos 20%, como Bósnia e Herzegovina (19%), Bielorrússia (18%), Bulgária (16%), Moldávia (14%) e Ucrânia (14%), todos no leste europeu.

Onze países do continente estão na faixa entre 60% e 69% dos habitantes vacinados ao menos com a primeira dose, mesmo recorte em que se encontra o Brasil, atualmente com 66% da população tendo recebido a primeira dose do imunizante.

| Fonte: Our World in Data

Máscara em países europeus

Diferentemente do que afirma o post, a maioria dos países europeus com taxa de vacinados igual ou inferior à do Brasil (até 14 de setembro) continua recomendando, ou exigindo, o uso da proteção facial. A seguir, confira a política em relação ao uso de máscaras em cada uma dessas nações, segundo seus governos:

Chipre: uso obrigatório em espaços públicos fechados e abertos; cobrança de multa de 300 euros para quem desobedecer a regra.

Alemanha: proteção é fortemente recomendada em locais onde é difícil manter distanciamento social.

Lituânia: a máscara deve ser usada.

Áustria: população deve usar máscara PFF2 em espaços como transporte público, mercados, museus e lojas.

Turquia: a máscara é obrigatória em público.

Grécia: penalidades para quem não usar máscara incluem suspensão no trabalho, na escola (para estudantes) e proibição de viagens.

Liechtenstein: uso obrigatório no transporte público e em locais onde não é possível manter o distanciamento.

Suíça: Uso obrigatório de máscaras em transportes públicos e aviões, áreas de acesso público, em eventos e no trabalho.

República Tcheca: Uso obrigatório de máscara e a recomendação é para que sejam utilizadas máscaras com ao menos 94% de filtragem, como a PPF2 ou N95.

Polônia: desde 30 de agosto não é mais obrigatório o uso em locais ao ar livre, mas, em espaços fechados, o país mantém o uso obrigatório.

Eslovênia: uso obrigatório.

Letônia: deve-se usar no transporte público e áreas internas com mais de uma pessoa.

Eslováquia: segue em vigor o uso da proteção em ambientes internos em bairros com alto grau de perigo. Em outras regiões, pode-se usar, por exemplo, lenço ou xale para proteger boca e nariz.

Sérvia: último decreto foi publicado em 5 de setembro, reforçando a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais fechados.

Croácia: medidas preventivas baseiam-se em recomendações como o uso de máscara.

Cazaquistão: a máscara deve ser usada em ambientes públicos internos e externos e no transporte público; o descumprimento pode resultar em penalidade administrativa.

Macedônia do Norte: não é preciso mais usar máscara em locais abertos, exceto quando houver um grupo de pessoas; proteção deve ser usada em locais fechados, como mercados e lojas, e há multa de 20 euros por descumprimento.

Montenegro: utilização obrigatória em locais fechados e ambientes abertos onde não é possível manter o distanciamento.

Rússia: a obrigatoriedade da máscara segue em vigor.

Albânia: o uso de proteção facial segue necessário em todos os espaços públicos internos.

Romênia: as máscaras seguem sendo obrigatórias em espaços públicos fechados e em áreas ao ar livre lotadas.

Bósnia e Herzegovina: a utilização de máscara é obrigatória em todos os espaços públicos.

Bielorrússia: segue sendo obrigatório o uso das máscaras de proteção em ambientes internos e externos.

Bulgária: o uso de máscaras segue sendo obrigatório em espaços fechados e ambientes ao ar livre com mais pessoas.

Moldávia: a proteção facial segue sendo necessária em espaços públicos, ambientes fechados e no transporte público.

Ucrânia: a máscara segue obrigatória em ambientes fechados e no transporte público.

Já a Hungria, que havia vacinado 61% de sua população com uma ou duas doses até 14 de setembro, anunciou o fim da obrigatoriedade em julho – o equipamento deve ser utilizado apenas em hospitais e instituições sociais.

Máscara no Brasil

A lei que tornou obrigatório o uso de máscaras de proteção individual em espaços públicos e privados durante a pandemia da covid-19 foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e publicada no Diário Oficial da União em 3 de julho de 2020. A legislação autorizava estados e municípios a regulamentarem regimes de multas mediante o descumprimento da lei.

A obrigatoriedade do uso da proteção facial foi estabelecida para vias públicas e transportes públicos coletivos, como ônibus e metrô, assim como em táxis e carros de aplicativos, ônibus, aeronaves ou embarcações de uso coletivo fretados. Segundo a lei, as máscaras podem ser artesanais ou industriais.

Na altura, ainda não havia dados suficientes indicando que máscaras PFF2 ou N95 eram a melhor recomendação para se proteger contra a covid-19. A popularização de modelos mais seguros de máscaras, baseada em uma melhor vedação e filtragem evidenciada em estudos científicos, começou a ocorrer a partir do primeiro trimestre de 2021.

Antes disso, os acessórios de maior proteção eram apenas destinados a profissionais da saúde ou da construção civil e passaram a ser item essencial para proteger toda a população e reduzir a propagação do vírus.

No mesmo dia em que a lei entrou em vigor, o Brasil registrou 1.631 mortes em 24 horas, totalizando 523.699 óbitos pela covid-19 desde o início da pandemia. O país completava uma semana com tendência de queda na média móvel de mortes.

Embora estivesse em queda há uma semana, o índice continuava alto e permanecia acima de 1.000 mortes há 164 dias. Os dados foram obtidos pelo consórcio de veículos de imprensa, do qual o UOL, o Estadão, Folha de S. Paulo, O Globo, G1 e Extra fazem parte.

Até o fechamento desta reportagem, o país registrava 587.847 mortes, desde o início da pandemia. Segundo dados do consórcio de imprensa de 14 de setembro, o país teve 520 óbitos como média móvel, após seis dias com o índice abaixo de 500.

A média móvel é o cálculo da média diária de mortes a partir dos dados dos últimos sete dias. O número é considerado como o mais confiável para avaliar se houve avanço ou regresso da pandemia.

Contra a proteção facial

O presidente Bolsonaro e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já fizeram declarações contra o uso obrigatório de máscaras de proteção individual contra a covid-19, determinada por lei.

Alinhado ao presidente, Queiroga disse acreditar que o uso de máscaras tem que ser “um ato de conscientização”, em vez de uma determinação do Estado. As declarações foram feitas durante uma entrevista ao canal bolsonarista do YouTube Terça Livre em agosto de 2021.

Segundo o ministro, o uso obrigatório de máscaras gera uma “uma indústria de multas”. Queiroga sinalizou ainda que pretendia desobrigar o uso obrigatório do item até o final deste ano.

As declarações foram feitas mesmo com o avanço da variante delta no país, mais transmissível que a gama — antiga P.1 —, que circulava em Manaus, no Amazonas e havia gerado o colapso do sistema de saúde devido ao avanço acelerado de contaminações.

A delta foi registrada pela primeira vez na Índia e se tornou a mutação mais contagiosa da covid-19.

Em comparação com as anteriores, a delta é entre 40% e 60% mais contagiosa do que a variante alfa, detectada na Inglaterra, e quase duas vezes mais transmissível do que a cepa original identificada em Wuhan, China, segundo informações publicadas pelo governo britânico e divulgadas pela BBC. Quando comparada com a gama, segundo estudo feito por pesquisadores da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Imperial College, do Reino Unido, tem taxa de transmissão 34% maior.

O autor do post

O perfil @monark no Twitter pertence a Bruno Aiub, que se define no Linkedin como “um dos maiores influenciadores gamers da internet”. Ele apresenta o Flow Podcast, onde já entrevistou nomes que vão do humorista Dedé Santana e o DJ Alok ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Tem 1,1 milhão de seguidores no Twitter e mais de 3,3 milhões em seu canal pessoal no YouTube.

Já fez outra declaração menosprezando a importância de medidas contra a disseminação do coronavírus, como o lockdown. Em 4 de março, escreveu em seu perfil no Twitter: “Eu sinto que o lockdown é uma medida política, eu desconfio da sua eficiência em mitigar a pandemia nesse momento”. No dia seguinte, após críticas, publicou: “Lockdown que ignora a realidade da vida dos mais necessitados, eu sou contra. É fácil pedir sem ter que olhar na cara de uma mãe de família desesperada porque não sabe da onde vai vir o dinheiro do alimento”.

A reportagem entrou em contato com o autor do post, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal, eleições e pandemia, que viralizam nas redes, como é o caso da postagem aqui verificada, que teve mais de 6,6 mil retuítes e 10,1 mil curtidas até 15 de setembro.

A disseminação de informações falsas ou enganosas que desacreditam o uso de máscaras e outros cuidados contra a covid pode colocar a saúde das pessoas em risco. Até o momento, a proteção facial é uma das poucas formas comprovadas de se evitar a contaminação. Outras são o distanciamento social, a higienização constante das mãos e a vacinação.

Esse mesmo conteúdo foi analisado pelo UOL Confere.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-09-13

Post engana ao comparar ação da vacina contra febre amarela e da covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte força uma relação do imunizante usado para prevenir a febre amarela com as vacinas contra a covid-19. A publicação ignora também que há diferenças nos modos de transmissão das duas doenças - a febre amarela é transmitida por mosquitos infectados, enquanto a covid passa de uma pessoa contaminada para outra, principalmente, por via oral ou nasal - e que nem mesmo a vacina contra a febre amarela tem 100% de eficácia.
  • Conteúdo verificado: Tuíte que questiona as vacinas contra a covid comparando seus efeitos aos da febre amarela.

É enganoso um tuíte que faz referência à vacina da febre amarela para gerar desconfiança nos imunizantes contra a covid-19. Afirma o post: “Não conheço ninguém que tomou a vacina contra febre amarela e contraiu febre amarela”.

De acordo com a doutora em Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jordana Graziella Alves Coelho dos Reis, a família dos coronavírus possui características que são mais contagiosas. “Essa diferença no contágio e reinfecção entre o Sars-Cov-2 e do vírus da febre amarela está associada com as diferenças intrínsecas de cada um dos vírus. A família coronavírus é conhecida por ter uma facilidade na transmissão e também na reinfecção”, salienta Jordana.

A comparação feita na publicação, mesmo que implícita, é incorreta. A pandemia foi decretada em março do ano passado e as vacinas começaram a ser aplicadas no mundo em 8 de dezembro de 2020 – o primeiro país foi o Reino Unido; no Brasil, a imunização foi iniciada em janeiro. Já a febre amarela existe há muito mais tempo: nos primeiros anos do século XX, o médico e cientista Oswaldo Cruz já tentava combater a doença. A vacina começou a ser produzida no Brasil em 1937.

Além disso, a febre amarela é transmitida por mosquitos infectados, enquanto a covid passa de uma pessoa contaminada para outra, principalmente, por via oral ou nasal – ou seja, a chance de transmissão é maior.

Procurado, o perfil autor do post não respondeu até a publicação deste texto. O conteúdo aqui verificado foi classificado como enganoso pelo Comprova por levar a uma interpretação equivocada sobre as vacinas.

Como verificamos?

Consultamos publicações nos sites de órgãos como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) na América, e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Também entrevistamos Jordana Graziella Alves Coelho dos Reis, citada acima, e Julio Croda, infectologista, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Como o perfil que publicou o tuíte verificado aqui não aceita o envio de mensagens privadas, publicamos um comentário no post, pedindo para que ele entrasse em contato, mas não obtivemos resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 13 de setembro de 2021.

Verificação

Eficácia e transmissão

Como qualquer tratamento de saúde, a vacina da febre amarela também não tem 100% de eficácia. Segundo o Instituto Paulista de Vacinação, o imunizante tem de 98 a 99% de eficácia e, de acordo com a Fiocruz, sua proteção “é demonstrada por meio de observações de mais de 60 anos no Brasil e em outros países da América do Sul, sendo muito rara a ocorrência da doença em pessoas vacinadas”.

Ainda segundo a Fiocruz, “a imunização durante surtos resulta em rápido desaparecimento dos casos” e, “no Brasil, a doença está sob controle por meio da vacinação sistemática da população sob risco, com poucos casos relatados”.

Além das vacinas contra a febre amarela serem aplicadas há mais tempo, a doença tem outra diferença importante em relação à covid: a forma de transmissão, que também torna a disseminação da primeira muito mais difícil do que a da segunda.

No caso da febre amarela, o vírus é passado para as pessoas via picada de mosquitos das espécies Haemagogus, Sabethes e Aedes (Haemagogus e Sabethes em áreas silvestres e do Aedes em áreas urbanas). Eles podem ser infectados ao picarem humanos ou macacos contaminados.

Como informa a OPAS, “a doença não pode ser transmitida de um macaco para um humano, tampouco de uma pessoa para outra nem entre macacos; só pelo mosquito”.

Já o Sars-CoV-2 é transmitido “principalmente por três modos: contato, gotículas ou por aerossol”, como informa o Ministério da Saúde. A contaminação também pode ser indireta, como quando tocamos em uma superfície infectada e, em seguida, levamos a mão aos olhos, à boca ou ao nariz. Ou seja, é mais facilmente transmissível do que a febre amarela.

De acordo com o infectologista Julio Croda, a vacinação contra febre amarela, covid-19 ou qualquer outra doença é um ato individual e coletivo. Conforme o especialista explica, a imunização previne casos graves e combate contaminações e até mesmo variantes no caso do coronavírus.

“No sentido individual, ela previne hospitalizações e casos graves, e no coletivo, diminui a taxa de transmissão da doença. Quanto mais pessoas vacinarmos, mais diminuímos os casos de contaminação, reinfecções e variantes”, salienta Croda.

No entanto, ele ressalta que, mesmo com a vacinação, ainda é possível que algumas pessoas adoeçam. “A vacinação é uma garantia muito segura e nossa principal arma contra as doenças que enfrentamos todos os dias, mas isso não significa que não irão aparecer alguns casos.”

Febre amarela: é possível ser reinfectado?

O Comprova consultou a microbiologista Jordana Alves sobre a possibilidade de reinfecção da febre amarela. Atualmente, o esquema vacinal da febre amarela no Brasil pode ser refeito ao longo da vida da população: é feita uma dose inicial aos nove meses, com reforço aos quatro anos; caso existam pessoas de cinco a 59 anos que não tenham recebido a vacina, podem tomar uma dose única a qualquer momento da vida.

Por conta dos períodos entre uma dose e outra, o que pode acontecer, segundo a microbiologista, é uma baixa na imunidade desenvolvida pela vacina ou a não soroconversão – quando os anticorpos dos indivíduos não fazem o efeito desejado –, após a dose da vacina tomada antes dos cinco anos.

No entanto, é mais provável que pessoas vacinadas contra a doença sejam infectadas quando a vacinação aconteceu na infância ou quando a imunidade desenvolvida pelo imunizante foi baixa.

Quanto à possibilidade de reinfecção, a especialista afirma que os registros desses casos na literatura médica são raríssimos. O que costuma ser mais comum são casos de pessoas que começam a apresentar um quadro de hepatite anos após ter contraído a febre amarela, o que não é considerado uma reinfecção.

Eficácia das vacinas contra a covid-19

Tanto os imunizantes contra a covid-19 quanto os da febre amarela estão disponíveis para a vacinação da população brasileira. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a eficácia geral de uma vacina seja de, ao menos, 50%. A taxa de eficácia mostra a capacidade de uma vacina em diminuir os riscos de uma pessoa que foi imunizada contrair a doença.

Atualmente, no Brasil, quatro vacinas possuem autorização para aplicação no combate à covid-19: a Astrazeneca, com eficácia de 63,09%; Pfizer com 95% de eficácia; a Coronavac com 50,38%; e a Janssen com 66,9%. Já na imunização contra a febre amarela, existem dois principais produtores da vacina que é disponibilizada no Brasil: a Fiocruz, por meio do laboratório Bio-Manguinhos, que produz a vacina distribuída no Sistema Único de Saúde; e a Sanofi, indústria privada da França, que distribui o imunizante para clínicas particulares.

Questionado sobre a eficiência da vacina contra a covid-19, o pesquisador da Fiocruz, Julio Croda, esclarece que o imunizante age de forma parecida com a vacina da gripe.

“A vacina contra a covid-19 é parecida com a da gripe: ela foi desenvolvida para prevenir hospitalizações e casos graves. Isso não significa que ela não funciona, significa que está cumprindo aquilo que foi proposto quando desenvolvida em laboratório e além, porque ela também é capaz de imunizar, as vacinas disponíveis variam de 50% a 95% de eficácia contra a doença”.

Croda ainda explica que a vacina contra o coronavírus é nova e os cientistas estão acompanhando dia após dia os resultados do imunizante.

“Devemos nos lembrar de que a vacina é nova, ainda não sabemos ao certo quanto tempo ela mantém o indivíduo imunizado, estamos acompanhando com o passar do tempo, como ela está reagindo a cada organismo, o que sabemos é que a imunização é o caminho mais seguro para combatermos o vírus e as vacinas foram desenvolvidas para isso”, finalizou.

O Comprova recentemente verificou publicações que induzem ao entendimento que as vacinas disponíveis contra a covid-19 não são eficazes, pois não impedem o contágio da população (aqui e aqui). Conteúdo semelhante também foi publicado recentemente pelo Estadão Verifica.

O perfil

“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, slogan de Jair Bolsonaro (sem partido), sobre foto do presidente está na imagem de capa do perfil @TrumpMargareth, autor do post, no Twitter. Na descrição da bio, “sonhando em ucranizar o Brasil”.

O perfil publica, com tons de ironia e ataques, conteúdos de apoio ao chefe do Executivo federal. Em 6 de setembro, por exemplo, dia em que Bolsonaro assinou uma medida provisória para limitar a remoção de conteúdos falsos nas redes sociais, a página tuitou: “Como ditador, o presidente é muito fraco!!! Como pode assinar a MP da liberdade de expressão?”. Na mesma data, outro post, referindo-se a Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e alvo de ataques do presidente: “O cabeça de ovo vai mandar prender todos que falarem biscoito; segundo ele, o correto é bolacha”.

A reportagem tentou contatar o perfil, mas não recebeu resposta.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O tuíte verificado aqui teve mais de 6,4 mil curtidas e 1,3 mil compartilhamentos até 13 de setembro.

Conteúdos que tentam desacreditar as vacinas ou minimizar os riscos da pandemia são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.

O Comprova já publicou diversos conteúdos sobre imunização, como o do médico que engana ao afirmar que as vacinas não funcionam contra a variante delta, o de post que desinforma afirmando que o CDC e Anthony Fauci não acreditam nos imunizantes e o de médica que engana ao afirmar que vacinas são experimentais.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações ou que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Saúde

Investigado por: 2021-09-09

Post engana ao insinuar que STF não quis agir contra Doria sobre doses interditadas de Coronavac

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a associação que um usuário no Twitter faz entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a aplicação, pelo estado de São Paulo, de 4 milhões de vacinas Coronavac interditadas pela Anvisa. No tuíte, o autor afirma que o órgão nada fez contra o governador João Doria (PSDB), dando a entender que essa seria uma obrigação da Corte, mas o Judiciário sequer foi acionado para intervir na questão. Ele afirma, ainda, que os imunizantes foram feitos por laboratório desconhecido, mas eles foram apenas envasados em unidade não vistoriada pela Anvisa, que já instaurou uma medida cautelar para investigar o caso e pretende visitar a fábrica. Por fim, omite que a distribuição das vacinas se deu antes da interdição de doses pela agência regulatória.
  • Conteúdo verificado: Tuíte postado em 5 de setembro afirma que o STF nada fez contra o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), “que aplicou 4 milhões de vacinas Coronavac feitas por um laboratório desconhecido, que a Anvisa já havia proibido o uso”.

É enganoso um tuíte que associa a interdição de um lote de vacinas Coronavac aplicadas em São Paulo e a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). O órgão não abriu qualquer procedimento relacionado à interdição, decidida de forma cautelar pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porque não foi provocado para tal. Não há processo judicial movido neste sentido por qualquer órgão ou por cidadão.

A postagem verificada aqui afirma ser “muito interessante” que o STF nada tenha feito contra o governador do estado, João Doria (PSDB), em razão da aplicação de 4 milhões de doses “feitas por um laboratório desconhecido, que a Anvisa já havia proibido o uso”. Dessa forma, insinua que o STF não quis agir contra o gestor.

Ocorre que o STF sequer foi acionado para interferir nesta questão. O Supremo informou ao Comprova não ter localizado qualquer processo envolvendo o nome de João Doria. Em geral, o principal papel do órgão é atuar quando provocado, pelo Ministério Público, por exemplo.

O autor do tuíte também engana ao não informar que as vacinas em questão foram aplicadas antes da interdição cautelar de doses que foram envasadas, e não fabricadas, como sustenta a postagem, em uma unidade não inspecionada e não aprovada pela Anvisa.

A reportagem procurou o autor do tuíte via mensagem direta na rede social, mas não recebeu retorno até o fechamento deste material.

Para o Comprova, é enganoso o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Inicialmente, o Comprova buscou informações sobre a interdição dos lotes de Coronavac na imprensa e nos sites do Instituto Butantan, responsável pela distribuição no Brasil, e da Anvisa, que regula os imunizantes.

As duas entidades também foram procuradas por e-mail, assim como o STF, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, e a biofarmacêutica chinesa Sinovac, parceira do Butantan no desenvolvimento da vacina. As duas últimas não responderam.

Por fim, entramos em contato com o autor do tuíte, que não deu retorno até esta publicação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 9 de setembro de 2021.

Verificação

Interdição de imunizantes

No dia 4 de setembro, a Anvisa divulgou ter interditado, de maneira cautelar, 25 lotes da Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a biofarmacêutica chinesa Sinovac. Foram proibidos a distribuição e o uso de 12.113.934 doses envasadas em uma planta não aprovada na Autorização de Uso Emergencial (AUE) do imunizante. Em nenhum momento a agência informou que a fabricação do insumo é irregular.

A interdição ocorreu após reunião entre a Anvisa e o Butantan, no dia 3. O instituto paulista encaminhou à agência reguladora um ofício informando que lotes enviados para o Brasil na apresentação frasco-ampola (monodose e duas doses) foram envasados em uma unidade chinesa não inspecionada e não aprovada pela Anvisa.

Além dos lotes que já haviam desembarcado no Brasil, há mais 17 – totalizando 9 milhões de doses – envasados no mesmo local e que estão em tramitação de envio e liberação ao país. Conforme a Anvisa, a vacina envasada em local não aprovado na AUE é configurada como produto não regularizado.

O órgão federal declarou ter avaliado toda a documentação apresentada pelo Instituto Butantan e consultado as bases de dados internacionais em busca de informações acerca das condições de Boas Práticas de Fabricação (BPF) da empresa responsável pelo envase dos lotes, mas não localizou relatório de inspeção emitido por outras autoridades de referência, como o PIC/S (Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme – Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em nota à imprensa, a agência afirmou que “considerando a irregularidade apontada, somada às características do produto e à complexidade do processo fabril, já que vacinas são produtos estéreis (injetáveis), devendo ser fabricadas em rigorosas condições assépticas, bem como o desconhecimento pela Anvisa sobre o cumprimento das BPF por parte da empresa, torna-se necessária a adoção de medida cautelar para evitar a exposição da população a possível risco iminente.”

A Anvisa explica que na autorização de uso emergencial da Coronavac consta que as vacinas devem ser importadas prontas da Sinovac ou o granel da vacina formulada e estéril ser importado da farmacêutica para envase e acondicionamento no Instituto Butantan. Qualquer alteração nestas configurações deve passar por nova análise das áreas técnicas da Anvisa.

Ainda no dia 4 foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) a Resolução RE Nº 3.425, contendo os lotes que estão sob interdição cautelar e proibidos para distribuição e uso.

O Comprova procurou a Anvisa questionando, entre outras coisas, quem é o responsável pelo controle de lotes que entram e são distribuídos no país, quando e em que circunstâncias ocorreu a distribuição dessas doses, de quem é a responsabilidade pela distribuição em desacordo com a aprovação para uso emergencial, e se as doses podem vir a ser liberadas.

Em nota, o órgão informou que, durante a vigência da interdição, trabalhará na avaliação das condições de boas práticas de fabricação da planta fabril não aprovada e no potencial impacto dessa alteração de local nos requisitos de qualidade, segurança e eficácia das vacinas.

Além disso, diz que serão feitas tratativas junto ao Butantan para a regularização desse novo local na cadeia fabril da vacina. Sobre as demais questões, declarou que o caso ainda está em andamento e não é possível antecipar outras informações.

O Comprova também procurou a farmacêutica Sinovac, pedindo nome, endereço e mais informações sobre a fábrica que envasou as doses. Além disso, questionou o motivo de eles não terem informado o Brasil sobre a mudança de local. No entanto, não obtivemos uma resposta até a publicação.

Vacinas foram aplicadas em São Paulo e outros estados

Ainda no dia 4, o G1 informou que o estado de São Paulo havia aplicado 4 milhões das doses interditadas pela Anvisa. A imunização, contudo, foi realizada antes da decisão da agência reguladora, a partir do comunicado do Instituto Butantan.

A reportagem publicada apresenta posicionamento do governo de São Paulo afirmando que monitora as reações em pessoas vacinadas com essas doses e que não foram observadas “intercorrências em termos gerais” naqueles que receberam imunizantes dos lotes em questão.

A Secretaria Estadual de Saúde afirmou ao G1 que o número de vacinas corresponde a cerca de 19% do total de 21 milhões de doses da Coronavac aplicadas ao longo de toda a campanha de vacinação contra a covid-19 e que “toda a rede está orientada sobre a importância do monitoramento de todas as pessoas vacinadas, independentemente do imunizante administrado”. Acrescentou, ainda, que o órgão irá aguardar o parecer das autoridades sanitárias para proceder com a distribuição de 1,5 milhão de doses da Coronavac entregues no dia 3.

Ainda conforme o G1, as Secretarias de Saúde de pelo menos 13 estados e do Distrito Federal confirmaram também terem recebido vacinas desses lotes e que entraram em contato com os municípios para suspender a aplicação. Cinco desses estados (Rio Grande do Norte, Paraíba, Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo) confirmaram que já haviam aplicado na população parte das doses recebidas desses lotes. A Secretaria de Saúde de São Paulo foi procurada pelo Comprova, mas não respondeu.

A Anvisa informou que, além do monitoramento feito pelo Ministério da Saúde, haverá um acompanhamento dessas pessoas por parte da própria agência. Ao Comprova, a assessoria de comunicação acrescentou que, durante a vigência da interdição, trabalhará na avaliação do eventual impacto para as pessoas que foram vacinadas com as doses.

Butantan ainda não apresentou documentos satisfatórios

A reportagem também procurou o Instituto Butantan questionando, entre outras coisas, por que a Anvisa só foi notificada das irregularidades após a distribuição e aplicação de doses, quem faz o controle dos lotes que entram no país, em quais circunstâncias foram importadas as doses em desacordo com a autorização emergencial e se a situação é preocupante para aqueles que receberam a vacina.

Em nota, o Butantan não respondeu às questões específicas. Afirmou ter criado uma força-tarefa para esclarecer dúvidas da Anvisa sobre os lotes suspensos e informando que a primeira reunião sobre o assunto foi realizada na tarde do dia 6, com a participação do diretor-presidente do Butantan, Dimas Covas, e da diretora de qualidade e assuntos regulatórios, Patrícia Meneguello.

Durante o encontro, diz a entidade, foram apresentados mais dados que demonstram a segurança e a qualidade dos imunizantes. “O objetivo do grupo é agilizar a liberação dos lotes o mais rapidamente possível para o Programa Nacional de Imunizações (PNI), considerando a urgência do contexto pandêmico. Os técnicos do Butantan vão continuar em constante contato com a Anvisa para pronto envio da documentação solicitada sobre a fábrica chinesa, que conta com certificação de boas práticas internacionais, a GMP (Good Manufacturing Practice)”, diz a nota.

A Anvisa, contudo, informou no dia 8 que os documentos apresentados na reunião não respondem às incertezas sobre o local de fabricação.

De acordo com o posicionamento, não foi apresentado relatório de inspeção emitido pela autoridade sanitária, essencial para a avaliação das condições de aprovação da planta, que podem incluir compromissos e condicionais para permitir a operação no local.

Já os Formulários de Não Conformidades (documento que atesta o não atendimento de um requisito pré-estabelecido) apresentados reforçaram as preocupações da agência relacionadas às práticas assépticas e à rastreabilidade dos lotes, por não possuírem a identificação da autoridade emissora e a identificação de cargos dos signatários. “A Anvisa, por meio da sua Assessoria Internacional, já acionou o Ministério das Relações Exteriores para que essas informações sejam solicitadas à autoridade reguladora chinesa”, esclareceu o órgão.

O órgão federal também não considerou suficiente a análise de risco apresentada pelo instituto para garantir a segurança do processo fabril no novo local. “Tal análise não substitui uma inspeção da autoridade sanitária ou o relatório de inspeção sanitária. Somente as autoridades sanitárias possuem competência para atestar as boas práticas de um local de fabricação”.

O órgão destaca que cabe ao Butantan apresentar a documentação faltante, incluindo o relatório de inspeção emitido por autoridade sanitária para subsidiar a análise da Anvisa ou viabilizar a realização de inspeção presencial pela própria agência.

Paralelamente, visando acelerar a avaliação dos lotes interditados, a Anvisa diz ter iniciado os trâmites internos para realização da viagem de servidores para inspecionar o local de envase da vacina. A equipe inspetora já está designada e preparada para embarcar para a China na próxima semana.

O que são medidas cautelares

A Anvisa explica que as medidas cautelares – como neste caso – não são decisões condenatórias em caráter punitivo, mas, sim, medidas sanitárias para evitar a exposição ao consumo e ao uso de produtos irregulares ou sob suspeita.

“As medidas cautelares também são um ato de precaução que visa proteger a saúde da população, sendo adotadas em caso de risco iminente à saúde, sem a prévia manifestação do interessado, fundamentadas nos termos da Lei 6.437, de 20 de agosto de 1977, sendo aplicáveis para a ação de fiscalização de interdição cautelar”, destaca o órgão.

A interdição cautelar aplica-se aos casos em que “sejam flagrantes os indícios de alteração ou adulteração do produto, hipótese em que a interdição terá caráter preventivo ou de medida cautelar. Esta medida tem o prazo de 90 dias, conforme o art. 23, § 4º, da Lei 6.437, de 20 de agosto de 1977”. Trata-se da lei que configura infrações à legislação sanitária federal, estabelece as sanções respectivas, e dá outras providências.

Durante este período de 90 dias, além de tentar comprovar as condições da planta fabril, a Anvisa fará tratativas junto ao Instituto Butantan para a regularização desse novo local.

STF

O Comprova enviou perguntas à assessoria de comunicação do STF questionando se o órgão foi acionado sobre a aplicação, em São Paulo, de vacinas posteriormente interditadas pela Anvisa. Por e-mail, a instituição respondeu não ter localizado no sistema de consulta processual qualquer processo envolvendo o nome de João Doria.

Em um evento no ano passado, o ministro Luiz Fux, presidente do STF, relembrou que o Poder Judiciário só age quando provocado, sendo chamado para atuar em problemas constitucionais de leis promulgadas pelo Executivo ou aprovadas pelo Legislativo.

Discute-se, atualmente, por que o Inquérito das Fake News, que investiga a disseminação de afirmações falsas contra ministros do STF, é conduzido pela própria Corte. A investigação foi aberta em março de 2019, pelo então presidente do STF Dias Toffoli, sem provocação de outro órgão e sem a participação do Ministério Público.

Foi baseada, contudo, no artigo 42 do regimento interno da Corte, segundo o qual “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”. Toffoli avaliou que, embora os supostos crimes não tenham sido praticados no prédio do órgão, vitimizam os ministros, que são o tribunal.

Autor

O autor do tuíte é @nelsonpaffi. Com mais de 48 mil seguidores na rede social, ele se define como “linha política positivista. Justiça sem ideologia. Lei tem que ser cumprida. Desejo Brasil próspero livre dos corruptos. Perseguidor implacável a corruptos” e faz críticas ao STF.

Procurado pelo Comprova, ele não retornou até a publicação da reportagem.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Projeto Comprova checa conteúdos de redes sociais sobre políticas públicas do governo federal, eleições e pandemia que alcancem uma grande viralização.

O tuíte é prejudicial, pois desinforma ao fazer um ataque ao STF e insinuar que a Corte foi negligente ao não fazer nada contra João Doria, omitindo que o Poder Judiciário não foi acionado neste caso. Além disso, dá a entender que as vacinas foram aplicadas após proibição da Anvisa, o que não ocorreu.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-09-06

Post engana ao afirmar que empresas não exigem vacinação e que CEO da Pfizer não se imunizou

  • Enganoso
Enganoso
São enganosas as afirmações feitas por um médico brasileiro acerca da não obrigatoriedade de vacinação em funcionários de órgãos e empresas internacionais e de que o diretor-executivo da Pfizer teria sido impedido de entrar em Israel por não estar imunizado. Duas das empresas citadas por ele estão exigindo a imunização e o CEO da farmacêutica não viajou por não ter recebido as duas doses até aquele momento – o que ocorreu posteriormente.
  • Conteúdo verificado: Médico afirma, em sequência de tuítes, que Casa Branca, CDC, FDA, OMS, Pfizer, Moderna e Johnson & Johnson não obrigam funcionários a se vacinarem. Ele também diz que o CEO da Pfizer teve a entrada negada em Israel por não estar vacinado e que o homem teria dito que “não precisava pois era um sujeito saudável”.

Duas das sete empresas e órgãos internacionais citados pelo médico em postagens no Twitter estão exigindo a vacinação contra covid-19 de funcionários. Outros determinaram que sejam apresentados testes frequentes por quem decidir não se vacinar, o que não é esclarecido pelo autor da postagem ao criticar a adoção de um “passaporte vacinal” em algumas regiões do Brasil.

Dentre as instituições citadas pelo profissional de saúde, a Johnson & Johnson já anunciou e confirmou ao Comprova que até o dia 4 de outubro todos os funcionários serão obrigados a se vacinar, com exceção daqueles com problemas de saúde ou por outros motivos, como religiosos.

Da mesma forma, a Reuters informou que a Moderna Inc exigirá a vacinação para todos os funcionários nos Estados Unidos a partir de outubro. No início de agosto, a empresa ordenou que eles se vacinassem ou se submetessem a testes semanais para detectar a doença.

São enganosas, ainda, as afirmações relacionadas ao diretor-executivo da Pfizer, que está vacinado com duas doses do imunizante, conforme anunciou em sua conta no Twitter.

Ao ser procurado pelo Comprova, o médico responsável pelo conteúdo verificado afirmou ter tido a intenção de mostrar que a vacinação não é obrigatória por empresas e órgãos envolvidos no combate à pandemia, diferentemente do que querem fazer no Brasil, mas sem citar exemplos nacionais.

Ele reconheceu que a reportagem compartilhada por ele em relação à situação do CEO da Pfizer é antiga, mas sem comentar o fato de sua postagem não ser coerente com o conteúdo jornalístico indicado. Após ser procurado, publicou mais dois tuítes identificando o link como “defasado”, mas mantendo as demais afirmações.

O Comprova identifica como enganoso o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Inicialmente, o Comprova verificou o link compartilhado pelo médico e identificou que o conteúdo não era o mesmo afirmado nos tuítes. Em seguida, buscou informações sobre o caso envolvendo o CEO da Pfizer e Israel e se o diretor-executivo estava ou não vacinado.

Foi verificado, também, o posicionamento público de cada órgão e empresa citada pelo autor dos tuítes, além de serem procuradas as instituições via e-mail.

Realizou-se uma pesquisa junto à imprensa norte-americana para entender as bases legais para que as empresas e órgãos governamentais exijam ou não a vacinação dos funcionários.

Por fim, a reportagem entrou em contato com o responsável pelas postagens.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 6 de setembro de 2021.

Verificação

Vacinação de funcionários federais e de empresas nos EUA

A primeira vez que a Casa Branca solicitou comprovação de vacinação para seus funcionários foi no final de julho. No dia 29 daquele mês, o presidente Joe Biden anunciou o fortalecimento dos protocolos de segurança para funcionários federais, o que incluía uma solicitação para que essas pessoas atestassem sua situação vacinal.

Qualquer dessas pessoas que não estivesse totalmente vacinada ficava obrigada a usar máscara no trabalho – independentemente da localização geográfica –, manter distância física de outros funcionários e visitantes, cumprir um requisito de testagem semanal ou duas vezes por semana, além de ficar restrito a viagens oficiais. Na ocasião, o presidente ressaltou que o governo federal dos Estados Unidos empregava 4 milhões de americanos.

Outra medida anunciada foi uma indicação para que o Departamento de Defesa averiguasse quando seria possível incluir a vacina contra a covid-19 entre as vacinações exigidas para militares. O Departamento de Assuntos de Veteranos já havia exigido a vacinação para toda a equipe da área de saúde, assim como mais de 50 sociedades e organizações de saúde haviam exigido que seus funcionários recebessem a vacina contra a covid-19 a longo prazo.

Um mês depois, no dia 31 de agosto, o coordenador de resposta à covid-19 da Casa Branca Jeffrey Zients afirmou que o governo federal estava pressionando pela vacinação de funcionários de outras instituições e empresas, inclusive por meio da exigência desta, como já vinha sendo feito com funcionários federais desde o final de julho.

Zients informou que mais de 800 faculdades e universidades, e mais de 200 empregadores da área de saúde, pequenas e grandes empresas em todo o país, além de dezenas de governos estaduais e locais, passaram a fazer as mesmas exigências que o governo federal. Ele citou como exemplo o caso da empresa Tyson Food, em Arkansas, que tinha apenas 45% dos funcionários vacinados quando anunciou que todos teriam que estar imunizados até 1º de novembro. Após o anúncio, o percentual subiu para 72%.

Ele também citou um dado do site Even.com, de busca de empregos, que mostrou que o número de ofertas de emprego nos Estados Unidos que exigem a vacina aumentou 90%. No início de agosto, a CNN publicou uma lista de empresas que exigem a vacinação de seus funcionários, o que inclui Google, Facebook, Netflix, Walmart, The Washington Post, Uber, Twitter, entre outros.

“Resumindo: os requisitos de vacinação funcionam. Eles aumentam as taxas de vacinação. E precisamos de mais empresas e outros empregadores, incluindo sistemas de saúde, distritos escolares, faculdades e universidades para intensificar e fazer sua parte para ajudar a acabar com a pandemia mais rapidamente”, disse Zients, durante conferência para a imprensa.

Ainda nos Estados Unidos, segundo publicação da Reuters, Nova York se tornará a primeira grande cidade do país a exigir, a partir de 13 de setembro, prova de vacinação para clientes e funcionários em restaurantes, academias e outros ambientes fechados.

Já o estado de Nova York exigirá que os funcionários estaduais sejam vacinados ou testados semanalmente a partir desta segunda-feira, 6 de setembro. A Autoridade Portuária de Nova York e Nova Jersey e a Autoridade de Transporte Metropolitano exigirão que seus funcionários tomem a vacina ou façam o teste semanalmente.

Os trabalhadores da saúde do estado de Nova Jersey e os funcionários que atuam nas prisões devem ser vacinados até esta terça, 7 de setembro, ou fazer testes presenciais duas vezes por semana.

O governador da Califórnia, Gavin Newsom, disse que todos os funcionários do estado receberam ordens para serem vacinados a partir de 2 de agosto ou se submeterem a testes pelo menos uma vez por semana.

Funcionários municipais de Denver e pessoas que trabalham em ambientes de alto risco na cidade serão obrigados a se vacinar, disse o prefeito Michael Hancock, no dia 2 de agosto. As cidades de São Francisco e Nova Orleans ordenaram, em 12 de agosto, que os clientes mostrassem provas da vacinação contra a covid-19 para entrar em restaurantes, academias e outros espaços.

Exigências nas farmacêuticas

Conforme publicou o The New York Times, a Pfizer está exigindo que todos os funcionários e contratados nos Estados Unidos sejam vacinados ou participem de testes regulares semanais de covid-19.

O Fierce Pharma, site especializado na cobertura do setor farmacêutico, afirma ter falado com Pfizer e Johnson & Johnson, assim como outras empresas do ramo, sobre quais as políticas de vacinação adotadas entre seus funcionários. A Pfizer confirmou as informações publicadas na imprensa e um porta-voz afirmou que a empresa também está “encorajando fortemente” a vacinação para todos os ex-funcionários no país.

A Pfizer diz que trabalhará com os funcionários em busca de uma solução alternativa se eles tiverem objeções médicas ou religiosas à imunização.

A Johnson & Johnson também está exigindo que todos os funcionários e contratados nos Estados Unidos sejam totalmente vacinados até o dia 4 de outubro.

Procurada pelo Comprova, a empresa informou por e-mail ser falso que os funcionários não estão sendo obrigados a se vacinar, confirmando que a partir de 4 de outubro todos eles deverão ser totalmente vacinados, acrescentando que serão analisados os casos de pessoas com problemas de saúde ou outros motivos para não serem imunizadas.

A Reuters informou, em 20 de agosto, que a Moderna Inc anunciou que exigirá a vacinação para todos os funcionários nos Estados Unidos a partir de outubro. No início do mês, a empresa já havia ordenado que os funcionários se vacinassem ou se submetessem a testes semanais para detectar a doença.

O que a OMS diz sobre a obrigatoriedade

Procurada pelo Comprova, a OMS informou por e-mail que a vacinação para covid-19 é fortemente encorajada, mas atualmente não é obrigatória para os funcionários. Em um documento publicado no dia 13 de abril de 2021, a OMS faz uma série de considerações éticas e advertências sobre a adoção de obrigatoriedade de vacinação.

A organização destaca que o documento não endossa ou se opõe à vacinação obrigatória, mas identifica considerações éticas importantes e advertências que devem ser avaliadas antes que governos e/ou formuladores de políticas institucionais adotem essas medidas.

Uma das questões éticas levantadas no documento é que políticas que interferem na autonomia das pessoas devem buscar um “equilíbrio entre o bem-estar comunitário e as liberdades individuais”.

A OMS destaca que não é incomum que governos e outras instituições adotem essas políticas e que elas podem ser eticamente justificadas, uma vez que podem ser cruciais para proteger a saúde e o bem-estar públicos. Contudo, as razões para essas exigências precisam estar bem explicadas, incluindo as exceções – como contraindicações médicas à aplicação do imunizante.

Para o órgão, a vacinação obrigatória deve ser considerada apenas se for necessária à obtenção de uma meta de saúde pública importante, identificada por uma autoridade legítima da área sanitária. Outras estratégias devem vir antes disso, como políticas de educação pública, por exemplo.

“As vacinas são eficazes para proteger as pessoas da covid-19. Governos e/ou formuladores de políticas institucionais devem usar argumentos para encorajar a vacinação voluntária contra covid-19 antes de contemplar a vacinação obrigatória. Devem ser feitos esforços para demonstrar o benefício e a segurança das vacinas para a maior aceitação possível da vacinação. Medidas regulatórias mais rígidas devem ser consideradas apenas se esses meios não forem bem-sucedidos”, afirma a OMS.

Se esses objetivos de saúde pública não conseguem ser alcançados sem uma exigência para que as pessoas se vacinem, as preocupações daqueles que são capazes, mas não desejam ser vacinados, devem ser tratadas, se possível, de maneira proativa. Contudo, caso essas medidas não funcionem e a recusa à vacina resultar em riscos significativos à saúde pública, com baixas taxas de vacinação sem uma exigência, a obrigatoriedade pode ser uma medida “necessária”, diz a OMS.

A organização ainda recomenda que dados sobre as vacinas devem estar disponíveis, para que a população saiba que a vacina é eficaz, além de ser um meio para atingir uma meta importante de saúde pública. O acesso ao imunizante também precisa ser “confiável, razoável e gratuito” para aqueles a quem a vacinação for exigida.

Também afirma que é preciso considerar o efeito que a obrigatoriedade da vacina terá sobre a confiança do público na comunidade científica e na vacinação em geral. É recomendado que haja transparência no processo de tomada de decisão em torno da obrigatoriedade do imunizante.

CEO da Pfizer foi imunizado

O autor do tuíte afirma que Albert Bourla, diretor-executivo da Pfizer, teve a entrada negada em Israel por não estar vacinado e que teria afirmado não precisar do imunizante “pois era um sujeito saudável”. Em um segundo post, o médico compartilha o link de uma reportagem do veículo Times of Israel com a intenção de provar o ponto dele, mas o texto não condiz com o dito na postagem.

O médico ainda questiona, no mesmo post, o que diriam os funcionários da empresa para o mundo caso fossem obrigados a injetar em si “o produto que conhecem a fundo, sabem que é experimental e estão bem informados de todos os seus efeitos colaterais…” Os imunizantes não são substâncias experimentais e os benefícios superam os riscos da vacinação, conforme já explicou o Comprova.

Segundo a reportagem compartilhada por ele – publicada há mais de seis meses, em 5 de março –, a visita do diretor da farmacêutica a Israel foi adiada porque ele e outros membros da delegação ainda não estavam totalmente imunizados contra a covid.

O texto explica que Bourla havia recebido a primeira dose, mas aguardava a segunda, enquanto outros membros receberam duas doses, mas não haviam completado a espera mínima de sete dias para garantir maior proteção contra o vírus.

A mesma reportagem relembra que Bourla afirmou anteriormente que não cortaria a fila para receber a vacina, apesar de ter o cargo mais importante da empresa que fabrica o medicamento. A afirmação foi feita em entrevista ao canal CNBC.

Em agosto, a Reuters publicou checagem informando que Albert Bourla recebeu a segunda dose da vacina em 10 de março de 2021, o que foi registrado por ele no Twitter.

| Captura realizada pelo Comprova em 02/09/2021

De acordo com a Reuters, até a publicação da checagem, usuários de redes sociais ainda se referiam à informação desatualizada de que ele teve que cancelar a viagem por não estar totalmente vacinado como se o conteúdo fosse atual.

Obrigatoriedade

Empresas e governos de diversos países estão exigindo que seus funcionários se vacinem, como forma de reduzir a disseminação do coronavírus e da contaminação de seus empregados.

Não há uma lei específica sobre a exigência ou não de o trabalhador se imunizar, mas, segundo advogados entrevistados pela Reuters, a imposição é uma forma de a empresa cumprir seu papel de reduzir os riscos no local de trabalho.

E, como informado acima, desde que o governo dos Estados Unidos anunciou não haver impedimentos legais para tal medida, várias empresas passaram a colocá-la em prática.

Um dos casos de exigência de vacina mais conhecidos no país ocorreu em 1905, quando a Suprema Corte permitiu que órgãos de saúde do estado de Massachusetts pudessem exigir a vacinação contra a varíola de toda a população local se considerassem isso “necessário para a saúde ou segurança pública”. Um pastor que se negou a receber a proteção foi condenado criminalmente e multado.

O tribunal entendeu que “o princípio de liberdade individual não é absoluto em face do bem comum e que a liberdade real para todos depende da restrição de exercícios individuais de liberdade que prejudicam os outros”.

E, ainda sobre os Estados Unidos, desde os anos 1980, os 50 estados exigem vacinas de crianças em idade escolar – há exceções, como motivos médicos e religiosos.

Médico fez novos posts após ser procurado pelo Comprova

Francisco Eduardo Cardoso Alves é especialista em Infectologia pelo Instituto Emílio Ribas e diretor-presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP). Defensor do “tratamento precoce” com medicamentos que não possuem eficácia comprovada contra a covid-19, foi ouvido pela CPI da Pandemia, onde defendeu a prática, em junho deste ano.

Procurado pelo Comprova, afirmou que a intenção do post foi “mostrar que as principais empresas/atores envolvidos nas ‘decisões científicas’ sobre a covid-19 no Ocidente não obrigam coercitivamente a vacinação dos seus funcionários, como alguns políticos e empresas, absurdamente, estão tentando fazer aqui (Brasil)”. Ele não citou exemplos sobre os quais está se referindo.

Acrescentou acreditar que o uso de outras medidas, como testagem frequente, distanciamento e uso de máscaras, são cabíveis e “deveriam servir de exemplo aos gestores de alguns municípios brasileiros”.

Defendeu, ainda, que, se o objetivo fosse a saúde da população, os gestores estariam incentivando, e não forçando, a vacina no Brasil, associada às demais medidas, “e não proibindo pessoas de terem empregos ou irem a restaurantes por não terem vacinas, mas permitindo transporte público sem essa exigência, dentre outras contradições”.

Sobre a afirmação relacionada ao diretor-executivo da Pfizer, declarou que, após o contato do Comprova, fez a verificação da reportagem e constatou que o conteúdo é antigo. “Portanto, irei retificá-la no que concerne ao CEO já ter se vacinado. Mas parece que agora duas doses não servirão mais em Israel, a ver…”

Em seguida, o médico adicionou dois tuítes ao fio, afirmando precisar fazer uma correção e esclarecendo que a reportagem compartilhada está defasada. “Consta no perfil, do CEO da Pfizer que ele tomou as duas doses em março de 21. De fato ele não entrou em Israel pois não tinha as duas doses ainda”, postou.

O autor manteve, contudo, a afirmação de que as empresas e órgãos listados não exigem vacina obrigatória, mas esclarecendo que a J&J passará a fazer a exigência a partir de 4 de outubro. Explicou também que, embora não exijam, as demais adotam medidas como testagem frequente, uso de máscaras e distanciamento.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Projeto Comprova checa conteúdos de redes sociais sobre políticas públicas do governo federal, eleições e a pandemia que alcancem uma grande viralização. No caso do conteúdo aqui verificado, foram 7,7 mil interações no Twitter, entre comentários, curtidas e compartilhamentos.

Conteúdos enganosos e desmotivadores sobre vacinas são perigosos porque diminuem a confiança da população nos imunizantes e enfraquecem os esforços de imunização, que são a principal estratégia para controlar a pandemia e salvar vidas, aliados ao distanciamento social, higienização constante das mãos e uso de máscaras.

Apenas em agosto, o Comprova já informou que médico americano engana ao dizer que vacinas “enlouquecem” sistema imunológico e agravam covid-19; que site antivacina inventou dado sobre efeito colateral em crianças imunizadas com Pfizer; que, ao contrário do que diz médico, vacinas são eficazes contra variante delta; e que médica engana ao dizer que vacinas contra covid são experimentais.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-09-03

É enganoso que recomendação do uso de máscara contra covid siga palavras de vidente e não estudos científicos

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o post de um médico no Twitter que compara o apelo de um vidente para que as pessoas não parem de usar máscara a um estudo científico que não teria sido capaz de apontar a eficácia desse tipo de proteção. O estudo em questão esperava que as máscaras reduzissem as infecções em mais de 50%, o que é considerado um percentual muito alto para estudos sobre intervenções - algo entre 15% e 30% estaria mais perto da realidade. A postagem também desconsidera outros estudos e recomendações de autoridades sanitárias do Brasil e do mundo, que defendem o uso da proteção facial.
  • Conteúdo verificado: Em mensagem no Twitter, médico compara pedido de um vidente para que as pessoas sigam usando máscara como meio de proteção contra a covid-19 com os resultados de um estudo da Dinamarca que não teria mostrado benefício para o uso de proteção facial.

É enganoso o conteúdo postado por um médico no Twitter, no qual ele sugere que não há benefício do uso comunitário de máscaras contra a covid-19. Na postagem, ele recorre ao resultado de um estudo feito em 2020 na Dinamarca, o Danmask, a fim de contrapor uma notícia em que a revista Istoé ouve um vidente. Os próprios autores do Danmask, contudo, consideram os resultados do estudo inconclusivos.

No texto publicado pela IstoÉ, o vidente conhecido como Mestre José pede que as pessoas não parem de usar máscaras e afirma que haverá o “maior caos da história” se acabar a obrigatoriedade. O médico Ricardo Ariel Zimerman, então, compartilha uma imagem com o título do texto da revista e uma foto do vidente. Ele comenta que “o maior ensaio clínico randomizado conduzido até o momento” não demonstrou “benefício com o uso comunitário de máscaras”, mas, o vidente, sim, ironiza.

O texto da IstoÉ não deixa claro se o vidente se baseia em evidências científicas ou em sua própria opinião. O estudo conduzido na Dinamarca e citado pelo médico, contudo, recebeu críticas da comunidade científica por ter falhas metodológicas e por perseguir um resultado fora da realidade – os pesquisadores esperavam que as máscaras reduzissem as infecções em 50%, mas, o especialista ouvido pelo Comprova explica que resultados são realistas quando uma intervenção produz um efeito de 15% a 30%.

Além disso, o uso de máscaras é recomendado por entidades nacionais e internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Ministério da Saúde.

O Comprova procurou o autor do post, mas ele não respondeu até a publicação desta reportagem.

Este conteúdo foi classificado como enganoso pelo Comprova porque usa dados imprecisos e confunde, mesmo que não tenha uma intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Fizemos uma pesquisa no Google para saber o que era o estudo Danmask e quais as análises feitas pela comunidade científica sobre essa pesquisa. Encontramos um artigo do pesquisador do Instituto Butantan Alison Chaves, PhD em Microbiologia e Imunologia, e pedimos que ele conversasse conosco sobre o estudo e seus resultados.

Também levantamos as orientações de autoridades de saúde do Brasil e do exterior sobre o uso de máscaras, bem como procuramos a legislação brasileira sobre o enfrentamento à pandemia.

Procuramos o título da matéria que aparece no conteúdo verificado para identificar se ela era real e o que dizia o texto e, por fim, entramos em contato com o autor do post, mas não obtivemos resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 3 de setembro de 2021.

Verificação

O que é o estudo Danmask?

O estudo que ficou conhecido como Danmask-19 foi um ensaio controlado randomizado feito em abril e maio de 2020 na Dinamarca por 22 pesquisadores, os autores principais. O objetivo do estudo era analisar “se a recomendação do uso de máscara cirúrgica fora de casa reduz o risco dos usuários de infecção por Sars-CoV-2 em um ambiente onde as máscaras eram incomuns e não estavam entre as medidas de saúde pública recomendadas”.

O efeito esperado pelos pesquisadores era de que o uso de máscara reduzisse as taxas de infecção pelo coronavírus em 50% entre os usuários de uma comunidade com “taxas de infecção modestas, algum grau de distanciamento social e uso incomum de máscara”.

Foram distribuídos kits com 50 máscaras cirúrgicas descartáveis de três camadas para adultos que não tinham sintomas, passavam mais de três horas por dia fora de casa e que não usavam máscara habitualmente em suas ocupações. Segundo os pesquisadores, 3.030 participantes foram designados aleatoriamente para a recomendação de usar máscaras e 2.994 foram designadas para o grupo controle, totalizando 6.024 pessoas. Destes, 4.862 completaram o estudo, sendo 2.392 pessoas com recomendação para uso de máscara e 2.470 do grupo controle.

O ensaio foi publicado em novembro de 2020 na revista científica Annals of Internal Medicine.

Quais as conclusões desse estudo?

Segundo os resultados publicados na revista científica, 95 das 4.862 pessoas que completaram o estudo foram infectadas pelo Sars-CoV-2. Destas, 42 participantes eram do grupo com recomendação do uso de máscara (1,8%) e 53 faziam parte do grupo controle (2,1%).

Os pesquisadores consideraram que, embora a diferença observada não tenha sido estatisticamente significativa, os resultados eram inconclusivos. Eles afirmam que não é possível descartar que o uso de máscara tenha reduzido o contágio em 46% das infecções ou aumentado em 23%, já que eles não mediram os efeitos do uso de máscara na origem do contágio, nem em locais onde outras medidas não estavam em vigor.

Eles também destacaram que, na época da realização do estudo, o governo dinamarquês não recomendava o uso de máscaras em outros ambientes que não os hospitalares – portanto, os participantes do estudo que usaram as máscaras estavam circulando em locais onde a grande maioria das pessoas não usavam a proteção.

Os estudiosos levaram em conta limitações para o estudo, como resultados inconclusivos, dados faltantes, adesão variável, resultados de exames relatados por pacientes a partir de testes caseiros, o fato de o estudo não ter sido cego (ou seja, os participantes sabiam em qual grupo estavam) e ausência de avaliação se as máscaras poderiam diminuir a transmissão de doenças de usuários de máscaras para outras pessoas.

Apesar dessas limitações, o estudo concluiu que “a recomendação de usar máscaras cirúrgicas para complementar outras medidas de saúde pública não reduziu a taxa de infecção de Sars-CoV-2 entre os usuários em mais de 50%”. Ou seja, há indícios de que houve uma redução, mas os resultados do ensaio não apontavam para o percentual de eficácia esperado pelos pesquisadores.

O que se fala sobre o Danmask-19?

Quando o estudo foi publicado, em novembro do ano passado, surgiram comentários na comunidade científica sobre o assunto. Em 26 de novembro, o editor-executivo do The BMJ – publicação da British Medical Association –, Kamram Abbasi, disse em um artigo que o resultado “negativo” do primeiro ensaio sobre o uso de máscaras durante a pandemia já era conhecido.

Segundo ele, antes da publicação do estudo, já se comentava nas redes sociais que os pesquisadores buscavam um periódico importante para a publicação, uma vez que muitos não estavam se mostrando “corajosos” para dar espaço ao estudo. No artigo, em que chama de “curioso” o caso do estudo dinamarquês, Abbasi afirma que os resultados não eram negativos, e sim inconclusivos. Ele acrescenta que, na verdade, apontavam para um “provável benefício do uso da máscara para o usuário”, diferentemente do que se comentava nas redes sociais.

Menos de uma semana antes, os pesquisadores Carl Heneghan e Tom Jefferson, ambos da Universidade de Oxford, publicaram um artigo na revista britânica The Spectator comentando os resultados do Danmask-19. Eles afirmaram que, no geral, havia uma “falta preocupante de evidências robustas sobre máscaras faciais e covid-19” e que estudos randomizados como o Danmask eram importantes para entender o impacto de medidas como aquela.

Também no dia 19 de novembro, o pesquisador Alison Chaves, PhD em Microbiologia e Imunologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicou um artigo no site do Instituto Questão de Ciência, no qual considerou como “ineficaz” o estudo dinamarquês sobre a eficácia das máscaras.

Problemas do estudo

O Comprova, então, pediu que Chaves detalhasse mais sobre as razões pelas quais acredita que o estudo seja “ineficaz”. O grande problema do Danmask-19, segundo Alison Chaves, está no que ele chama de “efeito perseguido”: a redução de 50% nas infecções a partir do uso de máscaras associado a outras medidas, como o distanciamento. Alison explica que esse percentual não é um efeito realista em estudos científicos.

“Um dos grandes problemas desse estudo especificamente é que ele persegue um efeito muito grande para um tipo de intervenção que está sendo avaliada. Independente da intervenção, quando você tem um efeito entre 20% e 30%, até 15%, é um efeito realista. Tem alguns estudos que cometeram esse mesmo tipo de gafe, que perseguiram um efeito que, no final, é uma profecia auto-irrealizável, porque você não vai alcançar”, disse, em entrevista ao Comprova por telefone.

O pesquisador também aponta outras falhas. “Ele não é cego, ou seja, as pessoas sabem da intervenção. É muito difícil conseguir medir efetivamente o desfecho porque é um estudo de recomendação, ele não mede uma métrica que você consegue detectar objetivamente. A intervenção não é um tratamento, é uma recomendação e um composto. Para dizer que houve efeito, você precisa que as pessoas tenham seguido ambas as recomendações, que é se isolar e usar máscara. E a aderência foi extremamente variável. Ele tem falhas metodológicas, de planejamento, tem limitações reais para fazer alguma conclusão”, afirma.

No tuíte aqui verificado, o autor destaca que o Danmask é o maior ensaio clínico randomizado conduzido até o momento sobre o uso de máscaras. Para Chaves, o fato de o estudo ser grande – e o trabalho dinamarquês de fato é, pelo menos em número de participantes – não o isenta de problemas.

“Existem muitos estudos enormes, como o Surgisphere, que mostrava a ausência de efeito da hidroxicloroquina em covid-19 e os dados não foram abertos e o estudo foi retratado. E aquele é, sem dúvida, um dos maiores estudos já feitos. Nem por isso ele é um estudo que tem credibilidade hoje”, exemplifica.

Apesar dos problemas apontados, para ele, o Danmask não se encaixa num tipo de estudo que precise de uma retratação. “A gente tem estudos retratados quando existem erros que geram problemas nos resultados, tem um erro aqui que muda totalmente o resultado. No caso dele, foi mais um estudo mal desenhado”, aponta.

Para o pesquisador, independente do resultado do estudo, o uso de máscaras e sua eficácia se encaixam num princípio chamado por cientistas de “plausibilidade extrema”. “Se você tem uma doença cuja transmissão é respiratória, ou seja, exige gotículas, as únicas maneiras de barrar essa transmissão são se não tiver contato ou se houver uma barreira entre as pessoas. E a máscara é uma barreira. Esse tipo de estudo não faz muito sentido existir, porque é um caso de plausibilidade extrema, (usar a máscara) é algo que vale a pena fazer, porque não há risco”, afirma.

Recomendação do uso de máscaras no Brasil

Nas orientações sobre como se proteger do novo coronavírus, o Ministério da Saúde inclui o uso de máscara em serviços de saúde e na população em geral ao lado de outras medidas preventivas como o distanciamento social e a higienização das mãos.

Sobre os serviços de saúde, a pasta lembra que o uso de máscaras deve ser uma exigência em áreas clínicas, independentemente das atividades realizadas. “Em locais de assistência a pacientes com covid-19 em que são realizados procedimentos geradores de aerossóis, recomenda-se que os profissionais da saúde usem máscaras de proteção respiratória (padrão N95 ou PFF2 ou PFF3, ou equivalente), bem como demais equipamentos de proteção individual”, diz.

No caso da população, o Ministério da Saúde diz que o uso de máscara facial, inclusive a feita de tecido, é “fortemente recomendado” em ambientes coletivos “em especial no transporte público e em eventos e reuniões, como forma de proteção individual, reduzindo o risco potencial de exposição do vírus especialmente de indivíduos assintomáticos”. No caso de pessoas sintomáticas, o governo recomenda o uso específico de máscaras cirúrgicas, para controlar a fonte de transmissão.

A recomendação da pasta afirma ainda que as máscaras não devem ser usadas por crianças menores de 2 anos ou “pessoas que tenham dificuldade para respirar, estejam inconscientes, incapacitadas ou que tenham dificuldade de remover a máscara sem ajuda”. A orientação também é para que se lave a mão antes de colocar a proteção e que ela cubra o nariz e a boca, além de estar presa ao queixo.

No Brasil, a lei federal 14.019, de 2 de julho de 2020, permitiu que as autoridades de saúde federal, estadual e municipal exigissem a obrigação do uso de máscara para combater a emergência sanitária provocada pela covid-19. São citadas especificamente vias públicas; transportes públicos como táxis, ônibus, aeronaves e embarcações; estabelecimentos comerciais e industriais; templos religiosos; estabelecimentos de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas.

Base científica para o uso de máscaras

A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço da OMS para as Américas, publicou desde abril de 2020 orientações sobre o uso de máscara para o enfrentamento do Sars-CoV-2. A última orientação foi feita em 1º de dezembro do ano passado e traz uma série de evidências sobre o papel que a proteção facial pode ter na prevenção do vírus.

A OMS analisou 43 estudos e metanálises (quando mais de uma pesquisa é comparada) sobre o efeito do uso protetor de máscaras na comunidade. A entidade reconhece que “são limitadas e variáveis” as evidências científicas sobre o uso de máscaras por pessoas saudáveis como prevenção à infecção por vírus respiratórios. Mas seis desses estudos apontaram uma redução no risco de infecção pelo Sars-CoV-2. Outros 18 sinalizam para uma diminuição no número de casos de covid-19 associada ao uso de máscara pelo público.

Seis apontam para evidências limitadas de que a máscara cirúrgica possa prevenir a infecção caso a pessoa compartilhe o mesmo domicílio de um paciente contaminado ou participe de eventos de massa em que há pessoas infectadas.

Por isso, as orientações são para o uso de máscaras em locais públicos fechados, com pouca ventilação ou que não seja possível manter o distanciamento; em ambientes domésticos internos quando houver visita que não resida no local; em ambientes externos ventilados em que não seja possível manter o distanciamento ou que tenham pessoas de grupo de risco.

No caso do Brasil, a Fiocruz divulgou o resultado de um estudo que reforça o papel das máscaras. Eles analisaram 45 proteções faciais (30 de tecido com duas camadas e 15 cirúrgicas) usadas por 28 pacientes com infecção confirmada para o Sars-CoV-2. Eles utilizaram essas máscaras por um período contínuo de duas a três horas, em situações da vida real. Os testes apontaram a presença do vírus apenas na camada interna das máscaras, indicando que elas podem barrar a transmissão da doença.

Matéria da IstoÉ é real

A matéria com o título “Vidente prevê ‘maior caos da história’, caso acabe obrigatoriedade do uso de máscaras” é real. Foi publicada no site da revista IstoÉ no dia 25 de agosto de 2021. Nela, o tarólogo Mestre José, que a revista diz ter ficado conhecido como “vidente dos famosos”, faz um apelo que as pessoas não parem de usar máscaras mesmo após o presidente Jair Bolsonaro ter anunciado que pediria ao Ministério da Saúde para avaliar o fim do uso obrigatório do equipamento como medida de proteção contra a covid-19.

O autor

Ricardo Ariel Zimerman é médico registrado no Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul. A especialidade dele é a infectologia. Ele é defensor do “tratamento precoce” contra a covid-19 e um vídeo em que fala sobre o tema já foi classificado como enganoso pelo Estadão Verifica.

Zimerman foi ouvido pela CPI da Pandemia do Senado no dia 18 de junho de 2021, ao lado do médico Francisco Eduardo Cardoso Alves, em uma audiência pública. Durante a sua fala na comissão, defendeu uso de hidroxicloroquina e ivermectina, dois medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que tenham atingido alto grau de viralização. A desinformação sobre a covid-19 é ainda mais grave porque pode levar pessoas a não se protegerem de maneira adequada ou a recusarem medidas de prevenção ao vírus. As postagens verificadas aqui tiveram 4,5 mil interações no Twitter e 8,9 mil curtidas no Instagram.

Desde o início da pandemia, o Comprova já mostrou o uso de estudos com falhas para alegar que máscaras são ineficazes contra a covid-19; que um estudo recomenda o uso de máscara contra o novo coronavírus, ao contrário do que sugere deputada; que um médico tirou de contexto dados de um estudo para sugerir que as máscaras não são eficazes; e que é falso que máscaras causem acúmulo de líquido nos pulmões e intoxicação.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-08-31

Estudo não traz evidências que comprovem eficácia da hidroxicloroquina na prevenção à covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Um post na plataforma Substack engana ao afirmar que estudo norte-americano coloca a hidroxicloroquina no mais alto nível de evidência científica como substância para prevenção da covid-19. A metanálise não atesta isso, apenas sugere, e orienta que ensaios clínicos randomizados sejam conduzidos sobre o assunto. Além disso, especialistas ouvidos pelo Comprova alertaram para a baixa relevância científica do estudo.
  • Conteúdo verificado: Postagem no Substack, uma plataforma para publicação de boletins informativos (newsletters), afirma que estudo científico norte-americano, revisado por pares e publicado em “prestigiado periódico científico”, coloca a hidroxicloroquina no mais alto nível de evidência científica como substância para prevenção da covid-19.

É enganoso um post feito na plataforma Substack afirmando que uma meta-análise norte-americana revisada por pares e publicada em um periódico científico coloca a hidroxicloroquina no mais alto nível de evidência científica como substância para prevenção da covid-19. O artigo, na verdade, é de baixa relevância científica, segundo explicaram dois especialistas ouvidos pelo Comprova: o médico infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), e o virologista e coordenador do curso de Biomedicina do Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação (IBMR), Raphael Rangel.

A pesquisa também não comprova a eficácia do medicamento enquanto “tratamento precoce” para a covid-19, mas “sugere que a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) HCQ (hidroxicloroquina) semanal é segura e eficaz na prevenção da doença em um grupo de profissionais de saúde de alto risco”. A Profilaxia Pré-Exposição é o procedimento de saúde usado antes da exposição a um patógeno capaz de provocar uma doença.

O artigo analisou 11 pesquisas de caráter observacional com profissionais de saúde da Índia e o método de seleção dos estudos foi descrito de forma vaga. Conforme as diretrizes metodológicas para estudos observacionais do Ministério da Saúde, os principais problemas das meta-análises deste tipo de pesquisa são decorrentes das limitações do delineamento dos estudos primários (coortes e caso-controles). Basicamente, a presença de variáveis de confusão, ausentes ou controladas em ensaios clínicos randomizados, pode gerar medidas de associação enviesadas nos estudos observacionais.

Não foram levantados dados de estudo clínico randomizado controlado, conhecido pela sigla em inglês RCT. Neste tipo de estudo, os pacientes são separados em dois grupos de forma aleatória. Um deles recebe o tratamento a ser testado, enquanto o outro recebe o placebo. Nenhum paciente sabe qual recebeu para evitar influência nos resultados. Esse estudo é considerado o padrão-ouro para determinação de eficácia de um medicamento ou vacinas.

Procurados, os autores do estudo não responderam ao Comprova. A reportagem também entrou em contato com o autor da postagem, Filipe Rafaeli. Ele defendeu a pesquisa e afirmou já ter sido procurado anteriormente pelo Estadão Verifica. Conforme a publicação, ele ameaçou processar o autor da checagem.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Como verificamos?

A partir da postagem no Substack, o Comprova verificou o conteúdo do texto compartilhado e chegou ao estudo, que foi conduzido por Raphael B. Stricker e Melissa C. Fesler, dois médicos de um grupo privado de São Francisco, nos Estados Unidos, chamado Union Square Medical Associates.

Acessamos checagens e estudos anteriormente publicados sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento contra a covid-19. Também conversamos com dois especialistas sobre a análise publicada e consultamos as recomendações das principais agências reguladoras do mundo e da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Por fim, tentamos conversar com os autores do estudo e falamos com Filipe Rafaeli, responsável pela publicação no Substack.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 31 de agosto de 2021.

Verificação

Estudo não garante a eficácia da cloroquina

A pesquisa “Profilaxia pré-exposição de hidroxicloroquina para covid-19 em profissionais de saúde da Índia: uma meta-análise” foi publicada no Journal of Infection and Public Health, que possui Fator de Impacto 3.718, um método bibliométrico para avaliar a importância de periódicos científicos em suas respectivas áreas. A partir disso, está classificado na 60ª posição entre 203 revistas especializadas em saúde pública, ambiental e ocupacional.

O estudo foi conduzido por Raphael B. Stricker e Melissa C. Fesler, revisado por pares e indexado em outras plataformas médicas.

Foram analisadas 11 pesquisas de caráter observacional com profissionais de saúde da Índia e o método de seleção dos estudos foi descrito de forma vaga em apenas um parágrafo. Os autores afirmam terem utilizado mecanismos de busca da internet para identificar os estudos de caso-controle que envolveram 7.616 profissionais de saúde de alto risco testados para infecção por Sars-CoV-2 após Profilaxia Pré-Exposição com hidroxicloroquina semanal ou após nenhum tratamento.

Não foram levantados dados de estudo clínico randomizado controlado considerado bastante eficaz para testar se um medicamento funciona ou não, conforme explica essa reportagem da Superinteressante.

No texto publicado, Filipe Rafaeli afirma que a meta-análise colocou a hidroxicloroquina para prevenção da covid-19 no mais alto nível de evidência científica. A afirmação, contudo, contradiz a própria pesquisa, que não atesta a eficácia da hidroxicloroquina enquanto “tratamento precoce”, mas “sugere que a PrEP HCQ semanal é segura e eficaz na prevenção de covid-19 em um grupo de profissionais de saúde de alto risco”.

Os autores reconhecem, por exemplo, que os estudos de coorte selecionados têm limitações em termos de desenho retrospectivo, ou seja, a análise antes da exposição, quando se olha para o passado dos pacientes para a identificação de quem sofreu a exposição, e de homogeneidade. Acrescentam serem necessárias as conduções de ensaios clínicos randomizados para avaliar a utilização da substância como método de prevenção para covid-19.

A meta-análise, que é um método estatístico para agregar os resultados de dois ou mais estudos independentes sobre uma mesma questão de pesquisa, combinando os resultados em uma medida sumária, também destaca ser importante reconhecer que os estudos utilizados excluíram a profilaxia pós-exposição (PEP) com hidroxicloroquina ou o tratamento de indivíduos que foram infectados com SARS-CoV-2, ou seja, a administração de medicamentos com o intuito de tratar a doença já adquirida.

Especialistas apontam falhas

O Comprova pediu a dois especialistas que fizessem a análise do estudo e ambos apontaram problemas no artigo. O médico infectologista Leonardo Weissmann, da SBI, destaca que os autores do artigo não se esqueceram de falar em “preconceito” contra a hidroxicloroquina, mas deixaram de lado regras básicas de metodologia para a realização de uma revisão sistemática e meta-análise.

Os autores defendem, ao longo do texto, que a hidroxicloroquina “foi atacada e rejeitada com base em estudos falhos e controvérsias políticas que obscureceram o valor deste tratamento como profilaxia”.

Segundo o especialista, não há um objetivo definido de estudo, não foi citada a estratégia de busca dos artigos, com critérios de inclusão e exclusão, não se sabe se os autores avaliaram a qualidade dos estudos utilizados, pois nada foi descrito a respeito, e não existe um padrão definido para a extração de dados. “Como afirmar que não há vieses? Impossível!”, declara.

Conforme Leonardo, diante disso, não há como avaliar os achados da meta-análise com qualquer credibilidade, nem aplicá-los na prática diária. “Ainda usam ‘vacina’ como palavra-chave do estudo, sendo que o texto não tem nenhuma relação com imunização”, comentou.

O virologista Raphael Rangel tem opinião semelhante. “O artigo se trata de uma meta-análise com estudos observacionais, então os dados podem estar muito enviesados. Além disso, não é um estudo duplo-cego randomizado, portanto não há como medir de fato se houve uma eficiência de medicamento ou não. Outro fator é que esses resultados foram publicados em revistas de pouquíssima expressão”, disse, referindo-se às análises observacionais.

No estudo duplo-cego randomizado um grupo de interesse faz uso da terapia e é acompanhado por um grupo-controle, que não faz o uso da terapia. Já o estudo observacional de coorte se propõe a observar, em uma população previamente definida, qual será a incidência de determinada doença ou fenômeno relacionado à saúde ou doença.

Rangel destacou haver estudos aprofundados e publicados em revistas científicas de renome, como The Lancet e New England Journal Of Medicine, demonstrando que a hidroxicloroquina não tem nenhuma eficácia, nem voltada à pré-exposição e nem à pós-exposição. “Precisamos superar isso, já passou. Temos vacina, precisamos vacinar e é só com a vacina e com a utilização de máscaras mais eficazes que vamos sair dessa pandemia”, defende.

Autor se envolveu em polêmica científica

Conforme explicou o Estadão Verifica, que fez a checagem do mesmo conteúdo, um dos principais autores do estudo citado pelo blog, Raphael B. Stricker, se envolveu em uma polêmica em 1993, quando foi acusado de “má conduta científica” ao longo de outra pesquisa.

À época, uma investigação da Universidade da Califórnia em São Francisco apontou que o cientista teria falsificado dados enquanto pesquisava sobre Aids, suprimindo seletivamente aqueles que não sustentavam sua hipótese, e relatando dados consistentemente positivos, enquanto apenas um em quatro experimentos produziu resultados positivos. Na ocasião, a pesquisa afirmou que anticorpos para Aids eram encontrados apenas em homens homossexuais.

Stricker afirmou ao Estadão que as “alegações de 30 anos atrás são espúrias”. Ele não respondeu ao contato do Comprova.

Em relação a Melissa C. Fesler, não foram localizados artigos sobre doenças respiratórias até a pandemia, quando passou a fazê-los junto a Stricker, segundo dados do Research Gate.

Órgãos de regulação não recomendam o uso de hidroxicloroquina

Conforme o Comprova já mostrou anteriormente, o Grupo de Desenvolvimento de Diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), formado por especialistas de todo o mundo, concluiu em março deste ano que a hidroxicloroquina não deve ser usada para tratar a covid-19 de forma precoce.

| Fonte: Drugs to prevent COVID-19: A WHO living guideline (captura de tela feita em 31 de agosto de 2021)

Os especialistas realizaram seis ensaios clínicos randomizados, dos quais participaram 6 mil pessoas e o estudo mostrou que “a hidroxicloroquina não teve efeito significativo na morte e admissão ao hospital, enquanto a evidência de certeza moderada mostrou que a hidroxicloroquina não teve efeito significativo na infecção por covid-19 confirmada em laboratório e provavelmente aumentava o risco de efeitos adversos”. A pesquisa completa foi publicada no BMJ. No Brasil, o ensaio clínico Solidariedade (Solidarity) foi conduzido pela Fiocruz.

| Fonte: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public/myth-busters#chloroquine

A OMS interrompeu os ensaios clínicos com hidroxicloroquina como tratamento para covid-19 após o Solidariedade, um estudo do grupo colaborativo Recovery, do Reino Unido, e uma revisão da Cochrane evidenciarem que a hidroxicloroquina não reduziu as mortes entre pacientes com covid-19 hospitalizados.

Em agosto deste ano, a OMS anunciou a próxima fase do estudo Solidariedade: o Solidariedade PLUS, que envolverá pacientes hospitalizados para testar três novos medicamentos em pacientes hospitalizados com covid-19: artesunato, imatinibe e infliximabe. O primeiro é usado para malária grave; o segundo para certos tipos de câncer; e o terceiro para doenças do sistema imunológico.

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) também anunciou que os medicamentos não mostraram quaisquer efeitos benéficos no tratamento em grandes ensaios clínicos randomizados e alertando que a cloroquina e a hidroxicloroquina podem causar certos efeitos colaterais, incluindo problemas de ritmo cardíaco.

O risco desses efeitos colaterais pode ser maior em pacientes que os recebem em doses superiores às recomendadas para as indicações autorizadas nas bulas e em combinação com outros medicamentos que têm efeitos semelhantes no coração, como o antibiótico azitromicina.

O Painel de Diretrizes de Tratamento para a covid-19 do Instituto Nacional de Saúde (NHI) dos Estados Unidos não recomendou o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina e/ou azitromicina para o tratamento da doença, após analisar avaliações de segurança e eficácia das drogas em ensaios clínicos randomizados, estudos observacionais e/ou estudos de braço único, onde todos os inscritos são tratados da mesma maneira.

Um estudo publicado na The New Journal of Medicine, feito utilizando o método de ensaio clínico multicêntrico (conduzido de acordo com um único protocolo, concomitantemente em vários centros de pesquisa, nacionais ou internacionais) e randomizado, concluiu que o uso da hidroxicloroquina, manipulada sozinha ou com azitromicina, feito por pacientes hospitalizados com covid-19 em casos de leve a moderado, não melhorou o estado clínico em 15 dias, em comparação com o tratamento padrão.

O resultado entra em convergência com os dados obtidos pela Nature. Uma meta-análise colaborativa internacional de ensaios clínicos randomizados mostrou que o tratamento com hidroxicloroquina está associado ao aumento da mortalidade em pacientes com covid-19, e não há benefício da cloroquina.

Responsável pelo post alterou texto original

Na aba em que se apresenta no site, Filipe Rafaeli afirma ser profissional de comunicação, cineasta e piloto de acrobacia. O primeiro conteúdo foi publicado em dezembro de 2020 e defendia que a hidroxicloroquina era cientificamente comprovada. A partir de então, todas as postagens são referentes ao “tratamento precoce” contra a covid-19, tratando, principalmente, do medicamento.

Quando o Comprova iniciou esta verificação, o texto publicado por ele afirmava que “um recente estudo científico revisado por pares e publicado no prestigiado periódico científico Journal of Infection and Public Health, de alto impacto, confirmou cientificamente a eficácia da hidroxicloroquina para prevenção da COVID-19.”

 

| Captura realizada pelo Comprova em 31 de agosto de 2021 a partir da página arquivada

Posteriormente, o texto foi alterado para: “Um recente estudo científico revisado por pares e publicado no prestigiado periódico científico Journal of Infection and Public Health, de alto impacto, colocou a hidroxicloroquina para prevenção da COVID-19 no mais alto nível de evidência científica.”

 

| Captura realizada pelo Comprova em 31 de agosto de 2021 a partir de texto publicado no Substack

Três dias antes da publicação deste texto, o autor comentou, na plataforma Substack, que a sua sugestão para as pessoas é que “todos tenham em mãos o telefone de algum médico que faça tratamento de covid-19. E, na primeira suspeita, ligar”, disse.

Em fevereiro deste ano, a agência Aos Fatos identificou como falsa postagem nas redes sociais que reproduziu um texto dele.

Ao ser procurado pelo Comprova, ele respondeu afirmando: “Esse (conteúdo) o Estadão já veio atrás (…). O Estadão ignorou estudos e pegou a opinião de um ‘especialista’ para rebater”. Conforme publicado pelo Estadão Verifica, Filipe ameaçou processar o autor da checagem “caso fosse publicado algo que ‘pichasse’ seu nome ou ‘censurasse’ a postagem”.

Sobre o artigo, afirmou que “meta-análise é meta-análise”, complementando que o estudo em questão não foi feito em padrão Prisma, um conjunto mínimo de itens com base em evidências para relatar em revisões sistemáticas e meta-análises.

Questionado pelo Comprova sobre a eficácia do artigo compartilhado, Filipe disse: “Então, partindo do princípio de ‘carimbo’ de burocrata de alguma entidade, sendo que a Europa ou os Estados Unidos não aceitam a Coronavac, você vai concluir que ela [a pesquisa] ‘não é comprovada cientificamente?”

Conforme explicou essa verificação do Comprova, um artigo encaminhado por cientistas do Butantan, em abril de 2021, para a revista científica The Lancet mostrou que a eficácia da Coronavac para casos sintomáticos atingiu 50,7% com 14 dias de intervalo entre as duas doses.

Outro estudo feito pelo Instituto Butantan na cidade de Serrana, no interior de São Paulo, vacinou cerca de 75% da população adulta e constatou queda de 80% nos casos sintomáticos e de 86% nas internações, além da redução de mortes em 95%. Uma pesquisa, feita no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, apontou queda de 80% nos casos de covid-19 entre os 22 mil funcionários vacinados com a Coronavac.

Trecho do conteúdo publicado no Substack foi printado e compartilhado no perfil “Médicos pela Vida” no Instagram, que afirma defender a relação médico-paciente, assistência primária e o “tratamento precoce”. Na página, contudo, a postagem foi definida como parcialmente falsa pela plataforma.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal, eleições e pandemia, que viralizam nas redes, como é o caso da postagem aqui verificada, que teve mais de 16 mil interações no Facebook, 1.280 no Twitter e 1.145 no Instagram, conforme a ferramenta Crowdtangle. Esse conteúdo chegou até o Comprova por meio de um pedido realizado por Whatsapp por um leitor, que nos contactou através do número (11) 97045-4984. Os compartilhamentos ocorreram principalmente a partir de páginas bolsonaristas.

A disseminação de informações falsas ou enganosas sobre supostos tratamentos profiláticos para a covid-19 pode colocar a saúde das pessoas em risco, tanto pela exposição às substâncias não recomendadas para a doença, quanto pelo contato com o vírus ao se imaginarem protegidas.

Até o momento, as únicas formas comprovadas de se evitar a contaminação são o uso de máscaras, o distanciamento social e a higienização constante das mãos, assim como a vacinação.

Esse mesmo conteúdo foi analisado pelo Estadão Verifica e outros envolvendo a hidroxicloroquina já foram alvos de publicações do Comprova, como a que demonstrou que um médico engana ao afirmar que hidroxicloroquina é eficaz contra a covid, a que apontou que estudo com hidroxicloroquina não comprova eficácia do “tratamento precoce” e outra informando que estudos fraudados não deslegitimam artigos que comprovam ineficácia da cloroquina contra a covid.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-08-30

Deputada cita médico japonês para defender ivermectina, que não tem eficácia comprovada contra covid

  • Enganoso
Enganoso
Não há, até o momento, comprovação científica de que a ivermectina salve vidas de infectados pela covid-19, como afirma postagem de uma deputada no Instagram. Ela compartilha informação de que Haruo Ozaki, presidente da Associação Médica Metropolitana de Tóquio, defende o uso da ivermectina, mas o medicamento não é recomendado para essa finalidade no Japão.
  • Conteúdo verificado: Montagem no Instagram da deputada federal Bia Kicis afirma que o presidente da Associação Médica Metropolitana de Tóquio declarou que “chegou a hora da ivermectina”, referindo-se ao novo surto de covid-19 no Japão. Na legenda, a parlamentar sustenta que o “tratamento precoce também salva vidas”, mas substituindo as letras por números no termo “tratamento precoce”.

É enganosa a postagem feita pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) no Instagram afirmando que o tratamento precoce, um método que utiliza medicamentos sem eficácia comprovada cientificamente contra a covid-19, salva vidas.

A parlamentar postou uma montagem contendo print de um site afirmando que Haruo Ozaki, presidente da Associação Médica Metropolitana de Tóquio, defende o uso da ivermectina para tratar a doença. Ele, de fato, fez afirmações neste sentido, mas o medicamento não é aprovado para tratar covid-19 no Japão.

As principais agências reguladoras do mundo não recomendam o uso da substância para outro fim que não aquele especificado em bula. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que a substância seja usada para tratar covid-19 apenas em ensaios clínicos.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma que, até o momento, não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da covid-19.

A deputada foi procurada para falar sobre a postagem, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. Para o Comprova, enganoso é um conteúdo que usa dados imprecisos.

Como verificamos?

O Comprova iniciou a verificação buscando o site em que o texto mostrado no print da deputada foi publicado. Em seguida, utilizou o Google para buscar o perfil do presidente da Associação Médica Metropolitana de Tóquio em redes sociais e notícias de jornais japoneses, sendo usada também a grafia do nome dele na língua: はるお おざき.

Com o apoio da ferramenta de tradução do Google, analisou textos publicados após a coletiva, onde Haruo Ozaki fala sobre a ivermectina, além de postagens dele no Facebook. Não foi localizado vídeo com a entrevista original.

O Comprova consultou informações oficiais do governo japonês (1, 2 e 3) e dados relacionados à covid no país. Também procurou a lista de substâncias aprovadas para uso em pessoas infectadas e analisou outra, alimentada pelo Instituto Nacional de Doenças Infecciosas do Japão com pesquisas sobre a doença.

Pesquisou o que a comunidade científica apresenta até o momento em relação ao uso da ivermectina no combate à covid e também as recomendações da OMS e de agências reguladoras, além da orientação do fabricante do medicamento.

Também foram consultadas outras checagens sobre “tratamento precoce”, feitas pela Agência Lupa, Estadão Verifica e Comprova. Utilizando a ferramenta CrowdTangle foram conferidas as métricas de interações com o conteúdo publicado pela deputada.

O Comprova entrou em contato via e-mail com Bia Kicis, com o Ministério da Saúde japonês, com Haruo Ozaki e com a associação que ele representa, mas não teve qualquer retorno até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de agosto de 2021.

Verificação

O que defende Haruo Ozaki

O texto printado e compartilhado pela deputada federal foi publicado no dia 16 de agosto pelo Trial Site News, que veicula conteúdos defendendo o “tratamento precoce” com substâncias que não possuem eficácia comprovada contra a covid-19, como o antiparasitário ivermectina, além de criticar medidas de controle da pandemia impostas pelos governos, como o fechamento de estabelecimentos, e questionar a eficácia das vacinas.

Na publicação, o site afirma que Haruo Ozaki, presidente da Associação Médica Metropolitana de Tóquio, concedeu entrevista coletiva no dia 13 de agosto, falando do aumento de infecções no Japão, mas reconhecendo que a contagem de mortes diminuiu em comparação com os picos anteriores.

A entidade representada por Ozaki ganhou evidência mundial ao pedir que os Jogos Olímpicos de Tóquio fossem cancelados, alegando que os hospitais estavam sobrecarregados poucos meses antes da realização do evento.

Ao longo das Olimpíadas, o presidente da entidade figurou em diversas reportagens, inclusive no Brasil, como esta do Globo Esporte, esta do Correio Braziliense e esta da IstoÉ. Ele também é frequentemente ouvido por importantes veículos de comunicação japoneses e foi citado pela governadora da Metrópole de Tóquio, Yuriko Koike.

O texto não fornece qualquer link à entrevista original e acrescenta que Haruo afirmou ser hora de dar sinal verde aos médicos para prescreverem ivermectina, com o consentimento do paciente, mesmo entendendo que os ensaios clínicos são importantes. Ainda conforme o site, Ozaki declarou que a ivermectina demonstrou benefícios significativos na redução de infecções e mortes em locais onde é administrada profilaticamente.

O Comprova localizou a entrevista a partir do site da associação, onde também foram disponibilizados os slides utilizados por Ozaki e onde consta a defesa do uso emergencial de agentes terapêuticos como a ivermectina para prevenção do agravamento do novo pico de infecções no Japão.

Para justificar essa defesa, o presidente da associação apresenta um quadro com informações, segundo ele baseadas em dados da OMS, sobre países que supostamente administram ivermectina para erradicar doenças tropicais. Em seguida, compara números da covid nesses países com os apresentados por países que não estariam utilizando o medicamento.

Acontece que não é feita qualquer especificação sobre que países estão sendo utilizados como base da análise. O slide apenas afirma que 32 países que somam 935 milhões de pessoas e administram o medicamento tiveram 21.259 mortes de covid, enquanto foram registradas 104.826 mortes em outros 22 países que não usam o medicamento e que juntos somam 358 milhões de habitantes. O quadro fica em evidência entre 12’57” e 15’21” do vídeo. Um print com o mesmo conteúdo foi publicado no Facebook de Ozaki.

O Comprova localizou publicações referentes a uma entrevista coletiva em 9 de fevereiro de 2021 onde Haruo Ozaki afirma ser permitido o uso off-label – quando o médico receita um medicamento para finalidades que ainda não constam na bula – de ivermectina e dexametasona (um corticoide com potente ação anti-inflamatória), afirmando querer que o governo considerasse a utilização emergencial por médicos da família.

Em outra entrevista no dia 13 de agosto de 2021, data que é citada no texto compartilhado pela deputada, ele afirmou ser necessário estudar exaustivamente os ensaios clínicos, mas disse acreditar que o país está em um estágio de contaminações em que seria normal o paciente obter permissão para usar o medicamento.

Seis dias depois, em 19 de agosto, compartilhou também no Facebook entrevista concedida ao jornal Yomiuri, na qual defende novamente o uso da ivermectina, declarando existirem muitas pesquisas apontando que a ivermectina é eficaz na prevenção e tratamento da doença.

Um dos estudos citados por ele, contudo, foi analisado por agências de checagem de fatos. No Brasil, tanto a Lupa quanto Aos Fatos abordaram a análise da FLCCC (Front Line Covid-19 Critical Care Alliance), um grupo de médicos americanos favoráveis ao “tratamento precoce”. O resultado defendeu que a ivermectina é eficaz contra o coronavírus, mas as verificações apontaram que a meta-análise não seguiu metodologia adequada.

Na mesma entrevista, Ozak cita também a segunda edição do Guia para o Tratamento da Infecção por Coronavírus (COVID-19) do Ministério da Saúde japonês, de 18 de maio de 2020, afirmando ter sido emitida uma notificação que aprova o tratamento como “off label”.

A quinta edição do guia médico, disponibilizada no site do Ministério de Saúde do governo japonês e elaborada com base nas informações de 29 de julho de 2021, possui uma seção destinada ao uso off-label de medicamentos disponíveis no Japão e informa uma lista de remédios cuja eficácia e segurança não foram estabelecidas para o tratamento de covid-19.

Entre eles, está a ivermectina, definida no documento como medicamento antiparasitário. Conforme o texto, atualmente, um ensaio clínico está sendo conduzido com a substância. O Comprova localizou um estudo duplo-cego sendo realizado no Japão em pacientes de covid-19 utilizando a ivermectina. Iniciada em outubro de 2020, a pesquisa está em fase de recrutamento de voluntários.

O guia médico cita, ainda, que uma meta-análise recente – com 10 ensaios clínicos randomizados onde o tratamento com ivermectina foi usado em pacientes leves em comparação com o tratamento padrão ou placebo – relatou não ter havido melhora da mortalidade, do tempo de internação e do tempo de desaparecimento do vírus.

Um homem que se identifica como médico comentou uma das publicações de Ozaki no Facebook, pedindo calma e criticando a entrevista, afirmando ser importante aguardar pelo menos a análise dos ensaios clínicos antes de falar da aplicação da ivermectina. Ozaki respondeu estar propondo isso como uma das medidas para o progresso simultâneo da situação. “É uma emergência, não um momento normal, então acho melhor aumentar o número de armas que podem lutar até mesmo um pouco (…) Obviamente, também pedimos ao PMDA (Agência Farmacêutica e de Dispositivos Médicos do Japão) que se preparasse para o ensaio clínico”.

O Comprova enviou uma mensagem para Ozaki via Facebook, solicitando uma entrevista, mas não recebeu resposta. Procurou, também, a Associação Médica Metropolitana de Tóquio e o Ministério da Saúde japonês, sem receber retorno até a publicação desta reportagem.

Covid-19 no Japão

No início de agosto, o Japão alertou que as infecções pelo novo coronavírus estavam aumentando em um ritmo sem precedentes no país, informando que a variante Delta estava levando a uma disseminação de infecções não vista antes.

Nesta semana, o governo expandiu o estado de emergência pela segunda semana seguida. O auge da nova onda de contágios coincidiu com a celebração dos Jogos Olímpicos. Atualmente, o Japão sedia também os Jogos Paralímpicos.

O número médio de novas infecções tem aumentado consistentemente, com uma média maior que 23 mil novas infecções relatadas diariamente. O número de mortes também voltou a subir, sendo registradas 45 no dia 25 de agosto, embora não alcance o pico anterior, em 3 de junho, quando 112 pessoas morreram pela doença.

 

| Fonte: Reuters Covid Tracker (captura de tela feita em 30 de agosto de 2021)

A versão de agosto de um documento mantido pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão e voltado à população com conhecimentos atualizados sobre a pandemia em nenhum momento recomenda tratamento precoce ou o uso da ivermectina para combater a doença.

O texto destaca que no caso leve de covid geralmente há melhora espontânea apenas com acompanhamento e, se necessário, é administrado tratamento sintomático, como antitérmico, por exemplo.

Se houver insuficiência respiratória, é recomendada a administração de oxigênio, drogas antivirais, drogas esteróides (que suprimem a inflamação) e imunomoduladores, podendo ser administrado anticorpo neutralizante (remdesivir, dexametasona, baricitinibe e ronaprida – aprovado em 19 de julho de 2021). Caso não haja melhora, a recomendação são os cuidados intensivos com respirador.

Conforme o documento, a porcentagem de pessoas que necessitam de cuidados intensivos ou morrem é de cerca de 1,6% (0,3% para os de 50 anos ou menos e 8,5% para os de 60 anos ou mais).

A Agência de Medicamentos do Japão (PMDA) mantém um quadro com produtos que foram aprovados para covid-19 pelo Ministério da Saúde japonês após março de 2020, com revisão científica prévia da agência de medicamentos. Nele constam o antiviral remdesivir e o baricitinib, um medicamento desenvolvido para o tratamento da artrite reumatóide.

| Fonte: PMDA – Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (Captura de tela feita em 30 de agosto de 2021)

O site também apresenta uma página com artigos que são considerados úteis para medidas de saúde pública no Japão e que é atualizada uma vez por semana, ficando em destaque os publicados mais recentemente. O último listado em relação à ivermectina é uma metanálise de 14 estudos envolvendo a droga que concluiu não haver certeza sobre a eficácia e segurança da ivermectina usada para tratar ou prevenir covid-19.

Pandemia e informações falsas

Na postagem feita no Instagram, Bia Kicis grafou o termo “tratamento precoce” substituindo algumas letras por números (tr4t4m3nt0 pr3c0c3). Defensores de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19 têm utilizado formas não convencionais para se referirem às substâncias ou ao assunto.

A prática atrapalha a vigilância de plataformas como Twitter, Facebook e Instagram, que removem ou sinalizam postagens que contenham informações falsas, e o monitoramento desses conteúdos por agências de checagem e verificação. O Comprova questionou a deputada sobre o motivo de ter feito a substituição, mas não recebeu resposta.

Ao buscar o termo no Google com a grafia utilizada por Bia Kicis foi possível encontrar a utilização dela em sites frequentemente associados à reprodução de informações falsas e enganosas, além de perfis no Twitter, Instagram e Facebook. Há uma variável também para o termo “tratamento preventivo” (tr4t4m3nt0 pr3v3nt1v0).

Na semana que passou, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes aceitou o pedido de senadores da CPI da Pandemia, instalada no Senado em abril deste ano para apurar ações e omissões do governo federal no enfrentamento da crise sanitária no Brasil, para compartilhar informações sobre o inquérito das fake news.

O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, declarou que conteúdos falsos em relação à propagação de medicamentos que não foram comprovados cientificamente e contribuíram com a morte de brasileiros e brasileiras devem ser analisados pela comissão.

Eficácia da ivermectina contra a covid-19 não foi comprovada

O primeiro estudo voltado para testar a eficácia da ivermectina em casos de covid-19 foi publicado em março de 2020. O resultado foi satisfatório, no entanto os testes da pesquisa foram feitos in vitro, não podendo ser igualados aos resultados in vivo, ou seja, em seres humanos. De acordo com o estudo, para que o efeito em humanos seja semelhante ao encontrado in vitro, a dosagem do medicamento deveria ser 18 vezes maior.

Em junho, o Comprova checou informações sobre a alta dosagem do medicamento e entrou em contato com o hepatologista Raymundo Paraná, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador do núcleo de pesquisa em Hepatologia do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (HUPES/UFBA). Na oportunidade, Raymundo reforçou que atendia pacientes com lesões no fígado por conta do uso indiscriminado da ivermectina, e alertava que a quantidade metabolizada no fígado ou filtrada nos rins não torna o medicamento seguro, ou mesmo eficaz, contra a covid.

Desde a publicação dessa primeira pesquisa, outros estudos foram publicados na intenção de avaliar o resultado da ivermectina em pessoas com covid. Nenhuma das pesquisas publicadas até o momento comprovaram a eficácia do medicamento no tratamento da doença.

Um estudo realizado em março deste ano pela Journal of the American Medical Association (JAMA) avaliou a eficácia da ivermectina em pacientes com sintomas leves e concluiu que “o uso do medicamento não melhorou significativamente o tempo de resolução dos sintomas. Os resultados não apoiam o uso de ivermectina para o tratamento de covid leve”.

Em fevereiro de 2021, a farmacêutica MSD (Merck Sharp and Dohme), que produz a ivermectina, afirmou que ainda não há evidências de que a medicação seja eficaz no tratamento da covid-19.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que a ivermectina seja usada para tratar covid-19 apenas em ensaios clínicos. Assim como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que em nota atualizada em abril deste ano informa que “até o momento, não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da covid-19 no Brasil. Nesse sentido, as indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento”.

Em março deste ano, o Governo Federal disponibilizou no portal uma nota técnica sobre o uso do antiparasitário no tratamento da doença. A conclusão apresentada no material é que “os resultados desta síntese não parecem ser suficientes para suportar recomendação de uso da ivermectina no tratamento de pacientes com covid-19, sendo que a recomendação da OMS para que a ivermectina seja utilizada, apenas, em protocolos de pesquisa clínica parece estar adequada”.

No último dia 21, a Food and Drug Administration, agência reguladora dos Estados Unidos, publicou um tuíte compartilhando a própria recomendação contra a utilização de ivermectina para tratar a covid acompanhada da legenda “Você não é um cavalo. Você não é uma vaca. Sério, pessoal. Pare com isso”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Projeto Comprova checa conteúdos de redes sociais sobre políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia que alcancem uma grande quantidade de visualizações, reações e compartilhamentos.

A publicação no Instagram da deputada Bia Kicis teve quase 96 mil curtidas até esta segunda-feira (30) e quase três mil comentários, de acordo com a plataforma CrowdTangle. Também no Twitter alguns usuários publicaram o link da postagem no Instagram em suas contas. Já a publicação original do site que aparece no print da deputada teve mais de três mil reações no Facebook e foi tuítada 84 vezes.

Conteúdos que promovem a ideia de que existe um tratamento precoce eficaz ou uma medicação específica para o combate à covid-19 podem levar a população a pôr a saúde em risco. Além disso, esses conteúdos tendem a enfraquecer a adesão à vacinação, principal forma de combate à pandemia.

A Agência Lupa publicou em março deste ano uma verificação que comprovou serem falsas pesquisas que diziam comprovar a eficácia da ivermectina no tratamento de pessoas com covid-19 ou como tratamento precoce da doença. Também em março o Estadão Verifica comprovou ser falsa análise enviesada e com erros técnicos feita por site para comprovar eficácia da ivermectina contra covid-19.

O Comprova também já esclareceu diversos conteúdos sobre o uso do antiparasitário como, por exemplo, que é enganoso estudo que afirma comprovar a eficácia do medicamento contra covid-19 e que é enganosa postagem que afirma que a ivermectina é segura quando tomada em altas doses.

Enganoso, para o Comprova, é um conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-08-27

Vacinas são eficazes contra variante delta, ao contrário do que diz médico

  • Enganoso
Enganoso
Em vídeo no Instagram, o médico Roberto Zeballos faz diversas afirmações incorretas sobre a covid-19. Entre elas, que as vacinas não funcionam contra a variante delta e que crianças não desenvolvem a doença nem a transmitem. Já há estudos mostrando que os imunizantes funcionam, sim, contra a cepa, e que crianças de todas as idades transmitem o vírus – menos, mas transmitem.
  • Conteúdo verificado: Vídeo postado pelo médico Roberto Zeballos no Instagram com informações enganosas sobre a pandemia, como a de que as vacinas não têm eficácia contra a variante delta.

São enganosas as afirmações do médico Roberto Zeballos em vídeo postado em seu perfil no Instagram em 10 de agosto sobre a covid-19. Já na legenda ele minimiza a importância da variante delta ao escrever que ela “é pouco agressiva”. Identificada no Brasil em maio, ela já matou ao menos 50 pessoas por aqui. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela circula em mais de 111 países e pesquisas mostram que ela tem nível de transmissibilidade cerca de 50% maior do que as variantes anteriores do Sars-CoV-2.

Ainda sobre a delta, Zeballos também erra ao dizer que as vacinas disponíveis até agora não funcionam contra ela. É verdade que os imunizantes foram desenvolvidos quando a variante ainda não circulava, mas eles são, sim, eficazes contra a delta. “É importante ressaltar que todos os agentes imunizantes disponíveis para aplicação no Brasil são eficazes contra a delta, principalmente nas formas mais graves da doença”, informa o Ministério da Saúde.

Outra desinformação dita pelo médico no vídeo é a de que crianças não desenvolvem a covid-19 e não a transmitem. Embora transmitam menos do que os adultos, elas transmitem – como informa o Centro de Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, elas “podem ser infectadas, podem ficar doentes e podem espalhar o vírus para outras pessoas”.

Procurado, Zeballos afirmou ter sido “o primeiro brasileiro a entender o mecanismo da doença” e declarou que “não tem sentido você vacinar com uma vacina que não é livre de riscos – todo mundo sabe disso – nas pessoas que já tiveram a doença”, mas, completou que “talvez as pessoas tenham o benefício de ter uma doença mais leve”.

O Comprova considerou a publicação do médico enganosa porque ele usa dados incorretos ou imprecisos sobre a variante delta e sobre a vacinação.

Como verificamos?

Depois de assistir ao vídeo, o Comprova buscou informações a respeito da variante delta do coronavírus em órgãos reguladores oficiais, como o CDC, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) para as Américas, o Ministério da Saúde do Brasil, farmacêuticas e institutos produtores de vacina, além da imprensa.

Para verificar informações sobre a vacinação nos três países citados por Zeballos – Islândia, Itália e Alemanha –, foram consultadas informações sobre a aplicação dos imunizantes na plataforma Our World in Data, mantida por pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e ainda nos sites oficiais de governo dos três países.

Também foram consultados documentos oficiais sobre a aplicação de vacinas em pessoas que já tiveram a covid-19 tanto na Itália quanto na Alemanha. Os ministérios da Saúde dos dois países foram consultados por e-mail.

Por fim, o Comprova entrou em contato com o médico Roberto Zeballos, autor do vídeo, por WhatsApp. Ele respondeu por áudio.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 27 de agosto de 2021.

Verificação

A variante delta

No vídeo, Zeballos declara que a delta “é menos agressiva do que a primeira (variante)” e que, por isso, “vai dar para tratar todo mundo em casa”. Ambas as afirmações são enganosas.

Segundo o CDC, “dados sugerem que a variante delta pode causar doenças mais graves do que as cepas anteriores em pessoas não vacinadas” e que “em dois estudos diferentes do Canadá e da Escócia, os pacientes infectados com essa variante eram mais propensos a serem hospitalizados do que os pacientes infectados com a alfa ou as cepas originais do vírus”.

O órgão ressalta que, diferentemente das cepas anteriores, que produziam menos vírus em pessoas totalmente vacinadas em relação às não imunizadas, a delta “parece produzir a mesma alta quantidade de vírus” nos dois casos – e, como as outras variantes, a quantidade de vírus da delta diminui mais rapidamente nos pacientes que se vacinaram.

Em 27 de junho, o Brasil registrou a primeira morte em decorrência dela e, em 20 de julho, o país já registrava cinco óbitos, segundo o Ministério da Saúde – ressaltando que a cepa foi identificada pela primeira vez por aqui em maio. Em 25 de agosto, já eram 50 óbitos, mas o número pode estar subestimado, já que a identificação desta variante depende de sequenciamento genético.

Sobre a afirmação de que “vai dar para tratar todo mundo em casa”, não é o que mostra documento de 8 de agosto divulgado pela Opas, da OMS. Nele, o órgão informa que “em nível global, se observam vários países com aumento de casos e de hospitalizações, com a emergência da variante de preocupação delta” e que “estudo recente no Reino Unido estimou que o risco de internação hospitalar foi aproximadamente dobrado naqueles com a delta quando comparado à alfa”. E, como escreveu o médico Drauzio Varella na Folha em 30 de junho, “a necessidade de hospitalização está diretamente ligada ao aumento da mortalidade”.

A variante e a vacina

Outra desinformação dita por Zeballos é quando ele questiona por que vacinar com um produto que é “para o primeiro vírus” e relaciona a imunização a enxugar gelo no caso da delta.

Os imunizantes realmente foram desenvolvidos quando a delta ainda não circulava, mas, diferentemente do que ele diz, a variante não é um segundo vírus, mas, sim, uma mutação do vírus original, como informa reportagem da Folha. Em resposta ao Comprova, o médico disse não ter dito que eram vírus diferentes.

Já está provado que as vacinas em uso em diversos locais, inclusive no Brasil, são eficazes contra essa variante. De acordo com o Instituto Butantan, que produz a Coronavac em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, por exemplo, a vacina “é eficaz contra casos graves de covid-19 causados pela delta”.

Na semana passada, um estudo da Universidade de Oxford, na Inglaterra, concluiu que as vacinas da Pfizer e da AstraZeneca – que no Brasil tem parceria com a Fiocruz – são eficazes contra a variante delta, embora a proteção tenda a cair com o tempo, como mostrou essa matéria do Estadão.

Já um estudo feito na África do Sul, com resultados divulgados no início do mês, apontou que a vacina da Janssen, de dose única, reduziu em 71% as internações de pessoas infectadas com a variante delta e diminuiu as mortes em 95%.

As crianças

Como crianças “não evoluem com a doença” e “não são transmissoras”, “não tem sentido vacinar”, desinforma, novamente, Zeballos, no trecho final do vídeo.

É verdade que os estudos, até agora, indicam que elas transmitem menos, mas transmitem. A pesquisa “A dinâmica da infecção por Sars-CoV-2 em crianças e contatos domiciliares em uma favela no Rio de Janeiro”, da Fiocruz, da Universidade da Califórnia e da London School of Hygiene and Tropical Medicine, por exemplo, indica que elas mais frequentemente são infectadas por adultos do que atuam como transmissoras.

Já um outro estudo, publicado no dia 16 na revista científica Journal of the American Medical Association (Jama), revela que bebês de 0 a 3 anos apresentam mais chance de transmitir o Sars-CoV-2 em casa do que adolescentes de 14 a 17 anos.

Mas, como informa o CDC, elas “podem ser infectadas, podem ficar doentes e podem espalhar o vírus para outras pessoas”.

Dizer que elas não evoluem com a doença também é uma desinformação perigosa, pois não se pode generalizar. De acordo com documento da Unicef, “crianças de qualquer idade podem ficar doentes com covid-19” e, “embora crianças e adultos apresentem sintomas semelhantes, as crianças geralmente apresentam doenças menos graves do que os adultos”.

Elas podem, inclusive, e infelizmente, morrer da doença. Segundo o CDC, 271 óbitos entre pessoas de 5 a 17 anos e 120 entre aquelas de 0 a 4 anos foram relatados ao Centro Nacional de Estatísticas de Saúde dos Estados Unidos até 7 de julho de 2021.

Outro dado: levantamento do Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 indica que houve mais de 10 mil casos graves da doença e 846 óbitos de crianças de até dois anos no Brasil entre março de 2020 e 11 de julho de 2021 – um terço dos bebês que morreram não tiveram acesso a tratamento adequado.

Sobre as vacinas, por ora, elas estão sendo aplicadas em adolescentes de 12 a 17 anos em vários países, inclusive no Brasil – o estado de São Paulo, por exemplo, começou a imunizar esta faixa etária neste mês com a Pfizer (cujo uso para menores de idade foi autorizado pela Anvisa).

Em crianças menores, apenas a China está aplicando. Por lá, estão sendo imunizadas com a Coronavac pessoas a partir de 3 anos, mas não há dados de quantas crianças já receberam as doses.

No Brasil, a Anvisa negou no dia 18 o aval para o uso da Coronavac em crianças e adolescentes de 3 a 17 anos – técnicos disseram que faltam dados para confirmar a segurança e eficácia nesta faixa etária, e a decisão pode ser revista.

Vacinação e novos casos na Islândia

No vídeo, Zeballos afirma que a Islândia “vacinou todo mundo” e que 77% dos novos casos no país são em pessoas vacinadas. Embora a Islândia já tenha vacinado um percentual elevado de sua população, não é possível dizer que o país tenha vacinado “todo mundo”.

Segundo dados da plataforma Our World in Data, a Islândia aplicou pelo menos uma das doses de vacina em 81,24% da população. Os dados foram atualizados no dia 26 de agosto. Também segundo a plataforma, 76,7% dos habitantes do país receberam as duas doses e 4,54% receberam apenas a primeira dose do imunizante.

Já os dados divulgados diretamente na página do governo da Islândia informam que, até o dia 27 de agosto, 72% de toda a população do país estava completamente vacinada. Quando considerados os habitantes maiores de 12 anos, esse percentual subiu para 84%.

Sobre a afirmação de que 77% dos novos casos de covid-19 na Islândia são de pessoas vacinadas, ele não informa uma data de referência para esse percentual. No dia 10 de agosto, quando o vídeo foi publicado, 84 novos casos foram registrados no país – 60,7% (51) eram de pessoas totalmente vacinadas, informa um painel estatístico alimentado pelo governo islandês.

Neste dia, não foram registrados casos em pessoas que tinham recebido apenas a primeira dose da vacina. Pessoas não vacinadas eram 39,2% (33) do total de novos casos neste mesmo dia.

Considerando todos os novos casos do mês de agosto até o dia 10, o percentual de diagnósticos em pessoas completamente vacinadas foi de 61,8%. Nesse período, o único dia em que a Islândia teve um percentual de 77% de novos casos em pessoas vacinadas foi no dia 1º de agosto (51 dos 66 novos casos).

Contudo, como o Comprova já mostrou em outra verificação, quando a maioria das pessoas em um determinado lugar já está vacinada, é esperado que a maior parte das infecções ocorra entre este público. Quem explica isso é Muge Cevik, professor clínico de doenças infecciosas e virologia médica na Universidade de St. Andrews.

Vacinação para quem já teve covid-19 na Itália e Alemanha

Ao falar sobre a vacinação de pessoas que já tiveram a doença, Zeballos recomenda que essas pessoas não busquem se vacinar imediatamente e cita os casos da Itália e da Alemanha, afirmando que, nestes dois países, só é recomendada a aplicação de uma dose da vacina para quem já foi infectado pelo coronavírus, entre seis e doze meses após a infecção. Antes disso, o médico afirma que há uma suspeita de que a resposta imunológica “pode estar fazendo mais mal do que bem”.

De fato, Itália e Alemanha recomendam a aplicação de uma só dose da vacina em pessoas que já tiveram covid-19, mas há uma diferença no prazo recomendado pelos alemães. Além disso, os dois países fazem uma ressalva nessa recomendação para casos de pessoas com imunodeficiência e nenhum deles afirma que a vacina pode ser prejudicial para quem já contraiu a doença.

A recomendação da Itália por uma única dose para pessoas que já tiveram covid-19 foi atualizada no dia 21 de julho. A informação consta em uma circular assinada pelo diretor-geral de prevenção do Ministério da Saúde italiano, o médico Giovanni Rezza. De acordo com o documento, a dose única deve ser tomada no mínimo seis meses após a infecção e no máximo 12 meses após a cura. O documento segue a mesma linha de outra recomendação feita pelo mesmo Ministério da Saúde no dia 3 de março de 2021, mas com uma alteração nos prazos. O documento anterior dizia que esta dose única deveria ser tomada entre três meses após a infecção e seis meses após a cura.

Em ambas as recomendações há um adendo: pessoas com imunodeficiência devem seguir normalmente o esquema vacinal e não se aplicam à recomendação de uma dose única do imunizante. A circular também informa que, assim como recomenda a OMS, a realização de testes sorológicos para contagem de anticorpos não devem ser usados como referencial para tomada de decisão sobre se vacinar.

No dia seguinte ao anúncio da Itália, a CNN ouviu o infectologista Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), que atribuiu a decisão a uma escassez de vacinas, como uma tentativa de melhorar a cobertura vacinal.

O Comprova procurou o Ministério da Saúde da Itália para saber por que a aplicação de uma única dose foi adotada no país para pessoas que já tiveram covid e se há alguma relação com um eventual malefício provocado pela resposta imune, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Por e-mail, o Ministério da Saúde da Alemanha também confirmou que o país recomenda a aplicação de uma só dose do imunizante em pessoas que já tiveram a covid-19. Na Alemanha, as decisões a respeito da pandemia são tomadas pelo Instituto Robert Koch (RKI). Já as recomendações sobre vacinação ficam a cargo de um painel independente de especialistas chamado Comitê Permanente de Vacinação (STIKO).

Diferente dos prazos apontados pela Itália, os alemães com infecções sintomáticas podem tomar uma dose da vacina a partir de quatro semanas após o fim dos sintomas. Já aqueles com infecção assintomática podem se vacinar a partir de quatro semanas após o diagnóstico por laboratório. Quem já se vacinou e contraiu a covid-19 após a imunização deve, geralmente, tomar uma segunda dose da vacina seis meses após o fim dos sintomas ou do diagnóstico.

O Ministério da Saúde alemão explica por que considera que uma só dose é suficiente em quem já teve a doença: “Devido à imunidade existente após infecção anterior, uma dose é suficiente, pois já pode atingir altas concentrações de anticorpos, que não são ainda mais aumentadas por uma segunda dose de vacina”. Em nota, o ministério afirma que não é possível dizer, ainda, se duas doses não serão necessárias posteriormente. Sobre pessoas imunodeprimidas, afirma que é necessário analisar “caso a caso”.

O ministério negou que a decisão tenha a ver com um eventual malefício provocado pela resposta imunológica. “No geral, os resultados do estudo disponíveis até agora não indicam que a vacinação após uma infecção pelo Sars-CoV-2 seria problemática ou associada a perigos. Isso se aplica à segurança, eficácia e tolerabilidade da vacinação. Os estudos de aprovação das duas vacinas de mRNA [RNA mensageiro, como a Pfizer e a Moderna] também incluíram participantes que já haviam sido submetidos à infecção pelo Sars-CoV-2 com antecedência”, diz a nota.

O médico

Conteúdos divulgados por Zeballos já foram alvo de checagens do Comprova na pandemia. A mais recente é de 5 de agosto, sobre material enganoso que usava supostos dados do Ministério da Saúde de Israel para afirmar que pessoas infectadas pela covid-19 estão sete vezes mais protegidas do que aquelas que não tiveram a doença e foram imunizadas com a vacina da Pfizer.

Ele respondeu a reportagem com um áudio no WhatsApp reafirmando as falas do vídeo no Instagram. Citou a crise de Manaus, dizendo que, na época, “vacinados, não vacinados… eram casos graves”, mas o caos no estado amazonense começou em dezembro e se agravou em janeiro – os imunizantes só começaram a ser aplicados no Brasil em 19 de janeiro.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que viralizam nas redes. O vídeo verificado aqui teve mais de 189 mil curtidas no Instagram desde que foi postado, no dia 10 de agosto.

Conteúdos que tentam desacreditar as vacinas ou minimizar os riscos da pandemia são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.

O Comprova já publicou diversos conteúdos sobre imunização e variante delta, como, por exemplo, que é enganoso post que afirma que o CDC e Anthony Fauci não acreditam na vacina, que médica engana ao afirmar que vacinas são experimentais, que site antivacina inventa dado sobre efeito colateral em crianças imunizadas com Pfizer e que médica usa dados fora de contexto de hospital de Israel para acusar CDC de mentir sobre covid em pessoas não vacinadas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações ou que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.