O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2021-05-17

Deputado usa vídeo editado e fora de contexto para afirmar que governador admite uso da cloroquina no Ceará

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo postado pelo deputado Capitão Wagner Sousa (PROS/CE), com declaração do governador do Ceará, Camilo Santana (PT), foi editado e tirado de contexto. Conteúdo original é de 2020 e trechos que viralizaram agora não comprovam que o governo cearense admite uso da cloroquina. Não existe recomendação de prescrição rotineira ou de uso domiciliar de cloroquina no estado.
  • Conteúdo verificado: Um vídeo publicado no Instagram mostra o governador cearense, Camilo Santana (PT), afirmando que a cloroquina está no protocolo do Ceará e que todas as decisões tomadas pelo estado estão pautadas nas questões técnicas e científicas. Uma tarja no vídeo tem o seguinte texto: “Camilo Santana admite uso da cloroquina no Ceará. E agora?”. O autor da postagem questiona: “Vai depor na CPI da Pandemia no Senado também?”

É enganosa a postagem feita pelo deputado federal Capitão Wagner (PROS/CE), no dia 16 de maio de 2021, segundo a qual o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), teria admitido o uso da cloroquina no tratamento da covid-19 no Ceará. O vídeo, de 12 segundos, engana ao usar trechos recortados e descontextualizados de uma gravação do governador publicada no Instagram em 18 de maio de 2020.

No vídeo original, Camilo Santana menciona o protocolo para uso da medicação no estado à época da publicação e reforça a inexistência de evidências científicas que justificassem a adoção da substância. No vídeo verificado aqui, trechos de frases são recortados e unidos para dar a entender que o governador garantiu o uso da cloroquina. O Governo do Ceará, em nota divulgada no dia 16 de maio, afirma que o vídeo é uma montagem, com falas usadas fora de contexto.

Como verificamos?

Primeiramente o Comprova buscou nos perfis oficiais no Instagram e Facebook do Governo do Ceará, da Secretaria de Saúde do Estado e do governador Camilo Santana, vídeos recentes nos quais o gestor aparecesse e houvesse alguma menção ao uso da cloroquina no tratamento da covid no estado. Não foi registrado nada do tipo.

Em paralelo, foi feita uma pesquisa no Google sobre protocolo de uso do remédio no Ceará na pandemia. Os documentos oficiais encontrados foram publicados em 30 de maio de 2020, 17 de abril e 23 de abril de 2020. Com isso, foi feita uma nova busca nos perfis mencionados, nas publicações dos meses em questão. Assim, o Comprova chegou ao vídeo original, publicado no dia 18 de maio de 2020, no Instagram de Camilo Santana.

Pelas informações do vídeo, constatamos que o material foi exibido durante uma live promovida por Santana, com duração de 12 minutos e 31 segundos, na data publicada. Ao ouvir a gravação foi possível identificar trechos utilizados no vídeo publicado pelo deputado.

Em seguida, o Comprova entrou em contato com o Governo do Ceará, via WhatsApp, ligação e por e-mail. A assessoria confirmou a veracidade do vídeo, mas acrescentou, por meio de nota oficial, que a versão editada – que circula nas redes sociais – está fora de contexto. A assessoria também enviou, por email, uma das notas técnicas emitidas pela Secretaria de Saúde do Ceará, no dia 30 de maio de 2020.

O Comprova também procurou o deputado Capitão Wagner Sousa. A assessoria de imprensa informou, por meio de nota no WhatsApp, que o post foi uma crítica “sobre a fala dúbia do Governo do Ceará sobre a utilização do medicamento em questão, independente se o vídeo é de 2020”. A equipe de comunicação do parlamentar informou ainda ter “responsabilidade com as informações postadas como também coerência sobre o que defendem”. Após o contato da equipe de verificação a legenda do post foi alterada duas vezes.

O Comprova fez esta verificação com base em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de maio de 2021.

Verificação

Vídeo original x vídeo manipulado

O vídeo original do governador Camilo Santana é de um live feita no dia 18 de maio de 2020 e transmitida pelos perfis do gestor no Facebook e no Instagram. O vídeo real foi publicado no perfil oficial de Camilo Santana (@camilosantanaoficial) no Instagram na mesma data. A gravação original tem duração de 12 minutos e 31 segundos.

Na publicação, Camilo fala de algumas ações referentes ao combate à pandemia e, dentre elas, um decreto estadual que, à época, tratava das medidas de isolamento social no Ceará.

Na gravação original, aos 10min28, o governador menciona o uso da cloroquina. Ele diz: “Uma outra polêmica também que tem surgido, aliás com muita fake news, muita fake news nas redes sociais, é a questão do uso da cloroquina. Cloroquina é um medicamento que ainda não tem comprovação científica, comprovada no mundo inteiro”.

Camilo também afirma: “Quero dizer que o estado não utiliza a cloroquina. A cloroquina está no protocolo do estado do Ceará, agora, ela só é utilizada com a recomendação do médico. Só com a autorização do médico é que é utilizada a cloroquina para os seus pacientes. Então, deixar muito claro que todas as decisões que o estado tem tomado são pautadas nas decisões técnicas e científicas. Não há política. Aliás, eu acho que a política tem que estar fora de qualquer contexto nesse momento de enfrentamento à pandemia”.

Já o vídeo publicado pelo deputado federal Capitão Wagner, no dia 16 de maio de 2021, em seu Instagram (@capitaowagnersousa), tem duração de 12 segundos, e nele é possível ouvir trechos recortados do vídeo original do governador.

Na publicação editada e descontextualizada, Camilo supostamente disse apenas: “A cloroquina está no protocolo do estado do Ceará. Deixar muito claro que todas as decisões que o estado tem tomado são pautadas nas decisões técnicas e científicas”. No vídeo manipulado é possível perceber um corte brusco de edição entre a finalização de uma frase do governador e o início da outra.

Na primeira legenda da postagem, há a seguinte frase: “Vai depor na CPI da Pandemia no Senado também?”.

Após o contato feito pela equipe do Comprova, a legenda foi alterada, na tarde do dia 17 de maio de 2021, para: “Repostamos novamente este vídeo, para frisar que, em virtude do tema que voltou à tona, existe uma tentativa de criminalização do Ministério da Saúde por recomendar os uso da Cloroquina, sendo que, os próprios governadores incluíram no auge da pandemia o medicamento em seus protocolos. Camilo Santana governador do Ceará, Flávio Dino governador do Maranhão, João Doria, Governador de São Paulo, dentre outros. Vai depor na CPI da Pandemia no Senado também?”.

Horas depois, ainda no dia 17 de maio de 2021, uma nova legenda foi postada: “Esse vídeo é apenas uma crítica sobre a fala dúbia do Governo do Ceará sobre a utilização do medicamento em questão, independente se o vídeo é de 2020. O tema voltou à tona com as discussões da CPI da Pandemia no Senado. Existe uma tentativa de criminalização do Ministério da Saúde por recomendar o uso da Cloroquina, sendo que os próprios governadores incluíram no auge da pandemia o medicamento em seus protocolos. Camilo Santana, governador do Ceará, Flávio Dino, governador do Maranhão, João Doria, Governador de São Paulo, dentre outros. Temos responsabilidade com as informações postadas, como também coerência sobre o que defendemos”.

Protocolo de uso da cloroquina no Ceará

O Comprova entrou em contato nesta segunda-feira (17) com a Secretaria da Saúde do Ceará, que informou, por meio de nota enviada por e-mail, que nunca existiu recomendação de prescrição rotineira ou de uso domiciliar de cloroquina no estado.

No site oficial da Secretaria, há três notas técnicas publicadas em 30 de maio de 2020, 17 de abril e 23 de abril de 2020 sobre o uso dos medicamentos hidroxicloroquina e cloroquina durante a pandemia no Ceará.

Na do dia 30 de maio, a secretaria informa que “considerando as melhores evidências científicas disponíveis até a data da publicação desta nota, a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará não recomenda a prescrição rotineira de antimaláricos para pacientes ambulatoriais e hospitalizados com diagnóstico suspeito ou confirmado de COVID19”.

Contudo, acrescenta a nota, “sendo o ato médico de responsabilidade maior deste profissional, não cabe ao Estado constranger a decisão médica quanto à referida prescrição. Os profissionais de saúde têm como prerrogativa, segundo o julgamento clínico, a perícia profissional e a atitude ética, para tomada de decisões que podem prevalecer as orientações e diretrizes gerais”.

Na nota do dia 17 de abril de 2021, o objetivo é orientar e informar os critérios de distribuição e fluxo de acesso à hidroxicloroquina (sulfato) e a cloroquina (Difosfato) para o tratamento de pacientes internados em hospitais públicos privados com Covid. O documento informa que “o uso dessas drogas estará condicionado ao preenchimento do Termo de Consentimento Informado (TCI), que deverá ser aplicado pelo médico responsável, bem como o preenchimento do formulário sobre o uso e as reações adversas”.

A nota informa como será a logística para distribuição em hospitais de Fortaleza e do interior do estado e ressalta “não existem evidências científicas disponíveis sobre a utilização de tais medicamentos de forma profilática e por isto recomendamos que estas não sejam utilizadas com essa finalidade”.

O documento do dia 23 de abril de 2020, voltado aos profissionais de saúde, trata, de forma técnica, sobre o uso das duas medicações como drogas experimentais para tratamento da covid-19. A Secretaria reitera na nota questões tratadas nas anteriores, e reforça que “o uso seja pautado na segurança do paciente e na busca da observação dos princípios elementares da bioética de beneficência e não maleficência”.

A secretaria diz no texto que “compreendendo a legítima angústia de pacientes, familiares e profissionais, além do impulso de possibilitar oferecer a melhor oportunidade possível aos casos que evoluem de forma desfavorável, a Sesa/Ce tomou a iniciativa de fornecer abaixo algumas informações relevantes, que podem ser úteis para médicos e pacientes internados, na decisão conjunta de eventualmente fazer uso de Hidroxicloroquina (HCQ)/Cloroquina (CLQ) para o tratamento de COVID-19”.

E acrescenta que “tais orientações levaram em consideração que não há estudos robustos efetivos que demonstrem eficácia da HCQ/CLQ na redução de mortalidade ou melhora dos desfechos clínicos no paciente com COVID-19 e que a prescrição do seu uso deverá ser feita por decisão do médico com o paciente e com familiares”.

Conforme já publicado pelo Comprova, o apoio ao uso da cloroquina e da hidroxicloroquina nos casos de covid-19 se disseminou mundialmente após a publicação, em março de 2020, de um estudo conduzido pelo francês Didier Raoult. O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou a apoiar a utilização e, logo depois, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) encampou o mesmo discurso.

Em outubro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) rejeitou de forma conclusiva o uso da cloroquina no combate ao coronavírus. Portanto, no atual cenário, diferentemente da situação de abril e maio de 2020 quando o vídeo original foi publicado e as notas técnicas divulgadas no Ceará, as evidências científicas já comprovam a ineficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid.

Quem é o Capitão Wagner

O autor do post, Wagner Sousa Gomes, chamado de Capitão Wagner, é um militar da reserva da Polícia Militar do Ceará, eleito deputado federal pelo estado em 2018. No pleito, Wagner foi o deputado federal mais votado do Ceará, com 303 mil votos.

Antes, Capitão Wagner, em 2012, foi eleito vereador de Fortaleza. Em 2014, garantiu vaga na Assembleia Legislativa do Estado, e fez oposição à gestão de Camilo Santana. Em 2016, concorreu a Prefeitura de Fortaleza e ficou em segundo lugar. Em 2020, pleiteou novamente o cargo de prefeito de Fortaleza e perdeu, no segundo turno, para Sarto Nogueira (PDT).

Na eleição de 2020, o presidente Jair Bolsonaro, em lives, manifestou apoio ao Capitão e pediu votos para o candidato.

Wagner também ganhou projeção política por ter liderado o motim da Polícia Militar no Ceará, iniciado em dezembro de 2011 e encerrado em janeiro de 2012.

Entre o final de 2019 e o início de 2020, voltou a vivenciar motim de PMs, e na campanha eleitoral de 2020 em Fortaleza, um dos maiores embates públicos ocorreu entre Capitão Wagner e Camilo Santana. O governador, em campanha para o atual prefeito de Fortaleza, Sarto Nogueira, acusou Wagner de ter liderado o último motim de PMs. Wagner negou e afirmou que a paralisação foi espontânea e sua participação se deu apenas para ajudar nas negociações.

Em março de 2020, Wagner apresentou à Câmara Federal um projeto que altera a Lei 12.505/2011, para incluir a concessão de anistia aos policiais e bombeiros militares do Ceará, que participaram dos motins a partir de outubro de 2019.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova verifica conteúdos possivelmente falsos ou enganosos, divulgados em redes sociais, sobre a pandemia ou o governo federal, e que tenham alcançado alto grau de viralização.

O vídeo investigado teve mais de 213 mil reproduções, 16,2 mil curtidas e 1,5 mil comentários no Instagram até a tarde do dia 17 de maio de 2021. Conteúdos suspeitos sobre o chamado tratamento precoce e uso de drogas como a cloroquina têm sido recorrentes nas verificações feitas pelo Comprova durante a pandemia.

Na terceira fase, das 194 verificações relacionadas à crise sanitária, 52 investigações foram sobre esses temas. Na quarta fase, ao menos três verificações já foram feitas tratando de publicações envolvendo cloroquina. Uma delas mostrou ser enganoso um tuíte de Carlos Bolsonaro afirmando que o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), é defensor da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Em outra, um post também enganoso distorceu a entrevista do médico Roberto Kalil Filho para sugerir que ele apoia uso amplo da cloroquina.

Tais publicações editadas e tiradas de contexto são completamente prejudiciais ao debate público. Em se tratando de saúde pública, trazem ainda o agravante de gerar consequências e riscos drásticos e diretos à população, em um momento tão crítico como o da pandemia.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo retirado do contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

Saúde

Investigado por: 2021-05-14

Site distorce notícia de TV australiana para alegar que China testou o coronavírus como arma biológica

  • Enganoso
Enganoso
Relato da jornalista Sharri Markson, do canal australiano de televisão Sky News, sobre livro escrito por cientistas militares chineses, não sustenta a afirmação de que a China teria testado o coronavírus como arma biológica cinco anos antes da pandemia. Para especialistas, evidências certificam que o novo coronavírus é natural, ou seja, não foi criado em laboratório.
  • Conteúdo verificado: Texto do site Terra Brasil Notícias afirma que um canal de TV australiano teria revelado documentos que mostram que a China testou o coronavírus como arma biológica, cinco anos antes da pandemia.

Não é verdade que documentos mostrem o coronavírus sendo testado como arma biológica pela China antes da pandemia, como alega um texto do site Terra Brasil Notícias que viralizou nas redes. O conteúdo distorce uma reportagem divulgada pelo canal australiano de televisão Sky News. Não existem evidências que sustentem essa afirmação.

O conteúdo faz referência a um comentário da jornalista Sharri Markson, em 9 de maio. Ela relata a existência de um livro escrito por cientistas militares chineses, em 2015, em que é discutida a possibilidade de utilização de patógenos como os coronavírus como estratégias de ataque. O fato de um trabalho acadêmico abordar o assunto, porém, não quer dizer que a China tenha investido na produção de armamento biológico.

Esse documento, a que o Comprova teve acesso, defende a tese controversa de que o agente causador da SARS teria sido criado por terroristas e lançado sobre o país asiático, em 2002. Essa afirmação é rebatida por evidências sólidas, desde 2003, e o consenso no meio científico é o de que a mutação se originou naturalmente em morcegos.

A página que compartilhou a desinformação ainda usa o termo “coronavírus” de forma enganosa para promover a ideia de que o documento noticiado pela Sky News estaria falando sobre o agente causador da covid-19 antes mesmo do surgimento da pandemia, o que não é verdade.

O coronavírus tratado na obra é o Sars-Cov, responsável pela epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, ou SRAG). A covid-19, por sua vez, é provocada pelo vírus Sars-Cov-2, agente que ficou conhecido popularmente como o “novo coronavírus” durante a pandemia.

Evidências apontam que tanto o Sars-Cov quanto o Sars-Cov-2 têm origem natural. Em relação ao segundo caso, a hipótese de construção artificial foi descartada por um estudo publicado na revista Nature ainda em março de 2020. Especialistas consultados pelo Comprova também refutam a tese de criação do vírus em laboratório.

Como verificamos?

O Comprova chegou ao vídeo original da jornalista Sharri Markson por meio de uma pesquisa simples no Google. O conteúdo está publicado no site oficial da Sky News, com o título “Documento chinês discutindo coronavírus como arma biológica fornece informações arrepiantes”.

A reportagem constatou que Sharri Markson apresenta um programa aos domingos no canal australiano de TV paga, que existe desde 1996. O assunto foi abordado primeiro em uma reportagem do jornal The Australian e também repercutiu em veículos internacionais, como o tabloide britânico The Sun e o chinês Global Times.

A checagem então comparou o texto divulgado pelo Terra Brasil Notícias com o relato de Sharri Markson na Sky News e verificou que o site brasileiro distorceu informações.

Em novas buscas, o Comprova encontrou uma reportagem do jornal South China Morning Post, de Hong Kong, que ouviu explicações de um dos principais autores do livro e menciona que a obra chegou a ser vendida na internet.

Com a ajuda de ferramentas gratuitas de tradução (Google Tradutor e DeepL), a reportagem conseguiu confirmar que o livro foi vendido na Amazon e chegou até a publicação original, compartilhada por usuários em uma plataforma de acesso aberto, em chinês.

O Comprova checou o nome e a filiação dos autores no livro e identificou uma das referências citadas pelo pesquisador chinês ao jornal de Hong Kong, um documento desclassificado do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

A equipe ainda pesquisou artigos científicos e notícias e entrevistou dois especialistas – Daniel Cláudio de Oliveira Gomes, doutor em Imunologia e professor do Núcleo de Doenças Infecciosas da UFES, e Flávio da Fonseca, virologista do departamento de Microbiologia da UFMG e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia – para entender quais as melhores evidências científicas atualmente sobre a origem do Sars-Cov e Sars-Cov-2, além de contextualizar o assunto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de maio de 2021.

Verificação

O relato da jornalista da Austrália

Em 9 de maio, Sharri Markson afirmou em seu programa na Sky News que cientistas militares da China discutiram o uso de coronavírus como arma biológica em um documento de 2015. Segundo ela, a informação foi retirada de um livro escrito por cientistas do Exército da Libertação Popular da China e por altos funcionários de saúde pública do país.

O nome do livro é “The Unnatural Origin of SARS and New Species of Man-Made Viruses as Genetic Bioweapons” (A origem não natural da SARS e novas espécies de vírus criados pelo homem como armas biogenéticas). Ele foi editado por Xu Dezhong, um professor aposentado da Universidade Médica da Força Aérea (chefe de um grupo de especialistas que analisou a epidemia de Sars), e Li Feng, ex-vice-diretor do Escritório de Prevenção de Epidemias da China.

Em nenhum momento do vídeo Sharri Markson afirma que a China testou algum tipo de coronavírus como arma biológica. O seu relato sobre o documento não permite esse tipo de afirmação, assim como os trechos do livro mostrados na reportagem, nem existem provas até o momento de que isso seja verdade.

O livro mencionado na matéria defende uma tese controversa de que o vírus da SARS teria sido manipulado por terroristas e lançado em um ataque contra a China, em 2002. O material discute a possibilidade desse modelo de pesquisa estar sendo conduzido no mundo e traz detalhes de como um ataque dessa natureza ocorreria e quais seriam os impactos esperados.

Desde 2003, evidências sólidas apontam que o vírus da SARS surgiu em animais. Em 2017, virologistas chineses identificaram todas as “peças genéticas” que compõem o Sars-Cov humano em 15 cepas virais encontradas em uma caverna de morcegos — praticamente encerrando a questão, segundo a Scientific American.

A Sky News mostra cinco frases do livro. A primeira fala sobre a existência de uma “nova era de armas genéticas”. A segunda, sobre avanços científicos permitirem hoje o congelamento de agentes biológicos e a sua aerossolização durante ataques.

O terceiro trecho aborda condições apropriadas para a liberação de partículas, enquanto o quarto fala sobre as consequências esperadas e o efeito prolongado desse tipo de conflito. Por fim, um parágrafo aborda o terror psicológico que as armas biológicas podem causar na população. Nenhuma dessas frases indica que houve investimento da China na produção de armas biológicas.

Críticas ao artigo

A reportagem do The Australian repercutida pela Sky News recebeu críticas na China. O jornal Global Times, alinhado com o Partido Comunista Chinês, publicou uma nota afirmando que o veículo australiano escreveu um “artigo embaraçoso para sustentar uma teoria da conspiração de que a China investiu na criação do novo coronavírus como arma biológica anos antes da pandemia”.

O tabloide chinês critica o jornal por tratar como um “documento vazado” o que seria apenas “um livro acadêmico que explora o bioterrorismo e as possibilidades de vírus sendo usados ​​na guerra” que chegou a ser vendido na Amazon, ainda que esteja fora de estoque atualmente.

O Comprova confirmou que o livro esteve disponível para compra na Amazon, como aponta o Global Times. Com a ajuda do Google Tradutor, a reportagem pesquisou pelo título do livro em chinês e o encontrou em uma página no marketplace da empresa de varejo.

A Amazon informa que a obra foi publicada em agosto de 2015, pela Imprensa Militar de Ciências Médicas — uma editora chefiada pelo Exército da Libertação Popular da China e patrocinada pela Academia de Ciências Médicas Militares. Os principais autores são Xu Dezhong e Li Feng.

O South China Morning Post, um jornal de Hong Kong, também publicou uma reportagem sobre o caso. Ele afirma ter entrado em contato com o principal autor do livro, Xu Dezhong, que declarou que a sua teoria sobre a origem não natural do vírus da SARS não foi levada a sério. Dezhong alegou ainda que parte dos trechos citados pela mídia australiana foram retirados de um capítulo que comentava sobre um documento desclassificado das Forças Armadas dos Estados Unidos.

O Comprova rastreou o documento pelo nome do autor, o coronel Michael Ainscough, do Centro de Contraproliferação da Força Aérea dos Estados Unidos. O artigo é intitulado “Next Generation Bioweapons: The Technology of Genetic Engineering Applied to Biowarfare and Bioterrorism(A próxima geração de armas biológicas: a tecnologia de engenharia genética aplicada para a guerra química e o bioterrorismo).

A origem do novo coronavírus

A teoria de que o Sars-Cov-2 pudesse ter sido desenvolvido em laboratório se espalhou ainda no ano passado, com uma contribuição decisiva do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Evidências científicas, no entanto, apontam que o vírus que causa a covid-19 tem origem natural.

Ainda em março de 2020, em um estudo publicado na revista Nature, cinco pesquisadores dos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália concluíram que “a análise mostra claramente que o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório ou um vírus propositalmente manipulado”.

Para chegar ao resultado, os pesquisadores compararam a estrutura genética do SARS-CoV-2 com a de outros vírus da mesma família. Os cientistas destacam que, se houvesse manipulação genética em laboratório, a estrutura do novo coronavírus seria parecida com a de outros organismos existentes, porque essas alterações partiriam de moldes conhecidos. “As informações genéticas mostram de maneira irrefutável que o SARS-CoV-2 não é derivado de nenhuma estrutura central de vírus usada anteriormente”.

Doutor em Imunologia e professor do Núcleo de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Daniel Cláudio de Oliveira Gomes disse ao Comprova que estudos como o da Nature apontam que o Sars-Cov-2 tem um perfil de mutação muito semelhante a outros vírus naturais encontrados em morcegos, hospedeiros que podem guardar a origem do agente infeccioso da covid-19.

Os pesquisadores puderam chegar a essa conclusão, segundo ele, porque o Sars-Cov-2 tem um genoma pequeno (a informação genética do vírus), sendo possível fazer o sequenciamento genético e observar suas mutações. Essas alterações mostraram-se imprecisas, o que não é uma característica de vírus fabricados em laboratório. Estes, ao contrário, apresentam um elevado grau de precisão toda vez que replicam porque os genes podem ser selecionados.

“É como se montássemos um quebra-cabeças, colocando as peças onde queremos. Por isso, os vírus fabricados são tão precisos. Os naturais são imprecisos como qualquer vírus circulante”, compara Daniel Gomes.

Outra questão, apontada por Flávio da Fonseca, virologista do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), é que tanto o Sars-Cov quanto o Sars-Cov-2 não têm cicatrizes em seus genomas. “Quando fazemos uma manipulação genética em qualquer pedaço de DNA, a gente utiliza ferramentas que deixam marcas, as cicatrizes”, diz Fonseca. “E nenhum dos vírus tem cicatriz que possa nos levar a pensar que ele foi manipulado geneticamente.”

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova verifica conteúdos de redes sociais ligados à pandemia e a ações do governo federal. Priorizamos informações suspeitas que têm grande alcance, como o texto analisado nesta checagem.

Quando um conteúdo tenta associar um vírus que já matou mais de 3,3 milhões de pessoas no mundo todo430.596 só no Brasil– a armas biológicas e à China, ele tenta criar uma narrativa política, colocando pessoas contra o país asiático. O texto segue a linha de pensamento do presidente Jair Bolsonaro, que, em 5 de maio, entre outros ataques, sugeriu que a China está fazendo uma “guerra biológica” com a Covid.

O conteúdo verificado aqui, que teve mais de 4 mil interações e 2,8 mil compartilhamentos só no Facebook, segundo a ferramenta CrowdTangle, também coloca a população em risco, pois, ao fazer tal associação, sem nenhum embasamento científico, pode sugerir para que as pessoas não se vacinem com a Coronavac, produzida na China.

Como o virologista Flávio da Fonseca disse ao Comprova, “qualquer informação falsa é muito ruim para a ciência porque gera descredibilidade, desinformação e confusão”.

A postagem do site Terra Brasil Notícias também foi analisada pela Agência Lupa, que classificou o conteúdo como falso.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

Saúde

Investigado por: 2021-05-12

Post distorce entrevista para sugerir que médico Roberto Kalil Filho apoia uso amplo da cloroquina

  • Enganoso
Enganoso
Logo após deixar o hospital em que ficou internado por covid no ano passado, o médico Roberto Kalil Filho deu uma entrevista à Jovem Pan contando ter tomado cloroquina. O título da matéria foi "Recuperado, Dr. Roberto Kalil revela que tomou hidroxicloroquina e defende uso em casos graves". O post verificado aqui, que foi feito no mesmo dia da entrevista e voltou a circular agora, traz como chamada: "Recuperado, Dr. Roberto Kalil revela que tomou hidroxicloroquina e defende: 'Tem que ser utilizada'". O post é enganoso porque em nenhum momento o médico defendeu o uso indiscriminado e, ainda no ano passado, disse "não ser garoto-propaganda de nada". Em maio de 2020, quando o post foi criado, já se sabia da ineficácia do remédio, mas, hoje, um ano depois, os próprios fabricantes e a OMS não recomendam seu uso para covid.
  • Conteúdo verificado: Post de 8 de maio de 2021 no Facebook recupera reportagem de 8 de abril de 2020 da rádio Jovem Pan com o cardiologista Roberto Kalil Filho, alterando o título para afirmar que ele apoia o uso indiscriminado da cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada que tomou quando foi infectado pelo coronavírus, para tratar casos de covid.

É enganoso o post que usa afirmações do cardiologista Roberto Kalil Filho sobre a cloroquina para sugerir que ele apoia o uso indiscriminado do medicamento em casos de covid. A publicação, que foi feita no ano passado e voltou a circular agora, traz uma fotomontagem com o título alterado de uma reportagem da rádio Jovem Pan. No texto original, a chamada é “Recuperado, Dr. Roberto Kalil revela que tomou hidroxicloroquina e defende uso em casos graves” e, no post, “Recuperado, Dr. Roberto Kalil revela que tomou hidroxicloroquina e defende: ‘Tem que ser utilizada'”.

Na entrevista à Jovem Pan, o médico contava como foi sua recuperação da doença e afirmava ter tomado hidroxicloroquina e outros remédios. Já naquela entrevista o diretor-geral do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês dizia: “Minha opinião é que independentemente das ideologias, devemos procurar minimizar o dano à população e evitar mortes. Se existe medicação com evidências que pode haver benefícios, aliada a outras medicações, numa situação desta, tem que ser utilizada e pronto. Não tem conversa”. Em nenhum momento ele defende a hidroxicloroquina como a única ou principal responsável por sua recuperação.

Em 10 de abril, dois dias depois da entrevista, Kalil afirmou para a Folha que não era “garoto-propaganda de nada” e que seu tratamento incluiu uma combinação de remédios, não apenas a cloroquina.

O post tira as afirmações de Kalil de contexto e utiliza-as um ano depois, quando o conhecimento sobre o uso da cloroquina contra a covid já está mais avançado. Em outubro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que o tratamento é ineficaz e, em março deste ano, passou a contraindicá-lo em casos de covid. No mesmo mês, quatro das seis fabricantes de cloroquina no Brasil já não recomendavam o remédio contra o coronavírus.

O Comprova tentou falar com Kalil, mas sua equipe informou que ele não poderia responder às perguntas.

Quanto ao autor da postagem no Facebook, a rede social não permitiu o contato direto com o perfil.

Como verificamos?

Buscamos as reportagens da rádio Jovem Pan sobre as declarações do médico Roberto Kalil, e o vídeo completo da entrevista concedida por ele ao veículo, no ano passado.

As assessorias de imprensa do médico e do Hospital Sírio Libanês, onde ele atua profissionalmente, foram procuradas, mas disseram à nossa reportagem que o cardiologista não teria disponibilidade para uma entrevista.

O Comprova não encontrou declarações diretas do cardiologista sobre o uso da hidroxicloroquina em pacientes da covid-19 após a publicação de diversos estudos que atestam a ineficácia do medicamento nesses casos. Por isso, buscamos em entrevistas e colunas assinadas por ele, em diferentes veículos, declarações recentes que dessem pistas sobre a visão dele sobre o assunto.

Também buscamos os posicionamentos da OMS e de fabricantes da cloroquina e verificações nossas para averiguar o que mudou sobre o conhecimento científico que se havia em maio de 2020 e no mesmo mês deste ano.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 12 de maio de 2021.

Verificação

Kalil e a cloroquina

A matéria publicada no site da Jovem Pan, em 8 de abril de 2020, tem o seguinte título: “Recuperado, Dr. Roberto Kalil revela que tomou hidroxicloroquina e defende uso em casos graves”. O texto se refere a uma entrevista concedida ao programa Jornal da Manhã, da emissora, na mesma data, e cita trechos das respostas do cardiologista sobre o uso da hidroxicloroquina no próprio tratamento, quando ficou internado por causa da covid-19, e no tratamento de outros pacientes infectados pelo novo coronavírus.

Na entrevista, Kalil, que ainda estava internado, se recuperando do quadro de covid, afirma que recebeu um coquetel de medicações diante da gravidade do próprio quadro. Entre os fármacos, ele confirma que tomou hidroxicloroquina: “Foram propostos antibióticos, anticoagulantes, oxigenoterapia e a hidroxicloroquina. Obviamente, eu aceitei sim tomar a hidroxicloroquina — embora todos saibam que não tem grandes estudos comprovando o benefício, eu acho que num paciente mais grave tem sim que ser ponderado o uso”.

Perguntado sobre o uso do medicamento mesmo em pacientes com quadro leve, o médico ressalta que não é infectologista, mas que acreditava que a hidroxicloroquina poderia ser um dos medicamentos utilizados no tratamento, desde que com acompanhamento médico. Kalil ressalta que a possibilidade deveria ser especialmente considerada diante da gravidade da pandemia e a possível demora até que surgissem estudos científicos robustos sobre a eficácia dos medicamentos.

Depois da entrevista, no mesmo dia 8 de abril, o presidente Jair Bolsonaro mencionou a entrevista de Kalil em um pronunciamento oficial em defesa da cloroquina. Dois dias depois, em 10 de abril, a Folha publicou uma entrevista com o médico, em que ele ressaltou que o tratamento incluiu outros medicamentos e a estrutura do Hospital Sírio-Libanês. “Eu não sou garoto-propaganda de nada. Eu sou garoto-propaganda do que salva vidas. […] É verdade que não temos grandes estudos científicos mostrando benefícios, mas é uma doença que mata. Se daqui a seis meses sair um estudo mostrando que a cloroquina não funciona, parabéns, fizemos o que tinha que fazer”, afirmou.

Hoje, diante das novas evidências científicas de ineficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, o cenário é bem diferente do de abril de 2020. Roberto Kalil não chegou a declarar de maneira direta, à imprensa, o seu novo entendimento sobre o uso dos fármacos, mas há várias publicações em que ele afirma que não há medicamento contra o novo coronavírus.

É o caso, por exemplo, de uma uma coluna publicada no UOL, com uma conversa com a também cardiologista Ludhmilla Hajjar, publicada em 1º de março de 2021. O tema são as novas evidências científicas relacionadas à covid-19, e Kalil diz, ao final da entrevista: “Tratamento? Tem tratamento de suporte. Mas não existe um anti-viral. A arma é a vacina”.

No mesmo veículo, em 11 de janeiro, ele já havia conversado com o infectologista David Uip sobre a inexistência de medicamentos. No vídeo da entrevista, Uip diz que “hoje, nós damos suporte à vida. Nos casos graves, o que nós fazemos é isso: suportamos a vida. No sentido de fazer o que é possível para o paciente grave continuar vivo — e estamos conseguindo, na grande maioria dos pacientes, graças a Deus. Mas infelizmente — e eu insisto nisso, infelizmente — ainda nós não temos um medicamento preventivo”. E Kalil completa: “A única medicação pra evitar o vírus chama-se vacina”.

O Comprova tentou agendar uma entrevista com Roberto Kalil sobre o tema, mas a assessoria dele disse que o médico estava atarefado com a rotina de trabalho em dois hospitais, e não poderia atender à reportagem.

Ineficácia contra a covid-19

O apoio ao medicamento se disseminou após a publicação, em março de 2020 –com o coronavírus já se espalhando pelo mundo–, de um estudo conduzido pelo francês Didier Raoult. Segundo a pesquisa, o uso da cloroquina teria curado 75% dos pacientes com covid-19 em seis dias. Mas o estudo foi alvo de críticas da revista Science, referência em estudos científicos, e seus resultados foram questionados e considerados incompletos.

O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou a apoiar o medicamento e, logo depois, Jair Bolsonaro (sem partido) encampou o mesmo discurso. Já em 21 de março de 2020, Bolsonaro anunciou que o Exército ampliaria a produção do remédio no país para pacientes com o coronavírus. Quatro dias depois, o Ministério da Saúde emitiu uma nota técnica autorizando seu uso em pacientes graves.

Nos meses seguintes, Bolsonaro demitiu dois ministros da saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril, e Nelson Teich, em 15 de maio. Ambos são médicos e se opunham à prescrição de cloroquina para tratar pacientes com quadros leves da doença.

Em 20 de maio, o Ministério da Saúde, já tendo como ministro interino o general Eduardo Pazuello, passou a orientar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no “tratamento medicamentoso precoce” de pacientes com o novo coronavírus, mas ressaltava que “ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19”.

Só naquele mês, o Comprova publicou quatro verificações sobre o uso da cloroquina – todas com a etiqueta de conteúdo enganoso.

Enquanto o chefe do governo federal defendia o medicamento sem eficácia comprovada, alguns médicos do Brasil todo passaram a fazer o mesmo. Começaram a surgir falsas teorias de que cidades, como Porto Feliz, teria evitado mortes pelo vírus por terem adotado o tratamento com o remédio.

Ainda em outubro de 2020, a OMS rejeitou de forma conclusiva o uso da cloroquina no combate ao coronavírus e, quatro meses depois, a Apsen, maior fabricante do medicamento no Brasil, afirmou que não recomendava que ele fosse usado para este fim. Outras três farmacêuticas –Farmanguinhos/Fiocruz, EMS e Sanofi-Medley já haviam feito declarações nesse sentido. A Cristália, outra das seis fabricantes, divulgou um texto em março deste ano em que um representante ressaltou: “Não vendo nenhum produto fora do que a Anvisa autorizou. Ela autoriza para algumas coisas, como malária, mas não tem nada a ver com Covid. Na minha bula, que é dada pela Anvisa, só forneço cloroquina para estes fins específicos”. O sexto produtor é o Laboratório do Exército, pertencente ao governo federal, que continua defendendo o medicamento.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova verifica conteúdos de redes sociais ligados à pandemia e a ações do governo federal. Priorizamos informações suspeitas que têm grande alcance, como o post analisado nesta checagem.

Embora não tenha eficácia comprovada, a cloroquina vem sendo amplamente defendida pelo presidente e seus apoiadores. Isso pode significar um risco para a população já que as medidas eficazes conhecidas até agora, além da vacina, são o distanciamento social, restrição de circulação, uso de máscaras e higienização das mãos. Só assim o país vai diminuir os índices de contaminação e morte pela doença.

No ano passado, quando o post com Kalil foi publicado, houve 183 mil compartilhamentos no Facebook. Desde 8 de maio de 2021, quando ele voltou a circular, já foram 6,6 mil compartilhamentos e 12 mil interações.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-05-12

É enganoso que Coronavac foi proibida nos EUA e na Europa

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso um vídeo no Facebook que afirma que a vacina Coronavac, do laboratório Sinovac, tenha sido proibida nos Estados Unidos e na Europa. A agência reguladora europeia ainda analisa a segurança e eficácia do imunizante, enquanto a sua semelhante no país americano não fez essa análise e, por ora, há forma de brasileiros entrarem nesses locais, tendo sido imunizados com ele ou não.
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no Facebook traz uma reportagem em vídeo do Jornal da Record e, em uma legenda sobre as imagens, a inscrição: “CoronaVac é proibido (sic) nos EUA e na Europa. Por isso que Bolsonaro não queria a Vacina Chinesa”.

É enganoso um vídeo publicado no Facebook que afirma que a vacina Coronavac tenha sido proibida na Europa e nos Estados Unidos. A agência reguladora europeia ainda analisa a segurança e eficácia do imunizante, enquanto a sua semelhante no país americano não fez essa análise.

A alegação enganosa foi inserida em cima de uma reportagem do Jornal da Record sobre um certificado de vacinação que será adotado pela União Europeia. A reportagem diz que o Parlamento Europeu aprovou tirar restrições para viajantes que já tenham sido vacinados com um dos imunizantes autorizados pelo órgão regulador do bloco econômico.

A Coronavac não está entre esses imunizantes até o momento de publicação deste texto. Porém, não é possível afirmar que brasileiros não podem entrar nesses locais, já que há outras formas para viajar tanto para a Europa quanto para os Estados Unidos.

O Comprova entrou em contato com o autor do post, que compartilhou a publicação em grupo no Facebook chamado “Bolsonaro 2022”, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Primeiramente, fizemos buscas em sites de notícias para entender o que poderia ser a tal proibição. Também pesquisamos as páginas oficiais da European Medicines Agency (EMA) e do Food and Drugs Administration (FDA), onde são disponibilizados conteúdos sobre o andamento do processo de aprovação de vacinas no bloco europeu e nos Estados Unidos, respectivamente, e o site da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Entramos em contato, por e-mail, com a Comissão Europeia e o FDA e tentamos falar com o autor do post por mensagem direta no Facebook, mas ele não respondeu até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 12 de maio de 2021.

Verificação

Coronavac nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos, o FDA é o órgão regulador equivalente à Anvisa no Brasil. Ele avalia e garante a segurança e eficácia de remédios, produtos biológicos, alimentos e cosméticos. Assim, é ele quem avalia os dados obtidos em testes clínicos por candidatas a vacinas contra a covid-19, por meio de seu Comitê Consultivo de Vacinas e Produtos Biológicos Relacionados.

As pautas de todos os encontros do comitê estão disponíveis no site da FDA. O Comprova consultou os encontros de 2020 e 2021 e não encontrou nenhuma menção à vacina da Sinovac. Portanto, a vacina que no Brasil é chamada de Coronavac ainda não passou pela análise e não possui nem autorização nem recusa do comitê.

A postagem analisada afirma que ela “foi proibida” e isso pressupõe que ela já teria sido analisada e negada pela FDA, o que é falso. Ela não pode ser aplicada, mas isso pode mudar caso venha a passar pela análise e seja aprovada.

O Comprova perguntou ao FDA se a Sinovac já havia feito algum pedido de análise, mas o órgão respondeu por meio de sua assessoria que “não comenta testes clínicos de vacinas de covid-19 nem o contato estabelecido com nenhum dos fabricantes de vacinas sobre seus produtos em investigação”.

Até a publicação deste texto, o comitê havia analisado as vacinas das farmacêuticas Pfizer/BioNTech, Moderna e Janssen (Johnson & Johnson). Todas elas foram consideradas seguras e eficientes em proteger contra o novo coronavírus e receberam autorização de uso emergencial, o que significa que elas podem ser aplicadas nos Estados Unidos.

Coronavac na União Europeia

Usada no Brasil, China, Turquia, Chile, Indonésia e outros países, a Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e produzida por aqui em parceria com o Instituto Butantan, está sob análise contínua pela EMA (agência regulatória europeia).

A análise contínua é um processo pelo qual o órgão analisa dados de segurança e eficácia do imunizante conforme eles vão se tornando públicos. Com isso, é possível acelerar o processo de análise e a possível aprovação. Quando o comitê regulador decide que há dados suficientes, o laboratório ou empresa farmacêutica pode apresentar o pedido formal de autorização para uso.

A EMA começou a avaliar os dados da Coronavac no dia 4 de maio. Seu uso não ter passado por análise até agora não quer dizer que ela foi proibida na Europa.

Brasileiros na Europa

Um ponto que está em discussão é a permissão para entrada de turistas de outros países nas nações que formam a União Europeia. O bloco defende que quem foi imunizado com as vacinas aprovadas para uso na região – BioNTech/Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen – possa viajar com o Certificado Digital Verde, que vem sendo chamado de “passaporte da vacina”. Mas quem não tiver sido vacinado e quiser viajar poderá apresentar teste negativo para a Covid ou comprovar que se recuperou da doença. Ou seja, não há uma proibição da Coronavac ou de qualquer outro imunizante.

Segundo a Comissão Europeia anunciou em 3 de maio, além de propor a entrada na União Europeia por motivos não essenciais, como turismo, de pessoas que tomaram uma das vacinas autorizadas pelo bloco, a intenção é permitir o acesso também daquelas que vêm de países com uma situação epidemiológica controlada.

Além disso, ainda de acordo com o órgão, a proposta pode ser ampliada para pessoas que receberam uma das vacinas que tenham concluído o processo de uso de emergência da OMS. Isso ainda deixaria de fora a Coronavac, mas incluiria a vacina Sinopharm, também fabricada na China.

Funcionaria da mesma forma que o imunizante, por exemplo, contra a febre amarela, cujo comprovante de vacinação é exigido para se entrar em alguns países como a Tailândia.

Brasileiros em viagem

O Departamento de Estado dos Estados Unidos da América concede, atualmente, permissão para a entrada de brasileiros com visto de estudante válido e matriculados em instituições de ensino locais e para viajantes qualificados que procuram entrar no país para fins relacionados a viagens humanitárias, resposta à saúde pública e segurança nacional.

Os viajantes internacionais para os Estados Unidos são obrigados a fazer um teste viral três dias antes do voo e fornecer documentação por escrito do resultado do teste de laboratório (papel ou cópia eletrônica) à companhia aérea.

Na Europa, a entrada de brasileiros saindo do Brasil também é permitida em alguns casos. Podem entrar, por exemplo, pessoas que têm cidadania de um dos países da União Europeia e essa liberação se estende para os familiares diretos, como filhos e cônjuge.

Quem estuda ou trabalha no continente, com uma carta específica do país em questão, e quem trabalha na saúde, com pesquisas ou em funções diplomáticas e militares, também consegue um visto europeu.

Mesmo quem mora em um país europeu, entretanto, precisa fazer um exame para detectar a Covid-19 e, em caso positivo, não poderá viajar. Além disso, algumas nações recomendam quarentena compulsória antes de voltarem à rotina.

Existem países que fazem parte do território europeu e que estão aceitando a visita de brasileiros. A maioria deles não faz parte da União Europeia ou do Espaço Schengen, o que explica a liberação para os moradores do Brasil que estão viajando a turismo.

Entre os países da União Europeia que permitem a entrada de brasileiros em viagem para Europa estão a Croácia, Irlanda e Eslovênia. Além deles, outras nações do Velho Continente estão abertas aos brasileiros, sendo elas a Albânia, Andorra, Bósnia e Herzegovina, Kosovo, Macedônia do Norte e Sérvia.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova checa conteúdos possivelmente falsos ou enganosos de redes sociais sobre a pandemia ou o governo federal e que tenham alcançado alto grau de viralização. Peças de desinformação sobre vacinas são nocivas porque enfraquecem a confiança da população no principal método disponível para controle da pandemia.

Desenvolvida pela empresa biofarmacêutica chinesa Sinovac Biotech e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, a Coronavac é, até agora, o imunizante mais aplicado no país e, desde que o governo de São Paulo anunciou sua inclusão no plano estadual de vacinação, no ano passado, tornou-se alvo de disputas entre o governador, João Doria (PSDB) e Bolsonaro.

Em outubro, o presidente chegou a desautorizar sua compra, já anunciada, pelo Ministério da Saúde. Desde então, apoiadores de Bolsonaro criticam o imunizante, como faz o post verificado neste texto ao dizer “Olha aí o problemão. Depois a culpa é do presidente da República Bolsonaro”. A postagem foi publicada no perfil de um usuário do Facebook e compartilhada no grupo de apoio ao presidente, somando 7,3 mil interações até o dia 11 de maio. No perfil a postagem somava 447 reações, 61 comentários e 2,6 compartilhamentos. Já no grupo foram registradas mais de 2,7 mil reações, 174 comentários e 1,4 compartilhamentos.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo que usa dados imprecisos e que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

Saúde

Investigado por: 2021-05-11

É falso tuíte afirmando que Pazuello viajou para os EUA com passaporte diplomático

  • Falso
Falso
É falso o tuíte que afirma que o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, tenha recebido um passaporte diplomático do governo federal e viajado para os Estados Unidos, sem data para voltar. O post usava o nome e o logotipo do site de notícias G1 e foi criado por um perfil já verificado por outras agências de checagem. Logo após tentativa de contato do Comprova, o perfil bloqueou os conteúdos. O Exército confirmou que Pazuello não tem viagem programada.
  • Conteúdo verificado: Post no Twitter, usando logotipo e nome do G1, afirma que o Itamaraty teria concedido passaporte diplomático para Pazuello viajar aos EUA e que o ex-ministro não teria data definida para retorno.

É falso o tuíte do dia 10 de maio que afirma que o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, teria recebido um passaporte diplomático do governo federal e viajado para os Estados Unidos, sem data para voltar.

A publicação afirmava, erroneamente “#URGENTE – Itamaraty concede passaporte diplomático e Pazuello viaja para os EUA. Assessoria do ex-ministro informa que ‘não há data definida para retorno'”. Nela, havia um link para uma reportagem, de fato, do G1, mas que nada tinha a ver com uma possível saída do país do ex-ministro da Saúde – era sobre o vice-presidente, Hamilton Mourão, dizendo que ter Pazuello como ministro foi “uma decisão de risco”.

Outro indício de que a informação era falsa é que o perfil usava o nome e o logotipo do site de notícias G1, da Globo, no post. Contudo, o nome de usuário, precedido pela @, evidenciava não se tratar do perfil oficial do portal de notícias da Globo, que no Twitter tem G1 tanto no nome do perfil, quanto no de usuário, além do selo de conta verificada.

Contatado pelo Comprova, o Exército confirmou que “não solicitou passaporte diplomático e não recebeu qualquer comunicação de viagem do militar citado na matéria” e informou também que “não há previsão de viagem oficial do militar”.

O Comprova tentou contatar o autor do post, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Para verificar o conteúdo, o Comprova clicou no link colocado no post e logo percebeu que era um conteúdo suspeito, pois ele levava a uma matéria que tratava de outro assunto. Também percebeu que, embora o nome e o logotipo fossem do site G1, a “@” usada pelo perfil não era a do portal e, na definição no campo da biografia, havia apenas a palavra “paródia”.

Mesmo assim, a equipe tentou contato no dia 10, com o perfil, enviando uma mensagem direta via Twitter. A página bloqueou o conteúdo minutos depois. O dono do perfil não respondeu à reportagem até a publicação deste texto.

O Comprova conversou, por telefone e e-mail, com o Ministério da Saúde, que respondeu que a equipe deveria contatar o Exército. Por e-mail, a instituição respondeu confirmando que não há previsão de Pazuello viajar.

Também verificamos informações sobre como funciona a emissão do passaporte diplomático, com base no que diz o decreto federal número 5.978, de 4 de dezembro de 2006. O dispositivo versa sobre a emissão de cinco tipos de passaporte, entre eles o diplomático.

Ex-ministros de Estado não estão entre os possíveis contemplados com o documento especial de viagem. Pazuello pode receber o passaporte diplomático desde que o Itamaraty considere que ele representa algum interesse do país. A pasta não respondeu às tentativas de contato do Projeto Comprova.

Verificação

O post

Embora utilize o logo e o nome do G1, o perfil do Twitter que fez a publicação não tem ligação oficial com o veículo. Além disso, o link para o qual o post leva, do portal do grupo Globo, é sobre outro assunto, uma reportagem intitulada “‘Pazuello como ministro da Saúde foi uma decisão de risco’, diz Mourão”, que nada aborda sobre o ex-ministro da Saúde ter recebido passaporte diplomático.

Ao afirmar que “Itamaraty concede passaporte diplomático e Pazuello viaja para os EUA” e que “assessoria do ex-ministro informa que ‘não há data definida para retorno'”, o post poderia estar insinuando que Pazuello iria deixar o Brasil para não depor na CPI da Covid, uma vez que, na semana passada, ele alegou contato com servidores infectados pelo coronavírus para adiar seu comparecimento. A nova convocação está marcada para 19 de maio.

O Comprova contatou, por e-mail, o Exército, que afirmou não ter solicitado a emissão de passaporte diplomático para o general, ou recebido “qualquer comunicação de viagem do militar citado na matéria”. Acrescentou ainda que “não há previsão de viagem oficial do militar”.

A página

O perfil @cotore entrou no Twitter em agosto de 2018 e, na tarde desta segunda-feira (10), no campo de descrição sobre a página havia apenas a palavra “paródia”.

Além de se identificar com o logotipo e o nome do site de notícias G1, o perfil colocou um símbolo ao lado do nome para parecer um perfil verificado pelo Twitter, mas, já em uma análise superficial, é possível perceber que é um símbolo diferente – inclusive, com a cor, preta, e não azul, como é a oficial dessa rede social.

Às 17h30 de segunda, o Comprova enviou uma mensagem pessoal para o perfil, pedindo entrevista. Oito minutos depois, a página tuitou “Imagina os verificandinhos p* da vida no grupo do zap mandando o amigo da agência de checagem vir encher meu saco”, referindo-se aos jornalistas que trabalham em agências de verificação.

Por volta das 18h, o perfil mudou a foto para uma imagem de um palhaço e, o nome, para hmm. Também fechou o perfil, permitindo a visualização dos posts apenas para seguidores aprovados.

Em junho do ano passado, o mesmo perfil se passou por Donald Trump, usando a foto e o nome do então presidente dos Estados Unidos. No post, o falso Trump chamava o presidente do Brasil de Javier Bolsonaro e criticava-o em relação à gestão da pandemia. O post foi verificado como falso pela agência Lupa e o Boatos.org

Passaporte diplomático

Ele é um dos cinco tipos de documentos de viagem oferecidos pelo Governo Federal. Os outros são o comum, o oficial, para estrangeiros e de emergência. Segundo o decreto número 5.978, de 4 de dezembro de 2006, passaportes diplomáticos são emitidos pelo Ministério das Relações Exteriores.

A Seção I do decreto indica que esta modalidade de passaporte é concedida ao presidente da República, ao vice-presidente e aos ex-presidentes da República. Ministros de Estado, ocupantes de cargos de “natureza especial” e titulares de secretarias vinculadas à Presidência da República, além de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), também estão entre os contemplados.

Ex-ministros não são citados nos incisos do decreto. Em 20 de junho de 2020, por exemplo, Abraham Weintraub entrou nos Estados Unidos durante período de restrições ao ingresso de brasileiros naquela nação, uma das formas de combate à disseminação da covid-19.

A entrada foi possível porque Weintraub ainda estava na condição de titular da Educação. A exoneração dele foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) somente quando o governo brasileiro recebeu a informação de que havia aterrissado no país.

Além do passaporte diplomático, Weintraub não apresentou problemas de saúde, condição que favoreceu sua permanência no país.

Há no decreto 5.978 uma brecha por meio da qual é possível inserir pessoas que não ocupam cargos na administração pública, contida no inciso terceiro do artigo 6º. O trecho diz: “Mediante autorização do Ministro de Estado das Relações Exteriores, conceder-se-á passaporte diplomático às pessoas que, embora não relacionadas nos incisos deste artigo, devam portá-lo em função do interesse do País.”

Diferentemente dos critérios objetivos relacionados à ocupação de cargos públicos, “interesse do País” é subjetivo. Ou seja, uma pessoa pode ganhar o passaporte diplomático a partir do que o chanceler do momento considere relevante para o País.

Com base neste trecho, líderes religiosos já obtiveram passaportes diplomáticos. A prática vem desde o governo Lula (PT) e permanece sob a administração de Jair Bolsonaro (sem partido).

O Projeto Comprova entrou em contato com o Itamaraty às 18h28min de segunda-feira, 10. Por e-mail, a reportagem indagou a pasta sobre veracidade do post da conta intitulada “@cotore”. Também foi questionado se Pazuello já teve passaporte diplomático e se ainda o possui. O Comprova obteve somente um retorno automático informando que a mensagem foi recebida e que seria respondida com a “brevidade possível”.

O Projeto Comprova ainda enviou outro e-mail, no sentido de reforçar o que havia sido enviado inicialmente e cobrar uma resposta. A reportagem não obteve retorno efetivo até a tarde desta terça-feira, 11.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova verifica conteúdos de redes sociais ligados à pandemia e a ações do governo federal. Priorizamos informações suspeitas que têm grande alcance, caso do post analisado nesta checagem.

Em um período em que Eduardo Pazuello é foco de notícias por não ter comparecido à primeira audiência da CPI da Covid a que foi convocado e ser esperado para o dia 19 de maio, o tuíte, tentando se passar por um veículo de jornalismo, tenta enganar usuários do Twitter inventando que o ex-ministro estaria nos Estados Unidos –e, como tenta insinuar, faltaria à nova convocação da CPI.

Apesar de o perfil ter a palavra “paródia” no espaço da biografia no Twitter, o post não pode ser categorizado como “sátira” – uma das etiquetas do Comprova – uma vez que a página se apropriou do nome e do logo do G1, tentando se passar pelo veículo. Dessa forma, o post, que foi compartilhado ao menos 1,2 mil vezes na rede, é falso.

A mesma categorização foi usada pela agência Lupa e pelo Boatos.org em verificações do ano passado que envolviam o mesmo perfil, como escrito anteriormente.

Falso, para o Comprova, é qualquer conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-05-07

Postagem que associa Doria e Lulinha na compra da Coronavac é falsa

  • Falso
Falso
No site oficial da Nasdaq, bolsa de valores dos Estados Unidos onde está listada a Sinovac, fabricante da CoronaVac, não constam empresas brasileiras entre as donas de ações da farmacêutica. O número do inquérito da Polícia Federal indicado na postagem verificada não existe. Além disso, Doria e Lula negam qualquer sociedade entre as partes.
  • Conteúdo verificado: Postagem nas redes sociais, também compartilhada em aplicativos de mensagens, sugere que o governador de São Paulo, João Doria, e Fábio Luiz Lula da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente Lula, são sócios na empresa fabricante da vacina Coronavac, visando às eleições de 2022.

É falso o conteúdo de uma postagem no Facebook segundo a qual o governador de São Paulo, João Doria, e Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seriam sócios.

Na mensagem que circula pelo WhatsApp e por redes sociais, a sociedade entre os dois estaria relacionada à CoronaVac, vacina produzida no Brasil numa parceria entre a empresa chinesa Sinovac e o Instituto Butantan – o centro de pesquisa biomédica do governo paulista. Lulinha, segundo o texto verificado, teria destinado R$ 100 milhões para adquirir 20% das ações da empresa em troca de apoio político a Doria.

O texto cita como fonte a Polícia Federal, menciona o que seria o número do inquérito e alega que o órgão está investigando o caso.

A Sinovac está listada na Nasdaq, um dos mercados de ações baseados nos Estados Unidos, e como todas as companhias nesta condição precisa se submeter a regras de transparência a respeito de quem são seus donos. No site da Nasdaq consta a lista de empresas que possuem ações da Sinovac e nela não aparecem empresas brasileiras.

Além disso, todas as alegações foram contestadas pelas pessoas citadas durante a verificação do Comprova, a começar pela Polícia Federal, que ressalta que dados sobre operações estão disponíveis no site do órgão, e qualquer informação que tenha partido de canais não oficiais são de responsabilidade de quem faz a divulgação.

Doria e Lula negaram qualquer aliança, e ainda criticaram o que seria uma estratégia de adversários políticos.

O Comprova procurou um dos usuários que fez a publicação, mas até a divulgação desta checagem não obteve retorno. O post foi feito em uma página de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Tanto Doria quanto Lula são adversários políticos de Bolsonaro. Eles são, também, adversários entre si.

O conteúdo voltou a circular em abril, mas, em janeiro, a Agência Lupa já havia feito uma verificação em que apontava que era falsa mensagem de que o filho de Lula comprou 20% das ações da Sinovac.

Como verificamos?

Para verificar o conteúdo, o Comprova entrou em contato com o Departamento de Polícia Federal (DPF), ligado ao Ministério da Justiça e Segurança, solicitando informações sobre a suposta investigação reportada na postagem. A assessoria do órgão não confirma a existência de apuração sobre a compra de ações da Sinovac, fabricante da Coronavac, por Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha.

O governo de São Paulo também foi procurado para se manifestar sobre a alegação de que o governador João Doria seria sócio do filho do ex-presidente. As acusações foram refutadas pela administração estadual, à qual está vinculado o Instituto Butantan.

Lula foi questionado sobre a relação de seu filho com Doria e a suposta participação societária na Sinovac, e emitiu uma nota desmentindo qualquer envolvimento de Lulinha na empresa.

Ainda houve uma tentativa de verificação junto ao usuário do Facebook que postou o conteúdo, com o envio de mensagem pela mesma rede social que usou para a divulgação, mas ele não respondeu.

Para a checagem, também foram verificados o site da Sinovac e da Nasdaq, mercado de ações em que a empresa chinesa está listada, de modo a identificar os sócios. Entre os acionistas, nenhuma organização brasileira.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de maio de 2021.

Verificação

Plano para eleição presidencial

O conteúdo que circula nas redes sociais faz conjecturas sobre o suposto acordo de Doria e Lulinha como um plano do governador paulista visando à eleição presidencial, em 2022.

Em um dos trechos, a mensagem diz que “uma força-tarefa da Polícia Federal descobriu que a empresa farmacêutica Sinovac Biotech, meses antes de assinar um acordo com o governo do Estado de São Paulo e o Instituto Butantan, teve 20% das ações compradas por um grupo de investidores, aqui do Brasil, cujo maior societário é Fábio Luís Lula da Silva, filho do corrupto condenado Lula.”

Os 20%, segundo a postagem, teriam sido adquiridos por R$100 milhões na época, mas já teriam alcançado a marca de R$ 1,5 bilhão.

Outro ponto afirma que houve uma tentativa de encobrir o acordo, cujo objetivo seria conquistar o apoio da esquerda ao projeto político de Doria de se eleger presidente.

“Ele ganha a eleição e o PT, que não se elege mais, ganha apoio político e também uma parte da venda das ações que o filho do Lula comprou, ou seja, esses políticos safados querem nos aplicar uma vacina vagabunda, sem eficácia alguma, e ainda lucrar em cima do povo doente, sofrido e cheio de medo.”

No contato feito com a Polícia Federal, o órgão foi questionado sobre a existência do inquérito 2022 13 45 – o número é a junção do ano da eleição e a representação dos partidos de Lula (PT/13) e Doria (PSDB/45). Também foi perguntado se há investigação sobre a sociedade do governador de São Paulo e Lulinha.

Em nota enviada por e-mail, a Polícia Federal informa que as ações e operações do órgão são divulgadas oficialmente no site. “Qualquer informação que circule nas redes sociais que não tenha partido dos nossos canais oficiais de comunicação é de total responsabilidade de quem a divulgou”, diz um trecho. Em pesquisa no site da PF, não há nenhum inquérito com o número indicado na postagem.

No site da Sinovac, não há nenhuma menção a Lulinha como sócio e, na seção de relacionamento com o investidor, a empresa ressalta que não oferece atualmente planos de compra direta de ações, uma modalidade de investimento em que uma pessoa interessada poderia adquirir os papéis da fabricante chinesa.

Já a página da Nasdaq, mercado de ações na qual se encontra a Sinovac, não inclui nenhum grupo brasileiro, como sugere a postagem do usuário do Facebook. Em outro site de avaliação desse mercado, consta que a maior participação é da 1 Globe Capital, que detém 26% das ações da Sinovac, seguida pela SAIF Advisors, com 15,2%. Há, ao todo, 10 acionistas, com cotas variadas, a partir de 1,72% de participação na Sinovac.

Do governo de São Paulo, o Comprova quis saber sobre a relação de Doria com Lulinha e, ainda, sobre a declaração de que a CoronaVac não é eficaz.

A resposta, também por nota, enfatiza que a “informação é completamente falsa” e completa:

“Esta é mais uma das inumeráveis fake news que têm o objetivo exclusivo de desinformar e confundir a população sobre as necessárias ações de combate à pandemia do coronavírus, que são adotadas pelo governo de São Paulo desde o início do ano passado”, pontua a Secretaria de Comunicação do governo paulista.

Procurado para se manifestar sobre o conteúdo divulgado ou intermediar o contato com Lulinha, o ex-presidente Lula sustenta, em nota, que ele e sua família “são vítimas há anos de mentiras divulgadas por grupos políticos adversários, que produzem as mentiras mais absurdas com objetivos político-eleitorais.”

Na avaliação do petista, são os mesmos grupos políticos que divulgam informações falsas sobre a pandemia, causando danos para a população brasileira no combate ao vírus que já matou mais de 411 mil brasileiros.

“Infelizmente, as autoridades e redes sociais fazem pouco para coibir esse comportamento nocivo para a sociedade brasileira. Lógico que o filho do ex-presidente Lula não tem relação nenhuma com a empresa que produz a vacina CoronaVac”, critica Lula, acrescentando que é importante que os brasileiros tenham acesso às vacinas para superar a pandemia.

A CoronaVac no Brasil

Produzida pela empresa de biotecnologia Sinovac, sediada na China, a Coronavac está no lote das primeiras vacinas contra a Covid-19 a serem usadas no Brasil ao lado da Astrazeneca/Oxford/Fiocruz. Em junho do ano passado, o governo de São Paulo, ao qual o Instituto Butantan é vinculado, anunciou a parceria para testes e produção do imunizante no país.

Três meses depois, Doria assinou um contrato com a companhia chinesa para transferência de tecnologia, possibilitando que o Butantan assumisse a produção para a distribuição da vacina no país. Já em dezembro, foi iniciada a fabricação do imunizante em território brasileiro.

No início de janeiro, o instituto divulgou que o resultado dos estudos apontavam para a eficácia da Coronavac, e foi solicitado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o uso emergencial no Brasil. No mesmo dia em que o órgão aprovou a utilização, em 17 de janeiro, o governo de São Paulo deu início à campanha da vacinação, antes da data que havia sido programada pelo Ministério da Saúde, provocando novos embates entre João Doria e o governo federal.

Naquele mesmo mês, começou a circular nas redes sociais a mensagem relacionando o governador de São Paulo a Lulinha, estabelecendo uma conexão com a aquisição da Coronavac. A postagem voltou a ganhar força em abril, especialmente em compartilhamentos por aplicativos de mensagem.

Ao longo de todo o processo, a vacina esteve no centro da disputa política de Jair Bolsonaro e João Doria.

Por que investigamos?

O Comprova investiga informações suspeitas com grande alcance na internet, caso do conteúdo analisado nesta checagem. As postagens circulam no Facebook, Twitter e são compartilhadas pelo WhatsApp.

O conteúdo foi considerado suspeito porque estabeleceu uma relação comercial de duas figuras públicas, de espectros políticos distintos, sem apresentar dados confiáveis.

O Projeto Comprova verifica também conteúdos que contenham informações duvidosas sobre a Covid-19. Neste caso, a mensagem levanta suspeição sobre a vacina Coronavac, uma das opções de imunização contra a doença no Brasil, e a desinformação pode comprometer a estratégia de vacinação no país.

A Agência Lupa já fez a verificação do mesmo boato, ressaltando que Lulinha não comprou 20% das ações da Sinovac. O Estadão e o projeto Fato ou Fake, do G1, também desmentiram o conteúdo ao fazer a checagem.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-05-06

É verdadeiro vídeo publicado por Bolsonaro e que mostra comboio levando alimentos para Araraquara

  • Comprovado
Comprovado
É verdadeiro o vídeo publicado nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro, que mostra um comboio levando alimentos para serem doados a populações carentes da cidade de Araraquara, no interior paulista. A ajuda foi enviada pela Ceagesp, cujo diretor-presidente foi nomeado por Bolsonaro. O prefeito da cidade, nas redes sociais, chamou a ação de “elogiável”, mas criticou o que considerou ser oportunismo político em sua realização.
  • Conteúdo verificado: Vídeo mostra um comboio de veículos da Polícia Militar de São Paulo e caminhões do Exército brasileiro. A legenda diz que se trata de comboio saindo da Ceagesp, na capital, levando alimentos para a cidade de Araraquara, no interior.

É verdadeiro que um vídeo publicado nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro mostre um comboio levando alimentos para serem doados a populações carentes da cidade de Araraquara, no interior paulista. A ação foi articulada pela Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), e foi viabilizada com apoio logístico do Comando Militar do Sudeste, do Exército brasileiro, e da Polícia Militar de São Paulo. O diretor-presidente da CEAGESP é o coronel da reserva da Polícia Militar, Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo. Ele foi indicado pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro ao cargo.

A cidade de Araraquara se destacou por ser a primeira cidade paulista com mais de 100 mil habitantes a proibir a circulação de veículos e pessoas ao longo do dia, a não ser em casos excepcionais. O lockdown rígido durou 10 dias e foi adotado após um aumento expressivo no número de mortes e casos causados pela circulação da variante de Manaus. Todos os estabelecimentos foram fechados, com exceção de unidades de saúde de urgência e emergência. Supermercados só podiam funcionar no modo delivery.

Na postagem checada pelo Comprova, o presidente Jair Bolsonaro escreveu que os alimentos iriam para “aqueles que perderam renda vitimados pela política do ‘fique em casa que a economia a gente vê depois’”, fazendo referência às medidas de fechamento da economia como forma de isolamento social. Bolsonaro é contra qualquer medida de restrição nesse sentido, embora seja comprovado que elas impedem que a pandemia saia de controle ao cortar a cadeia de transmissão do vírus.

Nas redes sociais, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), chamou a ação de “elogiável”, mas criticou o que considerou ser oportunismo político em sua realização. Ele disse que a prefeitura e as entidades da cidade já prestam o apoio necessário e que “isso é feito todos os dias, não só num dia para criar imagem, viralizar imagem”.

Como verificamos?

O primeiro passo foi buscar as informações nos canais oficiais da prefeitura de Araraquara, do Comando Militar do Sudeste e da Ceagesp. Também buscamos reportagens em veículos de imprensa profissionais que pudessem dar o contexto dos fatos checados.

Entramos em contato com as assessorias de comunicação do Exército e da Ceagesp, mas não tivemos resposta até a publicação desta checagem.

Verificação

A ação da Ceagesp

A Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) é uma empresa pública federal, vinculada ao Ministério da Economia. Ela faz a ponte entre os produtores agrícolas e a ponta do comércio. Conta com centros de armazenagens e entrepostos para venda dos alimentos.

Em nota publicada em seu site, a Ceagesp anuncia o comboio como uma “ação social” que visa ajudar cidades prejudicadas pela pandemia. No Twitter da companhia, é possível ver que ações semelhantes já destinaram mantimentos para as cidades de Potim e Roseira, no interior paulista, para dois hospitais da capital e para uma tribo indígena na região metropolitana de São Paulo. Esta última também foi elogiada por Bolsonaro no Twitter.

A ação para beneficiar Araraquara foi realizada em 29 de abril. Os alimentos foram doados pelos comerciantes do entreposto da capital e de unidades do interior, mas também por quaisquer pessoas físicas ou empresas que desejaram participar. Foram colhidas 100 toneladas de frutas, verduras, legumes e cestas básicas, de acordo com o próprio diretor-presidente Ricardo Mello Araújo.

É possível ver fotos e vídeos do comboio de caminhões do Exército levando os alimentos no Twitter oficial do Comando Militar do Sudeste (CMSE). Ele saiu do entreposto na capital às 3h30.

Nas redes sociais, Mello Araújo diz que a ação em Araraquara foi motivada por pedidos de entidades da cidade e por vídeos enviados pela própria população. “Me estranhou que nessa operação não houve pedido da prefeitura nem de vereadores. Os pedidos são da população”, comentou. Ele também fala que “Araraquara foi fechada num lockdown muito severo e a cidade está passando grande necessidade”.

É possível ver imagens da ação nas redes sociais. Em um dos vídeos, uma mulher que seria uma das beneficiadas agradece e diz que “esse alimento vem em um momento de muita necessidade. É a hora mais certa do que nunca para ajudar a gente”.

Embora a pandemia tenha atingido desproporcionalmente as populações mais vulneráveis e os trabalhadores informais, a região de Araraquara conhece os problemas da vulnerabilidade social há muito tempo antes da pandemia. O Comprova encontrou uma reportagem do jornal Folha de São Paulo, de 1999, que dizia que 6,77% da população vivia em situação de indigência. Já o portal G1 noticiou que em 2013, 0,6% da população vivia em situação de miséria.

A ação da Ceagesp não contou com o apoio da prefeitura de Araraquara. Em vídeo publicado nas redes sociais, o prefeito Edinho Silva (PT) chamou a ação da Ceagesp de “elogiável”, mas não poupou críticas e falou que ela foi feita para “criar imagens”.

“Todos os alimentos que foram distribuídos poderiam chegar às mesmas famílias utilizando as redes existentes, as entidades assistenciais e a rede pública. E as pessoas não precisariam se expor ao sol e a horas de fila. Sendo filmadas, sendo expostas”, falou.

Citando o número de 250 toneladas doadas pela prefeitura em 2020, Edinho Silva argumentou que a cidade tem uma rede de apoio às populações carentes, seja por meio da assistência social, seja por meio de entidades. Como mostrou o UOL Confere, é possível encontrar informações de doações de alimentos no site da prefeitura desde ao menos 2017. “Isso é feito todos os dias, não só num dia para criar imagem, viralizar imagem. Esse é o conceito: viralizar imagens que não refletem a realidade”, opinou.

Araraquara teve lockdown rígido

Araraquara é uma cidade do interior paulista, distante cerca de 250 km da capital. Sua população estimada pelo IBGE em 2020 era de 238 mil habitantes. Seu prefeito é o petista Edinho Silva, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social no segundo mandato de Dilma Rousseff.

A cidade paulista foi a primeira com mais de 100 mil habitantes a proibir a circulação de veículos e pessoas ao longo do dia, a não ser em casos excepcionais. A medida foi necessária depois que a cidade viu os números de mortes e novas contaminações subirem muito rapidamente. Foi detectada no município a nova variante de Manaus, mais contagiosa, o que teria contribuído para a velocidade de contaminação.

O isolamento mais rígido começou em 21 de fevereiro, e terminou em 2 de março. No total, a população ficou sob as condições mais rígidas durante 10 dias, considerando-se um período de abertura gradual a partir do dia 27.

Durante o período mais rígido, era liberado apenas o funcionamento de farmácias e unidades de saúde e emergência. Os supermercados podiam funcionar apenas por meio de delivery, o transporte público foi interrompido e todas as atividades comerciais foram barradas, com exceção da área da segurança. Ao fim do lockdown, o município voltou para as regras de restrição do Plano São Paulo, o plano estadual de controle da atividade econômica.

No primeiro dia de lockdown, a cidade tinha ocupação de 97% dos leitos de enfermaria e 98% dos leitos de UTI (públicos e privados). Eram 218 pacientes internados, sendo 155 em leitos de enfermaria e 63 de UTI. Destes, 180 eram moradores de Araraquara e 38 de outros municípios, transferidos para lá.

Dezesseis dias depois do fim do lockdown rígido, o número de internados baixou para 175. Os índices de ocupação caíram para 67% dos leitos de enfermaria (175 pacientes) e 84% de UTI (74 pacientes). Destes, 125 eram moradores de Araraquara e 50 transferidos de outros municípios.

Nesta quarta-feira, 5, o município tinha taxa de ocupação de 60% dos leitos de enfermaria (98 pacientes) e 90% dos leitos de UTI (83). Destes, 86 eram moradores da cidade e 95 eram de outros municípios.

As medidas de restrição da locomoção e da atividade comercial popularmente conhecidas como lockdown reduzem a expansão da pandemia na medida em que interrompem a cadeia de transmissão do vírus. A Organização Mundial da Saúde reconhece os impactos negativos para a economia e a sociedade, mas afirma que alguns países não tiveram outra opção que não “decretar lockdown para ganhar tempo”. Por isso, ela reforça que a medida seja adotada quando e onde for necessária, considerando-se a situação de cada local.

A Ceagesp e o coronel Araújo Mello

O coronel da reserva da Polícia Militar, Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, foi indicado pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro ao cargo de diretor-presidente da Ceagesp. Quando na ativa, foi comandante da tropa das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), unidade de elite da PM de São Paulo.

Com o coronel da reserva no comando, a Ceagesp se tornou o principal reduto bolsonarista em São Paulo. Em janeiro, o local sediou um protesto contra o aumento de impostos de alimentos anunciado e posteriormente revogado pelo governador João Doria (PSDB), um dos principais rivais políticos de Bolsonaro. Na ocasião, também houve a doação de 60 toneladas de alimentos à população. Houve aglomeração e confusão devido à grande quantidade de pessoas.

Ainda em 2020, o governo de São Paulo discutia com a Secretaria de Desestatização, do Ministério da Economia, a transferência da Ceagesp da Zona Oeste da capital para outro terreno próximo ao complexo viário do Rodoanel Mário Covas, além da privatização do terreno atual. O gesto acabou desautorizado por Bolsonaro, que disse que “nenhum rato vai privatizar isso aqui para beneficiar seus amigos”.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova verifica conteúdos de redes sociais ligados à pandemia de coronavírus e a ações do governo federal. Damos prioridade para conteúdos que estejam sendo amplamente compartilhados ou que possam causar dano à saúde ou à vida das pessoas.

O presidente Jair Bolsonaro tem forte presença nas redes sociais e suas publicações alcançam um grande número de pessoas. O vídeo do comboio com destino a Araraquara foi visto ao menos 169 mil vezes no YouTube. Já no Twitter recebeu 38,8 mil reações até a publicação deste texto.

A aplicação de medidas de isolamento social tem sido muito politizada devido aos seus impactos econômicos, sociais e de saúde — por isso, é alvo de desinformação nas redes sociais. Dessa forma, é necessário checar mesmo as postagens feitas por autoridades. O Comprova já checou uma postagem da deputada Bia Kicis (PSL-DF) na qual o posicionamento da OMS sobre isolamento social foi tirado de contexto para apoiar falas de Bolsonaro.

Comprovado, para o Comprova, é o conteúdo original publicado sem edição e que mostre um fato ou evento que tenha sido confirmado.

 

Saúde

Investigado por: 2021-05-03

Posicionamento da OMS é retirado de contexto para apoiar falas de Bolsonaro contra o isolamento social

  • Enganoso
Enganoso
Reportagens com falas antigas de representantes da Organização Mundial da Saúde sobre o enfrentamento à pandemia são retiradas de contexto para reforçar o discurso do presidente Bolsonaro sobre o fim das medidas de distanciamento social.
  • Conteúdo verificado: Postagens recentes do vereador Carlos Bolsonaro e da deputada Bia Kicis (PSL-DF) comparam falas do presidente Jair Bolsonaro sobre a duração da pandemia do novo coronavírus e as medidas de isolamento com posicionamentos da OMS publicados em reportagens sobre o tema.

As falas do presidente Jair Bolsonaro contrárias às medidas de enfrentamento à pandemia da covid-19 não condizem com o posicionamento da Organização Mundial da Saúde sobre o tema, ao contrário do que sugerem postagens de políticos no Facebook.

Em duas publicações recentes, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) e a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) comparam uma fala de Bolsonaro contrária ao isolamento social, sob a justificativa de que “vamos conviver com o vírus a vida toda”, a posicionamentos de representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a duração da pandemia, publicados em diferentes veículos no ano passado.

Nas postagens há apenas uma referência ao título de cada matéria: “Bolsonaro volta a atacar isolamento: vamos conviver com o vírus a vida toda”, da Istoé; “OMS: não esperem a vacina para acabar com pandemia – Entidade alerta que pessoas terão que conviver com o vírus”, da CNN; e “Coronavírus pode nunca ser erradicado, alerta OMS”, do Poder360. Porém, uma leitura completa dos textos, localizados pela nossa reportagem, mostra que a OMS, na verdade, reforça a importância das medidas adotadas em todo o mundo para o enfrentamento à pandemia, sobretudo nos momentos em que houve aumento do número de casos. Em posicionamentos mais recentes, membros da Organização também já defenderam, por diversas vezes, os protocolos de distanciamento e uso de máscaras, por exemplo.

O vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro e a deputada Bia Kicis foram procurados pela reportagem, por e-mail, mas não responderam até a publicação desta verificação.

Como verificamos?

Os posts dos dois políticos fazem uma comparação entre duas reportagens. Uma, publicada no site da Istoé em 12 de fevereiro, tem o título “Bolsonaro volta a atacar isolamento: vamos conviver com o vírus a ‘vida toda’”.

Na publicação de Bia Kicis, o outro trecho mostrado na imagem é de uma matéria do portal Poder360, como mostra a logo no canto da postagem.

Uma busca no Google pelo trecho em destaque nos levou a uma publicação do dia 14 de maio de 2020, intitulada “Coronavírus pode nunca ser erradicado, alerta OMS”, e assinada pela Deustche Welle, emissora pública de comunicação da Alemanha.

Já no caso da publicação de Carlos Bolsonaro, o segundo conteúdo é uma foto que mostra a correspondente da CNN em Londres, Denise Odorissi, com a legenda “OMS: não esperem a vacina para acabar com a pandemia – entidade alerta que pessoas terão que conviver com o vírus”.

O Comprova tentou localizar o vídeo completo da reportagem, mas ele não está disponível nos canais oficiais da CNN. Buscamos, então, por pistas da data em que foi veiculada e em que contexto começou a circular.

Imagens semelhantes da transmissão da CNN vêm circulando desde agosto de 2020. A mais antiga encontrada pelo Comprova foi publicada no Twitter pelo perfil @BOLS4KUR4, que tem outro nome atualmente. O tuíte, de 21 de agosto de 2020 às 8h31, destacava duas frases reproduzidas pela geração de caracteres do canal de notícias: “não esperem a vacina para acabar com a pandemia” e “as pessoas terão que conviver com o vírus”. Em seguida, o perfil reclama que o presidente Jair Bolsonaro “foi chamado de genocida por dizer a mesma coisa”. O tuíte teve mais de 7 mil interações.

No mesmo dia, prints do tuíte foram compartilhados em várias páginas e grupos de apoio ao presidente Bolsonaro no Facebook. As postagens que tiveram mais engajamento foram feitas por deputados federais: a de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), publicada às 13h05, recebeu mais de 110 mil interações e a de Bia Kicis (PSL-DF), enviada às 13h38, ultrapassou as 55 mil interações.

A postagem mais antiga com a mesma imagem da CNN encontrada pelo Comprova no Facebook foi feita pelo deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que usou o material para criticar a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

De acordo com a ferramenta Crowdtangle, a publicação foi feita às 8h38 do dia 21 de agosto de 2020 e recebeu mais de 10 mil interações (reações, comentários e compartilhamentos). Os perfis oficiais de Silveira no Facebook, Instagram e Twitter estão bloqueados por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), depois que o parlamentar divulgou um vídeo com ataques aos integrantes da Corte e em defesa da ditadura militar.

Nessas postagens, ao contrário da publicada por Carlos Bolsonaro, é possível ver a imagem completa da tela da CNN. Outra notícia, na tarja inferior do canal, diz: “Chuva de meteoritos atinge o sertão de Pernambuco”.

Com uma busca no Google, localizamos a reportagem da CNN sobre a chuva de meteoritos em questão, que é do dia 20 de agosto de 2020. Como o conteúdo também começou a circular nas redes sociais por volta do mesmo dia, procuramos, então, por pronunciamentos de representantes da OMS que tivessem relação com o conteúdo veiculado na CNN e tivessem uma data próxima a 20 de agosto, e encontramos a transcrição de um discurso do diretor-geral da Organização, Tedros Adhanom, do dia 21 de agosto.

A nossa reportagem tentou contato com o vereador Carlos Bolsonaro e com a deputada Bia Kicis pelo e-mail dos respectivos gabinetes dos políticos, mas não tivemos retorno até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 3 de maio de 2021.

Verificação

“Vamos conviver com o vírus a vida toda”

A matéria da Istoé que menciona Jair Bolsonaro e cujo título foi publicado por Carlos Bolsonaro e Bia Kicis é de 12 fevereiro de 2021, e repercute falas do presidente a apoiadores.

O texto detalha a declaração do chefe do executivo sobre a permanência do vírus: “Bolsonaro afirmou que, apesar de sua postura contra a quarentena, ele é chamado de ‘genocida’ mas, na sua avaliação, se a população ‘não trabalhar, vai morrer por depressão, praticar suicídio’. ‘Acho que vamos ter que conviver (com o vírus) a vida toda, ele não vai embora’, afirma”.

Outro trecho cita outras falas do presidente na mesma ocasião: “Em conversa com apoiadores, o dirigente apontou que, desde o início da pandemia do novo coronavírus, foi contrário ao discurso do ‘fica em casa e a política de que a economia a gente vê depois’. ‘Bateram bastante em mim, mas agora estão cobrando todos os desempregados’, afirmou. ‘Quem mandou ficar em casa não fui eu, fechou comércio e destruiu emprego não fui eu’, enfatizou.”

O Comprova localizou um vídeo com as declarações completas de Bolsonaro no dia 12 de fevereiro, para entender todo o contexto da declaração sobre a permanência do vírus. A declaração foi dada a apoiadores, na ocasião, em meio a críticas às ações de isolamento social:

“Quem mandou ficar em casa, fechou o comércio e destruiu empregos não fui eu. Querem agora me acusar de genocida. Sempre falei que tínhamos dois problemas: o vírus e o desemprego. ‘Ah, ele é insensível! Vida é uma só’. Ô imbecil, eu sei que a vida é uma só, mas nós temos que trabalhar. Se não trabalhar, vai morrer de depressão, vai praticar suicídio, vai ficar mais propenso a pegar outras doenças. Parece que não tem mais doença no Brasil. Só tem covid. E agora já estão dizendo aí — na imprensa, né, se é verdade não sei — teremos que conviver com o vírus com pelo menos 10 anos. Eu acho que vai ter que conviver a vida toda, não vai embora. Se você vacinar todo mundo no Brasil, alguém num país qualquer fim de mundo aqui, num fim de mundo qualquer, vai sobreviver gente com o vírus e quando acabar o efeito da vacina vem pra cá de novo.”

Vírus endêmico

Como já mencionado, o outro trecho de matéria destacado pela deputada Bia Kicis é do site Poder360, e traz as informações sobre uma entrevista coletiva concedida por integrantes da Organização Mundial da Saúde em maio do ano passado.

Uma leitura do texto completo mostra que, ao contrário do que disse Bolsonaro na ocasião repercutida na matéria da Istoé, a fala de representantes da OMS sobre “convivermos com o vírus” não está ligada a um abandono das medidas de isolamento e restrição de circulação. Em um trecho, a reportagem inclusive fala sobre o grande esforço necessário para que a pandemia fosse controlada:

“Ryan [Michael Ryan, diretor de emergências da OMS] reconheceu que o mundo demonstrou que a crise de covid-19 pode ser controlada, mas alertou que isso exigirá 1 “esforço maciço” de líderes e da sociedade, mesmo que uma vacina seja encontrada. Ele lembrou que vacinas existem para outras doenças que nunca foram erradicadas, como o sarampo.”

A possibilidade do vírus se tornar endêmico, apontada pela Organização Mundial da Saúde, não significa que devem ser abandonadas as principais medidas adotadas até então para o arrefecimento da pandemia: o distanciamento social, uso de máscaras e vacinação da população.

Em outra passagem, o texto traz outro alerta de Michael Ryan, que também demonstra a diferença entre o que diz a OMS e as declarações do presidente Bolsonaro: “Ryan acrescentou que ainda há um “longo caminho a percorrer” até o retorno à normalidade e insistiu que as nações mantenham seu curso no combate à pandemia.”

“Não esperem a vacina para acabar com a pandemia”

O posicionamento da Organização Mundial da Saúde a que a repórter da CNN se refere é, como também já mencionado, do dia 21 de agosto de 2020. Na ocasião, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, disse que não era possível aguardar uma vacina para adotar ações de combate ao vírus.

“Nenhum país pode ultrapassar isso [a pandemia] até que tenhamos uma vacina. Uma vacina será uma ferramenta vital, e esperamos ter uma disponível o mais breve possível. Mas não há uma garantia de que teremos, e mesmo se tivermos, ela não vai acabar com a pandemia sozinha. Nós todos precisamos aprender a controlar e lidar com este vírus usando as ferramentas que temos agora, e fazer os ajustes em nossas vidas cotidianas que são necessários para nos manter e aos outros seguros. Os chamados ‘lockdowns’ permitiram que vários países diminuíssem a transmissão [do vírus] e tirassem a pressão sobre os seus sistemas de saúde. Mas os lockdowns não são uma solução a longo-prazo para nenhum país. Nós não precisamos escolher entre vidas e meios de vida, ou entre a saúde e a economia. Esta é uma falsa escolha. Ao contrário, a pandemia é um lembrete de que a saúde e a economia são indissociáveis”.

É importante ressaltar que, em agosto do ano passado eram divulgados os primeiros resultados dos testes da CoronaVac, e a vacina russa Sputnik V havia sido anunciada há poucos dias – nenhum imunizante contra o novo coronavírus, portanto, era aplicado em larga escala no mundo. A primeira vacina só foi aplicada fora do contexto de testes, aliás, em dezembro, no Reino Unido.

Luz no fim do túnel

As reportagens usadas nas postagens de Carlos Bolsonaro e Bia Kicis são antigas, e a Organização Mundial da Saúde, hoje, diante da existência de várias vacinas eficazes contra o novo coronavírus, já atualizou os prognósticos para o futuro da pandemia.

No dia 18 de março, a Organização publicou, em sua página oficial em inglês um vídeo intitulado “As vacinas contra a covid-19 são parte da solução, mas não vão acabar com a pandemia sozinhas”. Na publicação, Mike Ryan diz que “As vacinas são uma parte enorme de uma solução de longo prazo, e quando chegarmos às vacinas de segunda ou terceira geração e melhorarmos o nosso monitoramento, nós vamos conseguir um controle total deste vírus. Há uma luz no fim do túnel”.

Segundo ele, porém, os imunizantes não vão ser capazes, por si só, de acabar com a transmissão da doença. “As vacinas vão acabar com a tragédia das mortes e das cenas horríveis de UTIs lotadas em hospitais. Mas não vão acabar com a transmissão. E ainda vão existir pessoas que não estarão protegidas porque elas não podem ou não querem ser vacinadas, ou, mais importante, não tem acesso às vacinas, por causa da forma como estamos distribuindo as vacinas no mundo, que, aliás, é terrivelmente injusto”, ressalta.

Na legenda do post, há a recomendação para que continuem a ser adotadas outras medidas de enfrentamento à pandemia, para além da vacinação: “distanciamento físico, máscaras, lavagem das mãos, ventilação e evitar aglomerações”.

Carlos Bolsonaro

Segundo filho do presidente, Carlos Bolsonaro é vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo partido Republicanos. Ele foi reeleito para o sexto mandato na Câmara Municipal em 2020, mas é apontado como um dos responsáveis pela estratégia de comunicação do pai nas redes sociais antes da eleição para presidente em 2018.

Outras postagens do vereador já foram checadas pelo Comprova, como um tuíte enganoso que acusava o governador do Maranhão, Flávio Dino, de defender o uso da cloroquina no tratamento da covid-19.

Bia Kicis

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Bia Kicis (PSL-DF) é aliada do presidente Jair Bolsonaro, e está em seu primeiro mandato como parlamentar.

O Comprova já verificou outras postagens feitas pela Deputada durante a pandemia da covid-19, como uma que questionava o uso de máscaras de proteção e um vídeo de médicos e empresários que desqualificava medidas contra a disseminação do vírus e culpava a China pela pandemia.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova verifica conteúdos que viralizaram nas redes sociais e que contenham informações suspeitas sobre o novo coronavírus. É o caso das postagens dos políticos, que, juntas, tiveram mais de 23 mil interações no Facebook, segundo a ferramenta CrowdTangle.

As medidas de distanciamento social, restrição de circulação e lockdown têm sido responsáveis, desde o início da pandemia, por evitar o colapso dos sistemas de saúde de vários países e por diminuir os índices de transmissão e as mortes pela doença.

O Brasil atingiu a marca de 400 mil mortes por covid-19 em abril. Sem uma quantidade suficiente de vacinas para garantir a imunização da população em ritmo necessário, essas medidas, adotadas de forma isolada por estados e municípios em alguns momentos da pandemia, são a única maneira de evitar uma terceira onda de casos do novo coronavírus nos próximos meses.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-05-03

Postagem sugere motivação política para Anvisa recusar vacina Sputnik V, mas especialistas apontam critérios técnicos

  • Enganoso
Enganoso
A Anvisa não autorizou a importação da vacina russa Sputnik V alegando falta de dados consistentes e confiáveis. Uma postagem feita no Twitter atribui a decisão a posicionamento político, comparando-a com a liberação de agrotóxicos. As áreas da Anvisa responsáveis pela análise de vacinas e agrotóxicos, entretanto, não são as mesmas e especialistas defendem critérios técnicos da agência reguladora.
  • Conteúdo verificado: Tuíte que levanta suspeitas sobre a não liberação da vacina russa Sputnik V pelos técnicos da Anvisa e faz uma comparação com a liberação de agrotóxicos no país.

Perfil no Twitter levanta suspeitas sobre a decisão dos técnicos da Anvisa de não liberar para aplicação no Brasil a vacina russa Sputnik V. O tuíte diz que a decisão tem motivação política e faz uma comparação com a liberação de agrotóxicos no país.

A Gerência-Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, entretanto, afirma ter identificado falhas no desenvolvimento do produto, nas três etapas dos estudos clínicos, além de ausência ou insuficiência de dados de controle de qualidade, segurança e eficácia. Segundo o órgão, as células onde os adenovírus são produzidos para o desenvolvimento da vacina permitem sua replicação, o que poderia acarretar infecções em seres humanos.

Dois especialistas ouvidos pelo Comprova avaliam que a agência brasileira se baseou em critérios técnicos para a decisão, descartando haver motivação política.

Em transmissão realizada no dia 29 de abril, a Anvisa apresentou documentos enviados pela Gamaleya, empresa responsável pela vacina, e trechos de uma reunião entre os brasileiros e os russos na qual foram apontadas as dúvidas, acrescentando que estas não foram respondidas. A agência brasileira afirma, ainda, que a decisão não é definitiva e que a empresa russa pode enviar mais dados e informações a qualquer momento.

A publicação no Twitter compara a liberação de vacinas com a de agrotóxicos. De fato, o Brasil autorizou o uso de substâncias que são proibidas na União Europeia, como o caso do herbicida Piroxassulfona, um ingrediente ativo inédito. As áreas técnicas responsáveis pelas liberações, entretanto, não são as mesmas. Além disso, a Anvisa não é o único órgão responsável pelos agrotóxicos, conforme o Decreto nº 4.074/02, que regulamenta a Lei dos Agrotóxicos (Nº 7.802/89).

O Comprova procurou o usuário que fez a publicação, mas até o momento não obteve retorno.

Como verificamos?

O Comprova conversou com a pesquisadora Ethel Maciel, pós-doutora em Epidemiologia pela Johns Hopkins University e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e com o fundador e ex-diretor da Anvisa, o médico e professor da USP Gonzalo Vecina Neto, além de ter consultado um artigo assinado pela microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, e pelo jornalista Carlos Orsi na revista Questão de Ciência.

Também foram examinadas as notas à imprensa emitidas pela empresa responsável pela vacina Sputnik V e pela Anvisa. O órgão brasileiro foi procurado e não deu retorno às questões específicas do projeto, mas direcionou para um pronunciamento realizado na tarde do dia 29 de abril, que foi acompanhado pelos verificadores. Ainda foram consultadas legislações e as liberações de agrotóxicos nos dois últimos anos, verificando se há relação entre elas e a liberação de vacinas. O projeto tentou contato, por fim, com o responsável pela publicação, mas não obteve retorno.

Verificação

Anvisa x Gamaleya

No dia 26 de abril, a Diretoria Colegiada (Dicol) da Anvisa decidiu, alegando falta de dados consistentes e confiáveis, não autorizar a importação da vacina russa Sputnik V. O Comprova buscou as justificativas junto à Anvisa, mas o órgão não deu retorno. Buscou-se, então, as notas emitidas pela agência.

Segundo a Anvisa, a decisão foi tomada com base em dados levantados e avaliados pelas equipes técnicas das gerências-gerais de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), de Inspeção e Fiscalização Sanitária (GGFIS) e de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GGMON). Também participaram do levantamento de informações a Gerência-Geral de Portos, Aeroportos e Recintos Alfandegados (GGPAF) e a Assessoria de Assuntos Internacionais (Ainte).

A Gerência-Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos afirma ter identificado falhas no desenvolvimento do produto, nas três etapas dos estudos clínicos, além de ausência ou insuficiência de dados de controle de qualidade, segurança e eficácia. Segundo a Anvisa, as células onde os adenovírus são produzidos para o desenvolvimento da vacina permitem sua replicação, o que poderia acarretar infecções em seres humanos.

“Esse aspecto foge dos padrões de qualidade recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos de Medicamentos para Uso Humano (International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use – ICH), seguidos pelas principais agências reguladoras do mundo, incluindo a Anvisa”, diz o posicionamento da agência.

A Anvisa aponta, ainda, ter identificado estudos de caracterização inadequados da vacina, ausência de validação/qualificação de métodos de controle de qualidade, ausência de testes de toxicidade reprodutiva e outros aspectos.

No dia 29 de abril de 2021, após o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), responsável pela produção e distribuição da Sputnik V, ter ameaçado processar judicialmente a agência brasileira, acusando-a de ter espalhado “informações falsas e imprecisas intencionalmente”, a Anvisa fez pronunciamento para tratar especificamente de adenovírus replicantes, transmitido pelo YouTube.

Antônio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, declarou que as informações sobre a presença de adenovírus replicantes constam dos documentos entregues à Anvisa pelo próprio desenvolvedor da vacina Sputnik V. Ele também negou qualquer motivação política para a não liberação, declarando que o trabalho dos técnicos foi norteado pelas informações recebidas, pelas pesquisas efetuadas e pelas viagens feitas, destacando que a decisão não é definitiva. Por fim, acrescentou que se trata de um retrato temporal, que pode ser modificado com dados revistos, corrigidos e reapresentados.

Ainda na apresentação, o gerente-geral de Medicamentos, Gustavo Mendes, apresentou prints contendo parte dos dados recebidos pela agência e que, segundo ele, foram essenciais para basear a decisão da Anvisa.

No dia 23 de março, a Anvisa se reuniu com os representantes da vacina no Brasil e na Rússia para discutir a questão. A reunião foi gravada em vídeo e partes dela foram transmitidas no comunicado deste dia 29. Há trechos da reunião em russo e que não foram traduzidos e, conforme a Anvisa, após o encontro foram enviadas exigências com pedidos de respostas para as dúvidas.

No dia 26 de março houve retorno, mas este não continha as respostas para as questões enviadas, argumenta a Anvisa.

O que dizem os especialistas

O Comprova procurou três especialistas questionando a opinião deles acerca da não liberação da Sputnik V por parte da Anvisa. A pesquisadora Ethel Maciel, pós-doutora em Epidemiologia pela Johns Hopkins University e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), observa que a equipe que analisa os pedidos de autorização de uso de vacinas na Anvisa é técnica, composta por servidores públicos concursados e não há indicação política para desenvolver a função.

Ethel Maciel ressalta que é obrigação da Anvisa ser criteriosa na análise porque, ao aprovar um imunizante, o órgão deve garantir sua segurança para a população. Ela aponta que os dados fornecidos pela fabricante da vacina não foram suficientes para aprovação da Sputnik V e, dado o tempo que a agência recebeu para fazer a avaliação, não havia condições de aprovação.

A pesquisadora acrescenta que a negativa não inviabiliza uma futura autorização de uso da Sputnik V no Brasil pela Anvisa, caso a fabricante atenda às exigências de segurança da vacina. Ethel Maciel lembra que, antes da aprovação da Coronavac, a agência também exigiu apresentação de dados que o Instituto Butantan não havia fornecido.

Fundador e ex-diretor da Anvisa, o médico e professor da USP Gonzalo Vecina Neto sustenta que a atuação da agência no pedido de aprovação Sputnik V demonstra a credibilidade da conduta técnica do órgão, afastando a ideia de motivações políticas. Assim como afirma Ethel, para ele a Anvisa está sendo criteriosa ao solicitar os dados brutos do Fundo Russo, que faz a intermediação entre o Instituto Gamaleya (fabricante da vacina) e o Brasil. E reforça que o posicionamento atual não é um veto definitivo.

Gonzalo Vecina frisa que, em um país democrático como o Brasil, a solicitação de uma autoridade sanitária deve ser atendida e, neste caso, o pedido que a Anvisa fez para os russos foi de explicações sobre os resultados dos testes que indicam cópias de vírus replicante na vacina, ao passo que deveriam ser não replicantes. Sem as respostas, que podem esclarecer as dúvidas e levar à validação do imunizante, a agência não poderia conceder a autorização, sob o risco de disponibilizar para a população uma vacina que não é segura.

A tecnologia da Sputnik é semelhante à da Oxford/AstraZeneca, já aplicada no Brasil. Nesse modelo, é usado um vírus inofensivo para simular no organismo uma ameaça que se deseja combater e, assim, o corpo gera uma resposta imune. O vetor viral da Sputnik, segundo a fabricante, foi modificado e não deveria se multiplicar (não replicante). Entretanto, os testes enviados pelo Instituto Gamaleya indicam o contrário, sendo objeto do questionamento da Anvisa e para o qual não houve resposta.

Gonzalo diz ainda que se preocupa com as manifestações do Fundo Russo criando suspeição sobre a Anvisa, numa atitude similar a que já causou atritos com a Agência Europeia.

Um artigo assinado pela microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, e pelo jornalista Carlos Orsi na revista Questão de Ciência, também destaca os critérios técnicos adotados pela Anvisa e condena a postura dos fabricantes nas redes socais, afirmando que laboratório e o Fundo Soberano Russo acusaram a agência brasileira sem provas.

Agrotóxicos e vacinas

A verificação também buscou saber se a Anvisa é a responsável por liberar agrotóxicos no Brasil e se há alguma ligação com a liberação de vacinas. Conforme consta na página oficial da agência, o registro de agrotóxicos é realizado de acordo com a Lei dos Agrotóxicos (Nº 7.802/89) e com o Decreto nº 4.074/02, que estabelece as competências para os três órgãos envolvidos no registro: a Anvisa, vinculada ao Ministério da Saúde; o Ibama, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente; e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

A Anvisa tem, entre outras competências, avaliar e classificar, toxicologicamente, os agrotóxicos, seus componentes e afins, ou seja, não é a responsável por todo o processo de liberação.

Conforme divulgado pela Anvisa, a decisão de não liberação da Sputnik V foi tomada com base em dados levantados e avaliados pelas equipes técnicas das gerências-gerais de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), de Inspeção e Fiscalização Sanitária (GGFIS) e de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GGMON). Também participaram do levantamento de informações a Gerência-Geral de Portos, Aeroportos e Recintos Alfandegados (GGPAF) e a Assessoria de Assuntos Internacionais (Ainte).

Já a responsável pela liberação da Anvisa de agrotóxicos é a Gerência Geral de Toxicologia (GGTOX).

Sputnik V e União Europeia

O tuíte também menciona que a vacina Sputnik V é usada na União Europeia. De fato, a substância foi autorizada para uso na Hungria, em posição contrária à Agência Europeia de Medicamentos, que autoriza, conforme consta no site da União Europeia, o uso de vacinas da Pfizer, da Moderna, da AstraZeneca e da Janssen. A Sputnik V consta na lista de vacinas que estão em revisão contínua pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA), ou seja, em processo de avaliação das vacinas potenciais para permitir a distribuição na União Europeia (UE) o mais rápido possível. Além da Hungria, a Eslováquia adquiriu doses, mas a decisão foi tomada pelo primeiro-ministro Igor Matovic sem conhecimento de outros segmentos do Governo, o que causou uma crise e a renúncia dele ao cargo.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia da covid-19 que tenham obtido grande alcance nas redes sociais e em aplicativos de mensagens. A publicação verificada tinha 2.6 mil interações até o dia 3 de maio, gerando amplo debate nos comentários, entre

quem concorda e quem discorda do posicionamento.

Anteriormente, o projeto já verificou outras postagens referentes à agência brasileira, como um vídeo manipulado que deturpa entrevista do presidente do órgão e mensagens que falam sobre imunogenicidade inadequada da vacina CoronaVac, questionando sua eficácia.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que use dados imprecisos ou que induza a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-04-30

É enganoso post de Carlos Bolsonaro que acusa Flávio Dino de defender uso da cloroquina contra covid-19

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a postagem do vereador Carlos Bolsonaro em que ele usa um vídeo antigo, fora de contexto, para atribuir ao governador do Maranhão conduta de apoio à hidroxicloroquina como remédio eficaz no enfrentamento à covid-19.
  • Conteúdo verificado: Tuíte do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) compartilha um vídeo em que aparece o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB-MA), e pergunta se a CPI investigará também o governador sobre seu posicionamento favorável à hidroxicloroquina.

É enganoso um tuíte de Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República e vereador pelo Rio de Janeiro, afirmando que o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), é defensor da hidroxicloroquina no tratamento contra a covid-19. Na postagem, Carlos usa um trecho editado de uma fala de Dino para argumentar que ele teria “posicionamento favorável quanto à hidroxicloroquina”. O Comprova encontrou a íntegra da declaração do governador do Maranhão, feita em maio de 2020, e verificou que Dino, na ocasião, defendia que os médicos tivessem liberdade para ministrar medicamentos para o tratamento da doença, inclusive a hidroxicloroquina, se fosse o caso.

No tuíte verificado, do dia 22 de abril deste ano, Carlos Bolsonaro indaga se a CPI da Covid, instaurada no Senado, vai investigar Flávio Dino. “Mais uma questão: será que a CPI do Covid investigará o governador Dino (PCdoB/MA) sobre o posicionamento favorável quanto à hidroxicloroquina? Esse tipo de questão não é mostrado por ai”, questiona o vereador.

A fala do vereador se refere ao fato de que os incentivos de Jair Bolsonaro e de seu governo ao uso da hidroxicloroquina e da cloroquina, substâncias cuja ineficácia contra a covid-19 já foi comprovada serão investigados pelos senadores.

A fala de Flávio Dino destacada por Carlos Bolsonaro é um trecho de uma entrevista concedida pelo governador do Maranhão ao jornal JMTV 2ª Edição, da TV Mirante, afiliada à TV Globo, em maio de 2020. No tuíte de Carlos Bolsonaro, além de a fala não aparecer na íntegra, não consta a data em que a entrevista foi gravada.

Como verificamos?

O Comprova buscou o Governo do Maranhão por e-mail para tentar esclarecer qual é – e qual já foi – o posicionamento de Dino e da administração estadual em relação aos medicamentos no contexto do enfrentamento à covid-19. Os endereços do gabinete do governador e da Secretaria de Estado da Comunicação Social (Secom) foram acionados por esta reportagem.

A íntegra da entrevista de Dino ao JMTV 2ª Edição foi encontrada no site Globoplay, o serviço de streaming da Rede Globo.

Também procuramos o gabinete do vereador Carlos Bolsonaro para esclarecer o teor do tuíte publicado por ele, mas não obtivemos resposta.

O Comprova fez esta verificação com base em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de abril de 2021.

Verificação

Em 19 de maio de 2020, ainda no início da pandemia, o programa “Bom Dia, Mirante” retransmitiu a entrevista de Flávio Dino concedida na noite anterior ao JMTV 2ª Edição, da mesma emissora. O apresentador do “Bom Dia Mirante”, Soares Júnior, anuncia a reprodução da entrevista ocorrida um dia antes.

A data exata da entrevista de Dino ao JMTV 2ª Edição, portanto, é 18 de maio de 2020. No mesmo dia, o Maranhão contabilizava 72 casos suspeitos de covid-19, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde do estado (SES).

Na ocasião, estava em curso um debate a respeito da utilização da hidroxicloroquina como tratamento para a doença. O presidente Jair Bolsonaro insistia no uso do medicamento, posição que serviu como um dos motivadores para as demissões de dois ministros da Saúde – Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich – que deixaram a pasta em 16 de abril e 15 de maio, respectivamente.

Um dos temas da entrevista com Flávio Dino era a politização da cloroquina e da hidroxicloroquina. Dino disse ao JMTV 2ª Edição que a cloroquina poderia ser receitada no Estado. “Nós sempre oferecemos aos médicos a oportunidade de receitar cloroquina, azitromicina, ivermectina, todos esses remédios, kóide-D, todos esses remédios que experimentalmente têm sido vistos por alguns profissionais como eficazes”, afirmou.

O tuíte verificado aqui traz uma parte justamente desse trecho para afirmar que Dino é favorável à cloroquina. O tuíte omite, porém, o restante da fala do governador do Maranhão. Na sequência da resposta, Dino afirma que “infelizmente eu não sou médico, quem decide qual o remédio que, concretamente, o médico vai dar para cada paciente” e completa afirmando: “Se o médico achar necessário administrar o medicamento, ele será administrado. Se o médico não considerar cabível, ou que há riscos para os pacientes, é claro que não serei eu nem nenhuma autoridade externa que vai influenciar no conteúdo do trabalho do médico”.

A posição de Dino naquele momento era, portanto, de dar liberdade aos médicos para escolher o tratamento. Bolsonaro, por sua vez, defendia abertamente o uso da cloroquina, inclusive para pacientes com sintomas leves.

Em nota ao Comprova, a Secretaria de Estado da Saúde do Maranhão confirmou que a hidroxicloroquina “foi utilizada em pacientes com covid-19 na rede estadual por decisão médica em ambiente hospitalar até o fim de maio de 2020.” A SES também afirmou ter deixado sob critério dos médicos a recomendação a respeito do uso de medicamentos, inclusive ivermectina e cloroquina.

A reportagem do Comprova questionou se o posicionamento expressado no ano passado foi revisto pela gestão estadual. A SES afirmou que médicos infectologistas do Maranhão já “emitiram protocolo onde não recomenda o uso da cloroquina/hidroxicloroquina para tratamento dos casos da covid-19.”

De fato, uma “Diretriz de Atendimento” para pacientes com síndrome respiratória aguda infecciosa publicada em junho de 2020 mostra que neste momento o Governo do Maranhão já orientava contra a utilização da hidroxicloroquina. O órgão destaca no documento que a hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos “não demonstraram benefício em pacientes internados, com aumento do risco de complicações cardiológicas”.

Portanto, seu uso não é mais recomendado para o suposto “tratamento precoce” da covid-19. O suposto tratamento, advogado pelo governo de Jair Bolsonaro em diversas ocasiões, seria a causa de graves problemas no fígado em pacientes que o adotaram, alguns dos quais passaram a precisar de transplantes.

A terceira e mais recente edição da “Diretriz de Atendimento” é do dia 10 de fevereiro de 2021. Nela é possível notar que o Governo do Maranhão mantém seu posicionamento sobre o uso destes medicamentos. O documento afirma que “a utilização de qualquer outra terapia específica para SARS-CoV-2 (hidroxicloroquina, nitaxonizada, ivermectina e afins) só está indicada mediante estudo clínico devidamente comprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa”.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos compartilhados sobre a pandemia de covid-19 no Brasil que tenham muita viralização. Até sexta-feira 30, a postagem de Carlos Bolsonaro contabilizava 7.148 curtidas e 2.259 retuítes na rede social.

Desde que foi instaurada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, Carlos Bolsonaro tem publicado posts contra governadores adversários do pai, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), também foi criticado por Carlos Bolsonaro numa publicação do mesmo gênero. No Twitter, o filho do presidente afirmou que o tucano era defensor da cloroquina e da hidroxicloroquina no combate ao vírus, indagando se a CPI também iria inquiri-lo.

Cloroquina e hidroxicloroquina são drogas propagadas por grupos políticos como eficazes no tratamento da covid-19, a despeito de já terem sido rechaçadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que encerrou estudos com a cloroquina, e por outras autoridades sanitárias. Estes fármacos são parte de um receituário falsamente propagado como “tratamento precoce” para a infecção. O conceito inexiste na literatura científica.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.