O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-11-30

Artigo não prova impossibilidade de transmissão da covid-19 por assintomáticos

  • Enganoso
Enganoso
Os próprios autores do artigo, ouvidos pelo Comprova, dizem que os dados não permitem comprovar que indivíduos sem sintomas não sejam capazes de infectar outros
  • Conteúdo verificado: Postagem do site Terça Livre diz que estudo feito na China prova que pessoas assintomáticas não transmitem o novo coronavírus.

É enganoso afirmar que um estudo feito na China prove que pessoas assintomáticas não são capazes de transmitir o novo coronavírus. O artigo, publicado na revista acadêmica Nature Communication, mostrou que durante uma pesquisa de prevalência sorológica realizada em Wuhan os pesquisadores encontraram 300 casos de pacientes assintomáticos. Eles testaram 1.174 contatos próximos desses pacientes e nenhum deles testou positivo. No entanto, os próprios autores do artigo dizem que os dados não permitem comprovar que indivíduos sem sintomas não são capazes de infectar os outros.

De acordo com o doutor Fujian Song, autor do artigo, é preciso diferenciar pacientes assintomáticos dos pré-sintomáticos. Os primeiros são pessoas que se recuperam da infecção pelo novo coronavírus sem apresentar nenhum sintoma. Já os segundos são aqueles que foram infectados e ainda não desenvolveram sintomas. De acordo com Song, já está demonstrado que pessoas pré-sintomáticas podem transmitir o SARS-CoV-2 antes mesmo de começar a demonstrar sinais da doença.

Além disso, o autor do artigo lembra que a pesquisa foi feita em Wuhan apenas algumas semanas após um rígido lockdown e, portanto, seus resultados não podem ser transferidos para um país onde o surto da covid-19 não está sob controle. Ele também recomenda que, mesmo com o resultado do seu estudo, as pessoas devem manter medidas de contenção do vírus, como a higienização das mãos e o distanciamento social.

Ao Comprova, o professor de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador de um estudo com doentes assintomáticos, Ivo Castelo Branco também disse que ainda não há consenso na comunidade científica sobre a transmissão do vírus por assintomáticos. “Há alguns meses, acreditava-se que as crianças infectadas mas com nenhum ou poucos sintomas tinham transmissão baixa. No entanto, foi comprovado posteriormente que nada disso é verdade, pois com a abertura das escolas, a contaminação aumentou mesmo com as crianças assintomáticas”, exemplifica.

Como verificamos?

Primeiramente, o Comprova leu o artigo científico citado pelo site e entrou em contato com um dos autores da pesquisa por meio do e-mail listado no artigo. Também procuramos os posicionamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre a possibilidade de assintomáticos transmitirem ou não o vírus que causa a covid-19. Entrevistamos ainda o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Ivo Castelo Branco.

Também enviamos um e-mail para o site Terça Livre, que publicou o conteúdo verificado, mas não recebemos retorno até a publicação dessa verificação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de novembro de 2020.

Verificação

O que diz o estudo?

O artigo, publicado em novembro, analisa dados de um estudo feito com quase dez milhões de moradores de Wuhan, na China, cidade que foi o primeiro epicentro da covid-19 no mundo, para entender a prevalência do vírus na população. O levantamento, feito pelo governo chinês, detectou, entre outras coisas, a existência de 300 casos assintomáticos na cidade (e nenhum caso sintomático) na segunda quinzena de maio. O governo chinês colocou em isolamento por duas semanas 1.174 contatos próximos dos assintomáticos, mas nenhum deles apresentou resultados positivos nos testes para o SARS-CoV-2.

Os testes de prevalência que embasam o estudo foram realizados entre cinco e oito semanas após o fim do lockdown em Wuhan, em abril. Embora os resultados reforcem que a carga viral (quantidade de vírus) com que uma pessoa tem contato pode influenciar no desenvolvimento de sintomas e, posteriormente, na transmissão entre indivíduos, o estudo defende a manutenção de medidas de saúde pública de prevenção e controle da covid-19, “incluindo o uso de máscaras e a manutenção de um distanciamento social seguro”. Segundo os autores, populações vulneráveis, com baixa imunidade ou comorbidades, devem continuar a ser apropriadamente blindadas contra o novo coronavírus.

O que dizem os pesquisadores?

Em e-mail enviado ao Comprova, Fujian Song, professor titular na University of East Anglia (Reino Unido) e um dos autores do estudo, demonstrou preocupação com a interpretação que as pessoas possam dar ao resultado da pesquisa. Ele explicou que os casos assintomáticos identificados no estudo são de pessoas que não apresentaram sintomas clínicos antes ou durante o período em que ficaram isoladas para acompanhamento. “Alguns casos assintomáticos podem se tornar sintomáticos após alguns dias e esses indivíduos serão capazes de infectar outras pessoas antes mesmo do início desses sintomas”, afirma.

O médico também lembrou que esses casos assintomáticos foram identificados apenas algumas semanas após um rigoroso lockdown que durou mais de 70 dias em Wuhan; o que fazia com que a pandemia estivesse efetivamente sob controle naquele momento. “É provável que a carga de vírus dos casos assintomáticos identificados no programa de triagem em Wuhan possa ser baixa, em comparação com os casos em locais com alta transmissão do vírus SARS-CoV-2. Portanto, é problemático aplicar os resultados do artigo a países onde os surtos de covid-19 não foram controlados com sucesso”, adverte.

Por fim, Song também reiterou que os resultados do artigo não devem ser utilizados para contrariar a implementação de medidas de intervenção não farmacêutica, como a cobertura facial e o distanciamento social. Medidas como estas vinham sendo adotadas pela população chinesa quando os testes foram feitos e o uso de máscaras em lugares públicos continua sendo uma prática comum em Wuhan até hoje.

Autoridades de saúde

Em junho, o tema dos assintomáticos veio à tona depois que a infectologista Maria Van Kerkhove, chefe do departamento de doenças emergentes da Organização Mundial da Saúde, afirmou que a transmissão do novo coronavírus a partir de pessoas “genuinamente assintomáticas” era rara. Um dia depois, para evitar mal entendidos, ela voltou a se pronunciar sobre o assunto dizendo que é preciso ter cuidado ao tirar conclusões a partir de dados iniciais. “Estamos absolutamente convencidos de que a transmissão por casos assintomáticos está ocorrendo, a questão é saber quanto”, ponderou Kerkhove na ocasião.

De acordo com a OMS, “quer apresentem sintomas ou não, pessoas infectadas podem ser contagiosas e o vírus pode se espalhar para outros a partir delas”. Segundo a entidade, dados de laboratório sugerem que as pessoas infectadas aparentemente são mais capazes de transmitir o vírus em um período de dois dias antes de desenvolver os sintomas e no início da doença. Aqueles que desenvolvem casos mais graves podem permanecer infecciosos por mais tempo. “Embora alguém que nunca desenvolverá os sintomas possa transmitir o vírus para outras pessoas, ainda não está claro com que frequência isso ocorre e são necessárias mais pesquisas nessa área”, admite a OMS.

Em seu site, a Fundação Oswaldo Cruz explica que, embora, em média, pessoas infectadas por coronavírus transmitam a doença durante uma semana após o início dos sintomas, dados preliminares do SARS-CoV-2, o vírus que causa a covid-19, indicam que a transmissão pode ocorrer mesmo sem o aparecimento de sinais e sintomas. “Ou seja, a doença pode ser transmitida mesmo em casos assintomáticos ou antes que a pessoa comece a apresentar sintomas mais claros”, diz a Fiocruz.

Transmissão depende do período da infecção

Procurado pelo Comprova, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará Ivo Castelo Branco explica que a probabilidade de uma pessoa transmitir vai depender mais do período da infecção no qual ela se encontra do que da presença ou não de sintomas.

“A pessoa com covid já pode transmitir o vírus na primeira semana antes do início dos sintomas, ou seja, quando ainda está assintomática”, explica. “Na segunda semana, ela apresenta os sintomas e diminui a carga viral. Na terceira semana, a carga viral praticamente desaparece”.

O médico coordena o “Projeto Avisa: Avaliação de Incidência de Infecção por SARS-CoV-2 e de Covid-19 no Brasil” em parceria com o Instituto Butantan, e estuda a evolução dos sintomas, a possibilidade de reinfecção e o tempo de imunidade à covid-19, tendo como foco as pessoas assintomáticas ou com manifestações leves da doença.

“A maioria dos estudos sobre a covid é sobre pacientes sintomáticos, e ainda por cima, sobre aquelas com sintomas mais graves e que necessitam de hospitalização. Há, portanto, uma insuficiência de informações no meio científico sobre essa parcela de assintomáticos, que representa uma grande parcela dos infectados”, aponta. “Mas o consenso é que é essencial seguir os protocolos de higiene para evitar a infecção pelo novo coronavírus, ou seja, usar máscaras e higienizar as mãos”, acrescenta.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia, as eleições 2020 e as políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. É o caso dessa publicação do site Terça Livre, que teve 1,6 mil interações no Twitter e 1,2 mil interações no Facebook, de acordo com a plataforma de monitoramento CrowdTangle. Quando os conteúdos tratam de métodos de prevenção ou disseminação do novo coronavírus, a verificação se torna ainda mais necessária porque informações erradas sobre a doença podem levar as pessoas a não adotarem medidas adequadas de proteção e se exporem a riscos de contaminação.

Desde o início da pandemia, o Comprova já mostrou que as máscaras são eficientes no combate à covid-19; que as vacinas não causam câncer ou danos genéticos; e que que é enganoso dizer que expor a população ao vírus é melhor do que a vacinação para acabar com a pandemia.

O Estadão Verifica e o Boatos.org já fizeram checagens sobre a transmissão do vírus por pessoas assintomáticas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-11-27

‘Tratamento precoce’ com hidroxicloroquina não evitou mortes em Porto Feliz

  • Falso
Falso
A cidade no interior de São Paulo registrou mortes por covid-19 e o "tratamento precoce" com hidroxicloroquina não cobriu toda população
  • Conteúdo verificado: Post no Facebook atribui reeleição de prefeito de Porto Feliz (SP) a suposto tratamento precoce de 100% da população com hidroxicloroquina e ausência de óbitos após adoção do protocolo

São falsas as informações divulgadas em um post no Facebook sobre a situação da covid-19 na cidade de Porto Feliz, no interior de São Paulo. A cidade não é referência no combate à doença por ter tratado “precocemente” toda a população com hidroxicloroquina.

De fato, o medicamento passou a ser adotado pela cidade em abril, junto com outros remédios também sem eficácia comprovada contra a doença causada pelo novo coronavírus, como a ivermectina. No entanto, para a comunidade científica, não existe tratamento precoce para a enfermidade e não há, ainda, um tratamento com eficácia comprovada. Tampouco é verdade que a cidade tenha tratado 100% da população com o medicamento, como afirma o post.

É falsa, também, a informação de que o município não tenha registrado nenhum óbito da doença após o “tratamento precoce” ser adotado. A cidade só começou a divulgar boletins em agosto. No dia 1º daquele mês, a cidade já tinha 10 óbitos. Desde então, mais 6 pessoas morreram de covid-19 em Porto Feliz, totalizando 16 vítimas até esta quinta-feira (26).

A única informação verdadeira do post é sobre a reeleição do prefeito, o médico Dr. Cássio (PTB). Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele recebeu 92,1% dos votos no dia 15 de novembro deste ano.

Como verificamos?

Primeiramente, buscamos o resultado da votação para a eleição municipal em 1º turno, no dia 15 de novembro, no app de Resultados do Tribunal Superior Eleitoral.

Em seguida, localizamos os boletins epidemiológicos divulgados pela Prefeitura Municipal de Porto Feliz, cidade a cerca de 100 km de São Paulo, e também pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Procuramos por informações sobre a situação em Porto Feliz em reportagens publicadas desde o início da pandemia e, em seguida, buscamos a Prefeitura Municipal de Porto Feliz, que nos respondeu por meio da coordenadoria de Comunicação Social.

Também contatamos, via Facebook, moradores da cidade que comentaram em uma postagem sobre o cancelamento – por causa da pandemia – de um show, que aconteceria no dia 21 de novembro, no Porto Feliz Tênis Clube. Três pessoas aceitaram falar com a reportagem, sendo uma a respeito do uso da cloroquina e outras duas sobre como funcionou o protocolo na cidade.

Ouvimos o médico epidemiologista Eduardo Martins Netto, que é professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e consultamos as publicações da Organização Mundial de Saúde (OMS) a respeito do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, que é derivada da primeira. Por fim, entramos em contato com o responsável pela publicação no post no Facebook. Ele respondeu que fez uso da hidroxicloroquina e acredita na eficácia científica do tratamento.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 27 de novembro de 2020.

Verificação

‘Tratamento precoce’

A expressão “tratamento precoce”, usada no post verificado, não é correta. Outras verificações feitas pelo Comprova mostram que a comunidade científica não reconhece a existência de um tratamento precoce contra a covid-19.

É o que afirma, também, o médico epidemiologista Eduardo Martins Netto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. “Não existe tratamento precoce contra a covid. E os riscos [do uso de remédios] são atribuídos ao tipo de medicação que você está tomando. Além do risco de a pessoa ser enganada”, afirma, referindo-se à não comprovação científica de que o uso desses medicamentos tem eficácia contra a covid-19.

Mesmo sem essa comprovação, uma reportagem publicada pela Agência Pública em outubro mostrou como o prefeito da cidade distribuiu a cloroquina e outros medicamentos numa espécie de coquetel para “tratar” a população contra a doença. Outra reportagem do Estadão mostrou que o protocolo era adotado desde abril.

100% da população tomou cloroquina?

Não. No mês de junho, segundo a reportagem da Agência Pública, o prefeito Dr. Cássio disse, numa entrevista via live ao jornalista Alexandre Garcia, que havia distribuído 1.500 kits à população da cidade e que nenhuma das pessoas que fez uso deles morreu ou foi intubada. Essa informação também foi fornecida pela prefeitura a agências de checagem em julho (Estadão, Aos Fatos e Fato ou Fake).

Mas nem todo mundo recebeu ou mesmo fez uso dos medicamentos – a população estimada da cidade, em 2020, é de 53,4 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Comprova conversou com três moradores da cidade que comentaram no post de uma página do Facebook sobre o cancelamento de um show no dia 21 de novembro, justamente por conta da pandemia.

Procurada pelo Comprova, a coordenadoria de Comunicação Social da Prefeitura de Porto Feliz respondeu que a informação de que “toda a população fez uso precoce da cloroquina para o tratamento da covid-19 é fake”. A coordenadoria também tratou como falsa a alegação “sobre a cidade não ter tido nenhuma morte”.

Sobre os moradores

Realizamos contato por meio de uma página no Facebook com moradores da cidade de Porto Feliz e os questionamos sobre a distribuição de medicamentos para ‘tratamento precoce’ da covid-19. Eles confirmaram a distribuição pelos postos de saúde e nas residências. Segundo eles, essa medida alcançou boa parcela da cidade, que a tomou como medida preventiva.

Segundo moradores, a prefeitura e unidades de saúde pedem para a população que, no primeiro sintoma, procure de imediato uma “unidade de saúde Sentinela” e a “Santa Casa”. Logo depois, a pessoa é encaminhada para a realização de uma bateria de exames, como hemograma, tomografia pulmonar e eletrocardiograma. Caso não haja alteração nos exames, a pessoa está apta a recorrer aos medicamentos para ‘tratamento preventivo’ e já sai do local com o kit em mãos, antes mesmo do resultado oficial.

Dentre os medicamentos fornecidos pelas unidades de saúde para o tratamento estão azitromicina, ivermectina e cloroquina, além de anti-inflamatório, coagulantes e remédio para febre.

Uma das moradoras da cidade com quem conversamos disse que tem histórico de arritmia cardíaca e, por isso, se pegar covid, precisa usar outro medicamento. Segundo especialistas, ivermectina não é indicada para o tratamento da doença. “Eu não fiz uso da ivermectina quando o pessoal do posto de saúde passou na minha casa. Se fosse vacina, eu tomaria”, declara.

Cidade tem 16 mortes pela covid-19

O post verificado aponta que Porto Feliz não registrou nenhuma morte após adotar o protocolo de “tratamento precoce” com hidroxicloroquina. A informação também não é verdadeira, e a própria prefeitura da cidade a desmentiu. Para que isso fosse verdade, era preciso que Porto Feliz não tivesse registrado nenhuma morte desde abril, quando iniciou o protocolo. Os boletins começaram a ser divulgados pela prefeitura em agosto e, naquele mês, já havia 10 óbitos.

Até as 18h desta quinta-feira (26), a cidade tinha 1.441 casos de covid-19 e 16 óbitos, segundo dados do boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A taxa de letalidade na cidade é de 1,12% e o índice de óbitos por 100 mil habitantes, de 29,96. O índice é menor do que o da maior parte das cidades da mesma região – de Sorocaba – com um total aproximado de população. É o caso de Piedade, que tem 40 óbitos e índice de 72,02 para cada 100 mil habitantes; de Salto de Pirapora, com 23 mortes e 50,15 para cada 100 mil; e de Mairinque, com 21 óbitos e índice de 44,27 para cada 100 mil habitantes.

Passa à frente, no entanto, de outras cidades paulistas maiores, como Assis, que tem mais casos, mais óbitos e população maior, embora um índice de mortes por 100 mil habitantes menores (26,64) e de São Carlos (22,79). A capital, São Paulo, tem letalidade de 4,13% e índice de 116,09 óbitos para cada 100 mil habitantes.

Esta não é a primeira vez que circula nas redes a informação de que Porto Feliz não registrou mortes pela covid-19. Em julho, o Estadão Verifica, o Aos Fatos e o G1 fizeram checagens que mostravam que a informação era falsa. Naquela ocasião, dia 16 de julho, o Estadão Verifica mostrou que a cidade tinha oito mortes. Pouco antes, em 11 de junho, quando a informação falsa começou a circular, o total era de seis.

O site oficial da prefeitura mostra os boletins epidemiológicos divulgados a partir do dia 1º de agosto. Naquela data, Porto Feliz tinha 10 óbitos confirmados. Em 10 de agosto, o número chegou a 11 e saltou para 12 em 13 de agosto.

O 13º óbito ocorreu em 19 de agosto; o 14º em 29 de outubro; o 15º em 4 de novembro e o mais recente, o 16º, em 26 de novembro.

O que a ciência diz a respeito do uso precoce de cloroquina

Segundo a OMS, não há evidência científica de que a cloroquina ou a hidroxicloroquina seja eficaz no tratamento da covid-19. Apesar disso, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) indica que o consumo da cloroquina cresceu 358% na pandemia.

No Brasil, o uso do medicamento foi amplamente incentivado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que mostrou a hidroxicloroquina em reunião do G20, em março, e lançou uma campanha do governo federal para incentivar o uso do medicamento, além de ter exibido a caixa do remédio em aparições públicas.

Antes da campanha, a OMS já alertava sobre os efeitos colaterais e o risco do uso sem comprovação científica.

Prefeito reeleito

O médico Dr. Cássio (PTB) foi mesmo reeleito prefeito na cidade de Porto Feliz, com 92,1% dos votos válidos no dia 15 de novembro deste ano. Ele recebeu 25.318 votos. Os outros candidatos a prefeito foram Marola (DEM), que recebeu 5,70% dos votos (1.566) e Miguel Arcanjo (Rede), com 2,21% (607 votos).

Antonio Cássio Habice Prado é médico com CRM 49282-SP no Conselho de Medicina desde 1984, sem especialidade registrada. Formou-se na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em São Paulo. Dr. Cássio é um dos apoiadores do movimento “Médicos contra a Covid-19” que em agosto de 2020 fez uma caravana pedindo a hidroxicloroquina nas farmácias populares.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos que viralizaram na internet relacionados a políticas do governo federal, à pandemia ou às eleições municipais de 2020. A publicação investigada é falsa por afirmar não haver nenhuma morte pela covid-19 na cidade de Porto Feliz, São Paulo, depois de a população ter sido tratada precocemente por hidroxicloroquina. Nesse sentido, a verificação se torna fundamental e ajuda pessoas a não se exporem a medicações sem eficácia comprovada.

O conteúdo verificado pelo Comprova teve 2,1 mil interações no Facebook, na página Bolsonaro presidente 2022. Na publicação, há uma foto do prefeito recém eleito, Dr. Cássio Prado, com a mensagem de que ele é “ignorado pela grande mídia”. Na imagem há uma marca d’água do lado direito com o texto ‘Capitão Assumção, deputado estadual do Espírito Santo’. O texto apresenta a cidade de Porto Feliz como referência no combate à covid-19 com tratamento precoce da hidroxicloroquina. Outras páginas no Facebook fazem essa mesma afirmação – a que teve mais interações foi publicada no dia 26 com mais de 1.000 compartilhamentos.

No entanto, essas alegações não são novas. O Estadão Verifica investigou o boato de que Porto Feliz não teria tido nenhum óbito com protocolo de tratamento em julho. A Agência Pública apontou em outubro que a hidroxicloroquina chegou a ser distribuída de porta em porta.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-11-18

É enganoso que laudo do IML descarte suicídio de voluntário da CoronaVac

  • Enganoso
Enganoso
A hipótese de suicídio foi levantada pela Polícia Civil desde o início do caso, por conta de indícios coletados no local onde o corpo foi encontrado. O exame do IML detectou a presença de opióides, sedativos e álcool no sangue da vítima
  • Conteúdo verificado: Postagem no Twitter afirma que o laudo do IML mostrando que um voluntário da CoronaVac morreu por “intoxicação por agentes químicos”, o que apontaria que o caso não foi um suicídio, como registrou a polícia

É enganoso o tuíte segundo o qual um laudo do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo havia demonstrado que a morte de um dos voluntários que participava dos testes da CoronaVac, uma das vacinas contra a covid-19, não foi decorrência de um suicídio. O laudo deixa evidente que a pessoa não morreu por conta do imunizante.

A postagem verificada descartava a possibilidade de suicídio ao enfatizar que o laudo apontava morte por “intoxicação exógena”, em uma tentativa de atribuir a morte à vacina. Esse tipo de intoxicação, porém, é compatível com a possibilidade de suicídio e não tem nenhuma relação com a aplicação da vacina.

A hipótese de suicídio foi levantada pela Polícia Civil desde o início do caso, por conta de indícios coletados no local onde o corpo foi encontrado. O exame do IML detectou a presença de opióides, sedativos e álcool no sangue da vítima, como confirmou ao Comprova a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

Também ouvidos pela reportagem, o médico perito legista José Mário de Lima Júnior e o médico e diretor científico da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas (ABMLPM), Jozefran Berto Freire, esclarecem que esse resultado apenas determina o que causou a morte de uma pessoa. Somente a investigação da Polícia Civil, que considera outros elementos da ocorrência, pode indicar, de fato, se uma intoxicação química ocorreu por tentativa suicida, acidente ou homicídio.

O Comprova também tentou contato, por e-mail, com o blogueiro Oswaldo Eustáquio, que publicou o conteúdo verificado, mas não teve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Para essa verificação, o Comprova procurou por matérias na imprensa a respeito do boletim de ocorrência sobre o falecimento do voluntário e os laudos produzidos pelo IML e pelo Instituto de Criminalística (IC) de São Paulo. Em seguida, buscamos a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, que confirmou o conteúdo dos documentos, e o 93º Distrito Policial, responsável pelo caso. A Delegacia informou que a investigação segue em andamento.

Para entender como os laudos são usados na investigação e se eles podem descartar a hipótese de suicídio, entrevistamos o médico José Mário de Lima Júnior, integrante da Associação dos Médicos Peritos Legistas do Ceará (Ampelce), e Jozefran Berto Freire, diretor científico da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas. Por fim, buscamos a posição do Instituto Butantan, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) sobre a retomada dos testes com a CoronaVac, na verificação publicada pelo Comprova em 13 de novembro.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 18 de novembro de 2020.

Verificação

Investigação e laudo

A Polícia Civil de São Paulo registrou como suicídio a morte do voluntário que participava dos testes da vacina CoronaVac, como noticiaram, no dia 10 de novembro, O Estado de S. Paulo, UOL e Rede Globo, veículos que tiveram acesso ao boletim de ocorrência número 2.460/2020, registrado pelo 93º Distrito Policial. De acordo com as reportagens, o boletim de ocorrência foi registrado às 16h02 do dia 29 de outubro na delegacia da Zona Oeste de São Paulo. Trechos do documento foram exibidos pela Globo, mostrando que os policiais encontraram uma seringa e diversas ampolas de remédio próximas ao braço da vítima.

No dia 12 de novembro, o UOL e a GloboNews noticiaram que os laudos do IML e do IC apontaram, segundo o exame toxicológico, que o voluntário de 32 anos faleceu por consequência de uma intoxicação aguda por agentes químicos. No sangue da vítima foram detectados álcool, uma grande quantidade de sedativos e um analgésico usado em procedimentos cirúrgicos.

A ocorrência com o voluntário fez a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suspender, no dia 9 de novembro, temporariamente os testes da CoronaVac. Após uma ampla repercussão do caso e algumas manifestações públicas das entidades envolvidas no processo de teste da vacina no Brasil, a Anvisa afirmou ter recebido detalhes sobre o caso, fornecidos pelo Instituto Butantan e pelo Comitê Independente de Monitoramento e Segurança da vacina e, no dia 11 de novembro, determinou a retomada dos testes.

O que dizem as autoridades

Em nota enviada ao Comprova, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo confirmou que a morte do voluntário ocorreu por uma “intoxicação exógena”, isto é, causada por substâncias químicas externas ao corpo e que nada têm a ver com a vacina CoronaVac, cujo voluntário participava dos testes. Segundo a secretaria, “foram constatadas a presença de opióides, sedativos e álcool no sangue na vítima”.

Por telefone, o escrivão do 93º Distrito Policial, no Jaguaré, em São Paulo, disse que o inquérito segue em andamento. O delegado responsável pelo caso não foi localizado. Legalmente, o prazo para a conclusão do inquérito é de 30 dias, a contar da data da instauração do procedimento.

Avaliação de peritos

Por e-mail, o médico perito legista, integrante da Associação dos Médicos Peritos Legistas do Ceará (Ampelce), José Mário de Lima Júnior, explicou que o laudo cadavérico só aponta a causa da morte e o instrumento ou meio que levou ao falecimento. “Essa conclusão, porém, não significa, nem reforça necessariamente, que houve suicídio. Tampouco descarta esta hipótese: tudo dependerá da análise de todas as informações produzidas na investigação do caso, bem como das perícias feitas no local de encontro do corpo”, exemplificou. Portanto, ao contrário do que alega a postagem verificada, o laudo não indica se a ocorrência foi um suicídio ou um homicídio, por exemplo.

Segundo Lima Júnior, a diferenciação entre as diversas hipóteses pode ser feita analisando imagens de circuitos de segurança, registros de entrada e saída da portaria, impressões digitais, entre outras possibilidades. O perito afirma que uma série de elementos pode levar à conclusão de que a causa da morte foi suicídio, como a ausência de vestígios de violação do domicílio, de sinais de luta corporal ou a falta de indícios sobre a presença de terceiros no local da morte.

“Caso haja suspeita de morte provocada por uso de agentes químicos, faz-se necessário confirmar a presença de vestígios destas substâncias no local da morte ou no organismo, além da confirmação da presença destes agentes em níveis letais nas amostras biológicas recolhidos do corpo durante a necropsia”, lembra Lima Júnior.

Por telefone, o médico Jozefran Berto Freire, diretor científico da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas (ABMLPM), reiterou que, ao indicar que uma morte foi provocada por intoxicação química, o laudo pericial não descarta, nem reforça, que foi suicídio. O que vai apontar isso é a investigação, assegura ele.

O médico também explicou que, em situações semelhantes ao caso do voluntário da vacina, quando um corpo é encontrado, o primeiro passo é acionar a polícia, responsável por chamar o serviço de perícia criminal. “Depois que tudo é feito no local, esse corpo é transportado para o IML, onde é feita a necropsia”, informa. No local da ocorrência vão os peritos criminais. No IML, o trabalho fica a cargo do médico legista. Ambos emitem laudos a serem considerados pela autoridade policial que investiga o caso.

O médico reforça que quem estabelece essa relação entre as provas e a causa da morte são os investigadores da polícia. “Tem que haver uma relação que se faz tecnicamente para dizer da possibilidade disso ou daquilo, a partir da prova constituída por exames que justifiquem. A prova é o meio que a gente usa em busca da verdade. A prova tem que ser científica, consistente. Não é por opinião: ‘eu acho que’. O delegado tem elementos técnicos, tem laudos, para concluir a investigação”, afirma. O mais comum é que, durante o inquérito, a autoridade policial chame os peritos que estiveram no local da ocorrência para conversar e orientar a investigação.

Retomada dos testes

No dia 13 de novembro, o Instituto Butantan afirmou ao Comprova ser inverídico que a morte do voluntário tenha sido causada pela CoronaVac. De acordo com o órgão de pesquisa, já foi esclarecido amplamente que o evento adverso grave ocorrido com um participante dos estudos clínicos não teve qualquer relação com a vacina, “como já chancelado pelo órgão regulador e comitês internacional e nacional que acompanham os estudos”. Testes feitos com 50 mil voluntários na China mostraram que apenas 5,36% deles tiveram reações adversas de grau baixo, como dor no local a aplicação, fadiga, estado febril e perda de apetite.

No mesmo dia, a Conep, entidade que acompanha os testes de vacinas contra a covid-19 no país, disse que, até o momento, em nenhum dos “eventos adversos graves” ocorridos durante os testes dos quatro imunizantes em curso no Brasil, houve a confirmação de que a vacina teria sido o causador do evento. “Ao contrário, nos casos estudados sempre foram encontrados outros elementos relacionados com os indivíduos vacinados, que explicariam a ocorrência do problema com mais argumentos do que pela vacinação”, assegura.

Na ocasião, a Anvisa informou ao Comprova que “teve subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação” no caso da CoronaVac, embora lembre que a medida não dispensa o aprofundamento da investigação sobre a morte pautada pelos protocolos de segurança e eficácia de vacinas.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, as políticas públicas do governo federal ou as eleições municipais de 2020. Quando a publicação envolve tratamentos e vacinas contra o novo coronavírus, a checagem se torna ainda mais importante, já que a informação equivocada pode levar pessoas a não se protegerem ou a adotarem tratamentos sem comprovação científica. O conteúdo verificado pelo Comprova teve 29,4 mil interações no Twitter e 2,8 mil interações no Facebook.

À medida em que avançam os testes de eficácia e segurança de vacinas contra o novo coronavírus, peças de desinformação têm tido amplo alcance, principalmente após a suspensão temporária de testes pela Anvisa, prática comum no processo de testagem de imunizantes. Na última semana, o Comprova mostrou que a CoronaVac não matou um voluntário; que a morte do homem não está relacionadas a alterações neurológicas e que o Instituto Butantan informou o evento às autoridades, ao contrário do que circulou na Internet. O Comprova também mostrou que um voluntário da vacina de Oxford morreu após contrair a covid-19, não por efeitos adversos do imunizante.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos, que é retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-11-13

Morte de voluntário não está relacionada a alterações neurológicas causadas por vacina

  • Enganoso
Enganoso
A publicação cita estudos feitos com poucos casos e que não são conclusivos. Especialistas dizem que não há comprovação na literatura médica de que uma vacina possa causar danos neurológicos
  • Conteúdo verificado: Texto publicado em site fala de uma possível relação entre a CoronaVac e a morte de um voluntário da vacina por suícidio.

É enganoso que a morte de um voluntário de testes da vacina CoronaVac esteja relacionada a alterações neurológicas causadas pelo imunizante. A possibilidade foi levantada em um post no site Estudos Nacionais, que especula que a vacina poderia ter causado “danos psíquicos graves”. A hipótese também chegou a ser levantada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), sem apresentar qualquer evidência. Especialistas ouvidos pelo Comprova descartam essa possibilidade. A causa provável da morte do voluntário foi suicídio, de acordo com a Polícia Civil.

Segundo a imunologista Cristina Bonorino, não há comprovação na literatura médica de que uma vacina possa causar danos neurológicos. Até o momento, os voluntários que participaram do teste não apresentaram danos neurológicos.

No texto verificado pelo Comprova, o autor afirma que, de acordo com essas pesquisas, “alterações neurológicas podem ser causadas por inflamações geradas por vacinas da gripe ou da febre tifóide, como já foi registrado no passado e foi objeto de pesquisas. A inflamação é uma reação do sistema imunológico”.

Em coletiva realizada no dia 9 de novembro, o governo de São Paulo disse que, no caso em questão, houve um “evento externo” não relacionado com a vacina que gerou a notificação ao órgão regulador de que um participante do estudo clínico teve um efeito adverso grave.

O Instituto Butantan, questionado pelo Comprova, afirmou ser inverídico que a morte de um voluntário tenha sido causado pela CoronaVac. O episódio ocorreu 25 dias após o voluntário receber o composto. O Butantan não informou se, nesse caso, foi aplicada a vacina ou o placebo.

O jornalista Cristian Derosa, que respondeu ao Comprova em nome do site Estudos Nacionais, afirmou que “os motivos que levam jornalistas a ligar hipóteses de causa sobre determinado fato diz respeito a escolhas editoriais previstas pela liberdade de imprensa. Em nenhum momento afirmou-se taxativamente a causa, mas buscou-se, como eu disse, estudos já consagrados sobre o tema”.

Como verificamos?

Para esta verificação, consultamos reportagens sobre a CoronaVac e sobre a morte de um dos mais de nove mil voluntários do imunizante desenvolvido pela empresa chinesa Sinovac com o Instituto Butantan.

Também fomos em busca de esclarecimentos do próprio Butantan, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Buscamos ainda a avaliação de especialistas em vacinas. Entrevistamos a imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), e Mellanie Fontes-Dutra, doutora em Neurociências pela UFRGS, idealizadora e coordenadora da Rede Análise covid-19.

Acionamos o site que publicou o artigo “Morto após tomar vacina pode ter sofrido alterações neurológicas graves”. O jornalista responsável pela página, Cristian Rosa, respondeu por e-mail.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 13 de novembro de 2020.

Verificação

A paralisação dos testes

A Anvisa suspendeu os testes da CoronaVac em 9 de novembro. Em coletiva realizada na mesma data, o governo de São Paulo disse que, no caso em questão, houve um “evento externo” não relacionado com a vacina, que gerou a notificação ao órgão regulador de que um participante do estudo clínico teve um efeito adverso grave. O episódio ocorreu 25 dias após o voluntário ser inoculado. O Instituto Butantan não informou se, nesse caso, foi aplicada a vacina ou o placebo.

A Polícia Civil registrou o caso como suicídio, como noticiaram O Estado de S. Paulo, UOL e Rede Globo, veículos que tiveram acesso ao boletim de ocorrência número 2.460/2020, registrado pelo 93º Distrito Policial. Trechos do documento foram exibidos pela Globo, incluindo detalhes de como o corpo foi encontrado.

Em 10 de novembro, o coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), Jorge Venâncio, afirmou que o órgão analisou os dados iniciais sobre a morte do voluntário e avaliou que não havia necessidade da suspensão dos testes.

Após receber detalhes sobre o caso, fornecidos pelo Instituto Butantan e pelo Comitê Independente de Monitoramento e Segurança da vacina, a Anvisa determinou a retomada dos testes no dia 11 de novembro. “Após avaliar os novos dados apresentados pelo patrocinador depois da suspensão do estudo (conforme listado na tabela), a Anvisa entende que tem subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação e segue acompanhando a investigação do desfecho do caso para que seja definida a possível relação de causalidade entre o EAG inesperado e a vacina”, informou a agência.

Em nota, a Sinovac afirmou que está confiante na segurança da vacina. “Acreditamos que uma vacina com bom perfil de segurança e eficácia pode ser fornecida apenas se os estudos clínicos forem conduzidos de acordo com padrões elevados”, diz o texto.

O que dizem os órgãos públicos

Procurado pelo Comprova, o Instituto Butantan afirmou ser inverídico que a morte de um voluntário tenha sido causado pela CoronaVac. De acordo com o órgão de pesquisa, já foi esclarecido amplamente que o evento adverso grave ocorrido com um participante dos estudos clínicos não teve qualquer relação com a vacina “como já chancelado pelo órgão regulador e comitês internacional e nacional que acompanham os estudos”.

O Butantan também lembrou que testes preliminares realizados com 50 mil voluntários na China apresentaram um índice de apenas 6,36% de efeitos adversos, todos de grau baixo. Os mais frequentes foram dor no local da aplicação, fadiga, febre e perda de apetite. Nenhum deles foi relacionado com problemas neurológicos. “Vale ressaltar que a formulação da CoronaVac utiliza técnica de inativação do vírus. Ou seja, a formulação do imunizante contém coronavírus mortos num processo de inativação química para que apenas estimulem a proteção imunológica do organismo sem causar a infecção”, explica a nota do instituto.

Em nota enviada ao Comprova, a Conep, entidade que acompanha os testes de vacinas contra a covid-19 no Brasil, disse que, até o momento, “nada foi encontrado com respeito a um risco digno de nota de que estas vacinas possam causar danos cerebrais ou neurológicos, mesmo já tendo sido vacinados em ambiente das pesquisas, milhares de indivíduos”.

Segundo a entidade, em nenhum dos “eventos adversos graves” ocorridos no Brasil durante os testes do imunizante contra o novo coronavírus houve a confirmação de que a vacina teria sido o causador do evento. “Ao contrário, nos casos estudados sempre foram encontrados outros elementos relacionados com os indivíduos vacinados, que explicariam a ocorrência do problema com mais argumentos do que pela vacinação”, assegura.

Segundo a Conep, as vacinas são responsáveis por salvar uma quantidade enorme de vidas em todo o mundo. De acordo com a comissão, o imunizante é uma intervenção no organismo e, como tal, está sujeita a riscos. “Muito raras são as ocorrências graves (como as neurológicas, por exemplo) e mais raros ainda são os óbitos”, explica. De acordo com a Conep, autores que publicaram artigos associando a vacina a esses eventos tiveram seus trabalhos retirados de publicação ou retratados por “insuficiência de evidências que amparassem suas conclusões”.

Ao Comprova, a Anvisa informou que “teve subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação”, embora lembre que a medida não dispensa o aprofundamento da investigação pautada pelos protocolos de segurança e eficácia de vacinas.

O que pensam os especialistas

De acordo com Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise covid-19, atualmente não há nenhum registro de uma causalidade confirmada entre efeitos adversos neurológicos e vacinas. Ainda que alguns relatos relacionem a presença da síndrome de Guillain-Barré em pessoas que se vacinaram com a vacina do vírus influenza, da gripe, ela lembra que o Manual de Eventos Adversos Pós-Vacina do Ministério da Saúde afirma que o próprio vírus da gripe pode desencadear essa síndrome e que não há nenhum trabalho que demonstre que a vacina seria capaz de aumentar o risco para esta doença.

“A única relação é de os dois eventos terem acontecido em tempos próximos, porém, não há causalidade entre eles estabelecidas. É como dizer que sempre que chove, eu encontro uma moeda de 25 centavos no chão. Pode ter ocorrido de os dois eventos acontecerem ao mesmo tempo. Mas eu poderia ter encontrado a moeda num dia sem chuva. Ou chover e não ter encontrado nada. Só existe aqui associação temporal, e não causalidade”, explica Fontes-Dutra.

A imunologista Cristina Bonorino afirma desconhecer qualquer registro na literatura vacinal de que tenha ocorrido algum dano neurológico em seres humanos causado por imunizantes.

“Um efeito psiquiátrico, que eu saiba, nunca foi relatado para nenhuma vacina. O que pode causar efeito psiquiátrico é o vírus vivo, não a vacina. Essa vacina CoronaVac é o vírus inativado (agentes mortos ou apenas partículas do vírus, sem capacidade infecção), então não tem como ele fazer isso. O vírus tem essa característica de infectar neurônios, diferentes tipos deles. Inclusive os do olfato e do paladar, que são sintomas nos pacientes (com covid-19). Então, o vírus vivo poderia fazer. O que é mais uma razão para se tomar a vacina. O vírus morto vai te proteger e ele não pode fazer isso. Um vírus que não está vivo não consegue infectar um neurônio”, lembra Bonorino.

Estudos citados no texto

O primeiro estudo usado como referência no texto analisado é o artigo Neural Origins of Human Sickness in Interoceptive Responses to Inflammation (Origens neurais da doença humana em respostas interoceptivas à inflamação, em tradução livre), publicado em 2009 no site Biological Psychiatry, o jornal oficial da Society of Biological Psychiatry, dos Estados Unidos. O estudo aborda a associação de inflamações a distúrbios psicológicos, emocionais e comportamentais, conhecidos como comportamento doentio. A pesquisa em questão, porém, realizou testes em 16 homens jovens e saudáveis. Além da amostra ser pequena e não representar todos os estratos sociais, a próprio conclusão do artigo diz que “nosso experimento não pode provar que a inflamação cause diretamente os padrões verificados”.

O segundo artigo se chama Comparison of cytokine levels in depressed, manic and euthymic patients with bipolar disorder (ou Comparação dos níveis de citocinas em pacientes deprimidos, maníacos e eutímicos com transtorno bipolar, na tradução livre), publicado no Journal of Affective Disorders. Esse estudo avaliou a associação entre a mania e a depressão bipolar com o estado pró-inflamatório em 61 pacientes bipolares. Mas também não é conclusivo, com os autores indicando que o estudo fornece subsídios para investigações futuras.

O site

O artigo “Morto após tomar vacina pode ter sofrido alterações neurológicas graves” foi publicado no Estudos Nacionais. Em sua página no Facebook, o portal se descreve como “Observatório de mídia, com artigos, vídeos, palestras e cursos e lançamento de projetos editorais [sic]”. Suas publicações costumam ser mais conservadoras e alinhadas ao governo Bolsonaro, como contestações da vitória de Joe Biden sobre Donald Trump na eleição estadunidense e críticas à mídia tradicional. Também há outras publicações sobre vacinas, algumas contestando a efetividade dos imunizantes.

Questionado se não seria cedo para associar a morte do voluntário com alterações neurológicas em consequência da vacina, já que ainda não é público se a vítima tomou o medicamento ou placebo, o jornalista Cristian Derosa, cofundador do portal, disse que a “busca por esclarecimento inclui a consulta de fontes científicas e estudos anteriores que lancem luz sobre as hipóteses que envolvem o ocorrido”.

“Os motivos que levam jornalistas a ligar hipóteses de causa sobre determinado fato diz respeito a escolhas editoriais previstas pela liberdade de imprensa. Em nenhum momento afirmou-se taxativamente a causa, mas buscou-se, como eu disse, estudos já consagrados sobre o tema, assim como há estudos que lançam suspeita sobre medicamentos diversos, frequentemente usados no jornalismo, inclusive no contexto da pandemia”, complementou.

O jornalista respondeu às perguntas com uma série de informações questionáveis – algumas já desmentidas – e sem apresentar provas. Já sobre a menção no texto sobre a CoronaVac, que usa a tecnologia do vírus inativado ou atenuado, Cristian alegou que “a sociedade espera do jornalismo uma cobertura completa e que atenda os diversos pontos de vista.”

Usando a ferramenta Whois, que verifica informações sobre o domínio de sites, não há dados que indiquem o nome de quem é responsável pelo site. Porém, o recurso revela que a cidade onde o registro foi feito é Burlington, nos Estados Unidos.

Por que investigamos?

O Comprova está em sua terceira fase. Nessa etapa, verifica conteúdos suspeitos sobre a covid-19 ou sobre políticas públicas do governo federal que tenham alcançado grande repercussão nas redes sociais. As publicações que veiculam informações falsas relacionadas a vacinas contra o novo coronavírus são bastante prejudiciais. Isso porque podem desencorajar a população a se imunizar – meio apontado por especialistas como o mais efetivo para conter a pandemia que já causou a morte de mais de 164 mil brasileiros, de acordo com os últimos dados do Ministério da Saúde, atualizados em 12 de novembro.

É desaconselhável, portanto, ensejar sem comprovação a possibilidade de que vacinas em teste no Brasil, como é o caso da CoronaVac, possam causar efeitos colaterais graves.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-11-13

É enganosa postagem que sugere que Instituto Butantan não informou morte de voluntário da vacina CoronaVac

  • Enganoso
Enganoso
Ao contrário do que sugere a postagem, o Instituto Butantan comunicou a Anvisa sobre o chamado “evento adverso grave” envolvendo um dos voluntários. A notificação foi enviada no dia 6 de novembro, dentro do prazo de uma semana estabelecido pela agência
  • Conteúdo verificado: Publicação afirma que Instituto Butantan e governo de São Paulo estariam fingindo “que nada está acontecendo” após morte de voluntário da vacina chinesa CoronaVac.

É enganosa a publicação que compara condutas dos desenvolvedores de vacina contra a covid-19 e afirma que o Instituto Butantan e o governo de São Paulo “fingem que nada está acontecendo” após a morte de um voluntário da terceira fase de testes da CoronaVac. O óbito provocou a interrupção da pesquisa pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que autorizou a retomada dos estudos dois dias depois.

Ao contrário do que sugere a postagem, o Instituto Butantan comunicou a Anvisa sobre o chamado “evento adverso grave” envolvendo um dos voluntários. A notificação foi enviada no dia 6 de novembro, dentro do prazo de uma semana estabelecido pela agência. A Anvisa alegou que só teve acesso às informações três dias depois, mas que isso ocorreu por um problema de tecnologia no sistema do governo federal, e que o envio das primeiras informações pelo Butantan ocorreu dentro do período exigido pelo órgão.

O caso também foi comunicado pelo Butantan à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que, no mesmo dia 6, buscou mais informações junto aos pesquisadores. Com os novos dados, o órgão avaliou que o evento adverso não tinha ligação com a vacina. O Butantan também nega relação do óbito com a CoronaVac. A Anvisa informou em nota que ainda pretende avaliar o desfecho do caso.

A postagem verificada também afirma que “quando um voluntário morreu, mesmo tomando placebo, a própria Oxford pediu a suspensão dos testes para a Anvisa”. A vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca teve, de fato, os testes interrompidos pelos próprios responsáveis em setembro, mas isso ocorreu após um caso de doença em um participante do Reino Unido. Quando os pesquisadores responsáveis por essa vacina registraram um óbito entre os voluntários, o que ocorreu em outubro, no Brasil, os testes não chegaram a ser paralisados.

A publicação foi feita pela advogada Flávia Ferronato, no site Jornal da Cidade Online. Flávia coordena um grupo chamado Movimento dos Advogados do Brasil e divulgou as mesmas informações em seu perfil no Twitter. Procurada pelo Comprova, ela preferiu não responder questionamentos sobre a publicação. Após o contato, ela fez publicações em suas redes sociais criticando o trabalho de agências de checagem e procurando intimidar a verificadora que a contatou.

Como verificamos?

Para verificar este conteúdo, entramos em contato com o Instituto Butantan, a Anvisa e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para questionar como e quando ocorreram as comunicações do evento adverso grave que causou a suspensão dos testes da vacina. Recorremos também a comunicados publicados no site da Anvisa, de farmacêuticas que desenvolvem vacinas e a entrevistas coletivas em que foram dados detalhes do caso.

O Comprova também entrevistou o professor Flávio Fonseca, virologista do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foram consultadas ainda a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e publicações de veículos de imprensa, sobre a possível causa da morte do voluntário. Buscamos também o cadastro da advogada que assina a publicação no site da OAB e o perfil dela no Twitter e no Facebook, por onde tentamos contato.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 12 de novembro de 2020.

Verificação

O Butantan comunicou a Anvisa?

Um trecho da publicação verificada afirma que o Instituto Butantan e o governo de São Paulo teriam fingido “que nada estava acontecendo” após a morte do voluntário da vacina chinesa CoronaVac. A informação, no entanto, é enganosa. Isso porque o Instituto Butantan informou a Anvisa sobre o evento adverso grave ocorrido com o voluntário, dentro do prazo estabelecido pela agência, que é responsável por autorizar as etapas de testagem. Esta comunicação foi reforçada em nota pelo Butantan e confirmada pela própria Anvisa em entrevista coletiva. Ocorre que o órgão afirmou que devido a um problema no sistema do governo federal causado por ataques sofridos na primeira semana de novembro, a informação só teria sido acessada por eles ao ser enviada uma segunda vez, três dias depois.

Na nota em que comunicou a suspensão dos testes da CoronaVac, a Anvisa afirmou que foi, sim, comunicada do “evento adverso grave”, e que por isso pediu a interrupção dos estudos. No entanto, não deu detalhes sobre quem comunicou a agência e de que forma isso foi feito. “O evento ocorrido no dia 29/10 foi comunicado à Agência, que decidiu interromper o estudo para avaliar os dados observados até o momento e julgar o risco/benefício da continuidade do estudo”, diz um trecho do texto.

Em entrevista coletiva no dia 10 de novembro, o gerente-geral de Medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, deu mais detalhes e disse que o Instituto Butantan informou o evento adverso grave no dia 6 de novembro, dentro do prazo de sete dias após a intercorrência em que a comunicação é necessária, conforme normas da agência. Entretanto, segundo ele, por causa de um ataque hacker sofrido pelo governo federal e pelo Judiciário, a agência só teve conhecimento da notificação três dias depois, no dia 9 de novembro, às 18h, quando o Butantan reenviou as informações após receber ofício da agência questionando sobre possíveis eventos graves. Na coletiva, Mendes também negou que tivesse ocorrido algum erro de notificação fora do prazo pelo Butantan.

Procurado pelo Comprova, o Instituto Butantan enviou uma nota em que confirma ter repassado a comunicação do evento adverso grave no dia 6, e que precisou reenviá-las no dia 9, após receber ofício e e-mail da Anvisa.

“No dia 30 de outubro, o HC [Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, centro de estudo do qual o voluntário fazia parte] informou a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e a Farmacovigilância do Instituto Butantan (patrocinador do estudo). No dia 6 de novembro, dentro do prazo, a farmacovigilância do Instituto Butantan comunica a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), conforme preconizado em protocolo oficial. Na conclusão constava que o óbito não era relacionado à vacina em teste”, diz um trecho da nota.

O Comprova questionou a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ligada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), se a notificação do caso foi recebida de fato no dia 30 de outubro, como dito na nota do Butantan. O órgão informou que foi comunicado do episódio no dia 6 de novembro, mesma data da notificação à Anvisa. O Conep diz ter feito já no dia 6 à noite uma audiência com os pesquisadores para solicitar os documentos que faltavam. “Na conversa, com o conjunto de dados que foram trazidos, ficou claro que o evento adverso não tinha relação com a vacina, então não se justificava a suspensão do estudo”, pontuou o coordenador da Conep, Jorge Venâncio, via assessoria de imprensa. Após a suspensão, a Conep emitiu nota defendendo a continuidade dos estudos clínicos da CoronaVac.

O Comprova também solicitou mais informações à Anvisa sobre como se deu a comunicação do evento adverso grave e que informações foram repassadas. A agência respondeu replicando o link de uma nota emitida no dia 11, em que autoriza a retomada dos testes da CoronaVac após a polêmica suspensão. No texto, ela afirma que não possuía no momento da paralisação informações sobre a causa do evento adverso grave, recebidas somente no dia 10.

Por que a Anvisa suspendeu os testes da CoronaVac?

Na nota em que comunicou a suspensão dos testes da CoronaVac, a Anvisa afirmou que a paralisação foi motivada pela ocorrência de um “evento adverso grave” e que a medida seria “para avaliar os dados observados até o momento e julgar o risco/benefício da continuidade do estudo”. O órgão também frisou que os dados dos voluntários devem ser mantidos em sigilo, mas que a interrupção é prevista pelas normas da Anvisa e faz parte dos procedimentos de Boas Práticas Clínicas.

Dois dias após a suspensão, a Anvisa autorizou a retomada dos estudos da CoronaVac. Em nova publicação no site, a agência alegou que “após avaliar os novos dados apresentados pelo patrocinador depois da suspensão do estudo (…), a ANVISA entende que tem subsídios suficientes para permitir a retomada da vacinação”.

Nessa mesma publicação, a Anvisa argumenta que a suspensão, agora revogada, ocorreu considerando “1) A gravidade do evento; 2) A precariedade dos dados enviados pelo patrocinador naquele momento; 3) A necessidade de proteção dos voluntários de pesquisa; e 4) A ausência de parecer do Comitê Independente de Monitoramento de Segurança”.

Na nova nota, a Anvisa afirma ainda que a causa do evento adverso grave não havia sido informada até o dia 9 de novembro, quando houve a suspensão. Diz também que o boletim de ocorrência relacionado à provável motivação do evento e a manifestação do Comitê Independente de Monitoramento de Segurança não haviam sido enviadas até a mesma data. Entretanto, o órgão aponta que essas informações foram repassadas à agência no dia seguinte, em 10 de novembro, permitindo então a retomada dos estudos.

O Butantan afirma em nota que na primeira comunicação do caso, enviada à Anvisa no dia 6 de novembro e reenviada no dia 9, já “constava que o óbito não era relacionado à vacina em teste”. Essa informação foi ratificada também pelo diretor do Butantan, Dimas Covas, em entrevista coletiva sobre o caso concedida no dia 10. “Do ponto de vista clínico do caso, e nós não podemos dar detalhes, infelizmente, é impossível que haja relacionamento desse evento com a vacina. Impossível”, defendeu.

A morte teve relação com a vacina?

Uma das principais dúvidas sobre o caso é se o evento adverso grave que causou a suspensão dos estudos teve ou não ligação com a vacina aplicada ao voluntário. O Instituto Butantan nega qualquer relação do episódio com o imunizante, enquanto a Anvisa diz que ainda irá acompanhar o caso para analisar este ponto.

A Anvisa não revelou se o evento adverso grave que provocou a suspensão dos testes da CoronaVac foi de fato uma morte de um participante. Tampouco informa as circunstâncias do caso, em razão da confidencialidade dos voluntários.

No dia 10, no entanto, após a interrupção dos estudos da vacina chinesa no Brasil, veículos de imprensa divulgaram que o caso se trataria de uma morte de um homem de 32 anos, que tem como provável causa o suicídio. Reportagem do jornal O Globo citou informações de um boletim de ocorrência registrado na delegacia do 93º DP e de uma nota da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), que afirma que o caso foi registrado e está sendo investigado como suicídio. Ainda assim, exames periciais ainda estão em andamento, segundo a nota.

As informações do boletim de ocorrência também foram divulgadas por veículos como o jornal O Estado de S.Paulo, Uol e TV Globo. O Comprova fez contato com a Secretaria de Segurança Pública de SP e confirmou as informações da nota.

Na nota enviada ao Comprova, o Instituto Butantan confirma que o evento adverso grave se refere a uma morte de um participante dos ensaios clínicos, mas garante que o óbito não teve nenhuma relação com a vacina. A instituição afirma que o voluntário foi encontrado morto 25 dias depois de receber a dose de vacina ou placebo – não foi informado a qual grupo ele pertencia.

Apesar das informações do Butantan, que foram enfatizadas na entrevista coletiva do órgão, e dos veículos de imprensa, a Anvisa afirmou na nota em que autorizou a retomada dos testes da CoronaVac que seguirá acompanhando a investigação do desfecho do caso “para que seja definida a possível relação de causalidade entre o EAG [evento adverso grave] inesperado e a vacina”.

Diferenças entre as interrupções de vacinas

O Comprova ouviu também o professor Flávio Fonseca, virologista do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele preferiu não comentar os prazos das comunicações ocorridas entre Butantan e Anvisa, mas explicou que, quando há um evento adverso grave, como a morte de um voluntário, os casos são comunicados e há painéis de observadores, até mesmo internacionais, que julgam se o evento pode ou não ter ligação com a vacina.

No caso da CoronaVac, o especialista frisa que tanto a Conep quanto observadores internacionais julgaram que esse efeito adverso não seria relacionado ao imunizante, e que por isso não exigiria a suspensão. Ele explica que o episódio da CoronaVac tem diferenças em relação aos que causaram as interrupções dos testes das outras duas vacinas no país.

“Tanto em Oxford quanto na Johnson e Johnson, as pessoas tiveram problemas clínicos. Quando você tem um problema clínico, tem que investigar a origem daquilo, para entender se aquele problema clínico pode ter sido gerado a partir da administração da vacina. Em algumas circunstâncias, no entanto, a não ligação da vacina com o evento adverso é tão óbvia que o próprio observador internacional vai olhar a natureza daquele evento e falar: isso não tem ligação com a vacina, portanto não suscita suspensão do estudo. Isso tem que ser visto de forma prática”, avalia, citando atropelamentos e assassinatos como exemplos de eventos passíveis de ocorrer com voluntários, mas sem ligação com os imunizantes.

O virologista também criticou o uso do termo “vachina” que a advogada usa para se referir à CoronaVac na publicação.

“Esse comentário da advogada vem tachado de xenofobia. Ela pode ter a convicção política que ela quiser, o que ela não pode é desqualificar uma vacina por causa de sua origem. Isso é xenofóbico, inadmissível, ainda mais diante da emergência sanitária atual. Todos os indícios que a gente tem até agora são de que a vacina chinesa é tão boa e tão promissora quanto as outras que estão sendo testadas”, afirmou.

As outras desenvolvedoras interromperam os testes?

A postagem verificada compara ainda a situação da CoronaVac com a paralisação dos estudos de outras duas vacinas, da Universidade de Oxford e de empresa ligada à Johnson & Johnson. A publicação afirma que essas desenvolvedoras teriam comunicado à Anvisa e interrompido por conta própria as testagens quando houve intercorrências com pacientes.

A postagem da advogada diz que no caso do imunizante desenvolvido em parceria entre a farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford, a suspensão ocorreu “quando um voluntário morreu mesmo tomando placebo”. Na verdade, os testes foram de fato suspensos pelos próprios desenvolvedores, mas quando foi identificado um evento adverso em uma voluntária da Inglaterra – que não resultou em morte.

A AstraZeneca informou em nota no dia 9 de setembro que a pausa ocorreria para análise de dados de “um único evento de uma doença inexplicável que ocorreu no estudo de Fase III do Reino Unido”. Não foram divulgados oficialmente detalhes do caso, mas o CEO da AstraZeneca afirmou em uma videoconferência tratar-se de um caso de mielite transversa, segundo informou o site americano especializado em saúde StatNews. Três dias depois, a AstraZeneca publicou nova nota comunicando a retomada dos testes. Nesta ocasião, os estudos também foram paralisados no Brasil.

O caso em que houve morte de voluntário que integrava os testes da vacina da Oxford-AstraZeneca ocorreu no Brasil, mais de um mês depois, em 15 de outubro. No entanto, neste caso os testes não chegaram a ser suspensos pela Anvisa, que seguiu recomendação de comitê internacional para manter o prosseguimento dos estudos. Este participante morreu de pneumonia viral causada por covid-19, como já mostrou outra verificação do Comprova. Ele estaria no grupo dos que tomaram placebo, segundo fontes relataram a veículos como a TV Globo – o Comprova não conseguiu confirmar a informação.

No caso da vacina da farmacêutica Janssen-Cilag, braço farmacêutico da empresa Johnson & Johnson, os testes foram de fato interrompidos pela própria empresa após evento adverso grave com voluntário do exterior, conforme afirma a postagem verificada. O caso ocorreu em 12 de outubro e foi informado em notas no site da Janssen e no site da Anvisa. A agência autorizou a retomada dos estudos da vacina da Janssen no país em 3 de novembro, após analisar dados do Comitê Independente de Segurança e da autoridade regulatória norte-americana, a Food and Drugs Administration (FDA, na sigla em inglês).

Quem é a autora do texto

Flavia Ferronato é advogada, possui cadastro nacional da OAB. Também é coordenadora nacional do Movimento Advogados do Brasil, organização composta por advogados de todo país. Na sua biografia do Twitter, Flávia se intitula como “Palpiteira no Jornal de Cidade online”. No dia 10 de novembro a advogada fez um tweet com o mesmo texto do Jornal da Cidade Online. Também foi encontrado o canal do Youtube da advogada, em que o vídeo mais recente critica a possível vacinação obrigatória contra covid-19. Durante a verificação buscamos contato via Twitter e WhatsApp com a advogada. Ela se negou a responder às perguntas enviadas. Nos seus últimos tweets a advogada postou prints da conversa com o verificador do Comprova que a procurou. Também fez postagens criticando o trabalho de agências de checagem.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais tratando sobre políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia. Interesses políticos têm sido colocados à frente da ciência, gerando uma “politização da vacina” durante a fase de estudos e produções de uma possível cura para o covid-19. Essa polarização, que também é chamada de “Guerra da vacina”, tem como consequência o aumento de produções de conteúdos enganosos e/ou falsos.

A publicação analisada no portal “Jornal da Cidade” foi um artigo da advogada Flavia Ferronato, onde a mesma afirma que “Butantan e o Governo de São Paulo fingem que nada está e se fingem surpresos com a suspensão?”. Mesmo tal afirmação sendo enganosa, a advogada compartilhou as mesmas informações em seu twitter.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-11-11

Médico morreu de covid-19 e não por efeitos adversos da vacina de Oxford

  • Falso
Falso
De acordo com o atestado de óbito do jovem, que era voluntário no ensaio clínico da vacina de Oxford, ele faleceu em decorrência de uma pneumonia viral causada pela covid-19 e não pela vacina, como afirma um vídeo publicado no Facebook e YouTube
  • Conteúdo verificado: Live realizada no Facebook, e posteriormente publicada no YouTube, na qual um enfermeiro afirma que a morte de um voluntário nos testes da vacina de Oxford, em outubro, teria sido provocada pelo imunizante. Além disso, ele também diz que as vacinas podem causar Alzheimer e fibromialgia

É falso que o médico João Pedro Rodrigues Feitosa, voluntário no ensaio clínico da vacina de Oxford, tenha sido “vítima da vacina”, como afirmou o enfermeiro Anthony Ferrari Penza em uma transmissão ao vivo pelo Facebook. De acordo com o atestado de óbito do jovem, obtido pelo Comprova, ele faleceu em decorrência de uma pneumonia viral causada pela covid-19.

Veículos de imprensa, como a TV Globo, disseram ter confirmado com fontes ligadas aos testes que o voluntário recebeu apenas placebo – e não a vacina propriamente dita. O Comprova não conseguiu confirmar essa informação.

O enfermeiro ainda afirma no vídeo verificado pelo Comprova que os adjuvantes da vacina, substâncias que buscam melhorar sua eficácia, poderiam causar Alzheimer, doença degenerativa que afeta a memória, e fibromialgia, que causa dor e fadiga. A afirmação é enganosa, já que não existem indícios científicos que indiquem que as vacinas e os adjuvantes causem qualquer uma das duas doenças, como explicou o pesquisador Rafael Dhália, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Até o momento, não foram relatados efeitos colaterais graves nos 57 mil voluntários (10 mil deles no Brasil) que receberam a vacina de Oxford.

É importante ressaltar que o simples ato de se vacinar não significa que uma pessoa esteja imune a uma determinada doença. Nenhuma vacina existente proporciona uma proteção para todas as pessoas que receberem as doses. “Vacina não é uma medida de proteção individual e, sim, populacional”, explica Dhália. Isso significa que mesmo quem vier a receber a vacina ainda poderá adquirir a doença. “Quando o nível é ‘excelente’, a vacina tem uma proteção de 80%”, complementa o pesquisador. Com isso, os 80% da população imunizados servem como uma espécie de barreira para que os outros 20% que não foram imunizados estejam protegidos.

Procurado, Penza disse que não é contra a vacina ou contra os testes da vacina, mas que é “contra não avisar as pessoas que elas estão sendo testadas” e contra a “obrigatoriedade” dos testes. Na verdade, nenhuma pessoa é obrigada a participar dos testes e todos que participam são voluntários e assinam um termo reconhecendo a participação.

Em relação aos efeitos colaterais, ele voltou a afirmar que os artigos científicos mostram que os adjuvantes podem provocar Alzheimer. Porém, quando o Comprova pediu para que ele enviasse os artigos que supostamente comprovariam a afirmação, ele deixou de responder.

Como verificamos?

Em primeiro lugar, consultamos as informações publicadas na imprensa sobre a morte de João Pedro Rodrigues Feitosa, voluntário nos testes da vacina de Oxford que faleceu no final de outubro. Depois disso, entramos em contato com a farmacêutica AstraZeneca, responsável pela vacina, e com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela aprovação de testes e medicamentos no Brasil.

Pelo portal do Registro Civil, canal oficial de comunicação com cartórios de todo o Brasil, solicitamos e obtivemos o atestado de óbito de Feitosa para confirmar a causa da morte.

Conversamos, também, com o doutor em biologia molecular e especialista em microbiologia e virologia da Fiocruz Rafael Dhalia e com Dirceu Bartolomeu Greco, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e vice-presidente do Comitê Internacional de Bioética da Unesco.

Também entramos em contato com o enfermeiro Anthony Ferrari Penza via WhatsApp.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 11 de novembro de 2020.

Morte de voluntário nos testes

No vídeo analisado, o enfermeiro afirma que o médico carioca João Pedro Rodrigues Feitosa, de 28 anos, teria sido vítima da vacina contra o novo coronavírus. Feitosa era um dos participantes dos testes clínicos da vacina produzida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca e faleceu no dia 15 de outubro. A afirmação feita por Penza é falsa. De acordo com o atestado de óbito de Feitosa, ele faleceu por complicações em decorrência de uma pneumonia viral causada pela covid-19.

Procurada, a farmacêutica AstraZeneca afirmou que não poderia divulgar informações sobre os voluntários, pois as informações sobre qualquer voluntário são tratadas em sigilo. Tanto a farmacêutica quanto a Universidade de Oxford, parceiras na produção da vacina, se recusaram a confirmar se Feitosa recebeu o placebo ou a vacina. Porém, diversos veículos de comunicação brasileiros confirmaram, com fontes ligadas ao estudo, que o médico recebeu apenas placebo – e não a vacina propriamente dita. Ou seja, a morte de Feitosa não tem relação direta com a vacina em testes no Brasil – ele foi uma das mais de 162 mil vítimas brasileiras da covid-19.

Efeitos colaterais, Alzheimer e fibromialgia

Na gravação, o enfermeiro Penza afirma que os adjuvantes presentes nas vacinas poderiam causar Alzheimer, doença neurodegenerativa que afeta a memória, e fibromialgia, enfermidade que causa dor e fadiga. Os adjuvantes são substâncias que procuram melhorar a eficácia das vacinas. A informação é enganosa. Não existem indícios científicos de que as vacinas e os adjuvantes causem essas duas doenças, explicou Rafael Dhália, pesquisador da Fiocruz e doutor em Biologia Molecular.

“Não existe vacina ‘pronta’ pois elas ainda estão na fase 3 de testes, que é a fase final da avaliação de segurança e eficácia”, explica Dhália. “Mas não existem indícios científicos de que elas causem essas doenças”, complementa. No caso da vacina de Oxford, não foram registrados efeitos colaterais graves nos mais de 57 mil voluntários até o momento.

O placebo e os testes

A pesquisa científica com voluntários é regulamentada pela resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e controlada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculada ao CNS, para garantir o controle e se manter livre da influência de laboratórios e governantes. A explicação foi dada pelo presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e vice-coordenador do Comitê Internacional de Bioética da Unesco, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dirceu Bartolomeu Greco.

O direito ao sigilo em todas as fases da pesquisa é assegurado aos participantes voluntários pela mesma resolução, no capítulo IV. No entendimento de Greco, a legislação brasileira é uma das que garantem mais direitos aos voluntários de pesquisas e testes. Um desses direitos é o acesso aos resultados dos estudos, ou seja acesso sem custos a medicamentos e tratamento gerados por esses estudos, o que possibilita aos participantes um benefício em um processo “em que praticamente todos os envolvidos ganham alguma coisa, seja o pesquisador, a instituição de pesquisa e o laboratório, enquanto o voluntário entra só com a boca ou o braço”, segundo o professor.

No vídeo verificado aqui, Penza afirma que o placebo utilizado na pesquisa é “um líquido que não é nada”. A afirmação está errada. De acordo com o imunologista Rafael Dhalia, a “definição de placebo usada pelo enfermeiro autor do vídeo está completamente equivocada”. O placebo dessa vacina não é uma substância inerte. Ele utiliza o mesmo vetor, mas leva o imunizante para meningite meningocócica. Ou seja, o placebo, neste caso, é uma outra vacina já consolidada e que é utilizada em larga escala no mundo todo.

A vacina

A vacina produzida pela farmacêutica AstraZeneca e pela Universidade de Oxford é um imunizante vetorial. Isso significa que ela utiliza um vírus vivo – no caso, um adenovírus de chimpanzé modificado – como vetor para levar uma parte do vírus SARS-CoV-2, causador da covid-19, para dentro do corpo humano. Essa é uma solução para produzir a vacina sem precisar inserir o vírus inteiro no corpo.

Ao identificar a sequência genética dessa parte do vírus, a proteína “S”, o sistema imunológico de quem recebe a vacina, a reconhece como uma parte estranha ao corpo e começa a produção de anticorpos que vão lutar contra o vírus. Dessa maneira, quando tivermos contato com o novo coronavírus, nosso corpo já estará protegido.

É importante lembrar que o simples ato de se vacinar não significa dizer que uma pessoa está 100% imune a uma doença. Nenhuma vacina existente proporciona 100% de proteção. “[Tomar a vacina] não significa dizer que a pessoa precisaria estar protegida contra a doença. Vacina não é medida de proteção individual e, sim, populacional. Nenhuma delas protege 100%. Quando o nível é ‘excelente’ tem uma proteção de 80%”, explica Rafael Dhália, da Fiocruz.

Com isso, os 80% da população protegidos servem como uma espécie de barreira para os outros 20% que não desenvolveram uma proteção após a vacinação e a transmissão do vírus vai sendo bloqueada ao longo dos anos.

Segundo Dhalia, “a OMS deverá aceitar para a covid-19 qualquer vacina que tenha uma eficácia igual ou superior a 50%, para ir reduzindo a transmissão até surgir alguma outra mais eficaz, com nível de proteção acima de 70%”.

Quem é o autor do vídeo?

Anthony Ferrari Penza, nascido no Rio de Janeiro, tem 45 anos e atualmente é candidato a vereador no município de Cabo Frio, no mesmo estado. Segundo seu currículo Lattes, na plataforma CNPq, ele fez sua formação no curso de Enfermagem na Universidade Veiga de Almeida, em 2014. Entre 2014 e 2016, cumpriu especializações na área medicinal. Ainda conforme a plataforma Lattes (com última atualização registrada em 06/03/2018), Penza atuou em diversos hospitais da região. Entretanto, quando questionado sobre sua trajetória profissional em uma verificação anterior realizada pelo Comprova, o enfermeiro não disse em quais instituições trabalhou.

Penza concorre pela primeira vez a vereador na cidade de Cabo Frio pelo Partido Social Democrata. Ele não teve nenhuma movimentação financeira na campanha eleitoral, segundo o site de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O enfermeiro já apareceu em outras duas verificações feitas pelo Comprova. Em uma delas, ele afirmava que o recebimento de verbas pelos hospitais estava atrelado ao número de óbitos. Essa informação é falsa. Na outra, ele distorceu dados de estudos científicos para afirmar falsamente que a ivermectina, medicamento usado contra vermes e parasitas, seria eficaz contra o novo coronavírus.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais tratando sobre políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia. Como ainda não existe uma vacina aprovada ou cura comprovada para o coronavírus, muitas das publicações verificadas estão relacionadas ao tema. Nos últimos meses, a grande politização em torno da vacina fez com que o número de conteúdos falsos e enganosos aumentasse muito.

O vídeo analisado foi publicado no perfil do Facebook do enfermeiro Anthony Ferrari Penza e teve cerca de 2,6 milhões de visualizações até ser excluído, no dia 29 de outubro. O mesmo vídeo foi publicado no YouTube e chegou a mais de 50 mil visualizações até 11 de novembro. Os conteúdos passam insegurança para as pessoas que, além de estarem assustadas com a pandemia, também ficam receosas em relação às vacinas, visto que o vídeo dissemina medo e não traz nenhuma informação concreta sobre os testes e resultados das vacinas que estão em andamento no Brasil.

O mesmo vídeo também foi verificado pela Agência Lupa e pelo Fato ou Fake, do portal G1, que classificaram as informações de Penza como falsas.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para modificar o seu significado original e divulgado de maneira deliberada para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-11-09

CoronaVac não matou voluntários e vacinas não causaram danos neurológicos ou de DNA

  • Falso
Falso
Comunicados das fabricantes e de órgãos oficiais mostram que as vacinas que estão em teste não causaram nenhum dano neurológico e, muito menos, mortes de voluntários relacionadas a elas. O Comprova ouviu especialistas que também negaram a possibilidade dos imunizantes causarem alterações no DNA
  • Conteúdo verificado: Post no Facebook usa print screen que mostra apenas o título de uma checagem para induzir os internautas a crer que a CoronaVac matou mais de 2 mil voluntários e altera o DNA das pessoas.

É falso que a CoronaVac, vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac com apoio do Instituto Butantan, tenha matado mais de 2 mil voluntários e que altere o DNA das pessoas, como sugere uma imagem que circula pelas redes sociais. Também é inverídico que as vacinas desenvolvidas pela Pfizer e pela Moderna tenham como objetivo causar graves danos neurológicos e, assim, matar a população em massa. Todas estas afirmações foram divulgadas pela mesma página em um post no Facebook e em uma publicação no Telegram.

O post usa como imagem parte de uma checagem, apenas título e subtítulo, que repete o boato como forma de pergunta: “Vacina chinesa matou mais de 2 mil voluntários e altera o DNA das pessoas? Checamos!”. Essa imagem, no entanto, induz a uma interpretação errada, já que nem o link para a verificação nem a sua conclusão foram compartilhados. A verificação, feita pela seção de checagem do site maranhense O Imparcial, concluiu que a informação é falsa.

O texto que acompanha a imagem do post verificado pelo Comprova fornece um link que leva a uma publicação no Telegram, que diz: “Cobaias humanas da Moderna e Pfizer sofrem exaustão extrema, falta de ar, dores de cabeça etc. Prepare-se para vacinas de despovoamento em massa que causam graves danos neurológicos e lobotomize [sic] qualquer estúpido o suficiente para tomá-las”.

Comunicados das fabricantes e de órgãos oficiais mostram que as vacinas que estão em teste não causaram nenhum dano neurológico e, muito menos, mortes de voluntários relacionadas a elas. O Comprova ouviu especialistas que também negaram a possibilidade dos imunizantes causarem alterações no DNA.

Em resposta ao Comprova, o responsável pela página que compartilhou os conteúdos afirmou que as informações “são conseguidas com pessoas que tem [sic] a mesma linha de pensamento que nós” e que iria tomar providências sobre as publicações, mas que a página iria manter “o foco, que é divulgar aquilo que a TV nunca vai mostrar”.

Como verificamos?

A verificação começou com o acionamento do Instituto Butantan, que desenvolve a CoronaVac em parceria com a chinesa Sinovac. O objetivo era questionar sobre a possibilidade de a vacina causar problemas no DNA humano e sobre a quantidade de mortes, caso houvesse, registrada entre os voluntários dos testes.

Também foram procuradas a Pfizer e a Moderna, que trabalham na elaboração de outros dois imunizantes. Nesse caso, os questionamentos eram em torno das alegações feitas a respeito das vacinas: que causariam danos neurológicos graves, que teriam como intuito despovoar o planeta e que teriam provocado nos voluntários efeitos colaterais como exaustão extrema, dor de cabeça e falta de ar.

Para tentar responder todas essas perguntas, o Comprova ainda realizou pesquisas no Google e fez buscas nos sites oficiais da vacina CoronaVac, do laboratório Moderna e da empresa farmacêutica Pfizer. Verificações anteriores do projeto, que trataram de danos genéticos e consequências das vacinas, também foram consultadas.

Por fim, a equipe entrevistou dois especialistas por telefone: o professor e virologista Flávio Fonseca, do Centro em Tecnologia em Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); e a infectologista Luciana Barreto, do Hospital Estadual de Doenças Tropicais Doutor Anuar Auad, em Goiânia.

Também entramos em contato com o responsável pela página que compartilhou os conteúdos falsos para questionar sobre as fontes das afirmações feitas nas publicações.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 9 de novembro de 2020.

Verificação

CoronaVac não causou mortes em voluntários

Desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, a vacina CoronaVac não causou nenhuma morte, diferentemente do que sugere o post aqui verificado.

Atualmente, a CoronaVac está na fase 3 de testes, com voluntários da China e do Brasil. No país asiático, mais de 50 mil pessoas integraram o estudo, sendo que menos de 6% apresentaram algum efeito colateral, como dor no local da aplicação, fadiga, febre, perda de apetite e dor de cabeça. “Estamos confiantes tanto em relação à segurança, quanto à eficácia”, afirmou Xing Han, representante da Sinovac no Brasil.

Procurado, o Instituto Butantan complementou tais informações. “Nas fases 1 e 2 dos ensaios clínicos conduzidos na China não foi registrada nenhuma morte de voluntários em decorrência do uso da vacina. Na fase 3 do estudo, atualmente em andamento em sete estados brasileiros e no Distrito Federal, não foi registrado qualquer efeito adverso grave entre os participantes.”

Dentre as principais vacinas em desenvolvimento, a única que registrou uma morte entre os voluntários foi a desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca – não citada pela publicação verificada. O óbito que vitimou o médico brasileiro João Pedro Rodrigues Feitosa, de 28 anos, aconteceu em outubro, conforme revelado por reportagens divulgadas em veículos como O Globo, Agência Brasil e UOL.

A causa da morte não foi confirmada oficialmente nem pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nem pelo laboratório responsável, por questões de confidencialidade que envolvem os participantes dos ensaios clínicos. Apesar disso, em nota de pesar pelo falecimento do ex-aluno, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) afirmou que a causa da morte teria sido complicações da covid-19, informação também divulgada por veículos como Agência Brasil e O Globo.

Também não foi informado se o médico brasileiro estava no grupo que tomou vacina ou placebo. Reportagem do jornal O Globo citou fontes ligadas ao desenvolvimento da vacina, mas que pediram para não serem identificadas, que sustentaram que ele estaria entre aqueles que tomaram apenas placebo. Após informações recebidas do Comitê Internacional de Avaliação de Segurança, a Anvisa informou que os testes da vacina podiam continuar. Atualmente, a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), que fará a produção da vacina no Brasil, já tem até um cronograma de produção e distribuição do imunizante.

Vacinas não alteram o DNA

Frequentemente, as vacinas contra a covid-19 têm sido alvo de afirmações inverídicas, incluindo falsos danos genéticos. O Comprova verificou duas publicações sobre o tema, chegando à conclusão de que ambas eram falsas. A primeira dizia que, além de problemas no DNA, as vacinas seriam capazes de monitorar a população. Já a segunda, indicava que elas poderiam causar câncer e transformar as pessoas em homossexuais.

Professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), Cristina Bonorino já afirmou à nossa equipe que “é muito importante explicar para as pessoas que isso (intervenção da vacina no DNA) é impossível” e que “para alterar o código genético, você precisa de algo que se insira no seu DNA, e a gente sabe que as vacinas não vão fazer isso”.

Responsável pelo desenvolvimento pela CoronaVac, o Instituto Butantan explicou que a formulação da vacina utiliza a técnica de inativação do vírus. “Ou seja, a formulação do imunizante contém coronavírus mortos num processo de inativação química para que apenas estimulem a proteção imunológica do organismo sem causar a infecção. É completamente irresponsável afirmar que exista algum componente que altera o DNA.”

Por telefone, o professor Flávio Fonseca, virologista do Centro em Tecnologia em Vacinas da UFMG, também garante que a informação de que a vacina altera o DNA não procede. “Isso é uma informação absolutamente incorreta, a vacina CoronaVac utiliza um vírus que passa por um processo químico para ser inativado, eles neutralizam ele e depois na corrente sanguínea é combatido com os anticorpos”, afirma.

O professor ainda salienta que outras vacinas já produzidas em larga escala e utilizadas há décadas usam essa técnica, como a imunização contra a poliomielite. Sobre os efeitos colaterais, ele afirma que a maioria são brandos, como dor de cabeça e cansaço.

A infectologista Luciana Barreto, do Hospital Estadual de Doenças Tropicais Doutor Anuar Auad, em Goiânia, lembra que várias vacinas utilizam há muito tempo a técnica do vírus inativado. Segundo ela, a CoronaVac é produzida de forma semelhante à da Influenza e da Hepatite A.

“É um boato totalmente enganoso que a vacina altera o DNA das pessoas, é uma tecnologia utilizada há muito tempo por outras vacinas”, explica. Ela relembra que os estudos da fase 3 da CoronaVac ainda não mostraram nenhum dado científico acerca de danos neurológicos, mas nas fases 1 e 2 não há relatos de problemas do tipo.

Atualmente, três vacinas estão sendo testadas no Brasil, além da CoronaVac. Duas delas – a europeia da Jassen-Cilag e a da parceria entre Oxford e AstraZeneca – utilizam a tecnologia do “adenovírus vetor”, na qual a proteína do novo coronavírus é inserida em outro vírus, como os que causam gripe ou conjuntivite, modificado em laboratório, para não se multiplicar no corpo humano, ao mesmo tempo em que estimula a produção de anticorpos contra o Sars-CoV-2.

Somente a vacina desenvolvida pela Pfizer utiliza o material genético (RNA) do novo coronavírus para desencadear a resposta imune do organismo humano. Em entrevista ao Comprova, a Independentemente da tecnologia empregada, todas foram aprovadas para testes pela Anvisa, cujo comitê avalia dados de segurança, delineamento do estudo proposto, dados de produção e controle de qualidade e boas práticas clínicas.

Quais os efeitos colaterais das vacinas da Pfizer e da Moderna?

Chamada de mRNA-1273, a vacina que está sendo desenvolvida pela farmacêutica Moderna recebeu da Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês), no dia 22 de outubro, o parecer de que é “idônea” e que pode solicitar o registro junto à entidade. “Essa autorização é consequência dos resultados positivos do estudo pré-clínico e da análise positiva da fase 1 do estudo”, explica a nota oficial. A EMA é equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil.

Diferentemente do que sugere a publicação verificada, não houve relato de “exaustão extrema” e nem de “falta de ar” entre os voluntários. Já as dores de cabeça, de fato, aconteceram em 60% dos voluntários que receberam a segunda aplicação da vacina, de 100 microgramas de dose. Os integrantes desse grupo também sentiram fadiga (80%), calafrios (80%) e mialgia (53%), sendo todos efeitos leves ou moderados.

Nos resultados referentes ao grupo dos adultos com mais de 56 anos, divulgados no dia 29 de setembro, dois voluntários apresentaram efeitos colaterais classificados como graves. O primeiro teve febre e o segundo, fadiga. Os dois casos também aconteceram após a segunda aplicação da dose de 100 microgramas. Os resultados do relatório preliminar e dos estudos com o grupo de adultos mais velhos foram publicados no periódico científico The New England Journal of Medicine.

Atualmente, a vacina da Moderna está na fase três de estudos. Nela, mais de 25 mil voluntários (adultos, saudáveis e que tenham alto risco de contrair a covid-19 ou de desenvolver um quadro grave da doença) receberam a segunda dose do imunizante. Os resultados desta fase ainda não foram divulgados. Sobre o tema, o Comprova acionou a Moderna, mas não recebeu o retorno até a publicação deste texto.

Já a vacina desenvolvida pela parceria entre a Pfizer e a BioNtech, chamada de BNT162, é uma das que estão sendo testadas no Brasil. Atualmente, os estudos estão na fase 3, iniciada no final de julho deste ano, e os respectivos resultados preliminares são esperados para o final de novembro. Ao todo, a empresa farmacêutica conta com o voluntariado de 3.100 brasileiros.

De acordo com um comunicado da Pfizer enviado ao Comprova, não houve registro de “eventos adversos graves” entre os voluntários. Ocorreram apenas casos de febre, fadiga e calafrios, que “geralmente eram de leves a moderados”, desaparecendo naturalmente, em um ou dois dias.

“A segurança foi, é, e sempre será nossa prioridade em pesquisas e desenvolvimento de vacinas. Embora a Pfizer e a BioNTech estejam trabalhando numa velocidade extraordinária, a preservação de padrões de alta qualidade e segurança é extremamente importante. Para esse estudo, assim como em todos os nossos ensaios clínicos, a segurança dos voluntários é fundamental, e os pesquisadores devem seguir regras estritas para garantir que os participantes estejam seguros.”

Título distorcido: a checagem do site Imparcial

A partir de uma postagem em um grupo de Facebook no dia 16 de outubro, a redação do Imparcial elaborou uma checagem com o título em forma de pergunta, dando ênfase à principal afirmação da postagem, sobre a possível morte de 2 mil voluntários da CoronaVac e se a vacina poderia alterar o DNA das pessoas. A chamada termina com a indicação de que o conteúdo foi verificado: “Checamos!”.

O primeiro parágrafo da verificação do Imparcial começa com a referência de que conteúdo viralizou nas mídias digitais. Logo abaixo, há um print da postagem alvo da checagem, dizendo, entre outras coisas, que a CoronaVac causou a morte de mais de 2 mil voluntários e que ela seria a primeira vacina a “mexer com nosso DNA”.

No mesmo dia, 16 de outubro, a postagem foi publicada também no grupo de Facebook Conspiração e Manipulação Real. O Facebook classificou ambas as postagens como conteúdo falso, devido à verificação da Agência Lupa, feita no mesmo dia da postagem. No perfil que compartilhou esse conteúdo há outras publicações classificadas pelo Facebook como falsas.

No decorrer da checagem, o Imparcial também classificou o conteúdo como falso e mencionou informações do Instituto Butantan e da Sinovac de que a vacina não causou mortes e nem efeitos adversos graves em voluntários até o momento. O trecho compartilhado posteriormente pela página Maldito Sistema, no entanto, omite essa conclusão, não oferece link para a verificação e exibe apenas o título em forma de pergunta, sugerindo que o boato poderia ser verdadeiro.

O caminho da desinformação

Na postagem no Facebook, a página Maldito Sistema usa um print da verificação do jornal O Imparcial, que apontou como falsa a informação de 2 mil mortes causadas pela CoronaVac. No entanto, a página engana ao sugerir que a afirmação seria verdadeira, já que a postagem não oferece link para a checagem, não exibe o trecho que desmente o boato e foi publicada com a legenda: “MATOU MAIS QUE ISSO. EU APOSTO!”.

Na mesma postagem, a página insere um link para o canal Maldito Sistema no Telegram, que tinha 525 membros até o dia 9 de novembro de 2020. Em outras postagens no Facebook, a página convida pessoas a se inscreverem no canal. Em post do dia 2 de novembro, os administradores reclamam de ter um vídeo censurado no Facebook e, em publicação do dia seguinte, afirmam: “A censura tá de mais. se ÍNSCREVA [sic] em nosso canal do Telegram [link]”.

No canal do Telegram, a página compartilha diversos conteúdos antivacina. Um deles é o print de uma publicação do site Coletividade Evolutiva, com o título “Cobaias humanas da Moderna e Pfizer sofrem exaustão extrema, falta de ar, dores de cabeça, etc”.

Esta publicação do site Coletividade Evolutiva, divulgado pelo Telegram, é na verdade uma tradução de um conteúdo em inglês do site Natural News. O portal é reconhecido por divulgar informações falsas antivacinas e respondeu por 32% do total de links avaliados por um levantamento feito pela Avaaz sobre conteúdos inverídicos envolvendo vacinação, noticiado em reportagem da Deutsche Welle.

O texto do Natural News tem as mesmas informações da publicação em português. Ele parte de uma notícia da rede norte-americana CNBC sobre efeitos colaterais de pacientes que testam as vacinas da Moderna e Pfizer, como febre alta, dor no corpo e exaustão. O site Natural News, no entanto, acrescenta por conta própria que essas reações seriam “sinais de danos neurológicos acontecendo em tempo real” e que “um tipo de lobotomia de vacina está ocorrendo”. A publicação, porém, não apresenta nenhuma fonte dessas informações.

O conteúdo falso que afirmava que a vacina chinesa teria provocado 2 mil mortes na fase de testes já foi alvo de verificações de veículos como a Agência Lupa, que confirmou ser falsa a afirmação.

Sobre os autores

O perfil Maldita Sistema, autor dos posts verificados nesta checagem, foi criado em maio de 2020 e apresenta no Facebook a seguinte descrição: “Essa página tem o objetivo de esclarecer a verdade sobre a escravisão [sic] que o sistema realizar [sic] na sociedade”. Não há informação sobre quem administra a página. Questionada pelo Comprova sobre as fontes das afirmações divulgadas, em contato via Facebook, a página respondeu que as informações “são conseguidas com pessoas que tem [sic] a mesma linha de pensamento que nós”. Os responsáveis pela página afirmaram que tomariam providências sobre as publicações alvo desta verificação, mas que vão manter o “foco, que é divulgar aquilo que a TV nunca vai mostrar”.

A página compartilha com frequência informações falsas sobre a pandemia, como as que associam vacinas a mortes e doenças e as que afirmam que o vírus foi fabricado em laboratório – o assunto já foi desmentido em outra verificação do Comprova.

Por que investigamos?

Na terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a covid-19 ou sobre políticas públicas do governo federal que tenham alcançado grande repercussão nas redes sociais. As publicações que veiculam informações falsas acerca das vacinas contra o novo coronavírus são ainda mais prejudiciais, visto que podem desencorajar a população de se imunizar – meio apontado pelos especialistas como o mais promissor para dar fim à pandemia, que já causou a morte de mais de 161 mil brasileiros, de acordo com os últimos dados do Ministério da Saúde, atualizados em 4 de novembro.

Os conteúdos verificados nesta publicação associam, de maneira enganosa e sem embasamento científico, as vacinas em fase de testes a mortes, doenças e reações adversas graves, o que coloca em dúvida a segurança dos imunizantes, que, até o momento, têm se mostrado eficientes. A publicação divulgada na página Maldito Sistema teve 304 reações e 2,5 mil compartilhamentos no Facebook até 9 de novembro.

Nos últimos meses, informações falsas ou enganosas sobre vacinas contra a covid-19 têm viralizado nas redes sociais. O Comprova já mostrou ser falso que as vacinas causem câncer, danos genéticos ou transformem as pessoas em homossexuais; que a ex-presidente Dilma Rousseff não falou que a vacina chinesa será eficaz porque o surto da doença começou na China; e que é enganoso dizer que expor a população ao vírus seja mais eficiente para acabar com a pandemia do que a vacinação.

A Agência Lupa, o Fato ou Fake e O Imparcial checaram conteúdos semelhantes ao alvo desta verificação e também concluíram que as afirmações eram falsas.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-11-06

Médicos não provaram que uma vacina precisa de 10 anos de pesquisa para ser segura

  • Falso
Falso
O Comprova não encontrou qualquer indício de que os médicos tenham feito tais provas. E tempo não é um fator considerado nos protocolos de avaliação de vacinas tanto na Anvisa quanto na FDA, autoridade sanitária dos Estados Unidos
  • Conteúdo verificado: Tuíte afirma que dois médicos brasileiros provaram cientificamente que uma vacina precisa de, no mínimo, dez anos de pesquisa para ser considerada segura e eficaz.

É falso que os médicos brasileiros Nise Yamaguchi e Anthony Wong tenham provado cientificamente que uma vacina precisa de no mínimo dez anos de pesquisa para ser considerada segura e eficaz, conforme afirmou um blogueiro no Twitter.

O Comprova não encontrou qualquer indício de que os médicos tenham feito tais provas. Só foi encontrada uma entrevista à rádio Jovem Pan em que ambos falam sobre efeitos colaterais e tempo de aprovação de vacinas, mas não há provas de que haja um tempo mínimo.

Tempo, na verdade, não é um dos fatores considerados nos protocolos de aprovação de vacinas tanto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil (Anvisa) quanto da Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária dos Estados Unidos. Além disso, o órgão norte-americano aprovou, no final de 2019, uma vacina contra ebola desenvolvida em cinco anos.

O Comprova tentou entrar em contato com Yamaguchi e Wong, que já teve algumas das suas falas analisadas pelo Comprova, mas não teve retorno até o fechamento desta verificação.

Como verificamos?

Por meio de pesquisa, a equipe apurou os perfis das redes sociais dos médicos citados e do blogueiro que publicou o tuíte, principalmente o Instagram, Twitter e Linkedin. Além disso, foram analisadas entrevistas e postagens de Wong e Yamaguchi realizadas durante a pandemia, relacionadas aos cuidados recomendados para evitar a proliferação do vírus.

Por e-mail, questionamos a Anvisa sobre os procedimentos para a aprovação de uma vacina, se haveria algum tempo mínimo requerido e se a data de 10 anos fazia algum sentido. As mesmas perguntas foram feitas à norte-americana FDA também por e-mail, em inglês.

Por telefone, contatamos ainda Evaldo Stanislau, infectologista da Universidade de São Paulo (USP) para falar sobre produção de vacinas. Ele respondeu por WhatsApp.

Também tentamos contato com Anthony Wong e Nise Yamaguchi por e-mail e telefone, mas não obtivemos resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 6 de novembro de 2020.

Verificação

Tempo de aprovação

Ao Comprova, a Anvisa afirmou, por e-mail, que não existe tempo delimitado para a aprovação de uma vacina ou medicamento. “O que existe é a exigência de demonstração de segurança e eficácia por meio de pesquisas clínicas que forneçam dados suficientes para esta análise”, explica a agência.

O órgão afirma que há uma “exaustiva lista para regulamentação e registro”, mas que não inclui correlação com o tempo. Em seu site, a Anvisa explica as etapas que as indústrias devem seguir para registro do imunizante para covid-19: duas são pré-testes (pesquisa para identificação de candidatos e estudos clínicos com os selecionados após testes com animais) e três fases de testes em humanos.

Atualmente, três das cinco vacinas testadas no Brasil (Oxford, CoronaVac e da Pfizer com a BioNTech) estão na terceira fase, de estudo clínico de eficácia – as outras duas estão com as pesquisas paradas. Não há qualquer menção a um tempo mínimo necessário para qualquer uma das etapas.

Da mesma forma, a FDA, órgão equivalente à Anvisa nos Estados Unidos, também afirmou, por e-mail, que não estipula um tempo mínimo de pesquisa para a aprovação de uma vacina. A agência norte-americana também estabelece um estudo com três fases de testes em humanos antes do registro.

“Em qualquer estágio dos estudos com humanos ou animais, se os dados levantarem preocupações significativas sobre a eficácia ou a segurança [do imunizante], o FDA poderá requerer informações ou estudos adicionais ou poderá suspender o estudo em andamento”, explica a agência.

O que diz o especialista

O infectologista Evaldo Stanislau, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e membro de diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI), também afirmou que esse critério não existe.

“Os estudos têm fases definidas de desenvolvimento para demonstrar a eficácia e segurança. Após a fase 3 – onde várias vacinas estão –, se aprovadas e registradas, podem ser comercializadas sem restrições”, explica o infectologista.

Segundo ele, após a aprovação, há ainda uma fase posterior, com observação na vida real, como ocorre com qualquer fármaco. Se há qualquer intercorrência, as autoridades sanitárias devem ser avisadas. É o que se chama de “farmacovigilância”.

“A depender de ocorrerem reportes – e do tipo de reporte –, isso pode demandar ações de correção ou restrição. Independente da farmacovigilância, o próprio produto pode ser aprimorado no pós-comercialização pelo próprio fabricante. E isso deverá ocorrer”, afirma Stanislau.

Pode ocorrer, por exemplo, de uma vacina ser registrada e lançada com duas doses e, em algum momento, ser aprimorada para apenas uma dose.

“A afirmação original, do jeito que é colocada, está incorreta e, mais do que isso, tenta comprometer um processo sério e regulado pelas autoridades sanitárias”, conclui o médico.

Vacinas produzidas em menos de 10 anos

Apesar de não haver um tempo mínimo, a produção de vacinas geralmente leva anos e depende de muitos fatores – desde o próprio vírus que se quer combater a elementos externos, como interesses econômicos e regionais, mas há registro de vacinas produzidas em menos de 10 anos.

A Ervebo, primeira vacina contra a ebola aprovada pela FDA, em dezembro de 2019, levou cerca de cinco anos para ser produzida. Apesar de o vírus ter sido descoberto na República Democrática do Congo (então Zaire) em 1976, a pesquisa para a vacina fabricada pela Merck começou em 2014, durante a epidemia no país africano entre 2013 e 2016. Outras tantas tentativas em décadas anteriores falharam.

A vacina contra a caxumba também foi descoberta em um período inferior de pesquisa. Apesar de seu vírus ter sido isolado em 1945, o médico Maurice Hilleman levou apenas quatro anos desde o início da pesquisa à aprovação, em 1967. Hilleman, que trabalhava na indústria farmacêutica e já tinha desenvolvido outros imunizantes, interessou-se pela doença depois que sua filha de cinco anos a contraiu. Essa história é contada pela rede britânica BBC.

A vacina do sarampo também foi descoberta e aprovada em menos tempo. Seu vírus foi isolado em 1954 e a vacina, licenciada pela FDA em 1963, nove anos depois, como mostra este infográfico da revista Superinteressante.

Quem são os médicos citados

Os médicos citados no tuíte do jornalista são Antony Wong, médico pediatra e toxicologista, e Nise Yamaguchi, diretora da Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC). Diferentemente do que diz a publicação no Twitter, nenhum dos dois comprovou que uma vacina precisa de dez anos para ser produzida.

Na entrevista à rádio Jovem Pan, Wong trata os possíveis riscos da vacina e exemplifica a demora para que a eficácia e segurança de sua aplicação sejam provadas: “A vacina que foi mais curta (para ser feita) foi a de caxumba, que demorou quatro anos. A vacina de sarampo levou nove anos, a vacina de Ebola levou cinco anos só para ser desenvolvida e mais cinco para ser aprovada. Não é só fazer e pronto. Isso leva meses, anos… Até que os órgãos reguladores aprovem uma vacina segura. Nunca houve na história da humanidade pronta nos próximos meses, como estão dizendo”, declarou.

Na mesma entrevista, Yamaguchi citou possíveis riscos que poderiam ser causados por uma vacina contra a covid-19. “Sabemos que as vacinas estão sendo testadas há pouquíssimos meses, então os efeitos colaterais tardios ainda não tem tempo de ser avaliados. O tempo é necessário para que os efeitos colaterais sejam estruturados”, afirmou.

Wong já teve uma fala checada – e desmentida – pelo Comprova recentemente. Em entrevista à jornalista Leda Nagle, o médico afirmou que “nenhuma vacina de coronavírus passou pela fase pré-clínica”.

Em outras entrevistas encontradas durante a apuração, Yamaguchi, por sua vez, mostrou duas preocupações relacionadas à pandemia: a primeira seria a preocupação com as pessoas que são mais vulneráveis à covid. Já a segunda é voltada para a segurança dos pacientes ao questionar o tempo de pesquisa e testes das vacinas em andamento, além da falta de conhecimento sobre os efeitos colaterais. Além disso, como Wong, ela também afirmou, de forma incorreta, que algumas das vacinas não passaram pela fase pré-teste.

Quem é o blogueiro

Oswaldo Eustáquio, que compartilhou o conteúdo falso, é conhecido por ser um blogueiro bolsonarista e se apresenta como jornalista investigativo. Na descrição de seu perfil no Twitter, apresenta a numeração da sua DRT, Delegacia Regional do Trabalho, que o habilita a trabalhar como jornalista.

Foi investigado na Operação Lume, inquérito que apura a promoção de atos antidemocráticos favoráveis ao fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), a mesma operação em que Sara Giromini, que adota o pseudônimo de Sara Winter, foi presa em Brasília. Depois disso, passou a se apresentar como “censurado pelo STF.”

Em fevereiro deste ano, Eustáquio foi condenado a pagar uma indenização de R$ 15 mil por danos morais ao jornalista Glenn Greenwald após publicar que Glenn mentira ao pedir visto de urgência para seus filhos conhecerem a avó, que estava com câncer e morreu em dezembro. O ex-deputado federal Jean Wyllys também abriu um processo contra o blogueiro.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais tratando sobre políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia de covid-19.

O post verificado aqui, com 8,4 mil curtidas e cerca de 2,1 mil compartilhamentos no Twitter, desinforma ao afirmar que existe um tempo mínimo para aprovação de uma vacina e traz insegurança quanto às vacinas que estão sendo testadas atualmente pelo mundo – visto que, caso aprovadas em 2020 ou 2021, todas terão tempo de pesquisa inferior a dez anos. Ao citar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que também já questionou a velocidade de pesquisa das vacinas, o post desacredita pesquisas científicas em prol de uma visão política.

O Comprova tem verificado uma série de postagens que questiona a eficiência das vacinas, como uma corrente que compara a letalidade da covid-19 à taxa de efeitos colaterais da vacina CoronaVac, outra que afirma que vacinas contra o vírus podem causar câncer, danos genéticos e “homossexualismo” e outra que afirma que imunidade de rebanho seria mais eficiente do que vacinação.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-11-06

Não há tratamento prévio para covid-19, ao contrário do que sugere médica no Instagram

  • Falso
Falso
Não é verdade que se a população tomar hidroxicloroquina e ivermectina estará protegida contra a covid-19 e que, com esses medicamentos, a circulação do vírus vai acabar antes da chegada do inverno
  • Conteúdo verificado: Vídeo no Instagram em que a médica Raissa Soares afirma não ser o momento para vacina, mas sim de evitar a transmissão do novo coronavírus com o uso profilático da hidroxicloroquina e da ivermectina.

São falsas as afirmações sobre o fim da circulação do novo coronavírus feitas por uma médica em um vídeo no Instagram. Na gravação, ela cita as vacinas, mas diz que ainda não é o momento das imunizações, e diz, erroneamente, que, se a população tomar hidroxicloroquina e ivermectina, estará protegida contra a covid-19 e, assim, a circulação do vírus vai acabar antes da chegada do inverno. Não é verdade.

Até agora, não há nenhum medicamento que evite o contágio da doença, segundo autoridades de saúde. Sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina (que é um derivado da primeira), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma que “os estudos conduzidos até o momento têm um número de pacientes muito reduzido e ainda é arriscado afirmar que vai funcionar no tratamento da covid-19” e que, o órgão, “da mesma forma que o FDA (Food and Drug Administration, autoridade sanitária dos Estados Unidos), não recomenda o uso indiscriminado desses medicamentos sem a confirmação de que realmente funcionam”.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), tem posicionamento similar em relação às drogas. Em seu site, a entidade destaca que “a maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento”.

Associações como a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Sociedade Brasileira de Infectologia já publicaram em comunicados que nenhum desses medicamentos, nem a ivermectina, tem eficácia comprovada contra a doença. Especificamente sobre a ivermectina, a Anvisa afirma, em nota, que “as indicações aprovadas são aquelas constantes da bula do medicamento” — nenhuma é para a covid-19 e, como a própria autora diz no vídeo, uma das indicações é para o tratamento de piolho.

A médica complementa ser importante que cada indivíduo esteja com níveis altos de vitamina D e que “vitamina C, fruta, legume e exercício físico” são fundamentais para evitar a transmissão. Também não é verdade. Novamente, de acordo com a Anvisa, entre as medidas preventivas recomendadas estão o uso de máscara e a lavagem frequente das mãos – o órgão não cita as ações indicadas pela profissional.

A autora do vídeo que viralizou no Instagram é a médica Raissa Soares. O Comprova tentou contatá-la, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Para compormos esta verificação, fomos em busca de reportagens sobre uma possível eficácia das drogas cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina como medida preventiva para evitar o contágio pelo Sars-Cov-2 (vírus causador da atual pandemia). Também nos apoiamos em sites de órgãos da área da saúde e checagens anteriores do Comprova que mostram não haver comprovação científica da funcionalidade dessas substâncias no tratamento do novo coronavírus.

Pesquisamos, ainda, o posicionamento de alguns políticos em relação a estudos científicos.

Para complementar a apuração, acionamos especialistas da área da saúde com questionamentos sobre medidas profiláticas contra a covid-19 e o atual estágio de contaminação no país. Quem nos auxiliou foram o infectologista, professor de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e atual chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Eduardo Sprinz, e o epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ricardo Kuchembecker.

Tentamos contato com a autora do vídeo e com o Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), onde a médica está inscrita profissionalmente, para verificar possível existência de processos. Até o fechamento desta reportagem, Raissa não deu retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 6 de novembro de 2020.

Verificação

Cloroquina e ivermectina

Nenhuma das drogas mencionadas por Raissa Soares tem eficácia comprovada contra a covid-19. De acordo com o infectologista Eduardo Sprinz, professor de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atual chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no momento “não existe qualquer medicação que tenha indicação na profilaxia”.

“Estudos conduzidos com alguma seriedade não mostram diferença entre usar qualquer um desses medicamentos e não usar como agentes profiláticos”, pontua o médico.

Para ele, a insistência em tentar tornar esses fármacos como alternativa de tratamento pode ter ligação com “negacionismo, fake news, mídias sociais e razões políticas”: “Não é questão de ser contra ou a favor, e sim de haver indicação. Neste momento, não há indicação”.

O epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ricardo Kuchembecker, corrobora com o posicionamento de Sprinz.

“Não há evidências científicas de que hidroxicloroquina ou ivermectina, utilizadas individualmente ou em associação, sejam capazes de evitar, bloquear ou reduzir a circulação do Sars-Cov-2, seja no organismo, seja entre as pessoas. Estudos clínicos controlados demonstraram ausência de efeito preventivo e terapêutico na covid-19. A ivermectina não foi testada em humanos em relação à covid-19. Ela só foi avaliada em estudos em laboratório (in vitro).”

O governo federal chegou a recomendar a administração da cloroquina e da hidroxicloroquina como terapia para pacientes com coronavírus — mesmo sem comprovação científica de resultados. Conforme reportagem da BBC publicada em julho: “O Ministério da Saúde, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, recomenda o tratamento precoce contra a covid-19. Um protocolo da pasta defende o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina para todos os casos, dos mais leves aos mais graves, mesmo sem comprovação científica. Semanas atrás, Bolsonaro também se mostrou favorável ao uso da ivermectina em tratamento precoce contra o novo coronavírus”.

A mesma matéria traz a reação de entidades de saúde sobre a recomendação, esclarecendo que, em 30 de junho, a da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou uma nota (atualizada em julho) para alertar sobre os riscos de tratamentos precoces. “Nos últimos dias, muito tem se divulgado nas redes sociais a respeito do uso de medicamentos para a covid-19. Várias destas divulgações que circulam nas mídias sociais são inadequadas, sem evidência científica e desinformam o público”, diz o comunicado.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde, “as evidências disponíveis sobre benefícios do uso de cloroquina ou hidroxicloroquina são insuficientes, a maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento. Por isso, enquanto não haja evidências científicas de melhor qualidade sobre a eficácia e segurança desses medicamentos, a OPAS recomenda que eles sejam usados apenas no contexto de estudos devidamente registrados, aprovados e eticamente aceitáveis”.

No Brasil, a Anvisa não recomenda tais medicamentos: “Os estudos conduzidos até o momento têm um número de pacientes muito reduzido e ainda é arriscado afirmar que vai funcionar no tratamento da covid-19. Mais dados precisam ser coletados, de maneira adequada, para haver certeza de que vai funcionar”.

A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia publicou, em junho, um posicionamento sobre a profilaxia e tratamento da covid-19, afirmando que “não existem evidências científicas de que quaisquer das medicações disponíveis no Brasil, tais como ivermectina, cloroquina ou hidroxicloroquina, isoladas ou associadamente, sejam capazes de evitar a instalação da doença em indivíduos não infectados. Isso também é verdade para vitaminas, como a C e a D, e suplementos alimentares contendo zinco ou outros nutrientes.” As informações constam em verificação feita pelo Comprova sobre o uso da ivermectina como forma de evitar mortes por covid-19.

Fim da circulação?

A médica diz, em determinado trecho, que “nós vamos parar a doença porque eu não tenho mais a circulação viral.” Não fica claro se Raissa refere-se à disseminação do Sars-CoV-2 entre a população ou no corpo de um indivíduo. Porém, nenhuma delas teria sentido.

Segundo o painel do Ministério da Saúde que monitora o coronavírus em território nacional, desde 28 de outubro — data em que ela publicou o vídeo — até 4 de novembro (data mais atualizada até a publicação desta reportagem), o país teve mais de 150 mil novos casos confirmados.

O epidemiologista Ricardo Kuchembecker explica que o vírus deve continuar circulando por um bom tempo.

“A ivermectina, em estudos de laboratório, não em seres humanos, diminui a quantidade de vírus. Mas daí a dizer que ela diminui a circulação de vírus entre pessoas ou mesmo em uma pessoa, é informação absolutamente desprovida de evidência científica. Vai continuar havendo a circulação de vírus durante muito tempo até que consiga ou a imunidade coletiva com vacina ou imunidade coletiva depois que o vírus circulou em quase todos os suscetíveis”, avalia Kuchembecker.

Politização da vacina

Raissa Soares diz em seu vídeo que “político que está querendo vacina é porque é contrário à política do presidente”. Contudo, nota-se um movimento na política mundial de incentivo aos estudos científicos que buscam alcançar uma vacina segura e eficaz contra a covid-19, independente de partidos e vertentes políticas.

A nível nacional, Luiz Henrique Mandetta (DEM), ex-ministro da Saúde, disse ao Roda Viva em outubro que a própria gestão da pandemia de Jair Bolsonaro é bastante ideológica.

“Joga cloroquina, começa a chamar de vírus chinês, fala que a culpa é da China. Então, não dá para falar da China, fala que é da OMS. Passou o Ministério da Saúde a ser o elemento de raiva, esse é o cara que traz a notícia ruim, fala o que não quero ouvir. Tanto que eles trocam o ministro e uma das primeiras coisas que o ministro militar chega e fala é que não vai mais dar números”, disse.

Em entrevista à Agência Senado, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação, comenta ainda sobre o impacto da politização da vacina em tempos de cortes em investimentos na ciência brasileira aprovados durante o governo Bolsonaro.

“Os governantes, de forma geral, só atuam pensando na próxima eleição, e não nas próximas gerações. Preferem investir em programas que tragam resultados imediatos e tenham bastante visibilidade, garantindo votos. A ciência não é assim. Os resultados científicos que vemos hoje costumam ser fruto de anos de investimento e nem sempre podem ser mostrados na propaganda eleitoral. Isso ajuda a explicar o descaso com a ciência”, afirmou.

Na comunidade internacional, Angela Merkel, chanceler alemã e ex-líder do partido de centro-direita União Democrata Cristã (CDU), afirmou que a vacina é crucial para a volta à normalidade. “Este é um assunto sério, tão sério quanto sempre foi, e é preciso continuar levando-o a sério”, disse em coletiva de imprensa realizada em Berlim.

Quem é a médica

Raissa Oliveira Azevedo de Melo Soares é médica. Em seu perfil pessoal no Instagram, ela afirma ser formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi no estado que ela fez seu primeiro registro no Conselho Regional de Medicina, em setembro de 1994. Desde março do ano passado, o registro ativo de Raissa é do Conselho Regional de Medicina da Bahia, com especialidade em Clínica Médica.

Em junho deste ano, Raissa foi citada em uma verificação do Comprova, classificada como enganosa. Em um vídeo, compartilhado em uma publicação no Facebook, a médica defendia o uso da cloroquina para tratamento do coronavírus, com base em experiências pessoais.

Na ocasião, Raissa trabalhava no Hospital Regional Deputado Luis Eduardo Magalhães (HRDLEM), em Porto Seguro, era contratada da prefeitura do município e também atuava no Hospital Navegantes. Ela chegou a pedir, por vídeo, ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que enviasse caixas de hidroxicloroquina para a cidade de Porto Seguro.

O pedido foi atendido e 40 mil caixas do medicamento foram enviadas pelo Ministério da Saúde para a cidade baiana. A Secretaria Municipal de Saúde de Porto Seguro disse, na época, que o medicamento seria destinado às unidades de saúde da cidade. Já a médica, para quem as caixas foram enviadas diretamente, disse que enviaria a hidroxicloroquina também para cidades vizinhas.

Quando as caixas chegaram, Raissa não trabalhava mais no Hospital Regional Deputado Luis Eduardo Magalhães, administrado pelo governo do estado. Nas redes sociais, circulou a informação de que a demissão tinha motivação política — por conta do pedido de hidroxicloroquina feito ao presidente —, mas a informação foi desmentida pela própria médica e pelo hospital, como mostrou esta verificação da Agência Lupa. Ambos informaram que a saída ocorreu porque Raissa não estava conseguindo cumprir a carga horária da instituição em decorrência de outros compromissos durante a pandemia.

Em sua conta no Instagram, Raissa tem feito postagens que defendem o uso de medicamentos para o que chama de “tratamento precoce” contra a covid-19. Entre os dias 2 e 4 de outubro, a médica organizou em Porto Seguro o encontro “Força Médica Nacional contra a covid-19”, para discutir justamente o tratamento precoce da doença. Por meio da assessoria de comunicação, a Prefeitura de Porto Seguro confirmou ao Comprova, nesta quarta-feira (4), que o município adota o “protocolo de tratamento precoce na fase inicial da covid-19”.

A prefeitura confirmou que Raissa permanece contratada pelo município e trabalha na Unidade de Saúde do bairro de Campinho. A médica também compõe a equipe do Hospital Navegantes. Segundo a prefeitura, o hospital é privado, embora conste no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde, que ele é gerido pelo município. Na página do hospital no Facebook também há um vídeo da médica falando sobre o tratamento precoce, com a legenda de que a unidade apoia a causa.

Como já explicado por especialistas ouvidos pelo Comprova nesta verificação, não há comprovação científica da eficácia de um tratamento precoce, profilático, contra a covid-19, como defende Raissa. O Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), onde ela possui inscrição ativa desde março de 2019, condena a prática adotada por médicos de fazer prescrições públicas e em massa – é exatamente o que Raissa faz no vídeo verificado, ao indicar o uso de hidroxicloroquina (um derivado da cloroquina) e da ivermectina.

Em julho, o conselho publicou em seu site um alerta aos médicos para a “inadequação de prescrição pública ou em massa” – em redes sociais, por exemplo. O texto, publicado no site do conselho, chama a atenção para o problema da prática não só do ponto de vista ético e legal, mas também pelo risco a que está exposto o paciente medicado por indicação coletiva. Para o Cremeb, esta prática “foge aos limites éticos da medicina”.

“Prescrever indiscriminadamente, em uma rede social, por exemplo, não contempla preceitos básicos da prescrição médica, tais como a individualidade biológica de cada paciente, a possibilidade de monitorar os efeitos adversos e de emitir as advertências de acordo com a situação específica de cada indivíduo. Realizar a orientação em massa ignora também a realização da anamnese, procedimento imprescindível para decisão do caminho terapêutico a ser adotado”, informa o Cremeb.

O Comprova não encontrou processos disciplinares envolvendo Raissa Soares no site do Cremeb e o conselho informou, por meio da assessoria, que não se pronuncia sobre casos específicos, embora a recomendação se aplique ao vídeo da médica.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos ligados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Como estamos em ano eleitoral, em que as disputas políticas estão acirradas, a covid-19 tornou-se tema de debates em todos os campos e a desinformação que circula nas redes sociais pode custar vidas.

Não obstante, informações sem embasamento científico podem contribuir para que a população acredite em medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento do novo coronavírus, abrindo mão de cuidados com higiene e distanciamento social — ações recomendadas por especialistas e autoridades para conter a doença.

O vídeo divulgado pela médica Raissa no Instagram, pregando, erroneamente, o uso profilático de cloroquina e ivermectina teve cerca de 61 mil visualizações até 6 de novembro.

O Comprova já verificou outros conteúdos envolvendo cloroquina e ivermectina. Entre as checagens sobre esses temas, estão a que mostra ser falsa afirmação do presidente de que cloroquina poderia salvar 100 mil vidas, a que prova que China e FDA não aprovaram o uso do fármaco como 100% eficiente na cura do Covid e a de um enfermeiro que distorce dados para dizer que ivermectina evita mortes pela covid-19.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-11-06

Estudo recomenda o uso de máscara contra a covid-19, ao contrário do que sugere deputada

  • Enganoso
Enganoso
Postagem no Facebook usa como fonte um estudo que na verdade defende o uso de máscara como medida de proteção contra a covid-19 e as declarações enganosas de um médico que não participou da pesquisa
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook da deputada Bia Kicis afirma que estudo demonstra problemas à saúde causados pelas máscaras cirúrgicas, ou N95, e que os modelos artesanais causam os mesmos efeitos

Uma publicação da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) no Facebook mistura dois conteúdos sem nenhuma relação para sugerir que o uso de máscaras como proteção contra a covid-19 causa problemas respiratórios e diversas alterações metabólicas, porém não há quaisquer evidências disso. Segundo a parlamentar, isso vale tanto para máscaras artesanais comuns, feitas de pano, quanto para as do modelo N95, um dos equipamentos usados por médicos para prevenção contra o novo coronavírus.

A deputada cita, porém, como fonte, um estudo que defende o uso de máscara como medida de proteção contra a covid-19 e as declarações de um médico que não participou da pesquisa. Procurado pelo Comprova, o professor P. K. Purushothaman, que realmente participou do estudo, afirmou que, “considerando a pandemia”, sua escolha seria pelo uso da máscara.

O estudo citado por Bia Kicis analisou as reações de 250 profissionais de saúde indianos ao uso da máscara N95, que é um equipamento de uso cirúrgico muito mais restritivo do que as máscaras usadas pela população. O estudo apontou que o uso prolongado desse tipo de equipamento gera “desconfortos”, que podem levar os médicos a tocarem mais frequentemente a face ou retirarem a máscara com mais frequência, o que causaria risco de serem infectados. As reações mais comuns foram suor ao redor da boca, dificuldade de respirar ao fazer esforço físico com a máscara, acne e coceira nasal. A conclusão do estudo defende que o uso de máscaras é fundamental para proteger contra a covid-19.

Já a frase citada por Bia Kicis é do médico Alessandro Loiola, que não participou da pesquisa. Ele afirma que o uso de máscaras geraria uma atmosfera rica em gás carbônico, o que poderia causar “estresse cardiorrespiratório e alterações metabólicas”. O Comprova já mostrou que o uso de máscara não leva as pessoas a respirarem gás carbônico. Recentemente, o Comprova também mostrou que Loiola tirou de contexto dados de um estudo para sugerir que o uso de máscara é ineficiente como proteção ao novo coronavírus, algo que Bia Kicis repete em sua publicação. Em nenhum momento, o estudo indiano faz referências a gás carbônico.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso de máscaras como parte de uma estratégia para reduzir a transmissão da covid-19. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o uso de máscara é uma medida importante quando o distanciamento físico não é possível. No Brasil, desde abril, o Ministério da Saúde passou a recomendar o uso de máscaras, inclusive as caseiras, como medida de prevenção contra o novo coronavírus. O governo brasileiro chegou a importar 240 milhões de máscaras cirúrgicas para serem distribuídas aos profissionais de saúde; sendo 40 milhões delas do modelo N95 citado pelo estudo.

Por e-mail, a assessoria de Bia Kicis disse que a parlamentar já ouviu diversos relatos de mal-estar e problemas de saúde causados pelo uso de máscara, sem apresentar, porém, qualquer dado que comprove as alegações. Também disse que todos os conteúdos são checados antes de serem postados nas redes sociais da deputada.

Como verificamos?

Para esta verificação, primeiramente, o Comprova leu o artigo da pesquisa em questão, cujo link foi disponibilizado na própria publicação pela parlamentar. Também enviamos e-mail para o professor P. K. Purushothaman, um dos autores do artigo, para entender a posição dele sobre o uso de máscaras contra o novo coronavírus.

Em seguida, pesquisamos na internet e em publicações anteriores do Comprova a posição da comunidade científica e de autoridades de saúde sobre o uso de máscaras artesanais e N95 como medida de prevenção contra a covid-19.

Paralelamente, enviamos um e-mail para a assessoria da deputada Bia Kicis questionando-a sobre o conteúdo do artigo e sobre as fontes das informações sobre máscaras caseiras e sobre a frase de um médico que ela cita na publicação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 5 de novembro de 2020.

Verificação

O estudo

O estudo mencionado pela deputada analisou o uso de máscaras N95 por 250 profissionais de saúde em um hospital universitário de Kattankulathur, na Índia. As N95 são equipamentos cirúrgicos que filtram 95% das partículas microscópicas. São, portanto, mais seguros contra o novo coronavírus do que outros modelos de máscaras cirúrgicas e as máscaras de pano, comumente usadas pela população em geral.

Na publicação, a parlamentar afirma que o estudo demonstrou “uma série de problemas na área respiratória, na pele da face, na boca, dentre outros”. Os desconfortos identificados pelo estudo não foram considerados pelos pesquisadores como problemas graves. O artigo diz que 67,6% dos profissionais que fazem uso constante da máscara N95 demonstraram sudorese ao redor da boca; 58,2% tiveram dificuldade de respirar ao fazer esforço físico com a máscara; 56% apresentaram acne e 52% tiveram coceira nasal. Outros sintomas incluem desconforto nasal (30,3%); ressecamento nasal (26,1%); além de dor no nariz (30%) e atrás das orelhas (45,2%), possivelmente porque as máscaras ficam apertadas no rosto. Esses efeitos são descritos na pesquisa apenas como “desconfortos”.

O artigo diz então que o suor excessivo e a dificuldade de respirar durante o esforço físico “resulta em menor adesão às máscaras e aumenta o risco de suscetibilidade à infecção”. Na conclusão do trabalho, os autores afirmam que os riscos não estão associados à utilização dos equipamentos, mas, justamente, ao fato de que os médicos podem relaxar os cuidados por causa dos desconfortos causados pelo uso prolongado.

O artigo defende, por exemplo, que o uso de máscaras faciais protege contra microorganismos prejudiciais e “seu uso é essencial durante a pandemia”. Ele alerta que, por causa do desconforto causado pelo uso prolongado dos respiradores, os profissionais de saúde tendem a tocar as máscaras em curtos intervalos o que pode contaminar a mão e levar a mais disseminação da infecção. Na conclusão do artigo, os pesquisadores afirmam que esse desconforto pode limitar o uso eficiente dos respiradores, levando a uma redução da proteção. O trecho também reafirma que “o uso de máscaras é essencial para nos proteger da covid-19”.

Em e-mail enviado ao Comprova, o professor P.K. Purushothaman, autor do artigo publicado pela deputada, disse que as reações demonstradas no artigo não são efeitos colaterais negligenciáveis por terem um impacto nos profissionais de saúde. “Mas se eu tivesse que fazer uma escolha entre usar máscara ou não usar por causa dos efeitos colaterais, eu iria definitivamente usá-la, considerando a pandemia”, completou.

A utilidade das máscaras

Com apoio de fontes multidisciplinares de instituições científicas de vários países, o New York Times disponibilizou um infográfico animado sobre como as máscaras funcionais protegem. O material demonstra como se dá, em nível microscópico, a filtragem nas máscaras N95 e as artesanais de algodão, exatamente os tipos citados pela deputada.

Nas máscaras de algodão, as fibras do tecido atuam como um denso bosque que retém as micropartículas de aerossol, nas quais o coronavírus são da dimensão das menores partículas que “viajam” dentro das maiores, que são retidas pelas fibras com mais facilidade.

Já as fibras das máscaras N95 são sintéticas, de espessuras e distribuição aleatórias, isso possibilita a retenção de até 95% das micropartículas. Esse modelo possui um fator adicional de proteção: uma carga eletrostática que atrai as partículas para as fibras.

O conteúdo foi elaborado com informações fornecidas pelas seguintes instituições: Universidade Washington, em St. Louis (Depto. de Energia, Engenharia Ambiental e Química e o Centro de Engenharia de Aerossóis); Virgínia Tech (Departamento de Engenharia Civil e Ambiental); Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard; Laboratório de Medição de Materiais do Instituto Nacional de Normas e Tecnologia; Instituto Smithsonian; Universidade de Munique, Alemanha (Instituto de Mecânica de Fluidos e Aerodinâmica); Universidade da Califórnia (Depto. de Nanoengenharia); Instituto Max Planck de Química, Alemanha (Depto. de Química de Partículas); e Universidade de Cambridge, Inglaterra (Grupo de Epidemiologia).

O que dizem as autoridades de saúde

Da OMS aos municípios brasileiros, passando pelo Ministério da Saúde e governos estaduais, é consenso a necessidade do uso obrigatório de máscaras em vias e espaços públicos, além do transporte coletivo e estabelecimentos privados acessíveis à população, como no comércio.

Durante a pandemia, o Congresso Nacional aprovou uma lei específica para isso (lei nº 14.019, de 2 de julho de 2020), determinando que “é obrigatório manter boca e nariz cobertos por máscara de proteção individual, conforme a legislação sanitária e na forma de regulamentação estabelecida pelo Poder Executivo federal, para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos coletivos”.

Antes disso, em abril deste ano, o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica com orientações para confecção de máscaras caseiras de algodão e outros tecidos. A Nota Informativa nº 3, publicada quando Luiz Henrique Mandetta ainda era ministro da Saúde, menciona: “pesquisas têm apontado que a utilização de máscaras caseiras impede a disseminação de gotículas expelidas do nariz ou da boca do usuário no ambiente, garantindo uma barreira física que vem auxiliando na mudança de comportamento da população e diminuição de casos (…) sugere-se que a população possa produzir as suas próprias máscaras caseiras”. Até hoje, mesmo com as duas trocas de ministros, a recomendação continua válida.

Na esfera dos governos estaduais, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) mantém em seu site vários informes sobre a necessidade de uso de máscaras. O mais recente, de 14 de outubro, se refere à portaria 2.789 do Ministério da Saúde sobre as medidas de proteção em todas as unidades de saúde do país.

O Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) também disponibiliza publicações e normativas referentes aos uso de máscaras durante o período de emergência da pandemia.

O que diz a deputada

Natural de Resende, no Rio de Janeiro, Bia Kicis foi procuradora do Distrito Federal e líder do movimento Revoltados Online, que se articulou pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, antes de se eleger deputada federal em 2018. É aliada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e já ocupou o cargo de vice-líder do governo no Congresso Nacional.

Em e-mail enviado ao Comprova, a assessoria da deputada reafirmou que o estudo mostra que os respiradores N95, embora essenciais para a proteção dos médicos, “podem causar os efeitos colaterais e danos à saúde dos usuários”. A parlamentar defendeu o mesmo em relação às máscaras artesanais, porém não apresentando argumentos técnicos ou científicos, mas sim apenas exemplos e casos que teriam chegado ao seu conhecimento.

“Temos relatos de várias pessoas, que nos encaminham mensagens diárias, dizendo sobre o mal-estar e problemas agravados de saúde, pelo uso prolongado das máscaras caseiras, além de a própria deputada Bia Kicis se sentir com tontura e dificuldade de respirar quando do uso das máscaras”, afirma o texto.

Segundo a assessoria da parlamentar, a frase de Alessandro Loiola foi enviada para Kicis pelo próprio médico. A nota afirma que a deputada teria sido “muito cuidadosa em colocar na postagem um texto explicativo afirmando que o uso de máscaras por profissionais de saúde é importante”, mas defende que as informações apresentadas por Loiola demonstram que o uso prolongado de máscara pode causar não só desconforto, mas também “problemas mais severos de saúde”. Como demonstrado acima, as evidências científicas atuais contradizem as opiniões do médico.

Por fim, o texto garante que todas as mensagens postadas por ela nas redes sociais são checadas antes da publicação e diz que Kicis conversa frequentemente com médicos para acompanhar a evolução de estudos sobre o tema.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. É o caso dessa publicação da deputada Bia Kicis, que teve 36,7 mil interações no Facebook. Quando as postagens tratam de métodos de prevenção ao novo coronavírus, a verificação se torna ainda mais necessária, já que informações erradas podem levar as pessoas a rejeitarem medidas eficazes de proteção, apostarem em medicamentos sem comprovação científica e exporem sua saúde a riscos.

O Comprova já mostrou que as máscaras são eficientes no combate ao novo coronavírus; que as evidências científicas atestam a eficácia delas no controle da pandemia; que elas não reduzem a imunidade ou potencializam a proliferação de bactérias; também não tornam o sangue ácido. Também já mostrou que não há qualquer evidência que ligue a morte de uma menina alemã ao uso de máscaras.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.