O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
Filtro:

Saúde

Investigado por: 2020-08-13

Senador engana ao usar falas antigas de Drauzio Varella sobre pandemia

  • Enganoso
Enganoso
Trechos de vídeo gravado por Drauzio Varella antes do alastramento da pandemia de covid-19 na Europa e no Brasil foram tirados de contexto por Marcos do Val
  • Conteúdo verificado: Post do senador Marcos do Val (Podemos-ES) no Facebook utiliza trechos de um vídeo gravado no início da pandemia, e que já foi tirado do ar, pelo médico Drauzio Varella para tentar minimizar a gravidade da emergência sanitária.

Um vídeo postado na página de Facebook do senador Marcos do Val (Podemos-ES) engana ao reproduzir trechos de uma fala do médico Drauzio Varella no início da pandemia da covid-19. O vídeo destaca, em um tom irônico, que Varella minimizou a gravidade da emergência sanitária, mas omite que o médico já afirmou publicamente ter subestimado a doença e que, atualmente, se posiciona de maneira contrária.

A postagem do senador não informa que as declarações de Drauzio Varella são de janeiro, quando o epicentro da doença ainda era a China e o segundo país com mais casos tinha apenas 14 infectados. Elas já haviam viralizado em março após o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, publicá-las no Twitter. Naquela oportunidade, a rede social apagou as mensagens de Salles, alegando que as postagens do ministro poderiam colocar a saúde das pessoas em risco.

A publicação do senador Marcos do Val compara as falas com outro vídeo publicado por Varella em março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia reconhecido a doença como uma pandemia e, no Brasil, o Ministério da Saúde anunciava transmissão comunitária do vírus — isto é, ele já circulava livremente em território nacional.

Como verificamos?

Para apurar a publicação do senador Marcos do Val fizemos, em primeiro lugar, uma busca reversa por imagens no Google. Por meio da pesquisa, localizamos um vídeo de autoria do site Programa Resumo do Dia, postado no YouTube em março — mesmo mês em que um pronunciamento de Drauzio Varella sobre a pandemia foi tirado de contexto e viralizou nas redes sociais.

Recuperamos verificações que outras agências fizeram naquele momento para checar se o vídeo postado pelo senador teria alguma relação com o conteúdo que viralizou em março. Além disso, contatamos as assessorias de Drauzio Varella e do senador Marcos do Val.

Procuramos, ainda, o site responsável pelo vídeo, que até o fechamento desta verificação não retornou o contato.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 13 de agosto de 2020.

Verificação

O primeiro vídeo

O vídeo compartilhado pelo senador Marcos do Val é, na verdade, uma edição com trechos pinçados de duas gravações antigas, postadas por Drauzio Varella em seu canal no YouTube. A mais antiga é a que aparece do lado direito na postagem do senador. Nela, Varella tenta tranquilizar as pessoas sobre o novo coronavírus com frases como “claro que vou (continuar andando na rua)”. As declarações, porém, foram dadas quando a doença estava em um estágio muito inicial.

O vídeo havia sido publicado em 30 de janeiro, praticamente um mês antes de o Brasil confirmar o primeiro caso da doença. Naquela data, a AFP informou existirem 7,7 mil pessoas contaminadas em todo o mundo e a China ainda era o epicentro da doença. O segundo país com mais casos até então era a Tailândia, com 14 pessoas infectadas.

Essas declarações do médico viralizaram pela primeira vez no dia 22 de março, quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o senador Flávio Bolsonaro compartilharam o conteúdo sem especificar a data em que ele foi gravado. A manifestação levou a equipe de Drauzio Varella a retirar o vídeo do ar. O Twitter apagou as mensagens de Salles e o ministro pediu desculpas publicamente, afirmando que não tinha o objetivo de desinformar, mas de “demonstrar que o tema é dinâmico, complexo e comporta discussões e opiniões distintas”.

O segundo vídeo

Um dia depois, em 23 de março, Drauzio publicou no YouTube o segundo vídeo usado na postagem de Do Val, o que aparece do lado esquerdo. Em trechos excluídos da publicação do senador, o médico afirma que não é hora de “politizar” a questão e afirma que é necessário seguir as orientações da ciência. Quando esse segundo vídeo foi gravado, o cenário da covid-19 se agravava no Brasil e no mundo.

Poucos dias antes, em 20 de março, o Ministério da Saúde havia anunciado a existência de transmissão comunitária do SARS-CoV-2 no Brasil. Ou seja, a partir daquele momento, o vírus estava circulando livremente no país e não era mais possível identificar a origem das infecções. O Brasil tinha, até então, 904 casos confirmados e 11 mortes pela covid-19. No dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde havia declarado uma pandemia em função da “disseminação geográfica rápida” da doença em uma “escala de tempo muito curta” com “níveis alarmantes de contaminação” e “falta de ação dos governos”.

Até a data de publicação do segundo vídeo, 353 mil pessoas em todo o mundo haviam sido diagnosticadas com o novo coronavírus e 15 mil pessoas já haviam morrido de covid-19, segundo dados da Universidade Johns Hopkins. Esse número é 43,5 vezes maior do que o registrado em 30 de janeiro, quando Drauzio publicou o primeiro vídeo.

O que Drauzio Varella diz

Em março, quando autoridades postaram o vídeo pela primeira vez, o portal Drauzio Varella publicou uma nota classificando as publicações como “desserviço”. “No início deste ano, a pandemia não havia chegado ao Brasil, portanto, produzimos conteúdo para acalmar a população que, à época, não tinha motivos para alterar o ritmo de vida diário”, explica o texto. Segundo a nota, a mudança de tom nos vídeos se deve à “mudança drástica” na situação da pandemia. “Orientações antigas não servem para este momento”, argumenta o texto.

Em abril, em entrevista ao UOL, o médico admitiu ter subestimado a gravidade da doença em âmbito mundial. “Não só eu, muitos [especialistas] subestimaram o que estava acontecendo. E o que aconteceu é que nenhum país se preparou no Ocidente. A Itália não se preparou, a Espanha não se preparou, os Estados Unidos não se prepararam”, afirmou Drauzio na ocasião.

A assessoria do médico destacou, em e-mail enviado ao Comprova, que — em se tratando de ciência — a mudança de posicionamento é natural. “É justamente assim que a ciência funciona. Fazendo deduções embasadas no conhecimento científico prévio, testando hipóteses, descobrindo que deduções anteriores estavam equivocadas, identificando onde está o equívoco e corrigindo”, afirma.

A nota ressaltou ainda que, na época, a opinião de Drauzio sobre a covid-19 era a mesma de outras autoridades médicas, como do infectologista americano Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos. “Em janeiro, a doença não havia chegado àquele país, e só nos últimos dias daquele mês chegaria à Itália. Foi a situação italiana que tornou mais evidente para o mundo o potencial da doença”, argumenta.

Em relação à postagem do senador Marcos do Val, a assessoria considera que os trechos dos vídeos do médico foram usados de maneira indevida, e reitera que tirá-los do contexto é um “desserviço” à saúde. A nota afirma ainda que “tal conduta mostra que o compartilhamento é feito por alguém que, nitidamente, tem pouco ou nenhum conhecimento sobre ciência, ou tem propósitos que desconhecemos”.

Quem é e o que diz Marcos do Val

Marcos do Val foi eleito senador pelo Espírito Santo em 2018, e cumpre atualmente seu primeiro mandato. Ex-militar, o parlamentar é vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e titular de outras sete comissões no Senado.

Segundo informações do jornal Folha de S.Paulo, o senador destinou a municípios do Espírito Santo mais de R$ 10 milhões para a compra de medicamentos sem comprovação científica para a cura ou a prevenção do coronavírus — como a ivermectina, azitromicina e hidroxicloroquina (todos já foram objeto de verificações do Comprova). Os recursos advieram da portaria 1.666/20, por meio da qual o governo federal concedeu R$ 13,8 bilhões para ações de enfrentamento à pandemia.

Procurado pelo Comprova, o senador afirmou que, em ambos os vídeos, a fala comprovadamente é de Drauzio Varella. Segundo Do Val, ninguém falou pelo médico ou forjou o vídeo. “Se o médico, que é uma pessoa pública e sabe das suas responsabilidades perante a sociedade, fez mesmo assim os vídeos e depois achou conveniente ‘retirar’ do ar, não significa que não seja verdadeiro, portanto não compreendemos o seu questionamento”, afirmou o senador, por meio de nota.

Recentemente, o senador esteve envolvido em outro caso de promoção de desinformação nas redes sociais. No dia 6 de agosto, a Justiça do Rio de Janeiro ordenou, em decisão liminar, que Do Val excluísse publicações consideradas ofensivas e difamatórias contra o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL). Nas postagens, o senador relacionou, sem apresentar qualquer prova, Wyllys a Adélio Bispo — que cometeu um atentado contra o presidente Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia de covid-19 que tenham viralizado nas redes sociais. É o caso desse vídeo, que teve mais de 53 mil interações na página do senador Marcos do Val no Facebook e 28.887 visualizações no Youtube. O conteúdo tem sido compartilhado em páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas redes sociais, segundo dados da ferramenta CrowdTangle.

Verificações como esta são importantes porque o compartilhamento de conteúdos enganosos ou fora de contexto sobre a pandemia de covid-19 pode levar as pessoas a avaliarem mal o risco de infecções, e fazer com que elas se exponham a contaminação. O fato de o médico Drauzio Varella ser conhecido nacionalmente é um agravante nesse contexto.

Desde o início da pandemia, mais de 20,7 milhões de pessoas em todo o mundo foram diagnosticadas com o novo coronavírus. Dessas, 751,4 mil faleceram em decorrência da covid-19, segundo dados da Universidade Johns Hopkins. No Brasil, o Ministério da Saúde já registrou mais de 3,1 milhões de infectados e 104,2 mil óbitos pelo Sars-CoV-2.

Quando o vídeo com as falas do médico Drauzio Varella viralizou pela primeira vez, em março, a AFP, a Folha de S.Paulo, o Estadão Verifica e a Agência Lupa classificaram o conteúdo como enganoso ou fora de contexto.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado ou o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-08-13

É falso que João Doria tomou vacina chinesa contra a covid-19

  • Falso
Falso
Ao contrário do que escreveu no Twitter um pré-candidato a vereador, o governador de São Paulo, que está com coronavírus, não tomou a vacina da farmacêutica Sinovac Biotech, que ainda está em testes
  • Conteúdo verificado: Uma postagem feita no Twitter por Carmelo Neto, pré-candidato a vereador em Fortaleza (CE), insinua que João Doria tomou a vacina chinesa contra o novo coronavírus ao afirmar “João Doria pegou coronavírus. Não foi ele que tomou e defendeu a vacina chinesa?”.

É falso que João Doria (PSDB), governador de São Paulo, tenha tomado a vacina chinesa CoronaVac, da farmacêutica Sinovac Biotech. O boato foi publicado por Carmelo Neto (Republicanos), pré-candidato a vereador em Fortaleza (CE), no Twitter, no Facebook e no Instagram.

O post foi feito depois de Doria ter anunciado que foi diagnosticado com a covid-19. Ao insinuar que o governador já havia sido vacinado, Neto levantou dúvidas sobre a contaminação e sobre a eficácia da proteção.

Pelo Twitter, João Doria chamou de “fake news” as insinuações de que teria tomado a vacina. “Estou indignado com posturas extremistas e mentirosas, que em nada contribuem para o combate à pandemia. Lamentável que uma minoria tente politizar algo que pode salvar milhões de vidas. O Brasil precisa de união e compaixão”, escreveu.

O Comprova já verificou um vídeo falso que supostamente mostrava João Doria tomando a vacina chinesa contra a covid-19. A imagem, na verdade, era de uma reportagem da Globo, em março, quando o governador tomou a vacina anual da gripe.

Em contato por mensagem com o Comprova, Carmelo disse ter feito um questionamento. “O governo de São Paulo iniciou os testes com a vacina chinesa e algumas imagens do governador João Doria, como se estivesse em uma fila, circularam na internet. Fiz a postagem em tom de questionamento.”

A vacina da Sinovac ainda está em fase de testes. A farmacêutica chinesa está trabalhando em parceria com o governo paulista e o Instituto Butantan. A expectativa de Dimas Covas, diretor do órgão, é de que a vacinação no Brasil comece em janeiro do próximo ano, caso os testes comprovem a eficácia da imunização.

Como verificamos?

No primeiro passo de verificação, o Comprova procurou por notícias envolvendo a vacina chinesa. Os resultados mostraram uma entrevista de Dimas Covas para a revista “Veja” em que fala sobre as 15 milhões de doses que chegarão ao país até o fim do ano. Em outra entrevista, para a “Folha de S.Paulo”, o diretor do Butantan afirma esperar que os testes se encerrem em setembro.

Por meio de outras verificações feitas pelo Comprova, encontramos as explicações para as informações falsas que estavam no post, envolvendo uma suposta vacinação de João Doria.

Tentamos contato com Carmelo Neto por dois números de telefone, sendo um deles o divulgado pelo pré-candidato em seu Facebook. Realizamos uma entrevista por mensagem.

 

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 12 de agosto de 2020.

Verificação

Vacina chinesa

O Estado de São Paulo é parceiro nas pesquisas com a CoronaVac, da farmacêutica chinesa Sinovac Biotech. No fim de julho, o governador João Doria (PSDB) anunciou a chegada de 20 mil doses que seriam usadas no estudo experimental, comandado no país pelo Instituto Butantan.

O último teste que será realizado, o chamado “ensaio clínico”, envolverá 9 mil voluntários em 12 de centros de pesquisa de seis estados (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Distrito Federal). O Instituto Butantan espera até setembro vacinar todos os voluntários e ter a demonstração de eficácia entre outubro e novembro.

“Se a gente terminar a inclusão dos 9 mil até setembro, e esse é o plano, é grande a probabilidade de termos em outubro ou novembro a demonstração de eficácia. Paralelamente, existe uma manifestação da Anvisa de que haverá um processo acelerado de análise. Quando eu falo que podemos ter de fato uma vacinação inicial em janeiro, ela não é fora da análise crua do cenário”, disse Dimas Covas, diretor do Butantan.

Apesar da expectativa de Dimas Covas, a revista “Piauí” mostrou que o acompanhamento dos voluntários que participam dos testes só terminaria em outubro de 2021. A data é estimada pelo próprio Instituto Butantan, que afirmou que as declarações de Covas e Doria “traduzem a expectativa positiva dos pesquisadores”.

Covas disse que a previsão é de que as 15 milhões de doses iniciais da vacina cheguem a São Paulo até dezembro deste ano. Os lotes seriam enviados em grupos de 5 milhões por mês, a partir de outubro, já prontos para uso. A expectativa do governo paulista é de iniciar a vacinação em janeiro do ano que vem.

A vacina da Sinovac foi uma das que tiveram sucesso nos estudos clínicos e avançaram para a testagem em humanos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a vacina chinesa está na terceira etapa de testes.

Recentemente, o Comprova mostrou ser falsa a afirmação de que João Doria teria firmado uma parceria com a Sinovac no ano passado, antes do início da pandemia. A assinatura do contrato foi feita em 10 de junho de 2020.

Carmelo Neto

Filiado ao Republicanos, Carmelo tem 18 anos e é pré-candidato a vereador em Fortaleza. Ativista nas redes sociais desde a campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff, foi coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL) e hoje defende as políticas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). No Facebook, possui 264 mil seguidores; no Twitter, 120 mil; e no Instagram, 108 mil. Após ser procurado pela reportagem, Carmelo deletou as postagens no Facebook e no Instagram, mas manteve a do Twitter, até o fechamento deste texto.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos que apresentam informações suspeitas sobre a pandemia do novo coronavírus e alcançam um grande número de pessoas nas redes sociais. É o caso da postagem em questão. Até a data da publicação da verificação, menos de doze horas após as postagens no Twitter e no Facebook nas páginas de Carmelo, já superavam 5 mil compartilhamentos. A postagem ainda foi reproduzida no seu Instagram, com mais de 2 mil interações.

Falso para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-08-13

Texto leva a conclusão equivocada ao ignorar ineficiência de medidas defendidas por Bolsonaro na pandemia

  • Enganoso
Enganoso
Publicação diz que o presidente da República não pode ser responsabilizado pelas mortes por covid-19 porque medidas defendidas por ele não foram adotadas, mas não há comprovação científica de que essas ações tenham eficiência contra a pandemia
  • Conteúdo verificado: Publicação em um perfil no Facebook e replicada por site afirma que ações defendidas pelo presidente Bolsonaro no combate à pandemia não foram implementadas e, logo, não é possível culpar o mandatário pelas mortes e o avanço da doença, que soma mais de 103 mil óbitos.

Um perfil de Facebook que usa o nome Bituca Von Wittgenstein alega que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não pode ser responsabilizado pelas mortes decorrentes da pandemia porque medidas defendidas por ele, como isolamento vertical e tratamento precoce com cloroquina e azitromicina, não foram colocadas em prática. O texto leva a conclusões enganosas já que dois dos três pontos levantados pelo post não têm eficiência comprovada contra a covid-19.

Em conversa com o Comprova, o titular do perfil afirmou: “Que o presidente teve esse posicionamento que eu escrevi no texto, ele teve; se ele é bom ou ruim, são outros 500, não fiz esse juízo de valor. Então, não existe a possibilidade, na minha concepção, de se falar em qualquer tipo de fake news em relação ao posicionamento dele”.

O perfil fez a postagem às 8h45 do dia 10 de agosto. O site Jornal da Cidade Online publicou o material 25 minutos depois como artigo de opinião. O texto viralizou rapidamente.

Como verificamos?

A primeira ação do Comprova para verificar o conteúdo foi tentar descobrir quem era o autor das postagens. Para isso, foram enviadas mensagens ao perfil de Bituca Von Wittgenstein no Facebook. Por meio de informações coletadas na rede social e pesquisa no LinkedIn, foi possível encontrar o responsável..

O Jornal da Cidade Online também foi contatado – o Comprova conversou, com seu editor, José Tolentino, por e-mail.

Também buscamos contato com algum especialista que pudesse elucidar melhor as informações técnicas da postagem. Naomar de Almeida Filho, epidemiologista, professor titular de epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) trouxe esclarecimentos sobre o isolamento vertical.

Foi utilizado o buscador Google para encontrar reportagens publicadas na imprensa e documentos públicos sobre tratamentos para covid-19, ações do governo federal para barrar a contaminação, a relação do presidente Jair Bolsonaro com prefeitos e governadores em tempos de pandemia e a atuação do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, que é citado num terceiro ponto do texto.

Acionamos, via WhatsApp, o jornalista Milton Cardoso, que na noite do dia 10 de agosto – mesma data da postagem de Bituca Von Wittgenstein, publicada de manhã – fez um comentário com informações similares às do post no programa Band Cidade RS. A fala do comunicador gaúcho, inclusive, foi compartilhada nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro.

Usamos as ferramentas TweetDeck e CrowdTangle para monitorar o desempenho da publicação de Bituca Von Wittgenstein nas redes sociais.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 12 de agosto de 2020.

Verificação

O autor do texto

A página de Bituca Von Wittgenstein no Facebook tem a foto de um cão com a legenda “Bolsonaro tem meu apoio” e o presidente na imagem de capa. É apresentada como “Um cachorro defensor da moral e dos bons costumes. Odeio banho e petista!”. Já o sobrenome é o mesmo de Ludwig Wittgenstein, um dos principais filósofos do século XX.

Bituca publica fotos do cachorro e posts sobre política. Só em agosto, minimizou a gravidade de pandemia, insultou uma jornalista e criticou bolsonaristas que postam conteúdos falsos.

No dia 4 de agosto, o perfil publicou um post sobre a criação de uma página no Facebook em parceria com dois amigos. Ao clicar no link deste outro perfil, há um post do mesmo dia dando boas-vindas. No final, três pessoas assinam a publicação: duas são as mesmas citadas como amigas de Bituca e, a terceira, é “Fernando Vaisman (Bituca)”. Fazendo uma busca pelo nome no Google, aparece uma página no LinkedIn com a foto do mesmo homem que está em posts do perfil de Bituca como o dono do cãozinho. Segundo o LinkedIn, ele é sócio-diretor da empresa e formado em direito.

Em uma busca no Google pelo nome da empresa informada no LinkedIn, foi possível encontrar um número de telefone, que o Comprova confirmou ser o de Vaisman ao falar com ele por WhatsApp.

Lockdown não é eficaz?

O post afirma: “O presidente era contra o lockdown. Defendia o isolamento vertical desde o início. A vontade do presidente foi ignorada por prefeitos, governadores e pelo STF e, assim, cada um faz o que acha melhor, mesmo que as decisões sejam completamente incoerentes e absurdas”.

Mas, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o lockdown é uma das poucas formas conhecidas de combate ao novo coronavírus. Em 1º de abril, Michael Ryan, diretor-executivo do Programa de Emergências da entidade, afirmou: “Além das medidas de lockdown, precisamos de estratégias abrangentes baseadas em vigilância, em intervenção de saúde pública, detecção de casos, testagem, isolamento, quarentena, e fortalecer nossos sistemas de saúde para absorver o golpe”.

Já em 20 de julho, um tuíte da organização assinado por seu diretor-geral, Tedros Adhanom, informou: “Como dissemos várias vezes, as chamadas medidas de lockdown podem ajudar a reduzir a transmissão da covid-19, mas não podem pará-la por completo” e cita o rastreamento de contatos como essencial para isolar os casos.

Em uma análise do isolamento vertical (que isola apenas os grupos de risco e é defendido por Bolsonaro) publicada no Nexo, em 25 de março, Eduardo Flores, virologista e professor do curso de medicina veterinária da Universidade Federal de Santa Maria, diz que o presidente “está na contramão de milhares de autoridades sanitárias e cientistas de todo mundo”.

O Reino Unido, assim como o Brasil, foi um dos países que minimizaram o perigo do vírus, com seu premiê recomendando, no início de março, que “a grande maioria” dos cidadãos continuassem tocando seus negócios “como sempre”. Mas, em 23 de março Boris Johnson decretou o lockdown. A situação do país estava tão grave que a rainha Elizabeth 2ª defendeu medidas de confinamento social em um pronunciamento. Até o fechamento deste texto, o país, de 66,65 milhões de habitantes, contabilizava 46.791 mortes, segundo a Johns Hopkins University.

A Suécia adotou o isolamento vertical e teve a mais alta taxa de letalidade entre os países nórdicos. Foram 5.774 mortes para 10,2 milhões de habitantes. Por outro lado, Dinamarca e Noruega, que instauraram o lockdown e têm, somados, 11,2 milhões de habitantes, tiveram menos de 900 óbitos.

Entre os países que adotaram o isolamento vertical e obtiveram bons resultados está a Coreia do Sul, que aliou a medida a outras estratégias, como testagens em massa e utilização de tecnologia para rastrear a movimentação dessas pessoas. Foram 305 óbitos em uma população de 51,6 milhões de pessoas.

Já a Nova Zelândia, que, entre outras ações, decretou o lockdown rapidamente após o primeiro caso de contágio, em 28 de fevereiro, é um dos países mais bem-sucedidos no combate à pandemia. Estava há 102 dias sem novos casos de transmissão local até que em 11 de agosto anunciou quatro infecções de origem desconhecida em Auckland. Com isso, a primeira-ministra do país, Jacinda Ardern, impôs um confinamento à cidade. No total, foram 1.579 casos de covid-19 confirmados e 22 mortes no país.

O Comprova questionou Vaisman sobre os bons resultados obtidos na Nova Zelândia com a adoção das políticas rígidas de isolamento. Ele acredita que há uma série de desinformações” sobre outros países e que “ninguém sabe efetivamente o que aconteceu em cada país”.

Recurso inválido

Segundo o epidemiologista Naomar de Almeida Filho, que publicou em maio um artigo sobre o isolamento vertical na página oficial da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a medida é um recurso cientificamente inválido. “Em mais de 40 anos como professor e pesquisador em epidemiologia, nunca soube da existência dessa proposta. Com outros epidemiologistas, fiz uma busca cuidadosa na literatura médica e científica e nada encontrei”, afirmou o médico em entrevista ao Comprova.

Almeida Filho complementou que o isolamento vertical não é um conceito no campo da saúde coletiva nem no campo da medicina: “Por isso, eu o chamei de fraude pseudocientífica. Nunca foi proposto seriamente e, portanto, nunca foi usado para controlar epidemias no passado. Foi uma invenção de um consultor de negócios. Influenciado por conselheiros, Donald Trump mencionou essa ideia e, quase imediatamente, Bolsonaro adotou o isolamento vertical como política de governo.”

E continua: “Essa ideia fomenta a livre circulação dos contaminantes, buscando uma criminosa imunidade de rebanho, o que facilita o contágio e impede o bloqueio do processo epidêmico. O próprio Bolsonaro, e muitos seguidores, encorajaram a quebra de medidas de distanciamento”.

De acordo com o epidemiologista, isso trouxe como resultado “uma pandemia fora de qualquer controle. (…) Esperavam um pico, mas temos um platô, com média de mil mortes por dia, sem expectativa de redução da transmissão.”

A relação com prefeitos e governadores

A relação entre os governos federal, estaduais e municipais tem sido conflituosa no combate à pandemia. Em abril, Jair Bolsonaro disse, ao não encontrar consenso com governantes sobre o isolamento vertical, que poderia resolver a situação com uma canetada.

No mesmo mês, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), definiu que governos estaduais e municipais teriam autonomia para determinar o isolamento social. Chegou a circular nas redes sociais a informação falsa de que o Supremo teria afastado Bolsonaro do controle da covid-19. A mensagem foi desmentida em verificações da Agência Lupa e do Estadão Verifica.

Em junho, Bolsonaro usou o Twitter para criticar a adesão ao distanciamento social, afirmando que as medidas de combate à pandemia são determinadas por governadores e prefeitos.

Contudo, em julho, o presidente reconheceu que medidas de governadores e prefeitos “sempre visaram retardar contágio” da covid-19.

Em 8 de agosto, já com a marca de 100 mil mortes por covid-19, Bolsonaro enviou a parlamentares um relatório em que listava governadores e prefeitos dos locais com o maior número de novos óbitos e novos casos da doença. Em uma tentativa de se eximir das críticas pela condução do enfrentamento à doença, o chefe do Planalto atribuiu a responsabilidade pelo crescimento da pandemia aos gestores estaduais e municipais.

A azitromicina e a cloroquina

No segundo item da postagem, o perfil de Bituca assinala que “o presidente defendia desde lá atrás o tratamento precoce com cloroquina e azitromicina. Até agora há gente discutindo isso e criando problemas para o tratamento”. O responsável pela conta, Fernando Vaisman, justifica a declaração argumentando que o uso desses fármacos deve ser decisão do médico e do paciente, e que há diferença de tratamentos na rede pública ou privada. “Tenho casos de familiares que acabaram contraindo e quando foram ao médico, foi receitado azitromicina e hidroxicloroquina. Na rede pública, isso demorou muito para conseguir ser receitado, em especial para o tratamento precoce”, afirmou ao Comprova.

Ele complementou: “Ninguém está falando que tem que tomar hidroxicloroquina a torto e a direito, mas, a partir do momento que você adota isso como protocolo da rede pública, você permite ao médico receitar esse medicamento”.

Em 20 de maio, o Ministério da Saúde, já tendo como ministro interino o general Eduardo Pazuello, passou a orientar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no “tratamento medicamentoso precoce” de pacientes com o novo coronavírus, mas ressaltou que “ainda não há meta-análises (…) que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19”.

A azitromicina é um medicamento eficaz para o combate a bactérias e não tem ação documentada contra vírus, como o SARS-CoV-2. A droga é prescrita, de forma experimental e associada à hidroxicloroquina, a pacientes infectados com o novo coronavírus. Além disso, de acordo com a OMS, não há, até o momento, tratamento efetivo ou drogas comprovadas contra o novo coronavírus. Essa posição é ratificada por autoridades sanitárias como Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Sociedade Brasileira de Infectologia e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Questionado sobre o uso dessas medicações, o epidemiologista Naomar de Almeida Filho afirmou: “No caso da cloroquina, inclusive, há efeitos colaterais fatais. Isso é irresponsabilidade.”

As orientações do Ministério da Saúde

No terceiro item, Vaisman afirma: “O ministro da Saúde original (Mandetta) pregava que só se deveria ir ao hospital quando o paciente estivesse com falta de ar, o que só (sic) mostrou extremamente equivocado, já que, nesse caso, já há comprometimento dos pulmões e a chance de cura cai drasticamente. O ministro atual prega o tratamento precoce”.

De fato, durante a gestão de Luiz Henrique Mandetta, que ficou no cargo até 16 de abril, a cartilha divulgada pelo Ministério da Saúde com orientações sobre o novo coronavírus recomendava que só fosse procurado “um hospital de referência se estiver com falta de ar”. No caso de pacientes com apenas sintomas de gripe, a orientação era ficar em casa por 14 dias e seguir os conselhos da pasta para o isolamento domiciliar.

A falta de ar é indicativo de um quadro mais grave, que necessita de cuidados médicos – mas essa não é a maioria dos casos. Segundo um estudo da OMS de fevereiro, cerca de 80% das pessoas com covid-19 manifestam sintomas leves e acabam se curando em casa. Em torno de 14% têm quadros mais severos, que precisam de atendimento ambulatorial. E apenas cerca de 6% têm casos críticos.

Nesse sentido, a justificativa da orientação do Ministério da Saúde era evitar que o sistema de saúde ficasse sobrecarregado. Isso vale especialmente para o sistema de saúde público, responsável por atender três quartos da população brasileira. Além disso, a orientação visava diminuir os riscos de contaminação pelo novo coronavírus dentro dos próprios hospitais e postos de saúde, que poderiam ter aglomerações em filas ou salas de espera.

Essa foi a recomendação da pasta desde o início da pandemia, decretada em março pela OMS. Em julho, já sob a gestão do ministro interino da Saúde Eduardo Pazuello, o governo federal mudou a orientação, sugerindo às pessoas buscar assistência já nos primeiros sinais, como febre e tosse. O principal argumento foi aliviar a ocupação de UTIs.

A mudança coincide com a ampliação do uso da cloroquina para casos leves de covid-19, seguindo a agenda do presidente Jair Bolsonaro. O atendimento preventivo proposto pelo Ministério da Saúde propõe o uso desse medicamento e de seu derivado, hidroxicloroquina. Porém, no início de julho, a OMS retirou a cloroquina de seus testes científicos definitivamente. A entidade afirmou que o medicamento não resultou em “nenhuma redução da mortalidade de pacientes internados com covid-19 quando comparados ao padrão de atendimento”. Essa posição é ratificada por autoridades sanitárias como Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Sociedade Brasileira de Infectologia e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A viralização

No dia 10 de agosto, à noite, no programa Band Cidade RS, principal telejornal da rede no Rio Grande do Sul, o comentarista Milton Cardoso fez um comentário com informações bastante similares às do post de Bituca Von Wittgenstein, que já tinham sido republicadas pelo Jornal da Cidade pela manhã.

“O presidente Bolsonaro sempre foi contra o famoso lockdown. Defendia o isolamento vertical desde o início. A vontade do presidente foi ignorada por decisão do STF, com apoio da ‘Rede Goebbels’, repassada para prefeitos, governadores, com decisões incoerentes e absurdas. (…) Veja você, telespectador, Jair Bolsonaro defendia desde o início o tratamento precoce com azitromicina, hidroxicloroquina. Com 100 mil mortos agora, grande número de prefeitos e governadores decidiram colocar a medicação à disposição da população. (…) Tem gente que reclama do ministro da Saúde, mas o ministro da Saúde, o marqueteiro Mandetta, lembram? Pregava que o paciente só procurasse o hospital quando estivesse com falta de ar, o que provocou com certeza o comprometimento de pacientes que poderiam ter evitado a hospitalização, UTIs e óbitos. A pergunta que não quer calar, meus amigos Lúcia e Sérgio [âncoras do jornal]: se o que o presidente pregava e prega nunca foi praticado, como é que ele pode ser responsabilizado pelas mortes?”, afirmou Cardoso.

Entramos em contato com Cardoso via WhatsApp para entender se ele havia utilizado como fonte o post de Bituca e ele respondeu: “Nunca tive qualquer contato. Não uso redes sociais. Não conheço Bituca”.

Também perguntamos a Vaisman, responsável pela conta do Facebook, se sabia do comentário no Band Cidade RS e se havia alguma relação com o texto original. “Sinceramente, nem sei quem é esse cidadão. Eu, basicamente, não leio mainstream, não vejo televisão”, afirmou.

No dia seguinte, 11 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro compartilhou o vídeo do comentário de Cardoso em suas redes sociais (Twitter, Facebook e YouTube), aumentando ainda mais a viralização do conteúdo. Em 12 de agosto, o site Coletiva.net publicou o texto “Com desinformação, comentário do jornalista Milton Cardoso é compartilhado por Bolsonaro”.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Informações desencontradas, sem embasamento ou fora de contexto podem levar a população a agir de forma inadequada no combate ao novo coronavírus. O post de Bituca tinha 676 reações, 96 comentários e 294 compartilhamentos no Facebook até 12 de agosto. O alcance foi ampliado pela republicação no Jornal da Cidade Online, que atingiu 131 mil interações, segundo a ferramenta CrowdTangle – só no perfil do site foram 39 mil likes, 7,5 mil comentários e 21 mil compartilhamentos.

Ao levar o leitor a acreditar que Bolsonaro não pode ser responsabilizado pelos mais de 100 mil óbitos no país porque medidas que ele defendeu não teriam sido implementadas, o texto verificado ignora que duas das três ações não têm eficácia comprovada contra o vírus e não têm o apoio de autoridades sanitárias. Verificações tentando minimizar o impacto da pandemia já foram publicadas pelo Comprova, como a do médico que usou dados enganosos para sugerir conspiração sobre a covid-19, da publicação que dizia que a pandemia estava em declínio e do vídeo que afirmava que vírus da covid-19 existe desde 2003.

Enganosos, para o Comprova, são os conteúdos retirados do contexto original e usados em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induzem a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdos que confundem, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-08-12

Postagem com cápsula vazia não prova “conspiração” de prefeitos contra cloroquina

  • Falso
Falso
Meme que viralizou nas redes sociais faz uma montagem com imagem de um caso que envolve outro medicamento. A montagem sugere que o conteúdo teria sido postado no perfil de Twitter de Roberto Jefferson. A assessoria do ex-deputado nega a publicação
  • Conteúdo verificado: Publicação no Facebook que mostra a captura de tela de uma postagem supostamente feita pelo presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, afirmando que cápsulas de cloroquina foram esvaziadas para “provar” que este medicamento não funciona.

É falso o conteúdo de uma publicação feita no Facebook que afirma que cápsulas de cloroquina vazias foram distribuídas por prefeitos para “provar que o medicamento não tem eficácia contra a covid-19”. A informação foi compartilhada milhares de vezes nas redes sociais desde o último dia 7 de agosto junto com a imagem de uma cápsula de remédio aberta.

A imagem viralizada se trata, na verdade, do frame de um vídeo sobre um caso ocorrido no município de Pontes e Lacerda, no Mato Grosso. A gravação em questão foi feita por uma mulher que recebeu ivermectina – não cloroquina – no hospital privado Vale do Guaporé, na cidade mato-grossense.

Essas publicações são, por vezes, acompanhadas de uma captura de tela de celular em que se vê a identificação do perfil @blogdojefferson, sugerindo que a postagem seria de Roberto Jefferson, presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A única conta encontrada pelo Comprova em redes sociais cujo usuário é “@blogdojefferson” é de um dos perfis de Jefferson no Twitter. Ele, no entanto, está impedido de fazer postagens com esse perfil desde o fim de julho por uma determinação da justiça relacionada ao inquérito das fake news. A assessoria do político afirmou que ele não fez esta publicação e que se trata de uma montagem.

O conteúdo investigado pelo Comprova culpa os prefeitos pela distribuição das cápsulas vazias. No caso da gravação de onde foi tirada a imagem, não há participação da prefeitura. O Hospital Vale do Guaporé fechou uma parceria com empresários locais para a distribuição da ivermectina como forma de profilaxia contra a covid-19, embora ela não tenha eficácia comprovada. Coordenadores da ação ouvidos pelo Comprova disseram que o projeto não recebeu dinheiro público e que não tem cunho político.

Como verificamos?

O Comprova iniciou a verificação fazendo uma busca no Google, que levou a uma matéria publicada em julho deste ano. Ela mencionava um vídeo no qual uma pessoa mostrava uma cápsula vazia de ivermectina entregue por um projeto realizado por empresários da cidade de Pontes e Lacerda, no Hospital Vale do Guaporé, e indicava que a coordenadora da ação, Eliana Matsuda, havia se manifestado.

Por meio de uma pesquisa nas redes sociais pelas palavras “ivermectina + cápsulas + vazias” foi possível, ainda, encontrar três vídeos, um deles publicado em 3 de agosto, nos quais se via o medicamento prescrito e se ouvia a voz de uma mulher que contava como descobriu que a cápsula de ivermectina estava vazia.

Entramos em contato com a Secretaria Municipal de Saúde, com a Prefeitura de Pontes e Lacerda, com o Conselho Municipal de Saúde e com o Hospital Vale do Guaporé.

O Comprova conversou com Eliana Matsuda, a respeito do projeto e do vídeo da cápsula esvaziada, e com a assessoria de imprensa de Roberto Jefferson, sobre a publicação supostamente feita por ele.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 12 de agosto de 2020.

Verificação

Ivermectina, não cloroquina

Uma pesquisa inicial no Google mostrou que uma história semelhante à da suposta cápsula de cloroquina vazia havia ocorrido em uma cidade do Mato Grosso, Pontes e Lacerda, mas com a ivermectina. A partir desta informação, o Comprova buscou por publicações que mencionassem a “ivermectina esvaziada”, chegando a três postagens.

Os vídeos, com uma qualidade superior às das fotos viralizadas nas redes sociais, possibilitaram a identificação do nome do medicamento: ivermectina de 6mg.

No vídeo, uma mulher diz: “Eu fui na Santa Casa pegar uma ivermectina para poder tomar mais a minha filha. […] E hoje era a data certa de tomar a segunda dose, com 15 dias. […] Ela tomou um comprimido e o outro, por curiosidade, eu acredito, ela foi e abriu. Olha o que tinha dentro da cápsula. Nada!”.

A imagem, compartilhada nas redes, de fato, corresponde a um fragmento do vídeo em que a mulher mostra a cápsula de ivermectina vazia.

A partir da informação do local onde isso teria ocorrido e o nome da coordenadora do projeto mencionado, Eliana Matsuda, a equipe do Comprova fez uma busca no Facebook e encontrou uma transmissão ao vivo realizada em 2 de julho de 2020 pela página Lacerda 24 horas com Matsuda em frente ao Hospital Vale do Guaporé (HVG).

Segundo a descrição do vídeo, tratava-se de um grupo de empresários que montou uma campanha para o “bloqueio” da covid-19 em Pontes e Lacerda e que distribuiria 10 mil doses de ivermectina gratuitamente.

Com início em 6 de julho, a campanha, segundo Eliana Matsuda, era uma parceria entre empresas, o Hospital Vale do Guaporé e médicos. O protocolo de medicação, por sua vez, foi feito pela doutora Jaqueline Margonato, do HVG.

A coordenadora do projeto e a doutora Jaqueline ressaltaram que, embora existam médicos que defendem o uso do medicamento, não há comprovação científica da sua eficácia na profilaxia da covid-19.

O Comprova conversou com Eliana Matsuda. Ela disse que a iniciativa foi firmada entre empresários e o hospital sem “cunho político nem dinheiro público”.

Também falamos por telefone com Claudenice Luiza Lima, administradora do hospital. Ela reiterou que a mulher que gravou o vídeo não entrou em contato com a instituição e que o laboratório onde os medicamentos foram comprados disse “não haver possibilidade de a cápsula ter ficado vazia porque o processo é automatizado”. Por fim, relatou que a equipe “abriu outras caixas de medicamento e não encontrou cápsulas com defeito”.

Por telefone, a prefeitura de Pontes e Lacerda afirmou que não tinha qualquer ingerência sobre o tema, assim como a Secretaria de Saúde do município, acrescentando que o Hospital Vale do Guaporé é privado.

A equipe do Comprova também falou com um responsável pelo Conselho Municipal de Saúde de Pontes e Lacerda por WhatsApp, que assinalou que soube do ocorrido pelas mídias sociais e, por se tratar de um caso isolado e sem notificação formal, não deliberou sobre o tema.

A ivermectina industrializada é produzida em forma de comprimido, mas é possível encontrar o medicamento em cápsulas em farmácias de manipulação. Em nota, o Hospital Vale do Guaporé informou que recorreu a um laboratório de manipulação local porque “não havia na indústria, nos distribuidores e no comércio a ivermectina industrializada”.

Roberto Jefferson

A postagem que gerou a verificação tem como base uma suposta publicação do ex-deputado Roberto Jefferson, atual presidente nacional do PTB. Nas redes sociais dele, porém, não há nenhum registro de tal post.

O ex-deputado e outros aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) são alvos de um inquérito que investiga disseminação de notícias falsas e ataques a ministros da corte.

Na imagem em questão, é possível ver que o nome do usuário é “blogdojefferson”, o mesmo que Roberto Jefferson usava para publicar tuítes. Contudo, a conta dele na rede social está suspensa desde 24 de julho. A decisão foi de Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

Desde que sua conta foi bloqueada, Roberto Jefferson passou a usar o Twitter pelo usuário “@bobjeffhd”, como se pode confirmar em sua página verificada no Facebook, e no qual não consta nenhuma publicação sobre cápsulas esvaziadas de cloroquina. Também não há registros nas contas dele no Facebook e no Instagram. Na rede social Parler, por sua vez, não encontramos um perfil de usuário @blogdojefferson.

Em mensagem ao Comprova, a assessoria de Roberto Jefferson negou que ele tenha feito a postagem.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos que tenham grande viralização e repercussão nas redes sociais. Um dos posts analisados teve mais de 4,9 mil interações no Facebook. Outro, na mesma rede social, atingiu 1,5 mil compartilhamentos. Este conteúdo também circulou amplamente no Instagram e no Twitter.

A cloroquina é um medicamento em evidência no Brasil, mesmo sem eficácia comprovada contra a covid-19. Ao compartilhar uma informação falsa de que cápsulas da droga estão sendo esvaziadas, o post gera uma preocupação em parte da população que tem buscado se informar sobre o remédio.

A cloroquina só pode ser vendida em receitas de duas vias. Em algumas cidades, Itagi (BA) e Porto Feliz (SP), foi incluída em um kit de prevenção contra a covid-19. A Organização Mundial da Saúde suspendeu seus estudos com a droga por não haver eficácia comprovada no combate ao novo coronavírus.

O Comprova tem publicado outros conteúdos falsos relacionados à pandemia, como da médica que disse que a Austrália controlou a covid-19 com ivermectina, o influenciador que negou a eficiência das máscaras e uma imagem falsa que dizia que a cloroquina estava sendo vendida em trem no Rio de Janeiro.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-08-07

Imagem que circula nas redes sociais não comprova venda de cloroquina em trem no Rio de Janeiro

  • Falso
Falso
Não há embalagem de medicamentos à base de cloroquina ou hidroxicloroquina na imagem que viralizou no Twitter, Reddit e Facebook
  • Conteúdo verificado: Em postagens no Facebook e no Twitter, perfis compartilham foto de duas pessoas em um vagão, uma delas coberta por dezenas de saquinhos com diversos remédios que parecem estar à venda. O texto que acompanha as postagens afirma que “O Rio não é pra qualquer um… Cloroquina 3 por 10 no no trem em Japeri – RJ”.

Os textos que acompanham uma foto que circula pelas redes sociais e que sugerem que pacotes de cloroquina e hidroxicloroquina estariam sendo vendidos em trens da malha urbana estadual do Rio de Janeiro são falsos.

Apesar de o Comprova não ter encontrado o autor da imagem, nem registro da circunstância e local onde ela foi feita, a partir análise detalhada da foto e de informações obtidas com o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), é possível afirmar que não há embalagem de medicamentos à base de cloroquina ou hidroxicloroquina na imagem que viralizou.

Como verificamos?

Inicialmente, o Comprova contatou a Supervia, companhia que opera o transporte ferroviário no Rio de Janeiro e é responsável pela linha que leva a Japeri, onde teria sido clicada a foto, segundo algumas das postagens. Também entrou em contato com a Polícia Militar, órgão acionado quando há alguma ocorrência nos trens e estações.

A equipe também fez uma busca reversa de imagem no Google, e na ferramenta TinEye, para tentar achar a fotografia original, No entanto, os primeiros posts encontrados, do dia 4 de agosto, já são repostagens. O Comprova questionou internautas que publicaram a foto se conheciam o autor da imagem, mas nenhum respondeu de maneira afirmativa até o fechamento deste texto. Essas pessoas sempre alegavam que receberam a foto já com o contexto falso.

Sem ter a confirmação, o Comprova utilizou a ferramenta InVid, que possibilita a ampliação de imagens, para observar detalhes da foto. Com o ampliação da imagem, a reportagem entrou em contato com o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos para checar quais laboratórios comercializam medicamentos à base de cloroquina e hidroxicloroquina e, assim, identificar se as embalagens desses remédios apareciam na foto verificada. A equipe também procurou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

Verificação

O que dizem a PM e a Supervia

A Supervia informou que não pode confirmar a veracidade da foto porque não “teve registro do fato citado”. A empresa afirmou ainda que investe em campanhas para alertar sobre o comércio ilegal de camelôs “e os riscos do consumo de produtos de procedência não conhecida e, por vezes, fora do prazo de validade” e que, quando sabe de algum tipo de ocorrência, aciona a Polícia Militar por meio do Grupamento de Policiamento Ferroviário (GPFer) – os agentes da companhia não têm poder de polícia.

A Polícia Militar do Rio de Janeiro afirmou não ter sido acionada para nenhuma ocorrência relacionada à venda de cloroquina nos vagões das linhas fluminenses. E completou que “é importante que as pessoas denunciem este tipo de conduta e não contribuam comprando produtos de origem desconhecida”.

Embalagens

Observando a imagem detalhadamente com a ferramenta InVID, é possível identificar alguns remédios, como o Dipimed, à base de dipirona, utilizado no tratamento da dor e febre, e o Narix, descongestionante nasal. Para descobrirmos se há embalagem de cloroquina ou hidroxicloroquina na foto, também pesquisamos os laboratórios que comercializam as drogas no Brasil. Contatado pelo Comprova, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) informou que as empresas que vendem atualmente as duas drogas em farmácias do país, segundo dados da consultoria IQVIAsão: Apsen, E.M.S e Sanofi.

Um quarto laboratório, Cristália, produz cloroquina, mas vende apenas para o Sistema Único de Saúde (SUS) e hospitais particulares, em embalagens de 200 comprimidos, conforme informou ao Comprova. “O Quinacris (nome do remédio) não é comercializado em farmácias e drogarias e o foco do produto não é o paciente final”, afirmou a empresa.

Comparando as embalagens dos três produtos comercializados em drogarias brasileiras, é possível verificar que não há nenhum deles na imagem que viralizou nas redes sociais.

A foto verificada pelo Comprova não mostra, portanto, nenhum remédio à base de cloroquina ou hidroxicloroquina.

Nenhuma das duas substâncias tem eficiência comprovada contra o novo coronavírus e medicamentos à base delas devem ser prescritos “em receita especial de duas vias”, informa um comunicado publicado em março pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos que tenham grande viralização e repercussão nas redes sociais. É o caso do post em questão, que teve 3.825 interações no Twitter até 7 de agosto, segundo a ferramenta CrowdTangle.

No Facebook, foram ao menos 7.700 compartilhamentos e mais de 10 mil interações. A maioria das páginas com viralização tratam de notícias locais do Rio de Janeiro, mas o caso também foi divulgado por alguns sites, o mais expressivo da rádio Tupi FM.

Embora o comércio ilegal seja comum em muitas cidades brasileiras, o post chama a atenção por supostamente mostrar a venda de uma droga que está em evidência no país. Apesar de não ter eficácia comprovada contra a covid-19, o medicamento vem sendo apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como uma possível cura para a doença – ele, inclusive, afirmou ter tomado ao ser infectado pelo novo coronavírus.

Muitos brasileiros acreditam que a substância seja realmente uma cura, e o post coloca a saúde da população em risco ao afirmar que a droga pode ser encontrada em trens do Rio de Janeiro. Como informado anteriormente, a droga só pode ser vendida em receita de duas vias.

O Comprova tem publicado outros conteúdos falsos relacionados à pandemia, como da médica que disse que a Austrália controlou a covid-19 com ivermectina e do influenciador que negou a eficiência das máscaras.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-08-07

Osmar Terra usa dados de um único hospital para dizer que covid-19 está reduzindo no RS

  • Enganoso
Enganoso
Deputado usa dados verdadeiros sobre uma queda no número de internações no Grupo Hospitalar Conceição — referência no tratamento da covid-19 em Porto Alegre. Mas os dados não podem ser extrapolados para as outras 298 instituições de saúde que também atendem pacientes com covid-19 em todo o estado
  • Conteúdo verificado: Publicação no Twitter do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) em que ele usa dados de internações por covid-19 no Grupo Hospitalar Conceição (GHC), na capital gaúcha, para afirmar que a epidemia está reduzindo no Rio Grande do Sul.

O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) erra ao afirmar em uma publicação no Twitter que “a epidemia começa a reduzir no RS”. Na postagem, Terra usa dados verdadeiros sobre uma queda no número de internações no Grupo Hospitalar Conceição — referência no tratamento da covid-19 em Porto Alegre — para anunciar uma melhora no quadro em todo o Rio Grande do Sul.

O post é do dia 4 de agosto, data em que o estado chegou a um recorde de mortes registradas em um único dia: 83. O novo coronavírus custou a vida de 2.231 gaúchos até o dia 6 de agosto, aponta o painel on-line do Governo do Rio Grande do Sul. O indicador mostra ainda que a capital gaúcha lidera o ranking de casos confirmados e de mortes no estado: 9.532 e 318, respectivamente. Porto Alegre também superou a própria marca máxima de internações em UTIs na quinta-feira (6), contabilizando 331 pacientes. Nos três dias que se seguiram desde o tuíte de Osmar Terra, foram 215 novos óbitos por Covid-19: 83 na terça-feira , 64 na quarta e 68 na quinta.

A equipe do Comprova tentou contato com o deputado Osmar Terra por telefone, WhatsApp e Instagram, mas não teve resposta até a data desta verificação.

Como verificamos?

O Comprova começou a verificação buscando os dados no site do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), que atualiza as informações diariamente. Os gráficos publicados por Osmar Terra não estavam na página e procuramos a assessoria de imprensa do GHC, que nos colocou em contato com o diretor-técnico do hospital, Francisco Zancan Paz. O médico confirmou que os dados são do Conceição e disse que se tratam de estudos internos, mas que estariam disponíveis havendo solicitação. Os retornos sobre os registros foram por mensagens de WhatsApp e telefone.

Também solicitamos informações à Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS), que respondeu por e-mail.

Usamos as ferramentas TweetDeck e CrowdTangle para monitorar o desempenho da publicação de Osmar Terra nas redes sociais e o buscador Google para encontrar reportagens publicadas na imprensa sobre a situação da pandemia no Rio Grande do Sul.

Por fim, tentamos falar com o deputado federal por telefone, mensagem de WhatsApp e de Instagram. Ele não atendeu a reportagem.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de agosto de 2020.

Verificação

Em tuíte publicado na última terça-feira (4), o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) usa gráficos do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) para afirmar que a epidemia de covid-19 está diminuindo em todo o Rio Grande do Sul. E critica o sistema de bandeiras adotado pelo governo para estabelecer as regras de distanciamento em cada uma das regiões do estado. “Epidemia começa reduzir no RS. Nada a ver com bandeirinhas! Tendência de número de casos de internação em UTI e em enfermaria pela Covid 19, é de queda! Veja no maior hospital do Sul do país: GHC em Porto Alegre! Cai na semana 31, como acontece em todo inverno!”, escreveu o deputado.

É incorreto afirmar que a epidemia está reduzindo no Rio Grande do Sul. O estado registrou o primeiro caso da covid-19 em março e, de lá para cá, a situação piorou. Até 6 de agosto, 78.837 pessoas foram infectadas pelo novo coronavírus e 2.231 morreram vítimas da doença. As taxa de ocupação de leitos nas UTIs dos hospitais gaúchos é de 75%.

A região metropolitana de Porto Alegre é uma das mais atingidas. Na capital gaúcha, a ocupação de leitos de UTI chegou a 90% na segunda-feira (3) e a cidade atingiu um pico no número de casos e de óbitos em 4 de agosto.

Os gráficos que Osmar Terra divulgou na publicação são de um dos hospitais de referência para o tratamento da covid-19 na cidade, o Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Embora seja um dos maiores hospitais da capital gaúcha, os índices servem apenas para analisar a situação no GHC, e não podem ser extrapolados para os outros 298 que também atendem pacientes com covid-19 em todo o estado. “São dados dos nossos hospitais. Não temos como avaliar os restantes”, disse o diretor-técnico do hospital, Francisco Zancan Paz.

Em entrevista ao Comprova, Zancan apresentou gráficos que mostram uma tendência à queda de casos de covid-19 nas emergências e enfermarias, mas não nas UTIs. “Na última semana, a demanda das nossas emergências, da nossa UPA e da nossa internação em enfermarias têm decrescido. Isso ainda não repercute na ocupação da UTI, que está sendo mantido em quase toda sua totalidade”, disse. E reforça que só é possível bater o martelo sobre uma diminuição — ou mesmo estabilização — no número de casos se essa tendência se mantiver ao longo de pelo menos 15 dias.

O GHC é composto pelos hospitais Conceição, Criança Conceição, Cristo Redentor e Fêmina, além da UPA Moacyr Scliar, de 12 postos de saúde do Serviço de Saúde Comunitária, de três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e da Escola GHC. Porém, o hospital Conceição é a referência no tratamento da doença.

Questionamos a Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS) para saber se os dados poderiam indicar uma tendência mais ampla no Rio Grande do Sul. Por e-mail, a assessoria de imprensa lembrou que a ocupação das UTIs do GHC segue alta, em torno de 95% até a data do contato, “a curva de óbitos e casos relacionados à covid-19 está em crescimento no Estado. (…) A SES-RS monitora a doença, toma as medidas que julgar necessárias, mas não faz previsões”.

As semanas

No tuíte, Osmar Terra fala em uma queda de internações na 31ª semana epidemiológica, “como acontece todo inverno”. As semanas epidemiológicas são divididas pelo Ministério da Saúde para facilitar o registro e controle de doenças. Contadas de domingo a sábado, a primeira semana é a que tem o maior número de dias de janeiro e a última é a que tem o maior número de dias de dezembro. Em 2020, a semana 31 foi de 26 de julho a 1º de agosto.

A Secretaria Estadual da Saúde não confirmou que tenha havido queda no número de internações na semana 31, mas disse que “nos últimos quatro anos, o pico das internações no Rio Grande do Sul tem ocorrido entre as semanas 18 e 27”.

O período coincide com os meses mais frios do ano no estado. “No inverno tem sido este comportamento. Ano passado foi muito similar”, confirmou o diretor-técnico do GHC. Em 2019, foram notificados 1.296 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) — condição provocada por doenças respiratórias, como a gripe e a covid-19 — e 75 óbitos no hospital. Em 2020, são 1.967 casos de SRAG e 344 óbitos. Destes, 157 óbitos foram por covid-19.

Insistência

No dia seguinte, 5 de agosto, Osmar Terra voltou ao assunto em sua rede social. Com novo gráfico do GHC, falou em queda na demanda de doentes naquele hospital e na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. “Como prevíamos vírus está fazendo seu ciclo natural e em poucas semanas termina o surto epidêmico no RS. Quarentena e lockdown inúteis”. No mesmo dia, Porto Alegre bateu recorde de pacientes com coronavírus nas UTIs: 324 pessoas com diagnóstico positivo para covid-19 necessitando cuidados intensivos.

Quem é Osmar Terra

Osmar Terra exerce o sexto mandato na Câmara dos Deputados, representando o Rio Grande do Sul. Em 2016, foi Ministro do Desenvolvimento Social no governo de Michel Temer (MDB) e ocupou a pasta da Cidadania já na gestão de Jair Bolsonaro, em 2019.

O deputado federal é formado em medicina e foi presidente do Grupo Hospitalar Conceição entre 1986 e 1989. Também ocupou o cargo de secretário da Saúde do Rio Grande do Sul de 2003 a 2010, nas gestões de Germano Rigotto (MDB) e Yeda Crusius (PSDB).

Terra é um apoiador de Jair Bolsonaro e, seguindo o discurso do presidente, já negou a gravidade da pandemia em diversas ocasiões — inclusive no post verificado aqui, em que usa o termo “epidemia” e não pandemia. Chegou a afirmar que o distanciamento social não tinha eficácia comprovada, que as mortes pelo novo coronavírus não Brasil não passariam o número de óbitos por H1N1 e declarou que a pandemia terminaria em junho.Já em agosto, compartilhou imagens antigas para criticar o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS).

Em março, o Comprova verificou um vídeo em que Terra defende o isolamento vertical, afirmando que apenas idosos e pessoas de grupos de risco deveriam ficar isoladas. As imagens circularam como se fossem do cardiologista Adib Jatene, falecido em 2014.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Em um ano de eleitoral em que as disputas políticas estão acirradas, a covid-19 virou tema de debates em todos os campos ideológicos. A desinformação circula livremente em redes sociais e pode custar vidas. O post de Osmar Terra no Twitter teve mais de 4,1 mil interações — entre curtidas, comentários e compartilhamentos — e pode enganar os leitores, ao sugerir uma melhora que não se comprova na realidade.

O Comprova já checou outros conteúdos distorciam fatos para minimizar a pandemia: uma corrente que dizia que a etapa máxima das infecções aconteceria em abril, declarações de dois médicos que diziam que o novo coronavírus estava perdendo a força em junho e um texto que garantia que a pandemia já estaria em declínio em julho.

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado. É o caso da publicação de Osmar Terra, que usa números reais para chegar a uma conclusão que não é verdadeira.

Saúde

Investigado por: 2020-08-07

Evidências atestam a eficiência das máscaras no controle da pandemia, ao contrário do que afirma site

  • Falso
Falso
As alegações de que o uso de máscaras pode causar intoxicação e aumentar o risco de contaminação pelo novo coronavírus e ou por outros vírus e bactérias não têm comprovação
  • Conteúdo verificado: Um texto no site do Instituto Rothbard traz informações falsas sobre o uso de máscaras e qualifica como “tirania” as medidas de controle da pandemia.

São falsas as alegações feitas em um texto, publicado pelo site do Instituto Rothbard, que chama o incentivo ao uso da máscara de “tirania”. O conteúdo ainda afirma que não existem evidências capazes de provar a eficiência da proteção facial e que seu uso pode causar intoxicação e aumentar o risco de contaminação pelo novo coronavírus e outros vírus e bactérias.

As afirmações vão na contramão do que dizem as autoridades sanitárias de diversos países e das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), cujo trabalho se baseia em evidências científicas. A conclusão dessas autoridades é a de que o uso correto das máscaras reduz a quantidade de partículas virais expelidas e, portanto, ajuda a conter o avanço da pandemia.

O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), por exemplo, indica em seu site 19 artigos publicados em diferentes revistas científicas que atestam a efetividade do uso de máscaras como parte da estratégia para controlar a pandemia. A OMS, por sua vez, conta com uma Divisão Científica que subsidia a elaboração das normas da organização e que produz inúmeras pesquisas na área da saúde pública.

Em resposta ao Comprova, a equipe do site do Instituto Rothbard afirmou que o texto não contraria as recomendações dos órgãos de saúde porque comunicados contrários ao uso de máscaras já foram emitidos pelas entidades. O site, no entanto, não leva em conta o contexto em que tais comunicados foram feitos e ignora as mudanças de posicionamento das autoridades.

No início da emergência sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus, a OMS recomendou que pessoas sem sintomas da doença evitassem usar máscaras cirúrgicas para que não houvesse falta para os profissionais da linha de frente e para os pacientes sintomáticos. Naquele momento faltavam equipamentos de proteção em vários países do mundo. Em junho, com o avanço do números de casos e óbitos causados pela covid-19, a OMS passou a recomendar o uso de máscaras para o público geral, afirmando que a mudança em seu posicionamento fora baseada na conclusão de novos estudos científicos.

Segundo a equipe do instituto, as organizações e entidades sanitárias são “órgãos burocráticos que se contrariam a si próprios[sic], o tempo todo. E, de modo algum, eles são nossa referência e deviam ser a referência de qualquer pessoa”.

Como verificamos?

Para verificar o texto do Instituto Rothbard entrevistamos, por áudios no Whatsapp, as professoras Giliane Trindade e Viviane Alves do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que desenvolveram uma pesquisa experimental para avaliar a eficácia das máscaras na prevenção da covid-19. Falamos, ainda, com o médico pneumologista do Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, Leonardo Meira de Faria.

Além disso, consultamos os dados e indicações para frear a disseminação do vírus da Organização Mundial da Saúde (OMS) e dos órgãos sanitários do Brasil e dos Estados Unidos, já que encontramos conteúdos similares ao do Instituto Rothbard em sites norte-americanos.

Por fim, entramos em contato com a equipe do site do instituto por e-mail.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 07 de agosto de 2020.

Verificação

O que é o Instituto Rothbard?

Em seu site, o Instituto Rothbard define-se como “o epicentro de disseminação da Escola Austríaca de economia e do libertarianismo”. Segundo a página, a Escola Austríaca defende “a proliferação irrestrita de territórios livres e independentes, até que o alcance da jurisdição do estado se esvaeça”. No site, são encontrados diversos textos que criticam a atuação dos governos e de organizações supranacionais, como a OMS.

O portal reúne uma série de conteúdos sobre a pandemia que relativizam a gravidade da emergência sanitária e criticam as medidas adotadas para frear seu avanço. Em um dos textos, o portal destaca a manifestação convocada por grupos neonazistas contra o isolamento social, que ocorreu em Berlim no dia1º de agosto, para afirmar que os “europeus estão acordando para a tirania da covid”.

Em outro, o site defende o desembargador que humilhou guardas metropolitanos após levar uma multa por estar sem máscara na cidade de Santos, no litoral paulista. Segundo o portal, que define aqueles que usam máscaras como “paranoicos”, caberia unicamente ao desembargador a decisão de usar ou não a proteção facial.

Além disso, o portal traz inúmeras referências aos conteúdos produzidos pela “The Healthy American”, uma associação anti máscaras norte-americana. A associação também se refere às medidas para frear o espraiamento da pandemia como “ tirania” e mantém uma campanha para que lojas abram em horários distintos para atender aqueles clientes que não desejem usar máscaras.

O que dizem as autoridades e os especialistas?

A OMS e as autoridades sanitárias do Brasil, dos Estados Unidos e de diversos outros países recomendam o uso de máscaras como uma parte da estratégia para frear o espraiamento do novo coronavírus. As autoridades destacam que para que a prevenção da doença seja efetiva, além de usar máscaras, a população deve higienizar constantemente as mãos e manter uma distância de pelo menos um metro e meio entre as pessoas.

Ao contrário do que afirma o conteúdo verificado, existem evidências científicas consistentes indicando que o uso de máscaras reduz a quantidades de partículas virais que pessoas infectadas com a covid-19 expelem ao falar, espirrar ou tossir. O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), por exemplo, indica em seu site 19 artigos que foram publicados em diferentes revistas científicas e atestam a efetividade dasmáscaras como parte da estratégia para controlar a pandemia.

A OMS passou a recomendar o uso de máscaras pelo público geral em 5 de junho. Na entrevista coletiva em que foi feito o anúncio da mudança na recomendação, o órgão explicou que a decisão partiu da conclusão de novos estudos que apontavam a eficiência das máscaras como parte da estratégia para o controle do espraiamento da doença. Nessa data, a OMS publicou documento que reúne essas conclusões e indica como usar corretamente a proteção facial em diferentes ambientes e situações. O documento apresenta 80 referências, que abrangem pesquisas conduzidas pelo próprio órgão e por pesquisadores de centros de pesquisa de diversos países.

Em entrevista ao Comprova, a professora e pesquisadora Giliane Trindade Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explicou que o uso de máscaras impede que pessoas pré-sintomáticas ou assintomáticas liberem partículas virais ao falar, tossir ou espirrar. “A finalidade do uso da máscara é justamente evitar a pulverização dessas gotículas de saliva, evitando que elas atinjam a superfície do rosto de outras pessoas ou superfícies inanimadas, como por exemplo, corrimão, assento de ônibus, lugares em que as pessoas vão ter mais contato”, esclareceu a pesquisadora.

A explicação da professora e pesquisadora, que realizou uma pesquisa experimental para avaliar a eficácia das máscaras no combate a disseminação da covid-19, está de acordo com as recomendações do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos. O órgão produziu a ilustração abaixo para conscientizar as pessoas sobre a importância do uso de máscaras.

As tentativas de descredibilizar o uso de máscaras durante a proliferação de doenças virais não é uma novidade. Viviane Alves, que também é professora do Departamento de Microbiologia da UFMG e participou da pesquisa experimental realizada na universidade mineira, acredita que essa onda de desinformação se trata de um negacionismo. “No século XX durante a gripe espanhola também havia a existência da ‘liga anti máscara’ que pregava que elas não eram necessárias e faziam mal. A mesma coisa tem ocorrido agora, várias pessoas tentando prejudicar a saúde da população. Usar máscara, manter o distanciamento social e higienizar as mãos são medidas eficazes provadas cientificamente para prevenir a transmissão, diminuir o número de casos e também diminuir a sobrecarga do sistema de saúde”.

O Comprova já verificou outros conteúdos falsos e enganosos sobre o uso de máscaras desde o início da pandemia. Na verificação mais recente, listou o posicionamento das principais autoridades de saúde brasileiras sobre o tema.

Há possibilidade de intoxicação?

Ao contrário do que afirma o texto do Instituto Rothbard, para a microbiologista Giliane Trindade, a informação sobre intoxicação por dióxido de carbono não procede. O que pode acontecer – no caso de pessoas infectadas – é o vírus ficar contido dentro do material preventivo evitando que seja espalhado e atinja outras pessoas.

“Se a gente pressupõe que o indivíduo tem uma noção correta da forma de descartar a máscara ou de como higienizar, ela não vai funcionar como um vetor de transmissão de vírus. O indivíduo consciente, que está com medo de morrer por covid-19, segue todas as autoridades de saúde e presta atenção naquilo que está sendo divulgado pelas autoridades sanitárias”, concluiu a microbiologista.

O médico pneumologista Leonardo Meira de Faria também não considera que as máscaras causem baixos níveis de oxigênio e hipóxia. Segundo o médico, os poros das máscaras não impedem que a troca de gases que ocorre na respiração seja prejudicada. “Na verdade a máscara é um dispositivo seguro, então a reinalação do gás carbônico não acontece. Não se atinge níveis tóxicos a ponto de considerar que ela possui um risco individual nesse sentido, em hipótese nenhuma”.

Máscara baixa a imunidade?

No texto verificado, há três tipos de máscaras citados – cirúrgica, N95 e de pano – e são apontados como facilitadores da entrada de germes no organismo, supostamente reduzindo a imunidade. Especialistas consultados pelo Comprova alegam que não existem dados sobre as máscaras – fabricadas de forma correta – permitirem esse contato com germes.

“Germes presos nas máscaras não vão causar nenhum tipo de infecção, eles são microrganismos que já moram no corpo. Germes do ambiente que estiverem pelo lado de fora da máscara não vão conseguir penetrar o material. Obviamente, se o tecido estiver contaminado depois de um certo tempo de uso e você colocar a mão e logo em seguida colocar no olho, você também será infectado. Por isso é importante higienizar as mãos e evitar o toque direto nas máscaras e no rosto”.

Há de se destacar que as autoridades recomendam máscaras diferentes para situações diferentes, que variam conforme o ambiente o risco de exposição ao vírus que ele oferece. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) possui uma página que reúne informações sobre máscaras faciais de proteção e que indica qual o tipo mais adequado para os diferentes contextos. A agência, por exemplo, não recomenda o uso de uma máscara tipo N95 para uma ida ao supermercado — ao contrário do que sugere o texto do instituto.

O Comprova já mostrou ser falso um vídeo que dizia que as máscaras reduziam a imunidade e potencializavam a proliferação de bactérias.

O que diz o Instituto Rothbard?

Procurado pelo Comprova, o instituto disse, por e-mail, que nenhum dos textos e vídeos publicados em seu portal contrariam as orientações do CDC e da OMS, alegando que os órgãos “se contrariam a si próprios [sic], o tempo todo” e não servem como referência para os materiais produzidos pela equipe.

Além disso, afirmou ter compromisso com a defesa da liberdade. O instituto pontuou que “o próprio título do artigo [objeto desta verificação] já explica a importância de defender a liberdade diante desta tirania opressiva do governo” e que o texto concentra informações de todos os tipos.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos de grande viralização nas redes sociais e com potencial de causar desinformação sobre políticas públicas do governo federal, eleições municipais de 2020 e sobre a pandemia do novo coronavírus. Em se tratando de conteúdos sobre a pandemia, a verificação se torna ainda mais importante, pois a desinformação pode colocar a saúde das pessoas em risco. É o caso do texto do Instituto Rothbard, que pode induzir as pessoas a não usarem máscaras — estratégia recomendada pelas autoridades de saúde para diminuir a velocidade de propagação da doença.

Desde o início da pandemia, o Comprova identificou e desmentiu diversos boatos sobre o uso de máscaras, mostrando que elas são eficientes no combate ao novo coronavírus e que não reduzam a imunidade nem potencializam a proliferação de bactérias. Em outras verificações, também mostrou que um vídeo e um áudio enganavam ao acusar que máscaras importadas da Ásia estariam contaminadas.

Segundo dados da ferramenta CrowdTangle, até a data de fechamento deste texto, o conteúdo somava mais de 4,2 mil interações no Facebook. O Comprova também encontrou conteúdos similares ao verificado em sites dos Estados Unidos que possuem um grande número de interações nas redes sociais, como o “The Healthy American”.

Falso, para o Comprova, é um conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-08-05

Médico usa dados enganosos ao sugerir conspiração sobre covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Verificamos as principais alegações de um post que faz referência a um vídeo de um grupo de médicos espanhóis que negam a existência da pandemia
  • Conteúdo verificado: Em post no Instagram, médico lê texto sobre encontro realizado na Espanha, de uma organização chamada Médicos por la Verdad. Segundo os participantes e o médico, a pandemia é uma farsa “criada com fins políticos”.

O vídeo publicado no perfil do Instagram do médico Djalma Marques, conhecido como Dr. Kefir, traz conteúdo enganoso ao afirmar que “a cada dia vão caindo as máscaras da grande farsa da pandemia!”. Ele contraria autoridades sanitárias do mundo todo que estão tentando combater a pandemia. A covid-19 já provocou a morte de mais de 700 mil pessoas, segundo a Universidade Johns Hopkins. Só no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, foram mais de 95 mil vítimas até a publicação deste texto.

Logo no início da gravação, Marques afirma ter uma “notícia fantástica”, sobre uma conferência de médicos na Espanha realizada para a imprensa por um grupo chamado de Médicos por la Verdad. Entre os pontos que ele lê no vídeo, destaca-se o trecho: “Os médicos concordam com os seguintes pontos: as vítimas do coronavírus não superam em número as que morreram devido à gripe sazonal no ano passado na grande maioria dos países. Dois: os protocolos médicos em diferentes países foram alterados para exagerar nos resultados. Três: o confinamento de pessoas sadias e o uso forçado de máscaras não têm qualquer base científica”.

Nenhuma dos três pontos é verdadeiro. A taxa de letalidade do novo coronavírus, de acordo com estimativa da OMS, atualmente é de 0,6%– o índice vem sendo reavaliado conforme a evolução da doença e estudos sobre ela. Já a da gripe sazonal é de 0,1%. Também não há nenhuma comprovação de que algum país tenha alterado informações sobre a doença e o confinamento e o uso de máscaras são algumas das poucas medidas eficientes já conhecidas contra a covid-19.

Além de defender uma suposta conspiração com fins políticos, Marques receita remédios como a hidroxicloroquina, sem eficácia comprovada. Questionado pelo Comprova sobre a posição da OMS em pedir o cancelamento dos estudos com a droga, ele disse que a organização faz uso “mais que político” da doença. “Meu respeito pela OMS é zero.”

Como verificamos?

O Comprova buscou informações sobre Djalma Marques na plataforma de currículos acadêmicos Lattes, mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no Conselho Federal de Medicina e na rede social Linkedin.

Também encontramos no Facebook e no Instagram páginas relacionadas à BioLogicus, empresa da qual Marques é sócio-fundador. Foi por ela que conseguimos o contato do médico e realizamos uma entrevista por telefone.

Procurando no Google, encontramos um vídeo no YouTube com a gravação completa da conferência e conseguimos o contato da associação alemã (Außerparlamentarischer Corona Untersuchungsausschuss, ou Comissão de Inquérito Extra-parlamentar do Corona, segundo tradução livre) que deu origem ao movimento dos médicos negacionistas na Europa. Enviamos dois e-mails pedindo informações, mas não recebemos resposta até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 5 de agosto de 2020.

Verificação

Quem é Djalma Marques?

Ele é médico e possui registro no Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba (CRMPB). Em seu perfil no Linkedin, ele se descreve como “sócio-presidente, idealizador e fundador” da BioLogicus, uma empresa de biotecnologia. O texto de descrição do site diz que a companhia foi fundada em 2004 por Djalma Marques e pela engenheira química Fátima Fonseca.

Marques tem duas contas no Instagram. Uma delas, no entanto, não é atualizada desde o fim de 2019. Na outra, ainda ativa e com postagens quase diárias, ele se intitula “Doutor Kefir”, nome de um complemento alimentar. A BioLogicus anuncia em suas redes sociais diversos produtos à base da substância.

Em contato por telefone com o Comprova, Marques disse ter se formado em medicina em 1978 e exercido a profissão desde então. Ele diz ter atuado na área de homeopatia e, atualmente, trabalha como médico generalista. Seu registro no Conselho Federal de Medicina não especifica a área de atuação dele.

Máscaras e lockdown

Marques tem se dedicado nas redes sociais a postar conteúdos relacionados à covid-19 desde o começo da pandemia. Inicialmente, defendia o uso de máscara e pedia para que as pessoas permanecessem em casa. No fim de julho, porém, se referiu ao objeto como “focinheira”.

Questionado pelo Comprova, afirmou: “Fui um dos primeiros a dizer para as pessoas ficarem em casa e usarem máscara, porque a gente não conhecia nada do vírus. Depois que começamos a conhecer, a gente começou a mudar”. Ele disse ainda que “não existem trabalhos científicos mostrando que o uso de máscara previne ou evita a disseminação do vírus. Agora, existe o contrário, mostrando que não previne”.

Segundo o Comprova mostrou, no início de junho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), reforça que as máscaras “reduzem a incidência de infecções” e recomenda seu uso em locais públicos, como supermercados e farmácias.

Ainda no vídeo verificado, Marques critica o lockdown. Questionado pelo Comprova, chamou a medida de “prisão domiciliar forçada”. “Vamos tirar esse nome lockdown do vocabulário porque somos brasileiros. Então, qual é o nome? Não tem nome ainda na ciência colocar todo mundo sadio, suspeito, doente, dentro de casa. A ciência tem nome para quarentena, que é pegar pessoas doentes, separá-las das pessoas sadias até que passem os sintomas ou sejam tratadas. Isso se chama quarentena.” E continuou: “Substituir o nome por lockdown é para deixar o povo na ignorância. Ou você tem uma prisão domiciliar forçada, ou você tem uma quarentena”.

As medidas de restrição e isolamento foram vistas pela OMS, desde o começo da pandemia, como algumas das mais eficazes para a contenção do vírus e o retardamento do pico de contágio da doença. “Além das medidas de lockdown, precisamos de estratégias abrangentes baseadas em vigilância, em intervenção de saúde pública, testes, quarentena, e fortalecer os sistemas de saúde para absorver o golpe”, disse Michael Ryan, diretor-executivo de emergências sanitárias da OMS, em 1 de abril.

Uso da hidroxicloroquina

Na parte final do vídeo, o médico afirma que a hidroxicloroquina se mostrou eficaz no tratamento da covid-19 “em diversos países”. O tratamento com a substância, porém, não tem comprovação científica. A Organização Mundial da Saúde e o National Health Service (Serviço Nacional de Saúde) do Reino Unido cancelaram estudos com a cloroquina e a hidroxicloroquina.

Nos Estados Unidos, um dos países citados por Marques, a Food and Drugs Administration (FDA), órgão equivalente à Anvisa, revogou a autorização para o uso emergencial da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 no país.

No caso do Brasil, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina é amplamente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele ordenou que o Laboratório do Exército produzisse os medicamentos e a pressão pela adoção das substâncias custou o cargo de dois ministros da Saúde (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich). Em maio, o Ministério da Saúde, já sob a gestão de Eduardo Pazuello, ampliou a possibilidade do uso da hidroxicloroquina e da cloroquina para pacientes com sintomas leves da covid-19 – até então, elas eram previstas apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais.

Em julho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe dizendo ser “urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19” diante das novas evidências científicas.

Em contato com o Comprova, Marques diz receitar hidroxicloroquina e ivermectina – outra droga sem comprovação contra a doença – aos seus pacientes. “Eu uso a hidroxicloroquina porque ela é segura. Tratei pacientes obesos, hipertensos, diabéticos, grávidas e não tive um caso de insucesso. Quem diz que não pode tem que explicar o porquê. Acho que é um tema mais político do que médico.” E continuou: “A OMS é liderada por um ex-guerrilheiro do partido comunista, que não é médico. Meu respeito por ela é zero”.

Tedros Adhanom, diretor-geral da organização, nunca atuou como guerrilheiro de um partido comunista. Entre 2005 e 2012, foi ministro da Saúde na Etiópia no governo do presidente Girma Wolde-Giorgis, filiado à Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope. A organização política, de esquerda, teve papel fundamental no fim do regime socialista de Mengistu Haile Mariam (de 1974 a 1991).

Vacina

No Brasil, está em teste uma vacina criada pelo Instituto Butantan em parceria com a empresa farmacêutica chinesa Sinovac Biotech e anunciada pelo governo do estado de São Paulo. Os testes foram autorizados pela Anvisa no início de julho. Já havia sido definido que o estudo clínico envolveria nove mil pessoas – metade receberá a vacina e outra metade receberá um placebo para que seja possível comparar a resposta imune. Os participantes foram recrutados pelo governo – entre os pré-requisitos para se candidatar era preciso ser profissional de saúde, estar atuando no tratamento de pacientes com o novo coronavírus, ainda não ter sido infectado e não estar grávida.

Os testes estão sendo realizados em 12 centros de pesquisa de seis estados do país. Os voluntários serão acompanhados durante três meses. Se a imunização se provar segura e eficaz, o Butantan produzirá 120 milhões de doses a partir do início de 2021. Segundo o instituto, nessa fase, a vacina será disponibilizada para todo o país pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Além desta, há a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca em cooperação com o Brasil. Em junho, o Ministério da Saúde brasileiro anunciou ter entrado na parceria para a produção por meio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Segundo comunicado do órgão, serão 100 milhões de doses à disposição da população brasileira quando demonstrada a eficácia da proteção.

Embora haja testes e estudos para o combate ao novo coronavírus, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, afirmou nesta semana que a espera por uma vacina pode ser longa. “Muitas vacinas estão na terceira fase de testes clínicos e todos esperamos que haja várias vacinas eficientes que possam ajudar a prevenir que pessoas sejam infectadas. No entanto, não existe bala de prata no momento — e pode ser que nunca exista”, disse.

Médicos por la Verdad?

A associação que foi chamada de Médicos por la Verdad na Espanha surgiu a partir de um movimento criado na Alemanha que tem o médico Heiko Schöning como um dos líderes. Ela reúne pessoas que acreditam, como Marques, que a pandemia não existe. Uma das profissionais à frente do movimento na Espanha é Natalia Prego Cancelo. Em um dos vídeos em seu canal no YouTube, ela aparece à frente de um protesto com menos de 15 pessoas, gritando “Confinamento, nunca mais”.

Na entrevista para o Comprova, Djalma Marques afirmou ter uma relação com os profissionais envolvidos no Medicos por la Verdad. “Como eu estudei em Barcelona, tenho um contato bastante estreito com médicos que fazem parte”, disse. Sobre uma possível presença da associação no Brasil, ele informou que “ainda não é oficial”.

Por que investigamos?

O Comprova checa informações sobre políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia de covid-19 que tenham viralização nas redes sociais. O vídeo do médico Djalma Marques teve mais de 38 mil visualizações no Instagram até 5 de agosto. No Facebook, a publicação na página do médico foi compartilhada 689 vezes e teve mais de 13 mil visualizações.

Marques e a associação Médicos por la Verdad colocam a saúde da população em risco ao utilizar informações enganosas para sugerir uma possível conspiração relacionada à covid-19 e ao criticar o uso de máscara e ao “lockdown”. Eles também indicam o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da doença, o que vai contra as recomendações da Organização Mundial da Saúde.

O Comprova já publicou verificações desmentindo a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina em diversas ocasiões. Entre as investigações mais recentes estão as da médica que usou informações falsas para falar em cura da doença, a da profissional que citou estudos não conclusivos para sugerir uma conspiração contra a cloroquina e do site que relacionou a baixa mortalidade por covid-19 em Cuba à hidroxicloroquina.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado de forma a induzir a uma interpretação diferente, que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar danos.

Saúde

Investigado por: 2020-08-05

É falso que a Austrália tenha controlado a covid-19 com o uso de ivermectina

  • Falso
Falso
O único tratamento contra a doença aprovado pelo país foi o remdesivir, que só deve ser prescrito para pacientes graves. Antes disso, o país adotou medidas como distanciamento social, higienização das mãos, restrição de viagens e lockdown
  • Conteúdo verificado: Em vídeo publicado nas redes sociais, a médica Cecília Pimenta diz que a Austrália distribuiu ivermectina “para toda a população” e, após isso, os casos de covid-19 começaram a cair

É falso que o governo da Austrália recomendou a toda população que tomasse a ivermectina como medida preventiva contra a covid-19 e que, depois disso, o número de casos no país caiu. A afirmação foi feita em um vídeo viral pela médica Cecília Pimenta. O único tratamento contra a doença aprovado pela Austrália foi o remdesivir, que só deve ser prescrito para pacientes graves. Antes disso, o país adotou medidas como distanciamento social, higienização das mãos, restrição de viagens e lockdown. A Universidade de Monash, que lidera a pesquisa australiana sobre o uso da ivermectina para tratar o novo coronavírus, afirmou ao Comprova que nem sequer iniciou o teste em humanos. Atualmente, a Austrália enfrenta uma segunda onda de infecções.

No vídeo, Pimenta também afirma, erroneamente, que a eficácia do medicamento foi reconhecida pela agência sanitária dos Estados Unidos, a Food And Drug Administration (FDA) – o órgão orientou os pacientes de covid-19 a não tomar ivermectina. A médica também diz que o uso da ivermectina foi responsável por controlar a pandemia na Etiópia, o que já havia sido desmentido pelo Comprova. Por fim, afirma que o remédio já é considerado uma “vacina” contra o novo coronavírus. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porém, não reconhece a eficácia da droga no tratamento da doença.

O Comprova conseguiu falar com Cecília Pimenta e a questionou sobre as fontes das informações que cita no vídeo. Por WhatsApp, ela sugeriu que o Comprova pesquisasse na internet artigos sobre o uso da ivermectina no tratamento da covid-19.

Como verificamos?

O Comprova buscou informações sobre Cecília Pimenta no site do Conselho Federal de Medicina (CFM) e no Google, onde encontrou o número da clínica onde ela atende. A secretária nos deu o contato direto da médica. Também buscamos informações em verificações anteriores do Comprova sobre o uso da ivermectina na Austrália e na Etiópia.

Enviamos e-mail para a médica australiana Kylie Wagstaff, que coordena a pesquisa com ivermectina para combater o novo coronavírus na Universidade de Monash, na Austrália, e para o doutor Thomas Borody, diretor do Centro para Doenças Digestivas, que defendeu o uso da droga pelo governo australiano. Também tentamos contato com o Departamento de Saúde da Austrália, mas não tivemos retorno.

Por fim, procuramos a assessoria de imprensa da Anvisa e os sites das autoridades sanitárias dos Estados Unidos, FDA, e da Austrália, Therapeutic Goods Administration (TGA), em busca de informações sobre o uso da ivermectina nos três países.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 5 de agosto de 2020.

Verificação

Quem é Cecília Pimenta?

Cecília Maria Pimenta é registrada no Conselho Federal de Medicina (CFM) com atuação em Minas Gerais desde 1989. Atualmente, trabalha na cidade de Uberlândia. Em seus vídeos, se apresenta como ginecologista e médica da longevidade, embora não tenha nenhuma especialidade registrada junto ao CFM. Criou um canal no YouTube em novembro de 2019, quando publicou uma palestra feita em uma igreja com o tema “A razão da superação à luz da ciência e da Bíblia”. Todos os outros três vídeos do canal foram postados a partir do dia 22 de junho deste ano e falam sobre o uso da ivermectina para tratar pacientes com covid-19. Em um deles, cita como fonte a médica Lucy Kerr, cujo conteúdo sobre a ivermectina já foi apontado como enganoso pelo Comprova.

No vídeo que viralizou, um homem pediu, nos comentários, que ela indicasse os estudos que comprovam a eficácia da droga. A médica respondeu afirmando que, se ele pesquisasse, encontraria estudos contrários e favoráveis ao uso. “A ivermectina é extremamente segura e tem demonstrado resultados excepcionais em todo o mundo. Trabalhos científicos levam tempo para ser concluídos, não temos tempo”, afirmou.

Questionada sobre as fontes das informações que cita no vídeo, Pimenta afirmou, por WhatsApp, que estudos e pesquisas estão facilmente disponíveis em sites como Google Acadêmico, Scielo e BVS. “Basta você só pesquisar por ‘Ivermectin and COVID 19’ que terá acesso às informações que procura”, disse. Quando o Comprova perguntou se ela poderia indicar os links desses estudos, voltou a sugerir que a reportagem fizesse uma busca no Google. “Tem tudo o que você precisa”, disse.

A ivermectina na Austrália

A pesquisa sobre o possível uso da ivermectina como tratamento do novo coronavírus teve início na Universidade de Monash, na Austrália. Os pesquisadores constataram a eficácia do medicamento em laboratório, mas com uma dosagem superior à recomendada para o uso humano. Em junho, a universidade disse ao Comprova que pacientes com covid-19 não deviam usar a ivermectina como tratamento até que testes clínicos em humanos conseguissem comprovar a eficácia e a dose segura para ingestão.

O Comprova voltou a procurar a instituição em agosto para essa verificação. A doutora Kylie Wagstaff, que coordena a pesquisa com ivermectina na universidade, afirmou por e-mail, que, embora os testes pré-clínicos tenham se mostrado promissores, eles ainda não usaram a ivermectina em humanos. Isso porque a Austrália não tinha muitos pacientes para serem testados até recentemente, quando o país começou a passar por uma segunda onda de infecções. Ela também disse desconhecer a adoção da droga pelo governo do país para enfrentar a pandemia.

Segundo o site da Therapeutic Goods Administration (TGA), autoridade sanitária australiana, até o momento não há remédios ou vacinas comprovados para tratar ou prevenir a covid-19. Em 10 de julho, a TGA aprovou o primeiro tratamento específico para a doença no país, o remdesivir. Mesmo assim, só deve ser aplicado em pacientes hospitalizados com sintomas graves. Em 4 de agosto, o médico australiano Thomas Borody, diretor do Centro para Doenças Digestivas (Centre for Digestive Disease), defendeu que o governo adote a ivermectina como parte de um coquetel para tratar o novo coronavírus. O Comprova enviou e-mail para o doutor Borody para saber se ele receitou a medicação para seus pacientes, mas não teve retorno até o fechamento dessa verificação.

Pandemia na Austrália

A Austrália identificou o primeiro caso de covid-19 em 25 de janeiro, um homem vindo da província de Wuhan, na China. Seis dias depois, o governo determinou que todos os estrangeiros vindos da China passassem por um período de quarentena em outro país antes de serem autorizados a entrar em território nacional. Em fevereiro, as restrições foram ampliadas para a entrada de estrangeiros vindo de outras nações.

No início de março, os australianos registraram a primeira morte pela doença e os primeiros casos de transmissão comunitária do novo coronavírus. A partir daí, medidas mais enérgicas foram adotadas. A Austrália fechou suas fronteiras, impôs medidas de distanciamento social e fechou serviços não essenciais. O país também injetou 17,6 bilhões de dólares australianos (R$ 67 bilhões) em um pacote econômico e investiu outros 2,4 bilhões (R$ 9,1 bilhões) em saúde.

O afrouxamento gradual dessas medidas teve início em maio. Mas, em junho, os australianos passaram a lidar com uma segunda onda de infecções e o governo teve que adotar o lockdown em Melbourne, onde o comércio voltará a ser fechado a partir desta sexta-feira, 6 de agosto. O retorno das sessões presenciais do Parlamento federal, que ocorreria agora em agosto, também foi adiado.

Atualmente, o governo federal australiano mantém restrições de viagem, obrigação de quarentena para pessoas que chegam ao país e orienta os cidadãos a manter medidas de higiene e isolamento em casos de sintomas. Governos locais podem impor barreiras sanitárias. A Austrália também restringiu a venda de hidroxicloroquina e de medicamentos essenciais, como analgésicos, anticoagulantes e antidepressivos, para garantir o suprimento para pessoas que precisam dessas substâncias. Até esta quarta-feira (5), a Austrália tinha registrado 19.445 casos de covid-19 e 257 mortes pela doença, segundo dados da Johns Hopkins University.

O que diz a FDA?

Cecília Pimenta disse que a Food and Drug Administration (FDA), órgão sanitário dos Estados Unidos, reconheceu que a ivermectina funcionou em laboratório para combater o novo coronavírus. O site da FDA, porém, informa que as pessoas não devem tomar a medicação para prevenir ou tratar a covid-19 e cita a pesquisa da Universidade de Monash, mas lembra que “esse tipo de estudo laboratorial é comumente usado nos estágios iniciais do desenvolvimento de remédios” e que “testes adicionais são necessários para determinar se a ivermectina pode ser apropriada para prevenir ou tratar a covid-19”.

A FDA também negou haver uma autorização emergencial para que a droga seja usada por pacientes do novo coronavírus e orientou as pessoas a não consumirem medicamentos de ivermectina feitos para tratar animais.

O que diz a Anvisa?

Em email enviado ao Comprova, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da covid-19 no Brasil. Sobre a ivermectina, a Anvisa disse que “não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento da covid-19, bem como não existem estudos que refutem esse uso”. A agência também lembrou que o uso do medicamento para indicações não previstas na bula é de escolha e responsabilidade do médico que o prescreve.

No dia 22 de julho, a Anvisa determinou que as farmácias devem reter a receita das pessoas que compram ivermectina; o que garante um controle maior à venda da droga no Brasil.

Etiópia

Em julho, o Comprova mostrou ser falso que os países da África tenham controlado a pandemia de covid-19 com a ivermectina. No caso da Etiópia, logo após a confirmação do primeiro caso, em 13 de março, o governo fechou escolas, proibiu aglomerações e pediu à população que adotasse o isolamento social. Em 20 de março, a Etiópia adotou novas medidas, como o fechamento de bares e restaurantes, o cancelamento de voos para dezenas de países e a obrigatoriedade de quarentena para todos os que desembarcassem no país. Em 8 de abril, o governo decretou estado de emergência nacional por causa da pandemia.

A ivermectina não é indicada pelas autoridades sanitárias da Etiópia para a prevenção ou tratamento da covid-19. Segundo o governo, não há medicamento eficaz para os pacientes e a prevenção é o melhor método para controlar o contágio da doença. O país recomenda que os cidadãos lavem as mãos com frequência, evitem tocar o nariz e a boca, usem máscara e mantenham distância das outras pessoas.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica informações sobre as políticas públicas do governo federal e a pandemia de covid-19 que tenham viralizado nas redes sociais. É o caso da vídeo da médica Cecília Pimenta, que teve 11,3 mil visualizações no YouTube e 10,4 mil compartilhamentos no Facebook. A verificação se torna ainda mais importante quando se trata de medicações e tratamentos para o novo coronavírus, porque esses conteúdos podem induzir as pessoas a automedicação e expô-las a riscos de contaminação, por acreditarem que há uma cura comprovada e barata para a doença.

A ivermectina tem sido tema recorrente de desinformação. Além das verificações citadas acima, o Comprova também mostrou que as declarações de médicos têm sido distorcidas para alegar a eficácia da droga no combate à covid-19. Além disso, o Comprova já verificou conteúdos sobre as vacinas testadas no Brasil, o uso de máscaras, e que a cloroquina cura a doença. Também mostrou ser enganoso o uso via retal de ozônio como tratamento.

Falso para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edição para modificar o seu significado original e divulgado de maneira deliberada para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-08-05

Ozonioterapia não tem eficácia comprovada contra a covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Aplicação de ozônio, homeopatia e tratamento com ivermectina anunciados em uma live pelo prefeito da cidade catarinense de Itajaí não tem eficácia comprovada para tratar a covid-19
  • Conteúdo verificado: Prefeito de Itajaí (SC) faz live para anunciar que disponibilizará ozonioterapia à população como forma de tratamento da covid-19. Prefeito também fala da eficácia de homeopatia e ivermectina no combate ao novo coronavírus.

Não há comprovação científica de eficácia dos tratamentos para a covid-19 propostos pelo prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni (MDB). No dia 3 de agosto, em uma live no Facebook, ele anunciou que o município vai passar a oferecer um “ambulatório de ozônio”, onde os pacientes confirmados com a doença poderão realizar a chamada ozonioterapia.

A técnica, que administra uma mistura de oxigênio e ozônio no corpo por diversas vias, porém, não é um consenso na comunidade médica e só tem autorização do Conselho Federal de Medicina para ser aplicada de forma experimental. Por isso, a cidade vai participar de um estudo da Associação Brasileira de Ozonioterapia que vai avaliar a efetividade do tratamento. O ensaio, segundo a prefeitura, também é realizado em outras partes do país e não tem limite de participantes – na prática, portanto, estará disponível a todos os moradores da cidade que estiverem interessados.

O prefeito também mencionou a distribuição de comprimidos de ivermectina e de cânfora — nenhuma das duas substâncias tem comprovação de eficácia contra o novo coronavírus.

Como verificamos?

O Comprova entrou em contato com a Prefeitura de Itajaí para saber os detalhes da medida. Também consultamos Conselho Federal de Medicina (CFM), Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica (SOBOM) e Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB) para entender a utilização das terapias e medicamentos citados no vídeo. Ainda falamos com especialistas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do Instituto Questão de Ciência. Por fim, consultamos os dados da doença junto às secretarias de saúde estadual e municipal.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de agosto de 2020.

Verificação

No vídeo transmitido no dia 3 de agosto, Morastoni disse que a Secretaria Municipal de Saúde estava finalizando os trâmites, junto ao Conselho Nacional de Pesquisa e Ética (Conep), para que a cidade seja incluída em um “protocolo nacional de pesquisa”. “Com isso, nós vamos ser autorizados a usar, a ter um ambulatório de ozônio”, afirmou.

A terapia foi a principal novidade anunciada pelo político, que ainda detalhou o tratamento: “Para esses casos [de diagnóstico positivo da covid-19, com sintomas], além da ivermectina, além da azitromicina, além de tudo mais, além da cânfora, nós também vamos oferecer o ozônio. É uma aplicação simples, rápida, de dois a três minutinhos por dia. Provavelmente vai ser uma aplicação via retal, que é uma aplicação tranquilíssima, rapidíssima, de dois minutos, num cateter fininho, e isso dá um resultado excelente. Nós vamos, em breve, estar implantando isso também. E, aí, a pessoa tem que fazer durante 10 dias seguidos — são 10 sessões de ozônio […] e isso ajuda muitíssimo nos casos, provavelmente, nos casos de coronavírus positivos.”

Ozonioterapia

Em 20 de abril de 2018, o Conselho Federal de Medicina tornou a ozonioterapia “procedimento experimental”. Com isso, determinou que ela só pode ser realizada “em instituições devidamente credenciadas” e sob o escopo de estudos. Sua aplicação deve seguir critérios definidos pela Conep. Uma das regras é que a aplicação da ozonioterapia não pode ser cobrada.

O CFM define a ozonioterapia como técnica de aplicação de uma mistura dos gases oxigênio e ozônio, por diversas vias de administração, com finalidade terapêutica. As principais são: endovenosa, retal, intra-articular, local, intervertebral, intraforaminal, intradiscal, epidural, intramuscular e intravesical.

O estudo em Itajaí será coordenado pela Associação Brasileira de Ozonioterapia (ABOZ), que faz lobby pela regularização da terapia junto ao Conselho Federal de Medicina . O CFM analisou 26 mil trabalhos sobre o tema e classificou-os como “incipientes”. Entendeu que “seriam necessários mais estudos com metodologia adequada e comparação da ozonioterapia a procedimentos placebos, assim como estudos comprovando as diversas doses e meios de aplicação de ozônio”.

O Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC) emitiu nota nesta terça-feira, 4, na qual reforça que todo tratamento — não só para covid-19 — deve ser validado pelo CFM e que este já emitiu parecer restringindo a prática da ozonioterapia a estudos experimentais. “A norma federal também deixa claro que o seu uso benéfico em tratamentos clínicos ainda está longe de ser uma unanimidade positiva, já que o volume de estudos e trabalhos científicos adequados sobre a prática ainda é incipiente e não oferece as certezas necessárias. Esse assunto exige mais pesquisa em busca de conhecimento sobre o tema.”

Ozonioterapia e a covid-19

Desde abril, a possibilidade de uso da ozonioterapia como tratamento complementar de pacientes com covid-19 vem sendo discutida no Brasil, por meio do Projeto de Lei 1383/20, da deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF). A proposta da parlamentar é que o tratamento seja uma possibilidade, aplicada conforme indicação médica em cada caso e de forma complementar. O texto foi alvo de discussão em uma comissão externa da Câmara dos Deputados no começo de julho. Na ocasião, defensores da terapia alegaram que seria capaz de reduzir a gravidade e o tempo de duração da infecção pelo SARS-CoV-2, com possibilidade de diminuição dos custos do tratamento em até 80%. Representantes do CFM que participaram do debate, porém, afirmam que as evidências clínicas defendidas não são consideradas pela entidade e que não há reconhecimento da ozonioterapia como especialidade médica.

Procurado pelo Comprova, o Ministério da Saúde também reafirmou que “de acordo com nota técnica publicada em abril deste ano, o efeito da ozonioterapia em humanos infectados por coronavírus (Sars-Cov-2) ainda é desconhecido e não deve ser recomendado como prática clínica ou fora do contexto de estudos clínicos”.

O Comprova entrou em contato com a presidente da Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica (Sobom), Maria Emília Gadelha Serra. A médica enviou um ofício, encaminhado em 3 de agosto ao Ministério da Saúde, solicitando a inclusão de dois hospitais de Porto Alegre em um estudo clínico sobre o uso da ozonioterapia em pacientes com covid-19. O estudo já foi aprovado pela Comissão Brasileira de Ética em Pesquisa e tem registro da participação de 10 centros de pesquisa no país, inclusive a Fundação Oswaldo Cruz, mas ainda não foi iniciado. O ensaio vai recrutar 150 participantes.

Sobre as evidências científicas dos benefícios da ozonioterapia, Gadelha disse que há vários artigos publicados na literatura internacional dos últimos 70 anos. Perguntada sobre os resultados obtidos em outros estudos que coordena e para os quais recebeu aprovação do Conep, a pesquisadora disse apenas que foram protocolados recentemente.

Segundo o prefeito de Itajaí, o município vai fazer parte de uma pesquisa para que tenha autorização para montar um “ambulatório de ozônio”. Ao contrário do que sugere um protocolo de pesquisa, porém, o chefe do executivo municipal disse que a terapia vai estar disponível para todos os habitantes da cidade que testarem positivo para a covid-19: “ivermectina, cânfora, ozônio e tudo mais que nós formos descobrindo e sabendo que pode ajudar, nós vamos colocar à disposição da nossa população”, afirmou, na transmissão ao vivo.

Em uma nota publicada no site da prefeitura e enviada ao Comprova, a prefeitura diz que o estudo está sendo realizado em outros hospitais e ambulatórios do país, com os mesmos protocolos que ainda não tem data para ser implementados na cidade. “Os pacientes poderão participar da pesquisa de forma voluntária, desde que preencham os requisitos do estudo e assinem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da Pesquisa. Todas as informações serão fornecidas pela equipe da pesquisa. O estudo recomenda que o protocolo seja aplicado em, no mínimo, 142 pacientes”, diz, ainda, o texto divulgado pela prefeitura.

O Comprova contatou a Associação Brasileira de Ozonioterapia, responsável pelo estudo que será realizado na cidade, mas não recebeu retorno até o fechamento desta verificação.

Perguntamos à presidente da SOBOM sobre a possibilidade de utilização da terapia de forma ampla, como anunciada pelo prefeito, ao invés de definir um grupo claro de estudo. Segundo ela, seria um caso de utilização “off-label”, que necessita de autorização do paciente em um “termo de consentimento livre e esclarecido para uso não estabelecido em bula de medicamentos”.

Para Luiz Gustavo de Almeida, microbiologista formado pelo Instituto de Ciências Biomédicas USP e coordenador dos Projetos Educacionais do Instituto Questão de Ciência, a terapia é uma repetição de outros tratamentos propostos durante o curso da pandemia do novo coronavírus. “É a mesma história de todos os outros remédios. A gente testa em laboratório, ele funciona na cultura de células. E as pessoas dão um salto para aplicar isso para pessoas. O ozônio mata vírus e bactérias, tanto que é usado para higienizar laboratórios. Agora, você assume que dentro do corpo da pessoa ele vai ter o mesmo funcionamento. Ele, inclusive, pode fazer mal para as nossas células, dependendo da forma como reage dentro do corpo”, afirmou em entrevista ao Comprova. E completou: “Antes que se faça os testes necessários para saber se esse tratamento funciona em humanos, você já está dando para as pessoas”.

Em abril, o Instituto já alertava para a ineficácia do tratamento com ozônio nos casos de covid-19. Na ocasião, uma clínica nos Estados Unidos foi proibida de oferecer a terapia. Por lá, a Food and Drug Administration (FDA, órgão equivalente à Anvisa no Brasil) considera o ozônio um “gás tóxico e sem aplicações médicas conhecidas em terapias específicas, complementares ou preventivas”.

No dia seguinte à live, 4 de agosto, o Ministério Público enviou uma recomendação à prefeitura de Itajaí para que não seja fornecido o tratamento à base de ozônio. Pelo site oficial, porém, o Executivo informou que “esta ação não se trata da distribuição de ozônio como forma de tratamento, mas sim da participação em um estudo multicêntrico da Associação Brasileira de Ozonioterapia, aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde, que irá avaliar cientificamente o impacto do uso desta técnica no tratamento de pacientes com COVID-19”

Ivermectina

Outro elemento do protocolo adotado em Itajaí no combate à covid-19 e mencionado na live é o uso da ivermectina. A prefeitura iniciou a distribuição massiva da ivermectina para a população em 7 de julho. O prefeito publicou um vídeo em sua página no Facebook no qual diz que a intenção é “ajudar na prevenção ao contágio e na diminuição dos sintomas no tratamento de pacientes com covid-19”. Em 31 de julho, a prefeitura anunciou que 126 mil pessoas já haviam aderido ao programa municipal e que haviam sido distribuídos 1.584.455 comprimidos do medicamento. Neste intervalo, os casos cresceram 75,2% e os óbitos, 113,3%, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde.

A ivermectina é um remédio utilizado há muito tempo na cura de doenças parasitárias como piolho e sarna. Há alguns anos, cientistas descobriram que ela tem efeito inibidor in vitro em alguns vírus, como o da dengue, da gripe e o HIV. Por isso, um grupo de cientistas australianos da Universidade Monash testou seu efeito no SARS-CoV-2 e descobriu que o medicamento possui o mesmo efeito: eliminou todo o coronavírus presente em uma cultura de células em até 48h.

Isso não quer dizer que a ivermectina tenha eficácia comprovada no tratamento da covid-19. Muitas drogas têm efeito positivo em laboratório, mas o resultado não é replicado quando se passa para seres vivos (chamado in vivo), explica Lucile Maria Floeter Winter, diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Segundo ela, os testes in vitro são apenas o primeiro passo, pois nem sempre é possível atingir a dosagem ideal in vivo — isso é, quando a fisiologia do organismo infectado está ativa. “O organismo íntegro pode, por exemplo, metabolizar a substância, fazendo que a dose ideal não atinja o alvo, ou mesmo que esse alvo não seja acessível ao composto por alguma outra razão biológica.”

A própria Universidade de Monash explica que “a ivermectina não pode ser usada em humanos para o tratamento da covid-19 até que sejam feitos testes clínicos que comprovem a sua eficácia em dosagens seguras”.

Na live, o prefeito citou a médica Lucy Kerr, defensora do uso da ivermectina no tratamento de pacientes com a covid-19. O Comprova verificou um vídeo em que ela defendia o uso do medicamento em maio e concluiu que as informações são enganosas.

Tratamento homeopático

Outra substância mencionada pelo prefeito na live foi a cânfora (Camphora officinalis), usada na cidade de forma preventiva e no tratamento dos pacientes com diagnóstico confirmado do novo coronavírus. A Prefeitura de Itajaí anunciou a distribuição do remédio homeopático para a população no final de abril. Até meados de julho, mais de 93 mil frascos de cânfora foram distribuídos no município. Em 17 de julho, a prefeitura divulgou os resultados de uma enquete feita com 1.171 pessoas. Os dados, segundo o município, sugerem uma “redução da gravidade” da doença e um índice de mortalidade menor. A comparação, porém, não leva em conta que apenas 3,7% dos que responderam ao questionário testaram positivo para o novo coronavírus.

Segundo o protocolo desenvolvido pela Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB), a homeopatia deve ser vista como “uma terapia complementar, que além de auxiliar a melhora física, atua na vitalidade emocional dos pacientes” e que “o tratamento homeopático deve ser aliado ao alopático”, ou seja, à medicina tradicional. Para o doutor Luiz Darcy Siqueira, presidente da entidade, a homeopatia não cura a covid-19. Ela trata o paciente, ajudando no seu restabelecimento e na resposta à doença.

Um estudo preliminar feito pela AMHB listou cinco medicamentos homeopáticos para serem usados em pacientes de covid-19: Arsenicum album, Bryonia alba, China officinalis, Chininum arsenicosum e Phosphorus; sem menção à Camphora officinalis. A entidade, porém, diz que o levantamento da Prefeitura de Itajaí é parte de um estudo da Associação Médica Homeopática de Santa Catarina, com acompanhamento da AMHB. Segundo Siqueira, os compostos podem ajudar na prevenção, mas pacientes com casos graves devem ser encaminhados aos hospitais. A AMHB aguarda autorização do poder público para dar início a um estudo clínico no Hospital Regional de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

De acordo com o microbiologista Luiz Gustavo de Almeida, é preciso lembrar que não há comprovação de que a homeopatia funciona no tratamento da covid-19 e de outras enfermidades. “É preciso ter muito cuidado com esse tipo de tratamento. Você pode dar falsas esperanças para as pessoas ao oferecer um medicamento que não tem eficácia comprovada. As pessoas podem se sentir mais seguras por estarem fazendo um tratamento profilático, saírem de casa e se contaminar”, adverte. Ele lembra que, em Itajaí, há um número elevado de pessoas contaminadas com o novo coronavírus. “As pessoas acreditam nessa voz de autoridade do prefeito, que é médico, e relaxam justamente as ações que a gente sabe que funcionam, como o distanciamento social, para apostar nessas medidas. Não é nem só uma questão de perda de tempo. Você pode estar fazendo um mal para a população”, alerta.

O prefeito de Itajaí

Volnei José Morastoni (MDB) é médico desde 1979, com especialização em pediatria, pela Universidade Federal do Paraná. Teve registros no Conselho Regional de Medicina do Paraná e depois em Santa Catarina, conforme o portal do Conselho Federal de Medicina. Está em situação regular para exercer a medicina, segundo o órgão.

É prefeito pela segunda vez de Itajaí (2005-2008 e 2017-2020), cidade de 219,5 mil habitantes localizada no Litoral Norte de Santa Catarina. Foi também deputado estadual e presidiu a Assembleia Legislativa de Santa Catarina entre 2003 e 2004. Morastoni é simpatizante do cardiologista e nutrólogo Lair Ribeiro, que prega práticas alternativas na medicina, com quem já fez uma especialização.

No discurso de posse para o atual mandato, em 2 de janeiro de 2017, apontou como prioridade resgatar um antigo projeto da prefeitura, chamado de Centro de Práticas Integrativas e Complementares, dedicado a oferecer modalidades alternativas de tratamento aos pacientes, que incluem homeopatia, acupuntura, relaxamento e métodos terapêuticos orientais. Esse centro havia sido criado em 2008, quando ele foi prefeito pela primeira vez, ainda pelo PT, e, segundo a prefeitura, nasceu amparado na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, do SUS, aprovada dois anos antes.

Não é a primeira polêmica em que Morastoni se envolve ao defender o uso de homeopatia na rede pública. Em 2017, ele lançou um projeto pioneiro para tratar dependentes de cocaína e crack utilizando composto feito a partir da folha da coca. Embora esse projeto tenha contado com apoio da Universidade do Vale do Itajaí e do Conselho Federal de Medicina, além de ter recebido recursos do Ministério da Saúde, foi criticado por especialistas do setor, como do Instituto Questão de Ciência.

A pandemia na cidade

Conforme a Prefeitura de Itajaí, até a noite do dia 03 de agosto havia 3.648 casos confirmados de covid-19 na cidade e 105 mortes. Dados do governo de Santa Catarina, no entanto, mostravam 3.823 diagnosticados com a doença até a mesma data

As medidas envolvendo homeopatia e ivermectina não geraram efeitos sobre a ampliação do contágio e número de mortes na cidade.

A distribuição de homeopatia, começou em 29 de abril. Nessa época, Itajaí tinha 86 casos confirmados para covid-19 e 3 mortes, segundo a prefeitura e o estado. A ivermectina começou a ser distribuída em 7 de julho, quando a cidade já registrava pouco mais de 2,1 mil casos de covid-19 e 45 mortes. Portanto, havia 25 vezes mais pacientes diagnosticados do que em 29 de abril e 15 vezes mais óbitos.

Desde que a ivermectina começou a ser distribuída até 03 de agosto, quando o prefeito anunciou o tratamento com ozônio, houve um aumento de 80% nos casos diagnosticados e 124% no total de óbitos na cidade, segundo a Secretaria de Estado da Saúde.

!function(){“use strict”;window.addEventListener(“message”,(function(a){if(void 0!==a.data[“datawrapper-height”])for(var e in a.data[“datawrapper-height”]){var t=document.getElementById(“datawrapper-chart-“+e)||document.querySelector(“iframe[src*='”+e+”‘]”);t&&(t.style.height=a.data[“datawrapper-height”][e]+”px”)}}))}();

Os dados foram extraídos dos boletins diários da prefeitura e dos boletins do governo do Estado

Itajaí é referência em atendimento médico aos municípios da região de saúde do SUS conhecida como Foz do Rio Itajaí, que concentra 11 cidades com população estimada em 2019 de 715 mil habitantes, segundo o IBGE. No entanto, de acordo com relatórios produzidos pelo governo de Santa Catarina para orientar os prefeitos a tomarem medidas contra o avanço do novo coronavírus, essa região é a mais crítica do estado em número de casos de covid-19, lotação de leitos e medidas de isolamento ou distanciamento social.

Desde 30 de maio, a ocupação dos leitos de terapia intensiva na região tem preocupado a população. E desde 23 de junho apresenta o quadro mais crítico entre as 16 regiões de saúde de Santa Catarina, devido à baixa taxa de isolamento social, lotação dos leitos do SUS (que ultrapassou 90%) e testagem insuficiente da população, segundo critérios definidos pelo governo do Estado. É a região com mais mortes em Santa Catarina: 267, conforme o governo estadual. Até a última segunda-feira, 4, concentrava um em cada cinco óbitos registrados no estado.

Por que investigamos?

O Comprova checa informações sobre políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia de covid-19 que tenham alta viralização nas redes sociais. A possibilidade de aplicação da ozonioterapia como tratamento da covid-19 se tornou um dos assuntos mais comentados do dia.

No momento em que o Brasil se aproxima de 100 mil mortos pela doença, aumenta a expectativa por uma cura. Com isso, o protocolo medicamentoso específico de algumas cidades ou até países chama a atenção. Tanto Cuba quanto Senegal já foram alvo de desinformação em textos que relacionavam a prescrição da cloroquina e da hidroxicloroquina com o sucesso dos países no combate ao novo coronavírus.

A Organização Mundial da Saúde afirma que até o momento não há tratamento que cure a doença. Os medicamentos atualmente prescritos servem para aliviar os sintomas.

Até o fechamento deste texto, o vídeo original da live, no Facebook da Prefeitura de Itajaí, acumulava mais de 16 mil visualizações e centenas de comentários. No Twitter, trechos do vídeo que falam do tratamento — muitas vezes, de modo irônico — também viralizaram. Uma única postagem tinha mais de 9 mil curtidas. A utilização da ozonioterapia foi alvo de matérias do UOL, Estadão, Folha, G1 e até dos veículos britânico The Guardian e do português tvi24.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde com ou sem a intenção de causar dano.