O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
Filtro:

Saúde

Investigado por: 2020-06-19

Uso da cloroquina não explica a situação da pandemia no Senegal

  • Enganoso
Enganoso
Post verificado pelo Comprova selecionou e tirou de contexto trechos de entrevista em que um médico senegalês elogia a cloroquina e omite as partes em que ele fala que o sucesso no combate à pandemia no Senegal se devia a vários pontos, como distanciamento social, uso de máscara e fechamento das fronteiras, e não apenas ao uso da hidroxicloroquina
  • Conteúdo verificado: Publicação feita pelo site PlenoNews no dia 21 de abril com o título “Senegal usa cloroquina desde 1º caso e tem apenas 5 mortes”. A matéria foi compartilhada pelo pastor e deputado federal Marcos Feliciano no dia 16 de junho

Uma publicação do site PlenoNews circula nas redes sociais afirmando que o Senegal teria usado cloroquina desde o primeiro caso de covid-19 e, por isso, teria apenas cinco óbitos e uma taxa de mortes por milhão menor que a da Coreia do Sul até o dia 21 de abril. O post viralizou após compartilhamento, no dia 16 de junho, pelo pastor e deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP). O texto cita como fonte uma entrevista do médico senegalês Moussa Seydi para a revista francesa Marianne.

O post é enganoso porque selecionou e tirou de contexto trechos da entrevista em que o médico elogia a cloroquina. Na mesma entrevista, Seydi afirma, no entanto, que a explicação para o, até então, sucesso no combate à pandemia no Senegal se devia a vários pontos, como distanciamento social, uso de máscara e fechamento das fronteiras, e não apenas ao uso do medicamento hidroxicloroquina.

Na mesma entrevista, o médico senegalês defendeu estudos clínicos com a droga que estavam sendo realizados à época. “Se eles [os resultados] forem confirmados a longo prazo, tanto melhor, continuaremos. Caso contrário, vamos parar”, afirmou sobre os testes Solidariedade, da OMS, e o Discovery, da União Europeia. De acordo com a OMS, os dois testes já mostraram que a hidroxicloroquina não apresenta redução na mortalidade.

Além disso, no momento em que a publicação voltou a ganhar destaque com o compartilhamento de Marco Feliciano, em 16 de junho, os números da pandemia no Senegal já não eram os mesmos do texto original, de 21 de abril. Naquela data, o Senegal tinha 377 casos confirmados e um total de cinco óbitos. Já em 16 de junho, o país africano passou para 5.090 casos confirmados e total de 60 mortes. Aumento de aproximadamente 1.250% no número de casos e de 1.100% na quantidade de óbitos.

Como verificamos?

O primeiro passo foi procurar a entrevista original. Com uma busca simples no Google, foi possível encontrar o texto, publicado em 17 de abril de 2020 no site da revista francesa Marianne.

Em seguida, tentamos descobrir se o entrevistado realmente era médico. Para isso, fizemos pesquisas no Google e encontramos diversas reportagens com Seydi publicadas em diversos meios de comunicação, como a France24 e o The Africa Report. Também encontramos uma entrevista concedida pelo médico para o Ministério da Saúde do Senegal.

Ao mesmo tempo, procuramos Moussa Seydi no Facebook e no LinkedIn. Lá concluímos que ele é coordenador no Centre Hospitalier National Universitaire de Fann, nas proximidades da capital do país, Dakar. Entramos em contato com um jornalista senegalês, que nos confirmou que Seydi comanda a resposta à pandemia no país. Esse jornalista nos passou o contato de Seydi e pudemos conversar com ele por WhatsApp.

Após entrar em contato com o médico, confirmamos os dados de contaminações e óbitos nos dois países citados na matéria do site brasileiro: Senegal e Coreia do Sul. Consultamos as bases de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Universidade Johns Hopkins porque ambas são referência no assunto.

Com base na entrevista de Seydi para a revista Marianne, fomos atrás dos estudos Solidariedade e Discovery, citados pelo médico para saber qual o status e a qual conclusão teriam chegado.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 19 de junho de 2020.

Verificação

A entrevista original, concedida à revista Marianne é verdadeira. Contudo, a publicação brasileira analisada pelo Comprova selecionou apenas trechos desta entrevista nos quais o médico faz elogios à hidroxicloroquina. Assim, a publicação é enganosa porque não incluiu as partes da entrevista em que o médico expõe outras medidas adotadas pelo Senegal para o combate à pandemia, como o isolamento social, e tampouco as partes em que ele fala sobre a necessidade de mais testes clínicos para avaliar a eficácia do medicamento.

Questionado sobre os números baixos de mortos e casos, Seydi disse: “A explicação pode conter vários pontos. Primeiro, houve fortes medidas desde o início para fechar as fronteiras, o que impediu a proliferação de casos importados de covid-19. A proibição de grandes reuniões, como as orações de sexta-feira, também nos permitiu reduzir imediatamente o fluxo de novos casos.”

Ele ainda citou que a população senegalesa é jovem e, por isso, seriam poucos os pacientes em estado grave. “No entanto, temos preocupações com a multiplicação de casos comunitários. Esse é um perigo iminente que deve ser cuidadosamente monitorado”, acrescentou.

Uso da hidroxicloroquina

Na mesma entrevista, o médico defendeu o uso da hidroxicloroquina. “Em 19 de março, implementamos um protocolo de tratamento para os pacientes menos graves com tratamento com hidroxicloroquina. Tratamento em que, no momento, observo bons resultados em relação à redução da carga viral.”

Seydi é defensor da hidroxicloroquina. Segundo ele, o medicamento já era amplamente conhecido no país porque é utilizado para tratar a malária, doença com grande incidência no continente africano. “Tenho um produto em minhas mãos que não considero perigoso para meus pacientes. E eu posso usá-lo para tratar os doentes em caso de emergência, então eu uso. Tudo deve ser feito para que a luta contra a epidemia seja bem-sucedida.”

O antimalárico entrou no debate da pandemia após o cientista francês Didier Raoult publicar um estudo no qual afirmava que ele curaria a covid-19. Raoult cresceu em Dakar, capital do Senegal, e atualmente comanda um centro de pesquisas em Marselha, na França. Conhecido por sua heterodoxia, ele é crítico do meio científico e coleciona polêmicas. Entre elas, seu estudo com a hidroxicloroquina. Após ser publicado, outros especialistas franceses o criticaram pelo baixo número de pacientes – 36, dos quais apenas 20 foram tratados com o medicamento.

O estudo de Didier Raoult inicialmente contava com 26 pacientes tratados com a hidroxicloroquina. Os seis restantes foram retirados do relatório final porque interromperam o tratamento: um por sentir náuseas, três por terem ido para a UTI, um morreu e outro deixou de comparecer ao hospital. Dentre os 16 pacientes que não tomaram a droga, 14 testaram positivo para o vírus ao final do período de seis dias – embora o relatório inicial diga que cinco deles não tiveram seus dados coletados.

Além disso, o estudo tinha discrepâncias como a idade dos participantes e pacientes que foram tratados fora do hospital de Didier, onde o protocolo de atendimento pode ter sido diferente. Por fim, um dos pacientes tratado com a combinação hidroxicloroquina + azitromicina foi dado como curado, mas na verdade continuava com a doença.

“Este estudo tem falhas e imperfeições, mas achei seus resultados interessantes”, disse o senegalês Seydi à Marianne. Ele falou que o estudo do francês tem problemas, mas que outros estudos que o contestaram também tinham. Por isso, seria preciso esperar o resultado de outros testes, mais abrangentes, para saber o real benefício da hidroxicloroquina. Seydi cita os estudos Solidarity, da OMS, e o Discovery, da União Europeia. “Estes serão estudos certamente mais bem documentados. Isso nos permitirá questionar nossas atitudes e, assim, julgar se elas são condenáveis ​​a nível científico.”

Estudos não encontraram efeito positivo da hidroxicloroquina

“Se eles [os resultados] forem confirmados a longo prazo, tanto melhor, continuaremos. Caso contrário, vamos parar”, afirmou o médico senegalês em abril. Desde então, o projeto Solidariedade anunciou que os testes com a hidroxicloroquina foram suspensos porque não foram encontradas evidências de eficácia. De acordo com a OMS, os dados do próprio Estudo Solidariedade, do projeto Recovery, do Reino Unido, e também do projeto Discovery — que foi citado por Seydi — mostraram que o tratamento com a hidroxicloroquina não apresentava redução na mortalidade dos pacientes.

Ao ser questionado pelo Comprova em relação aos estudos, Seydi afirmou que nem o Solidariedade, nem o Discovery utilizaram o protocolo proposto pelo médico Didier Raoult. Seydi enviou um link de uma entrevista que ele concedeu ao site senegalês Dakaractu afirmando que o uso da hidroxicloroquina em conjunto com o antibiótico azitromicina poderia diminuir o tempo de internamento de 13 para 10 dias. “Por enquanto, vamos utilizar apenas os nossos estudos. Nós também vamos começar um ensaio clínico randomizado próprio”, disse Seydi.

Números da infecção

A publicação original, feita no dia 21 de abril, afirmava que o Senegal tinha registrado apenas 5 óbitos – o que resultaria em uma mortalidade de 0,3 a cada 1 milhão de habitantes. O texto comparava esse número aos da Coreia do Sul, afirmando que os sul-coreanos teriam cinco mortes a cada 1 milhão de habitantes.

Os dados da Organização Mundial da Saúde mostram que, em 21 de abril, o Senegal realmente tinha registrado apenas cinco óbitos e, considerando a população de 15,8 milhões de habitantes, tinha 0,3 mortes a cada 1 milhão de habitantes. Já a Coreia do Sul, com sua população de 51,6 milhões de habitantes, tinha 237 mortes, uma taxa de 4,6 mortes a cada 1 milhão de habitantes.

Até então, os números da publicação estavam corretos. No entanto, é importante ressaltar, também, que a pandemia do novo coronavírus começou em momentos diferentes nos dois países. A Coreia do Sul registrou o primeiro caso no dia 20 de janeiro, enquanto o Senegal só registrou a primeira infecção 42 dias depois, em 2 de março. Essa diferença ajuda a explicar a diferença entre os números.

Mesmo assim, o texto voltou a ganhar destaque depois que foi compartilhado pelo pastor e deputado federal Marco Feliciano no dia 16 de junho. Nessa data, 25 dias depois da publicação original, o Senegal já tinha registrado um aumento de mais de 1.100% no número de casos e de óbitos pela covid-19 – chegando a 5 mil casos e 60 mortes. Esses valores mostram que o país tinha 32 casos e 3,8 mortes a cada 1 milhão de habitantes.

Já a Coreia do Sul, também até o dia 16 de junho, teve um aumento de apenas 13,7% nos casos e 17% dos óbitos – chegando a 12.155 confirmados e 278 mortes no total. Isso significa que o país tinha 23 casos e 5,3 mortes a cada 1 milhão de habitantes. Entre os dias 21 de abril e 16 de junho, a evolução da doença no país africano foi muito mais expressiva do que no país asiático.

Para obter o número de mortes por milhão de habitantes, basta dividir o número de óbitos pela quantidade de habitantes e, depois, multiplicar o resultado por 1 milhão.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos sugeridos pelos leitores que tenham muita viralização. O texto investigado aqui, que também já foi checado pelo Boatos.org, teve, de acordo com a ferramenta de monitoramento CrowdTangle, quase 700 mil interações no Facebook, número impulsionado pelo compartilhamento feito pelo deputado Marco Feliciano.

No caso da pandemia causada pelo novo coronavírus, os conteúdos falsos e enganosos prejudicam o debate público, atrapalham os esforços de autoridades no assunto e, no limite, podem provocar danos a quem seguir determinadas recomendações.

Enganoso para o Comprova é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado, que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor. Pode ser, também, o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Desde o início da pandemia, esta é a oitava verificação envolvendo a hidroxicloroquina, medicamento cujo uso contra a covid-19 foi politizado após manifestações do presidente Jair Bolsonaro e do presidente dos EUA, Donald Trump, em favor de sua utilização. Trump afirmou, inclusive, que tomou hidroxicloroquina. Até o momento, não existem evidências científicas robustas que comprovem a eficácia no tratamento da covid-19.

Neste contexto, o Comprova verificou, por exemplo, postagens que enganavam a respeito do uso da droga em um hospital do Piauí e outro que confundia ao acusar cientistas brasileiros de deliberadamente usarem doses letais de cloroquina em testes para prejudicar o governo.

Saúde

Investigado por: 2020-06-19

Vídeo engana ao afirmar que vírus da covid-19 existe desde 2003

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo mostra reportagem da revista "Saúde É Vital" de 2003, que trata do vírus que causou o surto da Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars, na sigla em inglês) há 17 anos – e não do Sars-Cov-2, ou novo coronavírus, que causa a covid-19
  • Conteúdo verificado: Um vídeo publicado no YouTube com o título “Ainda não dá para respirar aliviado”.

É enganoso o vídeo que circula nas redes sociais com a afirmação de que o vírus que provoca a covid-19 existe desde o início dos anos 2000. O autor da gravação, que viralizou a partir de uma repostagem no YouTube do dia 22 de março, mostra a capa e as páginas de uma reportagem da revista “Saúde É Vital” de 2003. Diferentemente do que a pessoa diz, a matéria, com o título “Ainda não dá para respirar aliviado”, trata do vírus que causou o surto da Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars, na sigla em inglês) há 17 anos – e não do Sars-Cov-2, ou novo coronavírus, que causa a covid-19.

Em março, logo depois que o vídeo viralizou pela primeira vez, o portal “Veja Saúde”, lançado em maio a partir da união das revistas “Saúde É Vital” (que não circula mais) e “Veja”, da editora Abril, publicou um comunicado em que esclarece o erro. A mensagem ainda afirma que o vídeo “pode levar a conclusões erradas”.

O Comprova conversou, por telefone, com Luiz Claudio Rocha de Carvalho, divulgador musical conhecido como Lula Zeppeliano. Foi a partir da repostagem que ele fez do vídeo que o conteúdo viralizou pela segunda vez. À época, Carvalho foi avisado sobre o material enganoso e achou que tivesse retirado o vídeo do ar. Logo após a entrevista com o Comprova, ele retirou o post de sua página no YouTube.

Como verificamos?

O Comprova utilizou a ferramenta CrowdTangle, que avalia desempenho de postagens em redes sociais, para ver quantas vezes o vídeo do canal havia sido replicado no Facebook. O mesmo procedimento foi aplicado ao TweetDeck, que permite buscas mais amplas dentro do Twitter.

Além disso, também pesquisamos nas plataformas se o vídeo havia sido publicado de forma independente, ou seja, em outras páginas sem o link para o canal de Lula Zeppeliano — assim, conseguimos levantar que todas as postagens foram feitas após a divulgação no Youtube.

Uma rápida busca no Google levou o Comprova a encontrar uma publicação da editora Abril esclarecendo sobre a viralização da reportagem “Ainda não dá para respirar aliviado”, da revista “Saúde É Vital”, publicada em 2003 sobre o surto da Sars, doença causada por um vírus da família dos coronavírus.

Assistindo a vídeos do canal de Zeppeliano, reparamos que a voz dele não era compatível com a narração do vídeo que apresenta a reportagem de 17 anos atrás. Assim, percebemos que ele poderia não ser o autor original do conteúdo. Entramos em contato por meio de redes sociais e fizemos uma entrevista por telefone, em 19 de junho, questionando onde obteve o vídeo.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 19 de junho de 2020.

Verificação

O autor da postagem no Youtube apresentava o vídeo apenas no canal, sem divulgação em outras redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram — as duas primeiras registraram viralização mais expressiva do conteúdo. Apesar do tom de denúncia das postagens, diversos comentários alertavam para o fato de o nome coronavírus se referir a uma família de agentes virais e não ao específico que causa a covid-19.

Outras mensagens adotaram tom conspiratório. Em uma das postagens que replicou o vídeo, o autor de uma página do Facebook escreveu: “Novo vírus Chines é bem Velho é de 2003 e mídia esconde. Reportagem da Revista Saúde de 2003 prova que a Mídia está manipulando e enganaNdo o mundo. A OMS Organização Mundial de Saúde” [sic].

Nessa publicação, o vídeo original é apresentado com a seguinte legenda: “A mega fraude. ONU, OMS e mídia mentem sobre o ‘novo vírus chinês’. Corona é de 2003”. Nos comentários, um internauta alerta para o fato de a informação ter sido desmentida pela própria revista “Saúde É Vital”.

Revista diz que vídeo leva a conclusões erradas

No site oficial da revista “Saúde É Vital”, da editora Abril, não é possível encontrar edições anteriores a 2015. Contudo, o vídeo postado no Youtube permite leitura parcial do conteúdo. No primeiro parágrafo é possível entender que o coronavírus descrito na matéria intitulada “Ainda não dá para respirar aliviado” é o que provoca a Síndrome Respiratória Aguda Severa, a Sars (sigla em inglês).

Na reportagem, a doença é tratada como “pneumonia asiática”. O texto debate a possibilidade da chegada da Sars no Brasil, o que poderia, segundo especialistas ouvidos, provocar surtos nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

A segunda página da matéria tem um box sobre uma imagem do mapa-mundi e dicas de especialistas para “escapar da doença”. Como é comum no caso de infecções virais, a principal recomendação era manter hábitos de higiene. Também era aconselhado usar máscaras e evitar locais de grande aglomeração.

A editora Abril publicou um texto em março deste ano no qual esclarece que o vídeo em que um homem filma a reportagem de uma edição de 2003, e insinua se tratar da covid-19, “pode levar a conclusões erradas”.

O texto, segundo a revista, discute as ameaças de um tipo específico do coronavírus diferente do que provoca a pandemia em 2020. O veículo reforça que o agente infeccioso debatido no texto é o que causou o surto de Sars, ou Síndrome Respiratória Aguda Severa, há 17 anos. Ou seja, diferente do mais novo tipo de coronavírus, o Sars-Cov-2, que causa a covid-19.

Ao contrário do surto da Sars de 2003, a covid-19, descoberta em dezembro passado, se espalhou por todo o mundo. A publicação ressalta que a família dos coronavírus é conhecida desde meados de 1960, e que os vírus são diferentes entre si.

O post que mais viralizou

Foi a partir da postagem de Luiz Claudio Rocha de Carvalho, conhecido como Lula Zeppeliano, que o vídeo viralizou – só a publicação dele teve mais de 10,5 mil visualizações e foi ela que repercutiu no Twitter e no Facebook.

O Comprova conseguiu o telefone do divulgador cultural ao trocar mensagens diretas com ele por Facebook e Instagram. Na entrevista, contou que havia sido avisado sobre o conteúdo do vídeo ser falso e achou que o tivesse retirado do ar.

Inicialmente, Carvalho afirmou que não se lembrava de quem tinha passado o vídeo para ele e disse não saber quem é o autor. Depois, afirmou que acredita ter recebido o conteúdo de algum apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com quem mantinha contato no Facebook. “Não estou lembrando agora, acho que foi até uma pessoa que eu bloqueei”, disse ele, que se define como contrário a governo. “Minha preocupação é sempre desmentir, mas eu dei mole [com o vídeo em questão]. Eu reposto [conteúdos] e tenho cautela, mas, às vezes, né?”.

Após as conversas, Carvalho apagou o vídeo de sua página.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que apresentam grande alcance nas redes sociais. É o caso deste vídeo. Até 19 de junho, data de publicação dessa verificação, o vídeo do canal teve 10,5 mil visualizações no Youtube — na mesma data, a postagem foi retirada do ar. Segundo o CrowdTangle, o link para o conteúdo original possui 271 interações e 320 compartilhamentos no Facebook, entre posts públicos e privados.

O vídeo também viralizou ao ser publicado diretamente em outras redes — ou seja, sem acesso direto ao Youtube. As postagens no Twitter somaram 3.486 visualizações, 163 compartilhamentos e 248 curtidas. No Facebook, os posts tiveram 3.021 visualizações e 150 interações, entre publicações feitas por perfis, páginas e grupos.

Enganoso para o Comprova é quando um conteúdo é retirado de seu contexto original e utilizado de forma a modificar seu significado, induzindo a uma interpretação equivocada.

O vídeo é perigoso porque infere que o coronavírus citado na revista de 2003 é o mesmo que ocasiona a pandemia atual, sendo compartilhado em outras postagens que acusam órgãos de saúde de mentirem sobre a doença. A própria revista Saúde se manifestou a respeito do caso, que também foi investigado pelo Boatos.org.

Desde a confirmação dos primeiros diagnósticos de covid-19 na China, em dezembro passado, circulam narrativas de que o vírus é fruto de adulteração em laboratório ou mesmo de não causar uma nova doença, minimizando seus riscos.

O Comprova já investigou boato de que o vencedor do Nobel de Medicina teria dito que o novo coronavírus foi desenvolvido em laboratório — afirmação desmentida pelo próprio médico. Também já mostramos que uma reportagem da TV italiana RAI sobre vírus criado em laboratório chinês não tinha correlação com a pandemia de covid-19.

Outro vídeo checado pelo Comprova acusava a Organização Mundial de Saúde de manipulação, mostrando imagens de aglomerações em Genebra, na Suíça, onde fica a sede do órgão; a pandemia, lá, está sob controle após oito semanas de medidas restritivas de isolamento.

Saúde

Investigado por: 2020-06-17

Tabela com risco de transmissão de covid-19 não foi divulgada por governo americano

  • Enganoso
Enganoso
Post associa tabela a um link para o Center for Disease Control and Prevention (CDC), em inglês, mas nenhuma das informações que aparece na tabela está no texto publicado pelo órgão de saúde norte-americano. Pesquisadores alertam que ainda não há estudos suficientes para embasar o tipo de conclusão da postagem
  • Conteúdo verificado: publicação compartilhada pelo WhatsApp e em páginas de Facebook com o texto “O Center for Disease Control do governo dos EUA oficializou as evidências científicas emergentes sobre a transmissão do coronavírus”.

Um texto que circula nas redes sociais alega que um órgão do governo federal norte-americano, o Center for Disease Control and Prevention (CDC) [Centro para Controle e Prevenção de Doenças em português] , listou circunstâncias e ambientes com uma escala de risco de transmissão do novo coronavírus.

O post é enganoso ao associar a tabela a um link do CDC, em inglês. Nenhuma das informações que aparece na tabela está no texto publicado pelo órgão de saúde norte-americano.

O texto também engana o leitor porque dá a entender que há uma referência categórica na avaliação de risco de determinadas ocasiões sociais, como casamentos. Para isso, o texto usa como referência a medição de “partículas virais” de SARS-CoV-2, o novo coronavírus. Mas pesquisadores alertam que ainda não há estudos suficientes para embasar esse tipo de conclusão.

Como verificamos?

A equipe do Comprova acessou o site oficial do CDC — órgão do governo federal norte-americano responsável por orientações para a população durante a pandemia de covid-19. Buscamos a tabela que viralizou e informações semelhantes. Também consultamos o biólogo Luiz Almeida, do conselho editorial da revista Questão de Ciência — publicação digital de divulgação científica —, para avaliar a razoabilidade das informações.

Usamos sites de busca para encontrar textos com conteúdo similar ao da tabela. A pesquisa foi feita em português e em inglês. Com isso, chegamos a um post no blog do professor de Biologia Erin Bromage, da University of Massachusetts Dartmouth. Nele, Bromage explica os riscos de infecção pelo novo coronavírus em diversos ambientes e a carga viral dispersada ao respirar, falar, espirrar e tossir. Encontramos entrevistas nas quais ele explica que criou o blog para ajudar a esclarecer dúvidas de amigos e parentes e o conteúdo acabou viralizando. Entramos em contato com Bromage por e-mail e por mensagens diretas no Twitter. Ele confirmou que recebeu as perguntas e disse que iria retornar. Mas até o fechamento desta verificação, no final da quarta-feira, 17, a resposta não havia chegado.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de junho de 2020.

Verificação

O CDC afirma que a principal forma de contágio é de um indivíduo para o outro. O site do órgão esclarece que o risco é maior entre pessoas que estão a menos de 1,8 metro de distância, pelas gotículas de saliva dispersadas quando uma pessoa infectada fala, espirra ou tosse. Essas gotas podem atingir uma pessoa saudável e carregar partículas do SARS-CoV-2 para os pulmões. O CDC ainda alerta que pessoas assintomáticas podem transmitir o novo coronavírus. De acordo com o site oficial do órgão de saúde, quanto maior a proximidade e o tempo de contato entre as pessoas, maior o risco. O CDC explica que o contágio por meio de superfícies contaminadas é possível, embora mais raro.

Por isso, a recomendação é: manter distanciamento social, lavar as mãos com água e sabão ou limpá-las com álcool em gel, limpar superfícies e objetos frequentemente tocados e cobrir nariz e boca com tecido (ou seja, máscaras) quando a pessoa estiver em lugares públicos. Mas o CDC não fala em números de partículas virais necessárias para o contágio e nem divulgou uma tabela com essas informações.

O texto do site do CDC possui uma marca de conteúdo revisado no último dia 16. O órgão justifica que editou o material da página para “fornecer mais clareza a todos os tipos de público”. E alega que a mudança desta semana pretendia facilitar a leitura e não era resultado “de nenhuma ciência nova”.

Ao que parece, as informações da lista que viralizou na internet brasileira vieram de um post no blog do professor universitário Erin Bromage. O biólogo é formado, tem mestrado e doutorado pela James Cook University, na Austrália e, atualmente, trabalha como professor associado do Departamento de Biologia da da University of Massachusetts Dartmouth, nos EUA. Ele não é ligado ao CDC. Em uma entrevista para a CNN norte-americana, Bromage contou que criou o blog para “dar conselhos tangíveis para amigos e familiares sobre os riscos [de contágio] com que deviam se preocupar e o que era desperdício de energia mental”.

O post do professor, em inglês, foi publicado em 6 de maio e atualizado no dia 20 do mesmo mês. Até o dia 17 de junho a publicação já tinha sido visualizada por mais de 18 milhões de pessoas em todo o mundo. No texto, Bromage explica que partículas do vírus são dispersadas por pessoas infectadas pela respiração, fala, espirro ou tosse. Ele diz que ainda não há levantamentos sobre quantas partículas são necessárias para provocar o contágio pelo SARS-CoV-2, mas, com base em estudos com outros tipos de coronavírus, estima que cerca de 1.000 partículas virais sejam suficientes para infectar uma pessoa saudável. Não há, porém, consenso sobre essa quantidade. Alguns virologistas acreditam que pode ser até dez vezes menor.

Com isso, Bromage lista quantas partículas se dispersam em diferentes situações. “A emissão de uma partícula viral pela respiração segue essa ordem: falar alto emite menos gotículas [contaminadas] que cantar. Espirro é o que mais emite. quanto mais força para um som deixar a boca, mais partículas são emitidas e maior a distância que elas alcançam”, resume.

O professor alerta que, para a infecção pelo novo coronavírus acontecer, não é preciso inalar mais de 1.000 partículas virais de uma só vez. A exposição continuada também leva ao contágio. Com isso, lista os lugares e situações em que, para ele, há maior risco de infecção, como banheiros públicos e restaurantes. “Depende da concentração de partículas no ar do tempo de exposição. Em lugares amplos com boa ventilação ou ao ar livre, a concentração de vírus é diluída em um volume maior e ar. Quanto menos vírus no ar, mais tempo você pode ficar naquele ambiente antes de se infectar”.

Sobre a transmissão e os estudos conhecidos sobre o tema, a equipe do Comprova conversou por mensagens com o biólogo Luiz Almeida, do conselho editorial da revista “Questão de Ciência”. Ele afirmou que “a transmissão é muito mais efetiva pelo ar; não importa se o ambiente é aberto ou fechado, o que vai importar são as pessoas ao seu lado, se alguma delas tem o seu vírus”. Mas não corroborou os cálculos apresentados na tabela: “Não é verdade que conseguimos concluir neste momento que há um risco maior em ambientes fechados”.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos que apresentam informações suspeitas sobre a pandemia do novo coronavírus e alcançam um grande número de pessoas nas redes sociais. É o caso do texto investigado aqui, sugerido por leitores que o receberam pelo WhatsApp. Até o dia 17 de junho, o conteúdo teve mais de mil compartilhamentos em ao menos dez publicações no Facebook. A tabela também apareceu em outras plataformas, mas com muito menos alcance. As postagens mais populares tiveram 530 interações no Twitter e apenas 12 curtidas no Instagram até o dia 17.

O Comprova colocou o conteúdo em suspeição porque o post associa a tabela a um link do CDC, em inglês, e nenhuma das informações que aparece na tabela está no texto publicado pelo órgão de saúde norte-americano.

Além disso, como não há ainda vacina e nem medicamento eficiente para combater o novo coronavírus, as medidas de prevenção mais eficientes são não-farmacológicas, como uso de máscaras e o distanciamento social.

Desde abril deste ano vários estados e municípios brasileiros tornaram obrigatório o uso de máscaras de proteção em ambientes públicos, seguindo recomendação do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em meio à polarização política que envolve todos os temas relacionados à covid-19, o uso da máscara virou quase um posicionamento político. O presidente Jair Bolsonaro já foi flagrado sem o acessório em mais de uma ocasião e, no 15 de junho, o ministro a Educação, Abraham Weintraub, foi multado pelo governo do Distrito Federal por participar de uma manifestação sem máscara. Boatos sobre máscaras contaminadas foram desmentidos pelo Comprova.

Outra fonte de discussão é o distanciamento social. A reabertura do comércio e a retomada das atividades econômicas estão no centro do debate desde que os primeiros casos de covid-19 foram confirmados no Brasil. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro insiste em diminuir a gravidade da pandemia, estados e municípios colocaram em vigor medidas de isolamento e, alguns casos, lockdown. Nas últimas semanas, algumas das maiores cidades do Brasil — como São Paulo e Rio de Janeiro — começaram a flexibilização do isolamento social, o que indica maior probabilidade de contato entre pessoas contaminadas e não contaminadas pela covid-19. Isso assusta a população que busca formas de evitar o contágio. Com isso, publicações como a tabela verificada ganham fôlego.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano. O conteúdo investigado é enganoso porque distorce recomendações de autoridades sobre a transmissibilidade da covid-19.

O site Boatos.org também verificou esse conteúdo.

 

Saúde

Investigado por: 2020-06-17

Parceria para vacina contra a covid-19 não foi firmada por Doria no ano passado

  • Falso
Falso
Vídeo distorce declarações do governador de São Paulo em entrevista; acordo entre Instituto Butantan e laboratório chinês Sinovac Biotech foi assinado em 10 de junho de 2020
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no YouTube no dia 12 de junho com o título “Dória negociou vacina chinesa antes do vírus chegar ao Brasil”

Vídeo postado no YouTube distorce declarações do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ao apontar que ele teria negociado a vacina contra o novo coronavírus antes do início da pandemia.

Segundo o vídeo, Doria teria “confessado” que o acordo entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac Biotech para testes na produção de vacina contra a covid-19, anunciado na semana passada, começou a ser discutido em agosto de 2019, quando ainda não havia registro da doença. Os primeiros casos do novo coronavírus na China foram registrados em dezembro. Um dos letreiros no vídeo diz: “Doria visitou a China em agosto do ano passado. O vírus só chegou ao Brasil no final do mês de janeiro de 2020”. Já na legenda, o perfil acrescenta: “Essa é mais uma prova de que tudo foi orquestrado”.

No entanto, o conteúdo original mostra que, em nenhum momento, Doria afirmou que a assinatura do acordo ocorreu no ano passado. O governador fez apenas uma referência à Missão China, não relacionada à pandemia da covid-19, realizada em agosto, quando uma comitiva do Instituto Butantan visitou a sede da Sinovac, entre outros compromissos.

Como verificamos?

O Comprova buscou as declarações originais de João Doria e encontrou o conteúdo publicado na página do governo do estado de São Paulo no YouTube. A transmissão foi feita ao vivo, no dia 11 de junho de 2020, e mostra entrevista de autoridades a jornalistas. Os trechos podem ser vistos a partir de 10 minutos e 30 segundos de vídeo.

A reportagem entrou em contato com o Instituto Butantan e o governo de São Paulo para entender a relação entre o contrato de parceria para testes da vacina com a Sinovac e a missão empresarial paulista à China em agosto de 2019.

O governo de São Paulo e o instituto de pesquisa afirmaram que a assinatura do contrato foi feita em 10 de junho de 2020, um dia antes da coletiva. O Butantan também informou que as tratativas sobre o desenvolvimento da vacina contra a covid-19 começaram somente em abril deste ano. No entanto, o acesso ao documento foi declinado por “questões de compliance”.

Ao buscar o termo “Sinovac” no Diário Oficial do Estado de São Paulo, a reportagem encontrou apenas a publicação de um acordo de confidencialidade entre o laboratório e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), assinado em 12 de maio de 2020 e publicado no DiO em 5 de junho. Questionada, a instituição de ensino disse que o acordo serviu para dar início a conversas sobre uma eventual participação no estudo, mas que ainda não há nada oficial a respeito.

O Comprova consultou documentos públicos e reportagens para entender a agenda e o contexto da visita empresarial à China em agosto de 2019. Também pesquisou o histórico do laboratório chinês Sinovac e o atual cenário do desenvolvimento de vacinas contra o novo coronavírus, por meio de notícias, publicações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras fontes confiáveis.

Por fim, a Sinovac foi contatada por e-mail na segunda-feira, 15, mas não retornou até o fechamento da verificação.

Verificação

O governador de São Paulo, João Doria, anunciou a parceria entre o Instituto Butantan e a empresa chinesa Sinovac para testes de vacina contra o novo coronavírus no Brasil em entrevista a jornalistas no dia 11 de junho. “Eu, ontem (10 de junho), fui ao Instituto Butantan pessoalmente e, ao lado do doutor Dimas Covas (diretor do Instituto Butantan), assinei o contrato formalizando o acordo com a Sinovac Biotech”, afirmou em evento transmitido ao vivo no canal do governo estadual no YouTube.

A seguir, o governador paulista afirma que mais de 100 vacinas estavam em desenvolvimento no mundo naquela data, mas apenas 10 atingiram a etapa de testes em humanos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. De fato, publicação no site oficial da OMS, de 9 de junho, aponta que existiam 136 projetos de vacina contra a covid-19 em desenvolvimento e que 11 obtiveram sucesso nos testes pré-clínicos e avançaram a etapa.

Um desses projetos é a CoronaVac, liderada pela Sinovac Biotech. A vacina obteve sucesso em estudo com macacos, publicado na revista Science, e já foi testada em 743 pessoas na China. Segundo o laboratório, “mais de 90% dos voluntários desenvolveram anticorpos, sem a incidência de efeitos colaterais graves”, reporta a Bloomberg. Agora, o estudo “ingressará na fase três, que envolve amostragens populacionais maiores” — nesse caso, 9 mil brasileiros, no próximo mês. A estimativa do governo estadual é de que a vacina seja produzida em larga escala e distribuída pelo Sistema Único de Saúde (SUS) até junho de 2021, caso demonstre eficácia.

Depois de anunciar detalhes da parceria, Doria argumenta que ela foi possível em razão do “apoio e investimento do governo de São Paulo em ciência e tecnologia e também na cooperação internacional e na boa relação com as nações”. É nesse contexto, omitido pelo vídeo falso, que ele declara que o acordo assinado com a Sinovac teve início em agosto de 2019, quando visitou a China. O trecho pode ser visto a partir de 14 minutos de gravação.

Na mesma apresentação, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, questionado sobre a escolha do laboratório entre os projetos em desenvolvimento no mundo, afirma: “Essa parceria com a China, ela já é de longa data, como mencionei, foi fruto dessa visita que nós fizemos à China, nós pessoalmente fomos conhecer a Sinovac. A Sinovac tem interesses, é uma empresa privada, ela tem interesse no codesenvolvimento de outras vacinas com o Butantan, então é uma parceria já estabelecida”. A explicação dada para o acordo com a empresa chinesa foi o estágio de desenvolvimento da vacina e as características de produção, que exigiriam técnicas já executadas pelo Butantan para fornecer vacinas contra a dengue, por exemplo.

Com sede em Pequim, a Sinovac foi responsável pelo desenvolvimento da primeira vacina no mundo contra a H1N1, em 2009.

Visita à China

Em agosto de 2019, uma comitiva de empresários e representantes do governo paulista — incluindo o governador João Doria — esteve na China para a inauguração de um escritório comercial de São Paulo em Xangai; a gestão buscava investimentos externos no estado. Na ocasião, Doria declarou que a viagem se tratava de uma “oportunidade para o Brasil” e chegou a dizer que o país deveria se aproveitar da guerra comercial travada entre a China e os Estados Unidos para abocanhar novos acordos.

Após questionamentos do Comprova, o governo de São Paulo e o Instituto Butantan, em nota conjunta enviada por e-mail, negaram que o governador paulista tenha afirmado que o acordo foi assinado em agosto de 2019. O texto acrescenta que a parceria para a produção de vacinas contra o novo coronavírus só foi firmada em junho deste ano.

Questionada pelo Comprova se Doria teria visitado a Sinovac em algum momento da viagem, a assessoria de imprensa do governo de São Paulo enviou os links de todas as agendas oficiais do governador durante a Missão China para a reportagem “conferir que não houve nenhum compromisso na referida empresa”. As agendas datam dos dias 5, 6, 7, 8, 9 e 10 de agosto de 2019. Conferimos todas elas e, de fato, não há nenhum registro de visitas à sede da Sinovac.

Já a assessoria do Instituto Butantan afirmou, por telefone, que houve uma visita institucional de sua equipe à sede da Sinovac em agosto do ano passado. No entanto, o governador João Doria não estava presente. Por mensagem, a comunicação reforçou que as tratativas para o desenvolvimento da vacina só tiveram início em abril deste ano, diante da aceleração do aumento de casos do novo coronavírus em São Paulo.

Assinatura do contrato

Durante o anúncio da parceria, Doria e Dimas Covas disseram que o contrato entre governo, Instituto Butantan e a Sinovac havia sido assinado em 10 de junho — informação confirmada ao Comprova tanto pela instituição quanto pelo governo.

Em uma busca pelo Diário Oficial do Estado de São Paulo para saber se o governo já havia negociado com a farmacêutica chinesa antes de firmar o convênio, o Comprova encontrou na edição de 5 de junho de 2020 um acordo de confidencialidade entre a Sinovac Research & Development (conhecida como “Sinovac R&D”) e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) — assinado em 12 de maio.

A Sinovac R&D é uma subsidiária da Sinovac Biotech voltada exclusivamente para a produção da vacina CoronaVac e recebeu US$ 15 milhões de financiamento em pesquisas sobre o novo coronavírus.

Embora vizinho da USP e parceiro em pesquisas, o Instituto Butantan não é subordinado à Universidade. O Butantan é reconhecido desde 1901 como instituição autônoma.

O Comprova procurou a assessoria da Faculdade de Medicina da USP para saber qual seria o acordo com a farmacêutica chinesa e se teria relação com o desenvolvimento da vacina para o novo coronavírus pelo Butantan. Por mensagem, a comunicação afirmou que a assinatura foi para discutir uma possível participação da universidade nas pesquisas, mas que o processo ainda segue na fase de tratativas e, portanto, não há nada oficial até o momento.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos que apresentam informações suspeitas sobre a pandemia do novo coronavírus e alcançam um grande número de pessoas nas redes sociais. É o caso do vídeo em questão aqui. Até a data de publicação da verificação, o vídeo do canal registrava 163 mil visualizações no YouTube. O conteúdo também teve mais de 359 mil interações no Facebook, incluindo 80,7 mil compartilhamentos.

Falso para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Informações falsas ou enganosas na internet podem fazer com que parte da população fique mais exposta a riscos de contaminação e a sofrer graves consequências em termos de saúde.

O conteúdo investigado é perigoso porque sugere que a covid-19 é uma manipulação política e lança dúvidas sobre uma ferramenta que pode ser útil no combate ao novo coronavírus, caso a vacina demonstre eficácia nos estudos científicos.

Conteúdos que contestam a existência do vírus e o propósito de seguir orientações de isolamento social — conforme recomendado pela Organização Mundial de Saúde —, vêm sendo replicados em sites e redes sociais. O Comprova já checou um vídeo alegando que a pandemia se tratava de uma farsa.

Outro boato alegava que o vencedor do Nobel de Medicina teria dito que o novo coronavírus foi desenvolvido em laboratório — fala desmentida pelo próprio médico. Um estudo publicado em 17 de março pelo conceituado periódico médico Nature Medicine analisou o genoma do vírus SARS-CoV-2, que provoca a covid-19, e concluiu “claramente que o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório ou um vírus propositadamente manipulado.” Outro vídeo que circulava em redes sociais acusava os hospitais de “provocar a morte” de pacientes com outras doenças para registrá-las como óbitos por covid-19.

O próprio governador João Doria já teve uma frase utilizada fora de contexto por uma publicação que o acusava de inventar dados sobre países afetados pela pandemia. Em relação ao anúncio da parceria com a farmacêutica chinesa, Doria foi alvo de críticas por opositores. Algumas das postagens o acusavam de conspiração contra o governo.

A negociação da produção da vacina também foi verificada pelo Fato ou Fake, que aponta como falsa a mensagem de que Doria teria negociado o contrato para as vacinas no ano passado, quando o vírus sequer havia sido identificado.

Esta verificação tem como base as informações disponíveis até a publicação do texto.

Saúde

Investigado por: 2020-06-12

OMS não se desculpou por reviravoltas com hidroxicloroquina

  • Enganoso
Enganoso
Texto distorce declarações de representantes da OMS para dar a entender que a entidade se arrependeu de ter interrompido as pesquisas com o medicamento
  • Conteúdo verificado: post do site Jornal da Cidade Online, de 7 de junho, com o título “OMS pede desculpa pelo erro na controvérsia sobre a hidroxicloroquina”

Um texto do Jornal da Cidade Online engana o leitor ao distorcer declarações de representantes da Organização Mundial de Saúde (OMS). O artigo afirma que o diretor-executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, Mike Ryan, “pediu desculpas pelo erro na controvérsia sobre a hidroxicloroquina”, dando a entender que a entidade se arrependeu de ter interrompido as pesquisas com o medicamento. Não foi isso que Ryan disse.

Em uma entrevista coletiva na sede da organização, no dia 5 de junho, o diretor-executivo foi questionado sobre a polêmica envolvendo a paralisação e subsequente retomada de pesquisas da OMS com hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. Ele respondeu que “isso é ciência bem feita”.

Ryan acredita que o enorme interesse público por assuntos relacionados à pandemia de covid-19 faz que com os desdobramentos sejam noticiados 24 horas por dia. E, para o público leigo, avanços e retrocessos normais no processo científico acabam parecendo confusos. “Eu sei que, às vezes, pode passar a impressão de que a comunidade científica está confusa ou que está mandando sinais conflitantes e, por isso, nós pedimos desculpas a todos vocês. Mas nós precisamos seguir a ciência”, disse.

O Comprova considerou o texto verificado enganoso porque em nenhum momento um representante da OMS pediu desculpas por ter paralisado temporariamente os estudos com hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a covid-19 que tenham alcançado grande viralização. A postagem verificada foi compartilhada mais de 500 vezes superando 400 mil interações de acordo com o CrowdTangle, uma ferramenta de monitoramento de conteúdos compartilhados em redes sociais.

Desde os primeiros casos de covid-19 no Brasil, os temas relacionados à pandemia têm sido usados para reforçar narrativas que se alinham ou contrariam o discurso do presidente da República, Jair Bolsonaro. A contrariedade do presidente às medidas mais restritivas de isolamento adotadas por governadores e prefeitos, o questionamento às medidas sugeridas pela OMS e o incentivo ao uso de medicamentos de eficácia ainda não comprovada são alguns dos temas recorrentes em páginas e perfis em redes sociais que apoiam Bolsonaro.

O conteúdo verificado pelo Comprova se insere nesse contexto. A polarização dos discursos em defesa do uso de medicamentos sem eficácia comprovada pode servir de incentivo à automedicação e causar efeitos colaterais danosos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

O primeiro passo foi encontrar a declaração original de Mike Ryan, feita em uma entrevista coletiva no dia 5 de junho. A partir de 19 minutos e 47 segundos, o diretor-executivo responde sobre as “mensagens conflitantes” que a mudança de postura da entidade pode passar ao público leigo. A cientista chefe da entidade, Soumya Swaminathan, fala logo em seguida, a partir de 23 minutos e 45 segundos. Ela explica que as idas e vindas são normais no processo de pesquisa científica. A transcrição do áudio, em inglês, está disponível no site da OMS.

Procuramos a assessoria de imprensa da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da OMS para as Américas. Por e-mail, solicitamos informações sobre as credenciais de Mike Ryan e de Soumya Swaminathan e pedimos esclarecimentos sobre as diretrizes da entidade para o uso de cloroquina e de hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Também questionamos se a organização tem alguma relação com o estudo realizado com dados da empresa americana Surgisphere e retirado do ar pelo periódico científico “The Lancet”.

Em seguida, conversamos com pesquisadores da área médica para explicar como funciona o processo de pesquisa de um novo medicamento ou vacina. Em entrevista concedida ao Comprova, o médico Reinaldo Guimarães, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirmou que se trata de um procedimento longo, com várias etapas e que é comum ocorrerem retratações de pesquisas após novas checagens serem realizadas por outros pesquisadores.

Por fim, realizamos uma pesquisa sobre o site que publicou o texto verificado, o Jornal da Cidade Online e sua relação com a disseminação de desinformação.

Verificação

A polêmica começou por causa de um estudo, publicado no dia 22 de maio, afirmando que a cloroquina e a hidroxicloroquina não mostravam eficácia no combate ao novo coronavírus e alertando para os riscos de arritmia cardíaca trazidos pelos medicamentos. A publicação levou a OMS a suspender os testes clínicos que a entidade já realizava com hidroxicloroquina. Mas no dia 2 de junho a “The Lancet” publicou uma “nota de preocupação” em relação ao estudo. No novo texto, 150 pesquisadores levantaram questões sobre a metodologia e de integridade dos dados. As informações são de uma empresa de saúde norte-americana, a Surgisphere. O dono da companhia, Sapan Desai, foi um dos autores do artigo. Desde então, surgiram evidências de que os dados foram manipulados.

As críticas levaram a “The Lancet” a retirar o estudo do ar. O “New England Journal of Medicine” também retratou um estudo sobre covid-19 com base em dados da Surgisphere.

Depois da retratação, a OMS resolveu retomar sua pesquisa com hidroxicloroquina. O “Estudo Solidariedade” é um ensaio clínico, lançado pela organização em março de 2020, para investigar um tratamento eficaz para a covid-19. Uma das drogas pesquisadas é a hidroxicloroquina, mas outros medicamentos — como Remdesivir, Lopinavir/Ritonavir e Lopinavir/Ritonavir combinado com Interferon beta-1a — são analisados.

O grupo tinha resolvido fazer uma pausa temporária no braço de hidroxicloroquina do estudo em 23 de maio por causa de preocupações sobre a segurança do medicamento. Os dados de mortalidade disponíveis foram revisados pelo Comitê de Segurança e Monitoramento de Dados do Estudo Solidariedade. Os membros não encontraram motivos para modificar o protocolo do estudo, que foi retomado em 3 de junho.

Por e-mail, a OPAS — braço pan-americano da organização — afirmou que “a OMS não tem histórico de colaboração com a Surgisphere”. E completou: “A prioridade da OMS é focar nas evidências geradas por ensaios clínicos randomizados de última geração”.

No dia 5 de junho, durante entrevista coletiva, uma repórter da revista norte -americana “Politico” perguntou ao diretor-executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, Mike Ryan, sobre as “mensagens conflitantes” que essas mudanças de posição passam ao público. Ryan explicou que a decisão de paralisar os estudos com hidroxicloroquina foi tomada para não colocar os pacientes em risco. Mas, ao contrário do que afirma o texto verificado, o diretor-executivo não se desculpou pela paralisação — e nem pela retomada da pesquisa com a hidroxicloroquina. “Nós precisamos seguir a ciência. Precisamos seguir as evidências e estamos totalmente dedicados a garantir que as pessoas que participam de testes clínicos estão entrando em testes seguros e planejados com o seu bem estar em mente”. Ryan defende que “isso é ciência bem feita”. Foi nesse momento que fez o “pedido de desculpas” a que o texto verificado se refere. “Eu sei que às vezes pode passar a impressão de que a comunidade científica está confusa e, por isso, pedimos desculpas a todos vocês.”

A declaração foi acompanhada pela cientista chefe da OMS, a pediatra Soumya Swaminathan. “É um processo normal na ciência”, garantiu. “É bastante normal ter resultados um pouco diferentes vindos de estudos diferentes é por isso que o mundo científico normalmente exige mais de um teste para que o efeito de qualquer droga ou vacina seja realmente confirmado. (…) É nossa responsabilidade explicar para o público que cada um dos resultados não significa que estamos mudando as recomendações ou nos contradizendo. Porque é assim que a ciência progride.”

Esta resposta foi questionada no texto do “Jornal da Cidade Online”: “Normal??? Parece que a OMS deve novo pedido de desculpas…”.

O médico Reinaldo Guimarães, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirmou ao Comprova, em entrevista por telefone, que retratações em pesquisas científicas são comuns e que existe uma base de dados mundial, chamada Retraction Watch, onde é possível consultá-las.

“Alguém, não sei realmente quem foi, analisou novamente os dados que levaram a OMS a dizer que [a hidroxicloroquina] não era eficaz e encontrou algum tipo de problema. Na verdade, o que a OMS fez foi retirar a recomendação até que isso se esclareça”, afirmou o médico.

Para entender o porquê de um estudo ser retratado, Guimarães explica que é necessário entender como ele é feito. Uma medicação só pode ter a eficácia comprovada após cumprir um longo processo. O desenvolvimento se inicia em laboratório, após uma série de estudos, com resultados feitos in vitro, ou seja, num ambiente controlado. Se a eficácia funcionar ali, a etapa seguinte envolve testes em animais e, depois, testes em humanos.

Na etapa de testagem entre humanos, são três fases: a primeira em indivíduos saudáveis, a segunda em pequenos grupos de pacientes e a terceira em quantidade maior. Nessa fase, os estudos são feitos de forma que metade dos pacientes faz uso da medicação e a outra metade recebe um placebo, substância que não causa reações no organismo. A escolha de quem toma o quê é aleatória. Os pacientes não sabem se receberam o medicamento ou o placebo e os médicos que aplicam as substâncias também não são informados sobre qual paciente recebeu qual elemento. Este processo é chamado duplo cego randomizado.

A partir da aprovação de todas essas etapas, a medicação deve ser encaminhada para uma agência reguladora, que recebe do fabricante um dossiê completo e o analisa. Caso o documento seja considerado satisfatório, o medicamento recebe um registro para ser comercializado no país da dita agência — no caso do Brasil, os remédios devem ser registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Se um medicamento for indicado para o tratamento de outra doença, ele deve ser reavaliado pela agência e ter a bula modificada.

“O que aconteceu com a retratação dos estudos sobre cloroquina é que todas as informações que chegavam à OMS eram relativas a ensaios clínicos, que são os testes feitos em seres humanos. As informações que foram chegando à OMS diziam que a cloroquina não era eficaz. Particularmente, quando essas informações vinham a partir dos estudos clínicos randomizados [ou seja, na terceira fase de testes com humanos]”, explicou Guimarães. “O estudo retratado é um estudo publicado que levou a uma recomendação, mas foi retirado porque havia lá um problema qualquer que eles estão continuando a estudar”, resumiu.

Pesquisas com cloroquina

A cloroquina — e sua versão menos tóxica, a hidroxicloroquina — é um medicamento usado para o tratamento de malária e lúpus. Seu uso para o combate ao novo coronavírus começou a ser defendido em fevereiro pelo pesquisador francês Didier Raoult, diretor do Instituto Mediterrâneo de Infecções em Marselha com base em estudos realizados na China. Desde então o estudo de Raoult foi desacreditado, mas a propaganda para o uso da cloroquina permaneceu. Ela foi impulsionada, principalmente, pela propaganda feita pelo presidente norte-americano Donald Trump, que declarou tomar hidroxicloroquina para evitar a covid-19.

O desdobramento mais recente foi um novo estudo da Universidade de Minnesota, nos EUA, divulgado pelo New England Journal of Medicine no dia 03 de junho. Os pesquisadores acompanharam 821 norte-americanos e canadenses com risco de alto a moderado de contrair covid-19. De acordo com padrões científicos internacionais, parte dos voluntários recebeu uma dose diária de hidroxicloroquina ao longo de cinco dias. Outro grupo recebeu placebo. A conclusão foi de que a hidroxicloroquina não foi eficiente para prevenir a infecção pelo novo coronavírus. “Foi decepcionante, mas não surpreendente”, declarou em entrevista o pesquisador responsável pelo estudo, David Boulware.

Orientações para o uso da cloroquina

A OMS não recomenda o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes infectados pelo novo coronavírus. Ainda por e-mail, representantes da organização lembraram que “não há evidência científicas que os medicamentos sejam eficazes e seguros no tratamento de covid-19”. E lembram: “A maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento”. Para a OPAS e a OMS, as drogas só podem ser usadas apenas “no contexto de estudos devidamente registrados, aprovados e eticamente aceitáveis”.

Aqui no Brasil, os Conselhos Federais de Medicina (CFM) e de Enfermagem (Cofen) e a Associação Médica Brasileira (AMB) publicaram orientações e recomendações reforçando que ainda não há evidências que comprovem a eficácia do medicamento.

O Ministério da Saúde lançou um protocolo para o manuseio de medicamentos para pacientes com covid-19 na rede pública desde os casos com sintomas mais leves. O documento sugere o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina associadas ao antibiótico azitromicina desde o primeiro dia, com doses que aumentam de acordo com a gravidade e com o tempo de infecção. Há uma série de exames que precisam ser realizados antes que as drogas sejam indicadas, como eletrocardiograma e diagnóstico para covid-19. O texto também ressalta que faltam estudos para embasar o uso dos medicamentos. “Não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos [testes em humanos feitos em mais de um centro de estudos], controlados, cegos e randomizados que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19”, diz. Por fim, o protocolo é claro ao deixar a decisão final sobre o uso da cloroquina nas mãos do médico e do paciente, que precisa assinar um Termo de Ciência e Consentimento.

Contexto

Mesmo sem eficácia comprovada, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina tem sido defendido pelo presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores desde o começo da epidemia, alinhados com o discurso do presidente Donald Trump.

A insistência de Bolsonaro para a recomendação do uso da cloroquina levou à demissão de dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril, e Nelson Teich, em 15 de maio. Desde então, a pasta está nas mãos do general Eduardo Pazuello, promovido de secretário-executivo a ministro interino no dia 3 de junho. Foi sob o comando dele que o Ministério da Saúde publicou o protocolo para uso da cloroquina no combate ao novo coronavírus.

Os Estados Unidos lideram as estatísticas de covid-19, com 2.031.173 casos confirmados e 114.065 mortes até o dia 12 de junho, de acordo com levantamento da Universidade Johns Hopkins. O presidente Trump passou a antagonizar a OMS e, em 29 de maio, anunciou que o país estava deixando a organização. Ele disse que a “China tem controle total da OMS” e criticou a organização por dar “direcionamentos errados” ao mundo sobre o novo coronavírus.

A OMS é uma das agências da Organização das Nações Unidas (ONU), criada em em 1948 para dar atenção a questões relativas à saúde. O Brasil é um dos membros fundadores da organização. Inspirado no discurso de Trump, o presidente Bolsonaro também passou a fazer críticas e disse que a entidade “perdeu a credibilidade”. O presidente brasileiro defende o uso da cloroquina e insiste em minimizar os efeitos da pandemia e estimular a reabertura de país, contrariando governadores e prefeitos. O Brasil é o segundo país com maior número de casos confirmados de covid-19, com 802.828. Foram 40.919 mortes até o dia 12 de junho, também de acordo com levantamento da Universidade John Hopkins.

Alcance

O texto foi publicado pelo Jornal da Cidade Online em 7 de junho. Até o dia 12 já tinham sido registradas mais de 97,4 mil interações no site. A página de Facebook também repercutiu o texto, com 55 mil compartilhamentos e 5,7 mil comentários.

Alguns seguidores repassaram o texto pelo Twitter. A postagem que teve mais viralização teve 1,7 mil curtidas até o dia 12.

Saúde

Investigado por: 2020-06-12

Post distorce informações sobre eficácia da ivermectina

  • Enganoso
Enganoso
Médico defende uso do medicamento em pacientes com a covid-19 mas diz que é irresponsável post em grupo de Facebook que afirma que ele descobriu a cura para a doença
  • Conteúdo verificado: Publicação feita em 6 de junho por uma usuária no grupo de Facebook Aliança pelo Brasil independente

É enganosa a afirmação que a combinação de ivermectina e azitromicina é a cura para a covid-19, conforme post do dia 6 de junho que viralizou no Facebook. A autora da postagem em um grupo chamado Aliança pelo Brasil independente escreve “Temos outro remédio contra covid-19! Ivermectina + azitromicina e tchau coronavírus! Definitivamente, Deus é brasileiro!” ao comentar um texto do site Terra Brasil Notícias. A publicação não menciona a azitromicina, mas, afirma, no título: “Medicamento ivermectina elimina 97% do covid-19 dentro da célula em 48h, diz infectologista”.

O médico a que se refere a publicação é Fernando Suassuna, “um dos entusiastas do uso do medicamento” que, no texto, sugere o uso da droga como medida profilática. Em entrevista ao Comprova, Suassuna confirmou que realiza um estudo com o medicamento, mas disse que a pesquisa ainda está em fase preliminar. Declarou ainda que sua fala foi deturpada por alguns blogueiros.

Procuradas pelo Comprova, as autoridades da área da saúde não reconhecem o uso do medicamento para prevenção ou tratamento da covid-19. Por e-mail, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que a ivermectina “não está registrada contra essa doença, portanto não é reconhecida pela agência como eficaz contra ela”. Também por e-mail, o Conselho Federal de Medicina (CFM) esclareceu que “não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19”. Em pesquisa no site do Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária americana, o Comprova encontrou a recomendação de que pessoas não devem tomar ivermectina para prevenir ou tratar a covid-19.

Até a publicação desta verificação, o Comprova não conseguiu entrevistar Dedez Amaral, autora do post. Sua publicação foi na página Aliança pelo Brasil Independente, que se define como um “grupo oficial de apoio ao novo partido do Presidente Jair Messias Bolsonaro”.

Por que investigamos?

Posts e vídeos com link para reportagens com conteúdo que distorcem a realidade viralizam rapidamente nas redes sociais e trazem risco à população. Este post, leva a uma matéria que afirma que a “ivermectina elimina 97% do covid-19 dentro da célula em 48h”, desinforma ao fazer com que os leitores acreditem que a doença causada pelo novo coronavírus possa ser curada por uma droga cuja eficácia não está cientificamente comprovada.

No dia 9 de junho, a publicação, feita três dias antes, já tinha mais de 9.330 compartilhamentos e 576 comentários. Alguns internautas escreveram que já haviam comprado o remédio na farmácia e, outros, estavam perguntando onde achar. São pessoas que podem acreditar na cura, se automedicar e achar que não precisam mais se proteger do vírus.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

A verificação foi realizada em várias etapas. Primeiro, o Comprova tentou apurar quem é a autora do post, se ela de fato trabalha para o Ministério da Saúde e se é possível identificar em seu perfil no Facebook alguma interação com páginas e conteúdos duvidosos sobre a pandemia.

Na sequência, o Comprova investigou se a associação dos medicamentos ivermectina e azitromicina é realmente eficaz para o tratamento de pacientes com a covid-19. Buscamos estudos científicos e opiniões de especialistas que pudessem revelar os possíveis benefícios desses medicamentos. Foram consultados, também, o Conselho Federal de Medicina e autoridades sanitárias do Brasil e dos Estados Unidos.

Em um terceiro momento, a investigação do Comprova se debruçou sobre a figura do médico Fernando Suassuna, apontado pela reportagem como entusiasta e defensor do uso da ivermectina para o tratamento da covid-19. Investigamos se ele realmente disse ter tido resultados promissores com o uso do medicamento em um lar de idosos localizado em Natal e se esse protocolo estaria de acordo com as orientações dos órgãos de saúde da cidade e do Rio Grande do Norte.

Por fim, a verificação se ateve ao portal que publicou a notícia veiculada no post do Facebook, a fim de verificar sua veracidade. Analisamos se o portal já havia publicado outros conteúdos sobre a pandemia e qual o tom das reportagens. Investigamos, também, as redes sociais e o canal de YouTube do portal.

Verificação

Quem é a autora do post

Segundo o perfil da autora do post no Facebook, ela é funcionária do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro. O Comprova enviou mensagem privada pedindo o contato, mas não teve resposta. Dedez Amaral respondeu a um comentário em um post recente, mas, depois, não retornou. Também encontramos um perfil no Instagram, mas está fechado e sem atividade.

Mesmo sem saber se o nome é verdadeiro (ou se “Dedez” é um apelido), entramos em contato por e-mail com o Ministério da Saúde, que respondeu não ter autorização para “informar sobre servidores” (print abaixo).

No perfil da autora do post no Facebook, é possível descobrir que ela apoiou Jair Bolsonaro durante a eleição presidencial. Em um outro post, em março do ano passado, se solidarizou quando o ex-presidente Lula perdeu o neto.

A ivermectina

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a ivermectina está registrada como “medicamento contra infecções causadas por parasitas”. A Food and Drug Administration (FDA), órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos, libera o uso da ivermectina para o tratamento de vermes intestinais e de parasitas tópicos, como piolho e rosácea. Também é usada para o tratamento de parasitas em animais.

A primeira publicação sobre o uso da droga no tratamento de pacientes com covid-19 ocorreu na Austrália. A Universidade de Monash publicou um artigo no dia 3 de abril mostrando que a droga poderia eliminar o Sars-CoV-2, em uma cultura de células in vitro, dentro de 48 horas. O próprio estudo já ressalva, porém, que esse resultado não prova a eficácia da medicação contra a infecção em humanos pelo novo coronavírus e que era preciso aguardar novos testes.

Em e-mail enviado ao Comprova no dia 4 de junho, o Departamento de Medicina, Enfermagem e Ciências da Saúde da instituição explicou que o estudo apenas mostrou que a ivermectina tem efeito em eliminar o vírus em laboratório. E foi taxativo: “a ivermectina não pode ser usada em pacientes com covid-19 até que outros testes tenham sido conclusivos em estabelecer a eficácia do medicamento em níveis seguros para dosagem em humanos”.

Até o início de junho, havia um único estudo clínico sobre o uso da ivermectina para tratar pacientes com o novo coronavírus. O artigo tinha como autor principal o médico Amit Patel, então vinculado ao Departamento de Bioengenharia da Universidade de Utah. O estudo administrou em 704 pacientes com covid-19 (outros 704 foram selecionados como grupo de controle) em 169 hospitais na América do Norte, Europa e Ásia. Mas a pesquisa foi retirada do ar porque os dados foram coletados pela empresa Surgisphere; a mesma cuja metodologia de coleta dos dados levou a retratação de um estudo sobre a segurança da hidroxicloroquina publicado pela The Lancet. Em sua conta no Twitter, o médico Amit Patel disse não ter mais vinculação com a Universidade de Utah e não saber o que aconteceu com a Surgisphere.

Quem é Fernando Suassuna

Segundo os sites do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte, Fernando Suassuna é médico inscrito desde 1978 com especialidade nas áreas de infectologia e de alergia e imunologia. De acordo com a plataforma de currículos acadêmicos Lattes, mantida pelo CNPq, Suassuna é formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e mestre pela Universidade Federal de Pernambuco. Em 1983, fez um intercâmbio de três meses na Université Laval, em Quebec, no Canadá. Foi professor da UFRN, da Universidade Potiguar (UnP) e de cursos pré-vestibulares. Também trabalhou como infectologista no Hospital Giselda Trigueiro, no Rio Grande do Norte, e em clínicas privadas.

Suassuna defendeu o uso da ivermectina para tratar pacientes com covid-19 em entrevistas aos sites Tribuna do Norte, no dia 06 de junho, e Agora RN, no dia 08.

Na pesquisa do Google, o Comprova encontrou o site do infectologista Fernando Suassuna, que mora em Natal. No Facebook, o Comprova localizou o perfil o médico. As duas páginas apontavam para o mesmo número de contato da clínica.

Por telefone, o médico Fernando Suassuna confirmou ao Comprova que tem conduzido um estudo sobre o uso da ivermectina para tratar pacientes com covid-19, mas afirmou estar em fase observacional e que nenhum artigo foi publicado até o momento. Ele disse desconhecer o site Terra Brasil Notícias. Mas contou que, após ter dado entrevista à Tribuna do Norte, viu que alguns blogueiros haviam “deturpado” a fala dele, como se a cura da doença tivesse sido descoberta; o que o médico classificou de “irresponsável”.

Segundo Suassuna, ele ministrou a ivermectina em 116 idosos de três asilos de Natal: o Lar Jesus Misericordioso, o Instituto Juvino Barreto e o Lar do Ancião Evangélico, conhecido como LAE. Nos três locais, o medicamento teria sido prescrito após a confirmação de um primeiro caso de paciente com o novo coronavírus. Segundo o médico, não houve óbitos. Um idoso foi internado e 24 desenvolveram a doença na forma leve. “A gente tem mais 17 asilos para continuar o trabalho. Quando aparece um caso, a gente toma conta. A gente faz o tratamento, acompanha. E espera que esse seja o modelo para grupos de risco. Para evitar que eles vão para o hospital e levem ao colapso do sistema”, afirmou.

Fernando Suassuna disse que o estudo tem sido acompanhado por seis infectologistas do comitê municipal para enfrentamento da pandemia. Mas negou que seus estudos comprovem a cura da covid-19 porque ainda estão em fase inicial.

Além disso, o médico disse ter conhecimento de que o estudo clínico americano está sendo contestado. Mas afirmou que os resultados positivos em Natal estão sendo verificados in loco.

O uso da ivermectina em Natal

O Comprova procurou, então, a Prefeitura de Natal e o Governo do Rio Grande do Norte para saber se a ivermectina está sendo adotada no estado para o tratamento de pacientes com covid-19. Por email, a Secretaria Municipal de Saúde enviou uma cópia do protocolo de manejo para síndromes gripais frente à pandemia do novo coronavírus, que foi publicado no Diário Oficial do Município no dia 03 de junho.

O protocolo da Prefeitura de Natal prevê o uso da ivermectina em dois contextos. O primeiro é o tratamento de pacientes que, em função de questões alérgicas ou de possíveis efeitos colaterais, não possam fazer uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina como tratamento para a covid-19.

O segundo é como medida profilática destinada a profissionais com elevado nível de exposição ao Sars-CoV-2 (como profissionais de saúde, policiais, bombeiros) ou indivíduos com fatores de risco para desenvolver a forma grave da covid-19 (portadores de síndrome metabólica, obesos, diabéticos, HAS isolada ou idosos).

Se a ivermectina for usada para profilaxia, o protocolo recomenda o acompanhamento médico da função hepática. A medicação não pode ser adotada por nutrizes e gestantes. O documento também desestimula o uso profilático em pacientes jovens saudáveis “para que se alcance a imunidade de rebanho [coletiva] progressivamente”.

Também por e-mail, a Secretaria Estadual de Saúde enviou uma nota ao Comprova. O Estado “não prevê o uso de Ivermectina no tratamento da covid-19 por não existir recomendação científica e não ter uma eficácia comprovada em vivo”. Além disso, o governo estadual “não recomenda nem sugere a utilização no tratamento até que esta droga se mostre comprovada cientificamente eficaz”.

A Secretaria Estadual de Saúde afirma ainda que a adoção da ivermectina pelo município de Natal foi feita “sem evidência científica nem recomendação do Ministério da Saúde”. O governo do Estado diz que pode rever sua posição se algum dos estudos em andamento comprovar a eficácia da ivermectina no combate ao novo coronavírus.

Em uma das entrevistas, Fernando Suassuna afirma que o Conselho Regional de Medicina vinha debatendo o uso da ivermectina. No dia 20 de maio, o Conselho lançou as recomendações para o uso de medicamentos para tratamento do novo coronavírus. Todos os medicamentos citados no documento exigem o consentimento do paciente para serem ministrados. O texto cita a ivermectina como uma das substâncias estudadas para combater a covid-19. Mas a droga só é opção para pacientes que estejam em tratamento hospitalar. O Comprova ligou para a entidade para entender mais sobre as orientações e a recepcionista pediu que a demanda fosse encaminhada por e-mail. Não houve resposta até o fechamento da verificação.

O que dizem as autoridades?

No dia 05 de junho, o Comprova consultou autoridades sanitárias sobre o uso da ivermectina em pacientes com covid-19 como parte de outra verificação sobre a droga. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma que a ivermectina “não está registrada contra essa doença, portanto não é reconhecida pela agência como eficaz contra ela”.

No dia 10 de abril, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária dos Estados Unidos, divulgou uma carta aberta em que alerta as pessoas a não usar remédios à base de ivermectina destinados a animais como tratamento contra a covid-19 (print abaixo). Segundo a FDA, as pessoas não devem tomar ivermectina para prevenir ou tratar a doença. Também não há nenhuma autorização da FDA para o uso emergencial da droga nos Estados Unidos em função da pandemia.

O site do National Center for Biotechnology Information, vinculado à US National Library of Medicine, afirma que a nota da FDA foi publicada porque o estudo da Austrália vinha sendo “difundido com grande interesse em sites voltados amédicos e veterinários”. O texto é assinado por Mike Bray, editor da Antiviral Research.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) não comenta casos específicos, mas, por e-mail, afirmou ao Comprova que “não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19” e que “muitos medicamentos têm sido promissores em testes através de observação clínica, mas nenhum ainda foi aprovado em ensaios clínicos com desenho cientificamente adequado, não podendo, portanto, serem recomendados com segurança”. Acrescenta ainda que os médicos “devem observar o Código de Ética Médica”, segundo o qual devem evitar o sensacionalismo, entendido como “utilização da mídia, pelo médico, para divulgar métodos e meios que não tenham reconhecimento científico”.

Contexto

Mesmo sem eficácia comprovada, a ivermectina vem sendo defendida por médicos em conteúdos que costumam viralizar nas redes sociais. Muitos desses materiais contêm informações distorcidas, dando a impressão de que existe uma cura para a covid-19, contrariando o que dizem autoridades de saúde, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão afirmou ao Comprova que a ivermectina “não está registrada contra essa doença, portanto não é reconhecida pela agência como eficaz contra ela”. O Conselho Federal de Medicina (CFM) disse que não comenta casos específicos, mas afirmou ao Comprova que “não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a Covid-19“.

Grande parte dos brasileiros já completou mais de três meses em casa e não vê a hora de sair. Ao ler que há uma cura, essas pessoas podem relaxar o isolamento, apontado como a única medida capaz de frear o avanço da doença até o momento – estimuladas pelo presidente, que descumpre as regras de distanciamento social e pelos governos estaduais, que começam a reabrir o comércio em algumas cidades.

No momento em que cientistas do mundo inteiro correm contra o tempo para descobrir a cura da covid-19 e controlar o novo coronavírus, alguns sites tentam se destacar usando informações enganosas sobre curas milagrosas, que atrapalham o processo.

Isso tudo no momento em que o Brasil registrou 802.828 casos confirmados e 40.919 óbitos por covid-19 até a tarde de 11 de junho, de acordo com informações do Ministério da Saúde. Até a data, 311.064 pessoas haviam se recuperado e 390.033 estavam em acompanhamento.

Alcance

A postagem original foi compartilhada por mais de 9.600 pessoas no Facebook. Havia 586 comentários e 2.700 reações (apenas uma negativa).

Por meio da busca de imagem reversa do Google, foi possível encontrar o link replicado em outros sites, como Agora RN, Blog do BG e Blog Max Bezerra. E, de acordo com a ferramenta CrowdTangle, no total, o texto teve 55.960 interações na internet.

Saúde

Investigado por: 2020-06-11

Vídeo de aglomeração em Genebra é real, mas não prova que pandemia é farsa

  • Enganoso
Enganoso
Ao relacionar as imagens da reabertura em Genebra com o fato de a sede da OMS estar na mesma cidade e argumentar que isso revelaria uma “manipulação”, youtuber omite duas questões importantes. A primeira é que a pandemia está sob controle na Suíça depois de oito semanas de medidas restritivas de isolamento social. A segunda é que a OMS não tem poder para emitir ordens, nem mesmo na cidade onde fica a sua sede

É enganoso o vídeo publicado em 4 de junho pelo canal “Seu Mizuca”, no Youtube, que traz imagens sobre a situação em Genebra, na Suíça, e aponta que a pandemia de coronavírus “é uma farsa”.

Antes de exibir uma gravação – narrada em espanhol e que mostra pessoas interagindo na cidade suíça sem máscaras e sem levar em conta o distanciamento social – o responsável pelo canal afirma que tais cenas, que teriam sido gravadas em 1º de junho na cidade-sede da Organização Mundial de Saúde (OMS), revelariam uma “manipulação” do cenário da pandemia. O mesmo vídeo foi publicado um dia antes na página do empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, no Facebook.

O Comprova não conseguiu identificar o autor do vídeo utilizado por “Seu Mizuca” e nem confirmar se as imagens foram realmente captadas em 1º de junho, mas verificou que a gravação foi, de fato, feita em Genebra. Além disso, foi possível confirmar com pessoas que trabalham na região que a cidade suíça retomou suas atividades de forma praticamente normal.

Ao relacionar as imagens da reabertura em Genebra com o fato de a sede da OMS estar na mesma cidade e argumentar que isso revelaria uma “manipulação”, o youtuber omite duas questões importantes. A primeira é que a pandemia atingiu a Suíça antes do Brasil e que o país europeu passou por oito semanas de medidas restritivas de isolamento social. Depois disso, o governo local vem conseguindo manter a pandemia sob controle. O vídeo foi publicado pela primeira vez no Facebook, na página Proyecto Segunda República Río Cuarto y Sur de Córdoba, e no YouTube, no canal Miralo antes que lo censuren, em 1º de junho, data em que Genebra estava havia três dias sem novos casos de infecção pelo novo coronavírus registrados.

Em segundo lugar, o youtuber não menciona que a OMS faz apenas recomendações aos países e não emite ordens, nem mesmo para Genebra, onde está sediada.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos que tenham grande viralização e repercussão nas redes sociais. É o caso do vídeo em questão, que foi visto, apenas no YouTube, mais de 270 mil vezes.

Este vídeo se junta a uma série de outros conteúdos que têm como objetivo minimizar a extensão da pandemia de covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus. Recentemente, o Comprova mostrou que eram enganosos conteúdos que falavam sobre enterros falsos ou supernotificação de casos.

A denúncia de uma suposta “farsa” pode ter como resultado uma desmobilização da sociedade diante das medidas necessárias para conter a pandemia, o que pode provocar comportamentos danosos.

No caso do vídeo verificado aqui, o responsável por sua divulgação não explica ao público que o papel da OMS se restringe a fazer recomendações às autoridades, mas que elas não são obrigadas a seguir tais sugestões. Isso vale, também, para a Suíça, onde está sediada a organização. O governo suíço é, inclusive, exemplo de um país que não seguiu todas as recomendações da OMS.

Para o Comprova, o conteúdo enganoso é aquele retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Para realizar esta verificação, o Comprova utilizou a ferramenta InVid; o aplicativo desmembra o vídeo em frames e permite que se faça uma busca no Google em cima das imagens congeladas. Assim, é possível encontrar outras publicações com imagens similares, que nos levaram à mesma gravação em outros locais. Essa busca levou os verificadores a sites e perfis argentinos e espanhóis. Alguns deles foram contactados, mas não responderam aos pedidos de informação.

O Comprova também realizou buscas por palavras-chave no YouTube e no Facebook para tentar identificar a origem do vídeo. Em um dos comentários feitos no YouTube, um usuário citou como local da gravação o “Bains des Paquis”, atração turística em Genebra, na Suíça. Essa informação foi confirmada por meio de imagens encontradas no Google Maps e também por meio do contato com dois recepcionistas de hotéis da região. Ambos atestaram a movimentação intensa na área e o funcionamento normal de estabelecimentos e passeios de barco.

Também utilizamos ferramentas que nos ajudaram a comprovar que o clima e as sombras que aparecem no vídeo são compatíveis com os registrados em Genebra no dia em que o vídeo teria sido gravado. Utilizando o WolframAlpha, recuperamos os dados e verificamos as condições climáticas da cidade. De acordo com as informações da ferramenta, o dia teve uma temperatura média de 18ºC, chegando a 25ºC perto das quatro horas da tarde. A incidência de luz solar esteve alta o dia todo, enquanto poucas nuvens estavam no céu. Todas as informações batem com o que é possível observar no vídeo e condizem com uma movimentação de pessoas ao ar livre.

Com a SunCalc, uma ferramenta que ajuda a encontrar a posição do sol em determinado momento do dia, foi possível simular o posicionamento solar durante todo o dia 1º de junho. Podemos observar que as sombras das pessoas que caminham na orla e da lixeira são quase perpendiculares à fachada dos prédios nas ruas. Para as sombras serem exibidas desta maneira, o sol precisaria estar atrás dos prédios. Segundo a ferramenta, o sol estava em uma posição compatível com as sombras nessa posição no período compreendido entre as 17h e as 19h (nesta época do ano, o sol se põe em Genebra depois das 21 horas). É difícil cravar o momento exato em que o vídeo foi feito, já que o ângulo da filmagem não permite descobrir o quanto as sombras estão perpendiculares em relação aos prédios do fundo, mas, com as imagens existentes, comparando com a posição solar do SunCalc, é possível estimar que o vídeo tenha sido gravado perto das 18h.

[Atualização em 22 de junho de 2020 – o parágrafo acima foi atualizado para corrigir a estimativa do horário em que o vídeo deve ter sido feito. É provável que tenha sido perto das 18h e não perto das 13h, como publicado originalmente. A imagem da interface da ferramenta SunCalc, abaixo, também foi trocada.]

O Comprova também entrou em contato com a assessoria de imprensa do empresário Luciano Hang, cuja logomarca aparece no vídeo compartilhado, e o questionou sobre a origem das imagens. Publicações com o vídeo foram postadas, em 3 de junho, nas redes sociais de Hang (Twitter, Facebook e Instagram); nas legendas, ele afirma se tratar de uma gravação feita por um argentino que vive em Genebra. A assessoria do empresário disse por mensagem que Hang apenas compartilhou o vídeo que recebeu em um grupo do WhatsApp. O nome do grupo não foi mencionado.

Além disso, buscamos no site da Universidade Johns Hopkins, que agrega números mundiais de covid-19, a quantidade de casos e mortes pelo novo coronavírus na Suíça na época do vídeo. Também levantamos que o país foi o primeiro na Europa a flexibilizar o isolamento social, reabrindo restaurantes e bares em 11 de maio.

Por fim, verificamos que a cidade de Genebra abriga, de fato, a sede da Organização Mundial de Saúde (OMS). No entanto, o órgão internacional não possui jurisdição sobre qualquer cidade, estado ou país — incluindo a região onde está localizada.

Verificação

No conteúdo verificado pelo Comprova, o youtuber Seu Mizuka introduz um vídeo em seu canal alegando se tratar de um “choque de realidade” sobre a situação em Genebra, na Suíça, sede da OMS. “Talvez esse vídeo seja um dos vídeos mais importantes do século, para que as pessoas possam enxergar não seguiu todas as recomendações da OMS o quão manipulado é (sic) as coisas no Brasil e no mundo”, diz ele.

O vídeo em questão mostra um cais lotado de pessoas, a maioria sem máscaras, sentadas em mesas de restaurantes e circulando ao som de música alta. A narração do vídeo, feita em espanhol por um interlocutor que não aparece, afirma que as imagens foram gravadas em Genebra em 1º de junho.

“Aqui está a sede da OMS, essa mesma que manda em todos os lugares do mundo”, diz o narrador, em espanhol, em um dos trechos do vídeo.

Publicação no exterior

O Comprova utilizou a ferramenta InVid, que busca no Google frames do vídeo, para tentar encontrar outras postagens. A primeira delas foi feita no canal “Proyecto Segunda República Río Cuarto y Sur de Córdoba”, no Facebook. Restringimos nossa busca a veículos que republicaram postagens feitas na data em que o vídeo teria sido gravado – não encontramos nenhuma feita antes de 1º de junho.

A maioria das publicações encontradas consta em canais do YouTube e portais argentinos e espanhóis, incluindo dois veículos da Argentina: El Entre Ríos e Crónica TV. Ambos os sites alegam que o vídeo foi feito por um argentino que vive em Genebra, repetindo afirmação de Hang nas redes sociais. Enviamos e-mails para as duas redações questionando onde conseguiram o vídeo e não recebemos nenhum retorno até a publicação do texto.

Entramos em contato com um perfil no Facebook de uma mulher chamada Liliana Dayan, que diz viver em Buenos Aires, e publicou o vídeo em 1º de junho – mesma data em que supostamente foi gravado. Ela não nos retornou.

O vídeo também viralizou ao ser compartilhado pelo cantor espanhol Miguel Bosé, em 4 de junho. O músico disse que a pandemia é uma farsa. A fala de Bosé repercutiu em veículos como o Record (Portugal), El Periódico (Espanha) e até em portais esportivos espanhóis como Marca e Mundo Deportivo. Em março deste ano, a atriz Lucia Bosé, mãe do cantor, morreu em decorrência de uma pneumonia. Inicialmente foi divulgado que ela teria falecido pelo novo coronavírus, mas depois o diagnóstico foi descartado.

Narração real?

Alguns dos comentários feitos em canais do YouTube questionam se a narração é original ou se foi enxertada por cima do vídeo. “Pode ser uma gravação por cima do vídeo. Muito ruim publicarem assim”, escreveu o usuário identificado como Juan Pignata. Acima, o comentário do internauta Simon Gatti questiona a veracidade do vídeo: “Preciso de um indício, qualquer um, que me diga que a afirmação é atual. Simples assim”.

O Comprova não conseguiu descobrir se o vídeo foi modificado antes de ir ao ar.

Imagens são de Genebra

Outro comentário feito em um dos canais do Youtube indica que as imagens foram feitas na praça “Bains des Paquis”, um dos pontos turísticos de Genebra.

O Comprova conseguiu confirmar a informação verificando a localidade citada no Google Maps. No vídeo, várias vezes, o narrador afirma que ali se encontra a sede da OMS, o que pode induzir o espectador ao erro. O prédio da organização fica mesmo em Genebra, mas não no local onde foram feitas as filmagens.

Também pelo Google Maps, verificamos que a distância entre o “Bains des Paquis” e a sede da OMS é de 3,8 km.

Conforme esta reportagem da CNNMoney Suíça, os bares, restaurantes e cafés do país foram autorizados a reabrir no dia 11 de maio, depois de oito semanas de restrição no funcionamento. Diante da flexibilização da quarentena, perguntamos a dois funcionários de hotéis próximos ao “Bains des Paquis” se havia movimentação na data dos vídeos.

O Comprova conversou por telefone com o recepcionista Florence, do hotel President Wilson, em frente à Bains des Paquis, que relatou que “está tudo funcionando. Tudo aberto mesmo. É como se não tivesse nada.”

Em outra ligação, desta vez com a recepcionista Charla, do hotel Le Richemond, também próximo ao local, a informação foi similar: “Tem gente, sim, nas ruas. Os restaurantes estão abertos, mas alguns fechados porque não quiseram abrir”. Questionada se há orientação do governo suíço para que bares e restaurantes se mantenham fechados, ela respondeu: “Não, no momento, não! Tudo está aberto e tudo está bem”.

Segundo a página do ponto turístico no Facebook, os únicos serviços que ainda não haviam retornado, de saunas e massagens, voltaram a funcionar no dia 6 de junho.

OMS não pode dar ordens

No vídeo, o narrador acusa a OMS de ser a responsável pelas medidas adotadas para tentar conter o vírus. “Aqui está a sede da OMS, essa mesma que manda o mundo todo usar máscaras (…), que nos obriga a manter distanciamento de um metro entre as pessoas”, diz.

No entanto, não é função do órgão dar ordens. A OMS pode recomendar diretrizes, mas não possui poder de fiscalização.

A entidade pode alertar os países dos riscos do novo coronavírus (e diversas outras questões de saúde), apresentar dados consolidados sobre a situação da pandemia no mundo e até orientar quais ações podem ser tomadas no combate à doença. Mas ela não tem poder para aplicar multas ou interferir em um país que não cumprir as recomendações.

Isso se aplica também à cidade de Genebra e à Suíça. Mesmo sediando o órgão, nem a prefeitura e nem o país têm a obrigação de seguir com os protocolos recomendados pelo órgão internacional.

Situação da Covid-19 na Suíça

A Suíça registrou o primeiro caso do novo coronavírus no dia 25 de fevereiro, no cantão (uma das unidades da federação) de Ticino, que faz fronteira com a Itália. Três dias depois, em 28 de fevereiro, o Conselho Federal (o Poder Executivo do país) classificou a situação como “especial”, com base em uma legislação voltada para períodos de epidemia, e passou a tomar decisões que, normalmente, caberiam aos governos regionais. Na mesma data, passou a ser proibida a realização de grandes eventos, com mais de mil pessoas. A 43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, prevista para ocorrer no começo de março, em Genebra, acabou sendo cancelada.

A partir de 13 de março, o país passou a adotar uma série de medidas para prevenir a ampliação da epidemia no território nacional, impedir a entrada de estrangeiros que pudessem estar contaminados e melhorar a estrutura de atendimento e tratamento aos doentes. As determinações vão do fechamento das fronteiras e espaços de lazer, como cinemas, teatros e boates, à paralisação das aulas presenciais dos estudantes de nível fundamental e médio.

As restrições impostas pelo governo suíço começaram a ser relaxadas no dia 27 de abril, conforme decisão do dia 16. Na data da reabertura, o país ainda tinha um total de 5.299 casos ativos da covid-19, com 22.200 pessoas recuperadas da doença, e 1.665 mortes, segundo o monitoramento realizado pela Universidade Johns Hopkins.

O processo de reabertura e retomada das atividades econômicas foi feito de forma gradual e coordenada pelo governo central do país. Os bares, cafés e restaurantes, como os que aparecem no vídeo, foram autorizados a reabrir no dia 11 de maio, em uma segunda fase da flexibilização da quarentena.

Também passou a ser permitido praticar esportes — tudo com a garantia da adoção de medidas de higiene e um mínimo distanciamento social. A partir desta data, quando o país registrava 1.699 casos ativos da doença, as autoridades passaram a traçar as origens e contatos de todos os novos casos registrados da covid-19.

No dia 30 de abril, a campanha nacional de prevenção ao novo coronavírus mudou o nível de alerta para o “rosa”’, que indicava a atenção ao distanciamento social e às medidas de higiene – sobretudo lavar as mãos, mas o país não adotou o uso obrigatório de máscaras nos espaços públicos.

A reabertura das fronteiras com a Alemanha, Áustria e França, bem como a permissão de entrada de estrangeiros da União Europeia e Reino Unido está prevista para o próximo dia 15.

Situação em Genebra

O cenário do país e da cidade é bem parecido. Segundo o monitoramento publicado pelo Google, consultado no dia 10 de junho, a curva epidemiológica está praticamente estabilizada, depois de uma forte queda no registro diário de novos casos.

Ao todo, a cidade registra 5.142 casos do novo coronavírus, e contabilizou, até 10 de junho, 259 mortes. Na comparação com o restante do país, o único dado que chama a atenção é o número de casos registrados por milhão de habitantes: proporcionalmente, Genebra teve bem mais casos (10.295) do que o país como um todo (3.612). A Suíça também está bem acima da média global, que é de 905 casos a cada um milhão de pessoas.

Considerando que o vídeo verificado tenha sido realmente gravado no dia 1º de junho, a cidade já não tinha novos casos há três dias. O último registro de novas infecções em maio (e não há dados disponíveis sobre junho) ocorreu no dia 27, quando 3 casos foram confirmados.

No dia 10 de junho, se subtraídos os casos de pessoas recuperadas e os de óbitos, a Suíça ainda registrava 377 casos ativos do novo coronavírus, segundo o mapa global da Johns Hopkins.

Contexto

O questionamento das orientações dadas pela OMS no combate à pandemia da covid-19 tem sido uma constante nos discursos que tentam minimizar a doença. Nos Estados Unidos, Donald Trump já acusou o braço da ONU na saúde de estar ligado à China, e o país norte-americano chegou a romper com o órgão.

No Brasil, os ataques de Jair Bolsonaro à Organização Mundial da Saúde são frequentes, e o presidente, nesta semana, insinuou que a intenção das recomendações seja “quebrar os países”.

Frequentemente, os apoiadores de Bolsonaro e Trump acusam a OMS de contradições nas medidas recomendadas e dão a entender que o órgão não está seguindo as próprias orientações — o que não condiz com a verdade, já que, como apontado nesta verificação, a organização atua apenas de forma recomendatória.

Alcance

Até o dia 10 de junho, todas as páginas mantiveram os respectivos conteúdos no ar. O vídeo de Seu Mizuka apresentava, no YouTube, 277.616 visualizações, 56 mil curtidas e 625 descurtidas. No Twitter, foram 21 retuítes e 68 curtidas.

Somando todos os outros compartilhamentos, até 10 de junho o YouTube registrou 365.483 visualizações, 6.025 curtidas e 379 descurtidas. No Facebook, as postagens somam 26.824 interações e 3,1 mil compartilhamentos. Já no Twitter, foram 16,5 mil visualizações, 2.381 retuítes e 5.200 curtidas. No Instagram, o vídeo teve 350.818 visualizações.

Saúde

Investigado por: 2020-06-10

É verdade que criança com suspeita de covid-19 foi colocada em caixão lacrado e, mais tarde, testou negativo

  • Comprovado
Comprovado
O procedimento de lacrar o caixão é padrão em casos de óbitos confirmados ou com suspeitas de coronavírus, como é o caso da morte de uma menina cujo caixão aparece em vídeo publicado nas redes sociais sendo aberto pela família. O resultado do exame foi divulgado somente uma semana depois e o teste deu negativo

É verdadeira a história que circula nas redes sociais de que uma criança com suspeita de covid-19 foi colocada, sem limpeza, dentro de caixão lacrado. Ela, contudo, não havia sido infectada pelo novo coronavírus, de acordo com resultado do exame divulgado uma semana depois. Um vídeo, que mostra o momento que a família abre a urna e se depara com a menina suja de sangue, viralizou na internet.

O caso ocorreu na cidade de Touros, no Rio Grande do Norte, no dia 19 de maio. A menina seria enterrada com a urna lacrada por suspeita de covid-19, mas a família abriu o caixão e descobriu que a limpeza do corpo não havia sido realizada para o sepultamento. O procedimento de lacração é padrão em casos de suspeita de contaminação pelo novo coronavírus, de acordo com o Guia para o Manejo de Corpos no Contexto do Novo Coronavírus – COVID-19 do Ministério da Saúde.

A Prefeitura de Touros abriu um processo administrativo para investigar o que ocorreu. E informou, uma semana após o fato, que o resultado do teste da criança deu negativo para o novo coronavírus e que o óbito não foi contabilizado nas estatísticas do estado de mortes relacionadas à pandemia.

Por que investigamos?

O Comprova monitora conteúdos sobre o novo coronavírus compartilhados em redes sociais e aplicativos de mensagens que tenham grande alcance e repercussão. No caso do vídeo investigado, em uma publicação no Facebook, no dia 22 de maio, ele foi visto por cerca de 8,4 milhões de pessoas.

Além disso, a história é compartilhada em um contexto em que mensagens tentam minimizar os efeitos da pandemia e questionam informações fornecidas por órgãos oficiais, alegando uma suposta supernotificação de casos contabilizados de mortes causadas pela covid-19 no Brasil.

Em maio, o Comprova fez uma verificação de uma publicação enganosa a partir de um post que continha a foto de um caixão aberto com um travesseiro dentro. A alegação era de que caixões vazios estariam sendo enterrados no estado do Amazonas. A imagem era, na realidade, de 2017 e foi publicada em uma reportagem que denunciava um golpe para resgate de seguro de vida.

O selo comprovado, para o Comprova, é fato verdadeiro, evento confirmado, localização comprovada ou conteúdo original publicado sem edição.

Como verificamos?

Para verificar a origem do vídeo, o Comprova utilizou busca reversa de imagens, a partir do Google Imagens, quando retratos paralisados do vídeo são usados para achar outras publicações da mesma gravaçã,. Também foi usada a pesquisa avançada em buscadores para encontrar registros do caso.

O sepultamento teve cobertura local do portal “Agora RN” e do programa “Primeiro Impacto”, do SBT. Nas redes sociais da prefeitura do município de Touros também foram encontrados comentários sobre o acontecimento.

O Comprova entrou em contato com a prefeitura por telefone. A Polícia Civil do Rio Grande do Norte também foi procurada e não retornou. Já a funerária que prestou o serviço disse que não iria se pronunciar sobre o assunto. O Comprova não conseguiu contato com a família.

Verificação

Segundo informações da Secretaria Municipal de Saúde, a criança de 9 anos deu entrada no Hospital de Touros com falta de ar, às 21h30 do dia 18 de maio. O caso se agravou e a menina morreu. Na declaração emitida pela unidade, o motivo da morte era “insuficiência respiratória aguda e suspeita de covid-19”. O diagnóstico, contudo, foi contestado pela família, segundo a própria prefeitura.

O serviço funerário foi realizado com auxílio da prefeitura. Como havia suspeita de infecção pelo novo coronavírus, o caixão foi lacrado, conforme orientação do Ministério da Saúde.

No dia do sepultamento, familiares da menina, que contestavam o diagnóstico, resolveram abrir o caixão. O vídeo que circula na internet mostra o momento em que a urna é aberta e a criança aparece morta apenas com um pedaço de pano cobrindo o corpo, sem a devida limpeza. Nas imagens é possível ver sangue escorrendo do nariz da menina.

Revoltada, a mãe da criança diz que jogaram a menina como um bicho dentro do caixão e que esse teria sido o motivo para lacrar a urna. Em entrevista ao SBT, ela informou que tinha certeza de que a filha não estava com o novo coronavírus e que os médicos sabiam que esta não era a causa.

O vídeo da família abrindo o caixão viralizou nas redes sociais. Em um canal do Youtube ele havia sido visualizado mais de 75 mil vezes até a noite desta segunda-feira, dia 8 de junho. Os comentários acusavam a prefeitura de esconder o verdadeiro motivo da morte.

O secretário de Saúde do município, Higor Andrade, se manifestou no dia 20 de maio numa rede social. Ele informou que o hospital seguiu todos os protocolo do Ministério da Saúde e que aguardava o resultado do teste de covid-19 realizado na criança após o óbito. Disse também que a prefeitura havia aberto um processo administrativo para apurar o que aconteceu e porque a limpeza do corpo não foi feita. Segundo o órgão, apesar de o auxílio funerário ser concedido pela Secretaria de Assistência Social, o serviço é terceirizado.

Cinco dias depois, a prefeitura voltou a se manifestar nas redes sociais. Por meio de nota, o órgão informou que o resultado do exame da criança era negativo para o novo coronavírus e que a causa da morte da menina seria alterada no sistema de informação de mortalidade do município.

O Comprova entrou em contato com o Secretário de Saúde de Touros, Higor Andrade, por telefone. Ele confirmou a abertura do processo administrativo e disse que o caso da criança nunca foi contabilizado nas estatísticas do novo coronavírus divulgadas pelo município. Contudo, havia suspeita de covid-19 na declaração de óbito e por isso o caixão foi lacrado. A funerária também foi procurada. Uma funcionária informou que os proprietários não iriam se manifestar.

Verificação do Comprova mostrou que as mortes por covid-19 só são incluídas nas estatísticas oficiais após a realização de exames.

O caso também é investigado pela Polícia Civil do estado, mas a Secretaria de Segurança do Rio Grande do Norte não retornou aos pedidos de comentário feitos pelo Comprova.

Contexto

Touros é uma cidade no interior do Rio Grande de Norte com aproximadamente 33 mil habitantes, segundo dados do IBGE. Até esta terça-feira, 09 de maio, o município registrava 118 casos confirmados de covid-19 e seis óbitos causados pela doença, segundo boletim divulgado pela Prefeitura.

No Rio Grande do Norte, 153 dos 167 municípios possuem casos confirmados do novo coronavírus. Ao todo, 11.027 pessoas já foram contaminadas e 459 já morreram no Estado, de acordo com dados do Ministério da Saúde..

Os números divulgados pelos Estados foram foco de polêmica recentemente. O empresário Carlos Wizard, que estava cotado para assumir a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, informou que o governo iria recontar as mortes no Brasil, pois os dados atuais seriam “fantasiosos ou manipulados”.

Wizard afirmou que os números estavam sendo inflados e que muitos gestores públicos, por interesse em ter um orçamento maior, estavam notificando todos os casos de morte como covid-19.

A fala do empresário gerou revolta entre governadores estaduais e foi repudiada pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Wizard desistiu do cargo no Ministério e disse que havia sido mal interpretado.

Na última sexta-feira, 5 de junho, o governo tirou do ar o painel da covid-19 do site do Ministério da Saúde. Ao retornar com o portal, a pasta passou a divulgar apenas os dados das últimas 24 horas, sem dados acumulados de mortes e pessoas contaminadas pelo novo coronavírus. Após decisão do Supremo Tribunal Federal, o governo teve que voltar a divulgar o total de números nesta terça-feira.

Alcance

Até esta terça-feira (9), uma publicação no Facebook com o vídeo tinha 8,4 milhões de visualizações. Postada no dia 22 de maio, a legenda que acompanha a gravação não possui nenhuma informação falsa, mas está desatualizada: o teste com o resultado negativo ainda não havia sido divulgado. No YouTube, uma postagem de 20 de maio havia sido visualizada por 75 mil pessoas.

Saúde

Investigado por: 2020-06-09

Imagem mostra boneco de plástico em protesto, e não corpo carregado só por uma mão

  • Enganoso
Enganoso
Post usou uma foto feita em um ato realizado nos Estados Unidos para minimizar a extensão da pandemia do novo coronavírus

Uma fotografia que mostra uma pessoa carregando o que seria uma figura humana envolta em um saco plástico preto está sendo compartilhada nas redes sociais com o objetivo de desacreditar o número de mortes pela covid-19. A legenda da imagem diz que as pessoas estariam “levando o corpo só com uma mão” e afirma que deveriam “tentar disfarçar melhor”.

A fotografia original não mostra corpos de verdade e não foi tirada em um enterro. Ela foi registrada pelo fotógrafo Cristobal Herrera no dia 27 de maio, durante uma manifestação na cidade de Miami, nos Estados Unidos. O protesto fez um funeral simbólico, no qual os sacos plásticos representavam pessoas que haviam morrido de covid-19 no passado. Ou seja, a fotografia não mostra pessoas levando um corpo só com uma das mãos.

Até o dia 27 de maio, quando a fotografia foi feita, os Estados Unidos tinham confirmado mais de 100 mil mortes e 1,69 milhão de infecções pelo novo coronavírus de acordo com o painel mantido pela Universidade Johns Hopkins.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdo suspeito que tem grande alcance nas redes sociais. Vídeos e fotografias desacreditando a ciência e a gravidade da pandemia do novo coronavírus têm circulado nas redes trazendo desinformação para a população e dificultando o controle da doença.

Nesta verificação, a publicação analisada infere que o corpo mostrado na fotografia seria falso e utiliza essa afirmação para desacreditar o número de mortos pela pandemia. De fato, como mostramos na verificação, é um corpo “falso” – mas que não serve para provar nenhum ponto em relação ao número de mortos. O “corpo” foi feito com sacos plásticos e utilizado para representar pessoas reais que morreram por conta da covid-19 nos Estados Unidos.

Para o Comprova, o conteúdo enganoso é aquele retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

O Comprova fez uma busca reversa de imagem no Google e encontrou a mesma fotografia publicada em centenas de sites. As publicações mais antigas foram encontradas no site da Agência Lusa e da Agência EPA. As duas são agências de jornalismo que vendem fotografias e outros conteúdos para jornais ao redor do mundo. Em ambos os casos, a imagem estava creditada ao fotógrafo Cristobal Herrera e continha mais algumas informações — teria sido tirada no dia 27 de maio de 2020 no parque Torch of Friendship.

A partir destas informações, pesquisamos no Google sobre o evento e encontramos imagens da fotógrafa Chandan Khanna, da Agência AFP, mostrando outros ângulos do que parecia ser o mesmo evento. De acordo com a legenda, as fotografias eram de um protesto organizado pela New Florida Majority (NewFM) e os sacos plásticos pretos estariam representando corpos em um funeral simbólico. Pesquisamos nas redes sociais da NewFM e encontramos outros vídeos e fotografias dos atos realizados no dia 27 de maio. Também encontramos uma transmissão ao vivo feita neste dia a partir do parque Torch of Friendship — que, posteriormente, ficou salva como um vídeo.

Entramos em contato e conversamos com o fotógrafo Cristobal Herrera via Instagram e Facebook. Também procuramos a NewFM por Instagram e por e-mail, mas até a publicação desta verificação não recebemos resposta.

Verificação

A legenda que acompanha a fotografia afirma que a pessoa estava “levando o corpo só com uma mão”. Também diz que “podiam tentar disfarçar melhor” — esse comentário foi feito com o intuito de desacreditar a pandemia e o número de mortos pela covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Uma busca reversa da imagem no Google mostrou que a fotografia original foi capturada pelo fotógrafo Cristobal Herrera no dia 27 de maio de 2020 no parque Torch of Friendship, na cidade de Miami, na Florida, nos Estados Unidos.

Neste dia, o movimento estadunidense New Florida Majority (NewFM) organizou um protesto contra a reabertura da economia no estado da Flórida. Os manifestantes organizaram um funeral simbólico e colocaram sacos plásticos pretos para representar os corpos de pessoas que morreram pela covid-19. Durante o evento, eles fizeram uma transmissão ao vivo que, posteriormente, ficou salva no Facebook como um vídeo. Nela, é possível perceber que se trata do mesmo local — o parque Torch of Friendship — em que a fotografia foi tirada.

Por mensagem, o fotógrafo Cristobal Herrera confirmou que a imagem foi feita durante o protesto. “São corpos falsos. A legenda das fotografias é bem clara sobre a imagem. Mas algumas vezes isso [a confusão em relação à imagem] acontece porque as pessoas não leem as legendas”, afirmou Herrera. “Eles [os manifestantes] me disseram que foi um longo processo para fazer os corpos simbólicos”, complementou.

Em outros vídeos e fotografias feitos no mesmo dia, publicados pela NewFM e também pela Agência AFP, é possível observar os mesmos “corpos simbólicos” retratados na fotografia de Herrera.

Contexto

Desde o começo da pandemia do novo coronavírus, circulam nas redes sociais diversas narrativas que têm como objetivo negar ou relativizar os efeitos da covid-19. O Comprova já verificou publicações que, supostamente, mostravam covas abertas sem enterros, redução no número de mortes depois de operação policial e número de casos menor que o oficial.

Desta vez, a publicação verificada infere de maneira equivocada, a partir de uma fotografia verdadeira, que estariam enterrando “corpos falsos”. No começo de maio, diversas publicações que mostravam caixões vazios ou “cheios de pedras” foram checadas por agências independentes. O objetivo é desacreditar o número de mortos divulgados pelo Ministério da Saúde. Até o dia 8 de junho, o Brasil já tinha 37.134 mortos pela covid-19.

Alcance

O usuário responsável pelo post enganoso apagou a publicação, mas até isso ocorrer o conteúdo já tinha sido compartilhado mais de 10 mil vezes no Facebook.

Saúde

Investigado por: 2020-06-08

Protocolo de uso da cloroquina não aumentou o número de pacientes recuperados de covid-19 no Brasil

  • Enganoso
Enganoso
Post que viralizou nas redes sociais afirma que depois da adoção do “protocolo da cloroquina” o Brasil passou a ter o “número de curados quase duplicado”, mas o Comprova verificou que a porcentagem de pessoas recuperadas da covid-19 ante o número de casos da doença provocada pelo novo coronavírus se mostra estável

É falsa a afirmação de que o número de pacientes recuperados de covid-19 no Brasil aumentou depois que o Ministério da Saúde passou a recomendar o uso de cloroquina em casos leves de covid-19. O Projeto Comprova verificou o texto publicado no dia 29 de maio no site “Agora Paraná”, assinado por Oswaldo Eustáquio. O autor diz que depois da adoção do “protocolo da cloroquina” o Brasil passou a ter o “número de curados quase duplicado”. Mas os dados do Ministério da Saúde desmentem essa alegação.

O blogueiro, conhecido defensor do presidente Jair Bolsonaro, comemora que o Brasil tinha o segundo maior número de pacientes curados até um dia antes da publicação — ou seja, 28 de maio — e que havia ultrapassado a Alemanha. Em entrevista por telefone, ele disse que se baseou em dados da Universidade Johns Hopkins para chegar a essa conclusão. “Minha matéria é muito específica e clara. A fonte é uma instituição reconhecida mundialmente como a maior faculdade de ciências do mundo, e isso está no ranking [da John Hopkins], e a minha matéria não diz sobre estatística, sobre porcentagens, é sobre números [absolutos]“, afirmou.

De fato, os dados da universidade informam que, na data, o Brasil tinha o segundo lugar em quantidade de pacientes recuperados, 177.604 (veja mais detalhes abaixo). Mas a forma como Eustáquio usou a informação é enganosa já que, naquele momento, o país também era medalha de prata em infecções: 438.238 casos confirmados. Uma taxa de recuperação de 40,5%. No mesmo dia, a Alemanha registrou 163.360 pacientes livres da covid-19, mas sobre um universo de infectados muito menor: 182.196. No caso dos alemães, a taxa de recuperação mais que dobra, chegando a 89%.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos sobre o novo coronavírus, e a covid-19, doença provocada por ele, que tenham grande viralização. É o caso da reportagem do site Agora Paraná.

Esses conteúdos são relevantes pois se inserem em uma lista de materiais que circulam com o intuito de minimizar a pandemia de covid-19. O potencial negativo desses conteúdos é significativo, pois eles podem ter como resultado uma desmobilização da sociedade em praticar o isolamento social e adotar medidas de higiene necessários para combater a proliferação do vírus, para o qual não há cura ou vacina.

No Brasil, após o presidente Jair Bolsonaro defender a tese de que a pandemia não é grave e de que a cloroquina é uma alternativa para a doença, páginas conhecidas por apoiá-lo adotaram esse discurso. Nas últimas semanas, o Comprova verificou, por exemplo, conteúdos que levantavam dúvidas sobre o número de mortes por covid-19 e os registros de óbitos em cartórios.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

A equipe do Comprova foi atrás de dados sobre infecção, óbito e recuperação de pacientes de covid-19 no Ministério da Saúde e nos arquivos da Universidade John Hopkins. Com eles foi possível calcular as taxas de recuperação dos pacientes infectados aqui no Brasil e na Alemanha na data de publicação do texto verificado.

Também buscamos as diretrizes para o tratamento medicamentoso de pacientes com covid-19, divulgadas pelo Ministério da Saúde no dia 20 de maio. Esse protocolo trata do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes mesmo que estejam com sintomas leves. Determina como deve ser feita a aplicação e a dosagem. O doente deve autorizar o uso do medicamento.

Também procuramos a assessoria de imprensa do ministério, para entender se há relação entre a publicação das diretrizes e um aumento na média de pacientes recuperados de covid-19.

Ainda sobre o uso de cloroquina, buscamos as pesquisas mais recentes sobre o medicamento em todo mundo. E questionamos o Conselho Federal de Medicina para saber se é possível falar em “cura” quando se trata de covid-19.

Por fim, o Comprova entrou em contato com o autor do texto, o blogueiro Oswaldo Eustáquio. Inicialmente, o Comprova enviou um Whatsapp questionando o texto escrito por ele, que respondeu com prints de números de recuperados. Perguntado sobre a fonte dos dados, ele ligou para o Comprova.

Verificação

Não é possível afirmar que há uma relação direta entre o uso da cloroquina e a recuperação de pacientes de covid-19. No texto verificado, o autor comemora “a marca de 177 mil pessoas curadas” até o dia 28 de maio e afirma que após a “prescrição e o uso deste medicamento (cloroquina), o Brasil começou a ter o número de curados praticamente duplicado”. Os números oficiais divulgados pelo Ministério da Saúde não confirmam a afirmação. Cruzamos o número de casos confirmados até o dia da postagem (28 de maio), 438.238, com o de pacientes recuperados na mesma data, 177.604, e chegamos a uma taxa de recuperação de 40,5%. Esse índice pouco variou depois da adoção do protocolo. Era de 38,4% no dia 16 de maio e 40% no dia em que o documento entrou em vigor, 20 de maio. No dia 03 de junho era de 40,8%. Veja a variação nos gráficos abaixo.

O blogueiro diz ainda que temos “oito mil curados, em média, por dia”. De fato, nos oito dias entre as diretrizes entrarem em vigor e a publicação do texto no “Agora Paraná” a média de pacientes recuperados, ainda segundo os dados do ministério, foi de 7,8 mil por dia. Mas o número de “curados” não foi “duplicado”, como ele alega. Nos oito dias que antecederam o protocolo a média foi de 4,9 mil pacientes recuperados por dia.

Calculamos também o número de óbitos em relação ao total de infecções. Essa taxa sofre uma pequena variação depois da adoção do protocolo. Era de 6,7% em 16 de maio, dia em que foram registradas 15.633 mortes. No dia 20 de maio foram 18.859, 6,4% do total. No dia da publicação do texto verificados, 28 de maio, o registro foi de 26.754 mortes, 6,1% do total de casos confirmados. Confira o gráfico.

Quem é Oswaldo Eustáquio

Filho de pai militar e mãe paraguaia, Eustáquio se define no Twitter como “jornalista investigativo, apaixonado pela verdade, inimigo da corrupção. Conservador”. Ele assina textos no site “Agora Paraná” que publica conteúdos enviesados e distorcidos, como o publicado no dia 3 de junho que informa que Eustáquio teria sido arrastado pelo carro da reportagem do “Estadão”. Segundo nota da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), “a versão do vídeo divulgada por militantes bolsonaristas não (…) inclui o momento em que Eustáquio tenta impedir a equipe do ‘Estadão’ de deixar o local, ao manter sua mão na porta do carro”.

Em fevereiro deste ano, Eustáquio foi condenado pela Justiça a pagar R$ 15 mil por publicar uma informação falsa envolvendo o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil.

Em uma reportagem da TVCI, de Paranaguá (PR), publicada em maio de 2019 no YouTube, Eustáquio se diz “amigo pessoal” da ministra Damares Alves e conta que trabalhou na comunicação da pasta durante a transição, no início do governo Bolsonaro. A matéria é sobre a saída de Eustáquio da emissora, onde ele ficou por oito anos no comando do jornalismo, e sua mudança para Brasília. “Fiquei de dezembro até fevereiro na condução da comunicação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, da ministra Damares Alves, minha amiga pessoal. Fiz toda essa transição. Agora vou a Brasília trabalhar com comunicação”, ele diz na reportagem.

Ainda sobre a relação de Eustáquio com o governo federal, sua mulher, a indígena Sandra Terena, é secretária nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Mais recentemente, em maio, ajudou a criar o acampamento “Os 300 do Brasil”, em Brasília. Segundo a ativista de grupo de extrema direita Sara Winter contou em uma Live com o blogueiro, foi ele quem teve a ideia: “O Oswaldo falou assim, ‘acho que a gente tinha que chamar todo mundo para acampar aqui em Brasília; a gente tinha que fazer um acampamento, se mobilizar’”.

Existe cura para a covid-19?

Um paciente que foi diagnosticado com covid-19 é considerado “recuperado” depois de dois resultados negativos em exames laboratoriais para SARS-CoV-2. Isso costuma acontecer 14 dias depois da infecção inicial. O Ministério da Saúde brasileiro segue esta orientação.

Para o Conselho Federal de Medicina, ainda não há medicamentos capazes de “curar” a covid-19. Por e-mail, o CFM disse que “até o momento, não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19”. Para o Conselho, há justificativas para o uso de a cloroquina e a hidroxicloroquina no tratamento de covid-19 por causa da ação anti-inflamatória, do baixo custo e dos efeitos colaterais conhecidos dos medicamentos. Mas ressalva: “não existem até o momento estudos clínicos de boa qualidade que comprovem sua eficácia em pacientes com covid-19. Esta situação pode mudar rapidamente, porque existem dezenas de estudos sendo realizados ou em fase de planejamento e aprovação”.

Eficácia em xeque

Um estudo sobre a eficácia da cloroquina foi divulgado pelo New England Journal of Medicine no dia 3 de junho. Realizado por pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos EUA, com 821 norte-americanos e canadenses risco alto a moderado de contrair covid-19. O teste foi planejado de acordo com padrões científicos internacionais. Parte dos voluntários recebeu uma dose diária de hidroxicloroquina — forma menos tóxica da cloroquina — ao longo de cinco dias. Outro grupo recebeu placebo. A conclusão foi de que a hidroxicloroquina não foi eficiente para prevenir a infecção pelo novo coronavírus. “Foi decepcionante, mas não surpreendente”, declarou em entrevista o pesquisador David Boulware.

A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), a Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e a Associação Médica Brasileira (AMB) são algumas das organizações científicas e profissionais que publicaram orientações e recomendações reforçando que ainda não há evidências que comprovem a eficácia do medicamento, e que sua eventual aplicação seja feita conforme a situação ou protocolo determinado.

Protocolo para uso da cloroquina

A partir de maio, o Ministério da Saúde passou a orientar a prescrição da cloroquina e da hidroxicloroquina já a partir de sintomas leves. O protocolo sugere o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina associadas ao antibiótico azitromicina desde o primeiro dia, com doses que aumentam de acordo com a gravidade e com o tempo de infecção. Por e-mail, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde ressaltou que “o Sistema Único de Saúde (SUS) é tripartite e funciona com a articulação das ações entre Governo Federal, estados e municípios. Sendo que cada esfera tem autonomia para tomar decisões que estão sob a sua gestão”, inclusive sobre o uso do medicamento.

No protocolo, há uma série de exames que precisam ser realizados antes que a cloroquina seja indicada, como eletrocardiograma e diagnóstico para covid-19. O texto também ressalva que faltam estudos para embasar o uso dos medicamentos. “Não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19”, diz. Por fim, o protocolo é claro ao deixar a decisão final sobre o uso da cloroquina nas mãos do médico e do paciente, que precisa assinar um Termo de Ciência e Consentimento.

Ainda por e-mail, a assessoria do Ministério da Saúde informou que “não possui o levantamento de pacientes que adotaram o protocolo de uso de cloroquina no tratamento para a covid-19 nem o número de pacientes recuperados que fizeram o uso deste medicamento”.

Contexto

Mesmo sem eficácia comprovada, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina tem sido defendido pelo presidente Jair Bolsonaro desde o começo da pandemia. Não há nenhum estudo internacional que reconheça a eficiência do medicamento. Ainda assim, Bolsonaro e seus seguidores insistem em defender a prescrição, alinhados ao discurso do presidente norte-americano Donald Trump.

A polêmica sobre o uso da cloroquina foi pivô da demissão de dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril, e Nelson Teich, em 15 de maio. Desde então, a pasta está nas mãos do general Eduardo Pazuello, promovido de secretário-executivo a ministro interino pelo presidente Jair Bolsonaro, no dia 03 de junho. Foi sob o comando dele que o Ministério da Saúde publicou o protocolo de uso da cloroquina no combate ao novo coronavírus.

Críticas ao distanciamento social

As críticas às medidas de distanciamento social são outro lugar-comum entre os apoiadores de Jair Bolsonaro, e Oswaldo Eustáquio não é diferente. O blogueiro acredita governadores e prefeitos vão manter as populações isoladas “enquanto houver dinheiro público para gastar sem licitação”. Essa ideia aparece com frequência em boatos sobre a pandemia, numa tentativa de enfraquecer as políticas de isolamento que vão contra as ideias do presidente. O Comprova já verificou desinformação sobre desvios de dinheiro público.

No texto verificado Eustáquio afirma, sem provas, que o número de “curados” é uma informação “escondida a sete chaves pela grande mídia” para “assustar e enganar a população através dos meios de comunicação de massa para legitimar os governos estaduais e a manterem o lockdown”. Na contramão desse raciocínio, as políticas de isolamento têm sido afrouxadas pelos estados nas últimas semanas, depois que o protocolo foi publicado.

Alcance

Os dados coletados até o dia 08 de junho mostram que o texto de Oswaldo Eustáquio teve bastante alcance nas redes sociais, embora nem sempre associado ao nome do blogueiro. O texto original, publicado no site “Agora Paraná” teve 28,1 mil interações. O link foi reproduzido pelo perfil de Twitter de Eustáquio, alcançando 5,4 mil likes e 2,5 retweets.

O site “Canal Gama” reproduziu o texto na íntegra e, embora tenha dado crédito ao “Agora Paraná”, não usou o nome de Oswaldo Eustáquio. Nessa página foram 10,6 mil interações. Já no perfil de Facebook ligado ao site foram mil compartilhamentos.