O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-07-23

Estudo da Henry Ford Health System é insuficiente para provar eficácia da cloroquina contra a covid-19

  • Enganoso
Enganoso
A conclusão do artigo ressalta que os resultados precisam ser confirmados através de outros testes que permitam avaliar “rigorosamente” a eficácia do tratamento. Especialistas entrevistados pelo Comprova apontam que o método e as conclusões tiradas pelos pesquisadores são frágeis e precipitadas
  • Conteúdo verificado: Post do site Pleno.News afirma que um estudo do Henry Ford Health System comprova a eficácia do tratamento com hidroxicloroquina nos casos de covid-19. O texto se baseia em uma reportagem da Fox News, do começo de julho, que foi publicada por Bolsonaro nas redes sociais.

Um texto publicado em 18 de julho, no site Pleno.News, distorce as informações de um estudo sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 ao afirmar que está comprovada a eficácia do medicamento.

A publicação cita um estudo do Henry Ford Health System, do começo de julho, que afirma que o tratamento com a droga reduziu significativamente a taxa de mortalidade em pacientes hospitalizados com covid-19, sem causar efeitos colaterais ao coração. A própria conclusão do artigo, porém, ressalta que os resultados precisam ser confirmados através de outros testes que permitam avaliar “rigorosamente” a eficácia do tratamento.

Além disso, especialistas entrevistados pelo Comprova apontam que o método e as conclusões tiradas pelos pesquisadores são precipitadas e muito frágeis.

Como verificamos?

O Comprova buscou o estudo do Henry Ford Health System, uma organização de assistência médica sem fins lucrativos, dos Estados Unidos, e comparou as informações com as que foram publicadas no texto verificado. Buscamos também outras publicações com grande respaldo científico sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com a covid-19, bem como o posicionamento de órgãos e entidades de referência sobre o uso dos medicamentos.

Também entrevistamos Carlos Orsi, diretor do Instituto Questão de Ciência e Estevão Urbano, presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, que comentaram sobre a metodologia do estudo e sobre os resultados apresentados.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 22 de julho de 2020.

Verificação

O texto do site Pleno.News fala sobre o estudo por causa de uma reportagem do canal americano Fox News, de 3 de julho, que foi postada pelo presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais. Na matéria da Fox, que anunciou um “novo estudo bombástico sobre a hidroxicloroquina”, a pesquisa do Henry Ford Health System foi comentada pelo médico cardiologista e CEO da Foxhall Cardiology, Ramin Oskui.

O Estudo da Henry Ford Health System

No estudo publicado pelo Henry Ford Health System no International Journal of Infectious Diseases, médicos analisaram 2.541 pacientes hospitalizados entre os dias 10 de março e 2 de maio de 2020 em seis hospitais que fazem parte da rede de saúde da organização, localizados na região metropolitana de Detroit, nos Estados Unidos. De acordo com os pesquisadores, 13% dos tratados apenas com hidroxicloroquina morreram, enquanto a taxa de mortalidade entre os pacientes não tratados com hidroxicloroquina foi de 26,4%. “Nenhum dos pacientes havia documentado anormalidades cardíacas graves; no entanto, os pacientes foram monitorados quanto a uma condição cardíaca rotineiramente apontada como uma razão para evitar o medicamento como tratamento para a covid-19”, afirma o estudo.

Os pesquisadores também analisaram a taxa de mortalidade entre pacientes que receberam uma combinação dos medicamentos hidroxicloroquina e azitromicina e aqueles que receberam apenas o último tipo.

O Comprova conversou com o diretor do Instituto Questão de Ciência, Carlos Orsi, que avalia que existem dois problemas nos argumentos apresentados pela pesquisa; um de caráter geral e outro específico do trabalho em questão. Segundo Orsi, trata-se de um estudo observacional, em que os autores apenas observaram os resultados dos pacientes, sem interferir ou controlar os tratamentos. “Estudos observacionais são logicamente incapazes de provar qualquer coisa. Eles apenas sugerem associações (no caso, entre hidroxicloroquina e menor mortalidade) que depois precisam ser validadas em estudos de intervenção, onde os tratamentos são devidamente controlados”, explica ele. Como o Comprova já explicou, em outras verificações, o método científico mais confiável é o chamado de ensaio clínico randomizado controlado, em que um grupo de voluntários é recrutado e acompanhado pelos pesquisadores ao longo de vários meses. Nesse modelo, também é sorteado aleatoriamente quem receberá a medicação, para evitar que fatores externos, como idade e condição de saúde, interfiram no resultado.

O estudo Instituto Henry Ford também mostrou que aqueles pacientes tratados apenas com azitromicina ou com uma combinação de hidroxicloroquina e azitromicina tiveram um desempenho um pouco melhor que aqueles não tratados com os medicamentos. A análise constatou que 22,4% dos tratados apenas com azitromicina morreram e 20,1% tratados com uma combinação de azitromicina e hidroxicloroquina morreram, em comparação com 26,4% dos pacientes que morreram e que não foram tratados com nenhum dos medicamentos.

Segundo Estevão Urbano Silva, diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, o fato de os pacientes analisados no estudo do Henry Ford Health System não terem apresentado efeitos colaterais relacionados à medicação não é definitivo. “Não dá para trazer essa conclusão para todos os outros pacientes e para as situações do dia a dia, porque é um estudo com metodologia científica inadequada”, aponta o médico. No início de junho, uma nova pesquisa da Universidade de Minnesota constatou, após uma experiência com mais de 800 pacientes, que não há nenhum benefício no uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no combate ao novo coronavírus. Além dessa análise, o estudo também apontou para efeitos colaterais graves ou problemas cardíacos com o uso dos dois medicamentos.

Para o infectologista, no momento em que a ciência caminha para aperfeiçoar seus estudos sobre o novo coronavírus, é delicado e perigoso acreditar em apenas uma fonte de informação. “Temos que fazer uma avaliação sobre o tema. Tem estudos mais conclusivos falando contra o uso da cloroquina que não adiantou, então temos que nos firmar naqueles estudos que tiveram uma metodologia mais adequada, mais correta.”

Embora o neurocirurgião Steven Kalkanis, CEO do Henry Ford Medical Group e vice-presidente sênior e diretor acadêmico do Henry Ford Health System, esteja comemorando que o medicamento tenha ajuado a salvar vidas, ao fazer a leitura dos dados é possível encontrar inconsistência nos perfis dos grupos de pacientes.

De acordo com Carlos Orsi, uma das tabelas apresentadas no estudo informa que apenas 38% dos pacientes do grupo que não receberam hidroxicloroquina ou azitromicina tinham menos de 65 anos, enquanto a taxa de pacientes mais jovens medicados, nos outros grupos, era superior a 50%. “A comparação não é justa, é impossível atribuir o progressos dos pacientes que receberam hidroxicloroquina à medicação, já que eles eram mais jovens, estavam recebendo também outros remédios. Os autores do estudo tentam corrigir essas distorções aplicando técnicas estatísticas para estimar o peso relativo de cada fator (como a idade), mas estatísticas não fazem milagres”, avalia Orsi.

A emissora norte-americana CNN esteve na coletiva de imprensa em que a equipe do Henry Ford Health System anunciou os resultados. Segundo a reportagem, a equipe que coordenou os estudos destacou que os pacientes foram submetidos ao tratamento no início da manifestação da doença. “Para que a hidroxicloroquina seja benéfica, é preciso que os pacientes tomem antes de seu organismo produzir algumas reações imunológicas severas que podem ocorrer a quem está infectado com a covid-19”, afirmaram os pesquisadores, na apresentação dos dados à imprensa.

A reportagem destaca, também, que a pesquisa recebeu críticas da comunidade científica e cita que outros dois estudos de ampla divulgação foram interrompidos porque os resultados sugeriram que a hidroxicloroquina não trazia benefícios aos pacientes. O primeiro, realizado pela Agência Nacional de Pesquisa Médica (National Institutes of Health), testou o medicamento em 470 pacientes. O segundo, realizado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, contou com mais de 11 mil pacientes.

Apesar do entusiasmo que acompanhou a publicação da pesquisa realizada pelo Henry Ford Health System, e da ênfase do site Pleno.News sobre a comprovação dos benefícios, os próprios pesquisadores destacaram na conclusão do artigo que “os resultados devem ser interpretados com cautela e o tratamento não deve ser aplicado em pacientes fora do ambiente hospitalar. Os resultados também requerem confirmação através de testes randomizados que permitam avaliar rigorosamente a segurança e a eficácia do tratamento com hidroxicloroquina para pacientes hospitalizados com a covid-19”.

A hidroxicloroquina no tratamento da covid-19

A Fox News, que publicou a reportagem sobre o estudo do Henry Ford Health System, foi a primeira emissora americana a ventilar a possibilidade de uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, ainda em março. O advogado Gregory Rigano foi entrevistado no canal e falou sobre os resultados promissores de um estudo francês, que ainda não havia sido publicado, sobre o uso da droga no tratamento da covid-19. Tratava-se do artigo de Didier Raoult, que, posteriormente, foi criticado pela comunidade científica em decorrência dos métodos duvidosos empregados na pesquisa. O estudo francês já foi alvo de outras verificações do Comprova.

Desde então, vários outros estudos já apontaram a ineficácia do tratamento com a cloroquina e a hidroxicloroquina nos pacientes com o novo coronavírus e a Organização Mundial da Saúde suspendeu as pesquisas com o medicamento em pacientes hospitalizados.

Na semana passada, a Sociedade Brasileira de Infectologia divulgou uma nota afirmando que dois estudos internacionais comprovaram que não há nenhum benefício clínico da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. No texto, a entidade diz que a substância não é eficaz nem na prevenção nem na cura da doença.

A entidade também pede que a cloroquina deixe de ser usada como tratamento da covid-19, que os órgãos públicos reavaliem orientações de uso de medicamentos comprovadamente sem efeito e que os recursos públicos sejam usados em anestésicos, bloqueadores neuromusculares e aparelhos para o tratamento da doença, em falta na rede pública.

Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration — órgão governamental responsável pela regulação de medicamentos — revogou, em junho, a autorização emergencial para o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com a covid-19 — a não ser no caso de ensaios clínicos. Em julho, o órgão atualizou as diretrizes e divulgou um documento com um resumo dos problemas de segurança encontrados durante o tratamento dos pacientes hospitalizados com o novo coronavírus. São mencionados “arritmias sérias”, “problemas hematológicos e linfáticos”, lesões renais e falhas no fígado.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova verifica conteúdos sobre a covid-19 que tenham grande alcance em redes sociais e grupos de mensagem. A checagem de fatos durante a pandemia adquiriu uma importância ainda maior, uma vez que a desinformação afeta diretamente a saúde das pessoas. Nesse caso, a relevância da verificação justifica-se pelo fato de envolver um tratamento que, além de não possuir eficácia cientificamente comprovada, pode ocasionar efeitos colaterais graves aos pacientes que a ele são submetidos.

Além disso, no Brasil, o medicamento vem sendo apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como uma possível cura para a doença. Após afirmar ter sido diagnosticado com a doença no início de julho, o presidente disse estar tomando o remédio e defende o uso para pacientes com sintomas leves. Em um encontro com apoiadores no Palácio do Planalto, Bolsonaro exibiu uma caixa do medicamento.

Uma pesquisa do Instituto Ipsos mostra que 18% dos brasileiros acreditam que a hidroxicloroquina é uma cura para a covid-19, apesar de não haver qualquer indicação científica a sustentar essa impressão. “Entre os 16 países pesquisados, o brasileiro é a segunda população que mais acredita que há, sim, uma cura para a covid e é a cloroquina. Só perde para a Índia nesse quesito”, disse o presidente do instituto Marcos Calliari em entrevista ao Valor Econômico.

De acordo com os dados da plataforma CrowdTangle, o conteúdo verificado conta com mais de 100 mil interações no Facebook, tendo sido compartilhado inclusive pelo deputado Marco Feliciano. O conteúdo também viralizou no Twitter, somando mais de 11 mil interações.

O conteúdo do site Pleno.News também foi encontrado em outros blogs como o A Trombeta News, Atualidade em Foco, Opinião Crítica e Mídia News.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-07-18

Máscaras são eficientes no combate ao novo coronavírus, ao contrário do que diz influenciador

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirma o autor de um vídeo que viralizou no Instagram, o processo de filtragem das máscaras não depende unicamente do tamanho dos poros — o Comprova verificou que existem vários processos físicos envolvidos. Veja quais são eles.
  • Conteúdo verificado: Um vídeo que afirma que o uso de máscaras não ajuda no combate ao novo coronavírus publicado no Instagram pelo perfil rodrigopolesso.

É falso que o uso de máscaras, sejam elas caseiras ou profissionais, não ajude a diminuir a transmissão do novo coronavírus. Em vídeo publicado no Instagram, o influenciador e escritor Rodrigo Polesso afirma que a peça de proteção não teria eficácia porque as partículas de saliva expelidas por pessoas infectadas seriam menores do que os poros das máscaras.

Ele diz que a transmissão do SARS-CoV-2, o novo coronavírus, se dá por meio de aerossóis — que são partículas com tamanho menor que 5 micrômetros (μm). Porém, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a principal forma de transmissão do vírus é por meio de gotículas de saliva, maiores que 5 μm.

Mesmo assim, independentemente do tamanho das partículas, o processo de filtragem das máscaras não depende unicamente do tamanho dos poros — existem vários processos físicos envolvidos. Partículas maiores, de pelo menos um micrômetro, viajam em linha reta e, mesmo que passem pelos poros, irão se chocar com as fibras das máscaras, que possuem várias camadas. Partículas menores que um micrômetro estão sujeitas ao movimento browniano — princípio físico que faz com que a trajetória das partículas seja aleatória e não em linha reta — responsável por fazer com que elas se choquem com as fibras das máscaras. Por fim, partículas ainda menores são atraídas por campos eletrostáticos presentes nos materiais das máscaras. Por isso, é importante que elas tenham, pelo menos, três camadas e sejam feitas com diferentes materiais — a recomendação é da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

O vídeo engana também ao tentar relativizar a gravidade da pandemia afirmando que o SARS-CoV-2 está sendo estudado desde, pelo menos, 2015 e que todo ano o planeta enfrenta pandemias do vírus influenza e de outros coronavírus.

Procurado pelo Comprova, Polesso afirmou que seu vídeo se baseia em evidências e não em sua opinião sobre o assunto. Segundo ele, o fato de a “OMS [Organização Mundial da Saúde] dizer algo não significa que este algo é verdadeiro ou baseado em evidências”, o que é falso. O trabalho da organização é baseado em expertise técnica e científica, referência para pesquisadores de todo o mundo. O órgão conta, inclusive, com uma Divisão Científica para subsidiar as normas elaboradas pela organização e que produz pesquisa na área da saúde pública .

A OMS possui alto caráter técnico-científico, diferentemente de outras organizações internacionais, que têm, principalmente, a participação de diplomatas. Na Constituição da OMS — capítulo 5, artigo 11— é explicitado que as delegações na Assembleia Mundial da Saúde, o órgão máximo de deliberação da organização, devem ser escolhidas entre as personalidades mais qualificadas pela sua competência técnica no domínio da saúde.

Como verificamos?

A partir das informações presentes no perfil do Instagram de Rodrigo Polesso, o Comprova buscou mais informações sobre ele no Google e chegou ao projeto Emagrecer de Vez — que, segundo a definição do site, é um “movimento que tem com o objetivo quebrar mitos, simplificar e mostrar as verdades sobre o emagrecimento e estilo de vida saudável”. O site indica que Polesso é líder do “movimento” e reúne uma série de informações sobre ele e sua formação. Também buscamos os perfis de Polesso em outras redes sociais, como LinkedIn e Facebook.

O Comprova acessou os artigos citados no vídeo por Polesso e outros artigos científicos sobre a eficácia do uso de máscaras para diminuir a transmissão do novo coronavírus. Também buscou informações em órgãos como Anvisa, Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), Organização Mundial de Saúde e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.

Entramos em contato com o médico e professor de infectologia Antônio Carlos Bandeira, integrante do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e chefe do Serviço de Infecção e Controle do Hospital Aeroporto — Bahia. Conversamos, também, com o pesquisador do Laboratório de Imunorregulação da Universidade Federal de Santa Catarina Carlos Zárate-Bladés, que é médico com mestrado e doutorado nas áreas de microbiologia e imunologia.

Contatamos, ainda, o próprio autor do vídeo, Rodrigo Polesso, que respondeu aos questionamentos do Comprova por e-mail.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de Julho de 2020.

Verificação

No vídeo publicado no Instagram, o influenciador Rodrigo Polesso afirma que o uso de máscaras não tem eficácia porque as partículas de saliva expelidas por pessoas infectadas seriam menores do que o tamanho dos poros das máscaras.

Pelo tamanho, essas gotículas não conseguem ficar suspensas no ar e caem no chão ou em outras superfícies rapidamente. As máscaras servem, principalmente, como uma barreira física para impedir que essas gotículas sejam expelidas por uma pessoa infectada, mas também para proteger a boca e o nariz de pessoas que não foram infectadas.

Recentemente, centenas de pesquisadores publicaram um texto no jornal The New York Times pedindo para a OMS considerar que o novo coronavírus também é transmitido em larga escala por aerossóis, ou seja, por partículas menores que 5 micrômetros. A diferença é que essas partículas, por serem pequenas, podem ficar paradas no ar por horas. A OMS, no entanto, sustenta que esses estudos são inconclusivos e que, independentemente do tamanho das partículas expelidas pelos infectados que carregam os vírus, as máscaras ajudam a frear sua transmissão.

Tamanho dos poros das máscaras

Na sequência do vídeo, Polesso afirma que as partículas dos aerossóis têm um tamanho médio de 2,5 micrômetros e que as máscaras cirúrgicas comuns têm poros que variam de 19 a 51 micrômetros. “As partículas são muito menores que os poros das máscaras cirúrgicas”, conclui ele.

Para falar do tamanho dos poros das máscaras, Polesso utilizou um artigo chamado “The Relationship of Fabric Properties and Bacterial Filtration Efficiency for Selected Surgical Face Mask”, publicado no Journal of Textile and Apparel, Technology and Management em 2003. O artigo testou seis modelos diferentes de máscaras e mediu o tamanho, peso, resistências e os poros das máscaras.

Os números que Polesso utiliza estão corretos: os poros dos modelos de máscaras analisados variam de 16 a 51 micrômetros, segundo o artigo. Porém, ele deixou de fora uma medida muito importante: a eficácia da filtragem. Os pesquisadores testaram a filtragem com duas bactérias (S. aureus e E. coli), que tem tamanhos variando de 0,5 a 6 micrômetros, e descobriram que as máscaras filtravam, em média, 93% das amostras. Ou seja, mesmo com poros maiores que as bactérias, as máscaras ainda filtravam a grande maioria das amostras.

Isso acontece porque a filtragem das máscaras ocorre em diferentes etapas e não depende apenas do tamanho dos poros. “As máscaras não funcionam unicamente através dos poros, mas funcionam de várias formas. É um fenômeno multifatorial que tem a ver com o tamanho das partículas, velocidade das partículas, tipos de tecidos usados, a características desses tecidos e também as cargas [elétricas] das partículas e dos materiais das máscaras”, explica o pesquisador Carlos Zárate-Bladés, do Laboratório de Imunorregulação da Universidade Federal de Santa Catarina.

O artigo “Aerosol Filtration Efficiency of Common Fabrics Used in Respiratory Cloth Masks”, publicado na revista da Sociedade Americana de Química em abril, mostra que existem cinco mecanismos básicos que atuam na filtragem. Partículas grandes, com pelo menos um micrômetro, ficam presas nas fibras das máscaras. Isso acontece porque cada camada de máscara é formada por várias camadas de fibras. Ou seja, mesmo que a partícula passe pelo poro da primeira camada, ela ainda pode atingir as fibras da segunda, e assim por diante.

As partículas menores, que variam no tamanho de 100 nanômetros até 1 micrômetros, são afetadas por um princípio físico chamado movimento browniano. Resumidamente, por serem muito pequenas, as partículas se chocam com moléculas presentes no ar e têm um movimento aleatório. Por conta disso, elas não se deslocam em linha direta e acabam atingindo as fibras das máscaras e ficando grudadas nelas.

Partículas ainda menores que 100 nanômetros são atraídas por uma força eletrostática gerada pelas fibras dos tecidos e também ficam presas nas máscaras. “Os vírus têm proteínas em sua superfície e também tem lipídios na parte externa, e estas substâncias têm cargas elétricas. Então, esses elementos também são atraídos pelos tecidos que compõem as máscaras”, complementa Zárate-Bladés.

Estudo publicado por Denis Rancourt

Durante o vídeo, Polesso cita um artigo escrito por Denis Rancourt, um cientista e ex-professor de física conhecido por ter sido demitido da Universidade de Ottawa, no Canadá, após ter violado uma série de acordos coletivos de política da universidade. O artigo foi publicado inicialmente no site ResearchGate, mas foi posteriormente removido pelos administradores do site. Rancourt acusa a instituição de censura.

A partir do artigo de Rancourt, Polesso extraiu diversos outros que são citados ao longo do vídeo. O Comprova leu todos e concluiu que nenhum afirma que as máscaras não funcionam (análise abaixo). A maioria dos artigos tem diversas limitações, como o não acompanhamento de quem utiliza a máscara para certificar do uso correto, que os próprios autores mostram nos trabalhos. Ou seja, Rancourt tira de contexto vários artigos para tentar provar a ineficácia das máscaras

Estudos citados

Para sustentar suas afirmações, Rodrigo cita no vídeo uma série de artigos sobre o uso de máscara para proteção de doenças respiratórias publicados entre 2009 e 2020. O primeiro é um teste randomizado feito no Japão sobre a capacidade das máscaras em reduzir a incidência de resfriados entre profissionais de saúde, publicado em 2009. Em um teste randomizado, os integrantes do grupo a ser testado e do grupo de controle são escolhidos aleatoriamente para evitar que outras características, como idade ou condição de saúde, distorçam os resultados. Segundo Rodrigo, o estudo mostra que “o uso de máscara não demonstrou nenhum potencial benefício nos sintomas do resfriado ou no potencial de ser infectado por um resfriado”. Esse trecho foi retirado da conclusão do artigo. Mas a frase seguinte ressalta que “é necessário um estudo maior para estabelecer definitivamente se não há menos risco em não usar máscara”.

Outro artigo é uma revisão sistemática, quando o autor analisa estudos já publicados, sobre o uso de máscaras para prevenir a transmissão do vírus influenza, e foi publicado em 2010. Sobre ele, Rodrigo afirma que “nenhum dos estudos revisados mostrou o benefício de usar uma máscara, sendo dentro de hospitais, ambientes de saúde, ou mesmo com membros da comunidade usando”. A conclusão original do texto, porém, cita um vazio na literatura científica sobre esse assunto. “Enquanto há alguma evidência experimental de que as máscaras podem ser capazes de reduzir o potencial de infecção sob condições controladas, há menos evidência se isso pode se traduzir em efetividade das máscaras em um ambiente natural”, afirma. O texto sugere a necessidade de estudos maiores e mais detalhados para avaliar se as máscaras podem reduzir a transmissão dos vírus em um cenário de pandemia, o que descreve como uma prioridade urgente.

O terceiro artigo, datado de 2011, é também uma revisão sistemática sobre o uso de máscaras para prevenir a transmissão do vírus influenza. No vídeo, Rodrigo afirma que “nenhum dos estudos estabeleceu uma relação conclusiva entre usar máscara ou respirador em qualquer proteção contra influenza”. De fato, a conclusão do texto afirma que as evidências para sustentar a efetividade do uso de máscaras nos serviços de saúde ou na comunidade são limitadas. Mas registra também que o uso precoce, correto e consistente das máscaras pode melhorar a sua eficiência. Para coletar informações capazes de definir a efetividade das máscaras, o artigo sugere que se financie a adoção de um mesmo protocolo em diferentes locais por vários anos, a fim de verificar a sua eficácia.

Após mencionar o quarto artigo rapidamente, Rodrigo argumenta que “não teve diferença entre as duas coisas” ao comparar máscaras N95 e máscaras cirúrgicas para proteger trabalhadores da saúde de infecções agudas respiratórias, objeto do estudo. No entanto, omite que nas conclusões o paper menciona que “mais estudos clínicos randomizados controlados são necessários para detectar uma diferença clínica importante” e “que esses estudos em condições clínicas são as melhores evidências para avaliar a efetividade de informar a formulação de políticas públicas”. Além disso, não há menção ao controle de bactérias pelas máscaras cirúrgicas, assunto sugerido pela abordagem que Rodrigo faz do tema enquanto o estudo é visível na tela.

O quinto artigo compara o efeito de proteção contra infecções respiratórias no uso de máscaras e respiradores, a partir de análise de diversos outros papers. O trecho lido por Rodrigo afirma que não houve evidência significativa de proteção de ambos contra infecções respiratórias virais, mas não cita a parte que aponta este tipo de infecção como rara entre as amostras dos estudos. Ele também omite que há uma ressalva no artigo que diz: “É mais provável que essa falta de evidência indique insuficiência no poder estatístico desses estudos do que uma falta de efeito de proteção.”

O sexto e o sétimo artigos chegam à conclusão que não há diferença significativa na capacidade de proteção entre os trabalhadores de hospitais que usaram máscaras N95 e máscaras cirúrgicas. Ambos são mencionados por ele muito rapidamente, sem citar todas as limitações constatadas em cada um. Em seguida, Rodrigo diz genericamente ao se referir aos sete estudos que “as melhores evidências publicadas, antes dessa pandemia, estão mostrando claramente que [a máscara comum] não tem eficácia contra vírus respiratórios”, o que é falso, pois nenhum dos estudos permite esta afirmação.

O que dizem especialistas e autoridades?

A OMS recomenda o uso de máscaras como parte da estratégia para parar a transmissão do vírus. A entidade afirma que o uso de máscara por si só não é suficiente para fornecer um nível adequado de proteção contra a covid-19. Por isso, recomenda também que se mantenha uma distância mínima de um metro de outras pessoas, se lave constantemente as mãos e que se evite tocar o rosto ou a própria máscara. Segundo a OMS, máscaras médicas podem proteger as pessoas que as usam de serem infectadas. A organização recomenda, porém, que esse tipo de equipamento seja destinado a profissionais de saúde, pacientes com sintomas de covid-19, familiares que cuidam desses pacientes e grupos de alto risco, como idosos e portadores de comorbidades.

Em relação às máscaras de pano, a OMS afirma que as evidências quanto a sua efetividade são limitadas e não recomenda o seu uso entre o público para o controle da covid-19. A entidade ressalta, por outro lado, que nas regiões com transmissão comunitária do vírus que tenham capacidade limitada para implementar medidas de controle, o seu uso pelo público em geral deve ser incentivado pelos governos. A regra vale especialmente para locais onde não é possível manter o distanciamento físico de um metro, como transporte público, lojas e ambientes fechados.

Desde abril, o Ministério da Saúde recomenda o uso de máscaras caseiras para que as pessoas se protejam do novo coronavírus. Segundo a pasta, para que as máscaras caseiras sejam eficientes como uma barreira física, elas precisam ter duas camadas de pano e cobrir totalmente a boca e o nariz, além de ser justas ao rosto, sem deixar espaço nas laterais. Outra recomendação é para que sejam de uso individual, não podendo ser compartilhadas com outras pessoas. O ministério cita tecidos como algodão, tricoline e TNT como opções para confecção dos equipamentos.

Em nota, o Inmetro afirmou que desenvolveu, em 2014, um programa para avaliar a qualidade de máscaras, com base em critérios estabelecidos pela Anvisa. A certificação indica que o produto passou por auditorias no processo produtivo e ensaios de inspeção visual, resistência à respiração, penetrações através do filtro, inflamabilidade, resistência da válvula de exalação à tração e vazamento da válvula de exalação. O processo de certificação é feito por organismos acreditados pelo Inmetro e segue os parâmetros de avaliação da Anvisa.

Segundo o Inmetro, em 19 de março a Anvisa publicou uma resolução que define procedimentos temporários para equipamentos de proteção individual, incluindo máscaras, em virtude da emergência de saúde pública internacional causada pelo novo coronavírus. O texto diz que esses produtos ficam temporariamente “dispensados de certificação no âmbito do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade (SBAC)”. Por isso, o Inmetro suspendeu por 12 meses a compulsoriedade da certificação das máscaras, já que o suprimento delas é considerado essencial para combater a pandemia.

Em entrevista ao Comprova, realizada por meio de áudios no Whatsapp, o médico e diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Antônio Carlos Bandeira explicou que as máscaras funcionam como um anteparo para o vírus. “O uso da máscara previne a aerossolização dessas gotículas que quando o indivíduo fala, tosse ou espirra ele gera e contamina muito as outras pessoas”, afirmou o médico.

A afirmação de Bandeira está em consonância com as recomendações do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, que produziu a ilustração abaixo para conscientizar as pessoas sobre a importância do uso de máscaras para diminuição do número de infectados pela doença

O médico destacou que o uso das máscaras se torna essencial na medida em que pessoas assintomáticas, ou com sintomas leves da doença, também transmitem o vírus. Segundo ele, “o uso de máscara previne a possibilidade de o indivíduo contaminado, mesmo que ele não saiba [que está infectado], de aerossolizar partículas, porque essas partículas vão ficar presas na porção interna das máscaras”. Bandeira afirmou que a máscara também pode proteger o indivíduo que é exposto ao vírus em um ambiente compartilhado com uma pessoa infectada que não usa máscara.

O infectologista alertou, ainda, que existem alguns cuidados com as máscaras caseiras para que elas possam fornecer a maior e melhor proteção possível a quem as usa. As máscaras devem ter preferencialmente três camadas de tecido, precisam ser trocadas a cada três horas, e devem cobrir completamente o nariz, a boca e a porção lateral da face, se ajustando bem e incluindo o queixo.

Confecção e uso das máscaras

A Anvisa possui uma página que reúne as informações sobre máscaras e as indicações para o seu uso. A agência afirma que existem diversos tipos de máscaras para diferentes finalidades, de modo que para cada situação há um tipo apropriado de máscara. No contexto da pandemia do novo coronavírus, a Anvisa destaca três tipos: máscaras de proteção de uso não profissional, máscaras cirúrgicas e equipamentos de proteção respiratória.

O primeiro tipo é o daquelas que “são confeccionadas artesanalmente com tecidos como algodão, tricoline, entre outros, e utilizadas para cobrir o nariz e a boca em espaços públicos durante a pandemia”. De acordo com a agência, essas máscaras atuam como barreiras físicas e reduzem a propagação do vírus.

O médico e pesquisador Carlos Zárate-Bladés, da UFSC, reforça que é importante que as máscaras tenham, pelo menos, três camadas de tecidos diferentes, como recomenda a Organização Mundial da Saúde.“Que os tecidos sejam diferentes para que consigamos ter uma trama fechada, mas que permita respiração e que consigamos ter uma máscara que atue não unicamente por um só mecanismo”, afirma.

“O algodão é um excelente tecido, que tem uma alta compactação, bastante fios e gera uma estrutura de rede que vai impedir a passagem de grandes partículas. Os poros podem ser permissivos para partículas menores, mas aí entram em jogo as outras camadas de tecido que vão estar por trás dessa capa de algodão. Um exemplo é a seda, que é um tecido que se considera que atua basicamente por carga, então a filtragem das partículas virais é melhorada”, complementa. Pesquisadores e professores do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), entre eles Zárate-Bladés, desenvolveram um passo a passo para a produção de máscaras caseiras visando o melhor aproveitamento das propriedades dos tecidos.

Sobre as máscaras caseiras, a Anvisa publicou, em 3 de abril, um documento com orientações gerais para seu uso. A agência afirma que “as máscaras faciais não-hospitalares não fornecem total proteção contra infecções, mas reduzem sua incidência”, e destaca que o “o efeito protetor por máscaras é criado por meio da combinação do potencial de bloqueio da transmissão das gotículas, do ajuste e do vazamento de ar relacionado à máscara, e do grau de aderência ao uso e descarte adequados”. A agência ainda define outros tipos de proteções, como as máscaras cirúrgicas que precisam ser testadas e seguir normas específicas, e máscaras PFF2 e N95 que tem um poder de filtragem superior às outras.

Além dos materiais usadas na confecção, a utilização correta das máscaras é muito importante para a efetividade de seu uso. Elas precisam estar bem acomodadas no rosto das pessoas. “Ela precisa vedar os espaços da boca e sobretudo os espaços do nariz de tal forma que a respiração seja feita sempre através da máscara, tanto na inalação quanto na exalação. É muito ruim se ela deixar passar ar pelas laterais, por baixo ou por cima da máscara”, afirma Zárate-Bladés. A parte da costura nos tecidos das máscaras também deve ser feita apenas nas bordas das máscaras e não na região central, para não danificar a continuidade das fibras.

As máscaras também devem ser feitas de tecidos que sejam facilmente laváveis e que tenham uma duração mais longa. A recomendação da Anvisa é para que as máscaras sejam utilizadas por, no máximo, três horas e depois sejam lavadas com água e sabão, álcool 70 ou em uma solução com água sanitária.

“Você pode ter a máscara mais perfeita do mundo, projetada de diversas formas e testada, mas o mais importante é o uso que a pessoa faz com ela: o bom uso implica em não tocar na máscara, lavar corretamente, saber retirar ela, saber colocar”, reforça Zárate-Bladés.

A descoberta do SARS-CoV-2 e o comportamento do vírus influenza

Na tentativa de minimizar a gravidade da pandemia, Polesso afirma, sem apresentar evidências, que o agente causador da covid-19, o SARS-Cov-2, é conhecido pelos pesquisadores desde, pelo menos, o ano de 2015. Não é o que apontam as evidências científicas, os especialistas e os órgãos de saúde.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o SARS-CoV-2 era desconhecido antes do surto ocorrido em Wuhan, em dezembro de 2019. Entendimento análogo ao do Ministério da Saúde, do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos e do médico, professor e diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia Antônio Carlos Bandeira, entrevistado pelo Comprova. O médico explicou que não existe nenhuma documentação que prove que o SARS-CoV-2 circulasse em populações humanas antes de dezembro de 2019 e esclareceu que “nós não sabemos ainda dizer se esse vírus circulava em animais [antes de dezembro de 2019]”.

O Ministério da Saúde esclarece que o SARS-CoV-2 pertence à família dos chamados coronavírus, que causam infecções respiratórias. Segundo a pasta, “os primeiros coronavírus humanos foram isolados pela primeira vez em 1937. No entanto, foi em 1965 que o vírus foi descrito como coronavírus, em decorrência do perfil na microscopia, parecendo uma coroa. A maioria das pessoas se infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida, sendo as crianças pequenas mais propensas a se infectarem com o tipo mais comum do vírus. Os coronavírus mais comuns que infectam humanos são o alpha coronavírus 229E e NL63 e beta coronavírus OC43, HKU1”.

O Comprova verificou, em junho, outro boato que afirmava que o SARS-CoV-2 existia desde 2003.

Em outra tentativa de minimizar a gravidade da emergência sanitária causada pelo novo coronavírus, Polesso afirma que todo ano há uma pandemia do vírus influenza, causador da gripe, ou de outros coronavírus — o que, segundo ele, não justificaria as medidas tomadas para o controle da atual pandemia como, por exemplo, o uso de máscaras. Essa informação, no entanto, engana.

Segundo os critérios da OMS uma pandemia ocorre quando há disseminação mundial de uma nova doença. Para que a OMS classifique uma situação como pandêmica, portanto, não são levados em conta critérios como o tipo de doença ou sua gravidade — a definição de pandemia diz respeito essencialmente à disseminação de uma doença.

O médico e professor de infectologia Antonio Carlos Bandeira esclareceu que não é correto afirmar que todos os anos ocorrem pandemias do vírus influenza. Segundo o especialista “todo ano ocorre a circulação usual do vírus da influenza em níveis não epidêmicos nem pandêmicos. Excepcionalmente em alguns anos, como foi o caso de 2009, houve uma pandemia [causada] pelo vírus H1N1. Mas essa é uma situação que podemos chamar de atípica — o usual são níveis de circulação do vírus em níveis que chamamos de endêmicos.”

Quem é Rodrigo Polesso?

Rodrigo Polesso se apresenta no Instagram como “especialista em ciência nutricional” e “autor bestseller”. Ele tem 245 mil seguidores no Instagram e 1,37 milhões de inscritos em seu canal no YouTube. Em seu Facebook, diz que estudou Ciências da Computação na Universidade Federal do Paraná (UFPR) — o que foi confirmado pela instituição, por e-mail — e também afirma, na biografia, que estudou nutrition (nutrição, em português) na Universidade Estadual de San Diego, nos Estados Unidos.

Porém, na mesma rede social, exibe um certificado do curso “Nutrition for Optimal Health and Wellness” (Nutrição para Saúde Ideal e Bem-estar, em português). O curso é online, tem duração de cinco meses e não exige formação prévia na área de nutrição ou saúde. O Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) afirmou, por e-mail, que não existe nenhum registro de Polesso no órgão. Ainda disseram que “a formação em Nutrição é ampla e tem duração de cinco anos” e que “para se tornar nutricionista é preciso ter um registro profissional no respectivo conselho regional”, caso contrário “o indivíduo estará exercendo a profissão de forma irregular, passível de sanções no âmbito civil e até criminal”.

Em seu perfil no Facebook, Polesso ainda exibe o endereço de quatro sites distintos, que oferecem cursos variados: como gerar renda na internet, como fotografar e como emagrecer. Ao acessar as plataformas, é possível ver o nome de Polesso como fundador de todos eles. Todos são cursos online e pagos.

Em um dos sites relacionados à nutrição e dieta, o Tribo da Forte, Polesso adicionou uma nota evitando o termo “nutricionista” e afirmando que ele “enquanto especialista certificado em nutrição otimizada para saúde e bem-estar pela San Diego State University [Universidade Estadual de San Diego], na Califórnia, é um expert por mérito próprio, tendo construído seu conhecimento na área de nutrição através de suas próprias pesquisas ao redor do mundo, não sendo formado em nutrição nem em qualquer outra área da saúde. Todos os conhecimentos, dicas e métodos compartilhados são de propósito meramente educacional. Nenhuma informação desta página ou do portal Tribo Forte substitui uma consulta com seu médico ou nutricionista. Jamais faça nenhuma mudança na sua alimentação ou estilo de vida alimentar sem antes consultar seu médico ou profissional de saúde. É só ele quem poderá avaliar de perto a sua situação atual e decidir se você está apto ou não á essas alterações”.

Procurada por e-mail para comentar sobre o curso, a Universidade Estadual de San Diego não retornou os contatos do Comprova. Polesso também afirma ter estudado administração na Fundação Getulio Vargas. Por e-mail, a instituição afirmou que os funcionários “estão trabalhando remotamente, por isso, não será possível a checagem solicitada”.

Procurado por e-mail, Polesso afirmou que por possui formação na área de ciências e exatas teria “grande poder analítico e crítico livre de ideologia para análise de evidência científicos e falácias lógicas em argumento”. Também disse que hoje em dia as pessoas têm acesso às “mesmas evidências que órgãos oficiais têm acesso” e que se estes “têm uma mensagem avessa as evidências, eles são passíveis de serem questionados”.

Questionado sobre não ter uma formação na área da saúde, disse que o trabalho se resume “em informar e educar as pessoas sempre baseado em evidências e nunca em minhas opiniões” e afirmou que não prescreve e não consulta e que, por isso, “a questão de formação acadêmica é totalmente irrelevante neste cenário”. Ele voltou a reforçar que possui um certificado em nutrição otimizada para saúde e bem-estar na Universidade Estadual de San Diego, mas disse que o curso o decepcionou. Afirmou, ainda, que tem duas graduações em universidade federais, uma pós-graduação na Fundação Getulio Vargas e outra pós-graduação na Universidade da Califórnia Berkeley. “Nenhuma delas na área de nutrição ou da saúde. Meu conhecimento na área de emagrecimento e ciência nutricional vem das minhas próprias pesquisas baseadas em evidências ao longo dos últimos dez anos ao redor do mundo, coisa que toda e qualquer pessoa pode fazer independente de formação acadêmica na área”, afirmou por e-mail.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado na Internet. Quando esses conteúdos tratam da pandemia do novo coronavírus, a checagem é ainda mais relevante, já que pode colocar a saúde das pessoas em risco. É o caso do vídeo em questão, que pode induzir as pessoas a não utilizarem máscara, recurso recomendado por médicos e pelas autoridades de saúde para funcionar como uma barreira física contra a transmissão da covid-19.

Desde o início da pandemia, o Comprova já desmentiu diversos boatos sobre o uso de máscaras, mostrando ser falso que elas reduzam a imunidade e potencializem a proliferação de bactérias. Também mostrou não serem verdadeiros um vídeo e um áudio que acusavam máscaras importadas da Ásia de estarem contaminadas. Na última delas, o Comprova desmentiu que máscaras contaminadas fossem ser distribuídas para a população de São Paulo.

Até a data de fechamento deste texto, o vídeo somava mais de 31 mil visualizações no Instagram. O Comprova também encontrou a publicação no Facebook, mas com um baixo números de visualizações.

Falso, para o Comprova, é um conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira

Saúde

Investigado por: 2020-07-17

Texto engana ao dizer que cloroquina cura 98,7% dos pacientes com covid-19

  • Enganoso
Enganoso
O estudo citado em um texto que circula pelas redes sociais não é conclusivo e foi feito com uma metodologia contestada
  • Conteúdo verificado: Post do site Sappno afirma que estudo provou que o uso de cloroquina e azitromicina é responsável pela cura de 98,7% dos pacientes com covid-19 em um hospital francês

Um texto publicado em maio no site Sappno e compartilhado recentemente por páginas do Facebook como “Aliança pelo Brasil” e “Lava Jato Notícias” traz informações equivocadas sobre o uso de medicamentos como hidroxicloroquina e azitromicina. A publicação engana ao sugerir que esses medicamentos têm eficácia comprovada no tratamento da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, usando como fonte um estudo que não segue métodos capazes de chegar a essa conclusão.

Com o título “Estudo diz que a cloroquina ‘é segura’ e aponta cura de 98,7% dos pacientes”, o texto faz referência a um artigo publicado na plataforma ScienceDirect e vinculado à revista Travel Medicine and Infectious Disease em maio de 2020. Porém, o estudo tem qualidade científica questionada, uma vez que a metodologia utilizada não permite conclusões de causa e efeito em relação ao uso do medicamento e o tratamento da covid-19.

Entre os autores do estudo está Didier Raoult, infectologista francês criticado na comunidade científica por utilizar métodos duvidosos em suas pesquisas. Raoult ganhou projeção durante a pandemia por propor, na mídia, o uso da hidroxicloroquina para tratar a covid-19 antes mesmo de ter publicado pesquisa a respeito – o que chegou ao conhecimento de líderes como o presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que chamou a proposta de “cura milagrosa”.

Como verificamos?

Para verificar o conteúdo, o Comprova acessou a publicação original do estudo mencionado pelo texto que viralizou, no site ScienceDirect. Depois, comparou o conteúdo do post do site Sappno com o que estava de fato no artigo científico. Para entender sobre a razoabilidade da metodologia científica aplicada, além de pesquisar sobre o assunto em veículos jornalísticos, entrevistamos Natalia Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência – organização dedicada à promoção do pensamento científico e do uso de evidências científicas nas políticas públicas.

Além disso, pesquisamos sobre a posição de órgãos de saúde como a OMS (Organização Mundial da Saúde) a respeito do uso da cloroquina. Sobre o medicamento, também entrevistamos o médico Antônio Carlos Bandeira, professor de Infectologia da UniFTC e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Ao analisar os nomes dos pesquisadores envolvidos na produção do artigo, encontramos Didier Raoult. A partir disso, buscamos em publicações na imprensa e nas redes sociais sobre a atuação do pesquisador tanto antes quanto durante a pandemia. Também entrevistamos Pasternak sobre o assunto.

Para compreender sobre o processo de aprovação de artigos científicos pela Travel Medicine and Infectious Disease, também tentamos entrar em contato via e-mail com a pesquisadora Patricia Schlagenhauf-Lawlor, editora-chefe. No entanto, não tivemos retorno até o fechamento desta verificação.

A credibilidade da revista no meio acadêmico também foi analisada, comparando-a com as revistas mais respeitadas da área, como Lancet e New England Journal of Medicine. É possível medir a credibilidade de revistas científicas a partir do fator de impacto – número calculado a partir de quantas vezes artigos daquela determinada publicação foram citados em outros estudos. Quanto maior o número, maior tende a ser a credibilidade. Enquanto a Travel Medicine and Infectious Disease tem fator de impacto 4.589, a Lancet tem 60.392 e a New England Journal of Medicine tem 74.699.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de julho de 2020.

Verificação

O texto viral e o estudo

O texto que viralizou começa dizendo que “boa parte da mídia parece fazer uma verdadeira campanha contra o uso da cloroquina” para tratar pacientes com covid-19 e que “pesquisadores sérios em várias partes do mundo reconhecem a eficácia do medicamento”. Essa afirmação não é verdadeira. As informações que têm sido veiculadas pela imprensa sobre o uso da cloroquina, e de seu derivado hidroxicloroquina, são baseadas em estudos reconhecidos com credibilidade pela comunidade científica e por órgãos de saúde.

A cloroquina é um medicamento antigo usado contra a malária. A hidroxicloroquina é utilizada no tratamento de doenças autoimunes, como artrite reumatoide e lúpus. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), embora a cloroquina possa ter algum impacto sobre alguns pacientes com covid-19, não há, até o momento, tratamento efetivo ou drogas comprovadas contra o novo coronavírus. Sabe-se, ainda, que a cloroquina pode causar efeitos colaterais como arritmias, hepatite, pancreatite e choque anafilático.

O estudo citado pelo texto viral é intitulado “Tratamento precoce de pacientes com covid-19 com hidroxicloroquina e azitromicina: uma análise retrospectiva de 1.061 casos em Marselha, França”. O post afirma que “a administração combinada” dos dois medicamentos “antes da ocorrência de complicações com covid-19 é segura e associada a uma taxa de mortalidade muito baixa nos pacientes” – o que, de fato, consta da conclusão da pesquisa.

Porém, em entrevista ao Comprova, Natalia Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência, afirmou que esses medicamentos “não funcionam nem separados nem em combinação” no tratamento da covid-19. Sobre o uso em combinação, ainda segundo ela, sabe-se também que há um aumento significativo de risco cardíaco.

De acordo com o médico Antônio Carlos Bandeira, professor de Infectologia da UniFTC e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), “não existe comprovação (da eficácia da cloroquina ou da hidroxicloroquina) até o momento, considerando os estudos que já foram feitos”. “A verdade é que a gente não tem segurança para tratar em massa as pessoas com cloroquina”, diz, em entrevista ao Comprova.

O médico lembra ainda que a maior parte dos pacientes com covid-19 se cura sem maiores problemas. “Então, não é porque a pessoa se curou que a cloroquina funciona. É para isso que existem os estudos randomizados e com grupos de controle – para mostrar se, com esse medicamento, as pessoas se curariam mais ou não”, lembra. A SBI afirma que não há evidência para o uso da cloroquina e não apoia o uso do medicamento no tratamento do novo coronavírus.

O método utilizado pelo estudo

Como o título antecipa, o estudo realizou uma análise retrospectiva. Isso significa que a pesquisa toma como base dados já disponíveis – nesse caso, fichas hospitalares – e não pressupõe uma intervenção direta dos pesquisadores no tratamento. Trata-se de um estudo observacional.

O método científico considerado mais confiável é o ensaio clínico randomizado controlado. Para realizá-lo, os pesquisadores recrutam um grupo de participantes voluntários, realizam uma intervenção e acompanham os efeitos por meses. Há algumas características importantes que um estudo desse tipo deve cumprir para seja considerado bom. Uma delas é a existência de um grupo de controle – ou seja, os participantes devem ser separados em no mínimo dois grupos (um recebendo o tratamento e outro não, por exemplo) para que seja possível fazer uma comparação entre eles. A randomização também é importante, isto é, uma alocação aleatória de participantes entre os grupos de controle. Outras características são controle de placebo e duplo-cego (quando, para evitar vieses, nem os pesquisadores nem os participantes sabem quem recebeu placebo).

Em entrevista ao Comprova, Pasternak afirmou que o estudo observacional “já não é uma qualidade de metodologia científica que possibilita que a gente tire conclusões sobre qualquer tipo de relação de causa e efeito”. Segundo a pesquisadora, esse tipo de estudo serve para direcionar se vale a pena fazer um estudo “desenhado, direitinho, prospectivo – daí que você olha pra frente –, randomizado, duplo-cego, com grupo placebo, tudo certinho”.

Além dessa questão metodológica, o artigo mencionado pelo texto viral é de qualidade questionável. “Nem grupo de controle de comparação eles usaram. Todo mundo no estudo deles tomou [os medicamentos]. Não tem comparação. Numa doença em que você tem 90% de taxa de cura. Então, o que eles estão dizendo? ‘Olha, todo mundo que tomou hidroxicloroquina melhorou. Mas a gente não sabe se quem não tomou também melhorou porque a gente nem olhou isso’. Não faz sentido nenhum”, afirmou Pasternak.

Isso também se confirma em relação à faixa etária mais afetada pela covid-19. “Se você for olhar nas tabelas, você vai ver que os pacientes que tiveram um bom desfecho têm a idade média em torno de 40 anos. Os que tiveram um desfecho pior têm a idade média em torno de 60”, disse a pesquisadora. Ou seja, os resultados repetem um padrão da pandemia de covid-19, impossibilitando a associação com o consumo específico de hidroxicloroquina e azitromicina.

Quem é Didier Raoult

Um dos autores do artigo é o infectologista francês Didier Raoult, que já havia aparecido em verificação do Comprova do 10 de julho. Raoult foi criticado diversas vezes pelos métodos duvidosos (como erros, omissões, mecanismo deficiente de controle, distribuição não randomizada de pacientes para os grupos de controle) de pesquisas e por posicionamentos em relação à cloroquina. É um negacionista do aquecimento global e é contra a vacinação obrigatória.

A cloroquina já havia sido considerada para tratamento de infecções de outros tipos de coronavírus após as epidemias de SARS e MERS. Mas, na época, não foram feitos testes clínicos em humanos para confirmar a eficácia da droga. Em março, antes mesmo de publicar seu primeiro artigo sobre o tema, Didier Raoult deu uma entrevista para a rede de TV americana Fox News sobre o uso do medicamento para tratar pacientes com covid-19.

Pouco depois, um artigo publicado por ele ainda em março sugeria que a cloroquina poderia ser usada como tratamento para o SARS-CoV-2, o novo coronavírus. Esse estudo, porém, foi muito criticado. Outros pesquisadores questionaram os resultados e os considerados anedóticos, sem comprovação científica. A International Society of Antimicrobial Chemotherapy e a Elsevier, responsáveis pela revista que publicou o artigo, anunciaram um novo processo de revisão independente.

Na entrevista que concedeu à New York Times Magazine em maio, Raoult contou que estava concluindo um novo estudo com 1.061 pacientes usando uma combinação de hidroxicloroquina e e azitromicina e cujos resultados preliminares foram publicados em abril. Trata-se do estudo presente no post que viralizou, analisado acima. A versão preliminar havia sido tuitada pelo deputado federal Marco Feliciano. O tuíte, até o fechamento dessa verificação, tinha mais de 1,5 mil compartilhamentos e 3,6 mil curtidas. Na versão anterior do estudo, as drogas foram caracterizadas como “seguras e eficazes”. A versão atual as define apenas como “seguras”.

Na época, o Aos Fatos explicou que a pesquisa não tinha um grupo de controle que pudesse ser usado para comparar os resultados. “Papers como este último do francês são chamados de descrições de caso, um tipo de estudo que pode surgir de observações dos médicos em seu dia a dia. Normalmente, essas pesquisas têm um número pequeno de casos, não têm grupo de controle e não permitem tirar conclusões sobre a eficácia de um medicamento”, explicou o site.

Segundo a New York Times Magazine, a virologista Christine Rouzioux afirmou que a taxa de cura apontada no estudo é “quase idêntica” à que foi descrita se você deixar a doença seguir o seu curso natural. A virologista Karine Lacombe discordou que o artigo demonstre que a combinação das duas drogas seja eficaz para tratar a covid-19. Raoult também não havia obtido autorização das autoridades competentes para testar a combinação das duas drogas.

Em entrevista ao Comprova, Natalia Pasternak afirmou que Raoult é conhecido na comunidade científica como um “publicador em série”. “Ele publica muito mais do que seria humanamente possível, levando a comunidade científica a acreditar que ele simplesmente coloca o nome dele em todos os papers que saem do centro de pesquisa dele, do hospital dele e de trabalhos dos quais ele nunca participou. Então, se fizer a conta da periodicidade com que ele publica, é como se ele publicasse um paper a cada três dias. É uma coisa que é humanamente impossível”, explicou a pesquisadora da USP. Verificação anterior do Comprova mostrou que Raoult já teve 157.174 citações ao seu nome em artigos científicos publicadas desde 1995; ressaltando que ele assina seu nome em quase todos os artigos produzidos em seu instituto.

Pasternak também classifica de “antiética” a postura de Raoult sobre a hidroxicloroquina durante a pandemia. “Mesmo antes da publicação daquele primeiro paper infame dele, que deu origem a todo esse hype, ele foi na mídia falar que ele tinha achado a cura. E foi isso, inclusive, que deu origem ao hype, foi isso que chegou aos ouvidos do Trump e depois aqui nos do Bolsonaro. Então é um pesquisador que tem aí sérios problemas éticos passados, de conduta científica mesmo, e que tem publicado na pandemia insistentemente sobre a hidroxicloroquina com papers de baixíssima qualidade”, disse.

Bolsonaro e a cloroquina

Apenas dois dias após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, defender pela primeira vez o uso da cloroquina, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro anunciou, em 21 de março, que o Exército ampliaria a produção do medicamento no país para pacientes com o novo coronavírus. Já no dia 25, o Ministério da Saúde emitiu uma nota técnica autorizando o uso da medicação em pacientes graves de covid-19.

Nos meses seguintes, Bolsonaro demitiu dois ministros da saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril, e Nelson Teich, em 15 de maio. Ambos são médicos e se opunham à prescrição de cloroquina para tratar pacientes com quadros leves da doença.

Em 20 de maio, o Ministério da Saúde, já tendo como ministro interino o general Eduardo Pazuello, passou a orientar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no “tratamento medicamentoso precoce” de pacientes com o novo coronavírus. O documento, porém, ressalta que “ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19”.

O tema voltou ao debate depois do dia 7 de julho, quando Jair Bolsonaro anunciou que testou positivo para o Sars-CoV-2. No mesmo dia, o presidente postou um vídeo nas redes sociais mostrando que estava tomando doses de hidroxicloroquina. No dia 9, em outra transmissão ao vivo, o presidente segurou uma caixa do medicamento e disse que ela estava sendo “eficaz” para curá-lo.

No dia 14, o deputado de oposição Rogério Correia (PT-MG) entrou com uma representação por improbidade administrativa contra Bolsonaro por “incentivar e determinar o aumento da produção de uma substância cuja eficácia é rejeitada por cientistas”. A instauração de um procedimento depende de análise da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Por que investigamos?

O Projeto Comprova verifica conteúdos sobre a covid-19 que tenham grande alcance em redes sociais e grupos de mensagem. A checagem de fatos durante a pandemia adquiriu uma importância ainda maior, uma vez que a desinformação afeta diretamente a saúde das pessoas. Nesse caso, a verificação é importante porque envolve o uso de medicamentos cuja eficácia não foi cientificamente comprovada – como a hidroxicloroquina e a azitromicina – e que podem gerar efeitos colaterais.

O conteúdo, sugerido por leitores do Comprova, chegou a ter 1,8 mil compartilhamentos na página “Lava Jato Notícias”, no Facebook. Uma versão preliminar do estudo “Tratamento precoce de pacientes com covid-19 com hidroxicloroquina e azitromicina: uma análise retrospectiva de 1.061 casos em Marselha, França” já havia sido compartilhada pelo deputado federal Marco Feliciano (PSC) em sua conta do Twitter em abril e teve mais de 3,6 mil curtidas e 1,5 mil compartilhamentos. A agência de fact-checking Aos Fatos chegou a citar essa postagem do deputado em um texto, ao falar da problemática dos métodos utilizados por Didier em suas pesquisas.

Além disso, verificar o conteúdo passa por uma importância política, uma vez que a defesa do uso da hidroxicloroquina para pacientes com covid-19 faz parte da agenda do presidente Jair Bolsonaro. O post que viralizou faz essa relação e afirma que “a proposta do governo Bolsonaro para a ampliação do uso da cloroquina é justificável, e não uma fantasia”. O Comprova também verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal. Por isso, torna-se necessário contextualizar e contrastar a visão das autoridades de saúde sobre o medicamento e o histórico de defesa desse medicamento não só por Bolsonaro, mas por outras lideranças políticas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-07-14

Receita de “medicina natural” não combate a covid-19

  • Falso
Falso
Não há comprovação científica da eficiência de uma receita natural associada a medicamentos para a covid-19 publicada nas redes sociais. O post investigado pelo Comprova usa indevidamente foto de um infectologista que não reconhece o texto como seu
  • Conteúdo verificado: Texto publicado pela página “Alertando a Cidade” no Facebook explica a ação do coronavírus em três fases e recomenda o uso de uma receita natural combinada com medicamentos para o combate da covid-19, nos primeiros quatro dias da contaminação do vírus.

Uma publicação que circula nas redes sociais, desde 10 de junho, engana ao aconselhar uma receita de “medicina natural” para combater os sintomas da covid-19. O texto ressalta que o vírus passaria por “fases de ataque”, antes de ocorrer o risco de morte. Ainda no mesmo texto, há uma recomendação de medicamentos naturais, que seriam eficientes para combater o vírus “nos primeiros quatro dias de contaminação”.

O texto não está assinado e o nome do responsável pela receita não é revelado. A publicação usa a foto de um homem com máscara, que seria um profissional de saúde. A foto utilizada é de um infectologista da Paraíba, no nordeste brasileiro. O especialista não tem relação alguma com o texto e a receita não tem provas científicas de cura. Os responsáveis pela página foram procurados pelo Comprova, mas até agora, não responderam às tentativas de contato.

Como verificamos?

Para fazer a verificação da imagem utilizada no post, foi utilizado o Google Imagens, uma ferramenta de busca reversa que faz a localização de imagens por comparação, semelhança ou igualdade na internet. A única foto que aparecia disponível era a imagem da publicação falsa.

Como o primeiro levantamento não foi bem sucedido, foi utilizado o Bing Image Match, que identificou a imagem como sendo compatível com o frame (imagem) do vídeo usado no Twitter do Jornal Nacional, telejornal noturno da TV Globo.

Localizada a publicação no microblog do telejornal, foi detectado que a imagem era a mesma do depoimento de Fernando Chagas, que foi ao ar na edição do dia 13 de maio do JN.

Após a busca inicial no Bing Image Match, a ferramenta passou a direcionar para o site Globoplay, onde está hospedado o depoimento em vídeo do infectologista.

Após a identificação, um nova rodada de buscas foi realizada por meio de ferramentas como Google, para acessar páginas como a do Conselho Regional de Medicina, Currículo Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e de notícias locais, no Estado da Paraíba, para levantar informações biográficas, profissionais e autorais sobre o médico foi realizada e, logo depois, foi agendada uma entrevista por vídeo com o especialista.

Já para o levantamento de informações a respeito das medicações hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina, foi feita uma pesquisa básica no Google diretamente nas páginas da Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde e Ministério da Saúde do Brasil. Nessas páginas foram levantados documentos, protocolos e estudos oficiais sobre os medicamentos citados e pesquisados como possibilidades terapêuticas para a covid-19. O Comprova também entrou em contato com a Sociedade Brasileira de Infectologia, e realizou uma entrevista com um médico indicado pela entidade para confirmar a veracidade das informações que constavam no “receituário”.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de julho de 2020.

Verificação

Homem da foto é médico infectologista

O homem mostrado na publicação é o médico-infectologista e farmacêutico Fernando Martins Selva Chagas. Ele é diretor-geral do Complexo Hospitalar de Doenças Infecto-contagiosas Dr. Clementino Fraga, localizado em João Pessoa, capital da Paraíba. Chagas foi nomeado em abril deste ano, na unidade que é considerada uma referência para casos de covid-19 naquela região.

A imagem do médico surgiu a partir de um depoimento que ele fez na edição do Jornal Nacional, da TV Globo, no dia 13 de maio. A foto foi copiada de uma captura de tela do depoimento e utilizada na publicação enganosa na rede social.

Procurado pelo Comprova, Fernando Chagas confirma que a imagem é dele. Na entrevista, Chagas explica que no período da pandemia ele tem dado várias entrevistas para vários órgãos de imprensa para prestar serviço à sociedade sobre o coronavírus.

Além disso, o especialista ressalta que nunca prescreveria online algo “absurdo” como foi colocado na publicação. “Sempre penso as prescrições, elas são feitas individualmente, para cada pessoa. A gente considera a idade, peso, uma série de características. É importante ver o paciente; é importante retornar ao paciente. Você imagina a quantidade de pessoas expostas às ações dos medicamentos e substâncias porque estão lendo isso daí?!”, respondeu indignado.

Sobre as fases do vírus, o infectologista afirma que existem etapas do avanço da doença, porém não é como foi colocado na publicação enganosa. A ideia, segundo o especialista, é entender os sintomas para que seja possível atuar com mais eficiência no uso dos medicamentos.

“É uma forma conceitual a respeito da doença, na verdade, para gente entender alguns momentos que se pode primeiro entender os sintomas, sinais e sintomas da doença; segundo, que em alguns momentos que se pode atuar com algumas fases específicas de medicamentos. É basicamente isso”, conclui.

Sobre a receita natural

A receita verificada pelo Comprova menciona uma série de medicamentos e métodos “naturais” que devem ser usados em cada uma das “fases da infecção”. Além de drogas como a hidroxicloroquina e a ivermectina, são mencionadas dicas de medicina natural, que segundo o próprio texto, devem ser usadas de forma complementar.

Entre as sugestões estão o chá de cascas de alho, suplementos de vitamina D, uma mistura de mel, açafrão e outras ervas. Cada elemento seria usado para combater um dos sintomas da covid-19. Para abaixar a febre, por exemplo, a publicação recomenda “banho e/ou toalha molhada no corpo”.

Segundo o médico infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alexandre Naime, a combinação de medicamentos e compostos de “medicina natural” apresentada no texto que verificamos não tem qualquer eficácia cientificamente comprovada no tratamento de pacientes da covid-19.

“Não existe, como já comprovado inclusive para outras patologias, benefício de “shot” de vitamina D; nada de coquetel de imunidade funciona”, afirma Naime. Um dos trechos do “receituário” indica a ingestão de suplemento de vitamina D como forma de “aumentar a imunidade”.

A suposta ligação entre a infecção pelo novo coronavírus e a deficiência de vitamina D no organismo é um tema constante de boatos que circulam pelas redes pelo menos desde fevereiro. O Ministério da Saúde também já desmentiu informações a respeito.

O açafrão e o alho, outros dos supostos ingredientes do tratamento “natural” sugerido pelo “receituário”, já foram objeto de uma checagem publicada pelo Estadão, em Abril; outra mensagem, de março, que associava a mistura de limão com bicarbonato à cura da covid-19 foi verificada e classificada como falsa pelo Comprova.

O fitoterápico Ginkgo Biloba, indicado na prescrição como anticoagulante, tem, na bula padrão divulgada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, contraindicações relacionadas ao uso por pacientes “com coagulopatias ou em uso de anticoagulantes”. O próprio medicamento indicado para “afinar e oxigenar o sangue”, a Aspirina, poderia ter efeitos indesejados na mistura com o fitoterápico.

Além da ausência de comprovação de qualquer eficácia no tratamento do novo coronavírus, a Anvisa ainda alerta que, ao contrário da crença popular, as plantas medicinais e os medicamentos fitoterápicos podem provocar “diversas reações como intoxicações, enjoos, irritações, edemas (inchaços) e até a morte, como qualquer outro medicamento.”

Sobre a hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina

No caso da hidroxicloroquina, a Organização Mundial de Saúde (OMS) informou no dia 4 de julho deste ano que aceitou a recomendação do Comitê Diretor Internacional do Estudo de Solidariedade – grupo de estudos clínicos, que participam 5.500 pacientes, em 21 países – para interromper os estudos sobre hidroxicloroquina devido aos baixos resultados ou avanços na redução da mortalidade de pacientes com covid-19 hospitalizados. “Esses resultados provisórios mostram que a hidroxicloroquina e o lopinavir/ritonavir produzem pouca ou nenhuma redução na mortalidade de pacientes com covid-19 hospitalizados quando comparados ao padrão de atendimento. Os investigadores do estudo de solidariedade interromperam os estudos com efeito imediato”, explica a declaração, no site da OMS.

Sobre o uso do antiparasitário ivermectina, a Organização Mundial da Saúde, por meio da Organização Pan-Americana da Saúde (OMS/OPAS) publicou uma recomendação em 22 de junho, apontando que apesar de alguns resultados positivos em testes laboratoriais, com células infectadas, ainda não há resultados suficientes e seguros para indicar o medicamento antiparasitário para o tratamento da covid-19 em humanos. “A ivermectina está sendo usada incorretamente para tratar a covid-19, sem nenhuma evidência científica de sua eficácia e segurança no tratamento desta doença”, conclui o estudo da OPAS. No dia 10 de julho, a Anvisa se manifestou oficialmente contra o uso da ivermectina no tratamento da covid-19.

Em relação à azitromicina, apesar da Organização Mundial da Saúde (OMS) não apontar um único remédio ou tratamento eficaz contra a covid-19, o Ministério da Saúde brasileiro elaborou uma cartilha sobre orientações para uso de medicamentos, lançada pela pasta em junho, orienta o uso da azitromicina nos primeiros cinco dias de tratamento da doença, combinado com a hidroxicloroquina.

O Comprova publicou em 8 de julho uma investigação que aponta ser falso um texto publicado em uma página de rede social em que o uso dos medicamentos como azitromicina e ivermectina seriam úteis sem consulta médica.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos que viralizam na internet e nas redes sociais. Quando o assunto está relacionado à pandemia do novo coronavírus, a checagem é ainda mais relevante, já que a saúde das pessoas pode estar em risco.

No caso do receituário, a publicação na página “Alertando a Cidade” já ultrapassava os 100 mil compartilhamentos, além de dezenas de milhares de curtidas e comentários. Além de não citar os possíveis efeitos colaterais relacionados ao uso sem prescrição dos medicamentos listados, supostos métodos de combate à covid-19 podem dar aos leitores uma falsa sensação de segurança, que faz com que abandonem práticas realmente recomendadas pelas autoridades de saúde, como o distanciamento social, o uso de máscaras e a higiene das mãos.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-07-10

Vídeo compara, erroneamente, pesquisadores que estudam covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Autora de vídeo usa índice de forma equivocada, cita positivamente pesquisador criticado por estudo polêmico, distorce comentário de outro e erra ao dizer que pesquisadores da Organização Mundial da Saúde (OMS) não têm citações acadêmicas
  • Conteúdo verificado: Vídeo afirma que mídia dá destaque a cientistas irrelevantes só pelo fato de serem pesquisadores e deixa de lado outros com influência no meio científico

Um vídeo que circula em redes sociais, publicado em 28 de junho, engana ao comparar o índice-H — métrica que avalia a quantidade de citações de artigos científicos de um determinado pesquisador — de cientistas que estudam o novo coronavírus. Na gravação, a atriz e apresentadora Karina Michelin diz que “tem um monte de gente publicando estudos de cientistas que não são relevantes, somente pelo fato de eles serem cientistas” e critica a escolha de alguns deles para entrevistas a veículos de imprensa.

Embora o índice citado na publicação seja verdadeiro, a comparação entre pesquisadores de áreas distintas e idades diferentes é equivocada. O Comprova também apurou com acadêmicos que se trata de uma métrica que quantifica qualquer menção ao pesquisador — inclusive críticas ao seu trabalho.

“O que a gente está vendo aí nessa pandemia é cientistas de pouca relevância terem tanto peso aí na internet e conseguirem que a mídia descredite aqueles que tem um H-index [índice-H] altíssimo e uma influência enorme no mundo científico”, diz Karina no vídeo.

Os três pesquisadores citados positivamente pela autora do vídeo são estrangeiros. Um deles, o francês Didier Raoult, é alvo de severas críticas por um estudo sobre a eficácia da cloroquina. Michael Levitt, britânico e ganhador do prêmio Nobel de Química, previu que o Reino Unido teria 50 mil mortes e fez críticas à política de lockdown – mesmo aplicando tal medida, o país já ultrapassou 44 mil mortes. Karl Friston, também britânico, foi citado de forma distorcida por Karina. Ela fala ainda de pesquisadores da Organização Mundial da Saúde (OMS) e afirma que eles não têm índice-H, o que não é verdade.

Como verificamos?

Dois dos conteúdos viralizaram pelos perfis de Karina Michelin, autora do vídeo, no Instagram e no Facebook. Pesquisamos o nome dela no LinkedIn para descobrir qual a sua profissão e, por meio do chat do Facebook, entramos em contato para pedir mais informações sobre o vídeo. Ela nos respondeu na rede social.

A pesquisa sobre o índice-H começou em um dos comentários feitos no vídeo de Karina. Entre as mensagens, uma leitora sugere que o embate entre ciência e mídia é algo que “quem inventa só quer aparecer” e indica o link de uma notícia da revista Fapesp questionando a importância dada ao índice. O Comprova procurou a assessoria de imprensa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pediu o contato de pesquisadores que pudessem explicar como o índice-H funciona. Conversamos com o professor Abel Packer, coordenador de projetos da Fapesp e um dos fundadores da Biblioteca Eletrônica Científica Online (SciELO), e com o professor Edgar Dutra Zanotto, da Universidade Federal de São Carlos, por mensagens de WhatsApp e por e-mail. Zanotto nos enviou artigos sobre o tema.

Ainda sobre o tema de publicação de artigos científicos, recuperamos uma entrevista com o médico Reinaldo Guimarães, vice-presidente Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), feita para uma verificação sobre a Organização Mundial da Saúde (OMS).

A equipe do Comprova buscou por referências acadêmicas e dos pesquisadores citados no vídeo, e por menções em veículos conhecidos para entender quem são. Também levantou os índices-H de cada um deles nas plataformas Google Scholar e Semantic Scholar, que compilam pesquisas e estudos e apresentam a quantidade de citações que cada cientista recebeu.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 10 de julho de 2020.

Verificação

Quem é a autora do vídeo?

Autora do vídeo que viralizou, Karina Michelin diz ser atriz, jornalista e apresentadora. No perfil do LinkedIn, apresenta cargo de produtora e apresentadora de um programa sobre Miami. No Facebook, onde mantém um perfil aberto, já publicou vídeos e textos questionando atitudes adotadas em meio à pandemia e recomendações feitas pela Organização Mundial da Saúde. Um dos compartilhamentos é de um texto sobre a OMS ter declarado que a transmissão de covid-19 a partir de assintomáticos é “muito rara”. A fala, investigada pelo Estadão, foi distorcida e diz respeito a alguns estudos em andamento.

No vídeo, Karina afirma que “tem um monte de gente publicando estudos de cientistas que não são relevantes, somente pelo fato de eles serem cientistas” e introduz ao espectador o “índice-H”, que mede a produção de pesquisadores com base na quantidade de citações que recebem em estudos.

Questionada pelo Comprova sobre qual o critério utilizado na escolha dos cientistas comparados, Karina afirmou ter sido clara no vídeo ao “expor os valores, mostrando que nem tudo funciona na base da moral e da ética, principalmente no mundo científico. MUITOS cientistas têm interesses escusos e a mídia sem saber ou sabendo, acaba defendendo esses interesses sem que isso seja ciência.”

Na troca de mensagens, pelo chat do Facebook, Karina disse ter citado cientistas que a mídia divulgou e apresentam “índices irrelevantes”, comparados a pesquisadores “que não tiveram espaço no Brasil, mas sim no resto do mundo”.

O que é o índice-H?

O índice-H é um indicador de desempenho de pesquisadores de acordo com a quantidade de artigos científicos publicados por cada um. Também conhecido como H-index, foi proposto pelo físico argentino Jorge Hirsch, professor da Universidade da Califórnia, San Diego. O índice é calculado contabilizando quantos papers um pesquisador publicou e quantas quantas vezes cada um desses artigos foi citado por outras publicações. “Hirsch propôs o índice-H, que é o número H de publicações que foram citadas pelo menos H vezes, como um critério para avaliar o impacto de um cientista em sua comunidade”, explicou o professor Edgar Dutra Zanotto, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), autor de um artigo que trata das limitações do índice para a comparação entre cientistas.

O professor Abel Packer, um dos fundadores da biblioteca científica SciELO, acredita que a o índice-H é importante, “desde que se considere que o valor comparativo do índice-H aplica-se a pesquisadores da mesma área temática e com suficiente número de documentos publicados para alcançar o mesmo desempenho. No limite, serve para comparar cientistas gêmeos”, exemplifica. Zanotto segue na mesma linha: “Hoje é aceito que o índice-H é fortemente dependente do campo [de atuação de cada um], criando uma barreira para uma avaliação e comparação justa da performance científica de indivíduos ou instituições de áreas diferentes”, completou.

É o que Karina Michelin faz no vídeo, ao comparar ganhador do prêmio Nobel de Química Michael Levitt, de 73 anos, com o biólogo brasileiro Átila Iamarino, de 36. Neste exemplo, há ainda uma amostra da limitação do índice índice-H: a diferença de idade. “O uso de indicadores bibliométricos baseados na prolificidade e na visibilidade (…) enfrenta múltiplos desafios, como diferenças entre a quantidade de publicações de cada um, por exemplo, por causa de diferenças de idade e de estágios na carreira; diferenças no tamanho da área de atuação de cada um, culturas de publicação e citação em diferentes comunidades; e o questionamento, em aberto, sobre se grande visibilidade significasse também grande qualidade e relevância”, informa o professor Zanotto.

Outro problema é que, mesmo quando um artigo é mencionado de forma crítica e questionado, as citações ainda contam para aumentar o índice-H do pesquisador. Foi o que aconteceu com o francês Didier Raoult, autor de um estudo polêmico sobre o uso da cloroquina e da azitromicina para o tratamento da covid-19 (leia mais abaixo). As auto-citações também entram na conta, então quanto mais um cientista remete a artigos que ele próprio escreveu, maior seu índice.

Desde que foi criado, em 2005, o índice-H passou a ser supervalorizado na academia e é visto quase como um cartão de visita entre cientistas. Mas pesquisadores como o professor Zanotto propõem formas mais amplas de avaliação. “Nós defendemos o retorno a uma avaliação mais completa, baseada em critérios como o número de convites para publicar em periódicos de reputação, convites e palestras em congressos de prestígio (…) e o impacto social e econômico do trabalho de pesquisa”, enumera.

Quantidade x Qualidade

Em entrevista ao Comprova, o médico Reinaldo Guimarães, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), explicou que os pesquisadores que mais apresentam publicações são os que conseguem mais investimentos para realizar novas pesquisas. Ou seja: a quantidade de estudos apresentados não necessariamente implica em melhor qualidade. Ele também relatou que há diversas retratações de pesquisas ocorrendo ao longo dos anos em diversas áreas.

“A gente tem tido, nos últimos dez, quinze anos, uma epidemia de retratações de pesquisas em vários campos. Não só medicina. Engenharia, física, enfim, estudos que passam por revisão por pares, revistas publicam, alguém tenta repetir o experimento que levou à publicação e não consegue repetir aquilo. Se muitos pesquisadores não conseguem reproduzir, retiram o artigo, porque outros pesquisadores não conseguiram chegar à conclusão. Isso não tem nada a ver com covid, existe até um portal, uma base de dados importante [que mostra isso] que chama Retraction Watch.”

Quem são os pesquisadores?

Michael Levitt

Michael Levitt recebeu o prêmio Nobel de Química em 2013 pelo “Desenvolvimento de Modelos Multi-escala para Sistemas Químicos Complexos” — sem ligação com epidemiologia. Nascido na África do sul, trabalhou na Inglaterra e hoje faz parte do quadro da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Seu índice-H é de 92, com 40.370 citações desde 1981.

Logo nos primeiros meses da pandemia, Levitt ganhou destaque na imprensa ao calcular o impacto que a covid-19 teria no Reino Unido, baseado em dados de contágio na China. Estimou que seriam 50 mil mortes no país, se nenhuma medida de isolamento fosse adotada. “Acredito que o verdadeiro vírus é o vírus do pânico”, disse ao jornal britânico Telegraph. Levitt defende o uso de máscaras e o distanciamento social, embora seja contra políticas mais severas como o lockdown, e também afirma ser possível alcançar uma “imunidade de rebanho” — quando um grande número de pessoas infectadas acabaria imunizando toda a população.

“O problema com epidemiologistas é que eles sentem que seus empregos servem para aterrorizar a população a fazer lockdown e isolamento social. Então você diz que vai acontecer um milhão de mortes e quando só ocorrem 25 mil você diz ‘que bom que ouviram o meu conselho’. Isso aconteceu com o ebola e com a gripe aviária, é parte da loucura”, acredita.

De acordo com a Universidade Johns Hopkins, até o dia 10 de julho o Reino Unido é o sétimo país em casos confirmados de covid-19, 289.677, e o terceiro em número de mortes: 44.735. O número é próximo ao calculado por Levitt. Mas, ao contrário do que ele prega, o país passou três meses em lockdown.

Átila Iamarino

Átila Iamarino é uma das principais vozes de alerta para o perigo da pandemia de covid-19 no Brasil. Biólogo, fez doutorado em microbiologia e pós-doutorado em virologia na Universidade de São Paulo. Também fez pós-doutorado na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Seu índice-H é de 10, somando 1.394 citações desde 2011.

Fundador da maior rede de blogs de ciência em língua portuguesa, o ScienceBlogs Brasil, dedica-se à divulgação científica no YouTube e em uma coluna no jornal Folha de S.Paulo. Iamarino defende medidas de isolamento social para conter o avanço da covid-19 e critica o uso de medicamentos sem eficácia científica comprovada, como a cloroquina. Sua participação no programa de entrevistas Roda Viva, em março, bateu recorde de audiência.

Karl Friston

Karl Friston não é “especialista em covid”, como descrito no vídeo. Ele é neurocientista, membro da Royal Society (tradicional instituição britânica voltada para o estudo científico) e usa modelos matemáticos para explicar processos biológicos. Foi o criador do “mapeamento paramétrico estatístico” (conhecido pela sigla SPM), uma estatística usada na análise de atividades cerebrais monitoradas por imagens — como ressonâncias e tomografias.

O que ele vem fazendo é aplicar fórmulas estatísticas em dados da covid-19 para tentar prever cenários sobre pessoas que podem vir a ser infectadas. Friston foi descrito como “especialista em covid” no título de uma entrevista concedida ao jornal britânico The Guardian, na qual ele mesmo diz não ter expertise na área: “É uma questão a se fazer aos epidemiologistas. Eles são os especialistas”, disse à publicação. Ele é consultor do Independent Sage, órgão de estudos do novo coronavírus que atua de forma alternativa ao oficial do governo, o Grupo de Conselho Científico para Emergências (conhecido pela sigla Sage).

No vídeo, Karina afirma que Friston “afirma que a maioria das pessoas são imunes ao coronavírus. Diz que 80% das pessoas não são suscetíveis ao vírus”. No entanto, a fala do neurocientista foi distorcida. Em entrevista à UnHeard, Friston projeta que há entre 50% e 80% de pessoas não-suscetíveis ao vírus no Reino Unido — e não em todo o mundo. Durante a entrevista, deixa claro que a taxa de suscetibilidade, na sua visão, é diferente em cada país e não necessariamente significa imunidade ao novo coronavírus. Ele também ressalta, mais de uma vez, que trabalha com probabilidades e que depende de dados como quantidade de testes feitos e quantidade de óbitos pela covid-19.

O índice-H de Friston é de 234. Ele já teve 250.415 citações registradas desde 1994 e tem 60 anos.

Eurico Arruda

Eurico Arruda, descrito apenas como pesquisador no vídeo, é médico e professor de virologia do Departamento de Biologia Celular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Ele foi presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) entre 2014 e 2015 e é membro da Academia Americana de Microbiologia. Atualmente, coordena estudos sobre o novo coronavírus no Centro de Pesquisa em Virologia (CPV).

No vídeo, Karina afirma: “Eurico Arruda, pesquisador, diz que os coronavírus não induzem a imunidade duradoura e protetora, mas ele reza para estar enganado”.

Em entrevista ao Estadão, em 3 de maio, ele afirmou que para alguns tipos de vírus a imunidade adquirida é permanente, como no caso do sarampo. Mas isso não se aplica aos vírus respiratórios, que são diversos e não guardam “imunidade cruzada” entre eles. “Por isso você passa a vida inteira, vive 80 anos, tendo resfriados. Você não se imuniza contra eles”, explicou. Uma imagem da entrevista é mostrada no vídeo de Karina ao se referir ao médico.

Estudioso da família dos coronavírus desde antes da pandemia do Sars-CoV-2, Arruda declarou mais de uma vez que a presença de anticorpos no organismo não significa imunidade da doença. No caso do novo coronavírus, ele explicou que ainda não se sabe se ele possui capacidade de persistência, ou seja, de permanecer latente no organismo mesmo após o paciente se recuperar.

Arruda declarou à National Geographic, em abril, que outros coronavírus persistem no corpo. “Significa que, mesmo depois que a infecção aguda passou e que o paciente está curado, o vírus não se acabou. Fica ali por um tempo bastante longo até, que pode ser de alguns anos. Se esse novo coronavírus persistir, pode ser que o paciente se cure, não tenha mais sintoma, mas siga eliminando o vírus e sendo fonte de contágio para outras pessoas.”

Um estudo coordenado por ele analisa um medicamento usado no tratamento de pessoas com Aids no combate à covid-19.

Arruda tem um índice-H de 33 e soma 4.041 citações desde 1994.

Didier Raoult

O microbiologista francês Didier Raoult é descrito no vídeo como “um dos pesquisadores franceses mais citados e virou o mais polêmico”. Raoult dirige o Instituto Hospitalar Universitário Méditerranée Infection (IHU), fundado por ele, e já foi premiado com o Grand Prix Inserm, prêmio científico de destaque na França, por pesquisas sobre vírus constituírem um reino à parte. Conhecido por frases polêmicas, já disse que Charles Darwin, autor da teoria da evolução, “só escreveu bobagem”.

Em março deste ano, Raoult publicou um estudo afirmando que o uso da cloroquina teria curado 75% dos pacientes com covid-19 em seis dias. No entanto, seis dos 26 pacientes testados foram excluídos da pesquisa porque não completaram o tratamento. Desses, um morreu, três foram parar na UTI, outro desistiu por sentir náuseas e o último decidiu deixar o hospital.

O estudo foi alvo de críticas da revista Science, referência em pesquisas científicas, e seus resultados foram questionados e considerados incompletos. Muitas críticas apontaram que o estudo de Raoult não apresentava grupo de controle e que, por isso, os casos estudados eram isolados e que o tratamento com hidroxicloroquina não apresentava comprovação científica.

Em abril, a International Society of Antimicrobial Chemotherapy e a Elsevier, responsáveis pela revista que publicou o artigo, reconheceram a existência de questionamentos sobre o conteúdo e anunciaram um novo processo de revisão independente.

As polêmicas em torno da pesquisa de Raoult sobre a hidroxicloroquina já repercutiram em jornais brasileiros como Folha de S. Paulo e Estadão. A discussão também já esteve presente em checagens do Comprova sobre pesquisas que alegavam ataques à cloroquina e que alardeavam eficácia do uso da medicação em estudo.

O índice-H de Raoult é de 180. Aos 68 anos, ele já teve 157.174 citações registradas desde 1995. O perfil da Piauí diz que o cientista “se vangloria de um prodigioso número de publicações e citações, algo que, como dado estatístico objetivo, ele considera a melhor medida de seu próprio valor como pesquisador”. No entanto, o texto aponta que Raoult apresenta alta quantidade de publicações “porque assina seu nome em quase todos os artigos produzidos por seu instituto.”

João Viola

Descrito como pesquisador no vídeo, João Viola é médico, presidente do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) e pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (Inca). No vídeo, Karina afirma que ele disse que o “uso da cloroquina contra o covid-19 é perigoso, carece de evidência e tomou aspecto político e inesperado”. Ela se refere a um parecer assinado por Viola e outros integrantes da SBI em 18 de maio.

O texto menciona pesquisas realizadas com a hidroxicloroquina e afirma que “ainda é precoce a recomendação de uso deste medicamento na covid-19” pela falta de comprovação da eficácia da droga em casos de covid-19. O parecer também cita as controvérsias em torno da pesquisa coordenada por Didier Raoult, conforme apresentado anteriormente neste texto, e pede que se priorize investimentos em outras possibilidades de medicamentos para obter “maior número de terapias com potencial efetivo no tratamento da covid-19”.

A nota foi publicada três dias após o Ministério da Saúde anunciar que estava prestes a divulgar o protocolo para o uso da cloroquina em casos leves do novo coronavírus – desde março, a pasta previa o uso do medicamento para casos graves e críticos. O protocolo foi lançado em 20 de maio, dois dias depois da nota da SBI.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já divulgou que ainda não existe vacina ou medicamento específico para prevenir ou tratar a covid-19, e que os tratamentos aplicados até o momento são para “aliviar os sintomas” dos infectados. No mesmo protocolo em que recomenda o uso da cloroquina para casos leves, o Ministério da Saúde ressaltou “que não existem evidências científicas robustas que possibilitem a indicação de terapia farmacológica específica para a covid-19”.

Viola possui um índice-H de 31, com 3.962 citações desde 1996.

Tedros Adhanom

Descrito no vídeo como “político, biólogo e pesquisador que não possui H-index”, Tedros Adhanom Ghebreyesus é etíope e formado em biologia, com mestrado em imunologia de doenças infecciosas e doutorado em saúde pública. Já atuou como ministro da Saúde da Etiópia (2005-2012) e também ministro das Relações Exteriores (2012-2016). Ele é alvo de diversas críticas em seu país, acusado de ter minimizado vários surtos de cólera entre 2006 e 2011, atrasando a adoção de medidas para tentar conter a crise.

Enquanto ministro, voltou a atenção à ampliação dos serviços públicos de saúde na Etiópia. Em 2009, foi eleito presidente do Conselho Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária.

Eleito para o cargo de diretor-geral da OMS em 2017, Adhanom contou com voto do governo brasileiro e tornou-se o primeiro africano eleito para chefiar o órgão. Também é o primeiro a ocupar o cargo sem formação médica.

No vídeo, Karina diz que o diretor da OMS não tem índice-H. Embora ele não tenha perfil acadêmico registrado no Google Scholar, apresenta um no portal Semantic Scholar. Aos 55 anos, Adhanom tem índice-H de 17, com 1.349 citações desde 1996.

Michael Joseph Ryan

Michael Ryan é diretor-executivo do Programa de Emergências da OMS e gerência emergências globais há quase 25 anos. Desde 1996 ele integra a unidade de resposta para ameaças de novas doenças e epidemias. Médico formado pela Universidade Nacional da Irlanda, em Galway, possui formação voltada para a área de epidemiologia.

Ryan foi coordenador operacional da resposta da OMS à epidemia de Sars (2003) e conselheiro sênior da iniciativa global para a erradicação da pólio (2013 a 2017).

Diferentemente do que afirma Karina no vídeo, ele nunca foi funcionário da Fundação Bill e Melinda Gates; ele trabalhou em parceria com a fundação durante ações para erradicação da pólio em países do Oriente Médio. A iniciativa também contou com a participação de outras organizações.

No vídeo, Karina afirma que Ryan “não possui h-index, mas é o diretor-executivo do programa de emergências da OMS e lidera a equipe responsável pela contenção e tratamento internacional da covid”. A informação não procede.

Assim como Adhanom, Ryan não tem perfil no Google Scholar, mas sim no Semantic Scholar. Diversos homônimos de Ryan também estão na plataforma. Para encontrá-lo, o Comprova buscou pesquisas feitas pela OMS com o nome de Michael Ryan e procurou por elas no site. Por meio da busca, foi possível localizar o perfil de Ryan.

Aos 55 anos, ele tem índice-H de 22, somando 1.645 citações desde 1974. Em mais de um ano, ele não apresentou nenhuma publicação.

Maria Kerkhove

A americana Maria Van Kerkhove é descrita no site da OMS como estudiosa de zoonoses e vírus respiratórios. Consultora técnica do órgão, atuou em análises durante o surto de Mers (outra doença provocada pela família dos coronavírus) e de H1N1.

No vídeo, a citação a Kerkhove se refere a uma fala sobre uma nova onda de infecções pelo novo coronavírus. “Já a doutora Maria Kerkhove é uma epidemiologista de doenças infecciosas e, sendo a principal pesquisadora da covid-19 da OMS, disse que virá uma segunda onda porque uma proporção menor de pessoas foi infectada do que se pensava inicialmente”, diz o vídeo.

Kerkhove já trabalhou no Imperial College de Londres, universidade referência na área científica, em um conselho que analisava, junto à OMS, casos de influenza, febre amarela, meningite, Mers-CoV e ebola. Ela ainda detém o título de professora honorária na instituição.

No currículo consta que também chefiou a força-tarefa de investigação de surtos no Centro de Saúde Global do Instituto Pasteur, na França, de onde saiu para integrar o quadro de consultores da OMS.

Em perfil da The Hill, ela relata que conversa diariamente com diversos acadêmicos que estudam o novo coronavírus e busca se inteirar de novas pesquisas sobre o tema. Ela também é integrante do Consise (Consórcio para Padronização da soroepidemiologia de Influenza), composto por um comitê que reúne membros de organizações em todo o mundo, tais como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência sanitária dos Estados Unidos, e o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC).

Embora o Comprova não tenha encontrado seu perfil acadêmico no Google Scholar, assim como Adhanom e Ryan, outros dois ligados à OMS, ela consta no Semantic Scholar. O índice-H de Kerkhove, com 43 anos, é de 33, somando 5.366 citações desde 2004.

Por que investigamos?

O Comprova verifica boatos, textos e vídeos sobre a covid-19, por entender que a desinformação pode custar vidas em meio a uma situação de emergência sanitária com a que enfrentamos neste momento. A pandemia já custou a vida de 69.184 brasileiros, segundo dados da Universidade John Hopkins do dia 10 de julho, e é o maior problema de saúde pública já enfrentado pelo país. Ainda assim o combate ao novo coronavírus virou tema de debates políticos entre os que defendem medidas rigorosas de isolamento social para evitar a disseminação da doença e aqueles que defendem a retomada da economia. Mesmo infectado pela covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é um defensor da volta à normalidade e do uso da cloroquina — medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento da doença.

O Comprova já verificou outros conteúdos que questionavam a necessidade de isolamento social e criticavam as políticas de lockdown. Outra constante são as críticas à OMS, como em um vídeo que mostrava praças de Genebra lotadas, ou o texto que afirmava que a organização tinha se arrependido de parar as pesquisas com a cloroquina.

O vídeo verificado, em que a autora usa um índice de desempenho acadêmico para diminuir a importância daqueles que defendem políticas rigorosas contra a disseminação do SARS-CoV-19, viralizou rapidamente. Desde que foi publicado, no dia 28 de junho, foi visto 30,7 mil vezes no Instagram, 998 vezes no Youtube e teve 611 compartilhamentos e 373 interações no Facebook.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que apresenta uma informação fora de contexto e induz a uma interpretação equivocada.

Saúde

Investigado por: 2020-07-10

É falso que a África tenha controlado pandemia com ivermectina

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirmam vídeos publicados nas redes sociais, a pandemia de covid-19 não está sob controle no continente africano. Países da região aplicaram diversas medidas para tentar segurar o contágio
  • Conteúdo verificado: Vídeos dos médicos Álvaro Galvão (RO) e Rafael Freitas (PR) no YouTube defendem o uso profilático da ivermectina como tratamento para a covid-19, sob o argumento de que a medicação reduziu o número de casos graves da doença na África

É falso que a pandemia de covid-19 esteja sob controle na África por causa do uso preventivo da ivermectina, um medicamento contra vermes. Em vídeos publicados em seus canais do YouTube, os médicos Álvaro Galvão, de Rondônia, e Rafael Freitas, do Paraná, afirmam que o consumo profilático de ivermectina pode evitar sintomas e o agravamento da covid-19.

Até aqui, não há nenhuma comprovação científica de que a ivermectina seja um medicamento eficiente para tratar pacientes com covid-19. É o que afirmam o Ministério da Saúde, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária dos Estados Unidos, e os próprios pesquisadores que estudam o uso da droga contra o vírus SARS-CoV-2 em laboratório.

A pandemia também não está sob controle na África. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença tem avançado numa velocidade acelerada no continente. A Etiópia, citada em um dos vídeos como um país que teria adotado pouquíssimas ações por causa do uso profilático da ivermectina, tomou diversas medidas para tentar controlar o contágio. As autoridades locais fecharam escolas e restaurantes, proibiram aglomerações, decretaram quarentena obrigatória para todos que chegassem ao país e decretaram estado de emergência por causa da pandemia.

A Marinha do Brasil também não aprovou um protocolo para o uso de ivermectina para tratar pacientes com covid-19, outra informação difundida em um dos vídeos.

Como verificamos?

A verificação foi dividida em três partes. Inicialmente, o Comprova buscou informações sobre a situação da pandemia no continente africano e, especialmente, na Etiópia – onde, segundo o médico Álvaro Galvão, os números da doença seriam bastante inferiores em comparação aos demais países. Para checar o número de casos, óbitos e testes realizados para identificar a doença na África foram utilizadas as bases de dados do Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e do Our World in Data, plataforma ligada à Universidade de Oxford, no Reino Unido.

A segunda etapa concentrou-se na investigação do uso da ivermectina no tratamento de pacientes com a covid-19. Foram consultados estudos científicos, notícias e outras verificações realizadas pelo Comprova sobre as relações do medicamento com a doença causada pelo novo coronavírus.

Por último, o Comprova entrou em contato com os autores dos vídeos. Tentou localizar Álvaro Galvão por meio do celular da clínica que aparece em seus vídeos no YouTube. E enviou mensagem para Rafael Freitas pelo e-mail cadastrado na conta dele no YouTube e via Twitter.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 10 de julho de 2020.

Verificação

Situação da África

Até a data de fechamento deste texto, 10 de julho, o continente africano contabilizava 543.136 casos e 12.474 óbitos causados pela covid-19, segundo os dados do Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças (Africa Centres for Disease Control and Prevention).

Em 8 de julho, quando a África superou a marca de 500 mil casos da doença, a OMS alertou que a pandemia estava se espraiando em uma velocidade acelerada, apesar de esse crescimento não ser uniforme em todo o continente. O informe da organização afirma que os casos mais que dobraram no último mês em 22 países africanos e que em dois terços do continente há transmissão comunitária do vírus, aquela em que não é mais possível localizar a origem da infecção. Segundo os dados da OMS, em menos de cinco meses, as mortes causadas pelo novo coronavírus superaram as causadas pela epidemia de ebola na África Ocidental, que ocorreu entre 2014 e 2016.

No mesmo informe, a OMS afirmou que 71% dos casos de covid-19 no continente africano estão concentrados em cinco países: Argélia, Egito, Gana, Nigéria e África do Sul. E que 80% dos infectados possuem 60 anos ou menos.

Em uma entrevista coletiva realizada em 9 de julho, John Nkengasong, diretor do CDC africano, endossou o alerta da OMS pedindo atenção ao crescimento do número de casos e óbitos no continente. De acordo com Nkengasong, os dados sobre a doença em muitos países africanos são insuficientes ou não são confiáveis – o que, segundo ele, dificulta o controle da pandemia.

O diretor destacou, também, a necessidade de aumentar a capacidade de testagem da população no continente. De acordo com os dados da plataforma Our World in Data, a maior parte dos países africanos não possui capacidade para testar todos que apresentam sintomas da doença.

A covid-19 na Etiópia

Ao comentar no vídeo enganoso os números da covid-19 na Etiópia, o médico Álvaro Galvão destaca que o aparente sucesso do país no controle da doença estaria exclusivamente relacionado ao uso profilático da ivermectina para o tratamento de outras doenças por grande parte da população. O médico afirma que as únicas medidas tomadas pelas autoridades etíopes para frear a covid-19teriam sido “a lavagem de mãos, o distanciamento social e o controle de temperatura que nos aeroportos”.

Essa informação é falsa. Após a confirmação, em 13 de março, do primeiro caso de covid-19, as autoridades da Etiópia rapidamente anunciaram uma série de medidas para tentar controlar o avançoda doença no país. Três dias depois do registro do primeiro paciente infectado pelo novo coronavírus, o governo instituiu o fechamento de escolas, a proibição de aglomerações e o apelo à população para a prática do isolamento social.

Em 20 de março, novas medidas foram anunciadas, como a obrigatoriedade do cumprimento de quarentena para todos aqueles que desembarcassem no país, a interrupção dos voos da maior companhia aérea etíope, a Ethiopian Airlines, para 30 países e o fechamento de bares e restaurantes. No dia 8 de abril, o governo decretou estado de emergência em todo o país.

As autoridades sanitárias da Etiópia não indicam a ivermectina para a prevenção ou tratamento da covid-19. O portal do governo que reúne as informações sobre a doença no país afirma que, apesar de várias drogas estarem em estudo, até o momento não existe um medicamento eficaz para os pacientes com o novo coronavírus e destaca que, para aqueles que desenvolvem sintomas graves, são administrados os chamados tratamentos suporte.

O portal alerta que a prevenção é o método mais eficaz para controlar o contágio da covid-19 e endossa as recomendações da OMS, como lavar as mãos com frequência, evitar tocar o nariz e a boca, usar máscaras e manter distância das demais pessoas.

Outro dado falso que o médico Álvaro Galvão apresenta no vídeo diz respeito ao número de casos e óbitos causados pela covid-19 na Etiópia até o dia 31 de maio. Segundo ele, até essa data o país contabilizava 731 casos e 6 mortes. O boletim oficial do Ministério da Saúde etíope revelou números maiores: 1.172 caos e 11 mortes.

Para compreender se a população etíope utiliza a ivermectina de modo profilático para o tratamento de outras doenças, conforme apontado no vídeo, a reportagem procurou a Embaixada da República Democrática Federal da Etiópia no Brasil, o Ministério da Saúde da Etiópia e o Instituto Etíope de Saúde Pública. Até o fechamento deste texto os contatos não houve retorno.

Até a publicação desta verificação, a Etiópia registrou 7.120 casos e 124 óbitos causados pela covid-19. Os dados são da Universidade Johns Hopkins.

Os médicos

Segundo o site do Conselho Federal de Medicina, Álvaro Luis Galvão Ignácio é especialista em cirurgia vascular. Atualmente, tem registro médico em Rondônia, mas já atuou em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Em seu site pessoal, ele conta que se formou em medicina em Porto Alegre e foi militar, com a patente de tenente médico, quando serviu no Hospital de Guarnição de Porto Velho. Atualmente, trabalha no Day Hospital Center Clínica, do qual é sócio, na cidade de Ji-Paraná, no interior de Rondônia. Em 2019, Álvaro recebeu o título de cidadão do estado da Assembleia Legislativa. No YouTube, ele já fez outros vídeos sobre a pandemia, como os intitulados “O uso da hidroxicloroquina” e “Diferenças do isolamento vertical e horizontal”.

Rafael Sousa de Freitas tem registro ativo no Conselho Regional de Medicina do Paraná desde 2014. Na descrição do seu canal do YouTube, ele se apresenta como cristão, formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), escritor, palestrante motivacional e treinador de alta performance nos estudos. No Twitter, se descreve como de direita e “pró-vida”. No Instagram, declara apoio ao presidente Jair Bolsonaro e ao presidente americano Donald Trump. Seus vídeos sobre a experiência como médico trazem títulos como “Homem engasga por esconder os dentes” e “Chamei mulher obesa de elefante”.

Nenhum deles respondeu às tentativas de contato do Comprova por WhatsApp, e-mail ou Twitter.

A ivermectina e a covid-19

A ivermectina está registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como “medicamento contra infecções causadas por parasitas”. Segundo a Food and Drug Administration, órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos, a ivermectina é liberada para humanos no tratamento de vermes intestinais e de parasitas tópicos, como piolho e rosácea. Além disso, o remédio é usado para o tratamento de vermes em diversas espécies de animais. Possíveis efeitos colaterais incluem vômito, diarreia, dor estomacal, erupções cutâneas, eventos neurológicos ( como convulsões, tontura e confusão), queda repentina da pressão arterial e danos ao fígado.

O Ministério da Saúde afirma que “ainda não existem evidências clínicas suficientes que permitam tecer qualquer recomendação quanto ao uso de ivermectina em pacientes com covid-19”. A FDA adota o mesmo posicionamento.

Em abril, um estudo da Universidade de Monash, na Austrália, apontou pela primeira vez a possibilidade de a ivermectina atuar como inibidor in vitro do SARS-CoV-2. No início de junho, em e-mail enviado ao Comprova, o Departamento de Medicina, Enfermagem e Ciências da Saúde da instituição explicou que o estudo demonstra apenas a eficiência em laboratório e que “a ivermectina não pode ser usada em pacientes com covid-19 até que outros testes e ensaios clínicos tenham sido conclusivos em estabelecer a eficácia do medicamento em níveis seguros para dosagem em humanos”.

Em verificação do Comprova publicada no dia 8 de julho, o infectologista Marcelo Carneiro, professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e integrante da Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecções e Epidemiologia Hospitalar (Abih), reforçou que não está comprovada a eficácia da ivermectina em humanos. “Já está provado que as doses de ivermectina precisam ser extremamente altas para funcionar. Então, em laboratório ela funciona como antiviral. Mas não existem doses para humanos e, se existir, será extremamente tóxica”, explicou.

A Marinha

Álvaro Galvão diz que a Marinha brasileira desenvolveu um protocolo para uso da ivermectina e tratou pacientes com covid-19 com o medicamento. Em uma nota enviada por e-mail ao Comprova, o departamento de imprensa disse que produziu uma “minuta de proposta de protocolo”, mas que não está em uso. A Marinha disse ainda que adota em suas unidades “todos os protocolos clínicos e terapêuticos” divulgados pela OMS, pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa “a fim de orientar seus profissionais de saúde quanto às medidas de condução e de tratamento dos pacientes infectados pelo novo coronavírus no âmbito do Sistema de Saúde da Marinha”.

Por que investigamos?

O Comprova tem investigado conteúdos suspeitos sobre a pandemia que viralizam nas redes sociais. Como ainda não existem vacina ou cura, muitas das verificações têm sido sobre medicamentos que supostamente combatem a covid-19. O tema é de extrema importância porque a automedicação sem orientação médica, além de não curar o novo coronavírus, pode ser prejudicial para as pessoas e colocar a saúde delas em risco.

Nesse contexto, a ivermectina tem sido muito citada em conteúdos que sugerem o seu uso preventivo, ainda que não exista nenhuma comprovação científica da sua eficácia. No último mês, o Comprova já mostrou que não havia provas de que o medicamento funcionasse, que entrevistas sobre o remédio estavam sendo retiradas de contexto, e que as autoridades médicas não recomendam a automedicação.

Até o fechamento dessa verificação, os vídeos dos médicos Álvaro Galvão e Rafael Freitas tinham, juntos, 336.175 visualizações no YouTube. Eles também atingiram 4.639 e 3.162 interações no Facebook e Twiter, segundo a plataforma de monitoramento Crowdtangle.

Falso para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para modificar o seu significado original e divulgado de maneira deliberada para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-07-08

Automedicação e uso de azitromicina, ivermectina e nitazoxanida não são recomendados para tratamento de covid-19

  • Falso
Falso
Recomendação contraria a orientação da ampla maioria das autoridades e entidades de saúde. A orientação para pessoas que apresentam sintomas de covid-19 é procurar assistência médica e não se automedicar
  • Conteúdo verificado: Texto publicado pela página “Um pouco de tudo” no Facebook recomenda os medicamentos azitromicina, ivermectina e nitazoxanida para pessoas com sintomas leves de covid-19 e indica a automedicação para quem não quer ir a um hospital.

Uma publicação do dia 25 de junho da página “Um pouco de tudo” no Facebook indica o uso dos medicamentos azitromicina, ivermectina e nitazoxanida para pessoas com sintomas leves de covid-19. O texto sugere que a recomendação parte de “profissionais de saúde”, sem citar nomes, em função de um suposto “colapso no Sistema de Saúde do Brasil” e é direcionada a quem não quiser se “arriscar a ir a um hospital”.

Essa recomendação, porém, contraria a orientação da ampla maioria das autoridades e entidades de saúde. Embora haja estudos em andamento sobre a possível ação desses medicamentos contra o vírus que causa a covid-19, o SARS-CoV-2, a eficácia deles não foi comprovada até o momento. Além disso, a orientação para pessoas que apresentam sintomas é procurar assistência médica e não se automedicar.

A afirmação de que haveria um “colapso” no sistema de saúde brasileiro também não é verdadeira. Levantamento feito pelo Comprova mostra que, neste momento, todos os estados possuem leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) disponíveis.

Como verificamos?

Entramos em contato com a responsável pela publicação no Facebook por meio de um número de telefone que consta na apresentação da página. Ela disse não saber a origem do texto que compartilhou.

Também consultamos o administrador de um perfil que havia publicado material semelhante mais de dois meses antes, em 3 de maio, mas não obtivemos resposta. Por meio de buscas na internet, não identificamos nenhuma entidade de saúde que tenha reivindicado a autoria.

Em seguida, solicitamos por e-mail um posicionamento do Ministério da Saúde em relação às recomendações feitas no texto. Confrontamos essas sugestões com as orientações de entidades médicas, autoridades de saúde e estudos científicos já publicados a respeito da covid-19.

Submetemos, ainda, o conteúdo do texto à análise de dois especialistas: os infectologistas Unaí Tupinambás, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Marcelo Carneiro, professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e integrante da Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecções e Epidemiologia Hospitalar (Abih).

Por fim, realizamos um levantamento com base em informações disponibilizadas pelas secretarias estaduais de Saúde para verificar as taxas de ocupação de UTIs em todo o país e entrevistamos o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto para compreender o que significa um “colapso” no sistema de saúde.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 8 de julho de 2020.

Verificação

O texto faz menção a três “fases” da evolução da covid-19 e lista sintomas e tratamentos associados a cada uma delas. Esse modelo de classificação é citado em revisão publicada em abril na revista Journal of Infection Control, da Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecções e Epidemiologia Hospitalar (Abih).

Assinado por 28 especialistas, o artigo confirma que a infecção por SARS-CoV-2 pode ser dividida em três estágios. O estágio I é “um período de incubação assintomática com ou sem vírus detectável”; o estágio II é um “período sintomático não grave com presença de vírus” e o estágio III é um “estágio sintomático respiratório grave com alta carga viral”. O estudo, porém, não associa sintomas ou tratamentos específicos a cada uma delas.

De acordo com o infectologista Unaí Tupinambás, essa classificação se aplica a apenas algumas situações, já que a ampla maioria dos casos de covid-19 não são graves e, portanto, não atingem a fase mais aguda da infecção. “Aqueles pacientes mais graves talvez possam se enquadrar nas três fases, mas, felizmente, são a minoria. Só os que estão naquela fase mais grave que precisam realmente de internação, de CTI”, explicou. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% das infecções são “leves ou assintomáticas”.

Em nota, o Ministério da Saúde esclareceu que os “sintomas da covid-19 podem variar de um simples resfriado até uma pneumonia severa, sendo os sintomas mais comuns a tosse, coriza, dor de garganta e dificuldade para respirar”. Embora haja relatos de infectados que apresentaram alguns dos demais sintomas citados no texto, eles são menos comuns.

De acordo com o infectologista Marcelo Carneiro, que é um dos autores do artigo do Journal of Infection Control, os sintomas mais frequentes apresentados por pacientes da covid-19 são os mesmos de outras infecções gripais. A exceção é a perda do olfato e paladar, registrada em alguns casos e, que parece, conforme o especialista, ser um traço particular da doença causada pelo novo coronavírus.

A informação da postagem de que os sintomas de virose aparecem a partir do terceiro dia de infecção também não é necessariamente verdadeira. Conforme Carneiro, os sintomas podem aparecer em até cinco dias após a pessoa ter contato com o vírus. “Isso é muito variável, depende de uma pessoa para outra”, disse.

Os medicamentos

O conteúdo que viralizou também recomenda a automedicação e indica o uso do antibiótico azitromicina a partir do terceiro dia de sintomas, bem como os medicamentos antiparasitários ivermectina e nitazoxanida (mais conhecido como Annita) “para ser mais rápido na cura”. Essa recomendação, porém, é refutada pela maioria dos profissionais e autoridades sanitárias.

Na nota, o Ministério da Saúde reiterou que “até o momento, não há nenhum medicamento, substância, vitamina, alimento específico ou vacina que possa prevenir a infecção pelo coronavírus ou ser utilizado com 100% de eficácia no tratamento”. A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) corrobora o posicionamento e afirma que, por enquanto, “não há vacina nem medicamento antiviral específico para prevenir ou tratar a covid-19.”

Em relação à azitromicina, o Ministério da Saúde afirma que as evidências encontradas até agora “não comprovam a eficácia do uso de medicamentos antibacterianos em pacientes com covid-19.” Essa posição é ratificada pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Sociedade Brasileira de Infectologia e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Quanto à ivermectina, o documento do Ministério da Saúde esclarece que “ainda não existem evidências clínicas suficientes que permitam tecer qualquer recomendação quanto ao uso de ivermectina em pacientes com covid-19”. O mesmo posicionamento é adotado pela Food and Drug Administration (FDA, órgão norte-americano equivalente à Anvisa).

Um estudo e publicado em junho pela revista Antiviral Research apontou que a ivermectina pode atuar como inibidor do SARS-CoV-2 em laboratório. Segundo o infectologista Marcelo Carneiro, porém, isso não garante a eficácia do medicamento em humanos. “Já está provado que as doses de ivermectina precisam ser extremamente altas para funcionar. Então, em laboratório ela funciona como antiviral. Mas não existe doses para humanos e, se existir, será extremamente tóxica”, explicou.

Quanto à nitazoxanida, uma revisão sistemática rápida publicada no dia 9 de junho por pesquisadores dos hospitais Alemão Oswaldo Cruz, Sírio-Libanês e Moinhos de Vento concluiu que, por “ausência de evidência clínica”, não é possível recomendar o uso do medicamento como terapia para covid-19. Atualmente, estão em andamento no Brasil e em outros países pesquisas sobre a possível ação da nitazoxanida contra a covid-19, mas ainda não há comprovação.

Automedicação

Especialistas também criticam a automedicação, que é sugeridapelo texto. Conforme reforçou o Ministério da Saúde na nota, o diagnóstico da covid-19 deve ser “realizado primeiramente pelo profissional de saúde que deve avaliar a presença de critérios clínicos.”

De acordo com o infectologista Unaí Tupinambás, a recomendação é de que pessoas com quadro suspeito evitem a automedicação e procurem assistência médica para receber orientações de como proceder. “É muito importante que todos os pacientes com suspeita de covid-19 tenham acesso a uma consulta médica, mesmo que à distância”, pontuou. O especialista esclareceu ainda que o tratamento da doença envolve repouso e hidratação oral frequente e que medicamentos como dipirona, novalgina ou paracetamol podem ser utilizados para aliviar sintomas como febre, mal estar e dor de cabeça.

Nos casos mais graves, o tratamento passa pela oxigenoterapia — o uso de respiradores mecânicos. Unaí Tupinambás citou ainda a dexametasona, que, segundo estudo da Universidade de Oxford, do Reino Unido, apresentou resultados satisfatórios quando ministrada a pacientes em estágios avançados da doença. O uso, porém, só deve ser feito sob orientação médica.

A situação do sistema de saúde

Ao contrário do que diz o texto publicado no Facebook, não é possível afirmar que o sistema de saúde brasileiro colapsou. Professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto explicou o que tecnicamente significaria esse colapso, que já atingiu certas regiões, mas ainda não foi observado em cenário nacional.

“Colapso é quando você tem que fazer uma escolha entre quem vai para a UTI e quem vai para o cuidado paliativo. Exemplificando: há dois pacientes que precisam entrar na UTI para terem uma chance de salvamento e você tem que escolher um dos dois, porque só tem uma vaga. O Brasil já experimentou [o colapso] em Manaus, em Belém, em algumas cidades do interior do Pará, como Marabá. Colapso geral no Brasil, não (ocorreu)”, explicou.

Levantamento feito pelo Comprova com base em dados divulgados pelas secretarias de saúde mostra que todos os estados brasileiros possuem vagas em UTIs. Sergipe (93,8%), Mato Grosso (93,2%) e Acre (92,4%) têm as maiores taxas de ocupação. Portanto, tecnicamente é possível dizer que nenhuma unidade federativa apresenta colapso no sistema de saúde no momento.

A página “Um pouco de tudo”

Por telefone, a administradora da página “Um pouco de tudo”, Lucia Barros, disse desconhecer o autor do texto e alegou que copiou o material da página de outra pessoa, mas que não se recorda quem. Lucia, que se apresentou como cabeleireira e alegou que divide-se entre Brasília e o Piauí, afirmou que mantém a página “por hobby” e que retirou o texto do ar por recomendação da filha, que é profissional da saúde.

Várias versões diferentes do texto foram publicadas no Facebook antes. Por meio da plataforma CrowdTangle, identificamos que a mais antiga é da página “Dr. Mike” e data de 3 de maio. O perfil é administrado pelo dentista Ezequias Nascimento dos Santos, que mantém uma clínica em Manaus (AM) e, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi candidato a deputado estadual pelo PSC em 2018. Na postagem – que faz menção à azitromicina, mas não à ivermectina e à nitazoxanida -, a autoria do texto não é atribuída a “profissionais de saúde”.

Procuramos a clínica por telefone para solicitar informações sobre a origem do texto, mas não houve retorno.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais. Quando o material aborda assuntos relacionados à covid-19, a verificação se torna ainda mais importante, pois esses conteúdos podem colocar a saúde das pessoas em risco.

Até o dia 2 de julho, antes de ser retirada do ar, a publicação da página “Um pouco de tudo” alcançava 76 mil compartilhamentos no Facebook. O conteúdo é perigoso porque atribui a profissionais da saúde recomendações que não são aceitas por autoridades sanitárias e entidades médicas, o que pode induzir pessoas a adotar procedimentos arriscados, como a automedicação ou o uso de medicamentos cuja eficácia contra a covid-19 ainda não é comprovada. A informação de que a rede pública de saúde estaria em colapso também é perigosa pois distorce a realidade e pode fazer com que pessoas potencialmente infectadas deixem de procurar assistência médica.

O Comprova já verificou outros conteúdos que se mostraram falsos ou enganosos, como um site que sugere que há consenso médico quanto ao tratamento da covid-19, um texto com conselhos para lidar com a pandemia e um tuíte segundo o qual o uso da hidroxicloroquina nos primeiros sintomas da covid-19 impediria que a doença avançasse para estágios mais agudos.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O conteúdo já havia sido verificado pelo Estadão e pelo Aos Fatos, que também o classificaram como falso.

Saúde

Investigado por: 2020-07-08

Site engana ao afirmar que há consenso médico para tratamento de covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Não há consenso da comunidade médica internacional sobre uma estratégia de tratamento resolutiva para a covid-19 defendida em site lançado no Brasil. O Comprova também conversou com quatro das seis autoridades médicas citadas pelo site e nenhuma delas soube informar quem criou a página ou mesmo quem pagou para que fosse publicada
  • Conteúdo verificado: Site Covid Tem Tratamento Sim, que afirma que “após meses observando o desenvolvimento da covid-19 em vários países, a comunidade médica internacional tem a convicção de uma estratégia de tratamento resolutiva para a covid-19”. A página, que ficou fora do ar entre 3 e 7 de julho, informava os medicamentos para o “tratamento”.

São enganosos o conteúdo e a proposta do site “Covid Tem Tratamento Sim”, lançado em junho. A página diz que “após meses observando o desenvolvimento da covid-19 em vários países, a comunidade médica internacional tem a CONVICÇÃO de uma estratégia de tratamento RESOLUTIVA para a COVID-19”. A afirmação foi feita sem comprovação e sem a anuência mesmo de pessoas que supostamente apoiavam a iniciativa. O Comprova conversou com quatro das seis autoridades médicas citadas pelo site e nenhuma delas soube informar quem criou a página ou mesmo quem pagou para ela ir ao ar – uma delas não sabia nem que o endereço tinha sido lançado.

Segundo Alla Dolganova, médica que atua na Prefeitura de Porto Alegre desde 2009 e diz fazer parte do grupo central que discute as diretrizes nacionais do movimento #CovidTemTratamentoSim, o objetivo dos profissionais envolvidos era criar um site com apoiadores do tratamento precoce contra a doença. Ao Comprova, a médica afirmou que o conteúdo do site ia além disso. No dia 3 de julho, a página foi tirada temporariamente do ar e, conforme afirmou Alla, a remoção aconteceu porque o site citava um coquetel de medicamentos. De acordo com ela, informar o nome das drogas vai contra o que ela mesma e outros profissionais acreditam. “A ideia não era divulgar remédios. Dar o remédio é decisão médica”, afirmou Alla ao Comprova. O portal retornou ao ar em 7 de julho sem citar as medicações nem os profissionais de cada estado que estariam dispostos a receitá-las.

Os medicamentos citados inicialmente pelo site eram a cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e heparina. Diferentemente do que o endereço insinua, nenhum deles tem eficácia comprovada contra o novo coronavírus em nenhuma fase da doença, segundo órgãos como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Organização Mundial da Saúde (OMS).

Como verificamos?

Ao tentar localizar o responsável pelo site, o Comprova levantou dados sobre o registro da página por meio da ferramenta Whois. O conteúdo foi registrado no nome de Maicom França em 12 de junho de 2020. Além do nome, a ferramenta também forneceu o CPF e um endereço de e-mail, informações que, jogadas na busca do Google, levaram até o nome de uma empresa de Maicom – designer gráfico – e contas em redes sociais. Procurado pelo Comprova nas redes, Maicom visualizou, mas não respondeu as mensagens.

O registro também apresentou o nome da empresa Dívea como responsável pela hospedagem do portal. O Comprova identificou um perfil da companhia no Instagram, com postagens sobre o site do movimento, e utilizou as informações fornecidas na rede para entrar em contato. O CEO da empresa, Renan Corrêa, disse que não tinha autorização para divulgar quem o havia contratado.

O Comprova conversou, por telefone, com Nise Yamaguchi, uma das profissionais que apareciam entre as autoridades médicas. Ela disse não saber que o site havia ido ao ar e que não fazia parte do conselho de médicos do movimento. Informou o nome de colegas que poderiam ter mais informações sobre o site e o movimento: Paulo Porto, Dante Senra e Luciana Cruz. O primeiro conversou com a equipe por telefone. A equipe contatou ainda Luciana Cruz por mensagem direta de Instagram, Facebook e Whatsapp desde o dia 3 de julho e, no dia 7, ela respondeu e conversou com o Comprova por WhatsApp.

Paralelamente, o Comprova entrevistou Alla Dolganova – médica citada pelo portal como defensora do “tratamento precoce” –, que indicou outro médico que seria o “Relações Públicas” do grupo. Contatado pela nossa equipe, o profissional afirmou ser apenas um dos responsáveis por reunir as informações médicas do Rio Grande do Sul e disse que a médica Vânia Brilhante, que atua no Pará, era uma das líderes. Consultada por telefone, Vânia negou a informação.

O site também fornece depoimentos de pessoas que supostamente teriam obtido sucesso no tratamento da covid-19 seguindo o protocolo defendido pelos médicos. O Comprova conversou por telefone com o autor de um dos depoimentos, Fabricio Oliveira, prefeito de Balneário Camboriú, em Santa Catarina. O depoimento do prefeito foi retirado do site após ele ter ficado temporariamente fora do ar.

Também levantamos informações sobre as medicações citadas como eficazes no tratamento contra a covid-19. Utilizamos como base publicações científicas, informações da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e da Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária americana. Além disso, recorremos a outras investigações feitas pelo Comprova sobre medicamentos usados no combate à doença.

Por fim, questionamos o Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina, por e-mail, para saber se os órgãos sabiam da iniciativa. As respostas enviadas apontaram que ainda não há comprovação científica sobre a eficácia das medicações no tratamento da covid-19.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de julho de 2020.

Verificação

Registro do site

Na tentativa de localizar quem colocou o site no ar, com o Whois, o Comprova chegou ao nome de Maicom França. A ferramenta também forneceu o CPF e um endereço de e-mail de França.

Fazendo uma busca no Google utilizando o e-mail registrado, o Comprova encontrou um registro de CNPJ no mesmo nome e endereço de e-mail, ligado à empresa “Maicom Fg Designer Gráfico”, localizada em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Consultamos o CNPJ no site da Receita Federal e encontramos o registro da empresa, de mesmo nome, e-mail e endereço, e um número de telefone para contato.

O Comprova tentou entrar em contato com Maicom pelo telefone, mas não foi possível completar a ligação. Pesquisamos o nome completo registrado no CNPJ no Facebook e encontramos o perfil de um designer gráfico em Balneário Camboriú, com informações similares às da empresa pesquisada, incluindo o e-mail. Também encontramos um perfil no Instagram vinculado à conta e enviamos mensagens nas duas redes sociais. Maicom visualizou as mensagens, mas não respondeu até a publicação desta investigação.

No registro do domínio também há o contato de uma empresa de nome Dívea.

Fizemos uma busca pela empresa no Instagram e encontramos uma postagem em um perfil, datada de 2 de julho, em que a companhia anunciou que estava fazendo a hospedagem do site do projeto.

O Comprova digitou o nome completo da empresa no Google e encontrou um número de CNPJ. Ao fazer a consulta no site da Receita Federal, os dados de e-mail do cadastro eram os mesmos informados no registro do domínio. O cadastro da Receita apresentava um telefone, mas ao ligar para o número, o Comprova foi atendido por um escritório de contabilidade que alegou não trabalhar mais com a Dívea há pelo menos três anos.

De volta ao Instagram da empresa, o Comprova encontrou um número para contato e telefonou para perguntar quem teria contratado a companhia para colocar a página no ar. Fomos atendidos pelo CEO, Renan Corrêa, que afirmou só prestar “serviço para um grupo de empresários” e que não tinha certeza se poderia divulgar quem o contratou. Ele pediu alguns minutos para falar com o empregador, mas em outra ligação, Renan disse que “não tinha autorização para falar nada sobre isso”.

Quem são os médicos citados?

O site afirma que há 17 médicos “comprometidos com o tratamento precoce” de seus pacientes. Eles estariam distribuídos entre 12 unidades federativas: Alagoas, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo.

O Comprova conversou por telefone com uma das profissionais citadas, Alla Dolganova, médica russa especializada em pneumologia e com PhD em virologia que está há 20 anos no Brasil. Alla é integrante do comitê organizador de um estudo sobre a opção médica no tratamento precoce da covid-19, feito no Rio Grande do Sul, estado onde trabalha. Defensora de que há comprovação em certos tratamentos de combate à doença, ela disse em entrevista ao Comprova, por telefone, que não recebeu nenhum convite para integrar o movimento, mas que seu interesse em se unir a outros médicos foi espontâneo. Alla disse ser parte do grupo central que discute as diretrizes nacionais do movimento. “Nossa ideia é criar um site com apoiadores de tratamento precoce. Somos um grupo de oito pessoas à frente desse movimento. Elaboramos orientações para os médicos que querem aderir. Temos quase 400 assinaturas de médicos nos apoiando”, declarou.

Alla também observou que o movimento foi dividido nas cinco regiões do país e que cada estado tem um grupo próprio no WhatsApp: “Tem muitas lives saindo sobre este projeto, com médicos, empresários, jamais imaginávamos que iria crescer tanto esse movimento. Só no Rio Grande do Sul, somos oito.” Segundo ela, além dos grupos estaduais e regionais, há um grupo de WhatsApp nacional.

Em 3 de julho, o site teve a maior parte do conteúdo removido, incluindo recomendações sobre o uso de determinados medicamentos no tratamento do novo coronavírus e a relação de médicos “comprometidos com o tratamento precoce” em cada estado.

“Avisei que não concordava em dar nome de medicações. O site saiu do ar porque vários colegas começaram a reclamar. A ideia não era divulgar remédios. Dar o remédio é decisão médica. O médico tem que analisar e descobrir que fase que está o tratamento e aí tratar. Somos a favor de tratamento precoce, como em qualquer doença viral. Cada vez mais há mais trabalhos sobre isso. Tem de começar o tratamento mais cedo possível para não chegar na UTI. Quando o paciente começa a sentir falta de ar, já está com 50% do pulmão acometido”, disse Alla.

A fala da médica russa sobre a existência de um movimento e a divisão dele por estados foi rebatida pela infectologista Vânia Brilhante, que atua no Pará. Vânia foi apontada por um dos médicos que integra as discussões, e preferiu não se identificar, como uma das “cabeças” do movimento no estado – ela negou. “Não sei se tem algum movimento. Tem um grupo de médicos que acredita nisso, não sei se o nome disso é movimento”, disse ela ao Comprova em 3 de julho.

Questionada sobre quem colocou o site no ar, disse não saber e não ter autorizado o uso de seu nome: “Não fui eu, nem sei também. Estou tentando entrar em contato com essa pessoa, que botou o meu nome lá, inclusive. Se descobrir você me conta”.

Vânia afirmou que há grupos de médicos no WhatsApp discutindo essas questões, mas não respondeu se alguém havia tomado a frente e formalizado a iniciativa de lançar um site. Ela alegou que não tem tempo para ler todas as mensagens que chegam pelo aplicativo.

Procurada novamente no dia 7 de julho para saber se havia descoberto quem colocou o site no ar, a médica disse que havia conversado sobre o assunto com o filho advogado. “Quero saber quem autorizou a fornecer meus dados para um site que não tenho ciência”. Questionada se tomaria alguma providência sobre o caso, Vânia se esquivou da resposta e disse que estava muito ocupada.

Autoridades médicas

O site apresenta seis “autoridades médicas”: Nise Yamaguchi, Roberto Zeballos, José Henrique Andrade Vila, Dante Senra, Paulo Porto, Cassio Prado. O Comprova falou com quatro delas. Nise Yamaguchi disse ser “participante voluntária” do “Covid Tem Tratamento Sim” e não soube dizer quem teve a ideia de colocar a página virtual no ar. “Ainda não vi o site”, disse ela, em entrevista por telefone no dia 3 de julho.

Outro médico com quem o Comprova conversou foi o neurocirurgião Paulo Porto. Ele contou que os médicos do “Covid Tem Tratamento Sim” formam um “grupo apartidário, voluntário, sem interesse financeiro e com competências complementares na questão do combate à pandemia”. Porto diz que o colapso no sistema de saúde de Belém, no final de abril, fez com que médicos do país todo começassem a conversar sobre possíveis caminhos. “E, aí, a gente começou a tentar adaptar o que tinha de protocolo e montou um grupo, fez umas lives, umas reuniões no Zoom só para médicos para contar a experiência que o pessoal teve lá, falar um pouquinho de gestão de crise, e a coisa foi ganhando força.”

Assim como Vânia Brilhante e Nise Yamaguchi, Porto também não soube informar quem criou o site. “Olha, não sei te dizer [quem criou a página]. Na verdade, eu fui informado que meu nome iria para esse site”, contou. “Não diria que eu sou um dos organizadores, eu sou um dos componentes desse grupo. Não vejo ali uma cabeça. As pessoas foram se agregando por acreditarem em princípios semelhantes e a coisa foi andando.”

Ao Comprova, Dante Senra declarou ter sido pego de surpresa com seu nome citado no site. “Eu pertenço a um conselho apartidário, que dá o nome de ‘conselho científico’, cuja função é mostrar a nossa experiência, nada mais do que isso. Não é fazer afirmações categóricas”, disse. “Eu não fui avisado do site, eu não sabia que ele seria criado”, acrescentou.

O médico afirmou que integra um grupo no WhatsApp com outros profissionais para trocar informações sobre o uso de medicamentos. “O objetivo era mostrar a experiência, no sentido de mostrar colaboração num momento difícil”, disse ele. Senra relatou prescrever hidroxicloroquina apenas para pacientes internados, de forma que possa monitorá-los diariamente e observar possíveis efeitos colaterais. Ainda, disse que deixa claro que não há comprovação da eficácia e que apresenta todos os possíveis cenários antes de indicar o tratamento com a medicação – que só é realizado com o consentimento do paciente.

Resposta semelhante deu Roberto Zeballos, outra das “autoridades médicas” do site. “Não sei quem é o dono. Sei que foi iniciativa de gente que apoio, que quer que o tratamento saia, mas não sei exatamente quem soltou. Me ligaram e perguntaram se eu ajudaria em um site. E, se for para ajudar, estou à disposição”. E, depois, acrescentou: “É um projeto de uma comissão de cientistas que, no caso, me incluíram.” Zeballos não disse quem ligou para ele para informar do site e sugeriu contatar outros colegas para saber de quem era a propriedade da página. O médico já apareceu em duas verificações do Comprova. A primeira delas, de 22 de abril, era sobre um post viral que, com base em uma entrevista com ele, afirmava que infectologistas e imunologistas tinham descoberto a “cura oficial” da covid-19. Na gravação, Zeballos dizia ter resultados animadores, mas ele mesmo rejeitava a tese de que o método pudesse ser considerado uma cura. A segunda investigação, do dia 5 de maio, classificada como enganosa, era sobre o fato de Zeballos ter declarado que o novo coronavírus “veio de um laboratório de Wuhan”.

Outra médica com quem o Comprova conversou foi a anestesiologista Luciana Cruz. Segundo Nise Yamaguchi, ela é uma das organizadoras dos médicos que se uniram e estavam listados no site. Questionado se conhecia Luciana, Paulo Porto afirmou que sim e que “ela faz parte do conselho desse grupo, e ela teve uma atuação bastante intensa nesse episódio do Pará”. Mas Luciana disse não ter “nada a ver com o site” e que deveria ter havido algum equívoco, pois seu nome sequer estaria no endereço virtual.

O Comprova enviou, então, uma imagem captada antes de a página sair do ar, na qual aparecia o nome e uma foto dela. “Onde é isso? Eu não conheço. Isso é um site?”, perguntou. Luciana declarou não ter autorizado o uso de sua imagem e, depois de ter escrito que não sabia sobre o site, disse que havia visto a página quando foi lançada. Acrescentou que foi apenas moderadora de uma live no canal no YouTube do jornalista Alexandre Garcia, que reuniu vários médicos que aparecem no site e que sua participação na pandemia foi contar o que os profissionais viveram e aprenderam na situação de colapso no Pará.

“Eu defendo duas coisas. Primeiro, o direito do médico de ter autonomia na sua prescrição. Segundo, o direito do paciente de receber ou não os tratamentos off label (quando o medicamento é utilizado para um tratamento diferente do recomendado na bula), de acordo com o que desejar”, ela escreveu. E acrescentou: “quanto ao site, não foi ideia minha. Sei, sim, de várias pessoas que queriam um site onde pudessem juntar todas [as medicações] em um único lugar. Essa era a ideia de várias pessoas, não de uma só. Como essa ideia nunca me agradou, eu procurei não me envolver e nunca quis saber muito sobre isso também”.

Retirada do ar e retorno

Na tarde do dia 3 de julho, o site saiu do ar. Ao clicar no link, surgia a mensagem: “A pedido dos médicos integrantes do CONSELHO CIENTÍFICO e todos médicos envolvidos de vários estados no combate ao COVID-19, o site está temporariamente fora do ar para atualizações de orientações médicas”.

De acordo com Roberto Zeballos, o site “foi lançado sem ciência dos médicos” e “retirado do ar para correções”. “A gente sabia que iam fazer, mas vamos fazer uma revisão. Será um site com as abordagens e protocolos que a gente tem, estudos científicos.” Questionado sobre quais informações precisavam ser revisadas, ele respondeu que “algumas”. Ele citou o fato de ter sido incluído o logo do hospital em que ele atua. “Não quero ter logotipo de hospital nenhum”, afirmou ao Comprova. “Os médicos foram pegos de surpresa com a data de lançamento.”

A médica Luciana Cruz escreveu ter ficado sabendo que “o site incomodou muitas pessoas por ter muitas informações erradas, e por isso tiraram do ar. “Eu nem sabia que tinha a minha imagem, se não teria sido mais uma a reclamar. Confesso que nem sequer acessei e nem tinha visto isso. Você que acabou de me mostrar agora.” Questionada sobre se tomaria alguma medida legal por terem usado sua imagem sem autorização, afirmou: “Parece que o site não voltará, então talvez eu não precise fazer nada, mas vou até procurar saber”.

No dia 7 de julho, o site voltou ao ar com parte do conteúdo modificada. O portal não apresentava mais a relação de médicos que aplicavam o tratamento precoce e nem a lista de medicamentos utilizados no combate à covid-19. O depoimento em vídeo do prefeito de Balneário Camboriú, Fabrício Oliveira, sobre o tratamento também foi removido.

Depoimentos

Uma das áreas do site trazia três depoimentos em vídeo de pessoas que foram infectadas pelo novo coronavírus e se curaram após tratamento com um dos medicamentos que o site recomendava ou uma combinação deles. O Comprova falou com o autor de um dos depoimentos, Fabricio Oliveira, prefeito de Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Oliveira contou ter tomado azitromicina e ivermectina no estágio inicial da doença e não ter tido nenhum sintoma.

Ele declarou ter gravado sete ou oito depoimentos em que contava sobre seu processo de cura e, inicialmente, disse ter cedido uma das gravações para o site. O Comprova pediu, então, para que ele fornecesse o contato da pessoa com quem falou sobre a inclusão do vídeo na página. Oliveira disse que buscaria o nome da pessoa em seu celular e pediu que a reportagem ligasse em seguida. No novo contato, Oliveira mudou a versão. Disse que gravou e publicou vídeos em redes sociais e compartilhou em grupos de conversa, mas que não deu nenhuma autorização para que a gravação fosse utilizada no site. “Todos os vídeos que eu publico, que eu mando, eu não tenho problema nenhum que eles sejam publicados. Agora (no caso do site “Covid Tem Tratamento Sim”), ninguém me pediu nada”, afirmou.

O que se sabe sobre as medicações listadas?

A Organização Mundial da Saúde já divulgou que não existe vacina ou medicamento específico para prevenir ou tratar a covid-19. Os tratamentos aplicados até o momento, explica o órgão, são para “aliviar os sintomas” dos infectados.

Os cinco medicamentos listados pelo site são utilizados para tratamentos distintos. A cloroquina e a hidroxicloroquina são usadas no tratamento de malária e doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatóide. A ivermectina é usada em tratamentos de vermes e parasitas. A azitromicina é um antibiótico, utilizada contra bactérias. E a heparina é um anticoagulante.

Em maio, o Ministério da Saúde publicou orientações a respeito do uso de medicamentos em pacientes infectados pelo novo coronavírus, ressaltando “que não existem evidências científicas robustas que possibilitem a indicação de terapia farmacológica específica para a covid-19”.

A pasta também recomenda que a aplicação da cloroquina seja evitada em associação com determinadas medicações, entre elas a heparina. Um informe da Sociedade Brasileira de Infectologia, publicado em 30 de junho, menciona todos os medicamentos citados acima e reitera que não há comprovação clínica da eficácia de qualquer um deles no tratamento contra a covid-19.

O Comprova já realizou checagens envolvendo todas as medicações acima.

Cloroquina e Hidroxicloroquina

Embora o Ministério da Saúde tenha publicado uma orientação, no início de maio, autorizando o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em casos leves de covid-19, a pasta assinalou que não há comprovação da eficácia dos medicamentos em pacientes com a doença. Em março, a falta de comprovação da eficácia já havia sido apontada pela Saúde ao orientar o uso da cloroquina em quadros graves.

Após a publicação da orientação, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) emitiu uma nota em que “não recomenda o uso da cloroquina e hidroxicloroquina associada, ou não, a azitromicina, enquanto não houver evidências científicas definitivas acerca do seu emprego”. O texto também orienta que, para os pacientes que optarem pelo tratamento, “sejam realizados eletrocardiogramas”, de modo a acompanhar possíveis complicações cardíacas.

A Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac) também emitiu uma nota ressaltando a “ausência de evidências que apontem claramente o benefício do uso deste esquema terapêutico”. A Sobrac recomenda o monitoramento dos pacientes que usem o medicamento para “prevenir a manifestação de eventos arrítmicos potencialmente fatais que podem ocorrer devido a efeitos adversos de um destes fármacos ou da associação entre eles ou com outros fármacos que também possam predispor a distúrbios elétricos cardíacos”.

Em abril, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu um parecer com critérios e condições para a prescrição de cloroquina em pacientes com covid-19. O texto deixa claro que “não há evidências sólidas de que essas drogas tenham efeito confirmado na prevenção e tratamento dessa doença” e determina que médicos expliquem aos pacientes que a medicação não garante eficácia. “O documento do CFM ressalta que o profissional fica obrigado a explicar ao doente que não existe, até o momento, nenhum trabalho científico, com ensaio clínico adequado, feito por pesquisadores reconhecidos e publicado em revistas científicas de alto nível, que comprove qualquer benefício do uso das drogas para o tratamento da covid-19”, diz o CFM.

A cloroquina já havia sido considerada para tratamento de infecções de coronavírus após as epidemias de SARS e MERS. No entanto, não haviam sido feitos testes clínicos em humanos para confirmar a eficácia da droga. Em março deste ano, após a OMS declarar a pandemia do novo coronavírus, um estudo conduzido por médicos do Sul da França sugeriu que a cloroquina poderia ser usada como tratamento para o SARS-CoV-2. Esse estudo foi alvo de diversas críticas e seus resultados foram questionados e considerados anedóticos, ou seja, se tratavam de casos isolados, sem comprovação científica.

Mais tarde, em um comunicado, a International Society of Antimicrobial Chemotherapy e a Elsevier, responsáveis pela revista que publicou o artigo, reconheceram a existência de questionamentos quanto ao conteúdo e anunciaram um novo processo de revisão independente.

Estudos divulgados por algumas das mais importantes revistas médicas do mundo questionaram a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a covid-19. Em maio, o Journal of the American Medical Association (Jama) e o British Medical Journal (BMJ) publicaram que pacientes tratados com as medicações, associadas ou não ao antibiótico azitromicina, não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os mesmos remédios.

Em junho, pesquisadores do Recovery, estudo clínico conduzido no Reino Unido, afirmaram não haver benefício no uso da hidroxicloroquina em pessoas com covid-19. Dez dias depois, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária americana, revogou a autorização para um uso emergencial da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento da doença nos Estados Unidos. A organização alegou ser improvável que os medicamentos sejam efetivos contra a covid-19.

A OMS também avaliou o uso da hidroxicloroquina como um dos medicamentos para o tratamento da covid-19 através do estudo clínico Solidariedade, que já recrutou pacientes em 35 países. Mas decidiu encerrar os testes com a hidroxicloroquina no dia 17 de junho por não ter sido capaz de identificar redução no número de óbitos entre os pacientes que fizeram uso da droga.

Ivermectina

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a ivermectina está registrada como “medicamento contra infecções causadas por parasitas”.

A FDA libera a ivermectina para humanos no tratamento de vermes intestinais e, também, de parasitas tópicos como piolho e rosácea. A droga também é usada para o tratamento de vermes em diversas espécies de animais. Em abril deste ano, a agência sanitária divulgou uma carta aberta alertando a população a não usar remédios à base de ivermectina como tratamento contra a covid-19. A FDA acrescentou que possíveis efeitos colaterais do uso da ivermectina incluem vômito, diarreia, dor estomacal, erupções cutâneas, eventos neurológicos (tais como convulsões, tontura e confusão), queda repentina da pressão arterial e danos ao fígado.

A ivermectina foi testada como medicação em casos do novo coronavírus em estudo conduzido pelo médico Amit Patel, então ligado ao Departamento de Bioengenharia da Universidade de Utah (EUA). Os resultados mostraram que entre os pacientes que precisavam de ventilação mecânica, apenas 7,3% dos que tomaram a medicação morreram — contra 21,3% dos que não utilizaram o medicamento. No entanto, a pesquisa afirmava que os dados “não devem ser considerados conclusivos, pois fatores de confusão desconhecidos nem sempre podem ser contabilizados de maneira confiável, mesmo quando técnicas de correspondência de propensão são empregadas no desenvolvimento de grupos de controle.”

Em junho a pesquisa foi retirada do ar, porque os dados foram coletados por empresa envolvida em polêmica sobre base de dados internacional usada em estudos sobre hidroxicloroquina. A companhia responsável é alvo de uma auditoria.

Outro estudo sobre ivermectina, feito por pesquisadores da Monash University e do Hospital Royal Melbourne, na Austrália, demonstrou que o medicamento é capaz de matar o novo coronavírus in vitro em 48 horas. Apesar dos resultados, os próprios pesquisadores pediram cautela e alertaram para a necessidade de realizar testes clínicos que avaliem a eficácia do remédio fora do laboratório.

Azitromicina e heparina

Por se tratar de um antibiótico, a azitromicina é utilizada no combate a bactérias —o que não é o caso do SARS-CoV-2, como explicado pela OMS. Segundo o órgão internacional, a covid-19 é uma “doença infecciosa causada por um coronavírus recém descoberto”. Em e-mail enviado ao Comprova, o Ministério da Saúde endossou o que disse a OMS e se referiu ao SARS-CoV-2 como o “vírus por trás da covid-19”.

Já a heparina, por ser um anticoagulante, é indicada na prevenção de tromboses e embolias arteriais ou venosas, segundo a Anvisa. Também é utilizada no preparo de transfusões sanguíneas.

Em entrevista ao Comprova, o Dr. Erich Vinícius de Paula, coordenador de hemostasia e trombose da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), explicou que “tromboses são complicações de quase todas as doenças infecciosas” e que o uso de anticoagulantes busca prevenir a ocorrência delas: “A maioria dos pacientes que está internado em uma UTI, [com um quadro da covid-19] grave ou qualquer outro problema como um AVC ou um infarto, usarão anticoagulantes para a prevenção da trombose”.

No entanto, De Paula alerta que a recomendação da maioria das sociedades médicas de todo o mundo é que uma dose maior de anticoagulantes só deve ser ministrada aos pacientes no contexto de estudos clínicos.

Em abril deste ano, a revista científica Science publicou um artigo sobre a evolução do tratamento de covid-19 com o uso de heparina. No Brasil, a pneumologista Elnara Marcia Negri, do Hospital Sírio Libanês e da Universidade de São Paulo (USP), administra a medicação em seus pacientes. No entanto, ainda não foram realizados estudos randomizados — ou seja, que ministram o medicamento em um grupo e oferecem um placebo a outro grupo — que comprovem a eficácia do tratamento.

O uso de antibióticos, como o caso da azitromicina, foi mencionado pelo médico como um possível complemento a tratamentos de covid-19, já que é possível que o paciente apresente alguma infecção provocada por bactérias ao contrair o novo coronavírus. “Os antibióticos são usados na maioria dos casos graves porque é muito difícil excluir que junto com o vírus não haja uma infecção bacteriana associada, mas é muito importante entender que o antibiótico não é direcionado para tratar do vírus”, explicou.

Autoridades não endossam iniciativa

Procurado por e-mail, o Ministério da Saúde não respondeu se tinha conhecimento de que o site estava no ar e se limitou a responder sobre a eficácia dos medicamentos descritos no” CovidTemTratamentoSim”.

Segundo a assessoria de imprensa da pasta, “até o momento, não há nenhum medicamento, substância, vitamina, alimento específico ou vacina que possa prevenir a infecção pelo coronavírus ou ser utilizado com 100% de eficácia no tratamento” e “a pasta acompanha o desenvolvimento de ensaios clínicos realizados no país para testar a eficácia e segurança do uso de alternativas no tratamento de pacientes com coronavírus (covid-19). Participam destes estudos mais de 100 centros de pesquisas, como universidades e hospitais, reunindo 5 mil pacientes com quadros leves, graves e moderados”.

O Comprova consultou, também por e-mail, o Conselho Federal de Medicina (CFM). A respeito do uso dos remédios citados em tratamentos contra a covid-19, o órgão enviou um documento, já usado pelo Comprova em outras verificações, dizendo que o texto continua em vigor. De acordo com a publicação, não há “evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19” e “muitos medicamentos têm sido promissores em testes através de observação clínica, mas nenhum ainda foi aprovado em ensaios clínicos com desenho cientificamente adequado, não podendo, portanto, serem recomendados com segurança”.

Questionado sobre um posicionamento frente ao site, o CFM respondeu que “não comenta casos específicos para não comprometer sua atuação prevista em lei”.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais. Quando o material aborda assuntos relacionados à covid-19, a verificação se torna ainda mais importante, pois esses conteúdos podem colocar a saúde das pessoas em risco.

Segundo a ferramenta Crowdtangle, a página tinha 38.760 interações no dia 7 de julho. O vídeo com a live feita pelo jornalista Alexandre Garcia tinha 1.751.644 visualizações na mesma data. O site é enganoso porque insinua que médicos do mundo todo chegaram a um consenso sobre o tratamento da covid-19, o que vai contra o que acreditam autoridades sanitárias e entidades médicas, segundo as quais ainda não há um tratamento reconhecidamente eficaz contra o novo coronavírus. Ele engana também ao reunir médicos que nem sabiam que seus nomes estavam na página, entre outros pontos.

O Comprova já publicou verificações de boatos com uma lista de conselhos para a pandemia com dados corretos e informações falsas sobre o vírus, que desestimulam o uso de máscara, afirmam que a covid-19 é uma trombose causada por bactéria e que a hidroxicloroquina pode descartar a necessidade de UTI.

Enganoso para o Comprova é quando um conteúdo é retirado de seu contexto original e utilizado de forma a modificar seu significado, induzindo a uma interpretação equivocada.

Saúde

Investigado por: 2020-07-06

É verdadeiro que Bolsonaro tenha liberado auxílio de R$ 160 milhões a asilos proposto pelo Congresso

  • Comprovado
Comprovado
Projeto foi apresentado no plenário da Câmara pela deputada federal Leandre (PV-PR) em 14 de abril, aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente da República em 29 de junho, último dia do prazo para tal, com quatro vetos
  • Conteúdo verificado: Texto publicado pelo site Pleno News alegava que o presidente Jair Bolsonaro teria liberado um fundo de R$ 160 milhões a asilos para auxiliar no combate à pandemia do novo coronavírus

É verdadeiro que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenha liberado um fundo de R$ 160 milhões para asilos durante a pandemia de covid-19, conforme divulgado pelo site Pleno News em 30 de junho. O conteúdo, cuja verificação foi sugerida por leitores do Comprova e que teve ampla visualização nas redes sociais, diz que Bolsonaro sancionou uma lei que ajudaria Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) no combate à doença.

A lei foi assinada pelo presidente em 29 de junho de 2020. A única informação que não consta do texto é que ela foi elaborada e aprovada pelo Congresso Nacional, apresentada pela deputada federal Leandre (PV-PR), antes de seguir para a sanção presidencial.

A notícia diz corretamente que a nova lei também foi assinada pelos ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e José Levi Mello do Amaral Júnior (Advocacia-Geral da União).

Como verificamos?

O Comprova pesquisou no site do governo federal se havia sido aprovada alguma lei sobre o tema e encontrou uma notícia do dia 30 de junho anunciando a assinatura da Lei 14.018. O texto fornece o link para o registro da assinatura no Diário Oficial da União, em 30 de junho.

Buscamos mais informações sobre a lei e encontramos na Agência Senado uma notícia explicando que o projeto teve origem na Câmara dos Deputados. Em uma busca rápida no site da Câmara foi possível encontrar a data em que o projeto foi apresentado pela primeira vez e todo o processo que percorreu, passando também pelo Senado Federal, até virar lei.

Para entender melhor como funciona a tramitação, o Comprova pesquisou, nos sites ligados aos órgãos legislativos, como são feitas as leis no país e quais passos devem ser executados ao longo do processo.

Verificação

O que é o fundo aos asilos?

A lei assinada prevê que a União destinará um auxílio financeiro de R$ 160 milhões para que Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) possam se fortalecer no combate ao novo coronavírus. Para isso, podem ser utilizados recursos do Fundo Nacional do Idoso (FNI), gerenciado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, órgão que integra o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).

O FNI financia ações relativas ao idoso que “assegurem os direitos sociais e criem condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade”, segundo o governo federal.

A divisão dos valores a serem enviados a cada instituição caberá ao MMFDH e deve considerar o número de idosos atendidos em cada local. Mesmo as instituições que apresentam algum tipo de pendência, sejam débitos ou situação de inadimplência, terão direito a receber o auxílio.

Os valores recebidos devem ser utilizados em ações de prevenção e de controle da Covid-19 dentro dos asilos; compra de equipamentos de higiene de residentes e funcionários; compra de medicamentos e adequação dos espaços para isolar casos suspeitos ou leves da doença.

No texto de divulgação da assinatura da lei, o governo federal afirma que os recursos devem ser repassados a 2,6 mil asilos, que abrigam mais de 88 mil idosos em todo o país.

Quem está por trás do projeto?

No Brasil, para uma lei ser aprovada, diversas etapas devem ser cumpridas. Inicialmente, o projeto precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional para, depois, ser sancionado ou vetado pelo presidente. Todo o regime de tramitação pode ser acompanhado nos sites da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, desde a apresentação da proposta até a assinatura da lei.

A presidência só pode apresentar um projeto de lei que tratar de matéria de administração pública – e, ainda, assim, o projeto precisa ser aprovado pelo Legislativo para virar lei.

No caso da lei que prevê auxílio aos asilos, o projeto foi apresentado no plenário da Câmara pela deputada federal Leandre (PV-PR) em 14 de abril de 2020. Depois de apresentado, normalmente ele seria distribuído para comissões temáticas e, posteriormente, para comissões especiais, mas em 29 de abril, Leandre pediu urgência na apreciação do projeto de lei – procedimento que poderia dispensar algumas destas etapas. A urgência foi concedida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em 6 de maio, e o texto foi submetido à votação no plenário da Casa.

A redação do relatório final foi aprovada em 20 de maio e o projeto de lei foi encaminhado ao Senado no mesmo dia. Sempre que um projeto é aprovado por uma das casas legislativas, ele deve ser submetido à análise da outra antes de seguir para o Executivo – um projeto aprovado pela Câmara, é encaminhado ao Senado, e vice-versa.

A aprovação do texto no plenário do Senado foi em 4 de junho. Após a votação de algumas emendas em separado, a redação final foi encaminhada para sanção presidencial em 9 de junho.

Qual o papel de Bolsonaro?

O artigo 66 da Constituição Federal prevê que o presidente tem um prazo de quinze dias úteis, a partir da data de recebimento, para analisar um projeto de lei aprovado pelo Congresso. Dentro deste período, pode vetar trechos do texto ou mesmo todo o conteúdo. Se, passados os quinze dias, não houver nenhuma manifestação por parte do presidente, o projeto é automaticamente sancionado.

A sanção do texto ocorreu na data-limite, dia 29 de junho. A lei foi publicada no Diário Oficial da União do dia 30 de junho. O texto aprovado teve quatro vetos em relação ao conteúdo enviado pelo Congresso Nacional.

Foi vetado que o repasse da verba fosse apenas para instituições sem fins lucrativos que estivessem inscritas nos Conselhos de Direito da Pessoa Idosa ou Conselhos de Assistência Social. A alegação do Planalto é de que a medida “contraria o interesse público ao limitar as instituições que serão contempladas pelo auxílio”.

Também foi retirado do texto o dispositivo que obrigava instituições beneficiadas a prestarem contas da aplicação dos recursos; segundo a interpretação do governo, a competência de fiscalização cabe ao Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU)

O terceiro item vetado determinava um prazo de 30 dias para o pagamento do auxílio às instituições. A Presidência afirmou que o processo de conferir quais instituições serão beneficiadas e direcionar o pagamento a elas demanda mais tempo que o proposto no projeto.

Por fim, o Planalto vetou prazo de 30 dias para que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos disponibilizasse a relação das unidades beneficiadas pelo auxílio, com informações como CNPJ e valores repassados. A justificativa é de que “já existem normativos que dispõem do assunto” e que isso pode ser consultado via Lei de Acesso à Informação.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos com potencial de espalhar informações equivocadas ou fora de contexto e que obtenham ampla viralização. Muitos desses conteúdos são sugeridos pelos leitores, como é o caso desta nota publicada pelo site Pleno News. Trata-se de uma informação correta, ainda que não tenha sido explicado ao leitor que o projeto nasceu no Congresso Nacional.

Comprovado, para o projeto, é um fato verdadeiro e que apresenta conteúdo original publicado sem edição.

Até a publicação desta verificação, o texto teve 52.951 interações no Facebook, segundo a ferramenta de monitoramento Crowdtangle, tendo sido compartilhado por figuras públicas como o deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP).

Diante da pandemia de covid-19, é necessário ter cuidado com as informações apresentadas pelo risco que podem oferecer à saúde pública. Desde que o Comprova passou a realizar checagens relacionadas ao novo coronavírus, diversos conteúdos tinham ligações com questões políticas e econômicas. Já foi desmentido que a Prefeitura de São Paulo tenha feito a compra de caixões sem licitação e que um homem tenha sido preso por criticar a compra de respiradores.

 

Saúde

Investigado por: 2020-07-03

Texto que lista 17 conselhos para a pandemia mistura dados corretos e informações falsas sobre o vírus

  • Enganoso
Enganoso
Comprova investigou um por um os 17 conselhos listados em corrente que viralizou no WhatsApp e que usa como base artigo de um site português. Veja o que descobrimos
  • Conteúdo investigado: uma corrente que circula no Whatsapp e traz uma lista de “17 conselhos” sobre a covid-19.

É enganoso o texto “17 conselhos para lidar com a pandemia da covid-19”, que vem sendo compartilhado em correntes de WhatsApp e que foi publicado originalmente em uma página do portal português Impala.pt. O conteúdo, que mescla informações corretas com outras total ou parcialmente incorretas, é um compilado de outras publicações – muitas com trechos que também já tinham sido distorcidos – que já circularam na internet.

Em uma primeira versão, o site havia publicado que a autoria de 17 conselhos – e não 15 – seria de Robert Ray Redfield, virologista, diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão do governo americano responsável por dar orientações à população sobre a pandemia de covid-19. O portal também associa o virologista à chefia da Clínica de Doenças Infecciosas da Universidade de Maryland, nos EUA – afirmação que não é verdadeira. Esse cargo pertence à Faheem Younus, que é professor da Universidade de Maryland e chefe do departamento de doenças infecciosas do centro médico Upper Chesapeake Health, associado à Universidade de Maryland.

Younus, em sua conta do Twitter, se dedica a esclarecer desinformações relacionadas à pandemia. E alguns dos conselhos presentes no texto, de fato, têm muita similaridade com o que ele já publicou – mas oito deles foram publicados no portal com erros de tradução, interpretação e com informações adicionais. Algum tempo depois, o portal Impala editou o texto publicado, modificando os conselhos de 17 para 15, alterando parte do conteúdo, retirando o nome de Robert Ray Redfield e deixando a autoria dos conselhos apenas como “Chefe da Clínica de Doenças Infecciosas da Universidade de Maryland, nos EUA”, sem mencionar Younus. O Comprova verificou, abaixo, os 17 conselhos, traduzidos para a língua portuguesa do Brasil, cuja fonte foi atribuída ao portal Impala.

Como verificamos?

Para entender se havia ocorrências desse conteúdo anteriores à publicação do portal Impala, o Comprova pesquisou nas redes sociais. Posts virais que replicaram o conteúdo com a configuração antiga, que mencionava Robert Ray Redfield, foram encontrados no Facebook. Também encontramos o perfil de um homem chamado Luís Martins, que aparece como membro da equipe na página do portal Impala no Facebook. Martins havia compartilhado o post dos conselhos em seu perfil com a configuração antiga – ou seja, com a foto de Redfield e o título “Covid-19: Os conselhos de um dos maiores especialistas do mundo”.

O Comprova também pesquisou em sites oficiais, contas verificadas no Twitter e perfis no Linkedin tanto quem é Robert Ray Redfield quanto quem seria o responsável pelo cargo da Universidade de Maryland mencionado no texto viral. E encontrou Faheem Younus, professor da universidade e chefe do departamento de doenças infecciosas do centro médico Upper Chesapeake Health, associado à Universidade de Maryland. A Universidade de Maryland foi contatada por e-mail e esclareceu que Younus não escreveu esse post viral. A assessoria da universidade também recomendou que a versão mais precisa de seus posicionamentos em relação a mitos sobre a covid-19 está em sua conta oficial do Twitter.

O Comprova, então, comparou os 17 conselhos com os posts do Twitter de Younus, esclarecendo eventuais desinformações. Por último, para avaliar a razoabilidade e a existência de evidências científicas nas afirmações do post viral, entrevistamos cinco especialistas no tema:

  • Bruno Ishigami, médico infectologista do Hospital Oswaldo Cruz, em Recife;
  • Jean Gorinchteyn, infectologista do Hospital Emílio Ribas;
  • Leonardo Weissmann, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia;
  • Patrícia Canto, pneumologista da Fiocruz;
  • Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Para questionar o portal Impala sobre a procedência do conteúdo publicado, o Comprova tentou entrar em contato com a administração do site por e-mail e pelo Facebook, mas não obteve resposta até o fechamento desta verificação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 3 de julho de 2020.

Verificação

Vírus C19?

A versão dos conselhos verificada pelo Comprova errava ao utilizar a expressão “o vírus de C19” diversas vezes. “C19 é uma sigla que tem sido usada por algumas pessoas para designar a doença covid-19. Mas o vírus é o Sars-Cov2, o novo coronavírus”, afirma Leonardo Weissmann, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. Na versão atualizada, disponível no portal Impala.pt, não há nenhuma citação à nomenclatura.

O que dizem os conselhos e os especialistas?

O Comprova conversou com especialistas da área de infectologia e pneumologia. Segue, abaixo, o que eles dizem sobre cada um dos 17 tópicos publicados no texto do site Impala.pt.

1. Talvez tenhamos que morar com o C19 por meses ou anos. Não vamos negar ou entrar em pânico. Não vamos tornar nossas vidas inúteis. Vamos aprender a conviver com esse fato.

O doutor Younus não escreveu sobre isso no Twitter. Para o infectologista Bruno Ishigami, médico do Hospital Oswaldo Cruz, em Recife, a convivência do vírus por um longo período é o cenário “mais provável”. “Assim como aconteceu com o H1N1, zika, dengue, chikungunya. Essas doenças passam a fazer parte da nossa rotina. Comparando com o H1N1, que também é um vírus respiratório, deve acontecer um processo semelhante. O desenvolvimento da vacina e a incorporação da vacina contra a covid-19 no calendário vacinal para as pessoas consideradas do grupo de risco”, afirma.

Segundo ele, enquanto não tivermos uma vacina, as únicas medidas comprovadamente eficazes para combater a doença são o distanciamento social, o uso de máscara, evitar aglomerações e lavar as mãos.

2. Você não pode destruir os vírus C19 que penetraram nas paredes das células, bebendo galões de água quente – você só vai ao banheiro com mais frequência.

No Twitter, o doutor Younus escreveu que é falso que a ingestão de água quente possa eliminar o novo coronavírus. Segundo Ishigami, é possível que o novo coronavírus seja inativado pela água quente, por meio da destruição da partícula viral. No entanto, a temperatura necessária para que isso acontecesse é alta e causaria queimaduras. “Água e sabão e álcool a 70% também são capazes de inativar o vírus, mas nem por isso se recomenda que faça ingestão dessas substâncias pela toxicidade delas ao nosso organismo. Não existe nenhuma forma comprovadamente eficaz de eliminar o vírus dentro do nosso organismo, a ciência e os pesquisadores ainda estão tentando descobrir algum medicamento que seja capaz de fazer isso”, lembra o médico brasileiro.

3. Lavar as mãos e manter um distância física de dois metros é o melhor método para sua proteção.

O doutor Younus escreveu no Twitter que usar máscaras, evitar aglomerações, manter distância e lavar as mãos pode salvar vidas. Para o infectologista Bruno Ishigami, a afirmação do texto está parcialmente correta. “Eu adicionaria (…) evitar locais fechados com pouca circulação de ar, evitar locais com cantoria ou com muitas conversas como igrejas, praças de alimentação de shoppings, shows”, explica.

4. Se você não tem um paciente C19 em casa, não há necessidade de desinfetar as superfícies da sua casa.

O doutor Younus não escreveu sobre o cuidado com parentes no Twitter. De acordo com Ishigami, você pode manter a rotina de higiene da casa, sem a necessidade de cuidados extras, se não tiver um morador com covid-19. O médico lembra, porém, que algumas recomendações podem ser importantes para pessoas que têm saído de casa, principalmente àqueles que usam o transporte público. “Tentar dar uma maior atenção aos ambientes de entrada pela possibilidade, ainda que pequena de trazer o coronavírus da rua. Se possível, retirar tapetes, fazer higienização da entrada da casa com solução com água sanitária (uma parte de água sanitária para três partes de água), deixar calçados fora de casa, fazer higienização das mãos com água e sabão ou álcool gel, tomar banho ao chegar de casa e deixar os pertences (bolsas, sacolas) em alguma área específica”, diz o brasileiro.

5. Cargas embaladas, bombas de gás, carrinhos de compras e caixas eletrônicos não causam infecção. Lave as mãos, viva sua vida como sempre.

Esse texto é similar à recomendação do doutor Younus no Twitter. Segundo o médico Bruno Ishigami, a taxa de contaminação por superfícies como cargas embaladas e bombas de gasolina realmente é pequena. Mesmo assim, ele considera prudente fazer uma higienização com solução de água sanitária, como descrito na resposta anterior.

“Em relação a carrinhos de compras e caixas eletrônicos pela elevada circulação de pessoas que têm acesso a esse tipo de superfície, é recomendado higiene das superfícies pela instituição onde estão os carrinhos e o caixa. Além disso, é importante que ao ter contato com essas superfícies seja realizado higiene adequada das mãos com álcool gel ou água e sabão. Lembrem-se de usar máscara e evitar levar as mãos ao rosto, principalmente, quando estiverem em áreas com grande circulação de pessoas”, lembra ainda o infectologista.

6. C19 não é uma infecção alimentar. Está associado a gotas de infecção como a gripe. Não há risco demonstrado de que o C19 seja transmitido solicitando alimentos.

O médico Faheem Younus não publicou nada a respeito disso, mas, em conversa com o Comprova, Leonardo Weissmann, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, confirma a afirmação. “Até o momento, nós não temos nenhuma comprovação de que o vírus seja transmitido por alimentos”, diz ele. Uma recomendação que ele destaca é higienizar os alimentos frescos. “Você sempre tem que lavar, independentemente de covid-19.”

7. Você pode perder o sentido do olfato com muitas alergias e infecções virais. Este é apenas um sintoma inespecífico de C19.

Faheem Younus escreveu sobre isso. O infectologista Weissmann confirma que a perda de olfato, e de paladar, pode acontecer “com o novo coronavírus e com outras infecções”.

8. Uma vez em casa, você não precisa trocar de roupa com urgência e tomar banho! Pureza é uma virtude, paranóia não é!

Em uma lista do que não fazer na pandemia, Younus publicou que é um mito que você precisa sempre trocar de roupa e tomar banho ao chegar. E acrescentou que as melhores medidas são lavar as mãos, distanciamento e evitar aglomerações. Entretanto, de acordo com Weissmann, o ideal é, sim, tomar banho ao chegar da rua. Patricia Canto, pneumologista da Fiocruz, reforça: “Em relação às roupas, a gente ainda sabe muito pouco sobre a propagação da covid-19. Temos algumas ideias, mas mais incertezas do que certezas. Então, precisamos ter excesso de cautela”, afirma ela. “Isso não deve ser encarado como paranóia, mas, sim, como medida de precaução.”

9. O vírus C19 não está no ar. Esta é uma infecção respiratória por gotículas que requer contato próximo.

Na mesma lista em seu Twitter, Younus escreveu apenas “mantenha uma distância segura”. Segundo Weissmann e Canto, a afirmação do post está incorreta, pois ignora o fato de que a transmissão do vírus é possível por superfícies, sem que a pessoa tenha contato com ninguém. “Há um consenso cada vez maior de que as fontes de infecção mais importantes sejam pelas vias aéreas, mais do que a questão de superfícies, mas a gente ainda tem que esperar novas avaliações para ver”, declara a pneumologista.

10. O ar está limpo, você pode caminhar pelos jardins (apenas mantendo sua distância de proteção física), pelos parques.

No dia 29 de março, Younus publicou em sua conta do Twitter uma afirmação similar a essa. Disse que é um mito que a transmissão do novo coronavírus se dá pelo ar. Na verdade, segundo o professor, trata-se de uma infecção por gotículas, o que requer contato próximo. “Nosso ar está LIMPO! Caminhe em um parque!”, tuitou o professor. Ele também acrescenta um print de um tuíte da Organização Mundial da Saúde, que diz que a covid-19 não é transmitida pelo ar.

Em entrevista ao Comprova, Jean Gorinchteyn, infectologista do Hospital Emílio Ribas, alertou que, mesmo com a abertura dos parques, “é importante manter o distanciamento social de pelo menos dois a cinco metros das pessoas, principalmente as que estão caminhando”. No caso das pessoas que estão correndo, segundo Gorinchteyn, o distanciamento mantido deve ser de nove metros – e sempre com máscara. “Lembrando que a duração das máscaras é de duas horas. Não mais do que isso”, disse o infectologista.

11. É suficiente usar sabão normal contra C19, não sabão antibacteriano. Este é um vírus, não uma bactéria.

Essa afirmação de fato consta no Twitter de Younus. Também em 29 de março, ele postou que é um mito que usar sabão antibacteriano – mais caro – é melhor na prevenção da covid-19 do que sabão regular. “CoronaVÍRUS não é uma bactéria, lembra?”, tuitou o professor.

Jean Gorinchteyn corroborou a eficácia de lavar as mãos apenas com água e sabão. E reforçou: “Mas nem sempre a gente tem a presença de uma torneira e um sabonete. Portanto, o álcool em gel faz essa parte.”

12. Você não precisa se preocupar com seus pedidos de comida. Mas você pode aquecer tudo no microondas, se desejar.

Younus, de fato, escreveu isso. Segundo ele, você pode pedir comida e, se mesmo assim continuar preocupado, pode aquecê-la por dois minutos no microondas. Para Gorinchteyn, você pode pedir comida também, mas precisa ter cuidado com o que é trazido por entregadores. “Vá de máscara, mantenha distanciamento e, quando pegar a sacolinha, fique muito atento para não colocar a mão na boca, no nariz e nos olhos”, diz ele. É importante também, antes da higienização com álcool em gel, jogar fora a sacola e lavar a mão com água e sabão.”

13. As chances de levar o C19 para casa com os sapatos são como ser atingido por um raio duas vezes por dia. Trabalho contra vírus há 20 anos — as infecções por gota não se espalham assim!

Essa dica foi realmente tirada da lista de Younus. Mas, de acordo com Gorinchteyn, “por uma medida higiênica”, o ideal é deixar os sapatos para fora ou higienizá-los. Ele ressalta que a medida passa a ter mais eficácia caso “você tenha crianças em casa e, principalmente aquelas que rastejam”.

14. Você não pode ser protegido contra o vírus tomando vinagre, suco de cana e gengibre! Estes são para imunidade, não para cura.

Em entrevista ao Comprova, Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, afirmou que “até o momento, não existe nenhum alimento a que a gente possa atribuir algum papel na cura ou na prevenção da infecção pelo coronavírus”. Ou seja, não há evidências científicas de que vinagre, suco de cana ou gengibre tenham algum papel na prevenção ou no tratamento da covid-19.

Faheem Younus não publicou nada parecido com essa afirmação em sua conta no Twitter. Há alguns tuítes, porém, dizendo que não há evidências científicas de que diversos alimentos atuem no aumento da imunidade. Em 2 de junho, por exemplo, o professor afirmou que é um mito que “vitaminas C e D, zinco, canela, alho, açafrão, ervas, chás” aumentam a imunidade. “A maioria das pessoas saudáveis têm FORTE imunidade. Boas noites de sono, exercícios físicos e dietas balanceadas fortalecem ainda mais.”

15. Usar uma máscara por longos períodos interfere nos níveis de respiração e oxigênio. Use-o apenas na multidão.

A afirmação é falsa e não está na versão atualizada do texto publicado no portal Impala, que faz 15 em vez de 17 conselhos. No dia 25 de junho, Younus falou sobre o assunto no Twitter. Afirmou que é um mito que o uso de máscaras reduz o fluxo de oxigênio, aumenta níveis de dióxido de carbono, causa dores de cabeça e ativa o vírus. “Não faz sentido”, ele tuitou. “Máscaras não causam hipóxia ou retenção de CO2. Médicos/cirurgiões as utilizam há anos”.

Segundo Stucchi, “o uso correto de máscaras, feitas com tecido correto, que impeçam a passagem do vírus, mas que permitam a respiração, não leva a nenhum problema na respiração em si.” A infectologista, assim como outros especialistas entrevistados pelo Comprova em outras verificações, recomenda o uso de máscaras. “Nós devemos sempre usar as máscaras quando estivermos fora de casa e estivermos em locais que tenham possibilidade de aglomeração de pessoas – farmácias, supermercados, transporte público. Nos locais onde já flexibilizaram [o isolamento social], nos centros comerciais de rua ou de shoppings, sempre devemos usar as máscaras.”

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ligada ao Ministério da Saúde, em documento publicado em 3 de abril, reforça que as máscaras “não fornecem total proteção contra infecções, mas reduzem sua incidência”. O órgão recomenda o uso do equipamento em locais públicos.

16. Usar luvas também é uma má idéia; o vírus pode se acumular na luva e ser facilmente transmitido se você tocar em seu rosto. Melhor apenas lavar as mãos regularmente.

A afirmação é verdadeira. Em sua conta do Twitter, no dia 22 de maio, Younus diz que usar luvas em locais públicos para prevenir a covid-19 é um mito. Segundo ele, na verdade, o vírus entra no organismo por meio da mucosa nasal, da garganta e dos olhos – e não pela pele. O professor acrescenta que as mãos com luvas “podem acumular mais germes, que podem acabar sendo transportados para o rosto”. Ele lembra da importância de lavar as mãos e recomenda que as pessoas dispensem as luvas, a não ser que estejam cuidando de um paciente com covid-19.

Stucchi corrobora com essa informação: “Usar luvas, realmente, não tem nenhum sentido”. A recomendação, segundo ela, é sempre higienizar as mãos. “O que frequentemente acontece é que a pessoa com luva acha que a luva é autolimpante – então ela coloca a mão com a luva em todos os locais, coça olho, sem higienizar.” Stucchi acrescentou que a indicação do uso de luvas existe apenas para profissionais da saúde, em determinados momentos da atenção ao paciente.

17. A imunidade é muito enfraquecida ao permanecer sempre em um ambiente estéril. Mesmo se você comer alimentos que aumentam a imunidade, saia regularmente de sua casa para qualquer parque / praia. A imunidade é aumentada pela exposição a patógenos, não por ficar em casa e consumir alimentos fritos / condimentados / açucarados e bebidas gaseificadas.

Tanto a relação com o professor Faheem Younus quanto a afirmação em si são falsas. Faheem Younus não publicou nada parecido com isso em sua conta no Twitter. Vale destacar que esse tópico não consta na versão atualizada do texto publicado no portal Impala, que recomenda 15 em vez de 17 conselhos.

“Nós sabemos que a nossa imunidade, mesmo o nosso desenvolvimento de bebê até a idade adulta, vai sendo adquirida conforme a gente vai se expondo aos antígenos, aos germes e aos microorganismos. Isso realmente é verdade”, afirmou Stucchi. “Agora, não é porque nós estamos em casa neste momento que nós teremos a nossa imunidade enfraquecida. Nós devemos ficar em casa porque nós não queremos que haja um grande número de pessoas contaminadas ao mesmo tempo pelo coronavírus.” Enquanto não há uma vacina contra a covid-19, segundo a infectologista, a única maneira de impedir o alto número de casos simultâneos é ficando em casa “na maior parte do tempo e sempre que possível.”

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais. Quando o material aborda assuntos relacionados à covid-19, a verificação se torna ainda mais importante, pois coloca a saúde das pessoas em risco. O post compartilhado por uma usuária em 21 de junho e checado pelo Comprova recebeu 34,9 mil compartilhamentos no Facebook e até a publicação desta investigação foi visto mais de 1,4 milhão de vezes.

Seu conteúdo é perigoso porque distorce algumas recomendações de autoridades sanitárias, desinformando os leitores. O Comprova já publicou verificações de boatos que desestimulam o uso de máscara, afirmam que a covid-19 é uma trombose causada por bactéria e que a hidroxicloroquina pode descartar a necessidade de UTI.

Enganoso para o Comprova é quando um conteúdo é retirado de seu contexto original e utilizado de forma a modificar seu significado, induzindo a uma interpretação equivocada.

Outros veículos, como G1, Estadão e Boatos.org já haviam verificado o conteúdo de uma lista semelhante – que, como a primeira versão do texto do Impala.pt, creditava os “conselhos” a Robert Ray Redfield –, classificando-o como falso ou enganoso.