O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-04-29

Nobel de Medicina Tasuku Honjo não disse que o coronavírus é artificial

  • Falso
Falso
O próprio pesquisador Tasuku Honjo desmentiu as alegações atribuídas a ele em mensagens no WhatsApp e em publicações em redes sociais. Além disso, pesquisas científicas confirmaram que o vírus causador da covid-19 não foi desenvolvido em laboratório. O Comprova verificou que o boato circula há alguns dias em diversos idiomas

São falsos os textos que circulam pelo WhatsApp e os posts em redes sociais segundo os quais o prêmio Nobel de Medicina Tasuku Honjo teria afirmado que o novo coronavírus não é natural. O próprio Honjo desmentiu as alegações atribuídas a ele e, além disso, pesquisas científicas confirmaram que o vírus causador da covid-19 não foi desenvolvido em laboratório.

Por que checamos esse conteúdo?

A verificação deste texto foi solicitada por leitores que enviaram os pedidos via WhatsApp. O monitoramento das redes sociais realizado pelo Comprova detectou que este conteúdo vem circulando há alguns dias em diversos idiomas, em uma aparente tentativa organizada de criar desinformação a respeito da pandemia de covid-19.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos

Para verificar este conteúdo, o Comprova buscou estudos científicos a respeito da origem do novo coronavírus e também a posição oficial do pesquisador Tasuku Honjo e da Universidade de Kyoto, onde ele trabalha.

O coronavírus que causa a covid-19 é artificial?

Especulações a respeito da origem do novo coronavírus acompanham a pandemia desde o seu início e se tornaram campo fértil para desinformação.

No texto que circula com afirmações falsas atribuídas a Tasuku Honjo, a argumentação é de que o novo coronavírus teria sido criado em um laboratório de Wuhan, cidade na província chinesa de Hubei que foi a primeira com infecções provocadas por este vírus. O texto afirma, ainda, que Honjo trabalharia há quatro anos no “laboratório Wuhan na China.”

Uma visita à biografia de Honjo no site da Universidade de Kyoto mostra que em toda sua carreira ele trabalhou apenas nos Estados Unidos e no Japão, onde atua seguidamente desde 1974. Honjo trabalha na mesma universidade desde 1984 e, desde 2018, é o vice diretor-geral do Instituto de Estudo Avançado da instituição. Em 2018, ele foi um dos vencedores do Nobel de Medicina ou Fisiologia pela descoberta ligada ao combate do câncer por meio da imunoterapia, estratégia que busca aumentar a função do sistema imunológico.

Em 27 de abril, a Universidade de Kyoto emitiu uma nota oficial em nome de Honjo, na qual ele lamenta que seu nome tenha sido usado “para espalhar falsas acusações e desinformação”. O médico destaca que, no momento atual, “quando todas as nossas energias são necessárias para tratar os doentes, impedir a propagação do sofrimento e planejar um novo começo, a transmissão de alegações infundadas sobre as origens da doença é perigosamente perturbadora”.

Mais importante, não há nenhum indício de que o novo coronavírus seja artificial ou tenha sido fabricado.

Um estudo publicado em 17 de março pelo conceituado periódico médico Nature Medicine analisou o genoma do vírus SARS-CoV-2, que provoca a covid-19, e concluiu “claramente que o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório ou um vírus propositadamente manipulado.”

Segundo os pesquisadores, as características genéticas do vírus, o sétimo coronavírus a infectar seres humanos, indicam que ele é fruto de seleção natural, ocorrida em um animal ou em uma pessoa.

O texto compartilhado nas redes sociais afirma ainda que o fato de o SARS-CoV-2 ter sido transmitido para países de climas diferentes é um indício da artificialidade do vírus. O Comprova não encontrou referências ou estudos que embasassem essa hipótese.

Uma análise inicial de cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), do final de março, apontou que a maioria das transmissões do novo coronavírus se deu em temperaturas mais baixas, entre 3°C e 17°C. Isso não quer dizer, no entanto, que a contaminação não ocorra em países de clima mais quente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o vírus pode ser transmitido em todas as áreas.

Contexto

O texto com conteúdo falso atribuído ao médico japonês circula em um momento de elevada tensão nas relações entre os Estados Unidos e a China a respeito de responsabilidades sobre a pandemia de covid-19.

Agências de inteligência norte-americanas estão, atualmente, analisando a possibilidade de o vírus não ter começado a circular em um mercado de alimentos em Wuhan, mas sim em um laboratório da cidade que pesquisa diversos tipos de coronavírus.

A suspeita tem como base observações feitas por diplomatas dos Estados Unidos em 2018. De acordo com a coluna do jornalista Josh Rogin, do jornal The Washington Post, há dois anos diplomatas alertaram sobre a precariedade dos níveis de segurança de pesquisas com coronavírus de morcego realizadas no Instituto de Virologia de Wuhan.

O instituto busca ativamente novos tipos de coronavírus na natureza, especialmente em cavernas de morcegos nas províncias ao sul da China, desde que a Ásia foi afetada pela epidemia de SARS, também provocada por um coronavírus, em 2003. O objetivo é que a pesquisa ajude o país a se antecipar a novas infecções.

À revista Scientific American, a diretora do Instituto de Virologia de Wuhan, Shi Zhengli, negou que o novo coronavírus tenha relação com os estudos dirigidos por ela. Segundo a pesquisadora, seu laboratório verificou as sequências genéticas dos vírus circulando na China e nenhuma delas coincidia com a dos vírus que sua equipe havia obtido das amostras coletadas em morcegos. “Isso realmente tirou um peso da minha mente”, disse ela. “Eu não dormi nada por dias”, afirmou.

Alcance

No Facebook, o Comprova encontrou 76 posts com o texto falso sobre Tasuku Honjo, que somaram 5.091 interações (curtidas, comentários e likes) desde o dia 26 de abril. A medição foi feita por meio da ferramenta CrowdTangle. A reportagem falou com a autora da publicação mais antiga em português. Ela disse ter recebido o texto de um amigo e, depois de ter sido avisada que o conteúdo era falso, apagou o post.

O tweet em português que mais circulou e foi encontrado pelo Comprova teve mais de 700 interações entre sua publicação, em 27 de abril, e a publicação desta verificação.

As agências AFP e Aos Fatos, o jornal Observador (Portugal) e o site Factly (Índia) também checaram este conteúdo.

Saúde

Investigado por: 2020-04-27

Vídeo que alerta sobre a importação de máscaras contaminadas é montagem

  • Falso
Falso
A OMS não fez alertas sobre máscaras importadas da China e da Índia como afirma um vídeo publicado no YouTube. O vídeo verificado pelo Comprova sobrepõe um áudio à gravação original e usa logotipos de GloboNews e G1, mas ele não foi veiculado nesses dois canais

É falso o vídeo que diz que a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou sobre máscaras importadas da China e da Índia que estariam infectadas com o novo coronavírus. Na publicação, uma narração em off sobrepõe o áudio original do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, com informações completamente diferentes do conteúdo original. A edição usa os logotipos do canal GloboNews e do site G1, mas o vídeo não foi exibido por nenhum dos dois veículos.

Ao Comprova, a OMS informou, em nota, que não emitiu nenhum alerta sobre importação de máscaras. O Escritório da OMS para as Américas também desmentiu a necessidade de esterilização do equipamento de proteção. “Se a máscara cirúrgica descartável estiver lacrada antes do uso, não é necessário fazer nada”, comunicou. “Se a máscara tiver sido contaminada, não se deve tentar esterilizá-la e sim descartá-la imediatamente.”

O Ministério da Saúde, por sua vez, afirmou que não há nenhuma evidência de que produtos enviados da China estejam contaminados: “Os vírus geralmente não sobrevivem muito tempo fora do corpo de outros seres vivos, e o tempo de tráfego destes produtos costuma ser de muitos dias”.

A pasta explicou ainda que importou máscaras apenas da China, assim como fizeram “diversos outros países”.

Por que checamos este vídeo?

A verificação deste vídeo foi pedida por leitores do Comprova. Nossa decisão por verificar considerou três motivos.

O primeiro deles, o tema. Postagens que denunciam a importação de máscaras contaminadas têm sido comuns durante a pandemia do novo coronavírus. O Projeto Comprova já verificou conteúdo semelhante recentemente.

Outro motivo foi a viralização. O Comprova só verifica conteúdos suspeitos sobre a covid-19 que tenham grande viralização. O vídeo verificado foi postado no dia 23 de abril no canal Xadrez Brasil12 no YouTube e, até o dia 27, foi assistido mais de 500 mil vezes.

Finalmente, chamou a atenção do Comprova o fato de o vídeo estar publicado no YouTube como “não listado”. Quando um vídeo é caracterizado desse modo, ele não aparece nos mecanismos de busca e só pode ser assistido por quem tem o link para a publicação. Mesmo com essa restrição, o vídeo obteve grande alcance.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Buscamos os poucos trechos com o áudio original que aparecem na publicação para localizar o vídeo original, sem adulteração no áudio. Depois fizemos a busca por esse vídeo no G1 e no site da GloboNews para conferir se as imagens foram exibidas e se houve edição.

Em seguida, procuramos publicações com as imagens das máscaras sendo produzidas em condições precárias para identificar o país em que elas foram feitas.

Também entramos em contato com o Ministério da Saúde para saber de que países os equipamentos de proteção individual (EPIs) como máscaras estão sendo importados. Por fim, consultamos a OMS e a OPAS para esclarecer se há algum tipo de restrição às máscaras produzidas na China e na Índia.

Qual a declaração original do diretor-geral da OMS?

As imagens foram tiradas de uma entrevista coletiva que os dirigentes da OMS concederam no dia 20 de abril quando, aos 54 minutos e 54 segundos, Tedros Adhanon critica o uso político da pandemia do novo coronavírus. “Nós avisamos que esse vírus ia surpreender até mesmo os países desenvolvidos”, lembrou.

O trecho exato usado na edição foi publicado no mesmo dia 20 pelo canal no YouTube da agência de notícias Bloomberg, com o discurso verdadeiro. Conseguimos identificá-lo porque a edição deixou duas frases no inglês original. A primeira, “vamos evitar essa tragédia”, e a última: “enough is enough”, ou seja, “já chega”. Todo o resto da fala foi coberto por uma narração em off em que uma voz masculina diz que a OMS “alerta que as máscaras vindas da Índia e da China estão apresentando um alto grau de contaminação por coronavírus”.

Para reforçar, a edição alterna a imagem de Adhanon com um vídeo de máscaras sendo produzidas em condições precárias. O registro mais antigo dessas imagens no YouTube é do dia 25 de março, em uma publicação que descreve uma oficina clandestina na Índia. Outros usuários também apontam a Índia com o local onde as imagens teriam sido captadas. De acordo com uma reportagem veiculada pelo telejornal India Today no dia 26 de março, essas oficinas piratas são um problema para as autoridades indianas.

O Comprova não encontrou registros de que o Ministério da Saúde tenha importado máscaras indianas. Em nota, a pasta informou apenas que comprou equipamentos de proteção chineses.

Apesar de usar vinhetas e logomarca do canal GloboNews e do site G1, nenhum dos dois veículos exibiu as imagens editadas da forma como elas aparecem no vídeo que viralizou. Uma reportagem exibida no dia 20 de abril no Jornal Nacional, da Rede Globo, usou trechos da entrevista de Adhanon. Esta sim foi a matéria reproduzida tanto pelo G1 quanto pela GloboNews.

OMS não divulgou alerta sobre máscaras

Por e-mail, a assessoria de imprensa da OMS informou que a organização não divulgou nenhum alerta sobre compra de máscaras. Atualmente, a entidade recomenda expressamente o uso de máscaras médicas por profissionais da saúde, pessoas cuidando de pacientes com a covid-19 e todos aqueles que apresentarem sintomas da doença, como tosse e dor de garganta.

O Ministério da Saúde, por sua vez, indica a utilização de máscaras de pano por toda a população. Para garantir a proteção, é necessário que a máscara seja de uso individual, tenha ao menos duas camadas de pano e cubra o nariz e a boca completamente.

Contexto

Desde que o uso de máscaras virou uma orientação do Ministério da Saúde, a desinformação sobre a importação dos equipamentos de proteção tem se espalhados pelas redes sociais. A acusação mais comum é a de contaminação pelo novo coronavírus. Alguns usuários chegam a afirmar que a China produziu o vírus em laboratório justamente para vender os EPIs. O Projeto Comprova já verificou denúncia semelhante no dia 14 de abril.

Outros veículos já verificaram denúncias de máscaras contaminadas, como o Boatos.org, a agência Aos Fatos e o Fato ou Fake, do G1.

Alcance

O canal Xadrez Brasil12 tem 1,72 mil inscritos no YouTube, mas há apenas um vídeo público, com 962 visualizações. Mesmo sem ter ligação com a Rede Globo, o canal usa o logotipo da emissora. O conteúdo que viralizou está cadastrado como “não listado” e não aparece nos mecanismos de busca. Entre 23 e 27 de abril ele foi visualizado mais de 500 mil vezes.

Saúde

Investigado por: 2020-04-24

É falso que enfermeira tenha sido demitida após filmar leitos vazios em hospital na Bahia

  • Falso
Falso
Vídeo foi gravado em março e imagens mostram a ampliação de leitos na unidade para o tratamento de covid-19 do Instituto Couto Maia (ICOM), hospital de referência para o tratamento da doença na Bahia. A Secretaria da Saúde nega a demissão da funcionária

É falsa a informação divulgada em redes sociais de que uma enfermeira do Instituto Couto Maia (ICOM), hospital de referência para o tratamento de covid-19 na Bahia, tenha sido demitida esta semana por filmar a UTI com apenas dois pacientes infectados pelo novo coronavírus. Os posts usam um vídeo feito por uma funcionária do hospital mostrando os leitos vazios, alegando que as imagens são do dia 21 de abril de 2020. Mas a gravação foi feita em março e circula desde então.

A legenda do vídeo afirma que a enfermeira se chama Sandra M. Guerra e que foi demitida depois da divulgação das imagens. A Secretaria da Saúde da Bahia confirmou que as imagens foram gravadas por uma enfermeira do ICOM em março, mas nega que ela tenha sido desligada do emprego.

A diretora do ICOM, Ceuci Nunes, também desmentiu a publicação pelo Facebook. Segundo ela, as imagens foram registradas em 21 de março e mostram a ampliação de leitos na unidade para o tratamento de covid-19. Ela também afirmou que o nome informado na legenda não é o da enfermeira que integra o quadro de funcionários da instituição.

Por que checamos isto?

Imagens enganosas de hospitais vazios têm sido comuns em postagens nas redes sociais que tentam minimizar os efeitos da pandemia de covid-19 no Brasil. O Comprova já verificou conteúdos similares há alguns dias. No caso desse vídeo, cuja verificação foi sugerida por leitores, ainda havia um outro elemento comum em conteúdos verificados recentemente, a figura de um governador. Governadores que se opõem a políticas de isolamento mais flexíveis têm sido alvo de grupos alinhados ao governo federal.

O vídeo verificado pelo Comprova circula desde o começo desta semana. Ele seria uma “prova” de que a pandemia do novo coronavírus está sendo superdimensionada pela imprensa e pelos governos estaduais. As imagens captadas pela enfermeira compõem uma montagem que inclui também a foto do governador da Bahia, Rui Costa (PT), em vídeo compartilhado pelo canal Jornavideo News, no YouTube. O canal costuma publicar conteúdo crítico ao trabalho da imprensa e às medidas de isolamento adotadas por governos e prefeituras para o combate à pandemia do novo coronavírus.

Falso para o Comprova é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Usamos a ferramenta de checagem de vídeo InVID para encontrar mais informações sobre as imagens divulgadas, tentando localizar a autoria da gravação original. Nos comentários da publicação do Jornavideo News, usuários acusam o canal de disseminar desinformação, com links que mostram que as imagens circulam desde março.

Entramos em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria da Saúde da Bahia, responsável pela administração do Instituto Couto Maia, para esclarecer se houve demissão. Também consultamos o posicionamento da diretora do ICOM, Ceuci Nunes, pelo Facebook e conversamos com Washington Vinagre, autor da postagem mais antiga do vídeo que conseguimos localizar no Facebook, em 23 de março.

O Comprova ainda está tentando falar com a autora do vídeo.

Imagens foram feitas em março e a profissional não foi demitida

Por telefone e e-mail, a Secretaria da Saúde da Bahia confirmou que as imagens foram feitas no ICOM, em Salvador, em março de 2020. O hospital é uma referência para o tratamento de doenças infecto-contagiosas no Estado e, na época em que as imagens foram feitas, passava por um processo de adaptação para receber somentes casos de covid-19. Por isso, poucos leitos estavam ocupados. O ICOM tem 50 vagas na UTI. Segundo a secretaria, entre 60 e 70% estavam ocupadas na data da apuração, dia 23 de abril.

A secretaria confirmou que a mulher que aparece nas imagens é funcionária do hospital e negou que ela tenha sido demitida por causa do vídeo. Em um post no Facebook publicado no dia 22 de abril, a diretora do ICOM, Ceusi Nunes, disse que a enfermeira não se chama Sandra M. Guerra e negou a demissão.

A diretora do ICOM também confirmou que as imagens foram gravadas no hospital em 21 de março, durante ampliação da UTI: “Hoje os leitos estão todos cheios. Fake absurda”, afirmou. E pede aos seguidores: “Se recebeu desminta por favor (sic)”.

Postagens no Youtube e no Facebook em 23 de março confirmam que o vídeo já circula há pelo menos um mês. O autor de uma delas, Washington Vinagre, diz que recebeu as imagens de amigos e não conhece a enfermeira. Ele apagou o post depois de conversar com a equipe do Comprova.

Contexto

A Bahia já registrou 1.845 casos confirmados de covid-19 e 62 mortes. De acordo com balanço divulgado no dia 23 de abril, 231 pessoas estão internadas, 67 delas em UTIs. No dia em que o vídeo foi feito, 21 de março, o Estado tinha 41 casos de covid-19 e nenhuma morte. Naquele momento, a orientação para os doentes era permanecer em isolamento domiciliar.

Os governadores são o principal alvo do presidente Jair Bolsonaro, que critica o isolamento social determinado pelos Estados. Rui Costa, do PT, é presidente do Consórcio Nordeste, que reúne nove chefes governadores da região, e faz críticas à postura de Bolsonaro no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. “Ele parece que anda com a garrafa de gasolina na mão e o isqueiro na outra, tocando fogo onde ele passa”, reclamou em entrevista.

O atrito mais recente foi no último domingo. Rui Costa foi um dos governadores que criticou a participação do presidente em manifestações contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

Alcance

O vídeo com a legenda falsa circulou amplamente pelas principais redes sociais. Até o dia 23 de abril, os posts que mais se destacaram haviam tido 2,4 mil visualizações no Instagram e mais de 43 mil no Twitter. O vídeo com a foto do governador Rui Costa, publicado no canal Jornavideo News, foi assistido 10 mil vezes.

O post de Washington Vinagre, feito em março, chegou a ter 3 mil visualizações. Mas, depois de conversar com a equipe do Comprova, ele apagou a publicação. A postagem da diretora do ICOM, Ceusi Nunes, esclarecendo a autoria do vídeo foi compartilhada 174 vezes.

O site Boatos.org também verificou o conteúdo desse vídeo.

Saúde

Investigado por: 2020-04-24

Sem apresentar evidências, texto sugere que governadores e prefeitos usam a pandemia para driblar a lei

  • Enganoso
Enganoso
Publicação feita em blog e compartilhada nas redes sociais mistura dados verídicos e enganosos para sugerir uma atuação não fiscalizada do poder público e desvios de dinheiro. Sem apresentar evidências, texto diz que governadores e prefeitos estariam driblando a lei em contratos firmados sem licitação

É enganoso o texto publicado em 18 de abril por um blog e republicado pelo site Hoje Notícias, que acusa governadores e prefeitos de se beneficiarem de ações governamentais relacionadas à covid-19 – doença causada pelo novo coronavírus – para cometer irregularidades.

A publicação afirma que os políticos se aproveitaram da pandemia para dar um “drible” na lei em contratos firmados sem licitação. Segundo o autor, Junior Takamoto, o cenário de pandemia se tornou “uma oportunidade de ouro para meter os dois pés na jaca, dando o drible da vaca nas leis de controle fiscal”.

O texto não apresenta nenhuma evidência de roubo ou desvio de verba pública na construção de hospitais de campanha e em outras ações emergenciais feitas pelo governo.

Ao falar sobre ações promovidas pelos governadores do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e pelo prefeito de Fortaleza (Ceará), Roberto Cláudio (PDT), a publicação mistura dados verídicos e enganosos para sugerir uma atuação não fiscalizada do poder público e desvios de dinheiro.

Por que checamos isto?

O Comprova monitora conteúdos duvidosos compartilhados nas redes sociais sobre coronavírus e políticas públicas de combate à covid-19 e que tenham muita viralização. Muitos desses conteúdos afloram nas redes a partir de notícias e fatos reais.

No último domingo, 19 de abril, 20 governadores divulgaram uma carta em repúdio ao discurso do presidente Jair Bolsonaro em um ato de apoio a uma intervenção militar. Desde então, ganhou tração nas redes um texto publicado no dia 18 de abril no blog Junior Takamoto e republicado no dia 19 pelo site Hoje Notícias. A publicação acusa prefeitos e governadores de se aproveitarem da pandemia para cometer irregularidades. Este segundo post alcançou mais de 720 mil interações no Facebook e esse alcance fez com que o Comprova decidisse pela investigação da veracidade do conteúdo publicado.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Para verificar o conteúdo publicado pelo site Hoje Notícias, o Comprova utilizou dados públicos sobre os contratos realizados pelo Rio de Janeiro, disponíveis no Portal de Compras do Estado. Checou informações e notas oficiais disponibilizadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e pelo Tribunal de Contas do Estado.

O projeto entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal e acessou publicações do Diário Oficial do DF. A equipe tentou falar pelo Facebook com Júnior Takamoto, autor da postagem, mas até a publicação desta verificação não recebeu resposta. Também foram consultadas reportagens sobre o temas citados por Takamoto.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais.

As ações dos governos em Brasília, Rio de Janeiro e Fortaleza

Cada parte do texto “Pandemia vira roubalheira de governadores e prefeitos”, do site Hoje Notícias, foi verificada. Para ficar mais fácil a compreensão de como foi feita a investigação, o Comprova dividiu em 3 blocos: Brasília, Rio de Janeiro e Fortaleza.

Também há abaixo uma breve contextualização das divergências entre os governadores e o presidente Jair Bolsonaro sobre o isolamento social para explicar referências que o texto faz a uma suposta negligência do STF (Supremo Tribunal Federal) com o Executivo.

Brasília

O texto afirma que o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), fez 50 leitos no autódromo de Brasília para abrigar “sem tetos” em uma obra que teria custado R$ 2,4 milhões – o equivalente a R$ 48 mil reais por leito.

Esta informação é enganosa. De acordo com reportagem da TV Globo, que foi ao ar em 8 de abril, um termo de cooperação emergencial realmente foi firmado entre o Governo do Distrito Federal e o instituto Tocar, ONG que vai gerir o espaço. O valor do contrato foi R$ 2.394.837,70 conforme publicado no DOU de 4 de abril.

Mas, ao contrário do que afirma o texto, as tendas têm capacidade para receber até 200 pessoas e contam com 50 dormitórios, lavanderia, refeitório e pelo menos 30 banheiros – e não apenas 50 leitos. O objetivo é abrigar pessoas em situação de rua durante a pandemia.

A publicação do site Hoje Notícias também diz que o governo construiu um albergue em Planaltina (GO) – a 35 km do autódromo – que está “pronto para receber milhares de sem teto, mas que o governo quer construir um novo”.

O prédio a que o texto se refere realmente foi planejado pelo governo e receberia 500 moradores em situação de rua. Apesar de ter começado a ser construído em 2013 e ter ficado pronto em 2014, o albergue nunca foi entregue a população e está abandonado. De acordo com reportagem da TV Globo que foi ao ar em 21 de janeiro de 2019, o prédio virou alvo de vandalismo e está depredado.

A pandemia pressiona o sistema de saúde público e privado. Uma das maiores preocupações dos especialistas da área é a quantidade de leitos nos hospitais para os doentes. O texto do Hoje Notícias denuncia que em Águas Claras, região administrativa do Distrito Federal, existem dois hospitais com mais de 300 leitos prontos, mas que não podem funcionar. Por isso o governo teria feito um hospital de campanha no estádio Mané Garrincha. A publicação não fala no entanto o nome dos hospitais ou se eles são públicos ou privados.

Ao fazer uma busca no Google, o Comprova encontrou uma publicação do jornal Metrópoles, de 23 de março, que anuncia a inauguração de um hospital em Águas Claras. A unidade conta com 267 leitos disponíveis para internação. Além desse, não foi encontrado nenhum hospital com 300 leitos que estivesse fechado.

O Comprova entrou em contato com a Secretaria de Saúde do DF para saber se existe alguma obra de hospital público para ser entregue. De acordo com o órgão, Águas Claras não tem nenhum hospital público. “A população desta região administrativa deve buscar atendimento no Hospital Regional de Taguatinga [cidade ao lado] quando necessário”, diz o e-mail.

O governo do DF de fato construiu, sem licitação, um hospital de campanha no Mané Garrincha. Assim como afirma o texto de Takamoto, foram construídos 200 leitos por meio de um contrato no valor de R$ 5.092.313,27. A autorização foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal em 9 de abril. A empresa responsável pela obra foi a Contarpp Engenharia.

Rio de Janeiro

O texto de Takamoto diz que governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), já comprometeu, sem licitação, mais de R$ 1,9 bilhões com despesas relacionadas à pandemia do coronavírus.

Os contratos realizados pelo Estado para as ações de combate à pandemia de covid-19 foram realmente realizados sem licitação sob as determinações da Lei Federal 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.O texto é de iniciativa do governo federal, e foi sancionado antes da confirmação do primeiro caso da covid-19 no Brasil. Desde então, todos os entes federativos – municípios, estados e União – estão autorizados a adquirir bens ou serviços – inclusive de engenharia – sem a necessidade de realizar todo o processo de licitação normal, previsto na Lei n. 8.666/93, desde que sejam necessários para o combate ao coronavírus. A lei de fevereiro permite esse tipo de contratação enquanto durar a emergência sanitária internacional.

Porém, diferentemente do que o texto checado diz, os 70 contratos relacionados no Portal de Compras no governo do Rio de Janeiro somam R$1,5 bilhão, e não R$1,9 bilhão. Para chegar a esse montante, o Comprova somou os valores de todos os contratos em 23 de abril. Segundo o Portal de Compras, a maior parte dos acordos ainda não foi executada.

Uma nota técnica publicada pelo Tribunal de Contas do RJ orienta o Estado e os municípios fluminenses sobre a realização dos procedimentos com base na Lei publicada para o período da pandemia do coronavírus. Segundo o texto, mesmo os contratos firmados sem licitação devem obedecer a uma série de critérios objetivos e ser devidamente fiscalizados, geridos e publicizados.

O Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro criou uma força tarefa de atuação integrada para a fiscalização das ações estaduais e municipais de enfrentamento à covid-19. Entre os objetivos da iniciativa, está o acompanhamento preventivo da atuação do poder executivo, inclusive no exame de contratos, licitações e outras formas de convênio realizadas para o combate ao novo coronavírus. A força-tarefa vai atuar em cooperação com o Tribunal de Contas do Estado, na avaliação das ações realizadas pelo governo estadual e pelas prefeituras.

Desde que foi criada a força tarefa, o MP-RJ já instituiu um inquérito civil para analisar o contrato de compra de respiradores realizado pelo governo do estado.

Ainda sobre o Rio de Janeiro, o texto diz que existe uma forte pressão dos deputados bolsonaristas para que seja instalada uma “Comissão Parlamentar de Inquérito do Coronavírus” na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). O objetivo seria investigar as contratações emergenciais, sem licitação, feitas pelo governo Witzel.

A criação de uma CPI para avaliar os gastos emergenciais durante a pandemia chegou a ser cogitada e as assinaturas necessárias foram angariadas entre os deputados, mas a CPI acabou arquivada na ALERJ em 21 de abril. Segundo uma reportagem d’O Globo, parte dos apoiadores da investigação recuou após a nomeação, pelo governador, de um novo presidente para o Detran, ligado ao MDB. A justificativa oficial da Mesa-Diretora da Casa, porém, foi a existência da investigação, já em curso, do Ministério Público Estadual e do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro.

Fortaleza

O texto verificado fala ainda sobre a contratação da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina para gerir o Hospital de Campanha construído no Estádio Presidente Vargas, em Fortaleza (Ceará), pelo valor de R$ 96 milhões. Isso de fato ocorreu.

O contrato chegou a ser suspenso, na última semana, por uma decisão judicial, mas a liminar – decisão provisória – concedida pela primeira instância foi derrubada no Tribunal de Justiça do Ceará.

O Hospital de Campanha tem, atualmente, 102 leitos em funcionamento, e outros dois blocos devem ser entregues até 26 de abril. A estrutura temporária já recebe pacientes, a maioria de média e baixa complexidade. Segundo a prefeitura da cidade, também será possível atender a casos graves.

O isolamento social e as divergências entre governadores e Bolsonaro

A pandemia de covid-19 acirrou o atrito entre os governos estadual e federal. Um dos principais motivos é o decreto de isolamento social defendido pelos governadores e rechaçado pelo presidente Jair Bolsonaro. A medida visa frear o contágio da doença causada pelo novo coronavírus.

Vários líderes estaduais defendem que as pessoas devem ficar em casa e os comércios permanecer fechados pelo menos durante o pico das infecções da covid-19 para que o sistema de saúde não seja sobrecarregado. Em abril, estados como o Amazonas, São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará já enfrentam crise nos hospitais por falta de leitos de UTIs e pronto-socorro.

Já o presidente Bolsonaro teme que o fechamento das lojas resulte em uma grande recessão econômica, afirma que a cura não pode ser pior que a doença e defende que apenas idosos e grupos de risco devem ficar de quarentena. Para Bolsonaro, caso os serviços considerados não-essenciais – como bares e restaurantes – voltem a funcionar, a economia volta a reaquecer. O presidente já afirmou que o decreto para mandar os comércios abrir está na gaveta.

O atrito entre os Executivos federal e estaduais ficou ainda mais latente quando Bolsonaro fez um pronunciamento em rede nacional na TV e no rádio, criticou o fechamento de escolas e pediu o fim do “confinamento em massa”. Também subiu o tom contra os governadores e disse que algumas poucas autoridades estaduais e municipais deveriam abandonar o conceito “de terra arrasada” e reabrir o comércio.

No dia seguinte, governadores rebateram as afirmações de Bolsonaro e, por meio de suas contas no Twitter, disseram que o posicionamento do presidente era “inaceitável e lamentável” e que Bolsonaro “atrapalha” o trabalho estadual.

O texto de Takamoto faz referência às divergências das autoridades brasileiras e cita também o “apoio” de quase todos os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) a posição dos governadores. “O colegiado [STF] virou as costas para a roubalheira que promete ser intensa durante a pandemia e retirou quase todos os poderes do governo federal na gestão da crise para transferi-los para Estados e municípios”, afirma o texto.

O STF proibiu o Planalto de suspender isolamento social nos Estados. O ministro Alexandre de Moraes atendeu parcialmente um pedido da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), segundo o qual o presidente Bolsonaro estava atuando como “agente agravador da crise“.

O isolamento é recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e pelo Ministério da Saúde para evitar a propagação do vírus.

O posicionamento de Bolsonaro também causou imbróglio com o ex-ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, que foi demitido da pasta em 16 de abril depois de discordar publicamente de Bolsonaro. O próprio presidente admitiu que os dois andavam “se bicando”. O substituto é o oncologista Nelson Teich. No discurso de posse, Teich se disse alinhado com o Executivo Federal “na saúde e na economia”.

Viralização

Até 24 de abril, a publicação “Pandemia vira roubalheira de governadores e prefeitos”, do site Hoje Notícias, havia sido compartilhada mais de 20 mil vezes depois de ser postada em grupos do Facebook que apoiam o presidente Jair Bolsonaro alcançando mais de 750 mil interações. O post no blog de Takamoto obteve 49 mil interações no Facebook até 24 de abril.

Saúde

Investigado por: 2020-04-24

Pesquisa brasileira não usou doses letais para matar pacientes e atacar cloroquina

  • Enganoso
Enganoso
Publicações nas redes sociais usam dados de uma pesquisa brasileira para acusar pesquisadores de tramarem contra o uso de cloroquina no tratamento de pacientes com a covid-19. Algumas postagens acusam pesquisador de ser ligado ao PT

É falso que um grupo de pesquisadores brasileiros tenha aplicado uma dosagem letal de cloroquina em pacientes com covid-19 para causar má-impressão sobre o medicamento no tratamento contra a doença causada pelo novo coronavírus.

Tal alegação foi feita pelo empresário americano Mike Coudrey em sua página no Twitter, em 14 de abril, e reproduzida um dia depois pelo canal Papo Conservador com Gustavo Gayer, no Youtube. O vídeo tinha mais de 55 mil visualizações até a publicação deste texto e seu conteúdo foi amplamente compartilhado nas redes sociais.

O empresário norte-americano Mike Coudrey é dono da empresa de comunicação digital Yuko Social, que ele define como “um time de milennials especialistas em redes sociais prontos a te ajudar com suas necessidades”.

Postagens acusam diretamente o médico Marcus Vinícius Guimarães Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, de Manaus, e especialista em Saúde Pública da Fiocruz-Amazonas, de ter matado intencionalmente pacientes com covid-19 com doses altas de cloroquina.

Algumas postagens também afirmavam que o pesquisador é militante petista e traziam uma imagem dele com apoio à candidatura de Fernando Haddad à presidência em 2018. Outras ainda traziam sua foto com uma indicação de apoio ao candidato derrotado Ciro Gomes. As publicações relacionavam sua suposta militância com a tentativa de tirar o mérito da cloroquina.

Marcus Lacerda confirmou que ambas as fotos são verídicas e que refletem seu posicionamento nas urnas em 2018. Ressaltou, porém, que não é militante petista e que não votou em Haddad no primeiro turno. O Comprova confirmou que ele não é filiado a nenhum partido político.

Por que checamos isto?

Embora não existam ainda evidências conclusivas sobre a eficácia da cloroquina na cura da covid-19, alguns trabalhos indicam que o medicamento pode aliviar quadros graves da doença. A partir do momento que esses estudos começaram a vir a público – com destaque para estudo do francês Didier Raoult, que chamou a atenção de lideranças globais, como o presidente norte-americano Donald Trump – a cloroquina passou a ser usada em debates polarizados.

O microbiologista francês Didier Raoul publicou um estudo segundo o qual a cloroquina teria curado 75% dos pacientes em 6 dias. No entanto, Raoul excluiu dos resultados finais 6 dos 26 pacientes testados porque não completaram o tratamento. Desses, um morreu, 3 foram parar na UTI, outro desistiu por sentir náuseas e o último decidiu deixar o hospital. O estudo de Didier também é alvo de críticas por ter avaliado um número pequeno de pessoas.

No Brasil, a discussão se intensificou no início de março, depois que o presidente Jair Bolsonaro começou a defender o uso da cloroquina para o tratamento da doença. Porém, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, apresentou resistência na recomendação do medicamento uma vez que a OMS (Organização Mundial da Saúde) informa que ainda não há cura ou remédio para a covid-19.

O mal estar gerado pela divergência entre Bolsonaro e Mandetta culminou na demissão do ministro e serviu para aflorar debates na internet sobre a cloroquina. Esses debates ganharam mais tração nas redes sociais quando a pesquisa brasileira foi divulgada pela imprensa e, sobretudo, quando começaram a circular imagens de um dos pesquisadores relacionando-o à candidatura de Fernando Haddad, adversário de Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial de 2018.

O Comprova entendeu que pela gravidade das acusações e pelo alcance das postagens deveria investigar esses conteúdos.

Enganoso para o Comprova é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado.

Como verificamos?

O Comprova recebeu pelo site a sugestão de verificação sobre o vídeo do canal Papo Conservador publicado no YouTube. O vídeo reproduz alguns comentários de Twitter do perfil @pauloeneas que, por sua vez, citam o norte-americano Mike Coudrey como fonte.

Ao procurar o nome de Coudrey na rede social, identificamos o seu perfil de usuário. Ele tomou conhecimento da pesquisa de Manaus por meio de uma reportagem do jornal The New York Times que comentava a suspensão da pesquisa. Coudrey, então, teceu críticas ao estudo que, por sua vez, foram reproduzidas por perfis brasileiros nas redes sociais.

Fazendo uma busca por essas publicações, identificamos o nome da pesquisa e também o seu pesquisador principal, Marcus Vinícius Guimarães Lacerda. Ele era alvo de muitos ataques das publicações.

Ao buscar o título do artigo foi possível conferir que o estudo estava de fato publicado na plataforma MedRxiv. Com o estudo em mãos, pudemos analisar o seu conteúdo e a forma como a pesquisa foi conduzida. Procuramos a presença de aspectos formais de legitimação do estudo, como número de aprovação pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

No estudo encontramos os contatos de Marcus Lacerda e mandamos mensagem por e-mail. Fizemos contato em duas ocasiões e tivemos resposta por e-mail. Marcus Lacerda explicou algumas decisões que sua equipe fez para conduzir o estudo e também negou militância política. Checamos suas informações na plataforma cruza.dados.org.

Por fim, entrevistamos dois médicos infectologistas que comentaram os aspectos técnicos da pesquisa. Também procuramos as notas técnicas do Ministério da Saúde sobre a aplicação de cloroquina no tratamento da covid-19.

Você pode refazer o caminho da verificação acessando os links para sites e documentos.

Que resultados a pesquisa pretendia encontrar?

A pesquisa “Cloroquina em Duas Dosagens Diferentes como Terapia Adjuvante de Hospitalizados com Síndrome Respiratória Grave no Contexto de Coronavírus” foi aprovada no dia 20 de março pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e começou no dia 23. O órgão é ligado ao governo federal e responsável pela regulamentação ética de protocolos de pesquisas envolvendo seres humanos no país.

A pesquisa foi estruturada como um estudo de fase II. Isso quer dizer que o foco são diferentes dosagens e a segurança dos pacientes. De 81 pacientes infectados, 11 morreram enquanto eram monitorados pela equipe de Lacerda. Sete deles foram submetidos às dosagens mais altas de cloroquina.

Além de a metodologia do estudo ter passado pelo crivo do Conep, a Fundação de Medicina Tropical conduziu as pesquisas. Ela é um centro de referência mundial para o tratamento de enfermidades tropicais, explica Jaime Rocha, médico responsável pela Unimed Laboratório, diretor de Prevenção e Promoção à Saúde da Unimed Curitiba e vice-presidente da Sociedade Paranaense de Infectologia.

“Eles sabem usar cloroquina em função da malária, doença comum na região amazônica. Por essa experiência, ninguém melhor do que eles para tentar responder se a cloroquina é eficiente no caso da covid-19”, disse. No Brasil, o medicamento tem autorização da Anvisa para ser usado no tratamento da malária e de lúpus.

Inicialmente, o estudo previa a inclusão de 440 pacientes hospitalizados já em estado grave, no Hospital Delphina Aziz, referência para covid-19 no estado do Amazonas. O Governo do Estado do Amazonas, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) são os patrocinadores oficiais do estudo.

Rocha explica ainda que para colocar em prática um estudo como esse, o comitê de ética avalia se a pesquisa traz uma resposta cientificamente válida para a sociedade e se deve prosseguir. “Essa decisão é tomada em conjunto por cientistas familiarizados com o tema e também por pessoas que não são especialistas, para ‘verem com outros olhos’, e enxergar se há questões religiosas, raciais ou outro tipo de interesse escuso”, disse.

Como foi realizado o estudo

O levantamento reuniu 70 profissionais, entre pesquisadores, estudantes de pós-graduação e colaboradores de instituições com tradição em pesquisa, como Fiocruz, Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, Universidade do Estado do Amazonas e Universidade de São Paulo.

No Twitter, o empresário Mike Coudrey ainda havia acusado a pesquisa de usar o difosfato de cloroquina, medicamento supostamente menos seguro que a hidroxicloroquina. Mas Lacerda rebate esse argumento: “No curto prazo, não há qualquer diferença de toxicidade entre as duas apresentações da medicação (hidroxicloroquina e difosfato de cloroquina). A toxicidade da forma difosfato de cloroquina só é maior por períodos prolongados de uso, como em lúpus e artrite reumatoide.”

O Ministério da Saúde considera seguro o uso tanto do difosfato de cloroquina quanto de hidroxicloroquina, desde que sejam respeitadas regras restritas e uma janela terapêutica.

Fonte: Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

1º grupo de pacientes – 40 pessoas

Receberam 450 mg diárias ao longo de cinco dias, sendo que no primeiro dia a medicação foi administrada duas vezes, totalizando 2,7 g. Esta é a dose que o Ministério da Saúde, junto à Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCETIE), indicou para o tratamento de pacientes com quadro clínico grave. A cloroquina deve ser aplicada como terapia paralela ao tratamento e não deve ter outras terapias preteridas a seu favor.

2º grupo de pacientes – 41 pessoas

Foram medicados com a maior dose de cloroquina. Eles receberam 600 mg do medicamento duas vezes ao dia durante dez dias (num total de 12g ao longo de todo o tratamento).

Sobre a escolha da maior dosagem, os pesquisadores informaram os seguintes motivos:

  1. Doses mais altas têm maior atividade antiviral in vitro, ou seja, em laboratório, realmente mais altas do que a dose usada para malária, por exemplo;
  2. É a mesma dose, por peso dos pacientes, usada na China, e que consta atualmente no Consenso Chinês de Tratamento de covid-19;
  3. Uso em pacientes com choque, ou seja, com baixa perfusão intestinal, e que, portanto, absorvem menos a medicação, que só tem apresentação em comprimidos;
  4. Em uma doença que se revelou, no mundo ocidental, muito letal, o risco de benefício da eficácia x de efeitos colaterais, de diferentes doses, precisava ser avaliado e conhecido dentro de parâmetros científicos;
  5. Boa segurança dessa mesma dose alta em pacientes com câncer, em vários estudos publicados, que usaram por períodos ainda mais longos, de 28 dias.

O Consenso Chinês de Tratamento a que se refere Lacerda foi publicado em estudo por especialistas chineses do Departamento de Ciência e Tecnologia e da Comissão de Saúde da Província de Guangdong. Eles recomendaram a aplicação de 500 mg de cloroquina duas vezes ao dia, por 10 dias, em casos leves, moderados e graves de covid-19.

A equipe liderada por Lacerda aplicou 200 mg a mais por dia do que o indicado pelo Consenso Chinês de Tratamento. Ao Comprova, Lacerda justificou: “A nossa [dosagem] foi ainda maior, porque tínhamos pacientes mais obesos e sabemos que a droga só mata o vírus em doses muito altas.”

Os dados da mortalidade no grupo da maior dosagem foram analisados no 6º dia. Após identificar um risco maior para a saúde dos participantes, esse braço da pesquisa foi cancelado. Todos os participantes passaram a utilizar a menor dosagem. “A primeira conclusão do estudo, portanto, foi que pacientes graves com covid-19 não deveriam mais usar a dose recomendada no Consenso Chinês de Tratamento, fato que até o momento não se tinha qualquer evidência, uma vez que nenhum estudo realizou adequadamente a avaliação de segurança”, esclareceu Lacerda.

“A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) foi comunicada oficialmente do acontecido [da interrupção da aplicação da maior dosagem por conta da toxicidade] no dia 11 de abril, por meio da Plataforma Brasil, e os dados, para maior transparência e visibilidade internacional, foram divulgados no site MedRxiv.

A intenção foi advertir demais pesquisadores do mundo sobre a toxicidade de uma dose alta, que apesar de teoricamente parecer mais eficaz, estava causando mais danos do que benefícios, disse Lacerda.

Sobre o site estrangeiro medRxiv, o médico Jaime Rocha, responsável pela Unimed Laboratório, lembra que é uma plataforma dedicada a divulgar trabalhos incompletos ou que ainda aguardam revisões. “A plataforma destaca em sua página inicial, inclusive, que não recomenda o uso dos estudos ali, pois são análises preliminares”, explica o infectologista.

Vale ressaltar que, para serem publicados nessa plataforma, todos os manuscritos passam por um processo de triagem de conteúdo ofensivo e/ou não científico e de material que possa representar um risco à saúde. Os textos também são verificados quanto ao plágio.

O estudo de Lacerda não permite concluir se a cloroquina em doses baixas funciona ou não para o tratamento da covid-19, pois não tem o grupo de controle, isto é, o grupo que não recebeu o medicamento e serviria como parâmetro para comparar os resultados no grupo submetido à droga.

Eficácia da cloroquina

Normalmente usada no tratamento de doenças como malária, artrite e lúpus, a cloroquina passou a ganhar evidência após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dizer em 19 de março que o medicamento era um “agente de mudança de jogo”.

Dois dias depois, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, anunciou o aumento da produção da droga no país. Esse posicionamento acabou virando um dos pontos de desentendimento entre Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não recomendava o uso indiscriminado do medicamento.

O Ministério da Saúde passou a oferecer, em 27 de março, cloroquina a médicos da rede pública que queiram usar no tratamento de casos graves de covid-19 como terapia auxiliar.

No documento, o ministério destaca que não existem terapias farmacológicas e imunobiológicas específicas para a covid-19, mas considera publicações científicas que apontam possível capacidade de inibição da reprodução viral do novo coronavírus. A pasta ainda lembra que há dezenas de outros estudos clínicos nacionais e internacionais em andamento, avaliando a eficácia e a segurança dos medicamentos. “Portanto, essa medida poderá ser modificada a qualquer momento, a depender de novas evidências científicas”, afirma a Nota Informativa.

Enquanto isso, a cloroquina segue sendo objeto de estudos pelo mundo, mas nenhum deles provou até agora a sua eficácia no tratamento da covid-19.

Viralização

Desde a sua publicação, em 15 de abril, até o dia 23, o vídeo de Gustavo Gayer no canal Papo Conservador já teve 55.951visualizações. As acusações contra o médico Marcus Lacerda tiveram maior divulgação, sendo que uma delas, compartilhada pelo site Gazeta Brasil, teve 760,9 mil visualizações em menos de 24 horas.

Saúde

Investigado por: 2020-04-22

Ainda não há cura oficial para a covid-19; tratamento com corticoides não tem estudo publicado

  • Falso
Falso
Médico que aparece em entrevista à TV Record diz ter resultados animadores, mas ele próprio rejeita a tese de que o método já possa ser considerado uma cura

É falso que infectologistas e imunologistas tenham descoberto a “cura oficial” da covid-19 – doença causada pelo novo coronavírus –, ao contrário do que afirma um post viral no Facebook. A publicação na rede social usa um vídeo de entrevista do médico Roberto Zeballos à TV Record.

O clínico geral e imunologista afirma ter obtido resultados animadores em tratamento realizado com pacientes do hospital Vila Nova Star, em São Paulo, baseado em estudos anteriores. Zeballos também diz que a evidência clínica motivou estudo apoiado pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e que os resultados ainda não foram publicados. Tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) quanto o Ministério da Saúde informam que ainda não existe tratamento oficial comprovadamente eficaz no combate à covid-19.

Portanto, ainda não é possível afirmar que o tratamento desenvolvido por Zeballos seja aplicável a outras pessoas infectadas pelo vírus. “Eu só posso falar da minha experiência e não tem nada concluído ainda, nada documentado”, esclareceu o médico imunologista ao Comprova. “Na hora em que tiver algo concluído e documentado, aí sim, poderemos fazer uma contribuição muito boa para as pessoas que se infectam com o coronavírus”.

O médico informou que está recrutando pacientes para participar da pesquisa. Terminada essa fase, ele estima demorar até 40 dias para obter conclusões. Não há previsão para publicação do estudo. O IDOR informou, em nota, que desenvolve dez projetos de pesquisa sobre a covid-19. “Em todos esses casos, os resultados serão divulgados conforme o andamento das pesquisas”, comunicou a instituição.

Por que checamos isto?

O Comprova monitora conteúdos duvidosos sobre o novo coronavírus publicados nas redes sociais e que tenham grande viralização. Informações enganosas sobre curas milagrosas ou medicamentos e terapias cuja eficácia tenha sido comprovada têm sido comuns nas redes sociais. Essas informações têm potencial de causar danos à saúde e contam com a esperança das pessoas para ganharem tração nas redes.

Na entrevista de Zeballos à TV Record, o médico conta ter obtido resultados positivos no tratamento clínico de pacientes da covid-19, mas ressalta ainda não ter um estudo publicado sobre o assunto. O post que republica o vídeo no Facebook, no entanto, afirma que o imunologista já teria encontrado a “cura oficial”, o que não é verdade. Apesar de a própria entrevista do médico desmentir essa alegação, a postagem obteve mais de 40 mil compartilhamentos.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Checamos o vídeo da entrevista de Zeballos no canal oficial de YouTube da TV Record. Apesar de a gravação ser mais longa do que a publicada no Facebook, não há grandes diferenças de conteúdo entre as duas versões do vídeo.

Entramos em contato com a assessoria de imprensa do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino. Também falamos com Zeballos por meio da assessoria da editora Peirópolis, que publicou um livro do médico.

Qual é o tratamento praticado por Zeballos

O imunologista Roberto Zeballos tem tratado pacientes da covid-19 com corticoides. Na entrevista à Record, ele cita combinar esse medicamento com o uso dos antibióticos azitromicina ou claritromicina. “Haviam estudos com coronavírus anteriores que mostravam que o uso de corticoides aumentava a replicação viral. Mesmo assim, vimos que [entre os pacientes da covid-19] quem tomou corticoide teve uma evolução um pouco menos deletéria”, afirmou o médico.

Zeballos ressaltou que, apesar de ter obtido resultados animadores, ainda não tem uma estatística muito grande. Segundo ele, foram tratados 30 pacientes, dos quais oito apresentaram quadros graves. Nenhum deles precisou ser entubado, afirmou o imunologista.

O médico reforçou que ainda não tem uma cura para o novo coronavírus; disse que essa afirmação só poderá ser feita após a publicação do estudo. Por enquanto, as evidências obtidas são da experiência clínica de médicos que testaram o tratamento.

Viralização

O vídeo com legenda enganosa obteve 40 mil compartilhamentos no Facebook de 13 a 22 de abril.

Saúde

Investigado por: 2020-04-17

Vídeo é usado fora de contexto para relacionar ação da PM em São Paulo à pandemia de covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Imagens foram gravadas em dezembro de 2019 e mostram abordagem da PM a homem que agrediu companheira, e não investida contra idoso que caminhava na rua

É enganoso o vídeo que circula nas redes sociais acompanhado de um texto sobre um idoso que estaria sendo agredido por policiais militares de São Paulo por estar apenas caminhando na rua. O conteúdo, que viralizou em 14 de abril, foi retirado de contexto. As imagens foram captadas e publicadas no Facebook pela primeira vez no dia 3 de dezembro de 2019, antes do primeiro caso de covid-19 no Brasil. Não há qualquer relação do vídeo com a pandemia, ao contrário do que diz o texto que acompanha as postagens sobre essa ser uma medida adotada pela “Ditadura TraiDoria”. O governador João Doria (PSDB) defende o isolamento social e já cogitou prender aqueles que desobedecerem as regras.

O Comprova confirmou a data da publicação com a responsável pela filmagem. A gravação do vídeo foi feita na Avenida Pedro Machado, na cidade de Mogi das Cruzes, interior de São Paulo. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado, as imagens foram feitas quando dois policiais militares tentavam deter um homem acusado de agredir a companheira em um posto de combustível. Um Inquérito Policial Militar (IPM) foi Instaurado para apurar a conduta dos profissionais no ato da prisão. A investigação foi finalizada, e o inquérito foi encaminhado ao Tribunal de Justiça Militar (TJM).

Enganoso para o Comprova é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos

O Comprova entrou em contato com a assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. O órgão afirmou, em nota, que o homem havia sido encontrado em casa, depois de agredir a esposa, e reagido à prisão.

Para buscar a publicação original do vídeo, o Comprova usou a ferramenta InVID e extraiu um frame do vídeo postado em uma página do Facebook no último dia 14 de abril. Com ele, realizando uma busca reversa no Google, a equipe chegou a outro material, publicado na página Plantão Cariri em 3 de dezembro de 2019. A postagem estava acompanhada do texto: “aconteceu na Av Pedro Machado.!!! PM…. a saga continua.!!!”.

A partir da localização, por meio do Google Street View, foi identificada a residência de onde as cenas foram gravadas. No portão do imóvel, havia um banner – que também aparece no vídeo – com um telefone para serviços de manicure e pedicure. O Comprova entrou em contato com a proprietária do número.

Em uma conversa no Whatsapp, ela confirmou a autoria da gravação e disse que postou o vídeo em seu perfil do Facebook em 3 de dezembro de 2019. Segundo a autora, o material permaneceu no ar por uma semana, mas foi retirado depois da repercussão negativa.

Contexto: Doria falou em “medidas rígidas”

O vídeo passou a circular novamente nas redes sociais, nos últimos dias, com legendas enganosas afirmando que os policiais militares teriam agredido um idoso que caminhava na rua em São Paulo. O boato é motivado por declarações recentes do governador João Doria, de que poderia tomar medidas mais rigorosas, como aplicação de multa e até prisão, caso a população não cumprisse as regras do isolamento social no feriado de Páscoa e na semana seguinte.

“Se não elevarmos esse nível, que hoje é de 50%, para mais de 60% e caminharmos para 70%, na próxima semana, não apenas o governo do Estado, como também a prefeitura de São Paulo, tomarão medidas mais rígidas”, disse em entrevista à Rede Globo, no dia 9 de abril.

Doria adotou tom mais ameno na segunda-feira (13), ao falar em “corrente de amor” e ações educativas em uma entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes. Ao longo da semana, afirmou ainda que o eventual aumento das restrições à circulação de pessoas só ocorreria a partir do próximo dia 22 e que as multas e prisões para quem descumprir a quarentena são encaradas como “última alternativa” pelo governo.

São Paulo é o Estado brasileiro que mais registra casos de covid-19 no país. Também foi o primeiro a confirmar uma infecção pelo novo coronavírus no Brasil, em 26 de fevereiro. Desde então, foram registradas 853 mortes e 11.568 casos, segundo informações divulgadas pelo Ministério da Saúde nesta quinta-feira (16), às 14h —quase o triplo do segundo colocado, o Rio de Janeiro, com 3.944 confirmações e 300 óbitos.

No Brasil, o número de pessoas infectadas é de 30.425 e o de mortes, 1.924, de acordo com o mesmo balanço. Além disso, a estimativa do governo paulista é de que todos os 3,5 mil leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) da rede pública estejam lotados até maio.

São Paulo está em quarentena desde 24 de março, em razão de decreto assinado por Doria como medida de controle da pandemia. A medida foi prorrogada pela 2ª vez nesta 6ª feira. A quarentena será mantida até 10 de maio.. O governo determinou o fechamento do comércio e de serviços não essenciais, como bares, restaurantes, cafés, casas noturnas e academias. A decisão abrange todos os 645 municípios paulistas.

Rivalidade com Bolsonaro

Mesmo depois de firmar a aliança “Bolsodoria” no segundo turno das eleições de 2018, o governador de São Paulo tem rivalizado com o presidente Jair Bolsonaro durante a gestão — embate que foi ampliado diante da crise do novo coronavírus no Brasil. No dia da publicação do primeiro decreto de isolamento social em São Paulo, Bolsonaro fez pronunciamento em rede nacional em que defendeu que autoridades deveriam “abandonar o conceito de terra arrasada” e criticou os líderes estaduais.

Os dois entraram em conflito em teleconferência no dia seguinte: Doria disse que o presidente “deveria dar exemplo para o país”, e Bolsonaro pediu que o governador “Saisse do palanque”. O governador ainda pediu, publicamente, no dia 30, que as pessoas “não sigam as orientações do presidente da República”. Foram registrados protestos de grupos bolsonaristas nos dias 5 e 11 de abril, na capital paulista, e ataques virtuais.

O ponto mais recente de atrito envolveu a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que protagonizou disputa com Bolsonaro sobre a política nacional de combate à pandemia em pontos como o isolamento horizontal e a eficácia da cloroquina no tratamento da doença. Dória apoiou Mandetta e chegou a afirmar que a saída do ministro seria um “desastre”. A demissão foi confirmada ontem (16). O substituto é Nelson Teich.

Viralização

O vídeo havia sido publicado em um perfil pessoal, no Facebook, e chegou a alcançar 16 mil visualizações até o dia 15. O material foi apagado. Desde o dia 4 de dezembro, quando foi postado na página Realidade Cruel, o material teve 8,6 mil comentários e 22 mil compartilhamentos (dados até o dia 17 de dezembro, às 11h37).

Este boato também foi verificado pelo G1, pela Agência Lupa e pelo Boatos.org.

Saúde

Investigado por: 2020-04-16

Liberação de uso da cloroquina pela agência reguladora de alimentos e drogas dos EUA não é para todos os pacientes

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirma um texto que viralizou no WhatsApp e no Facebook, a agência reguladora de alimentos e drogas dos Estados Unidos (FDA), não liberou o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em todos os pacientes com covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. E também é falso que a Novartis tenha anunciado a existência de estudos que comprovam que esses dois medicamentos “matam” o vírus

Não é verdade que a agência reguladora de alimentos e drogas dos Estados Unidos tenha liberado o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em todos os pacientes com covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Também é falso que a empresa farmacêutica Novartis tenha anunciado a existência de estudos que comprovam que esses dois medicamentos “matam” o vírus. Essas alegações estão em um texto que viralizou em grupos de WhatsApp e no Facebook.

Em 28 de março, a Food and Drug Administration (FDA) emitiu uma autorização de uso emergencial de sulfato de hidroxicloroquina e fosfato de cloroquina em alguns pacientes hospitalizados com a covid-19. A agência permitiu a distribuição desses medicamentos para prescrição para adultos e adolescentes com peso acima de 50 quilos “conforme seja apropriado, enquanto um experimento clínico não estiver disponível ou não for viável”. A indicação de uso deve ser feita por um prestador de serviços médicos licenciado pela agência. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda não há remédio ou vacina comprovadamente eficaz contra a covid-19.

Em um documento de perguntas e respostas sobre o assunto, a FDA esclarece que o uso de cloroquina e hidroxicloroquina não é aprovado para tratar infecções pelo novo coronavírus. Até agora, o uso aprovado para esses medicamentos é no tratamento de malária, lúpus e artrite reumatoide. A OMS faz a mesma recomendação.

A autorização de uso emergencial dos dois remédios permanecia válida até a publicação desta checagem.

O texto compartilhado nas redes sociais afirma ainda que o CEO da farmacêutica Novartis, Vasant Narasimhan, “anunciou que já tem em mãos os resultados de pesquisas que comprovam que a hidroxicloroquina mata o vírus”. A assessoria de imprensa informou ao Comprova por e-mail que a informação está distorcida. A Novartis esclareceu que Narasimhan “comentou que em estudos pré-clínicos o resultado foi promissor, mas não afirmou sobre o resultado final sobre os estudos de hidroxicloroquina”.

A companhia anunciou a doação de 130 milhões de doses de hidroxicloroquina “para apoiar a resposta global à pandemia da covid-19”. A farmacêutica informou estar desenvolvendo um protocolo para um estudo clínico avaliar a segurança e eficácia do uso do medicamento em pacientes da doença.

O Comprova verificou um conteúdo recebido por WhatsApp e compartilhado também em diversos perfis pessoais e páginas no Facebook e no Twitter,.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos

O Comprova consultou a página oficial da FDA e entrou em contato com a assessoria de imprensa da Novartis no Brasil. A reportagem também acessou o site oficial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O que significa a autorização de uso emergencial da FDA

De acordo com a FDA, o uso emergencial permite a facilitação do acesso a “medicamentos, produtos biológicos, vacinas e dispositivos médicos” que podem ser usados para “diagnosticar, tratar ou prevenir uma doença ou condição grave durante uma emergência de saúde pública”.

Os produtos autorizados não necessariamente são aprovados pela FDA para uso. ”Esta autorização é reservada para situações de emergência e NÃO é o mesmo que aprovação ou licenciamento da FDA”, informa a agência. Para decidir sobre o uso emergencial, a FDA considera que os benefícios conhecidos e potenciais do remédio superam seus riscos.

O que a Novartis anunciou sobre hidroxicloroquina

A empresa farmacêutica anunciou a doação de 130 milhões de doses do medicamento, e informou cooperar com governos e autoridades, inclusive a OMS , “para usar protocolos de tratamento padrão para pacientes hospitalizados”. De acordo com a companhia, a hidroxicloroquina é administrada como parte de um “regime terapêutico”, para evitar a “deterioração” de pacientes com a covid-19.

Em comunicado, a Novartis ressaltou que “embora os resultados iniciais dos estudos da utilização da droga em casos de covid-19 tenham sido promissores, ainda não há nenhum tratamento aprovado disponível e não endossamos o uso de nenhum de nossos produtos fora das especificações de seus respectivos registros”.

Qual o preço da cloroquina e da hidroxicloroquina

O texto cita o baixo custo como uma das vantagens dessa medicação. Segundo tabela da Anvisa, o preço máximo de venda de remédios com princípio ativo de hidroxicloroquina varia entre R$ 22,93 (caixa com 10 comprimidos fabricada pela EMS com alíquota de ICMS a 12%) e R$ R$ 180,15 (caixa com 60 comprimidos fabricada pela EMS com alíquota de ICMS a 20%).

Em remédios com princípio ativo de difosfato de cloroquina, o valor da caixa com 10 comprimidos produzida pela Cristália Químico vai de R$ 186,95 a R$ 205,64, dependendo da alíquota de ICMS em cada Estado.

Esses valores são superiores ao preço citado no texto, de US$ 4,65 por mês (R$ 24,37, em cotação do dia 15 de abril de 2020).

Quem é o autor do texto

O texto foi originalmente publicado pela página de Facebook “jornalista Elisa Robson” no dia 30 de março. Nesse perfil, ela se identifica como “jornalista da direita clássica, defensora do liberalismo econômico e conservadora nos valores da família, educação e cultura.”

No post original, Elisa cita como fontes os sites da FDA, da Novartis, e reportagens da Reuters, Forbes, Money Invest e Economic Times. No dia 11 de abril, ela editou a postagem para modificar a frase que falava que a FDA liberou a cloroquina para todos os pacientes da covid-19.

Em uma transmissão ao vivo no dia 13 de abril, ela comentou sobre a viralização do texto em grupos de WhatsApp e reclamou da cobertura da “imprensa fúnebre” sobre o novo coronavírus.

O nome completo de Elisa Robson é Elisângela Machado dos Santos de Freitas. Ela se candidatou a deputada federal nas eleições de 2018 pelo PRP. No ano passado, a Folha de S. Paulo revelou que Elisângela repassou ao próprio marido 59% dos recursos que recebeu do fundo eleitoral, um montante de R$ 14,9 mil.

Na época em que a reportagem foi publicada, ela era assessora parlamentar do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro. A jornalista foi exonerada após a repercussão do caso.

Viralização

Leitores do Comprova solicitaram a checagem deste conteúdo por WhatsApp (11 97795-0022). O post de Elisa Robson, feito no Facebook no dia 30 de março, teve 738 compartilhamentos. Dezenas de páginas também compartilharam essa informação no Facebook.

Aos Fatos e Agência Lupa também checaram esse conteúdo.

Saúde

Investigado por: 2020-04-15

É falso que pesquisadores de Harvard concluíram que isolamento pode piorar a situação

  • Falso
Falso
Segundo o estudo em questão, a rápida implementação de medidas duras de distanciamento social é essencial para ajudar a controlar a epidemia do novo coronavírus

É falso que pesquisadores de Harvard teriam concluído que as medidas de distanciamento social impostas na maior parte do mundo contra o novo coronavírus podem “piorar a situação” da pandemia, como é dito em um texto publicado em sites e redes sociais. Também não é verdade que os mesmos pesquisadores teriam referendado as medidas aplicadas na Suécia, consideradas mais leves que as da maioria dos países.

Ao contrário do que diz o texto investigado, os pesquisadores de Harvard afirmam que as simulações realizadas por eles vão ao encontro de outros estudos que concluem que a rápida implementação de regras duras para o distanciamento social é essencial para ajudar a controlar a epidemia do novo coronavírus. O estudo em questão também conclui que, sob as atuais condições, a implantação de medidas de distanciamento social em períodos intermitentes pode ser a melhor maneira de evitar que hospitais esgotem a sua capacidade de atendimento.

A pesquisa foi publicada no site científico MedRxiv, uma plataforma dedicada a divulgar trabalhos que ainda aguardam “revisão por pares” — termo que se refere ao processo de validação dos métodos e conclusões das publicações científicas por outros especialistas da área. Trata-se, portanto, de um relatório preliminar que não pode orientar práticas clínicas, destaca o Cold Spring Harbor Laboratory (CSHL). A instituição gerencia a plataforma com a Universidade de Yale e o periódico BMJ.

Ao jornal The New York Times, John Inglis, co-fundador do MedRxiv, afirmou que audiência da plataforma aumentou mais de 100 vezes desde dezembro. Isso gera preocupação porque o site, que tem como objetivo facilitar a troca de informações entre pesquisadores diante de emergências de saúde como a atual, tem sido utilizado como base para a propagação de rumores e falsidades, aumentando a desinformação a respeito da pandemia.

O Comprova verificou informações contidas em um texto publicado no site Mix Misturado e republicado posteriormente pelo site Agora Notícias Brasil.

Falso para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos

O Comprova apurou a origem do boato ao pesquisar diferentes trechos do texto no Google. O resultado indica que o site “Mix Misturado” foi o primeiro a espalhar conclusões equivocadas sobre o estudo e envolver a Suécia. A investigação prosseguiu com a verificação do conteúdo do artigo usado como base pelo site “Mix Misturado”. O link do estudo original leva para um arquivo em formato PDF publicado na página do programa Dash, mantido pela biblioteca da Universidade Harvard.

Ao buscar o título do artigo – “Social distancing strategies for curbing the COVID-19 epidemic” – é possível conferir que o estudo está de fato publicado na página. Ao buscar o título no Google, encontramos o mesmo texto no MedRxiv.

Na sequência, o Comprova realizou uma leitura do estudo e constatou diversas discrepâncias entre o que concluem os pesquisadores e o que diz o site Mix Misturado. Não há, por exemplo, nenhuma referência à Suécia no artigo, ao contrário do que afirma o site.

Também verificamos as medidas aplicadas pela Suécia no controle da epidemia por meio de página oficial do governo local, disponível em inglês. Regras para prevenção foram adotadas — ainda que em “baixa-escala”, como defenderam as autoridades locais — desde 11 de março. Também comparamos estatísticas de casos e mortes por Covid-19 na Suécia com as de outros países da Escandinávia.

O Projeto Comprova entrou em contato com a autora do texto, Cilene Bonfim, pelo Twitter, na terça-feira, 14, para buscar esclarecimentos sobre o conteúdo, mas não recebeu retorno.

Nota de atualização (17/4) — A autora do texto entrou em contato com a reportagem após a publicação desta notícia e respondeu a perguntas do Comprova. Por e-mail, foi questionada a respeito das diferenças entre o que é relatado pelos pesquisadores de Harvard em artigo e o que consta no material do site Mix Misturado. Cilene Bonfim afirma que fez uma “contextualização” do relatório da pesquisa e insistiu em suas conclusões. “Não existe nenhuma informação falsa no meu artigo”, escreve. “Eu nem disse o que eu penso sobre o assunto, apenas relatei os fatos e não fatos falsos, como vocês publicaram”. O Comprova também notou uma série de edições no texto do site Mix Misturado após a publicação desta verificação, incluindo título, URL e citações checadas pela equipe.

Quem são os autores do estudo?

O estudo é assinado por quatro pesquisadores da Escola de Saúde Pública de Harvard. São eles Stephen Kissler, doutor em Matemática Aplicada pela Universidade de Cambridge e pesquisador no Departamento de Imunologia e Doenças Infecciosas; Christine Tedijanto, estudante de doutorado na área de Epidemiologia de Doenças Infecciosas; Marc Lipsitch, professor nos departamentos de Epidemiologia e Imunologia e Doenças Infecciosas; e Yonatan Grad, professor do Departamento de Imunologia e Doenças Infecciosas da instituição.

Quais são os objetivos do estudo?

O estudo destaca que alguns locais, como Cingapura e Hong Kong, conseguiram controlar a epidemia por meio de uma estratégia que envolveu testes intensivos, rastreamento dos infectados e isolamento. Outro países, no entanto, não têm bons sistemas de saúde e capacidade de testar. Entre esses dois polos na capacidade de mobilização, muitos governos estão adotando como alternativa o distanciamento social: o objetivo aqui é “achatar a curva” do contágio, evitando a lotação dos sistemas de saúde e ganhando tempo para a descoberta de uma vacina.

O estudo parte de duas preocupações. A primeira é que essas medidas de distanciamento social podem permanecer ativas por um longo período. Assim, é necessário estimar cenários futuros. Os pesquisadores destacam, também, que ainda não se sabe se o novo coronavírus está sujeito, assim como outros vírus respiratórios, a variações sazonais. Se estiver, dizem eles, deve ser mais difícil achatar a curva no inverno do que no verão.

Outra preocupação gira em torno da capacidade dos governos de proverem cuidados intensivos. A pesquisa tenta avaliar o impacto, na trajetória geral da pandemia, do aumento desta capacidade.

Como o estudo foi feito?

O estudo tem como base modelos matemáticos capazes de projetar tanto o número de infecções quanto a capacidade dos hospitais. Os cálculos levam em conta um cenário em que 95,6% dos pacientes são assintomáticos ou têm efeitos considerados leves; 3,08% requerem internação, mas não em UTIs, e que 1,32% precisarão deste cuidado crítico.

Além disso, assumem o valor de 0,89 leito livre a cada 10 mil habitantes como o mínimo para garantir o atendimento hospitalar para a população. Esse número reflete a situação atual dos Estados Unidos.

Os pesquisadores alertam, ainda, que os resultados devem ser entendidos como o “pior cenário” possível, pois o modelo leva em conta que cada pessoa tem a mesma possibilidade de ser infectada. Na realidade, os cenários reais contêm diferença na estrutura da população, com alguns grupos mais propensos a serem infectados e outros, menos.

A partir desses números, simulações são realizadas em diversos cenários, modificados conforme os dados usados pelos cientistas e as estimativas de variação sazonal.

Quais os resultados do estudo?

O estudo chegou a vários resultados conforme o cenário simulado. Nos testes sem influência sazonal, os pesquisadores estimam que um período único de distanciamento social de fato reduz o pico da epidemia, mas que a infecção tem alta quando tais medidas são relaxadas.

Outra conclusão é de que períodos mais longos com medidas duras de distanciamento social nem sempre geram reduções grandes no pico de infecção. No caso de uma “quarentena” de 20 semanas com redução de 60% no “número básico de reprodução”, o pico após o fim do distanciamento social poderia ser quase o mesmo de um cenário sem nenhuma medida. Isso ocorreria, diz o estudo, porque um distanciamento social tão rigoroso protegeria tanto a população que poucos adquiririam imunidade.

Nos cenários em que as estações do ano influenciam a epidemia, o pico ressurgente (após o fim das medidas de distanciamento social) poderia ser ainda maior que o pico caso nada fosse feito. Isso porque, neste cenário, as medidas da distanciamento social seriam encerradas no fim do outono e começo do inverno, justamente quando as síndromes respiratórias se espalham mais.

O que significa tudo isso?

É neste ponto que o site “Mix Misturado” afirma, equivocadamente, que os pesquisadores teriam concluído que o isolamento pode piorar a situação. Não é essa a conclusão.

Em primeiro lugar, cabe destacar que ainda não se sabe se o contágio pelo novo coronavírus é influenciado pela sazonalidade. Em segundo lugar, os pesquisadores são claros ao dizer que o distanciamento social é, sim, efetivo para conter a epidemia em seu início. O que o estudo discute é a duração dessas medidas e o possível impacto delas conforme os vários cenários analisados.

De acordo com os pesquisadores, mais que longos períodos de distanciamento social, é uma estratégia intermitente com diversos períodos de distanciamento social que pode evitar que a capacidade hospitalar seja superada. A distância entre esses períodos aumentaria à medida que mais pessoas adquirissem imunidade nos intervalos das “quarentenas”.

O estudo alerta ainda que, sob as condições atuais do sistema hospitalar dos Estados Unidos, essa estratégia de períodos intermitentes de distanciamento social teria de durar até 2022. Assim, os pesquisadores indicam que se os Estados Unidos aumentarem sua capacidade de prover cuidados hospitalares intensivos, a população poderá acumular imunidade mais rapidamente e tanto a duração da epidemia quanto os períodos de distanciamento social tendem a ser menores.

Quais as conclusões do estudo?

Os pesquisadores afirmam que as simulações realizadas estão de acordo com outros estudos, segundo os quais a rápida implementação de medidas duras de distanciamento social é essencial para controlar a epidemia do novo coronavírus.

Ao mesmo tempo, afirmam que, “na ausência do desenvolvimento de novas terapias ou medidas preventivas, como uma busca ativa pelos casos [infectados] e quarentena, medidas intermitentes de distanciamento devem ser a única forma de não sobrecarregar a capacidade hospitalar enquanto a população adquire imunidade ao vírus”.

O estudo destaca que a estratégia de impor períodos intermitentes de distanciamento social só pode ser colocada em prática se houver uma forma sofisticada de medir a prevalência da infecção na população. Na ausência dessa capacidade, a disponibilidade de leitos hospitalares pode ser usada como uma variável substituta, mas como a doença não se manifesta imediatamente após o contágio, os hospitais podem acabar sobrecarregados.

Qual a realidade da Suécia?

Ainda que o país não seja citado no artigo dos pesquisadores de Harvard, o Comprova verificou informações quanto ao cenário da pandemia na Suécia e às medidas governamentais adotadas, denominadas de “baixa-escala,” pelas autoridades locais.

Essa abordagem vem sendo criticada por especialistas de fora do governo. Em 14 de abril, 22 especialistas publicaram uma carta aberta no jornal Dagens Nyheter afirmando que as “autoridades de saúde pública falharam” e pedindo medidas mais duras.

Na comparação com os vizinhos da Escandinávia, os números suecos são piores. Para verificar isso, o Comprova utilizou estatísticas populacionais do Eurostat, o departamento oficial de estatísticas da União Europeia, e a base de dados sobre casos e mortes provocadas pelo novo coronavírus montada pela Universidade Johns Hopkins, dos EUA.

A Suécia é o maior país da Escandinávia, com uma população de 10,2 milhões de pessoas, quase o dobro de Dinamarca (5,8 milhões), Finlândia (5,5 milhões) e Noruega (5,3 milhões). O país registrou 1.203 mortes até 15 de abril, 3,8 vezes mais que a Dinamarca (309 mortes), oito vezes mais que a Noruega (72 mortes) e quase 17 vezes mais que a Finlândia (72 mortes).

A Suécia tem diversas medidas restritivas em prática. O texto do site “Mix Misturado”, também desinforma ao afirmar que os suecos “não fecharam nada e não proibiram nada” diante da pandemia do novo coronavírus, o que não é verdade. Informações retiradas de site oficial do governo da Suécia mostram que o país aplica medidas de prevenção ao menos desde 11 de março, quando decidiu proibir aglomerações e eventos públicos com mais de 500 pessoas.

A restrição foi ampliada no dia 29, quando aglomerações e eventos de 50 pessoas ou mais passaram a ser banidas. A punição para quem organizar esse tipo de encontro vai de multa até 6 meses de prisão, e a polícia está autorizada a dispersar os indivíduos.

Ainda em março, a Agência de Saúde Pública da Suécia recomendou aulas a distância para escolas secundárias e de educação para adultos, faculdades e universidades — afetando estudantes com mais de 16 anos. Escolas primárias (6 a 16 anos) e pré-escolas não foram incluídas na medida e podem operar normalmente.

O governo também sugeriu a adoção de home office aos trabalhadores, principalmente na região de Estocolmo, e proibiu aglomerações em restaurantes, bares e cafés — os clientes precisam comer e beber sentados, mantendo distância uns dos outros, ou levar as mercadorias para casa. Autoridades locais podem fechar estabelecimentos que não cumprirem as regras desde o dia 25 de março.

As viagens pelo território sueco foram desaconselhadas pelos órgãos de saúde, sobretudo em zonas metropolitanas. Já para os cidadãos com sintomas de Covid-19, a orientação do governo é de que não viajem de qualquer maneira. Atualmente, vigoram ainda proibições de viagens não essenciais da Suécia para alguns países da União Europeia e de países de fora da Europa para o território nacional.

No início de abril, o governo da Suécia determinou a proibição de visitas às casas de repousos de idosos, considerado grupo de risco para o novo coronavírus. Diversas localidades do país já haviam introduzido algum tipo de medida restritiva semelhante na ocasião. Pessoas com mais de 70 anos também foram orientadas a evitar farmácias, mercados e eventos sociais.

No último dia 7, diante da escalada do número de infectados no país, o primeiro-ministro da Suécia, Stefan Löfven, encaminhou proposta para que o legislativo autorize medidas mais restritivas de controle do novo coronavírus. O governo afirma considerar limitações temporárias de aglomerações, fechamento de shopping centers e outros estabelecimentos comerciais e suspensão de transporte, entre outras ações, caso a proposta seja aprovada. A ampliação dos poderes seria aplicada durante três meses, entre 18 de abril e 30 de junho.

Viralização

Desde a publicação, o link do site Mix Misturado teve mais de 21 mil interações no Facebook e 11,5 mil no Twitter, de acordo com a ferramenta de monitoramento de redes sociais CrowdTangle. O link para o texto foi compartilhado no Twitter por perfis como @leandroruschel e o do Agora Notícias Brasil pelo perfil @rosedbarros.

Esse conteúdo também foi verificado pelo site Boatos.org.

Saúde

Investigado por: 2020-04-14

Acusação de que China contaminou máscaras com coronavírus foi inventada por autor de áudio

  • Falso
Falso
Em contato com o Comprova, o responsável por uma gravação que viralizou no WhatsApp disse que a fonte de suas alegações era “ele mesmo” e que a prova era “o próprio áudio”

Circula em grupos de WhatsApp um áudio em que um homem afirma que as máscaras de proteção exportadas pela China estão infectadas com o novo coronavírus. A alegação é falsa. O Comprova entrou em contato com o autor da gravação, que não ofereceu nenhuma evidência de que isso seja verdade. Ele também não citou fontes que corroborassem sua teoria.

A reportagem também consultou o médico infectologista Jean Gorinchteyn, do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, que classificou o boato como “bobagem”. O especialista afirmou ser impossível que as máscaras chegassem infectadas da China. “Pelo tempo que demoraria a produção e o transporte da máscara, o vírus não sobreviveria”, explicou ele.

Um estudo publicado na revista científica The New England Journal of Medicine aponta que o SARS-CoV-19 (nome oficial do novo coronavírus) pode ser detectado por até 72 horas em superfícies de plástico e até 24 horas em papelão. Os pesquisadores concluíram que a quantidade de vírus cai exponencialmente ao longo do tempo.

No dia 8 de abril, o Ministério da Saúde anunciou ter comprado da China 240 milhões de máscaras para proteger profissionais de saúde que atendem pacientes com a covid-19. A encomenda tem 960 toneladas, que serão transportadas em quarenta voos que chegarão ao Brasil em duas semanas. Desde o anúncio, boatos sobre contaminação de máscaras têm circulado em aplicativos de mensagens e em perfis, páginas e grupos de redes sociais.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos

O autor do áudio fala seu nome e diz ser cantor, compositor e estudante de Medicina. O Comprova encontrou um canal do YouTube que atendia à descrição feita no áudio e entrou em contato com o número de telefone divulgado na página.

O Comprova também consultou o médico infectologista Jean Gorinchteyn, do Hospital Emílio Ribas, para saber da possibilidade de contaminação de máscaras por coronavírus.

Quem é o autor do áudio

A voz no áudio se identifica como Rodrigues Filho. Por telefone, ele afirmou que a fonte de suas alegações sobre máscaras importadas da China era “ele mesmo” e que a prova era “o próprio áudio”.

O cantor disse ainda que todas as pessoas que estão com coronavírus foram infectadas por máscaras chinesas. A reportagem perguntou se ele tinha realizado testes em máscaras ou se ele mesmo tinha sido infectado, mas Rodrigues negou.

Por WhatsApp, o Comprova voltou a pedir provas ao cantor, mas ele não ofereceu nenhuma evidência de qualquer tipo.

Viralização

O áudio foi distribuído em 43 grupos de WhatsApp monitorados pelo Monitor de WhatsApp da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) nos dias 10 e 11 de abril. Conteúdo semelhante foi encontrado em dezenas de páginas e grupos no Facebook e em publicações no Twitter.