Saúde

Investigado por: 2020-05-01

É falso que São Paulo e Rio de Janeiro tenham taxas de letalidade 10 vezes maiores que Minas Gerais

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Falso
Minas Gerais tem uma taxa de letalidade menor da doença provocada pelo novo coronavírus, mas as diferenças são muito menores do que as apontadas por um texto publicado nas redes sociais. O Comprova verificou ainda que há outros erros no texto que viralizou

É falso que a taxa de letalidade da covid-19 em Minas Gerais seja “mais de 11 vezes menor que em São Paulo, 10 vezes menor que no Ceará e mais de 31 vezes menor que no Rio de Janeiro”, ao contrário do que afirma um texto compartilhado no Facebook. De fato, Minas Gerais tem uma taxa de letalidade menor da doença provocada pelo novo coronavírus, mas as diferenças são muito menores do que as apontadas pelo texto.

A conta feita na postagem do Facebook tem vários erros. Em primeiro lugar, calcula a letalidade de acordo com a população de cada Estado, e não levando em conta o número de casos confirmados da covid-19. Além disso, a comparação é feita entre locais que estão em diferentes estágios de contágio — São Paulo, por exemplo, registrou infecções pelo novo coronavírus muito antes do que as outras unidades da federação citadas.

Por último, a ideia de “onze vezes menor” é matematicamente incorreta: qualquer quantidade “uma vez menor” já é zero.

Por que investigamos esse conteúdo?

O Comprova encontrou o conteúdo desta investigação no monitoramento que faz sobre postagens que tratam de coronavírus e covid-19 e considerou três pontos para abrir a investigação:

  1. Muitos boatos têm circulado nas redes sociais e em aplicativos de mensagens favoráveis ou contrários a políticas de contenção da transmissão do novo coronavírus adotadas por governadores, o que leva o Comprova a prestar atenção em conteúdos associados a este tema.
  2. O Comprova verifica somente conteúdos suspeitos sobre a covid-19 e o novo coronavírus que tenham obtido grande alcance nas redes sociais. O post que é alvo dessa verificação havia sido compartilhado 1,3 mil vezes quando foi encontrado pelo nosso monitoramento.
  3. O conteúdo investigado é a reprodução de um outro post feito em um perfil pessoal no Facebook. Ao buscar por esse post, o Comprova não o encontrou no perfil indicado.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Para fazer esta verificação, o Comprova analisou os dados de casos registrados oficialmente da covid-19, bem como de óbitos provocados pela doença. Além disso, consultamos o epidemiologista Fernando Carvalho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Qual é a melhor forma de comparar a evolução da covid-19 em MG e nos outros estados?

A taxa de letalidade de uma doença é calculada com um conta simples, a divisão do número de óbitos pelo número de casos registrados, e não pelo número de pessoas que vive numa determinada região geográfica, como fez o autor do texto verificado.

De acordo com o epidemiologista Fernando Carvalho, dividir o número de mortes pela população resulta na taxa de mortalidade — são dois conceitos distintos da epidemiologia. Desde 29 de abril, o Ministério da Saúde passou a usar a mortalidade, e não mais a letalidade, para comparação entre diferentes Estados em seu painel de monitoramento.

Segundo o especialista, um dos desafios de comparar a evolução da covid-19 nos diferentes Estados brasileiros está na diferença do nível de testagem da população. Um levantamento recente feito pelo portal R7 apontou que Minas Gerais era uma das unidades da federação que menos fez testes para diagnosticar pacientes com coronavírus. “A dificuldade de medir a letalidade da covid-19 é que o diagnóstico é limitado pelos testes, que são feitos em número pequeno e tem qualidade questionável”, explica Carvalho.

Dessa forma, o epidemiologista sugere comparar o volume total de óbitos em cada Estado. “Eu prefiro comparar o número total de mortos, nem mortalidade nem letalidade”, diz Carvalho. “Se possível, incluir (na comparação) as mortes por síndrome respiratória aguda grave, pois provavelmente esses casos foram covid-19 não testados. O número de mortos dá uma ideia do impacto total sobre o sistema de saúde”.

O epidemiologista também ressalta que é preciso levar em conta o estágio de disseminação do novo coronavírus em cada Estado. São Paulo foi o primeiro a registrar um caso de infecção, no dia 26 de fevereiro. Entre as unidades da federação citadas, Ceará foi o último a contabilizar pacientes da covid-19 — os cinco primeiros foram no dia 17 de março.

Seguimos as recomendações de Carvalho para comparar o número de óbitos em cada Estado. Veja o resultado abaixo:

Qual a taxa de letalidade da covid-19 em MG, SP, CE e RJ?

Comparando-se as taxas de letalidade, verificamos que a de Minas Gerais é, de fato, menor, que as de Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo, mas não tanto quanto o texto afirma. Até 30 de abril, Minas tinha 82 mortes provocadas pelo novo coronavírus e 1.827 casos, uma taxa de letalidade de 4,5%.

Dos três estados comparados no texto verificado, o que tem uma taxa de letalidade menor é o Ceará. São, também até 30 de abril, 482 mortes em 7606 caso, com uma taxa de letalidade de 6,3%, ou cerca de um terço maior (35% mais alta) que a de Minas Gerais e não “10 vezes maior” (1000% mais alta), como afirmava o texto verificado.

Rio de Janeiro e São Paulo, por sua vez, têm taxas de letalidade duas vezes maior (100% mais alta) e quatro quintos maior (82% mais alta) que as de Minas Gerais.

País/Estado*

Número de casos

Número de óbitos

Taxa de letalidade

Brasil

85.380

5.901

6,9%

Minas Gerais

1.827

82

4,5%

Ceará

7.606

482

6,3%

Rio de Janeiro

9.453

854

9%

São Paulo

28.698

2.375

8,2%

* Tabela elaborada com os dados oficiais do Ministério da Saúde

Como Minas Gerais tem lidado com a pandemia de covid-19?

Em um encontro na Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 29 de março, especialistas apontaram para um problema no enfrentamento à covid-19 no Estado: o baixo número de testes realizados. “Com um número de testes tão baixo, a amostragem pode ficar comprometida”, disse a professora Cristina Alvim, presidente do Comitê Permanente de Acompanhamento das Ações de Prevenção e Enfrentamento do Novo Coronavírus, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

De acordo com o boletim mais recente do governo mineiro, o Estado tinha 1.827 casos confirmados, além de 84.994 casos suspeitos de covid-19. Minas havia registrado 82 óbitos pela doença provocada pelo novo coronavírus e 81 mortes ainda estavam em investigação, ou seja, aguardando exames laboratoriais.

Assim como a maior parte dos estados, Minas Gerais adotou, a partir de março, uma série de medidas de isolamento social para combater a propagação do novo coronavírus. Em sua conta oficial no Twitter, o próprio governador, Romeu Zema, anunciou em 21 de março medidas de restrição, como o fechamento do comércio. Ainda segundo ele, a Polícia Militar seria responsável por “fazer cumprir as regras”.

Em 13 de abril, o secretário de Saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral, anunciou que as medidas seriam mantidas pelo menos até junho. “Não dá para pensarmos em voltar a uma vida normal antes de junho”, afirmou ele.

Dez dias depois, no entanto, o governo de Minas Gerais lançou o programa “Minas Consciente”, que reúne protocolos para a retomada das atividades econômicas no estado e tem o objetivo de servir como uma forma de auxiliar prefeituras sem capacidade técnica para lidar com a situação.

Romeu Zema pretende que o governo estadual preste esse auxílio às prefeituras, mas transferiu aos prefeitos a responsabilidade de reduzir ou não os protocolos de isolamento social. Segundo ele, não se trata de uma abertura completa da economia do estado. “ Vale lembrar que não é liberdade total”, disse. “Nós teremos aqui um protocolo que vai fazer com que a reativação da economia seja gradual, segura, criteriosa, colocando a preservação da vida acima de tudo”, disse.

Desde então, o estado passou a ter situações diferentes conforme a cidade. Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, flexibilizou a abertura do comércio da cidade em 27 de abril. No mesmo dia, a cidade teve movimentação normal, com ônibus cheios, por exemplo, e pessoas circulando sem máscaras de proteção.

Em contrapartida, em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil afirmou, em um pronunciamento pelo Twitter em 28 de abril, que não há previsão para a sua administração reabrir o comércio na cidade. E criticou outros prefeitos. “Tem cidade que fez abertura irresponsável aqui perto que não tem um respirador”, afirmou ele.

Contexto

O post com os dados falsos circula em um momento de crescente tensão entre o presidente Jair Bolsonaro e os governos estaduais. Desde o início da pandemia, Bolsonaro, repetidas vezes, se manifestou contra as medidas de isolamento social e tentou impedir sua continuidade.

Muitos governadores, por sua vez, decidiram enfrentar Bolsonaro. Este embate teve um pico em 19 de abril, quando o presidente da República participou de uma manifestação de apoiadores que defendiam a realização de um golpe de Estado no Brasil, o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) e faziam críticas ao isolamento social. Em resposta a Bolsonaro, 20 governadores divulgaram uma carta a Bolsonaro de apoio ao Congresso. Zema não assinou o documento e afirmou que há “pessoas que estão adotando um totalitarismo contra o presidente“.

Alcance

Até a publicação desta verificação, o post de Facebook que compartilhou o conteúdo teve 1,4 mil compartilhamentos. A Agência Lupa também desmentiu esse texto.