O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-06-06

Hospitais não estão “provocando a morte” de pacientes

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Enganoso
Vídeo que circula nas redes sociais afirmando que hospitais estariam “provocando a morte” de pessoas com outras doenças para poder registrá-las com covid-19 tem informações enganosas com o objetivo de desacreditar a gravidade da pandemia do novo coronavírus

É enganoso um vídeo publicado no Facebook afirmando que hospitais estariam “provocando a morte” de pessoas com outras doenças para poder registrá-las com covid-19.

No vídeo, uma mulher afirma que durante a internação no Hospital Casa Italiano, no Rio de Janeiro, foi submetida a procedimentos que não havia autorizado e que também recebeu medicamentos que não poderia tomar porque era alérgica. Ela ainda diz que foi privada de higiene, de contato com a família e que foi isolada em uma área destinada para pacientes com covid-19 mesmo sem ter diagnóstico da doença. Por fim, sugere que as pessoas que tenham sintomas e complicações da covid-19 não procurem hospitais e se tratem em casa.

Em nota, o diretor médico do Hospital Casa Italiano, Vitor Luiz Ferreira Gomes, informou que “as alegações que a paciente passa no vídeo em questão são mentirosas e falsas”. De acordo com o hospital, a mulher do vídeo realmente esteve internada no hospital entre os dias 12 e 19 de maio. Ela teve diagnóstico de covid-19 confirmado por exame RT-PCR e tomografia.

Ainda segundo o hospital, a mulher deixou o local sem ter recebido alta. A instituição alega não poder enviar os exames por se tratar do sigilo médico, apenas a paciente poderia fazer tal solicitação.

Na gravação, a mulher conta que, após deixar o hospital, recebeu a visita de um médico em casa, e que, dias depois, estava bem. O profissional é Raul de Amoedo Monteiro, que confirma o atendimento. Ele diz que não viu exames nessa visita e que não achou que os sintomas de febre e tosse pudessem ser de covid-19. Diagnosticou-a com resfriado e, por conta da idade da paciente, receitou antibióticos e expectorante.

De acordo com Monteiro, ela relatou que havia ficado nervosa no hospital porque viu pessoas passando muito mal e não estava se sentindo da mesma forma. “Ela estava muito ansiosa, e juntou com a perda da filha”, disse o médico. Ele refere-se à morte da filha de Luzia no dia 10 de maio por um infarto, um dia antes de ser internada – fato que ela conta no vídeo. A equipe assistencial do Hospital Casa Italiano também ressaltou que ela parecia nervosa por causa da perda da filha.

Ainda segundo Monteiro, dez dias depois de consultá-la em casa, Luzia foi a sua clínica, em uma consulta de retorno, e estava bem.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos que circulam nas redes sociais e alcançam grande audiência. Vídeos e declarações desacreditando a medicina e a ciência têm circulado nas redes, trazendo desinformação para a população e dificultando o controle do novo coronavírus. No vídeo em questão, há uma grave denúncia de que profissionais da saúde estariam “provocando a morte” de pessoas com outras doenças para diagnosticar de forma adulterada com covid-19″.

Além disso, Luzia Maria Medeiros Menezes, a senhora que aparece na gravação, é clara ao dizer que as pessoas não devem ir ao hospital: “Quem tiver seus parentes, não vá para o hospital. O hospital está matando do nada. Eu vi com esses olhos que a terra há de comer um dia, eu vi. Muita gente morrer sem ter nada”. A declaração vai contra recomendação médica e pode levar pessoas que estejam com sintomas a interpretarem que não devem buscar ajuda médica em hospitais – o que pode levar a complicações em caso de covid-19 e à morte.

Como afirmou por WhatsApp o Hospital Casa Italiano, que Luzia acusa de maus-tratos, “este tipo de postagem acaba por afastar as pessoas dos hospitais, e muitos poderão vir a óbito em casa como vem acontecendo, ao ficarem com medo de irem aos hospitais”.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos

Utilizando a ferramenta InVID, foi possível dividir o vídeo analisado em diversas fotografias. Em um determinado momento da filmagem, a mulher mostra uma pasta de exames que contém um nome. Utilizando um software simples de edição, como o Microsoft Paint, foi possível aproximar a imagem e identificar o nome dela. A legibilidade não era a adequada e não era possível compreende todos os sobrenomes da mulher, mas foi possível ler “Luzia Maria”.

Em uma busca simples na plataforma Twitter com os dizeres “Luzia Maria” foi possível encontrar o mesmo vídeo publicado por uma conta com apenas cinco seguidores. No texto do tuíte, constava que o nome da paciente era “Luzia Maria Medeiros Meneses”. Depois disso, uma busca no Google mostrou uma reportagem do jornal Extra, de 2016, que entrevistava uma “Luzia Maria Medeiros Menezes”, com a letra “z” no lugar da “s” no último sobrenome. A fotografia da reportagem era de uma mulher muito parecida com a que gravou o vídeo analisado.

Entramos em contato com a jornalista que escreveu a reportagem para o Extra para tentar obter mais informações, mas a repórter informou que não possuía mais detalhes sobre a mulher entrevistada. A partir deste ponto, como os indicativos mostravam que existia uma grande chance de as duas mulheres serem a mesma pessoa, partimos para uma busca manual no Facebook. Como o hospital em que ela se consultou ficava localizado no Rio de Janeiro, delimitamos a busca por pessoas que tinham marcado na rede social que viviam na capital fluminense.

Encontramos diversos perfis e, entre eles, um com uma fotografia com enorme similaridade com a Luzia que gravou o vídeo. Ao pesquisar nas publicações recentes, pudemos nos certificar que o vídeo pertence realmente à Luzia Menezes. Em 28 de maio, ela publicou o vídeo com a legenda: “Gente por favor me ajude a compartilhar esse meu testemunho até chegar em alguma autidsde (sic) [autoridade]

Paralelamente, procuramos os hospitais que Luzia cita no vídeo.

Entramos em contato com o Hospital São Vicente de Paulo por meio de sua assessoria de imprensa. A equipe de comunicação nos enviou resposta por meio de e-mail.

Conversamos por telefone com o diretor médico Vitor Luiz Ferreira Gomes, do Hospital Casa Italiano. Também ligamos para o médico Raul de Amoedo Monteiro, que atendeu Luzia em casa depois que ela deixou o Hospital Casa Italiano.

Ainda consultamos o protocolo de manejo clínico do Ministério da Saúde para verificar se as práticas descritas à reportagem condizem com as recomendações oficiais.

Verificação

Hospital São Vicente de Paulo

Luzia Maria Medeiros Menezes afirma, na filmagem, que foi atendida primeiramente no Hospital São Vicente de Paula. Na verdade, ela foi atendida no Hospital São Vicente de Paulo — e não Paula. Por e-mail, o hospital confirmou que ela esteve na instituição no dia 11 de maio. “Após exame clínico e alguns exames iniciais, ela ficou em observação em nossa emergência. Devido às suas queixas, a paciente foi submetida a exames complementares e nossa equipe recomendou internação para investigação da covid-19”, afirma o hospital. Como não existia vaga para internação na unidade, foi recomendado que ela procurasse outro hospital. Luzia foi, então, ao Hospital Casa Italiano.

Acusações contra o Hospital Casa Italiano

Na filmagem, Luzia Menezes faz diversas acusações contra o Hospital Casa Italiano, no Rio de Janeiro. Ela afirma que foi internada no isolamento como se tivesse covid-19. Em nota, o Hospital Casa Italiano afirmou que Luzia foi submetida ao teste para confirmar a presença do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e o resultado foi positivo pelo método RT-PCR. O diretor médico da instituição, Vitor Luiz Ferreira Gomes, afirmou que o exame foi coletado no dia 12 de maio e que o resultado demorou seis dias para ficar pronto. Ainda de acordo com o médico, Luiza Menezes tinha uma saturação de oxigênio em torno de 60% (quando níveis normais são superiores a 95%) quando chegou ao hospital e exames realizados em outra instituição mostravam um comprometimento de 25% do pulmão — sinais compatíveis com a covid-19, que posteriormente foi confirmada.

No vídeo, Luiza Menezes ainda afirma que foi “cortada” e “retalhada” no pescoço, peito, virilha e braço. Em nota, o hospital afirmou que “os pacientes não são cortados como alegado” e que “pacientes graves necessitam de monitorização da pressão arterial (PAM), feitas por punção com critérios específicos pela equipe médica para controle do quadro, assim como medicações venosas, todos prescritos individualmente a critério médico no prontuário do doente”.

Luzia também acusa o hospital de falta de higiene, afirmando que ficou dias sem tomar banho e lavar a boca. Em nota, o hospital negou todas as acusações e afirmou que tem “cirurgiãs dentistas que visitam os pacientes para higiene oral reduzindo as infecções orais e pulmonares. Os pacientes recebem roupas adequadas para internação, banhos diários usando Drybath, além de lençóis e cobertores da hotelaria”, afirma a nota.

Na filmagem, Luzia ainda acusa o hospital de aplicar dois medicamentos (AAS e Berotec) mesmo com recusas e avisos de que seria alérgica. Em entrevista por telefone, o diretor médico da instituição afirmou que ela deixou de tomar dois medicamentos que constam do protocolo de atendimento porque se recusou. “Os medicamentos que ela informou serem alérgicos não foram ministrados. Isso está tudo no prontuário”, afirmou Vitor Luiz Ferreira Gomes.

A mulher também diz que o hospital “não tinha médicos, só enfermeiros” e que ficou isolada. Em resposta, o hospital disse que possui “médicos em todos os turnos que não saem do setor”. Também explicou que faz parte do protocolo o isolamento dos pacientes diagnosticados com covid-19 e que uma médica designada atualiza os pacientes diariamente com a evolução do quadro de saúde dos pacientes. O Protocolo de Manejo Clínico da covid-19 na Atenção Especializada orienta as instituições com pacientes infectados pelo novo coronavírus que suspendam as visitas.

Por fim, ela afirma que o hospital estaria “provocando a morte” de pessoas. Em nota, o Hospital Casa Italiano informou que foram registradas 14 internações, 7 altas e 3 óbitos por covid-19 no centro de tratamento intensivo (CTI) no período em que Luzia esteve internada.

O hospital afirmou, por telefone, que Luzia Menezes não teve alta médica e deixou o local à revelia, após assinar juntamente com o marido um termo de autorização.

Visita médica em casa

Na filmagem, Luzia Menezes afirma que conseguiu sair do Hospital Casa Italiano e foi para casa. De acordo com ela, o marido chamou um médico para consultar Menezes em casa. Em contato via WhatsApp, Luzia informou que o médico se chamava Raul Monteiro e atendia na clínica Promed, no Rio de Janeiro.

Por telefone, Monteiro confirmou que foi à casa da paciente, mas não achou que ela poderia estar com covid-19. Para ele, era um resfriado mas, por ser mais velha, achou melhor recomendar tratamento para pneumonia, receitando antibióticos e expectorante – “é melhor pecar por excesso do que por falta”. Segundo o médico, Luzia respondeu bem à medicação e foi à clínica dele para um retorno dez dias depois.

Confronto de versões

Ao ser questionada com as versões médicas, Luzia Menezes disse não concordar com nenhuma argumentação do Hospital Casa Italiano. “Não concordo com nada deles, vou morrer com a minha versão pois é real. Tenho a minha consciência limpa que tudo que falei é verdade”, afirmou por mensagem no WhatsApp. Luzia ainda disse que vai entrar em contato com uma advogada.

Voltamos a falar com o Hospital Casa Italiano depois de falar com Luzia e a instituição negou todas as acusações feitas pela mulher. Disse que elas “são mentirosas e falsas”. De acordo com a assessoria de imprensa do hospital, a instituição está estudando as medidas legais cabíveis e possui o prontuário médico como provas.

Estados recebem dinheiro por cada paciente diagnosticado com covid-19?

O vídeo com as queixas de Luzia viralizou e recebeu comentários adicionais. Uma mulher compartilhou o vídeo no Facebook e escreveu: “Eles querem números? Lembrem-se que cada paciente na UTI o estado recebe 4,5 mil (reais). Para políticos corruptos o dinheiro vale mais que a sua vida!”

A Portaria nº 568 do Ministério da Saúde, de 26 de março de 2020, autorizou a habilitação temporária de leitos de UTI para tratamento da covid-19 em estados e municípios pelo prazo inicial de três meses. A medida permite o repasse pelo governo federal de R$ 1,6 mil diários para pagar luz, serviço, pessoal, manutenção entre outros itens.

O Hospital Casa Italiano, no entanto, é uma instituição particular e não recebe esta compensação federal.

Contexto

Narrativas que contestam a real dimensão da pandemia são utilizadas para atacar medidas políticas de lockdown, isolamento social e fechamento do comércio. O Projeto Comprova já checou vídeos que mostravam covas abertas e nenhum enterro em um cemitério da capital paulista.

Outro boato utilizou o vídeo do corredor vazio de um hospital para dizer que o local não estaria atendendo pacientes com a covid-19. Um vídeo compartilhado para causar confusão falsamente afirmava que uma enfermeira teria sido demitida na Bahia por denunciar a falta de pacientes em seu local de trabalho.

Conteúdos que contestam as mortes por causa do novo coronavírus viralizam facilmente por conta da indignação e do medo da população. Uma corrente falsa de whatsapp utilizou dados falsos de óbitos por covid-19 para erroneamente dizer que teriam morrido menos pessoas no começo de 2020 em comparação ao mesmo período de 2019.

Alcance

O vídeo foi compartilhado na quinta-feira, 28, pelo perfil pessoal de uma, amiga de Luzia e foi visto mais de 112 mil vezes até a publicação dessa verificação. Outra postagem do vídeo um dia depois foi compartilhada 67 mil vezes e foi visto mais de 1,2 milhão de vezes.

Saúde

Investigado por: 2020-06-05

Publicação distorce informações sobre protocolos para uso de medicamentos contra a covid-19

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Post usa vídeo de uma médica que explica o protocolo adotado pela Prefeitura de Porto Seguro para o tratamento de casos de covid-19. Em nenhum momento a médica “desmascara” políticos ou faz referência ao presidente Jair Bolsonaro

É enganosa a publicação feita no Facebook afirmando que uma médica “desmascarou governadores e prefeitos” e que o “presidente sempre esteve certo com relação à cloroquina”. A legenda é acompanhada de um vídeo gravado pela médica Raissa Soares, que trabalha no Hospital Navegantes e na Prefeitura de Porto Seguro, na Bahia, e defende o uso do medicamento para o tratamento do novo coronavírus com base em experiências pessoais.

Na filmagem, a médica explica o protocolo adotado pela Prefeitura de Porto Seguro para o tratamento de casos de covid-19. As medidas recomendam a utilização de ivermectina e nitazoxanida associadas ao antibiótico azitromicina logo no começo da infecção e, em caso de piora dos sintomas, o uso da hidroxicloroquina. Em nenhum momento a médica “desmascara” políticos ou faz referência ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Além disso, o protocolo municipal é baseado nas diretrizes do Ministério da Saúde e do governo estadual da Bahia. Os dois documentos atestam que não existem evidências científicas robustas para nenhum medicamento no tratamento da covid-19, mas mesmo assim indicam o uso da hidroxicloroquina em alguns casos. Essa também é a opinião da médica, que defende que os profissionais deveriam fazer a prescrição mesmo sem evidências científicas de que os medicamentos funcionem contra a covid-19 e que o risco aos pacientes é baixo. “Não busque evidência nesse momento, nós estamos em guerra”, declara.

Essa postura, no entanto, não é aconselhada por entidades médicas como a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a equivalente norte-americana, a Infectious Diseases Society of America (IDSA), que defendem esse tipo de medicação apenas em ambientes de pesquisa. “Todas as estratégias, seja a hidroxicloroquina ou qualquer outra (azitromicina, ivermectina e nitazoxanida), estão em estudo, e não se justifica o uso por experiência pessoal porque isso não é ciência, isso é empirismo”, afirmou ao Comprova o infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e consultor da SBI.

Relatos de experiências clínicas da médica com seus pacientes também não são suficientes para atestar a eficácia. Barbosa ressalta que a doença não evolui para quadros graves em 81% dos casos, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde. Portanto, casos isolados não confirmam a alegação de melhora, já que não é possível apontar se foi efeito do medicamento ou simplesmente a evolução esperada do paciente a partir da resposta do organismo. Até 4 de junho, a taxa de letalidade no Brasil era de 5,5%, de acordo com o Ministério da Saúde.

Essa relação só pode ser confirmada por meio de pesquisas randomizadas — quando, aleatoriamente, metade dos pacientes toma o remédio e a outra metade, placebo — e com os chamados testes duplo-cego — ou seja, aqueles em que nem médico, nem paciente sabem qual dos dois produtos foi administrado. Depois, é feita a comparação entre os grupos para verificar quais tiveram melhores resultados. Nenhum dos quatro medicamentos citados apresenta evidência de que funcionem nesse tipo de estudo até o momento.

Em entrevista ao Comprova, a médica Raissa Soares afirmou que o vídeo é “descontextualizado da questão política” e que a intenção era apenas sugerir a aplicação de protocolo na cidade e na região. Em relação à legenda que foi adicionada ao vídeo por outras pessoas, afirmando que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) estaria certo sobre a hidroxicloroquina, ela afirma que “não é verdade absoluta, porque a hidroxicloroquina é uma prescrição médica”.

A médica disse que defende o uso da hidroxicloroquina porque observa que é “resolutiva quando dada na fase viral, na fase inicial da doença”. Sobre a decisão ter como base experiências pessoais, e não evidências clínicas mais robustas, a médica afirma que a experiência “não é totalmente empírica” porque, de acordo com ela, existem algumas publicações que concluíram que o remédio funciona. “A nossa experiência não é grande, mas é suficiente para mim, enquanto médica, e para os meus colegas. (…) O que a gente tem percebido é que estamos tendo resultados excelentes”, afirma.

Por fim, ela disse respeitar pareceres de entidades médicas contrários ao uso fora de protocolos de pesquisa, mas que o Conselho Federal de Medicina (CFM) autoriza a decisão do ponto de vista legal. Na publicação, a autarquia afirma que “reforçou seu entendimento de que não há evidências sólidas de que essas drogas tenham efeito confirmado na prevenção e tratamento dessa doença”, mas que “diante da excepcionalidade da situação e durante o período declarado de pandemia, (…) o CFM entende ser possível a prescrição desses medicamentos”.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos de grande alcance nas redes sociais sobre a pandemia do novo coronavírus. O projeto também prioriza conteúdos que apresentem informações potencialmente danosas à saúde da população. É o caso de materiais que abordam formas de tratamento da covid-19.

Diante do avanço da doença no país, as pessoas podem se basear em conteúdos compartilhados nas redes sociais para fazer automedicação ou recomendar tratamento a amigos e familiares. O problema é que nenhum remédio ou “solução caseira” é comprovadamente eficaz, até o momento, na prevenção ou no tratamento do novo coronavírus — e estes também pode ser bastante prejudiciais, principalmente sem o devido suporte médico.

Além disso, boatos sobre curas e tratamentos são comuns durante a pandemia. Apenas no mês passado, o Comprova verificou quatro conteúdos enganosos sobre a cloroquina: um texto sobre o esvaziamento de UTI em hospital do Piauí, um vídeo defendendo tratamento “sem internação e sofrimento”, um vídeo de um homem indicando o remédio e criticando isolamento social e o uso de respiradores e um vídeo que minimiza os efeitos colaterais do medicamento ao comparar com a bula da Novalgina.

Para o Comprova, o conteúdo enganoso é aquele retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

No vídeo analisado, a mulher que aparece na filmagem se identifica como Raissa Soares, médica formada na Universidade Federal de Minas Gerais. O Comprova encontrou o perfil da médica no Instagram. O vídeo consta na página, e foi confirmado que era o mesmo que está circulando nas redes, sem qualquer tipo de edição.

A reportagem procurou informações no site do Conselho Federal de Medicina (CFM) para descobrir se ela realmente era médica registrada. De acordo com o CFM, a médica Raissa Oliveira Azevedo de Melo Soares tem o registro ativo e está inscrita de maneira regular.

O terceiro passo foi buscar informações sobre os hospitais citados no vídeo, como o Hospital Navegantes Porto Seguro. Uma das últimas publicações na página oficial do hospital no Facebook era um compartilhamento do vídeo de Raissa Soares — e o texto que acompanhava a publicação também confirmou que a médica atende na unidade.

Também entramos em contato com a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Seguro. O órgão municipal confirmou que Raissa Soares é médica na rede pública de Porto Seguro e atende na Unidade de Saúde da Família Arlindo Almeida, no Hospital Regional Deputado Luís Eduardo Magalhães, além de ser a diretora técnica da Unidade de Pronto Atendimento Frei Calixto.

No vídeo, a médica afirma que as condutas dela estão baseadas em protocolos da Prefeitura de Porto Seguro e do governo estadual da Bahia. Pedimos os documentos à secretaria de Saúde e confirmamos a publicação no Diário Oficial do município.

A reportagem entrou em contato com a autora do vídeo por meio de um número de telefone cedido pela Secretaria Municipal de Saúde. O Comprova também ouviu um especialista da Sociedade Brasileira de Infectologia sobre o assunto.

Procurado pela reportagem, o ex-senador Magno Malta, que foi o primeiro a compartilhar o vídeo com a legenda enganosa, não respondeu às mensagens deixadas nas páginas oficiais do Facebook e do Instagram. Quando procurado pelo WhatsApp, bloqueou dois jornalistas e não atendeu nenhuma ligação.

Verificação

No vídeo, Raissa Soares afirma que o hospital de referência para o atendimento de covid-19 na cidade de Porto Seguro, na Bahia, está “lotado” e, dessa forma, propõe a outros médicos que prescrevam quatro medicamentos aos pacientes, ainda que não haja evidência de que funcionem e testes estejam em andamento. Ela alega que obteve redução de sintomas ao tratar mais de 30 pacientes com base em protocolo da Secretaria Municipal de Saúde.

O relato, porém, não é capaz de atestar a eficácia desse tipo de tratamento, como destaca o professor da Unesp e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia Alexandre Naime Barbosa. Procurada pelo Comprova, Raissa Soares afirmou, por telefone, que a experiência “não é totalmente empírica” e que, para ela e os colegas do Comitê de Operações de Emergência do município, é “suficiente” para a decisão de administrar a medicação diante de um cenário difícil de atendimento na rede de saúde.

Protocolo de tratamento da covid-19 em Porto Seguro

De fato, os protocolos de tratamento alegados pela médica Raíssa Soares existem e foram publicados no Diário Oficial de Porto Seguro, na Bahia, em 22 de maio. Eles são assinados pelo secretário municipal de saúde, Kerrys Ruas.

O documento recomenda o início precoce de terapias para pacientes com síndrome gripal e com sintomas sugestivos de infecção leve pelo novo coronavírus, com a prescrição de azitromicina em associação com nitazoxanida nesses casos. O protocolo traz como opção a administração de ivermectina no lugar de nitazoxanida, a partir de avaliação de “risco e benefício”, destacando a contraindicação do segundo remédio para pessoas com doenças de fígado, rins e diabéticos.

Caso os pacientes apresentem piora do quadro clínico e do padrão respiratório, especialmente a partir do quinto dia de sintomas, a secretaria de saúde afirma que o médico deve “considerar o uso da hidroxicloroquina sob vigilância médica no Hospital Luís Eduardo Magalhães”. Por fim, há sugestão de uso de vitamina C, zinco e vitamina D para “auxiliar na resposta clínica do indivíduo” durante o período de internação.

É necessário que os pacientes assinem termo de consentimento, declarando ciência dos possíveis efeitos colaterais dos remédios, para a prescrição médica.

Remédios não têm eficácia comprovada contra a doença

Nenhum dos medicamentos apontados é comprovadamente eficaz no tratamento da covid-19 até o momento. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), não há vacina nem medicamento antiviral específico para prevenir ou tratar a covid-19. O que existem, de fato, são pesquisas com essas e outras drogas para descobrir se elas podem ajudar no combate da covid-19 em alguma maneira. Porém, ainda não há resultados conclusivos.

Utilizada contra a malária e doenças autoimunes, a hidroxicloroquina foi combinada com o antibiótico azitromicina em algumas pesquisas e obteve resultados iniciais promissores, passando a ser defendida publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro. No final de março, o Ministério da Saúde autorizou o uso do medicamento para pacientes em estado grave, a critério do médico. Desde maio, a orientação vale também para casos leves e moderados.

Seguindo as diretrizes, o Comitê Operacional de Emergência da Bahia divulgou nota orientando sobre o uso da hidroxicloroquina no estado. São esses documentos que embasam a recomendação da substância pela Secretaria de Saúde de Porto Seguro.

Estudos recentes, porém, colocaram em dúvida a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a covid-19. Em maio, duas das mais importantes revistas médicas do mundo – o Journal of the American Medical Association (Jama) e o British Medical Journal (BMJ) – publicaram estudos que concluíram que os pacientes tratados com cloroquina e hidroxicloroquina, associadas ou não ao antibiótico, não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os medicamentos. Os trabalhos foram conduzidos na China, na França e nos Estados Unidos e submetidos à revisão por outros pesquisadores.

Em 3 de junho, o New England Journal of Medicine (NEJM) publicou um estudo “padrão ouro” — ou seja, com pacientes randomizados, grupo controle e testes duplo-cego — com 821 voluntários que tiveram contato com infectados pelo novo coronavírus nos Estados Unidos e no Canadá, mas ainda não apresentavam sintomas de covid-19. O objetivo era descobrir se a droga se mostrava eficiente como forma de prevenir o aparecimento da doença. Os pesquisadores concluíram que a incidência “não diferiu significativamente entre os pacientes que receberam hidroxicloroquina e os que receberam placebo” e que “os efeitos colaterais foram mais comuns com a hidroxicloroquina do que com o placebo, mas nenhuma reação adversa grave foi relatada”.

A ivermectina, recomendada para o tratamento de condições causadas por vermes e parasitas, se tornou popular no debate público após a publicação de estudo feito por pesquisadores da Monash University e do Hospital Royal Melbourne, na Austrália, que demonstrou que o medicamento é capaz de matar o novo coronavírus in vitro em 48 horas. No entanto, os próprios cientistas pediram cautela sobre a descoberta e afirmaram que são necessários testes clínicos para avaliar a eficácia do remédio fora do laboratório.

Além dos testes in vitro, a Secretaria de Saúde de Porto Seguro argumenta que “estudos iniciais comprovam redução da gravidade em pacientes hospitalizados”, citando estudo divulgado pelo engenheiro biomédico Amit Patel, da Universidade de Utah, em 19 de abril. Pacientes tratados com ivermectina teriam tido taxas de letalidade menores tanto no geral (1,4% contra 8,5%) quanto entre os que precisaram de ventilação mecânica (7,3% contra 21,3%), em uma análise com 1.408 pessoas hospitalizadas em razão do novo coronavírus.

Na conclusão, os cientistas que assinam o estudo americano sobre a ivermectina ressaltam que “embora relatamos um forte sinal de potencial benefício na covid-19, os dados não podem ser considerados conclusivos, pois fatores de confusão desconhecidos não podem ser sempre contabilizados” e complementam afirmando que “estes achados precisam de confirmação em estudos controlados e randomizados”. Além disso, os dados utilizados neste estudo sobre a ivermectina foram fornecidos pela empresa Surgisphere — a mesma que está no centro da polêmica de dois estudos sobre hidroxicloroquina publicados revistas The Lancet e NEJM (não relacionado com o outro citado acima) que foram retratados após a empresa negar acesso às informações por auditorias independentes.

A nitazoxanida é um vermífugo. Ela ficou conhecida depois que o ministro Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, divulgou que o ministério teria encontrado um remédio com 94% de eficácia em células contaminadas. Na época, o ministro não divulgou o nome do medicamento para evitar que as pessoas procurassem o remédio nas farmácias, como aconteceu com a hidroxicloroquina. Um dia depois, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma resolução que restringia a venda do medicamento.

O Boletim Ética em Pesquisa, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), passou a listar dois ensaios clínicos com a nitazoxanida a partir do dia 17 de abril. De acordo com o último boletim, do dia 2 de junho, existem três testes clínicos sendo realizados com a substância: um com 50 participantes no Hospital Vera Cruz, de São Paulo; um com 500 participantes na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e outro com 392 participantes também na UFRJ.

A Secretaria da Saúde de Porto Seguro cita dois estudos relacionados à nitazoxanida na nota técnica que estabelece o protocolo contra a covid-19 no município da Bahia. Um deles é uma revisão de 1.315 artigos publicada no Jama, em 13 de abril. Os pesquisadores escrevem que o medicamento “possui ampla atividade antiviral e um perfil de segurança relativamente favorável” e que testes in vitro demonstraram eficácia contra o SARS-CoV-2. Dessa forma, defendem a continuidade de estudos com a droga para encontrar mais evidências, mas que estas ainda estavam “pendentes”.

O outro é um preprint assinado por médicos do St. Joseph Medical Center, em Tacoma, nos Estados Unidos, que “resume evidências convincentes para avaliar o NTZ (nitazoxanida) em ensaios clínicos” como tratamento da covid-19. A pesquisa apresenta os mecanismos de atividade antiviral do remédio, entre outros aspectos, e conclui que “são necessários ensaios urgentes para testar a eficácia” da nitazoxanida, de modo a expandir as possibilidades de combate à doença. Foi publicada em 24 de abril.

Contexto

A opinião da médica ganhou repercussão nas redes sociais, em grande medida, porque defende o tratamento da covid-19 com o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, especialmente a hidroxicloroquina. Raissa Soares argumenta no vídeo que o Brasil vive “uma guerra” contra o novo coronavírus e que não é possível esperar por estudos conclusivos para introduzir tratamentos alternativos nos hospitais.

Essa declaração é semelhante à justificativa dada pelo presidente Jair Bolsonaro quando o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, aprovou protocolo que recomenda o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina em casos leves e moderados da doença, em 20 de maio. Pelo Twitter, Bolsonaro escreveu: “Ainda não existe comprovação científica. Mas sendo monitorada e usada no Brasil e no mundo. Contudo, estamos em guerra: ‘Pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado’”.

Desde março, Bolsonaro é um dos principais defensores do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento precoce da covid-19. Ele também costuma minimizar a gravidade da doença e discorda das medidas de quarentena adotadas por governadores e prefeitos no país. A insistência nessas posições já provocou a saída de dois ministros da Saúde durante a pandemia, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.

Diversas entidades médicas alertam para os possíveis efeitos colaterais graves desses e outros medicamentos, sem comprovação de que realmente ajudam no combate à doença por estudos mais robustos. É o caso da Sociedade Brasileira de Infectologia, que destacou em nota que “os estudos clínicos atuais com cloroquina ou hidroxicloroquina, associada ou não à azitromicina, permitem concluir que tais medicamentos, até o presente momento, não mostraram eficácia no tratamento farmacológico de covid-19” e que, por outro lado, “alguns estudos mostraram seu potencial malefício, podendo causar alteração cardiológica (…) que está associada a uma maior chance de arritmias ventriculares, potencialmente fatais”.

Nos últimos meses, Bolsonaro entrou em conflito com governadores e prefeitos a respeito da quarentena. Em pronunciamento em rede nacional, chegou a afirmar que a covid-19 era uma “gripezinha” e que as lideranças regionais deveriam “abandonar o conceito de terra arrasada”. O presidente também defendeu um “isolamento vertical”, ou seja, destinado apenas aos grupos de risco. Esses posicionamentos foram ignorados por diversas autoridades do país que optaram por decretar medidas restritivas mais amplas após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que garantiu essa autonomia.

O Brasil registrou 614.941 casos confirmados e 34.021 mortes por covid-19 até a noite de 4 de junho, de acordo com informações do Ministério da Saúde. O país é o terceiro com mais mortes no mundo e bateu o recorde de número de óbitos em 24h no mesmo dia, com 1.473. Até a data, 254.963 pessoas estavam recuperadas e 325.957 em acompanhamento.

Alcance

O vídeo original, publicado no perfil da médica Raissa Soares no Instagram, teve 7,4 mil visualizações até 5 de junho. Republicado na página do ex-senador Magno Malta, pelo deputado estadual Jânio Natal (Podemos-BA) e por perfis e grupos bolsonaristas no Facebook, alcançou mais 83,6 mil interações, de acordo com a plataforma de monitoramento CrowdTangle.

Saúde

Investigado por: 2020-06-05

Não há prova de que ivermectina cure covid-19, ao contrário do que diz médica

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Enganoso
A ivermectina está registrada como medicamento contra infecções causadas por parasitas e todos os estudos sobre seu uso para tratamento da covid-19 estão ainda em estágio inicial. A Anvisa não reconhece o medicamento para o tratamento da doença

É enganoso o conteúdo de um vídeo que afirma que a covid-19 pode ser curada com a ivermectina, remédio usado para tratar parasitas. Em uma publicação no YouTube, no dia 20 de maio, a médica Lucy Kerr diz ter tratado 20 pacientes com ivermectina e afirma que o novo coronavírus “tem cura”. Todos os estudos sobre a ivermectina, porém, estão ainda em estágio inicial. A autoridade sanitária dos Estados Unidos, FDA, emitiu um alerta em relação ao uso de ivermectina por pessoas com covid-19. E, no Brasil, a Anvisa não reconhece o medicamento para o tratamento da doença.

Consultada, Lucy Kerr afirmou que a maioria dos pacientes que ela “curou” não fizeram teste de covid-19 nem o teste que verifica se o vírus não está mais no organismo. Disse que a comprovação da eficácia do remédio é observacional. Depois, por e-mail, afirmou que, embora os dados sejam observacionais, ela e médicos com quem conversa em um grupo de WhatsApp estão tendo “resultados de cura em tempo muito mais curto – 48 horas em média – do que seria a recuperação natural de covid-19”.

Catorze dias após a publicação do vídeo, o YouTube retirou-o do ar. A plataforma não comenta casos específicos, mas afirmou que “o YouTube tem políticas claras sobre o tipo de conteúdo que pode estar na plataforma e não permite vídeos que promovam desinformação sobre a covid-19”.

Após a retirada do vídeo do ar, a médica entrou em contato com o Comprova, reforçando “o potencial de cura da covid-19 [pela ivermectina]” e dizendo que os resultados “serão maravilhosos”.

Por que investigamos?

Vídeos e textos falando sobre curas milagrosas contra o novo coronavírus viralizam rapidamente nas redes sociais e colocam a população em perigo ao fazê-la acreditar em milagres. Neste vídeo, a médica diz que a “covid tem cura, nós podemos liquidar com essa moléstia em pouquíssimo tempo” – ou seja, está criando uma falsa sensação de esperança. No dia 1º de junho, a publicação, feita em 20 de maio, já tinha mais de 360 mil visualizações e cerca de 2 mil comentários. Muitos internautas estavam apoiando a médica. Um deles parabenizou Lucy Kerr “pela coragem de contradizer as mais ‘poderosas pessoas da ciência’, que tentam esconder remédios baratos que estão salvando vidas”.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Buscamos cadastros da médica nos sistemas do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), do Conselho Federal (CFM) e em sites como o do Currículo Lattes para confirmar sua identidade profissional. O Comprova ligou nos telefones informados no Portal Lucy Kerr, mas ninguém atendeu. Depois, telefonou para a Sociedade Brasileira de Ultrassonografia e conseguiu, com uma funcionária, o telefone da casa da médica. À tarde, o Comprova ligou para Lucy e conversou com ela por uma hora.

Paralelamente, o Comprova verificou a existência dos estudos sobre os quais a médica comenta no vídeo em sites de publicação científica e tentou localizar seus autores através de e-mails e de perfis em redes, como o LinkedIn e o Facebook.

Também procuramos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para saber se há algum protocolo ou orientação em relação ao uso da ivermectina para tratar pacientes com covid-19. Também buscamos o posicionamento da US Food and Drug Administration (FDA), a agência federal de vigilância sanitária dos Estados Unidos.

Por fim, ouvimos a opinião de dois infectologistas sobre o uso do medicamento e consultamos o Conselho Federal de Medicina.

Verificação

O medicamento

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a ivermectina está registrada como “medicamento contra infecções causadas por parasitas”.

A Food and Drug Administration (FDA), órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos, descreve a ivermectina como liberada para humanos no tratamento de vermes intestinais e, também, de parasitas tópicos como piolho e rosácea. Ela também é usada para o tratamento de vermes em diversas espécies de animais.

Segundo a FDA, possíveis efeitos colaterais incluem vômito, diarreia, dor estomacal, erupções cutâneas, eventos neurológicos (tais como convulsões, tontura e confusão), queda repentina da pressão arterial e danos ao fígado.

Lucy Kerr

Na entrevista feita por telefone, a médica disse que a maioria dos pacientes que “curou” não fez teste de covid-19, nem o teste que comprova que o novo coronavírus não está mais no organismo. Disse que a comprovação da eficácia do remédio é observacional. Depois, em e-mail, afirmou: “Embora todos os nossos dados pessoais e dos 570 médicos que eu administro em grupo de Whatsapp e Telegram sejam observacionais, estamos tendo resultados de cura em tempo muito mais curto — 48 horas em média, do que seria a recuperação natural do covid-19 .”

Após a retirada do vídeo do YouTube do ar, ela entrou em contato com o Comprova e mandou o texto que enviou à plataforma: “É vídeo educativo para médicos e pacientes sobre essa droga e seu potencial de cura da covid-19 e dou referências científicas no texto anexo ao vídeo. Não visa o lucro, presta serviço social, apresentando a possibilidade real de cura, inclusive para vocês, funcionários do youtube e seus parentes”.

No dia seguinte 4 de junho, mandou novo Whatsapp ao Comprova citando um estudo e dizendo: “Vamos aguardar os resultados — mas antecipo que serão maravilhosos por todos os casos de pacientes que eu tratei e relataram melhoras quase imediata após a ingestão da medicação. Estou agora guardando todos relatos dos pacientes que estão mencionando melhora rápida e efetiva dos sintomas covid-19”.

Efeito in vitro

O primeiro estudo sobre o uso do medicamento foi publicado no dia 03 de abril pela Universidade de Monash, que fica no sul da Austrália (print abaixo). Os pesquisadores conseguiram eliminar o vírus responsável pela covid-19, o SARS-CoV-2, em uma cultura de células in vitro 48 horas após aplicar a ivermectina. O próprio estudo ressalta, porém, que esse resultado inicial “não prova” o uso da droga para o tratamento da doença, ressaltando a necessidade de se realizarem estudos clínicos.

O artigo afirma claramente que “embora tenha mostrado efetividade no laboratório, a ivermectina não pode ser usada em humanos para tratar a covid-19 até que novos testes consigam estabelecer com exatidão a efetividade da droga e a dosagem segura para humanos”. Você pode conferir a íntegra do estudo aqui.

O Comprova procurou a Universidade de Monash para saber sobre novas fases da pesquisa. Por e-mail, o Departamento de Medicina, Enfermagem e Ciências da Saúde da instituição explicou que o estudo apenas mostrou que a ivermectina tem efeito em eliminar o vírus em laboratório. E foi taxativo: “a ivermectina não pode ser usada em pacientes com covid-19 até que outros testes e ensaios clínicos tenham sido conclusivos em estabelecer a eficácia do medicamento em níveis seguros para dosagem em humanos”.

Eles também informam que, recentemente, conseguiram financiamento para ensaios pré-clínicos em laboratório.

República Dominicana

No vídeo, a médica cita que a ivermectina passou a ser adotada por médicos em outros países após a publicação do estudo australiano. Ela cita José Natalio Redondo, que trabalharia no Centro Médico Doutor Bournigal, na República Dominicana, e Gustavo Aguirre Chang, que teria escrito um artigo sobre o uso do medicamento no Peru.

No Google Maps, nós conseguimos encontrar um registro do Centro Médico Doutor Bournigal. O mapa aponta para um endereço em Porto Prata, na República Dominicana.

Fizemos, então, uma busca online pelo médico José Natalio Redondo. A primeira coisa que achamos foi uma entrevista concedida à Acento TV, onde ele afirma ter tratado 500 pessoas com covid-19 usando a ivermectina. A Acento TV tem um site com domínio .do, que é o usado na República Dominicana. O site do canal diz que ele integra o pacote da Claro TV no país. Então, conseguimos confirmar a existência do canal no site da Claro TV na República Dominicana.

A partir daí, conseguimos encontrar um perfil com o nome do doutor José Natalio Redondo no Facebook. O perfil tem o mesmo nome, afirma trabalhar no mesmo centro médico e a foto é igual a do homem que deu entrevista para a Acento TV. Contatamos o perfil nos dias 2 e 3 de junho, mas não tivemos retorno até o publicação desta checagem.

Procurando pelo uso da ivermectina na República Dominicana, descobrimos que, no dia 13 de maio, a Sociedade Dominicana de Infectologia divulgou um comunicado expressando preocupação com a possibilidade de que a ivermectina seja adotada como medicação contra a covid-19 no país sem a devida comprovação de que a droga pode ser usada para tratar a doença. O comunicado pode ser encontrado na página deles no Facebook.

Embora o mesmo texto não apareça no site da entidade, a página aponta para o mesmo perfil do Facebook em que o comunicado foi postado. Além disso, a divulgação do texto foi notícia nos portais El Día e El Caribe, ambos com domínio da República Dominicana. No dia 19 de maio, a médica Rita Rojas, presidente da Sociedade Dominicana de Infectologia, deu uma entrevista para a Acento TV em que falou sobre o comunicado e sobre as preocupações com o uso da ivermectina para tratar dos pacientes com coronavírus no país.

Peru

No caso do Peru, o artigo citado por Lucy Kerr e escrito pelo médico Gustavo Aguirre Chang é, na verdade, uma revisão acadêmica sobre outros estudos que analisaram o uso da ivermectina no combate à covid-19; principalmente a pesquisa australiana e outra de que trataremos abaixo. O texto foi publicado no dia 2 de maio no site de uma empresa chamada Megalabs e a íntegra do artigo pode ser conferida aqui.

A Megalabs se apresenta em seu site como uma multinacional farmacêutica que atua em toda a América Latina, inclusive no Brasil. Ela comercializa um medicamento à base de ivermectina, o Securo.

No LinkedIn, achamos um perfil de um médico com o mesmo nome do autor do artigo. Na plataforma, ele se apresenta como gerente encarregado da Unidade de Saúde Ocupacional e Exames do Complejo Hospitalario San Pablo, em Lima, no Peru. Também conseguimos encontrar uma referência a essa unidade de saúde no Google Maps.

Em troca de mensagens pelo LinkedIn, o médico confirmou ser o autor do artigo publicado no site da Megalabs. Ele enviou ao Comprova informações sobre dosagem e sobre a evolução no número de óbitos da covid-19 no Peru após a adoção do medicamento. Não foi possível localizar esses dados em outros estudos já publicados.

Apesar de não conseguirmos comprovar se o Gustavo Chang conduziu um estudo clínico sobre o uso da ivermectina, nós sabemos que o Peru tem administrado o medicamento na pandemia. No dia 8 de maio, o Ministério da Saúde do país editou uma resolução autorizando o uso de ivermectina, hidroxicloroquina e azitromicina no tratamento de pacientes com covid-19. Pela resolução, a ivermectina pode ser aplicada tanto em casos leves quanto em casos graves da doença. Porém, o médico precisa avaliar a situação individual do paciente, obter o consentimento dele e fazer um monitoramento de possíveis efeitos colaterais.

Nos dias 26 e 29 de maio, o governo peruano enviou doses de ivermectina, junto de outros insumos, para locais que estão à frente do tratamento da covid-19. Em outra matéria, essa do dia 1º de junho, o ministro da Saúde do Peru, Víctor Zamora, afirma que o paracetamol e a hidroxicloroquina farão parte do tratamento padrão contra a covid-19 no país, e que a ivermectina será administrada em pacientes sintomáticos e vulneráveis.

Estudo clínico

O Comprova constatou a existência de ao menos um estudo clínico que testou a aplicação da ivermectina em pacientes com o novo coronavírus. A referência é citada no artigo de Gustavo Chang. O estudo é assinado por quatro pesquisadores baseados nos Estados Unidos e o autor principal é o médico Amit Patel, vinculado ao Departamento de Bioengenharia da Universidade de Utah. Esse estudo administrou a ivermectina em 704 pacientes com covid-19 (outros 704 pacientes foram selecionados como grupo de controle) em 169 hospitais na América do Norte, Europa e Ásia.

Os resultados mostram que, entre os pacientes que precisavam de ventilação mecânica, apenas 7,3% dos que tomaram ivermectina morreram (contra 21,3% no grupo de controle). Entre todos os pacientes, a taxa de óbito foi de 1,4% para os que tomaram ivermectina (contra 8,5% no grupo de controle).

A conclusão do estudo, ressalta, porém: “Embora relatemos um forte sinal potencial de benefício na covid-19, esses dados não devem ser considerados conclusivos, pois fatores de confusão desconhecidos nem sempre podem ser contabilizados de maneira confiável, mesmo quando técnicas de correspondência de propensão são empregadas no desenvolvimento de grupos de controle. Não há substituto para um ensaio clínico randomizado adequadamente conduzido.”

E complementa: “Estes achados requerem confirmação em ensaios clínicos randomizados.”

Por e-mail, Lucy Kerr enviou uma lista com 14 links de referências sobre a ivermectina. A maioria das referências apontam para o mesmo estudo da Austrália de que tratamos acima ou para matérias de sites que abordam os resultados dele. O único artigo com o qual ainda não havíamos nos deparado é o de um trio de pesquisadores que tentaram identificar qual seria a dose ideal para a administrar a ivermectina em humanos. Mas eles também não conduziram estudos clínicos sobre a droga.

O que dizem as autoridades?

Procurada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que a ivermectina “não está registrada contra essa doença, portanto não é reconhecida pela agência como eficaz contra ela” (print abaixo).

Além disso, no dia 10 de abril, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária dos Estados Unidos, divulgou uma carta aberta em que alerta as pessoas a não usar remédios à base de ivermectina destinados a animais como tratamento contra a covid-19 (print abaixo). Segundo a FDA, as pessoas não devem tomar ivermectina para prevenir ou tratar a covid-19. Também não há nenhuma autorização da FDA para o uso emergencial da droga nos Estados Unidos em função da pandemia.

O site do National Center for Biotechnology Information, vinculado à US National Library of Medicine, afirma que a nota da FDA foi publicada porque o estudo da Austrália vinha sendo “difundido com grande interesse em sites voltados para médicos e veterinários”. O texto é assinado por Mike Bray, editor da Antiviral Research.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) não comenta casos específicos, mas afirmou ao Comprova que “não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19” e que “muitos medicamentos têm sido promissores em testes através de observação clínica, mas nenhum ainda foi aprovado em ensaios clínicos com desenho cientificamente adequado, não podendo, portanto, serem recomendados com segurança”. Acrescenta ainda que os médicos “devem observar o Código de Ética Médica”, segundo o qual devem evitar o sensacionalismo, entendido como “utilização da mídia, pelo médico, para divulgar métodos e meios que não tenham reconhecimento científico”.

Busca de consenso

Para o médico Demetrius Montenegro, chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, referência para o tratamento de Covid-19 em Pernambuco, é errado tratar um medicamento que ainda está em fase de testes como a cura do vírus.

“Tem que se levar em conta que quando se tem a publicação de um trabalho mostrando um determinado efeito de uma droga sobre pacientes, ele pode não ser conclusivo. Fazer um teste clínico com 50 pessoas é uma coisa. Fazer um teste clínico com 7 mil ou 12 mil pessoas é outra bem diferente. E, às vezes, não dá para extrapolar um achado para a grande maioria dos pacientes. Por isso, inclusive, muitos desses artigos terminam citando a necessidade de mais testes. Então, dependendo do grau de complicação de um paciente, não se deve tomar condutas baseadas em uma publicação só. É preciso levar em consideração se há um consenso da comunidade médica”, explicou ao Comprova.

Ele lembra ainda que não há “remédio milagroso” para tratar a covid-19. E que é importante que os pacientes não tomem nada sem ouvir a orientação de um médico antes. “O paciente não deve nunca pensar que tomando essa medicação ele vai estar livre de contrair o vírus e de ter complicações. Nem que ele não precisa se prevenir”, alerta.

Retirada do vídeo do ar

No dia 2 de junho, o YouTube retirou o vídeo de Lucy Kerr do ar. Procurado, informou, por e-mail, que não comenta casos específicos e enviou a seguinte nota:

“O YouTube tem políticas claras sobre o tipo de conteúdo que pode estar na plataforma e não permite vídeos que promovam desinformação sobre o Covid-19. Desde o início de fevereiro, analisamos e removemos manualmente milhares de vídeos relacionados a afirmações perigosas ou enganosas sobre o vírus. É nossa prioridade fornecer informações aos usuários de maneira responsável, por isso continuaremos com a remoção rápida de vídeos que violem nossas políticas. Além disso, qualquer usuário que acredite ter encontrado um conteúdo no YouTube em desacordo com as diretrizes da nossa comunidade pode fazer uma denúncia e nossa equipe fará a análise do material.”

O Youtube também nos enviou um página com detalhes sobre a política de informações médicas incorretas relacionadas à covid-19, que lista os conteúdos que não são aceitos na plataforma.

Contexto

No momento em que cientistas do mundo inteiro se debruçam sobre possibilidades de cura da covid-19, algumas pessoas tentam se destacar usando informações enganosas sobre curas milagrosas, que atrapalham o processo.

O primeiro vídeo de Lucy, registrado na página “Lucy Kerr” no YouTube, há nove anos, tem 278 visualizações. O primeiro a ter mais de 1.000 visualizações é de seis anos atrás, um curso on-line de Elastografia (exame de fígado). Os vídeos mais assistidos são sobre câncer, mas, até janeiro de 2020, os números variavam de 149 a 19 mil views – a exceção foi um 15 de setembro de 2014, sobre “Inutilidade e malefícios da mamografia”, que teve 117 mil visualizações.

Neste ano, um vídeo de 10 de janeiro teve 464 visualizações até 2 de junho. O segundo de 2020, foi o que investigamos, “Ivermectina contra a Covid-19”. Postado em 20 de maio, teve quase 370 mil views. Sobre a covid-19, em 24 de maio, outro material foi postado, e visto por quase 108 mil pessoas. O título é “O que funciona e o que não funciona para tratar covid-19.” Este vídeo ainda está disponível na plataforma.

Alcance

A postagem original havia sido visualizada 369.126 vezes quando foi feito o último acompanhamento pelo Comprova, antes do vídeo ser apagado, na noite de 2 de junho. Havia 2.207 comentários, 21 mil curtidas e 342 “não curti”.

Através da busca de imagem reversa do Google, foi possível encontrar o vídeo replicado em outros três canais: aaanjr, Jornal Cidade e Chicote Neles. Juntos, eles registravam 19.589 visualizações até o dia 4 de junho.

Saúde

Investigado por: 2020-06-04

Fala de médicos sobre coronavírus perder força não tem apoio de órgãos de saúde

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Enganoso
As falas de dois médicos italianos, um deles ligado a Silvio Berlusconi, são reais, mas não têm respaldo científico e foram desautorizadas por autoridades sanitárias da Itália.

São enganosos os vídeos e textos com comentários feitos por dois médicos da Itália a respeito da possibilidade de o novo coronavírus estar “perdendo força”. Este conteúdo tem circulado na internet e nas redes sociais acompanhado de afirmações segundo as quais o vírus “não existe mais” e os novos casos teriam se abrandado. As falas dos médicos são reais, mas não têm respaldo científico e foram desautorizadas por autoridades sanitárias da Itália.

Os médicos em questão são Alberto Zangrillo — ligado ao ex-primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi –, e Matteo Bassetti. Após as manifestações da dupla, diferentemente do que foi veiculado em postagens investigadas pelo Comprova, o presidente do Conselho Superior da Saúde rechaçou os comentários e se disse “consternado” com as entrevistas.

Os médicos também receberam críticas de pessoas ligadas ao Ministério da Saúde italiano por não apresentarem evidências científicas sobre suas argumentações.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos sobre o novo coronavírus, e a covid-19, doença provocada por ele, que tenham grande viralização. É caso do vídeo e texto em questão aqui.

Esses conteúdos são relevantes pois se inserem em uma lista de materiais que circulam com o intuito de minimizar a pandemia de covid-19. O potencial negativo desses conteúdos é significativo, pois eles podem ter como resultado uma desmobilização da sociedade diante da necessidade manter o isolamento social e medidas de higiene para combater o vírus, para o qual não há cura ou vacina.

No Brasil, após o presidente Jair Bolsonaro adotar como posição do governo a tese de que a pandemia não grave, páginas conhecidas por apoiá-los adotaram esse discurso. Nas últimas semanas, o Comprova verificou, por exemplo, conteúdos que levantavam dúvidas sobre o número de mortes por covid-19, os registros de óbitos em cartórios e que divulgavam boatos sobre enterros falsos. Um dos conteúdos nessa linha citava, como o alvo desta verificação, a Itália, onde teria sido descoberto que o novo coronavírus não seria responsável por milhares de mortes – o que não é verdade.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

A verificação foi dividida em duas etapas. Na primeira delas, o Comprova investigou quem são Alberto Zangrillo e Matteo Bassetti, os médicos citados no vídeo; se são mesmo profissionais da área da saúde; onde trabalham; se as falas são verdadeiras e se foram endossadas pelo Conselho Superior da Saúde. Ainda, verificamos o contexto em que foram ditas e se renderam algum tipo de repercussão — tanto na Itália quanto no exterior.

Na segunda etapa da investigação, o Comprova acessou a plataforma que divulgou o vídeo e tentou entrar em contato com os responsáveis pelo site, mas não encontrou nenhuma forma de contato e nem registro oficial do portal no ICANN, que fornece informações sobre domínios de sites em todo o mundo. O vídeo, publicado em 1º de junho, foi deletado no dia 3 de junho.

A notícia também foi publicada pelo site “Plantão ao Vivo”. Sem encontrar uma forma de contatar a equipe do site, o Comprova pesquisou o registro do domínio do portal por meio da ferramenta Whois, criada pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e que verifica todos os registros que usam o “.br”, e confirmou no cadastro da Receita Federal para chegar ao e-mail do dono da empresa registrada e tentar descobrir de onde veio a informação.

Quem é Alberto Zangrillo

Um dos médicos citados nas postagens, o italiano Aberto Zangrillo é anestesista, trabalha no hospital San Raffaele e é professor da Universidade Vita-Salute San Raffaele, ambos em Milão.

Zangrillo é uma figura conhecida na Itália. É médico pessoal do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, de quem é próximo e com quem esteve, inclusive, em campanhas políticas. Crítico do atual primeiro-ministro, Giuseppe Conte, Zangrillo já foi acusado de fraudar o sistema de saúde italiano e também ocupou cargos públicos no país.

Em 15 de maio, o hospital San Raffaele anunciou que mais de 120 pacientes com covid-19 haviam passado pelas unidades de terapia intensiva e que o local apresentava baixa mortalidade nas alas em função da aplicação de terapias inovadoras. O texto menciona que parte se deve às pesquisas coordenadas por Zangrillo.

Em entrevista concedida à emissora italiana Rai, o médico, ao comentar as restrições da Grécia para a entrada de italianos no país, afirmou que “clinicamente o vírus não existe mais” na Itália. Segundo Zangrillo, “cerca de um mês atrás, os infectologistas temiam uma segunda onda de contágios. Entretanto, testes feitos nos últimos dez dias apontam uma carga viral infinitesimal em comparação com pacientes infectados há um ou dois meses”. Disse, ainda, que as evidências que confirmam o fato são clínicas, afirmando que há cerca de um mês as taxas de ocupação de leitos de terapia intensiva vem caindo progressivamente em toda Itália.

A declaração foi republicada pelo perfil do programa no Twitter. No Brasil, trechos da entrevista foram reproduzidos pelas agências AFP e ANSA.

Quem é Matteo Bassetti

O outro médico citado nas postagens é o infectologista italiano Matteo Bassetti, diretor clínico de doenças infecciosas do hospital San Martino e professor de infectologia na Universidade de Gênova. Bassetti de fato declarou, em sucessivas oportunidades, que o novo coronavírus está perdendo força quando em comparação com o início da pandemia na Itália, ocorrido entre os meses de março e abril.

A primeira manifestação do infectologista sobre a possível perda de força do vírus foi feita por meio de uma postagem em seu perfil no Facebook, no dia 26 de maio, na qual Bassetti afirma que “parece bastante evidente que há uma circulação menor do Sars-CoV-2 em comparação com semanas anteriores. Prova disso são os pacientes recuperados nos hospitais e o número de pessoas em observação com sintomas compatíveis com os da doença que foi drasticamente diminuído”. Sem apresentar evidências, o médico completa que “isso é o que temos observado [como quem atua na linha de frente no combate à doença] junto com outros profissionais de outras regiões italianas”.

Em entrevista à agência de notícias ANSA publicada no dia 31 de maio, Bassetti voltou a afirmar que o vírus perdera potência quando comparado ao início da pandemia. “Para além das demonstrações científicas, como médico que atua cotidianamente na linha de frente, [afirmo que] os pacientes atuais são diferentes daqueles de dois meses atrás: antes os pacientes apresentavam uma condição muito mais grave, agora menos. É evidente que hoje a covid-19 é outra, porque o quadro clínico e os sintomas são mais leves — se no início o vírus possuía um ‘arsenal bélico poderosíssimo’, para utilizar uma metáfora, agora as armas à sua disposição são menores”, disse o médico.

O Comprova ainda identificou mais duas manifestações de Bassetti que reforçam as falas anteriores. Em outra postagem no Facebook, do dia 01 de junho, e em entrevista concedida no dia seguinte à emissora italiana Canale 5, o médico utiliza outra metáfora para explicar a possível perda de força do vírus, “se no início nos deparávamos com um tigre, agora estamos diante de um gato doméstico”. Ambas as vezes, Bassetti diz que o enfraquecimento do vírus não tem relação com um maior preparo das equipes médicas para lidar com os pacientes, mas com um quadro clínico diferente e menos severo.

Em nenhuma das suas manifestações Bassetti apresentou evidências capazes de provar uma possível menor gravidade da doença nos pacientes atuais, limitando-se a dizer que isso é um fato percebido pelos médicos que atuam na linha de frente das regiões italianas mais afetadas pelo vírus — como a Lombardia, a Emília-Romana e a Ligúria. Quando questionado pelos jornalistas do Canale 5 sobre qual poderia ser a causa dessa menor gravidade, Bassetti disse que “os cientistas e laboratórios de pesquisa vão responder isso em momento oportuno. Mas, por ora, é um fato observado por vários médicos que atuam no combate à doença”.

O Comprova entrou em contato com o hospital San Martino, onde trabalha o infectologista, para verificar se os boletins médicos poderiam atestar uma menor gravidade dos pacientes. A assessoria de imprensa do hospital não respondeu nossa solicitação e recomendou que entrássemos em contato com Bassetti. Até o momento do fechamento deste texto o médico não havia retornado nosso contato.

O que diz o Conselho Superior de Saúde italiano

Tanto no vídeo quanto no texto checados pelo Comprova, há a informação que o Presidente do Conselho Superior de Saúde italiano, órgão ligado ao Ministério de Saúde do país, teria concordado com os médicos e dito que “até olhos leigos” perceberam que o vírus está com menos força agora do que no início da pandemia. A informação, entretanto, é falsa.

Em entrevista à agência ANSA publicada no dia 1º, Franco Locatelli, presidente do Conselho e membro do Comitê Técnico-Científico (CTS) criado pelo primeiro-ministro Giuseppe Conte para o combate da pandemia, disse sentir um “absoluto desconcerto” pelas declarações dos médicos. Locatelli afirmou ainda que o número de novos casos diários é uma demonstração que a circulação do novo coronavírus persiste no país e que há de se ter cuidado com “declarações perigosas” que arriscam desestimular a mobilização social em relação às medidas de combate ao vírus.

No dia 3 de junho, data em que os italianos puderam voltar a circular pelas regiões do país e as fronteiras foram abertas para os países da União Europeia, o Ministério da Saúde italiano publicou um comunicado alertando que “a batalha ainda não foi vencida”. Segundo o ministro da Saúde, Roberto Speranza, que recomendou atenção e cautela aos italianos e destacou o sacrifício dos italianos no combate à doença, “o vírus ainda é muito perigoso”.

O Comprova tentou entrar em contato com o Conselho Superior de Saúde por e-mail, mas não obteve resposta.

No rastro do conteúdo

O vídeo divulgado na plataforma br.didiadidia em 1º de junho não fornece informações sobre quem faz o upload do material. A cada atualização da página, o nome do perfil de quem subiu o conteúdo muda, embora a foto permaneça a mesma. O Comprova chegou a ver três usuários diferentes como os responsáveis pelo envio: Guzz, Bárbara e Luuan. Em cada um deles, a quantidade de visualizações do vídeo é diferente. Ou seja: a cada atualização da página, os números são modificados, para mais ou até para menos, e tornam difícil descobrir se algum deles é verdadeiro.

Ao clicar no perfil, seja ele em qualquer um dos nomes, o usuário é direcionado para outra página, chamada Canal Quadrado TV 163 Artigo. A interface é similar à apresentada por canais do YouTube, embora não exista opção de clicar em nada e nem lista de uploads recentes.

Sem registro do domínio do portal no ICANN, o Comprova não encontrou o responsável pela plataforma. O vídeo foi deletado no dia 3 de junho.

O site “Plantão ao Vivo” publicou em 1º de junho um texto com as mesmas informações e uma das telas no vídeo — embora não tenha publicado o vídeo em si. Para contatar a equipe do portal, o Comprova pesquisou no Whois o domínio da página e confirmou o e-mail no cadastro da Receita Federal.

O Comprova questionou no e-mail enviado ao responsável pela página de onde a informação havia sido retirada. Em resposta, o proprietário disse que havia “repassado o portal” e que o site não era mais de sua responsabilidade. Ele também encaminhou o e-mail do novo responsável, a quem o Comprova procurou pelo correio eletrônico. Não houve retorno até a publicação da reportagem.

Nas redes sociais

As entrevistas de Zangrillo e Bassetti foram amplamente repercutidas pela mídia internacional, sem se restringir apenas aos veículos italianos. No entanto, o link para o vídeo que cita a suposta chancela do Conselho Superior de Saúde foi republicado em quatro páginas do Facebook, três delas com mais de um milhão de seguidores. Todas as postagens datam do dia 1º de junho.

As quatro páginas do Facebook mantém posts com mensagens de bom dia, piadas de cotidiano, orações e postagens de cunho religioso, além de links para notícias de portais desconhecidos. Não há questionamentos sobre a veracidade do conteúdo. Os comentários, em sua maioria, são de pessoas agradecendo as “boas notícias”.

Duas páginas deletaram o conteúdo em 3 de junho. As outras duas o mantiveram no ar. Apesar da grande quantidade de seguidores, as postagens renderam algumas centenas de compartilhamentos, conforme apresentado mais para frente na sessão “Alcance”, que finaliza este texto.

Contexto

As declarações de Zangrillo e Bassetti surgem no momento de retomada das atividades na Itália e em outros países da Europa. órgãos ligados ao Ministério da Saúde italiano demonstram preocupação com a possibilidade de uma segunda onda de contágios, que possa novamente comprometer o sistema de saúde do país e obrigar os italianos retrocederem ao isolamento social mais restritivo.

Alguns países da Europa, como a Áustria e Grécia, anunciaram restrições à entrada de turistas italianos em seu território devido ao fato de o país ter sido fortemente atingido pela pandemia. Em resposta às barreiras, Luigi di Maio, ministro das Relações Exteriores da Itália, declarou que o país não é composto “por leprosos” e cobrou da União Europeia a reabertura das fronteiras.

O país havia decretado uma quarentena ampla em março deste ano. No mesmo mês, a Itália ultrapassou a China em óbitos e tornou-se o país com maior quantidade de mortes pelo novo coronavírus em todo o mundo. A marca foi superada em abril pelos Estados Unidos.

Apesar de ser o terceiro no mundo com mais mortes pela covid-19 (até 4 de junho foram 33.689 óbitos, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins), só nesta semana ocorreram duas marchas em protestos às medidas adotadas para conter o avanço da doença no país. Um dos atos chegou a negar a existência da pandemia. Já o outro, realizado durante a Festa da República, teve manifestações do partido de extrema-direita La Lega, contrário ao premier Giuseppe Conte.

No protesto da La Lega, o ex-ministro do Interior e nome forte do partido, Matteo Salvini, chegou a citar as entrevistas de Zangrillo e Bassetti para justificar as aglomerações nas ruas e a falta de cuidados com medidas de proteção. “Eu tenho uma máscara mas especialistas dizem que o vírus está morrendo”, declarou ele.

Alcance

Somadas as postagens das quatro páginas do Facebook, o link chegou a 1.114 compartilhamentos até o dia 4 de junho — 687 foram publicações já apagadas. Não foi encontrada nenhuma menção ao vídeo no Twitter.

As alegações dos médicos, apesar de proferidas pelos profissionais, foram contextualizadas por veículos como El País e UOL.

Saúde

Investigado por: 2020-06-01

É falso que o número de casos de covid-19 seja menor que o oficial

  • Falso
Falso
Ao contrário do que diz apresentador de canal no Youtube, as mortes confirmadas pelo novo coronavírus só entram na estatística após o resultado positivo do teste

Um vídeo publicado no YouTube afirma que o número de mortes por covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, é menor do que o divulgado pelas autoridades brasileiras. O autor do conteúdo atribui a informação a uma reportagem da Record TV que teria revelado a “fraude” e também o registro de mortes por pneumonia como sendo de covid-19. As afirmações são, no entanto, falsas. As mortes confirmadas pelo novo coronavírus só entram na estatística após o resultado positivo do teste.

O vídeo foi publicado em 25 de maio no canal de Youtube “Giro de Notícias” por um homem chamado Alberto Silva, que se identifica como apresentador. Nas redes sociais e no próprio YouTube, Silva diz ter um canal de “jornalismo independente”. Com 1,15 milhão de inscritos, o canal faz críticas ao STF, defende o presidente da República, Jair Bolsonaro, e a intervenção militar.

Uma matéria do jornal O Globo, publicada neste domingo (31), mostra que o canal Giro de Notícias é um dos veículos conhecidos por divulgar notícias falsas abastecidos por verbas publicitárias de estatais. O canal, inclusive, foi o que mais veiculou anúncios da Petrobras, com 10.027 anúncios. O youtuber faturou em dose dupla com a Eletrobras. O “Giro de Notícias” veiculou 2.355 anúncios da estatal. Já seu canal pessoal, “Alberto Silva”, recebeu 1.950.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos que tenham grande repercussão nas redes sociais. No caso da pandemia, conteúdos falsos ou enganosos têm o potencial de provocar prejuízos à saúde de pessoas e à saúde pública, por incentivarem comportamentos danosos.

Este vídeo se insere em um grupo de conteúdos que tem como objetivo minimizar a extensão da pandemia e, portanto, a gravidade da situação pela qual passa o mundo e, em particular, o Brasil.

Quando da chegada da pandemia ao país, em março, o presidente Jair Bolsonaro fez diversos comentários que tinham o objetivo de minimizar os efeitos do novo coronavírus. Desde então, páginas e perfis de apoiadores têm insistido nessa estratégia. Recentemente, o Comprova verificou conteúdos que, de maneira falsa ou enganosa, tentavam reduzir o impacto da pandemia usando números de mortes registradas em cartório, de sepultamentos em um cemitério de São Paulo e o resultado de autópsias na Itália.

Como verificamos?

O Comprova entrou em contato com Alberto Silva pelo número de telefone divulgado no vídeo. Em três tentativas por WhatsApp, foi solicitado o link da reportagem da Record TV à qual ele se referia. O apresentador não respondeu às mensagens e ligação.

Além disso, o Comprova buscou, sem sucesso, reportagens da Record TV disponíveis no site da emissora que trouxessem alguma referência a uma “farsa” nos números das mortes por covid-19. A Record TV também foi procurada, mas não se pronunciou.

Procuramos também o Ministério da Saúde para entender como funciona a confirmação de casos e mortes por covid-19, com a intenção de entender as diretrizes e protocolos.

Por fim, foram entrevistados dois pneumologistas para explicar a relação da pneumonia com a covid-19.

Verificação

No vídeo verificado, Alberto Silva diz que uma reportagem da Record TV teria denunciado uma fraude na contagem de mortos por covid-19 no Brasil. Segundo ele, nem toda pessoa cujo óbito entra para as estatísticas da doença morreu devido ao novo coronavírus. Silva, inclusive, insinua que todas as mortes por pneumonia estariam sendo diagnosticadas como covid-19.

“A pessoa tem um infarto, covid-19, a pessoa cai de um andaime, covid-19, a pessoa é atropelada, covid-19. A reportagem mostrou então que o nosso pico de informações pode ser possivelmente que não seja nem a metade do que eles estão anunciando. Estamos na casa de 22, 23 mil pessoas falecidas pelo covid-19, mas se forem descartadas as pessoas que não testaram, a gente não chega nem a 5 mil”, afirma Alberto no vídeo.

Durante a apresentação, Silva afirma que não poderia compartilhar o link da reportagem porque poderia ser banido do YouTube. Assim, o Comprova entrou em contato com ele solicitando o link da reportagem. Silva visualizou a mensagem, mas não respondeu.

O Ministério da Saúde, por sua vez, contesta a alegação. A pasta informou, por nota, que os números divulgados diariamente de casos e óbitos por covid-19 são informados pelos estados ao ministério por meio do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe). Os casos de óbitos são confirmados pelo teste RT-PCR realizado nos pacientes antes do óbito. Até domingo (31), o Brasil registrava 29.314 mortes confirmadas.

A pasta esclareceu ainda que os dados de óbitos em investigação são os casos de pacientes que fizeram o teste e, até a data do óbito, não tinham resultado confirmado ou foram diagnosticados por critérios clínicos epidemiológicos. Após o óbito, esses casos continuam a ser investigados para confirmar a causa da morte.

A Record TV também foi procurada para comentar o vídeo, mas até o fechamento desta verificação, na sexta-feira (29), não havia respondido.

A secretaria de Estado de Saúde de São Paulo também informou, por nota, que a confirmação da morte ocorre apenas se o teste de PCR comprovar a infecção pelo novo coronavírus, com diagnóstico por laboratórios já validados na rede de saúde.

Covid-19 e pneumonia

No vídeo verificado, o apresentador afirma que pessoas diagnosticadas com pneumonia estariam sendo registradas como doentes por covid-19. O Comprova decidiu, então, verificar a relação entre as doenças.

Um dos principais fatores de morte por covid-19 é a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Essa complicação também é observada em pacientes com pneumonia. De acordo com especialistas, a pneumonia é uma inflamação no pulmão que pode ser causada tanto por vírus quanto por bactérias.

O médico pneumologista Valderio do Valle Dettoni, professor de medicina da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), explica que a covid-19 pode ocasionar um quadro de pneumonia, mas não é a única doença capaz de fazer isso porque há outros vírus e bactérias com a mesma capacidade. Dettoni esclareceu, ainda, que nem todas as pessoas com o novo coronavírus irão desenvolver a inflamação no pulmão.

“Tem muita gente com o novo coronavírus no organismo que não vai apresentar sintomas ou a doença poderá vir de forma leve”, disse ele. “A pneumonia é uma inflamação no pulmão, a complicação do quadro é que pode levar à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), causadora da maioria das mortes por covid-19”, explica.

A pneumologista Karina Tavares Oliveira, médica da Unimed no Espírito Santo, acrescenta que a covid-19 também pode levar à morte por outros motivos. “A pessoa pode desenvolver a pneumonia e, com um pouco mais de tempo, consegue resolver a infecção no pulmão. Entretanto, o agravamento da doença pode desenvolver outras comorbidades causadoras da morte, ou seja, a pneumonia não será a fonte primária”, destacou.

Contexto

O vídeo foi publicado em um momento de contínua tensão política no Brasil sobre a covid-19. Como destacado anteriormente, o presidente Jair Bolsonaro, defensor do retorno à normalidade, vem tentando minimizar a pandemia do novo coronavírus, assim como muitos de seus apoiadores. Na mais famosa declaração com este teor, Bolsonaro afirmou que a covid-19 era uma gripezinha.

Bolsonaro quer a retomada de todas as atividades econômicas no país. Essa visão contraria as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, para países sem capacidade de testar, rastrear e isolar as pessoas com covid-19, recomenda políticas de distanciamento social para evitar a disseminação do novo coronavírus e, consequentemente, o aumento do número de casos da covid-19.

Por outro lado, os governos estaduais mantêm o isolamento em seus territórios, mesmo trabalhando para reabrir determinados setores. De acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em casos de saúde pública, como a pandemia de covid-19, não há hierarquia entre os entes da federação. Ou seja, um decreto federal não vale mais que um estadual. Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes criticou a falta de atuação do governo federal na coordenação do combate à pandemia.

Alcance

O vídeo publicado no YouTube no dia 25 de maio teve mais de 220 mil visualizações até sexta-feira (29). Já no Facebook, o conteúdo teve 9,3 mil curtidas e 6,1 mil compartilhamentos, tendo sido comentado por mais de 900 pessoas.

Saúde

Investigado por: 2020-05-29

Vídeo distorce informações sobre o uso da cloroquina para a covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Em vídeo compartilhado nas redes sociais, um homem sem formação na área de saúde exagera a eficácia da cloroquina e minimiza seus efeitos colaterais e diz que as notícias sobre esses efeitos fazem parte de uma luta contra o presidente da República

É enganoso um vídeo que circula nas redes sociais e atribui notícias sobre os efeitos colaterais da cloroquina e da hidroxicloroquina a uma “luta contra o presidente Jair Bolsonaro”. Na realidade, os alertas sobre a utilização dessas substâncias contra a covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, têm como base o fato de não existirem provas da eficácia da substância para tratar a doença. Como a cloroquina e a hidroxicloroquina podem gerar efeitos colaterais graves, autoridades sanitárias têm enfatizado os riscos de utilizá-las.

No vídeo, um homem apresenta uma lista de efeitos colaterais de um remédio e, em seguida, diz ao espectador não se tratar de algo retirado da bula da hidroxicloroquina, mas sim da Novalgina, um dos nomes comerciais da dipirona sódica, medicamento destinado ao tratamento de dores e à redução da febre.

O homem no vídeo acerta ao dizer que a cloroquina é usada contra a malária há 70 anos, mas engana ao insuflar sua eficácia e ao minimizar seus efeitos colaterais, o que pode causar danos à saúde de quem acreditar no que é dito no vídeo.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos que tenham muita viralização e repercussão nas redes sociais sobre a pandemia. O vídeo em questão se insere no contexto da disputa iniciada pelo presidente Jair Bolsonaro acerca do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina como tratamento para a covid-19.

Assim como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Bolsonaro insiste na adoção dessas substâncias apesar da ausência de dados técnicos ou científicos que comprovem a afirmação. Além disso, os efeitos colaterais dessas substâncias podem ser graves, o que torna sua utilização arriscada em se tratando de uma doença para a qual elas não têm eficácia atestada.

Para o Comprova, o conteúdo enganoso é aquele que foi retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Foram realizadas pesquisas no Google, nas redes sociais Facebook e Instagram, resgatando informações sobre os envolvidos no vídeo, e buscas de artigos científicos no Brasil e pelo mundo, além de reportagens nacionais e internacionais. O Comprova também levantou documentos, recomendações e orientações das principais associações, instituições profissionais e científicas que discutem técnica e cientificamente o assunto.

Os envolvidos na produção do vídeo foram entrevistados por e-mail, telefone e aplicativo de mensagens WhatsApp.

Verificação

Um dos responsáveis pelo vídeo, que aparece em frente à câmera, é identificado como José Renato Castro. Com uma simples busca no Google, o Comprova identificou essa pessoa. Ele é um ator, produtor cultural e musical que fez sucesso nos anos 1990, como integrante da dupla musical e humorística “Rosa e Rosinha”. Castro atua como o cantor “Rosa” desde 1993.

José Renato diz que sentiu necessidade de se “afirmar politicamente” no vídeo devido à baixa qualidade das informações na internet. Ele afirmou querer alertar as pessoas que o uso de qualquer medicamento tem contraindicações e pode ser perigoso. A ideia “era falar sobre coisas verdadeiras” e, por isso, fez a parceria com seu amigo, o escritor Leo Reis, porque gosta dos textos produzidos por ele.

Leo Reis é o corresponsável pelo vídeo. Eles foram parceiros musicais na dupla musical Rosa e Rosinha. Reis também foi médico da família de José Renato Castro. Ele afirma ser escritor, músico e compositor e explica que é formado em medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ao longo da carreira, foi dono de hospital, cirurgião, clínico geral e atuou na Amazônia tratando pacientes com malária usando a cloroquina. Há 20 anos trabalha como médico de diagnósticos por imagem.

Tanto José Renato quanto Leo Reis acreditam que a hidroxicloroquina e a cloroquina têm efeito contra o novo coronavírus quando combinada com outros tratamentos, como a azitromicina, zinco ou a aplicação de plasma sanguíneo. José Renato admite, no entanto, que as substâncias não são a cura para a covid-19, mas diz acreditar que são um “fio de esperança”.

Ambos ressaltaram ao Comprova a defesa do uso da medicação alegando ter amigos e colegas que fizeram uso das drogas com resultados positivos. Como o Comprova informou em outras verificações, experiências pessoais compartilhadas como verdade absoluta, sem pesquisa adequada e comprovação científica, podem causar danos.

Leo Reis acrescenta ainda que o remédio só deve ser receitado na “primeira fase” da covid-19, “antes que os pulmões sejam atingidos”. Depois disso, o medicamento não teria mais efeito. Como também o Comprova já mostrou, não há evidência científica sobre a capacidade de nenhuma medicação impedir a evolução para a fase inflamatória da doença.

Cloroquina e covid-19

Ao incentivar o uso da hidroxicloroquina, o vídeo engana os espectadores e pode levá-los a ter problemas de saúde para além da covid-19. No Brasil, desde o início da pandemia, diversas entidades fizeram alertas (ver abaixo) a respeito da falta de estudos sobre a eficácia da hidroxicloroquina e de seus potenciais efeitos colaterais.

Originalmente, o Comprova destacou neste espaço um estudo publicado na revista The Lancet com 96 mil pacientes, que desqualificou a hidroxicloroquina como tratamento eficaz para a doença provocada pelo novo coronavírus e concluiu que a substância estaria relacionada a um aumento no risco de morte por problemas cardíacos.

A pesquisa em questão promoveu o cancelamento de diversos ensaios clínicos envolvendo a hidroxicloroquina no mundo, mas dias depois a própria revista The Lancet disse que “sérias questões científicas” foram trazidas à sua atenção sobre a validade dos dados apresentados. Antes, a publicação havia corrigido dados de localização de alguns pacientes após críticas à sua metodologia, mas sem alterar as conclusões.

Em 3 de junho, a Organização Mundial de Saúde retomou os testes com a hidroxicloroquina, destacando que isso não significa uma recomendação de uso, pois mais estudos são necessários para averiguar a eficácia contra a covid-19. Em 4 de junho, os responsáveis pelo estudo publicado na The Lancet pediram uma retratação, o que implicou na despublicação da pesquisa do site da revista.

[Atualização em 4 de junho de 2020: os três parágrafos foram editados após a divulgação de questionamentos acerca do estudo citado]

Os protocolos do Ministério da Saúde

No Brasil, o uso da hidroxicloroquina para tratar a covid-19 é regulado pelo Ministério da Saúde.

Em uma nota técnica de 27 de março, a pasta sugeriu, em seu primeiro protocolo sobre o tema, o uso da cloroquina para covid-19. É necessário que o paciente declare ciência dos efeitos colaterais do remédio. Na ocasião, o documento determinava que a substância deveria ser utilizada pelos médicos no tratamento apenas de pacientes graves e hospitalizados diagnosticados com a doença provocada pelo novo coronavírus. O protocolo reforçava que tanto a cloroquina quanto a hidroxicloroquina não eram indicadas para prevenir a doença nem tratar casos leves.

Dois meses depois, em 20 de maio, o ministério publicou novas recomendações para ampliar o acesso ao medicamento por pacientes com covid-19. Desde então, o uso pode ser feito também por pacientes com sintomas leves, desde que no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O tratamento pode variar conforme os sintomas e a saúde do paciente e o acesso ao medicamento só pode ser feito por prescrição médica, com a concordância por escrito do paciente para o uso da medicação.

O uso da cloroquina

O vídeo acerta apenas ao afirmar que a cloroquina é usada contra a malária na região amazônica há 70 anos. Ocorre que, neste caso, há estudos que comprovam a eficácia da substância, ao contrário do que se pode constatar no caso da covid-19.

A cloroquina foi descoberta em 1934, mas de início foi avaliada como uma droga muito tóxica e acabou rejeitada. Novos estudos realizados nos Estados Unidos e na Austrália mostraram que variações do medicamento eram possíveis para o tratamento de doenças, desde que a dose fosse ajustada. Em 1945, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou a cloroquina para o tratamento da malária. O medicamento foi distribuído em massa na região amazônica e outras regiões do mundo com alta predominância de casos.

Farmacêuticos e a cloroquina

O vídeo engana, também, ao destacar que a cloroquina ou a hidroxicloroquina podem ser indicadas por farmacêuticos. No caso da covid-19, entidades que reúnem farmacêuticos têm feito alertas importantes a respeito disso.

O Conselho Federal de Farmácia (CFF) publicou um texto em seu portal, no dia 31 de março, explicando que o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina “não evita que pessoas fiquem doentes por coronavírus e, por isso, não devem ser usados para prevenir a covid-19”. No mesmo texto, o CFF ressalta que ainda não há um estudo definitivo e que o “uso se justifica apenas com prescrição e supervisão médica, com acompanhamento de profissionais de saúde, dentro de hospitais, como parte de um protocolo de pesquisa”.

O Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), por sua vez, publicou em 18 de maio uma nota técnica com diversos alertas à classe. O documento ressalta que, diante das orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS); da Lei 13.021/2014 sobre o uso racional de medicamentos; do código de ética do Conselho Federal de Farmácia (CFF); e de uma resolução do CFF de 2001, o farmacêutico só deve liberar a “cloroquina e outros medicamentos utilizados para a covid-19” diante da apresentação da “prescrição médica, ainda que não seja medicamento sob regime especial de controle”.

Contexto

Desde março, o presidente da República, Jair Bolsonaro, tornou-se um dos principais defensores do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19, mesmo sem confirmações científicas e após o apoio e recuo de líderes estrangeiros, como Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Por várias vezes, Bolsonaro defendeu o uso do medicamento em coletivas de imprensa, vídeos e textos publicados nas redes sociais e até mesmo em pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão.

A insistência no medicamento já provocou a saída de dois ministros da Saúde durante a pandemia do coronavírus – Henrique Mandetta e Nelson Teich. Ambos discordavam da indicação do presidente da República. O segundo protocolo do Ministério da Saúde, citado acima, só foi publicado após o general Eduardo Pazuello assumir interinamente a pasta.

Com a defesa do presidente ao medicamento, muitos apoiadores, entre eles seus filhos, como o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, atacaram adversários, como o governador de São Paulo, João Doria, para apoiar o uso da cloroquina.

A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), a Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a Associação de Medicina Intensiva Brasileria (AMIB), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e a Associação Médica Brasileira (AMB) são algumas das organizações científicas e profissionais que publicaram orientações e recomendações reforçando que ainda não há evidências que comprovem a eficácia do medicamento, e que sua eventual aplicação seja feita conforme a situação ou protocolo determinado.

Alcance

O Comprova verificou que vídeo original foi publicado na página do Facebook de José Renato Castro no dia 19 de maio. Até 25 de maio, já foi visualizado mais de 90 mil vezes, com 74 comentários, 745 reações e mais de 5 mil compartilhamentos. No Instagram, o vídeo também já foi visualizado mais de 2 mil vezes.

 

Saúde

Investigado por: 2020-05-29

Boato usa frase de Doria para levantar dúvidas sobre a extensão da pandemia

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte usa o a lista de membros da ONU, 193, para sugerir que o governador de São Paulo exagera os números de países afetados pela pandemia. Dória afirmou que 213 países enfrentam a pandemia de covid-19 em entrevista à Band TV. São, na realidade, 214 países e territórios afetados, segundo a OMS

Publicação com grande circulação no Twitter sugere que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), inventou o número de países afetados pela pandemia do novo coronavírus em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, da Rede Bandeirantes. O boato afirma que o político teria citado 215, quando o número de países no mundo é de 193. A informação, no entanto, é enganosa.

De fato, Doria erra ao falar sobre o cenário da pandemia no programa Brasil Urgente, em 11 de maio — mas o número não aparenta ser invenção. Na verdade, está bastante próximo à quantidade de áreas com casos confirmados de covid-19 até aquele momento, com base em dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A entrevista está no Canal do Datena no YouTube e foi transmitida ao vivo na Band TV. O trecho citado pelas publicações no Twitter pode ser visto a partir de 8 minutos e 20 segundos de vídeo. Doria fala, primeiro, em 212 países enfrentando a pandemia, depois corrige o número para 213.

“A pandemia é mundial, ela afeta o mundo: 213 países, neste momento, Datena, estão enfrentando a pandemia, estão perdendo vidas”, afirma o governador de São Paulo.

A informação é imprecisa porque Doria relata casos do novo coronavírus em 213 países, quando a referência só é possível de ser feita quando somam-se tanto os países de reconhecimento pleno quanto outros tipos de território no mundo.

Ainda assim, o número atualizado em 11 de maio, segundo a base da dados da OMS, era de 214 áreas com casos confirmados de covid-19. Desses, 180 eram países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) e 34 eram territórios dependentes e países de reconhecimento limitado, entre outros.

Quanto ao número real de países, a principal referência para o dado é a lista de membros da ONU, com 193. A quantidade de nações permanece inalterada desde 2011. Esse também é o número que consta nas postagens do Twitter.

Porém, mesmo essa informação é questionável em razão de disputas políticas em andamento. Taiwan e Kosovo, por exemplo, são considerados países de reconhecimento parcial, o que significa dizer que algumas nações as entendem como estados soberanos e outras, não. A ONU também conta com dois “estados observadores” em suas reuniões, Vaticano e Palestina. Esses quatro já aumentariam as nações para 197.

O post mais antigo no Twitter com a descrição foi publicado no dia 26 de maio pelo perfil @Thacloroquina, de acordo com a plataforma de monitoramento CrowdTangle. A autora se descreve como “católica, conservadora, anti-esquerda e robô do Bolsonaro com CPF”. A mensagem também aumenta o número dito por Doria na entrevista para 215, o que é incorreto.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos que circulam nas redes sociais e alcançam grande audiência.

Além disso, conteúdos que questionam a gravidade da pandemia são potencialmente prejudiciais à população. Ao acreditar em informações enganosas que desacreditam a crise mundial de saúde, as pessoas podem decidir tomar menos precauções, ficando assim expostas mais facilmente a uma doença que ainda não tem cura conhecida.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Com base no texto do tuíte, o Comprova pesquisou sobre entrevistas recentes do governador João Doria ao jornalista José Luiz Datena. A reportagem encontrou trecho semelhante à descrição no vídeo “Lockdown não está descartado em SP, diz Doria em entrevista a Datena”, publicado no Canal do Datena no YouTube, referente à transmissão do programa Brasil Urgente, na Band TV, em 11 de maio.

A seguir, o Comprova consultou a base de dados aberta da Organização Mundial da Saúde (OMS) para descobrir a quantidade de países e territórios com casos de covid-19 registrados até a data da entrevista. Por meio de um editor de planilhas, a reportagem filtrou os casos acumulados até o dia 11 de maio e elaborou uma lista por localidade informada.

Finalmente, a reportagem procurou em notícias, artigos e outras fontes confiáveis a quantidade real de países no mundo. Entre os conteúdos, estava a lista de países membros da ONU informando o número alegado pela publicação, 193. As informações, então, foram comparadas com a planilha de casos registrados pela OMS. As localidades que não constavam na lista das Nações Unidas foram pesquisadas individualmente.

Verificação

O governador de São Paulo, João Doria, realmente fez uma declaração semelhante à apontada pelo boato em entrevista ao jornalista José Luiz Datena em 11 de maio, durante o programa Brasil Urgente, da Band TV.

Doria respondia se estava perto ou não de tomar a decisão pelo lockdown em São Paulo e qual deveria ser a prioridade do governo durante a crise de saúde. O trecho sobre a situação da covid-19 no mundo aparece logo depois de o governador afirmar que não colocaria a economia “à frente da vida” e que o adversário não era a quarentena, mas a pandemia. Ele cita outros países do mundo para argumentar que as dificuldades econômicas não eram exclusividade de São Paulo.

Doria falou, primeiro, em 212 países enfrentando a pandemia e depois alterou a informação. “A pandemia é mundial, ela afeta o mundo: 213 países, neste momento, Datena, estão enfrentando a pandemia, estão perdendo vidas”, disse o político. “Não é um tema local, não é um tema regional, não é um tema nacional — é um tema mundial”. A entrevista também contém diversas críticas ao presidente Jair Bolsonaro.

Quantos países existem no mundo?

A principal referência para o dado é a lista de países-membros das Nações Unidas, organização internacional fundada em 1945. Atualmente, a lista conta com 193 países, entre eles o Brasil. Ela permanece inalterada desde 2011, com a entrada do Sudão do Sul. Entretanto, essa informação não é absoluta, em razão dos conflitos e disputas políticas que ocorrem hoje.

Em entrevista à BBC, publicada pelo portal G1, o especialista em geografia história e política da Universidade de Leeds, na Inglaterra, Martin Purvis, disse que a existência de um país depende do contexto político. Purvis explica que, para ser considerada um país, uma região precisa ter um território definido; ser habitada com algum grau de permanência; ter instituições políticas e governo próprios; ter a independência reconhecida por outros estados soberanos; e interagir diplomaticamente. Dessa forma, existem diversos territórios que ficam no meio termo: é o caso daqueles que declararam independência e funcionam, em grande parte, como países, mas não tiveram a soberania reconhecida pela comunidade internacional.

O que diz a base de dados da OMS?

De acordo com os dados abertos da Organização Mundial da Saúde (OMS), 214 países, territórios e áreas tinham registros de casos confirmados do novo coronavírus em 11 de maio de 2020, quando o número de infectados era de 4 milhões de pessoas no planeta. Desses, 180 eram países membros da ONU e 34 eram territórios dependentes e países de reconhecimento parcial, entre outros.

A OMS faz a contagem, separadamente, de uma série de arquipélagos e ilhas que pertencem a países como Reino Unido, Países Baixos, França, Dinamarca e Estados Unidos, por exemplo. Apenas o Caribe, região localizada na costa do continente americano, concentra 16 delas, todas com casos de covid-19: Anguilla, Aruba, Bermudas, Ilhas Cayman, Curaçao, Guadalupe, Martinica, Montserrat, Países Baixos Caribenhos, Porto Rico, São Bartolomeu, São Martinho Francês, São Martinho Neerlandês, Ilhas Turcas e Caicos, Ilhas Virgens Britânicas e Ilhas Virgens Americanas.

Os dois estados observadores da ONU — a Palestina, estado que reivindica a soberania sobre territórios no Oriente Médio, e o Vaticano, cidade-estado cercada por Roma, na Itália, e sede da Igreja Católica — também apresentam informações próprias. O mesmo acontece com Kosovo, país de reconhecimento limitado localizado na região dos Bálcãs, na Europa. Por outro lado, Taiwan — considerada província pelo governo chinês, mas que chegou a fazer parte da ONU até a década de 1970 —, é integrada à China pela OMS. Outras bases de dados, como a da Universidade Johns Hopkins, contabilizam Taiwan de forma separada.

Os demais territórios na base de dados da OMS são Ilhas Falkland (Malvinas), Ilhas Faroé, Guiana Francesa, Polinésia Francesa, Gibraltar, Groenlândia, Guam, Guernsey, Ilha de Man, Jersey, Mayotte, Nova Caledônia, Ilhas Marianas do Norte, Ilha da Reunião e Saint-Pierre e Miquelon. A contagem também informa os casos acumulados em transporte internacional no navio de cruzeiro Diamond Princess, registrados entre fevereiro e março, no total de 712.

Atualmente, o número de países afetados é de 181, com o primeiro caso em Lesoto confirmado em 14 de maio. Ao todo, foram confirmados 5,5 milhões de casos de covid-19 no mundo até quarta-feira, 27, segundo dados da OMS. Apenas 12 países da ONU não haviam divulgado casos da doença até esse dia: Coréia do Norte, Ilhas Marshall, Ilhas Salomão, Kiribati, Micronésia, Nauru, Palau, Samoa, Tonga, Turcomenistão, Tuvalu e Vanuatu. De acordo com informações da Reuters, outros 20 territórios também passam ilesos pela pandemia.

Em seus boletins diários, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reúne as localidades em uma coluna denominada “países, territórios e áreas”. Abaixo das informações, a instituição esclarece que “as designações empregadas e a apresentação desses materiais não implicam a expressão de qualquer opinião da OMS sobre o status legal de qualquer país, território ou área ou de suas autoridades, ou ainda sobre a delimitação de suas fronteiras e limites.”

Contexto

São Paulo é o epicentro do novo coronavírus no Brasil, com o maior número de casos confirmados e de mortes por covid-19 — eram 6.712 óbitos e 89.483 pessoas infectadas até quarta-feira, 27. Outro dado preocupante é a taxa de ocupação dos leitos de terapia intensiva na região metropolitana da capital, que está em 91%, de acordo com estatísticas oficiais do estado.

Diante do cenário, o governador João Doria adotou uma série de medidas para conter a disseminação do vírus, como o fechamento de estabelecimentos não essenciais ainda em março, como forma de reduzir a pressão sobre o sistema de saúde. Doria também vinha afirmando que não descarta estabelecer o lockdown, medida mais dura de controle sobre a circulação de pessoas e a operação de estabelecimentos comerciais, em algumas localidades, mas acabou anunciando um plano de flexibilização, incluindo abertura de shoppings e lojas na capital paulista, nesta semana.

Esse discurso é contrário ao que defende o presidente da República, Jair Bolsonaro, com quem Doria rompeu politicamente meses depois da aliança “Bolsodoria” no segundo turno das eleições de 2018. Durante a crise do novo coronavírus, a rivalidade ganhou maiores proporções. O governador de São Paulo chegou a afirmar que o presidente “despreza vidas” e deveria começar “a ser um líder, se for capaz”.

Bolsonaro, por outro lado, acusa Doria de usar a crise como palanque para as eleições de 2022. O presidente chamou o governador de São Paulo de “bosta” em reunião ministerial tornada pública por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e que foi analisada em meio ao inquérito que apura interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal.

Alcance

A mensagem circula no Twitter e no Facebook desde 26 de maio e teve mais de 8,6 mil curtidas e 1,6 mil compartilhamentos até a tarde desta quinta-feira, 28, de acordo com a plataforma de monitoramento de redes sociais CrowdTangle.

Saúde

Investigado por: 2020-05-26

Vídeo “Plandemic” faz afirmações falsas sobre a COVID-19

  • Falso
Falso
“Plandemic” consiste em uma entrevista com a controversa pesquisadora Judy Mikovits, que reproduz informações erradas sobre a covid-19 e faz acusações sem provas de uma conspiração em torno da pandemia

Apesar de ter sido retirado de sites como YouTube, Facebook e Vimeo por oferecer conselhos de saúde infundados, um vídeo de mais de 25 minutos repleto de alegações falsas sobre o novo coronavírus continua a circular online em plataformas de vídeo menos conhecidas. O vídeo “Plandemic” consiste em uma entrevista com a controversa pesquisadora Judy Mikovits, que reproduz informações erradas sobre a covid-19 e faz acusações sem provas de uma conspiração em torno da pandemia.

Uma versão do vídeo com legendas em português acumulou mais de 901 mil visualizações ao longo de 18 dias. O filme foi produzido pela produtora californiana Elevate, dirigida pelo ex-modelo Mikki Willis, que também aparece no vídeo como entrevistador. Ele tem mais de 30 mil inscritos em seu canal de YouTube, onde publica conteúdo conspiratório. Em um vídeo, divulga a teoria sem provas de que o novo coronavírus teria sido vazado de um laboratório.

A doutora Mikovits teve seu trabalho desacreditado em 2011, depois que a revista científica Science teve de publicar uma retratação sobre um estudo a respeito da síndrome da fadiga crônica. A pesquisa havia sido publicada em 2009, e ao longo dos dois anos seguintes os resultados foram questionados por outros pesquisadores, que não conseguiram replicar a experiência descrita por Mikovits e outros coautores.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos que circulam nas plataformas de redes sociais e em aplicativos de mensagens e que alcançam uma grande audiência e muitas interações.

O vídeo “Plandemic” foi colocado em suspeição, teve parte de seu conteúdo desmentido por diversas organizações internacionais de checagem e banido de plataformas como YouTube, Facebook e Vimeo. O Comprova optou por publicar também uma verificação ao encontrar em uma plataforma de vídeo uma versão legendada em português e com cerca de 900 mil visualizações.

Além disso, o vídeo propaga ideias de uma pesquisadora controversa e que questiona temas sensíveis para a saúde como a eficácia das vacinas, a natureza do vírus, o uso de medidas protetivas e recomendação de uso de medicamentos cuja eficiência é questionada pelas autoridades de saúde.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

O Comprova usou nesta verificação conteúdos investigados previamente pela AFP, que faz parte do projeto, consultou artigos já publicados pela imprensa sobre o caso Plandemic e conteúdos de outras verificações feitas pelo projeto. Os links de referência estão disponíveis no texto abaixo.

A AFP entrevistou o pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet, na sigla em espanhol) Juan Manuel Carballeda, especializado em Virologia Molecular e a médica Kathleen Montgomery, patologista da Universidade de Vanderbilt.

Verificação

Quem é Judy Mikovits?

De acordo com a revista Science, Mikovits começou a carreira como técnica de laboratório no Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos (NCI, na sigla em inglês) em 1988. Sua formação acadêmica inclui um PhD em bioquímica e biologia molecular pela Universidade George Washington. Sua tese para conclusão do PhD de fato foi sobre HIV, como afirma o vídeo “Plandemic” — no entanto, a publicação não teve qualquer impacto sobre o tratamento da Aids.

A Science também mostrou que não há evidências de que Mikovits tenha participado da equipe do NCI que isolou o vírus HIV em 1984. Em “Plandemic”, a cientista acusa o doutor Anthony Fauci, atual diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (NIAID, na sigla em inglês), de ter adiado a publicação de pesquisas sobre a Aids. Judy não fornece qualquer prova para a acusação e não existe qualquer indício de que seja verdade.

Em 2009, ano em que publicou o desacreditado estudo sobre síndrome de fadiga crônica, Mikovits era diretora de pesquisa no Instituto Whittemore Peterson (WPI, na sigla em inglês). Ao contrário do que alega o vídeo “Plandemic”, o estudo publicado na Science não mostrava que uso de tecidos fetais causava doenças crônicas. Na realidade, a pesquisa sugeria que um vírus derivado de ratos, chamado XMRV, era a causa da síndrome de fadiga crônica.

Posteriormente, outros pesquisadores mostraram que o vírus tinha sido criado acidentalmente em laboratório e que provavelmente nunca tinha infectado humanos. A própria Mikovits tentou replicar o achado científico em um estudo com amostras de sangue de 300 pessoas, metade delas pacientes da síndrome de fadiga crônica. O XMRV não foi encontrado em nenhum dos materiais analisados. A cientista se recusou a assinar a retratação na Science.

Mikovits foi presa em 2011, depois de ter sido demitida do Instituto Whittemore Peterson (WPI), como ela própria admite no vídeo “Plandemic”. Ao contrário do que a pesquisadora afirma, porém, não é verdade que ela tenha sido presa sem acusações. De acordo com o Washington Post, Judy foi acusada pela procuradoria do condado de Washoe, no Estado de Nevada, de roubar dados de computadores e outros materiais do WPI. A acusação criminal foi retirada em junho de 2012.

O New York Times reportou na época que, antes que a acusação fosse retirada, um funcionário do WPI disse em depoimento que ajudou Mikovits a retirar materiais do laboratório. Judy estaria se escondendo em um barco para evitar ser intimada pelo WPI.

Em “Plandemic”, Mikovits acusa o doutor Fauci de ter subornado investigadores no caso da WPI. Novamente, ela não oferece qualquer prova disso. O site de fact-checking americano Snopes consultou vários documentos dos processos cível e criminal contra Mikovits que desmentem a acusação da doutora de conspiração promovida por Fauci.

Procurado pelo Politifact, o NIAID, agência governamental dirigida por Fauci, informou que está “focado em pesquisas com o objetivo de pôr fim à pandemia da covid-19 e a prevenir novas mortes” e que não comentaria “táticas de pessoas que procuram impedir nossos esforços”.

Como mostrou a AFP, a base de dados da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos aponta que Mikovits não publicou nem participou da produção de artigos científicos desde 2012.

Vacinas já mataram milhões no mundo?

No vídeo, Judy diz que vacinas mataram milhões de pessoas no mundo e que não há imunização para vírus RNA. São duas afirmações falsas. À AFP, o pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet, na sigla em espanhol) Juan Manuel Carballeda, especializado em Virologia Molecular, disse que a declaração feita pela doutora Mikovits era uma das “mais insanas que já ouvi até hoje”.

“Milhões de vidas humanas são salvas devido às vacinas para vírus de RNA”, indicou o pesquisador. “Penso na pólio, por exemplo, pronta para ser erradicada da face da Terra graças às vacinas Salk e Sabin. Outra vacina de sucesso, e a que mais se aplica no mundo, é a vacina da influenza, outro vírus de RNA”.

RNA é uma sigla que significa ácido ribonucleico. De acordo com Carballeda, o fato de o vírus ser de RNA é relacionado à forma com que o genoma, código genético do vírus, é guardado. “A diferença principal é que o RNA, por ser uma molécula bem mais instável que o DNA (ácido desoxirribonucleico), tende a mudar mais. Ou seja, os vírus cujo genoma é RNA tendem a ter uma taxa de mutação mais alta que os vírus de DNA”, explicou o pesquisador à AFP.

Em “Plandemic”, Mikovits afirma ainda que as vacinas contra gripe aumentaram em 36% as chances de infecção pelo novo coronavírus. No entanto, ela cita como referência um estudo sobre a temporada de influenza de 2017 a 2018. Os primeiros casos de covid-19 só foram identificados em 2019. A pesquisa, na verdade, faz referência aos quatro coronavírus que causam o resfriado comum.

De acordo com a OMS, vacinas são seguras e seus efeitos colaterais geralmente são temporários, como dor local no braço ou febre branda. Efeitos colaterais mais graves são possíveis, mas extremamente raros, informa a entidade. Todas as vacinas licenciadas passam por múltiplas fases de testes antes de serem liberadas para o público. A segurança das imunizações é constantemente monitorada para evitar riscos à saúde.

Como reforça a OMS: é muito mais provável que você fique doente por uma enfermidade que pode ser evitada por uma vacina do que pela imunização em si.

Vírus foi criado em laboratório?

No filme, Willis pergunta à doutora Mikovits se ela acredita que o novo coronavírus foi criado em laboratório, e a virologista responde que “é muito claro que o vírus foi manipulado”. Não é o que apontam estudos publicados até o momento sobre o assunto. Em 17 de março, a revista Nature divulgou pesquisa que analisou o genoma do SARS-CoV-2, vírus que causa a covid-19. “Nossas análises mostram claramente que o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório ou um vírus manipulado propositadamente”, afirmaram os autores.

Autoridades como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, têm ventilado a teoria de que o vírus teria sido liberado do Instituto de Virologia de Wuhan, cidade chinesa onde foram registrados os primeiros casos da covid-19. Recentemente, a diretora da instituição, Wang Yanyi, negou os rumores, classificando-os como “pura fabricação”.

Em março, a agência de inteligência do Departamento de Defesa dos Estados Unidos atualizou um relatório sobre o novo coronavírus para incluir a possibilidade de que ele tenha vazado acidentalmente de um laboratório. No entanto, essa chance é remota, de acordo com a comunidade científica. O The Washington Post mostrou que não há evidências de que um vazamento tenha ocorrido — porém, como o governo da China não forneceu informações suficientes para esclarecer os boatos, agências de inteligência ainda exploram a questão.

Mikovits afirma ainda que o Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (NIAID) financiou experimentos com o novo coronavírus em Wuhan e, por isso, seria responsável pela atual pandemia. À AFP, a médica Kathleen Montgomery, patologista da Universidade de Vanderbilt, disse que de fato os Estados Unidos estavam estudando a família de vírus dos coronavírus — que inclui organismos que podem causar resfriados até doenças mais graves, como a síndrome respiratória aguda severa (SARS).

“[Mikovits] diz que os Estados Unidos estavam trabalhando com Wuhan para estudar os coronavírus há anos, como se isso fosse uma grande revelação. Sim, é claro que estávamos fazendo isso: a China é um foco de coronavírus e faz sentido estudar essa família de vírus onde ela surge naturalmente”, disse Montgomery por e-mail.

Boatos que afirmam que o novo coronavírus é produto de manipulação humana são frequentes e o Projeto Comprova já desmentiu alguns exemplos (aqui, aqui e aqui).

Usar máscaras e luvas diminui a imunidade?

A alegação de que máscaras e luvas protetivas podem comprometer o sistema imunológico, divulgada em “Plandemic”, já foi desmentida pelo Projeto Comprova nesta checagem. Os três especialistas consultados pela reportagem confirmaram que o uso de equipamentos de proteção não diminui a imunidade. “A máscara vai evitar que você esteja exposto aos agentes infecciosos”, explicou o infectologista Jean Gorinchteyn, do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo.

Atualmente, o Ministério da Saúde recomenda o uso de máscaras de pano por toda a população, mesmo entre aqueles que não apresentem sintomas da covid-19. Essa medida deve ser aliada a outras precauções, como a lavagem correta das mãos e o distanciamento social. As máscaras devem ser higienizadas frequentemente.

Hidroxicloroquina é tratamento mais efetivo contra covid-19?

A hidroxicloroquina, medicamento que aparece em vários boatos sobre a covid-19, também é citada em “Plandemic”. O vídeo afirma que o fármaco tem funcionado “muito bem” no combate à doença causada pelo novo coronavírus, mas estudos recentes apontaram a ineficácia e o risco do tratamento com cloroquina.

Uma pesquisa publicada na sexta-feira (22) na revista científica The Lancet mostrou que o remédio não apresentou benefícios no tratamento da covid-19, além de ter aumentado o risco de morte e de problemas cardíacos. O estudo foi realizado em 96 mil pacientes.

A Sociedade Brasileira de Infectologia divulgou nota contra a recomendação médica da cloroquina para pacientes infectados pelo novo coronavírus. A OMS recomendou a suspensão de testes.

O vídeo “Plandemic” também cita uma pesquisa feita com 6,2 mil médicos de 30 países. De uma lista com 15 medicamentos, 37% dos profissionais de saúde consultados apontaram a hidroxicloroquina como a mais eficaz contra o novo coronavírus.

Como mostrou o site de fact-checking Aos Fatos, a enquete foi realizada por um fórum online chamado Sermo e não tem validade estatística. Além disso, o levantamento apenas reflete a percepção pessoal dos médicos entrevistados, o que não é suficiente para atestar a eficácia do medicamento.

Outras checagens

O vídeo “Plandemic” foi compartilhado ao redor do mundo, o que motivou desmentidos de diversas agências de checagem. Veja algumas das verificações produzidas:

Alcance

A publicação do vídeo analisada pelo Comprova obteve 901 mil visualizações ao longo de 18 dias. “Plandemic” foi republicado na plataforma de vídeos Brighteon, cujos termos de serviço asseguram que qualquer conteúdo postado está protegido pela liberdade de expressão.

 

Saúde

Investigado por: 2020-05-26

Vídeo engana ao atribuir protesto na Bélgica a profissionais de saúde de São Paulo

  • Falso
Falso
Vídeo foi gravado na Bélgica e compartilhado nas redes sociais como se fosse um protesto de médicos e enfermeiros contra o prefeito de São Paulo, Bruno Covas

O vídeo de um protesto de profissionais de Saúde em Bruxelas, na Bélgica, foi tirado de contexto para atacar o prefeito da cidade de São Paulo, Bruno Covas (PSDB). As imagens gravadas mostram funcionários em uniforme hospitalar dando as costas para uma comitiva de carros que chega a um hospital. O conteúdo é acompanhado de um texto que diz: “O prefeito de SP Bruno Covas é recebido assim por enfermeiros e médicos: de costas no hospital. Parabéns a esses guerreiros”.

O protesto na verdade aconteceu em Bruxelas, na Bélgica, no último dia 16 de maio. As pessoas que aparecem no vídeo eram funcionários do Hospital Saint-Pierre, como reportado por veículos internacionais, e fizeram o protesto silencioso durante visita oficial da primeira-ministra Sophie Wilmès.

A Bélgica é o país da União Europeia com a maior taxa de mortes por grupo de um milhão de habitantes, 804, de acordo com o site worldometers. O governo belga tem sido alvo de duras críticas pela maneira como enfrenta a pandemia e a primeira-ministra Wilmès chegou a dizer que talvez estejam sendo apresentados números de casos maiores do que a realidade.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a covid-19 que sejam muito compartilhados e tenham repercussão significativa nas redes sociais. Este vídeo, com informações falsas, foi publicado em um momento de grande disputa política a respeito de como lidar com a pandemia do novo coronavírus.

Enquanto o governo federal, comandado por Jair Bolsonaro, insiste na retomada completa de todas as atividades econômicas, governadores e prefeitos têm mantido orientações de distanciamento social, como a proibição de aglomerações e a obrigatoriedade de máscaras em lugares públicos.

João Doria, governador de São Paulo, o estado mais atingido pela pandemia, contestou Bolsonaro diversas vezes e ambos trocaram farpas em público. Bruno Covas, prefeito da capital paulista e alvo do vídeo falso verificado aqui, é um aliado político de Doria.

Na semana passada, com a divulgação do vídeo de uma reunião ministerial realizada em abril, foi possível confirmar a hostilidade de Bolsonaro em relação aos governadores. Diante de seus ministros, o presidente da República chamou Doria de “bosta” e Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, de “estrume”.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

O Comprova utilizou o mecanismo de busca reversa do Google para localizar a origem do protesto. A pesquisa das imagens levou a diversas reportagens escritas por veículos de comunicação estrangeiros como a rede BBC e o jornal The Telegraph sobre o protesto belga.

Também analisamos detalhes do vídeo, como aspectos das ambulâncias e placas dos carros. Em outra gravação, foi possível identificar detalhes escritos na roupa dos funcionários de saúde para comparar com o usado por esses profissionais na Bélgica.

Verificação

O jornal belga Le Soir publicou reportagem sobre o caso no sábado, 16 de maio. O texto diz que centenas de funcionários do hospital — entre enfermeiros, médicos, pessoal da limpeza e da área administrativa — protestaram contra dois decretos que permitiam a convocação dos profissionais em caso de uma emergência. Para os profissionais, eles já se dedicam suficientemente ao combate da pandemia e não seria preciso uma convocação.

Ao procurar pelo hospital no Google Street View, foi possível encontrar edificações semelhantes às que aparecem no vídeo.

Em certo momento, o vídeo foca em um dos carros da comitiva da primeira-ministra e é possível ver com clareza sua placa. O modelo, diferente do padrão brasileiro (composto de três letras e quatro números), é o mesmo adotado na Bélgica segundo o guia de regulamentos rodoviários belga (número, três letras e três números).

Outro detalhe que chama a atenção é a cor das ambulâncias. Os veículos que aparecem no vídeo são amarelos e vermelhos, mesmo padrão dos veículos utilizados na Bélgica, além de possuir a inscrição do número “112”. Esse é o telefone de emergência no país europeu. Já em São Paulo, as ambulâncias são brancas e vermelhas com a inscrição do número para serviço de atendimento pré-hospitalar de urgência e emergência da Prefeitura de São Paulo, 192.

Em outra gravação do mesmo episódio é possível ver que o uniforme de um dos profissionais contém as palavras “infirmier” e “verpleegkundige”, correspondentes em francês e holandês, respectivamente, para “enfermeiro”. Portanto, o vídeo não poderia ter sido gravado no Brasil. As duas línguas são faladas na Bélgica.

Em seu Twitter, a primeira-ministra afirmou, sobre a visita ao hospital: “Foi um momento de encontros e de diálogo importante para os profissionais de saúde e para mim”.

Contexto

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), e o governador João Doria (PSDB) adotaram medidas como ampliação do rodízio de veículos na capital e antecipação de feriados no Estado para tentar aumentar a taxa de isolamento social. Ambos defendem que a medida é necessária para evitar um colapso no sistema de saúde pública. São Paulo lidera o ranking de mortes no Brasil, com 6.220 óbitos e 83.625 casos confirmados até segunda-feira, 25. A taxa de ocupação dos leitos em UTIs na região metropolitana da capital era de 91%.

O governador e o prefeito tentam evitar o decreto de um “lockdown” — bloqueio total que obrigaria as pessoas a ficarem em casa. Enquanto especialistas afirmam que a medida será inevitável caso não haja redução na proporção de contágios e internações, os líderes do Executivo são alvos de protestos de caminhoneiros e outros setores que pedem pelo afrouxamento das medidas de distanciamento e pela reabertura do comércio.

Alcance

Um dos vídeos foi compartilhado em 20 de maio e já foi visto quase 100 mil vezes. Outra postagem se destacou com 20 mil compartilhamentos. O mesmo vídeo com a afirmação enganosa recebeu versões no Instagram, Twitter e YouTube.

Este boato foi também checado pelo Fato ou Fake e pela AFP.

Saúde

Investigado por: 2020-05-22

Médico confunde ao indicar cloroquina e criticar isolamento social e o uso de respiradores

  • Enganoso
Enganoso
Homem que aparece em vídeo faz afirmações sobre como lidar com a pandemia de coronavírus que não têm comprovação científica e são questionadas por diversas autoridades de saúde

É enganoso o vídeo no qual um homem, que se identifica como médico, diz que os hospitais públicos estão intubando pacientes para “mostrar trabalho” e justificar a compra de ventiladores e respiradores artificiais. Ele é contra o procedimento e defende o uso de medicamentos, como a cloroquina, como alternativa ao tratamento da covid-19.

O autor do vídeo também afirma que o vírus não mata pessoas fora do grupo de risco e que o uso de alguns medicamentos, na fase inicial da contaminação, pode levar à cura de pacientes em até quatro dias. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), até o momento não existe remédio ou cura comprovados para a doença causada pelo novo coronavírus. Além disso, no Brasil, 25% das pessoas que morreram por covid-19 não tinham comorbidades.

O homem que aparece no gravação é João Carlos Luiz Vaz Marques Leziria, que de fato é médico, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele mistura diferentes tipos de informações, a maioria delas falsas, para confundir e enganar as pessoas. As afirmações que ele faz no vídeo não têm comprovação científica e são questionadas por diversas autoridades de saúde.

De acordo com o médico, o vídeo foi originalmente compartilhado com um grupo de amigos, mas viralizou após ser publicado nas redes sociais. Uma das primeiras publicações foi feita no dia 7 de maio, por um perfil pessoal no Facebook.

Por que investigamos isso?

O Comprova verifica conteúdos de grande repercussão e que atinjam um alto número de interações nas redes sociais. No caso do vídeo em questão, ele foi compartilhado por diversos perfis, atingindo em um deles mais de 49 mil compartilhamentos.

O fato de o autor do vídeo se identificar como médico e fornecer o telefone pessoal para “prestar atendimento” também chama atenção. Ele faz afirmações sobre assuntos amplamente questionados e debatidos por autoridades de saúde, como a eficácia de medicamentos como a cloroquina, além de incentivar a população a voltar a trabalhar. A ideia é contra as orientações do Ministério de Saúde e decretos estaduais.

O autor também fala sobre um tema sensível, que é a aquisição de equipamentos para tratar a covid-19. Com a urgência no tratamento e contenção dos danos da doença, o governo permitiu a compra de respiradores por contratos com dispensa de licitação, e liberou verba para a compra de material necessário. Essa permissão de expandir os gastos públicos deve ser observada para evitar o desvio de verba ou o mau uso do dinheiro público.

Nas últimas semanas, o Comprova verificou diversos conteúdos nessa linha. Um deles foi um vídeo contendo informações enganosas em que uma pessoa, sem formação na área de saúde, sugeria que o uso de determinados medicamentos curariam pacientes com coronavírus sem necessidade de internação. Um outro texto dizia que as mortes na Itália não teriam como causa o coronavírus, mas problemas de trombose, recomendando o uso de coagulantes para cura da doença.

Enganoso para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Apesar de o autor do vídeo não se identificar, alguns perfis que compartilharam a gravação atribuíam ao médico o nome Dr. João Vaz. O Comprova então buscou, no cadastro do Conselho Federal de Medicina, médicos que possuíam os dois nomes. Entre os listados estava João Carlos Luiz Vaz Marques Leziria. Ao verificar o nome completo em sites de pesquisa e redes sociais, foi possível encontrar fotos do médico que aparece no vídeo, confirmando que se tratava da mesma pessoa.

Além disso, o Comprova entrou em contato com o número de telefone disponibilizado no vídeo. O médico não atendeu as ligações, mas respondeu aos questionamentos da equipe com um vídeo, no qual mostrava seu número de inscrição no CRM e fornecia informações pessoais e profissionais.

Nesta investigação foram usadas reportagens sobre o remédio cloroquina e o apoio do presidente Jair Bolsonaro à medicação. A equipe também consultou o site da OMS para entender se o fármaco é recomendado pela instituição.

Quem é o médico?

João Vaz é um médico com número de inscrição regular no Conselho Regional de Medicina. Em vídeo encaminhado ao Comprova, Vaz diz que se formou em dezembro de 1971 na UFRJ e que possui quase 50 anos de profissão. Ele afirma que trabalhou por um período na Alemanha e que está acostumado a lidar com vírus. Ele não menciona sua área de especialidade, e esta também não é informada pelo CRM, mas Vaz diz que isso não faz diferença na Medicina.

No vídeo divulgado nas redes sociais, João Vaz se posiciona contra a intubação de pacientes com a covid-19 e diz que o procedimento é “sinônimo de morte”. Segundo ele, os hospitais públicos no Brasil têm intubado pacientes para justificar os gastos com aparelhos.

Como alternativa à intubação, o médico defende o uso de remédios como a cloroquina associada à azitromicina e também a manipulação de heparina, um anticoagulante. Ele se oferece para tirar as dúvidas das pessoas e se coloca à disposição de quem tem interesse em fazer uso dos remédios.

O médico ainda critica o isolamento horizontal, incentiva as pessoas a voltarem ao trabalho e afirma que apenas pessoas com comorbidades morrem de covid-19.

Como funciona a intubação e quando o paciente deve ser intubado?

A intubação é um procedimento realizado em pacientes em estado de saúde grave para ventilar mecanicamente os pulmões por meio de aparelhos. A dificuldade de respirar é determinante para que os médicos decidam se irão intubar o paciente e usar os respiradores. Eles são um dos últimos recursos para pacientes com insuficiência respiratória grave após infecção pelo novo coronavírus.

Estima-se que aproximadamente 5% dos pacientes com covid-19 sofram a chamada síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e precisem de respiradores mecânicos. O tratamento utiliza uma reserva de ar e oxigênio que é levada até os pulmões do paciente por meio de um tubo inserido pela boca, nariz ou pela traqueia, através de um corte na garganta.

Estudos recentes, contudo, têm mostrado que a letalidade do novo coronavírus é alta mesmo com uso de respiradores e feito pesquisadores questionarem a eficácia da intubação. Ainda assim, as autoridades de saúde orientam para o uso de ventilação mecânica em casos de insuficiência respiratória.

O que as autoridades dizem sobre os medicamentos indicados?

O uso da cloroquina por pacientes infectados com o novo coronavírus segue sendo estudado por vários países. Nesta sexta-feira (22), uma pesquisa científica publicada pela revista “The Lancet” apontou que o uso da substância não apresenta benefícios no tratamento da covid-19. O estudo foi feito com 96 mil pacientes e os resultados mostram que não há melhora na recuperação de infectados que usaram cloroquina, e que existe risco maior de morte e piora cardíaca durante a hospitalização.

A OMS recomendou que o medicamento não seja usado como tratamento, apenas em testes de ensaios clínicos, e alertou para os efeitos colaterais da cloroquina, que podem levar a disfunções graves dos órgãos e prolongar internações.

O uso da cloroquina foi autorizado para casos leves em novo protocolo assinado pelo Ministério da Saúde na última quarta-feira (20). Para isso, os pacientes ou familiares devem assinar um termo de consentimento, estando cientes dos efeitos colaterais possíveis, como arritmia.

A medida segue parecer do CFM (Conselho Federal de Medicina), que emitiu autorização no fim de abril para que médicos prescrevessem o medicamento para pacientes com sintomas leves e para uso domiciliar, mediante consentimento.

A Sociedade Brasileira de Infectologia se manifestou contra a recomendação médica da cloroquina. A instituição afirmou que não há comprovação da eficácia do medicamento no tratamento do coronavírus, assim como de outras substâncias, como a azitromicina, indicada por Vaz em vídeos nas redes sociais.

Recentemente, um estudo realizado pelo plano de saúde Prevent Senior verificou que o uso da hidroxicloroquina associada a azitromicina foi capaz de reduzir em mais de duas vezes o número de internações, comparado com pacientes que não tomaram os remédios.

A pesquisa, contudo, tem uma série de limitações, como não saber se os pacientes que receberam o tratamento estavam infectados com o novo coronavírus nem ter sido aceita ainda em um periódico científico. Este estudo foi suspenso posteriormente porque os testes com pacientes foram iniciados antes de a empresa receber o aval para realização da pesquisa, o que é contra normas do país.

Apesar de existirem resultados promissores em pesquisas com anticoagulantes como a heparina, mencionada pelo autor do vídeo, no tratamento da covid-19, pesquisadores acreditam que para comprovar a eficácia do medicamento ainda há necessidade de ensaios clínicos. Assim como a cloroquina e a azitromicina, a substância só deve ser ministrada com auxílio e orientação médica, pois pode colocar em risco a vida do paciente.

A OMS e o Ministério da Saúde afirmam que nenhuma cura ou vacina foi encontrada até o momento contra a covid-19, que já matou mais de 330 mil pessoas no mundo.

Isolamento social

Medidas de isolamento social são apontadas pela OMS como a melhor alternativa contra o coronavírus. Um estudo recente feito no Brasil mostra que há uma tendência de diminuição do número de mortes pela covid-19 após a adoção de medidas restritivas à circulação de pessoas.

A maioria dos médicos defende a adoção do isolamento horizontal nos municípios, que reduz ao máximo possível de circulação de pessoas. Isso, segundo cientistas, seria fundamental para achatar a curva de transmissão do coronavírus e diminuir o número de pessoas infectadas que necessitariam de um leito hospitalar. Atualmente, a quantidade de leitos disponíveis para a população tem preocupado os Estados.

Para forçar o isolamento da população, diversos Estados decretaram o fechamento de comércios e suspenderam o funcionamento de atividades não essenciais. A ideia é que o máximo de pessoas fique em casa, saindo apenas para realizar atividades essenciais, reduzindo a propagação do vírus.

A suspensão das atividades, apesar de necessária e recomendada pela OMS, provoca uma recessão na economia e por isso é criticada pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Na contramão da maioria dos líderes de outros países, Bolsonaro chegou a sugerir que o Brasil adotasse o método de isolamento vertical, em que apenas idosos e pessoas do grupo de risco ficam isoladas.

A Suécia, citada por Bolsonaro como exemplo, adotou um modelo de isolamento mais relaxado. No país, escolas, restaurantes e bares ficaram abertos, por exemplo. O número de casos de infectados e mortos, no entanto, foi maior do que os registrados nos outros países nórdicos, que estabeleceram medidas mais severas, com confinamento obrigatório e paralisação de atividades econômicas. Esta semana a Suécia tornou-se o país com maior taxa de mortalidade pelo novo coronavírus no mundo.

Contexto

A prescrição livre da cloroquina para qualquer pessoa que esteja com os sintomas da covid-19 é feita por Vaz no momento em que o governo libera um protocolo que autoriza o uso do medicamento em pacientes com sintomas leves da doença. O documento não tem respaldo da OMS e é criticado pela Sociedade Brasileira de Infectologia. Pelo protocolo, o Sistema Único de Saúde (SUS) fica liberado para prescrever o remédio em qualquer fase do tratamento, com os sintomas em qualquer nível – embora ainda precisando da autorização do paciente. Antes, era apenas para casos graves.

As declarações do médico a respeito da letalidade da doença se chocam com os dados divulgados pelo Ministério da Saúde, que mostram que um quarto das pessoas que morreram vítimas do novo coronavírus não possuíam comorbidades. A orientação de Vaz para que as pessoas saiam às ruas, sem medo de se contaminar, é feita em um momento crítico da pandemia na América Latina, considerada pela a OMS como epicentro da doença e tendo o Brasil como caso mais preocupante.

Até a manhã desta sexta-feira (22), a covid-19 já havia contaminado cerca de 315 mil pessoas e sido responsável por mais de 20 mil mortes no país. Nesta semana o Brasil registrou, pela primeira vez, mais de mil mortes em menos de 24 horas.

Alcance

Até esta quinta-feira (21), o vídeo publicado pelo perfil de Paula Silvestre Craveiro, no Facebook, tinha sido compartilhado por mais de 49 mil pessoas.