Saúde

Investigado por: 2020-06-10

É verdade que criança com suspeita de covid-19 foi colocada em caixão lacrado e, mais tarde, testou negativo

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Comprovado
O procedimento de lacrar o caixão é padrão em casos de óbitos confirmados ou com suspeitas de coronavírus, como é o caso da morte de uma menina cujo caixão aparece em vídeo publicado nas redes sociais sendo aberto pela família. O resultado do exame foi divulgado somente uma semana depois e o teste deu negativo

É verdadeira a história que circula nas redes sociais de que uma criança com suspeita de covid-19 foi colocada, sem limpeza, dentro de caixão lacrado. Ela, contudo, não havia sido infectada pelo novo coronavírus, de acordo com resultado do exame divulgado uma semana depois. Um vídeo, que mostra o momento que a família abre a urna e se depara com a menina suja de sangue, viralizou na internet.

O caso ocorreu na cidade de Touros, no Rio Grande do Norte, no dia 19 de maio. A menina seria enterrada com a urna lacrada por suspeita de covid-19, mas a família abriu o caixão e descobriu que a limpeza do corpo não havia sido realizada para o sepultamento. O procedimento de lacração é padrão em casos de suspeita de contaminação pelo novo coronavírus, de acordo com o Guia para o Manejo de Corpos no Contexto do Novo Coronavírus – COVID-19 do Ministério da Saúde.

A Prefeitura de Touros abriu um processo administrativo para investigar o que ocorreu. E informou, uma semana após o fato, que o resultado do teste da criança deu negativo para o novo coronavírus e que o óbito não foi contabilizado nas estatísticas do estado de mortes relacionadas à pandemia.

Por que investigamos?

O Comprova monitora conteúdos sobre o novo coronavírus compartilhados em redes sociais e aplicativos de mensagens que tenham grande alcance e repercussão. No caso do vídeo investigado, em uma publicação no Facebook, no dia 22 de maio, ele foi visto por cerca de 8,4 milhões de pessoas.

Além disso, a história é compartilhada em um contexto em que mensagens tentam minimizar os efeitos da pandemia e questionam informações fornecidas por órgãos oficiais, alegando uma suposta supernotificação de casos contabilizados de mortes causadas pela covid-19 no Brasil.

Em maio, o Comprova fez uma verificação de uma publicação enganosa a partir de um post que continha a foto de um caixão aberto com um travesseiro dentro. A alegação era de que caixões vazios estariam sendo enterrados no estado do Amazonas. A imagem era, na realidade, de 2017 e foi publicada em uma reportagem que denunciava um golpe para resgate de seguro de vida.

O selo comprovado, para o Comprova, é fato verdadeiro, evento confirmado, localização comprovada ou conteúdo original publicado sem edição.

Como verificamos?

Para verificar a origem do vídeo, o Comprova utilizou busca reversa de imagens, a partir do Google Imagens, quando retratos paralisados do vídeo são usados para achar outras publicações da mesma gravaçã,. Também foi usada a pesquisa avançada em buscadores para encontrar registros do caso.

O sepultamento teve cobertura local do portal “Agora RN” e do programa “Primeiro Impacto”, do SBT. Nas redes sociais da prefeitura do município de Touros também foram encontrados comentários sobre o acontecimento.

O Comprova entrou em contato com a prefeitura por telefone. A Polícia Civil do Rio Grande do Norte também foi procurada e não retornou. Já a funerária que prestou o serviço disse que não iria se pronunciar sobre o assunto. O Comprova não conseguiu contato com a família.

Verificação

Segundo informações da Secretaria Municipal de Saúde, a criança de 9 anos deu entrada no Hospital de Touros com falta de ar, às 21h30 do dia 18 de maio. O caso se agravou e a menina morreu. Na declaração emitida pela unidade, o motivo da morte era “insuficiência respiratória aguda e suspeita de covid-19”. O diagnóstico, contudo, foi contestado pela família, segundo a própria prefeitura.

O serviço funerário foi realizado com auxílio da prefeitura. Como havia suspeita de infecção pelo novo coronavírus, o caixão foi lacrado, conforme orientação do Ministério da Saúde.

No dia do sepultamento, familiares da menina, que contestavam o diagnóstico, resolveram abrir o caixão. O vídeo que circula na internet mostra o momento em que a urna é aberta e a criança aparece morta apenas com um pedaço de pano cobrindo o corpo, sem a devida limpeza. Nas imagens é possível ver sangue escorrendo do nariz da menina.

Revoltada, a mãe da criança diz que jogaram a menina como um bicho dentro do caixão e que esse teria sido o motivo para lacrar a urna. Em entrevista ao SBT, ela informou que tinha certeza de que a filha não estava com o novo coronavírus e que os médicos sabiam que esta não era a causa.

O vídeo da família abrindo o caixão viralizou nas redes sociais. Em um canal do Youtube ele havia sido visualizado mais de 75 mil vezes até a noite desta segunda-feira, dia 8 de junho. Os comentários acusavam a prefeitura de esconder o verdadeiro motivo da morte.

O secretário de Saúde do município, Higor Andrade, se manifestou no dia 20 de maio numa rede social. Ele informou que o hospital seguiu todos os protocolo do Ministério da Saúde e que aguardava o resultado do teste de covid-19 realizado na criança após o óbito. Disse também que a prefeitura havia aberto um processo administrativo para apurar o que aconteceu e porque a limpeza do corpo não foi feita. Segundo o órgão, apesar de o auxílio funerário ser concedido pela Secretaria de Assistência Social, o serviço é terceirizado.

Cinco dias depois, a prefeitura voltou a se manifestar nas redes sociais. Por meio de nota, o órgão informou que o resultado do exame da criança era negativo para o novo coronavírus e que a causa da morte da menina seria alterada no sistema de informação de mortalidade do município.

O Comprova entrou em contato com o Secretário de Saúde de Touros, Higor Andrade, por telefone. Ele confirmou a abertura do processo administrativo e disse que o caso da criança nunca foi contabilizado nas estatísticas do novo coronavírus divulgadas pelo município. Contudo, havia suspeita de covid-19 na declaração de óbito e por isso o caixão foi lacrado. A funerária também foi procurada. Uma funcionária informou que os proprietários não iriam se manifestar.

Verificação do Comprova mostrou que as mortes por covid-19 só são incluídas nas estatísticas oficiais após a realização de exames.

O caso também é investigado pela Polícia Civil do estado, mas a Secretaria de Segurança do Rio Grande do Norte não retornou aos pedidos de comentário feitos pelo Comprova.

Contexto

Touros é uma cidade no interior do Rio Grande de Norte com aproximadamente 33 mil habitantes, segundo dados do IBGE. Até esta terça-feira, 09 de maio, o município registrava 118 casos confirmados de covid-19 e seis óbitos causados pela doença, segundo boletim divulgado pela Prefeitura.

No Rio Grande do Norte, 153 dos 167 municípios possuem casos confirmados do novo coronavírus. Ao todo, 11.027 pessoas já foram contaminadas e 459 já morreram no Estado, de acordo com dados do Ministério da Saúde..

Os números divulgados pelos Estados foram foco de polêmica recentemente. O empresário Carlos Wizard, que estava cotado para assumir a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, informou que o governo iria recontar as mortes no Brasil, pois os dados atuais seriam “fantasiosos ou manipulados”.

Wizard afirmou que os números estavam sendo inflados e que muitos gestores públicos, por interesse em ter um orçamento maior, estavam notificando todos os casos de morte como covid-19.

A fala do empresário gerou revolta entre governadores estaduais e foi repudiada pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Wizard desistiu do cargo no Ministério e disse que havia sido mal interpretado.

Na última sexta-feira, 5 de junho, o governo tirou do ar o painel da covid-19 do site do Ministério da Saúde. Ao retornar com o portal, a pasta passou a divulgar apenas os dados das últimas 24 horas, sem dados acumulados de mortes e pessoas contaminadas pelo novo coronavírus. Após decisão do Supremo Tribunal Federal, o governo teve que voltar a divulgar o total de números nesta terça-feira.

Alcance

Até esta terça-feira (9), uma publicação no Facebook com o vídeo tinha 8,4 milhões de visualizações. Postada no dia 22 de maio, a legenda que acompanha a gravação não possui nenhuma informação falsa, mas está desatualizada: o teste com o resultado negativo ainda não havia sido divulgado. No YouTube, uma postagem de 20 de maio havia sido visualizada por 75 mil pessoas.