O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-07-31

Eduardo Bolsonaro posta vídeo antigo sobre liberação da cloroquina

  • Enganoso
Enganoso
Em uma publicação no Twitter, o deputado usa como se fosse de agora um vídeo gravado em 9 de abril no qual o prefeito de São Paulo anuncia a inclusão da cloroquina no protocolo de tratamento de pacientes com covid-19 nos hospitais municipais. No post, ele cobra do governador do estado que faça o mesmo, mas isso já é feito desde 5 de maio
  • Conteúdo verificado: Tuíte do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) com um vídeo do prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), anunciando a inclusão da cloroquina no protocolo de tratamento de pacientes com covid-19 nos hospitais municipais.

É enganoso o post no perfil do Twitter do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) que apresenta um vídeo no qual o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), anuncia a inclusão da cloroquina no protocolo de tratamento da covid-19 na cidade de São Paulo. E, no texto que acompanha o vídeo, diz: “Resta saber se Doria também cairá na real de que vidas estão acima de política, que para uma doença nova não existe remédio testado e que toda tentativa de cura é válida”. A Secretaria Estadual da Saúde já libera o uso da cloroquina para casos graves de covid-19, de acordo com a avaliação do médico, desde 5 de maio.

O trecho, publicado no dia 30 de julho, é de uma gravação de 9 de abril e traz o anúncio feito à época por Covas, durante coletiva de imprensa realizada no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Ao publicá-lo, Eduardo Bolsonaro dá a entender que a adoção do protocolo ocorreu agora.

O protocolo, que só foi publicado em 17 de junho, orienta os profissionais de saúde da rede pública municipal sobre o manejo de pacientes com covid-19. Nele, o uso de cloroquina não é recomendado, mas é autorizado — desde que obedecendo critérios médicos e com aval do paciente.

Tentamos entrar em contato com o deputado Eduardo Bolsonaro, mas não tivemos resposta até a publicação desta verificação.

Como verificamos?

Uma verificação já publicada pelo Comprova esclareceu que o anúncio da adoção da cloroquina como parte do protocolo de tratamento da covid-19 na cidade aconteceu no dia 9 de abril. Uma busca no Google confirmou a informação. Com essa data, encontramos o vídeo original no canal do governo do estado de São Paulo no YouTube.

O vídeo editado tem uma marca d’água com o nome do deputado federal Luiz Lima (PSL-RJ) e o endereço de suas redes sociais. Na página de Facebook de Lima encontramos uma postagem com as imagens, datada do dia 9 de maio.

Pesquisamos a recomendação para o tratamento de pacientes com covid-19 no site da Prefeitura de São Paulo e da Secretaria Municipal da Saúde. Também consultamos a página da Secretaria Estadual da Saúde (SES-SP) para esclarecer qual é a orientação do estado em relação ao uso da cloroquina. Os dados sobre o número de casos confirmados e de mortes são do boletim da Secretaria Municipal da Saúde.

As ferramentas Tweetdeck e CrowdTangle foram úteis para mostrar a viralização do conteúdo investigado pelas redes sociais.

Por fim, entramos em contato por e-mail com a assessoria de imprensa do prefeito Bruno Covas, que respondeu ao Comprova e esclareceu que a Secretaria Municipal de Saúde não recomenda, mas permite a uso do medicamento na rede hospitalar, mediante prescrição médica e consentimento do familiar ou paciente. E acrescenta que, apesar de o Ministério da Saúde ter ampliado o uso da cloroquina para casos leves e moderados, a Secretaria Municipal da Saúde emitiu recomendação contrária, “em virtude da ausência de evidências científicas robustas que justifiquem tal indicação”. Também tentamos entrar em contato com o deputado Eduardo Bolsonaro por mensagem de WhatsApp e no Instagram, mas não tivemos resposta até a publicação desta verificação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 31 de julho de 2020.

Verificação

A equipe do Comprova começou a verificação analisando o vídeo publicado pelo deputado Eduardo Bolsonaro. Bruno Covas está no saguão do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. O logotipo da administração estadual pintado no púlpito junto à hashtag #FiqueEmCasa mostra que as imagens foram captadas em uma das entrevistas coletivas conduzidas pelo governador João Doria para atualizar a situação da pandemia. Chama a atenção o fato de que Covas não está de máscara. O uso do equipamento de segurança é obrigatório em locais públicos no estado desde 4 de maio, mas a gravação aconteceu antes dessa data.

Em junho, o Comprova já tinha desmentido uma postagem no Twitter que dizia que a cloroquina era proibida na capital paulista. Na ocasião, informamos que a Secretaria Municipal da Saúde incluiu a cloroquina no protocolo de tratamento da covid-19 em 9 de abril. Buscando por essa data, encontramos o vídeo original no canal do governo do estado de São Paulo no YouTube.

“Ainda não é possível ser uma política pública, pois não temos ainda pesquisas concluídas, mas havendo prescrição do médico e a concordância do paciente, a Secretaria Municipal de Saúde passou a integrar esse medicamento [cloroquina] no protocolo de tratamento da covid-19”, anunciou o prefeito aos 39 minutos.

O protocolo entrou em prática logo depois do anúncio. Apenas no dia 17 de junho uma recomendação técnica foi publicada detalhando o uso da medicação. O documento sugere uma “análise criteriosa do quadro clínico, o monitoramento do paciente, da resposta em relação à terapêutica selecionada e as reações adversas”. E indica a prescrição de drogas para o tratamento dos sintomas em diferentes momentos da infecção pelo novo coronavírus.

O protocolo da prefeitura autoriza, mas não recomenda, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina. A prescrição deve ocorrer de acordo com o critério do médico e com consentimento do paciente. “Em virtude da ausência de evidências científicas robustas que justifiquem tal indicação. A deliberação ainda recomenda que o uso em casos graves sob regime hospitalar não seja de rotina”, alerta a publicação.

O documento segue a posição da Secretaria Estadual da Saúde, que em 5 de maio orientou que o uso das drogas “não seja expandido para casos leves e moderados em acompanhamento ambulatorial. Em 20 de maio, o Ministério da Saúde estendeu o uso da cloroquina para pacientes com sintomas leves. O Conselho Municipal de Saúde de São Paulo criticou a decisão em uma nota técnica divulgada oito dias depois.

De lá para cá a situação se agravou na capital paulista. De acordo com o Boletim Epidemiológico do município, em 9 de abril o município registrava 5.832 casos de covid-19, com 386 óbitos. No dia 30 de julho, data em que Eduardo Bolsonaro postou o vídeo, já havia 223.571 casos e 9.547 óbitos confirmados.

Vídeo antigo

O vídeo editado compartilhado por Eduardo Bolsonaro tem uma marca d’água com o nome do deputado federal Luiz Lima (PSL-RJ) e o endereço de suas redes sociais. Na página de Facebook de Lima encontramos uma postagem com as imagens, datada do dia 9 de maio — um mês depois do anúncio. Naquele momento, a cidade de São Paulo registrava 27.414 casos de covid-19 e 2.268 mortes, de acordo com o boletim da Secretaria Municipal da Saúde. O número de óbitos que aparece no vídeo editado é menor, 2.106. Essa diferença pode acontecer por causa dos casos positivos confirmados posteriormente e somados à estatística.

Cloroquina e hidroxicloroquina

Até o momento, não há comprovação científica da eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento ou prevenção da covid-19. Pelo contrário, estudos publicados no Journal of the American Medical Association (Jama) e no British Medical Journal (BMJ) apontaram que pacientes tratados com cloroquina e hidroxicloroquina não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os mesmos remédios. Uma pesquisa realizada em 55 hospitais brasileiros e publicada no New England Journal of Medicine (NEJM) chegou às mesmas conclusões.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o National Health Service no Reino Unido cancelaram estudos com cloroquina e hidroxicloroquina.

Em 17 de julho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe em que afirma ser “urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19” diante das novas evidências científicas.

A posição dos médicos não mudou a opinião do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que defende a adoção da cloroquina desde o começo da pandemia. Ele teve covid-19 e declarou que tomou cloroquina para se tratar. Hoje, o Ministério da Saúde tem quatro milhões de comprimidos em estoque.

O Comprova já verificou diversos conteúdos que defendiam o uso da cloroquina, como estudos sem comprovação científica e declarações polêmicas de médicos.

Por que investigamos?

O Comprova verifica informações sobre políticas públicas do governo federal e a pandemia de covid-19 sempre que os conteúdos tenham grande viralização. É o caso do tuíte do deputado federal Eduardo Bolsonaro, que até a data de publicação teve mais de 16 mil interações e 84 mil visualizações do vídeo incluído na postagem.

A cloroquina e a hidroxicloroquina se tornaram objeto de discursos políticos desde que os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Jair Bolsonaro, passaram a defender essas drogas como cura para a covid-19. A postagem de Eduardo se insere nesse contexto, ao insinuar que a prefeitura de São Paulo estaria “atrasada” na adoção da hidroxicloroquina em relação ao governo federal.

O fato de Bruno Covas ser o alvo é relevante, pois ele é um aliado político do governador de São Paulo, João Doria. No início da pandemia, as medidas de distanciamento social também foram objeto de disputa, pois Bolsonaro se opôs às regras, contrariando recomendações de autoridades de saúde nacionais e estrangeiras.

Nesse ponto, Doria se tornou antagonista do presidente e virou alvo de críticas de seus apoiadores. No auge da disputa, o governador chegou a afirmar que o presidente “despreza vidas” e deveria começar “a ser um líder, se for capaz”. Bolsonaro, por sua vez, acusou Doria de usar a crise como palanque para as eleições presidenciais de 2022 e chamou o governador de São Paulo de “bosta” em reunião ministerial tornada pública.

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano. É o caso do vídeo com as declarações de Covas que, apesar de verdadeiro, é antigo.

Saúde

Investigado por: 2020-07-30

Médica cita estudos não conclusivos para sugerir conspiração contra cloroquina

  • Enganoso
Enganoso
Procurada pelo Comprova, médica enviou 34 estudos para justificar texto que publicou em um site. Nenhum dos estudos é conclusivo sobre a eficácia dos medicamentos citados. Ela também diz que a venda da cloroquina e da ivermectina foi proibida no Brasil, o que não é verdade
  • Conteúdo verificado: Texto publicado no site Diário do Brasil escrito pela médica Helen Brandão, de Goiânia, defende o uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 e sugere haver uma conspiração da indústria farmacêutica para vender medicações mais caras.

É enganoso o texto escrito pela médica Helen Brandão defendendo que o uso da cloroquina em pacientes no início da covid-19 elimina o novo coronavírus. No texto, publicado pelo site Diário do Brasil, a médica sugere ainda que a indústria farmacêutica tem conspirado para viabilizar remédios mais caros para tratar a doença. Por isso, segundo ela, há um movimento para proibir a venda de medicações baratas, como a cloroquina e a ivermectina. As informações do texto estão distorcidas ou fora de contexto.

Procurada pelo Comprova, Brandão apresentou 34 artigos científicos nos quais afirmou ter se embasado para defender a prescrição da cloroquina e outros compostos, como a ivermectina e o zinco, para pacientes com quadros leves de covid-19. Nenhum deles é conclusivo sobre a eficácia desses medicamentos.

Alguns não passaram por teste clínico randomizado, em que voluntários são divididos em dois grupos – um recebe o medicamento em estudo e o outro, placebo. As pessoas dos dois grupos são escolhidas aleatoriamente para evitar que fatores como idade e quadro de saúde influenciem nos resultados. Elas são acompanhados por pesquisadores ao longo de vários meses. Esse tipo de estudo é considerado o melhor para avaliar a eficácia de medicações.

Diferentemente do que a médica afirma, a venda da cloroquina e da ivermectina não foi proibida no Brasil. Na verdade, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, em 24 de julho, uma norma para que esses medicamentos sejam vendidos com receita médica. E o Ministério da Saúde inclui a cloroquina no protocolo de tratamento para pacientes leves da covid-19.

O Comprova fez contato com a médica. Helen Brandão é graduada pela Universidade Federal de Goiás e tem pós-graduação em Dermatologia e Medicina Estética.

Como verificamos?

O Comprova buscou dados sobre a formação profissional de Helen Brandão na plataforma de currículos acadêmicos Lattes, mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e junto ao Conselho Regional de Medicina de Goiás (CREMEGO). Também encontramos uma página no Facebook da clínica da médica, onde conseguimos o contato telefônico dela. Por WhatsApp, Brandão enviou vários artigos acadêmicos sobre a pandemia.

Também buscamos informações online sobre empresas farmacêuticas que a médica citou no texto verificado e no contato por WhatsApp. Além disso, buscamos o posicionamento de autoridades de saúde sobre medicamentos e tratamentos para a covid-19.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de julho de 2020.

Verificação

Quem é Helen Brandão

Helen Brandão é médica e possui registro no Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (CREMEGO). No Facebook, o Comprova encontrou uma página com seu nome que faz referência a uma clínica privada de procedimentos estéticos em Goiânia.

Também encontramos o currículo da médica na plataforma Lattes. De acordo com as informações fornecidas por Brandão, ela possui graduação em medicina pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e pós-graduação em Dermatologia e Medicina Estética. Além disso, informa que fez residência médica em Saúde da Família e Comunidade pela Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro.

Através de uma troca de mensagens no WhatsApp, Brandão confirmou que faz atendimentos clínicos e de dermatologia em Goiânia.

Drogas e estudos

Em seu texto, Helen Brandão conta que as discussões envolvendo a hidroxicloroquina a levaram a um “sonho perturbador”, em que ela tinha asas e “conseguia tirar algumas pessoas que ‘subiam’ (…), mas só algumas”. Depois disso, ela escreve, foi pesquisar sobre as drogas e o vírus. “Algumas tabelas e dados me pareciam difíceis de analisar. Mas segui estudando e conversando com colegas que também só queriam entender.”

Após falar com o Comprova, Brandão enviou 34 estudos de diversos países para a equipe, sobre variados temas – cloroquina e hidroxicloroquina (12, no total), ivermectina, zinco, colchicina, nitazoxanida, azitromicina e intubação, entre outros. Todos foram analisados e, destes, ao menos 21 têm limitações e são inconclusivos, segundo os próprios autores.

É o caso da pesquisa intitulada “Uso preventivo da hidroxicloroquina está associado a um risco reduzido de covid-19 em profissionais de saúde”, que conclui que devem ser realizados estudos mais detalhados, com amostras maiores, utilizando o método do ensaio clínico randomizado controlado – o mais confiável, como o Comprova já explicou.

Outro estudo, segundo o qual a cloroquina reduz o risco de morte em pacientes em fase grave da doença se administrada em pequenas doses, foi contestado pelos autores menos de uma semana após a publicação.

Também enviado pela médica, o estudo “Eficácia clínica dos derivados de cloroquina na infecção por covid-19: meta-análise comparativa entre o Big Data e o mundo real” tem Didier Raoult entre os pesquisadores – ele é autor de um dos primeiros trabalhos que Brandão leu, como ela conta no site Diário do Brasil.

O infectologista francês ganhou projeção internacional durante a pandemia ao propor o uso da hidroxicloroquina contra a covid-19 antes mesmo de ter publicado pesquisa a respeito – o que chegou ao conhecimento de líderes como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que chamou a droga de “cura milagrosa”. Por isso e por utilizar métodos duvidosos em seus estudos , Raoult, que já apareceu em outras verificações do Comprova, é criticado na comunidade científica.

Proibição

“Me chamou a atenção a necessidade não só de falar que não funciona mas também proibir o uso das medicações. Medicações que antes eram de venda livre…”, escreve a médica no texto que viralizou. Ela afirma, erroneamente, que a venda, a prescrição ou o uso de algumas drogas teriam sido suspensos no país. Em nenhum momento da pandemia o governo federal, ou qualquer autoridade, retirou medicamentos de circulação.

Houve um conflito de ideias entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e profissionais da saúde que foram contra a adoção da cloroquina e da hidroxicloroquina no protocolo contra a covid-19. Esse embate levou, inclusive, à demissão do ministro da Saúde Nelson Teich, que se recusou a ampliar o uso da droga para pacientes com quadros leves da covid-19 por falta de evidências científicas.

No dia 24 de julho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma resolução que exige que as farmácias retenham receitas das pessoas que queiram comprar cloroquina, hidroxicloroquina, nitazoxanida e ivermectina. Segundo a Anvisa, o objetivo é impedir a compra indiscriminada dos medicamentos. A comercialização deles no país, porém, não está proibida, desde que o paciente apresente a receita médica.

Brandão afirma também que pesquisadores não conseguiram documentar ou justificar suas argumentações sobre o “temido efeito” que as drogas causam, as “arritmias graves”. Porém, diversos estudos sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina concluem que, além de não serem comprovadamente eficazes contra a covid-19, elas podem causar “eventos arrítmicos potencialmente fatais”, conforme nota da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac) citada em outra verificação do Comprova.

Outros profissionais

Além de Didier Raoult, Brandão cita em seu texto o médico Vladimir Zelenko. Ele atua em Nova York e ficou conhecido internacionalmente após afirmar ter obtido “resultados positivos tremendos” em um estudo no qual usou a combinação de hidroxicloroquina, zinco e azitromicina – a pesquisa, porém, sequer foi publicada em um periódico de saúde.

A médica brasileira conta ainda ter recebido um alerta ao encontrar em uma edição do livro Princípios de Medicina Interna de Harrison a “descrição da hidroxicloroquina/cloroquina como agente antiviral”. Segundo a 20ª edição da publicação (a mais atual), a hidroxicloroquina pode ser usada com outros remédios para tratar a febre Q crônica.

Além de ter publicado diversas verificações mostrando que não há nenhum estudo que comprove a eficácia da cloroquina nem da hidroxicloroquina contra o novo coronavírus, o Comprova conversou com Leonardo Weissmann, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, para saber sobre a ação antiviral das drogas. De acordo com ele, “a atividade antiviral da hidroxicloroquina está sendo estudada há décadas; é um medicamento que tem demonstrado atividade in vitro contra uma série de vírus, ou seja, em laboratório, mas essa ação não é vista em humanos”.

Conspiração

Procurada pelo Comprova, a médica reafirmou que existe uma conspiração contra a cloroquina. “Estão tentando evitar que seja usada. Pois concorre com o Tocilizumabe”, escreveu, por mensagem.

Em uma pesquisa sobre o medicamento mencionado, verificamos que, no Brasil, o nome comercial do tocilizumabe é Actemra e a patente é da farmacêutica multinacional Roche. As indicações do laboratório para o uso do remédio são os casos de artrite reumatoide, artrite idiopática juvenil poliarticular e artrite idiopática juvenil sistêmica. Também de acordo com a bula, a ação do tocilizumabe é imunossupressora e não há recomendação de uso quando o paciente apresentar algum tipo de infecção.

Durante a pandemia da covid-19, alguns hospitais começaram a utilizar o medicamento no tratamento dos pacientes e relataram bons resultados. A Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, porém, publicaram em maio as Diretrizes para o tratamento farmacológico da covid-19, e consideraram que os níveis de confiança nas evidências de eficácia do tratamento com o tocilizumabe eram muito baixas e que o custo era elevado, não recomendando o uso de rotina do medicamento nos casos de covid-19. Além disso, em junho, a Itália descartou o uso da droga no tratamento de pacientes com o novo coronavírus.

A médica ainda mencionou no contato com o Comprova, como exemplo da conspiração citada no texto que viralizou, alguns laboratórios farmacêuticos que se beneficiariam com a não indicação da cloroquina no tratamento da covid-19: Gilead, Biotoscana e United Medical. O Gilead é o laboratório que produz o remdesivir, e o Comprova já realizou uma verificação sobre uma suposta conspiração envolvendo a empresa. A Biotoscana, que é colombiana e também foi citada pela médica, registrou, na verdade, prejuízo de mais de R$ 50 milhões no primeiro trimestre de 2020 e atribuiu as perdas financeiras à pandemia da covid-19. A United Medical, de origem uruguaia foi comprada pelo grupo Biotoscana em 2014.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos de políticas públicas do governo federal e da pandemia de covid-19 que tenham viralizado na Internet. O texto de Helen Brandão publicado no site Diário do Brasil teve 21.917 interações nas redes sociais, segundo a plataforma de monitoramento Crowdtangle, sendo compartilhado por diversas páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Facebook.

Em ao menos dois grupos do Facebook onde a mensagem circulou, o link foi compartilhado junto com uma mensagem que sugeria submeter as pessoas com visão crítica da cloroquina à morte por enforcamento, em referência ao Tribunal de Nuremberg, que julgou crimes de guerras cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Desde o início da pandemia, o Comprova já mostrou serem enganosos um site com nome de vários médicos que sugeria haver consenso para tratamento do novo coronavírus e vídeos em que médicas sugerem ser comprovado que o uso da hidroxicloroquina e da ivermectina curem a covid-19. Também já mostrou estarem fora de contexto conteúdos que viralizaram recentemente sobre vacinas, medicamentos naturais e sobre o andamento da pandemia no Brasil.

Enganoso para o Comprova é todo conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-07-29

Médica usa informações falsas em vídeo para falar em cura da covid-19

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirma uma médica em vídeo que viralizou, tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto as autoridades sanitárias dos Estados Unidos e do Brasil já declararam que ainda não há cura para o novo coronavírus e que as máscaras são uma das poucas medidas eficazes para evitar a propagação do vírus
  • Conteúdo verificado: Um vídeo com informações falsas sobre a covid-19. Nele, uma médica afirma que a doença tem cura: um coquetel de hidroxicloroquina, azitromicina e zinco. Ela também diz que curou mais de 350 pessoas e que as máscaras são desnecessárias. As imagens foram feitas nos Estados Unidos e compartilhadas nos perfis do presidente Donald Trump e de Madonna. Uma versão editada e legendada em português da gravação foi compartilhada pelo Twitter de uma apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O vídeo em que uma médica camaronesa radicada nos Estados Unidos defende um coquetel de medicamentos como cura para a covid-19 e critica o uso de máscaras apresenta informações falsas. Tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto as autoridades sanitárias dos Estados Unidos e do Brasil já declararam que ainda não há cura para o novo coronavírus e que as máscaras são uma das poucas medidas eficazes para evitar a propagação do vírus.

A gravação foi feita nos Estados Unidos e teve ampla viralização em redes sociais, sendo compartilhada até pela cantora Madonna e pelo presidente norte-americano Donald Trump. Twitter, Facebook, Instagram e YouTube derrubaram algumas publicações do vídeo alegando que ele cria desinformação sobre a pandemia.

No Brasil, o conteúdo viralizou com legendas em português em uma postagem no Twitter. A equipe do Comprova tentou contato, por meio de mensagem na plataforma, com a mulher que publicou o vídeo, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

A médica que fala no vídeo aparece nas legendas como Stella Emanuel. Uma busca simples no Google mostrou que a grafia do sobrenome é Immanuel. Com o nome correto, encontramos informações sobre ela em sites de veículos dos Estados Unidos. Também foi possível localizar seu registro profissional no Texas Medical Board (TMB), órgão equivalente ao Conselho Regional de Medicina.

Pesquisamos sobre a viralização do vídeo nas plataformas Tweetdeck e CrowdTangle, buscamos informações a respeito do uso de medicações e máscaras no combate à covid-19 em sites oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Center for Disease Control and Prevention (CDC), National Health Service (NHS) e do Ministério da Saúde brasileiro. Também nos embasamos em checagens anteriores feitas pelo Comprova sobre tratamentos para o novo coronavírus.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 29 de julho de 2020.

Verificação

O vídeo que viralizou pelo Twitter foi gravado em frente ao prédio da Suprema Corte dos Estados Unidos, em Washington D.C., capital do país. Nas imagens, a médica afirma que a covid-19 tem cura, que já tratou mais de 350 pacientes e nenhum morreu. “Esse vírus tem uma cura! Ela se chama hidroxicloroquina, zinco e azitromicina. Eu sei que as pessoas querem falar sobre máscaras. Oi? Vocês não precisa de uma máscara. Tem cura!”, alega.

As imagens foram feitas durante o White Coat Summit (Encontro do Jaleco), reunião do grupo de médicos America’s Frontline Doctors (Médicos da Linha de Frente), que questiona o consenso científico sobre o novo coronavírus. O evento foi organizado por um grupo de direita ligado ao Partido Republicano, os Tea Party Patriots. O vídeo foi compartilhado pelo site conservador Breitbart News, chegando a 13 milhões de visualizações.

A gravação ganhou ainda mais notoriedade depois que foi postada na página do Twitter do filho mais velho do presidente norte-americano, Donald Trump Jr, que escreveu que as imagens “precisavam ser vistas”. A plataforma tirou o vídeo do ar e suspendeu o acesso de Trump Jr. por 12 horas, alegando que o tuíte disseminava informações falsas. Mas o pai dele, Donald Trump, já tinha compartilhado o conteúdo para mais de 84 milhões de seguidores.

Além do Twitter, Facebook e YouTube tiraram o vídeo de suas plataformas também sob a alegação de que ele espalha desinformação sobre a covid-19. Stella Immanuel reclamou da decisão. “Se a minha página não voltar o Facebook vai cair em nome de Jesus”, escreveu. No dia seguinte, a médica publicou uma outra versão do vídeo, gravada de outro ângulo mas com as mesmas informações, em seu perfil no Twitter.

Outros famosos compartilharam o vídeo. A cantora Madonna publicou as imagens no Instagram. A plataforma marcou o post como falso e, menos de 24 horas depois, a artista deletou a postagem.

Aqui no Brasil, as imagens foram compartilhadas por Paula Marisa, uma apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com mais de 147,9 mil seguidores no Twitter. Seu perfil a identifica como jornalista e especialista em educação e tem, entre os seguidores, o próprio presidente e seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo. Os ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) também a seguem.

Muitas das postagens de Paula minimizam a situação da pandemia. Um dos compartilhamentos feito na rede é de uma postagem do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) creditando o aumento de casos de covid-19 no Rio Grande do Sul ao frio — e não à reabertura do comércio na região.

Além de compartilhar o vídeo investigado nesta verificação, Paula publicou uma notícia acusando as redes sociais de censura depois de apresentarem outras checagens em que ele foi considerado falso.

O Comprova entrou em contato com ela por meio do Twitter, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.

Quem é a médica que aparece no vídeo?

Stella Immanuel é médica de Camarões radicada no Texas, nos Estados Unidos. Seu registro no Texas Medical Board (TMB) é válido até novembro de 2020. No vídeo verificado, Immanuel afirma que conhece bem a hidroxicloroquina porque a prescrevia para o tratamento da malária na Nigéria, onde estudou medicina. Segundo o TMB, a médica se formou na University of Calabar, na Nigéria, e fez a residência em pediatria em Nova Iorque. Ela tem uma clínica privada na cidade de Houston.

Immanuel também é pastora evangélica e em seus sermões costuma fazer declarações polêmicas sobre assuntos relacionados à medicina. Já afirmou que relações sexuais com demônios são a origem de doenças ginecológicas, que o DNA de aliens é usado em tratamentos médicos e que cientistas estão desenvolvendo uma vacina para acabar com as religiões. “Eles encontraram o gene na mente das pessoas que faz com que você seja religioso e agora podem vacinar contra isso”, disse.

Depois da fama conquistada pela gravação verificada aqui, Immanuel publicou um outro vídeo em que exige que jornalistas e médicos, como Anthony Fauci — chefe do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, consultor técnico da Casa Branca e um dos principais especialistas em doenças infecciosas nos Estados Unidos —, cedam amostras de urina para provar que não estão tomando hidroxicloroquina secretamente. Ela também pediu que o presidente Donald Trump a recebesse na Casa Branca.

Covid-19 tem cura?

O Center for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos e a OMS são categóricos: não há cura para a covid-19. Uma série de medicamentos e vacinas estão em estudo mas, por enquanto, nenhum teve a eficácia totalmente comprovada. Por isso, as medidas indicadas para a prevenção do novo coronavírus são não farmacológicas, como a higienização de mãos e superfícies, o distanciamento social e o uso de máscaras.

Hidroxicloroquina não tem eficácia comprovada

A médica defende um coquetel para tratar pacientes de covid-19: a hidroxicloroquina, a azitromicina e o zinco. Nenhum desses medicamentos têm eficácia cientificamente comprovada contra o novo coronavírus. O zinco é um suplemento alimentar e a azitromicina é um antibiótico, ou seja, é indicada para o combate de bactérias. Alguns médicos têm prescrito a droga para evitar o surgimento de infecções oportunistas em pacientes de covid-19.

A hidroxicloroquina e a cloroquina são drogas para o tratamento da malária e de doenças autoimunes, como lúpus. O uso das substâncias em tratamento de pacientes com covid-19 surgiu por causa de um estudo de 2005, que indicava efeitos positivos contra outros tipos de coronavírus em laboratório. Mas os testes em humanos nunca aconteceram. Em março de 2020, já com a pandemia se espalhando pelo planeta, o médico francês Didider Raoult publicou um estudo afirmando que o uso da cloroquina teria curado 75% dos pacientes com covid-19 em seis dias. A pesquisa foi alvo de críticas da revista Science, referência em pesquisas científicas, e seus resultados foram questionados e considerados incompletos.

Mesmo assim as substâncias passaram a ser defendidas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ele afirmou ter tomado hidroxicloroquina para evitar a infecção pelo novo coronavírus. Ainda assim, a Food and Drugs Administration (FDA), órgão equivalente à Anvisa, revogou a autorização para o uso emergencial da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 no país.

O presidente Jair Bolsonaro seguiu o exemplo e passou a defender o uso da cloroquina no Brasil. Ele ordenou que o Laboratório do Exército produzisse o medicamento e a pressão pela adoção da substância custou o cargo de dois ministros da Saúde. Em 20 de maio, o protocolo adotado pelo Ministério da Saúde brasileiro ampliou a possibilidade do uso das duas drogas para pacientes com sintomas leves da doença – até então, elas eram previstas apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais.

Estudos publicados no Journal of the American Medical Association (Jama), no British Medical Journal (BMJ) e no New England Journal of Medicine (NEJM) apontaram que pacientes tratados com cloroquina e hidroxicloroquina não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os mesmos remédios.

A OMS e o National Health Service cancelaram estudos com cloroquina e hidroxicloroquina.

Neste mês, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe em que afirma ser “urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19” diante das novas evidências científicas.

A posição dos médicos não mudou a opinião do presidente Bolsonaro, que teve covid-19 e declarou que tomou cloroquina para se tratar. Hoje, o Ministério da Saúde tem quatro milhões de comprimidos em estoque.

O Projeto Comprova já checou conteúdos que defendiam o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina em diversas ocasiões. As verificações mais recentes são sobre um estudo realizado na França e sobre o protocolo de tratamento da covid-19 em Cuba.

Máscaras são necessárias

Stella Immanuel critica o uso de máscaras alegando que a covid-19 tem cura e, por isso, o equipamento de segurança é desnecessário. Mas em vídeos gravados em sua clínica, Immanuel aparece usando máscara do tipo N95 — que oferece maior proteção. Em outra gravação, publicada em 28 de abril, ela e uma funcionária orientam os pacientes que vão visitar a clínica para que eles higienizem as mãos e usem máscaras.

A OMS recomenda o uso de máscaras como parte da estratégia para evitar a transmissão do novo coronavírus, combinado com o distanciamento de pelo menos um metro entre as pessoas, a higienização das mãos e o cuidado para não tocar o rosto ou a própria máscara. A organização reconhece que as máscaras de pano têm efetividade limitada para evitar o contágio, mas recomenda que os governos estimulem o uso em regiões com transmissão comunitária do vírus onde haja capacidade limitada para implementar medidas de controle. A regra vale especialmente para locais onde não é possível manter o distanciamento físico, como transporte público, lojas e ambientes fechados. A OMS também sugere que as máscaras cirúrgicas e N95 sejam destinadas a profissionais de saúde, pacientes com sintomas de covid-19 e familiares e pessoas de grupos de alto risco, como idosos e portadores de comorbidades.

O CDC também recomenda o uso de proteções para evitar a disseminação do novo coronavírus. Aqui no Brasil, o Ministério da Saúde passou a recomendar o uso de máscaras caseiras em abril. Elas precisam ser feitas de duas camadas de pano, cobrir totalmente a boca e o nariz e ser justas ao rosto, sem deixar espaço nas laterais. O uso é individual e os equipamentos de proteção não podem ser compartilhados com outras pessoas.

Nesta verificação, a equipe do Comprova explica em detalhes como as máscaras ajudam na prevenção.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase, o Comprova faz verificações de conteúdos que versam sobre políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia de covid-19 e que tenham grande viralização. O conteúdo verificado aqui, depois de atingir milhões de pessoas ao ser divulgado pelo presidente dos Estados Unidos e por seu filho, continuou circulando nas redes sociais. A publicação no Twitter, objeto da verificação, teve quase 11 mil interações até o dia 29 de julho.

O vídeo também apareceu no Facebook, mas com menos alcance — pouco mais de duas mil interações até a mesma data. Pelos comentários é possível deduzir a razão. Um usuário reclama que o conteúdo foi apagado pela plataforma. Mesmo assim ele insistiu, publicando as imagens cinco vezes. “Venci pelo cansaço”, vangloriou-se.

No caso do novo coronavírus, a desinformação provocada por conteúdos falsos e enganosos pode promover comportamentos danosos, como uma desmobilização da sociedade diante da suposta existência de uma cura para a doença. Este debate tem sido intenso tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, uma vez que os respectivos presidentes, Donald Trump e Jair Bolsonaro, têm promovido o uso da hidroxicloroquina apesar da ausência de evidências científicas sobre sua efetividade.

A “receita” que Stella Immanuel divulga contra a covid-19, unindo hidroxicloroquina, zinco e azitromicina, circula ao menos desde abril. Naquele mês, o círculo de Donald Trump levou para a fama um médico de Nova Iorque chamado Vladimir Zelenko, que alegava ter “resultados positivos tremendos” com essa combinação. O estudo, entretanto, não fora publicado em nenhum periódico de saúde.

Estados Unidos e Brasil são os dois países mais atingidos pela pandemia. De acordo com dados da Universidade Johns Hopkins, até a data desta verificação os americanos haviam registrado 4.396.030 casos de covid-19 e 662.297 mortes. Aqui, 2.483.191 pessoas foram infectadas e o novo coronavírus já custou a vida de 88.539 brasileiros.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O site norte-americano PolitiFact verificou o vídeo com a fala de Stella Immanuel e concluiu que as alegações são falsas. No Brasil, a Agência Lupa e o Boatos.org também classificaram o conteúdo como falso.

Saúde

Investigado por: 2020-07-27

Imagem de Doria tomando vacina é de março, antes do uso de máscara se tornar obrigatório em São Paulo

  • Enganoso
Enganoso
Imagem que circula nas redes sociais é de um trecho de reportagem da Rede Globo que mostra o governador João Doria (PSDB) tomando a vacina anual contra a gripe. A matéria foi veiculada em março, 43 dias antes da publicação do decreto que tornou obrigatório o uso de máscaras em São Paulo
  • Conteúdo verificado: Post no Twitter e no Facebook mostra uma imagem em que o governador de São Paulo, João Doria, é vacinado no braço esquerdo e questiona o fato de ele e a médica não usarem máscara

Imagem que mostra o governador de São Paulo, João Doria, sem máscara, tomando vacina está sendo usada fora de contexto e promovendo desinformação nas redes sociais. A foto, que viralizou no Twitter e no Facebook após o início dos testes da vacina contra a covid-19, vem acompanhada de um texto que questiona o fato de o governador e a profissional de saúde que aplica a vacina não usarem máscara. As postagens também sugerem que o tratamento da mídia para este fato seria diferente caso o político vacinado sem máscara fosse o presidente Jair Bolsonaro.

A foto que circula nas redes sociais é um frame (imagem estática) de uma reportagem da Rede Globo que mostra Doria tomando a vacina anual contra a gripe. A matéria foi veiculada em março, 43 dias antes do decreto que tornou obrigatório o uso de máscaras no estado de São Paulo ser publicado no Diário Oficial.

Ou seja, João Doria não tomou a vacina contra o novo coronavírus que está sendo testada em São Paulo desde o dia 21 de julho. Apenas profissionais da saúde estão recebendo a vacina, ainda em fase de teste – no total, são 9 mil pessoas nesta primeira fase.

Como verificamos?

No primeiro passo dessa verificação, o Comprova fez uma busca reversa no Google pela imagem que aparece nas redes sociais para descobrir quando ela foi postada na Internet pela primeira vez e em que contexto.

Na sequência, para apurar a veracidade do conteúdo investigado, buscamos o decreto que obriga o uso de máscaras em São Paulo e informações sobre quem participará dos testes da vacina contra o novo coronavírus. Por fim, procuramos a assessoria do governador João Doria para verificar se ele participa dos testes da vacina contra a covid-19.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 27 de julho de 2020.

Verificação

A vacina da gripe

As imagens que aparecem nas postagens do Facebook são de uma reportagem do telejornal SP1 exibida pela rede Globo em 23 de março. A matéria anuncia que Doria tomou a vacina da gripe naquela data — que marcou o início da campanha nacional de vacinação, promovida pelo Ministério da Saúde. Ainda no dia 23, no Twitter, Doria postou uma foto recebendo uma dose da vacina. A gripe é causada pelo vírus influenza, enquanto a covid-19 é causada pelo vírus SARS-CoV-2.

O uso de máscaras em São Paulo

Os autores da postagem acusam Doria e a profissional da saúde que está aplicando a vacina de descumprirem os protocolos para diminuir a transmissão do novo coronavírus, destacando que ambos não estão utilizando máscaras.

Conforme apurado, as imagens datam de 23 de março. A obrigatoriedade do uso de máscaras no estado foi instituída mais de um mês depois, no dia 4 de maio, e passou a valer a partir do dia 7 daquele mês. O descumprimento pode levar à multa que varia entre R$ 524,59 e R$ 1380,50.

Os testes com a vacina para o novo coronavírus no estado

As imagens de Doria recebendo a vacina da gripe voltaram a viralizar nas redes sociais após o início dos testes de uma potencial vacina da covid-19 em São Paulo, em 21 de julho. Tiradas do contexto, as imagens podem sugerir que, além de desobedecer os protocolos sanitários do estado para o combate da pandemia, o governador tenha participado dos testes e recebido uma dose da vacina experimental.

A assessoria do governo de São Paulo afirmou ao Comprova que Doria não tomou a vacina. O governador apenas acompanhou a aplicação das doses nos primeiros voluntários a receberem as doses, no dia 21 de julho

Ao todo, nove mil voluntários de seis estados participarão do teste da vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech no Brasil. Todos precisam ser profissionais de saúde, não podem ter contraído o novo coronavírus e não devem estar participando de outros testes ou tratamentos para prevenção da doença. As mulheres também não podem estar grávidas. Os voluntários se candidataram pela Internet.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19. Quando se trata de vacinas e tratamentos, a verificação é ainda mais importante porque pode levar as pessoas a tomarem decisões equivocadas que aumentam os riscos de contaminação. Além disso, muitas ondas de desinformação são influenciadas pela polarização ideológica no país.

Até o fechamento dessa verificação, no dia 27 de julho, a publicação com a imagem de Doria tinha 66 mil compartilhamentos no perfil de Patrícia Parisotto no Facebook e 1,2 mil curtidas no perfil Paulo de Tarso no Twitter.

O Estadão Verifica e a Agência Lupa verificaram este mesmo conteúdo e chegaram a conclusão de que ele é, respectivamente, fora de contexto e falso.

O Comprova também já mostrou que os lotes da vacina contra a covid-19 da Sinovac Biotech que chegaram a São Paulo são apenas para testes, e não para imunizar a população, e que o governador João Doria não firmou a parceria para fabricação das vacinas antes do início da pandemia.

Enganoso para o Comprova é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado.

Saúde

Investigado por: 2020-07-24

Site engana ao afirmar que baixa mortalidade por covid-19 em Cuba é por conta da hidroxicloroquina

  • Enganoso
Enganoso
Texto distorce declarações de especialista cubano para tentar provar eficácia da cloroquina. Ao Comprova, o próprio médico citado e o coordenador do grupo que enfrenta a covid-19 em Cuba afirmaram que os números do país se devem a um conjunto de fatores
  • Conteúdo verificado: Texto do site Pleno.News que usou trechos de reportagem da agência estatal turca Anadolu sobre a relação da hidroxicloroquina com o baixo número de óbitos por covid-19 em Cuba

É enganoso que o bom desempenho de Cuba frente à pandemia de covid-19 seja atribuído ao uso de hidroxicloroquina. É o que afirma, erroneamente, texto do site Pleno.News que viralizou nas redes sociais no Brasil. As informações, baseadas em reportagem da agência de notícias estatal turca Anadolu, foram compartilhadas, por exemplo, pelos deputados federais Carla Zambelli (PSL-SP) e Marco Feliciano (Republicanos-SP).

Para fazer a relação entre a hidroxicloroquina e o baixo número de mortes no país, o texto distorce declarações do pesquisador cubano Agustín Lage (grafado como Augustin na postagem veificada), consultor de um grupo de organizações que colabora com o Ministério da Saúde Pública de Cuba. Em entrevista ao Comprova, Lage afirmou ter dito que a droga faz parte do tratamento juntamente com outros medicamentos, mas que não pode ser considerada a única responsável pelo bom desempenho do país no combate à pandemia – informação acrescentada em uma atualização do texto no site Pleno.News em 16 de julho.

Entretanto, o Comprova também conversou com Ricardo Pereda, coordenador do grupo para o tratamento da covid-19 no ministério e, de acordo com ele, o protocolo cubano para a doença não inclui a hidroxicloroquina – apenas a cloroquina foi incorporada.

Como verificamos?

O primeiro passo foi procurar pelos termos “Augustin Lage” e “hydroxychloroquine” no Google para ler a entrevista original do pesquisador cubano. A busca nos retornou uma reportagem publicada pela agência turca Anadolu. O texto afirma que “autoridades médicas cubanas dizem que o país usa a hidroxicloroquina e outras drogas exclusivas para o tratamento contra o novo coronavírus”.

Como a Anadolu é estatal, consultamos matérias publicadas em veículos internacionais para saber qual é o posicionamento do governo turco com relação à hidroxicloroquina. Solicitamos informações ao Ministério da Saúde da Turquia em 15 de julho, mas não obtivemos resposta até a publicação desta verificação.

O segundo passo foi entrar em contato com Agustín Lage. O texto publicado pela Anadolu diz que ele é consultor do presidente do grupo empresarial BioCubaFarma e ex-diretor do Centro de Imunologia Molecular (CIM) de Havana. Assim, entramos em contato por e-mail e por mensagens no Facebook com as duas instituições, bem como com o Ministério da Saúde cubano, em 16 de julho. Tanto o CIM quanto a BioCubaFarma confirmaram que ele era, respectivamente, ex-diretor e consultor científico. Disseram que passariam nosso contato para o pesquisador, mas não tivemos retorno.

O Projeto Comprova, então, solicitou a jornalistas cubanos que participam da aliança de organizações latino-americanas de fact-checking LatamChequea o contato de Lage. Eles nos passaram o e-mail do médico e, assim, conseguimos abordá-lo sobre sua entrevista para a agência turca e também sobre suas afirmações acerca da hidroxicloroquina. Lage ainda nos passou o contato de Ricardo Pereda, coordenador do grupo para o tratamento da covid-19 no Ministério da Saúde Pública de Cuba. Ele nos informou, por e-mail, que o protocolo cubano não inclui a hidroxicloroquina, dado que pudemos confirmar no site Covid19CubaData, enviado por um dos jornalistas cubanos. Com essa informação, tentamos falar novamente com Lage, mas ele não respondeu mais os e-mails até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de julho de 2020.

Verificação

Texto da agência Anadolu

A agência estatal turca Anadolu publicou, em 10 de julho, uma reportagem sobre o tratamento precoce da covid-19 em Cuba. A matéria entrevista o médico cubano Agustín Lage, identificado como “consultor do presidente da BioCubaFarma e ex-diretor do Centro de Imunologia Molecular de Havana”.

O conteúdo dá destaque ao uso da hidroxicloroquina no tratamento. Segundo Lage afirma na reportagem, os médicos cubanos estão cientes da “polêmica” envolvendo o medicamento, mas “consideram positivos os resultados” que sua prescrição alcançou. Ainda nas palavras do médico, a hidroxicloroquina “é usada nos estágios iniciais da doença em pacientes sem comorbidades, uma vez que a droga poderia agravá-las”. Em seguida, ele nega que a hidroxicloroquina seja “o principal produto usado no protocolo de tratamento da covid-19” e destaca o papel da BioCubaFarma no combate à pandemia, uma vez que alguns dos remédios são produzidos em Cuba.

O governo da Turquia considera a prescrição de hidroxicloroquina como um fator preponderante no combate à pandemia no país, conforme disse à rede norte-americana CBS um dos consultores do grupo montado para atuar contra a pandemia. Já a rede britânica BBC mostrou o entusiasmo do diretor de um hospital onde é utilizado o protocolo de tratamento com o medicamento. Ambos os textos lembram que estudos ao redor do mundo falharam em provar a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 (veja mais abaixo).

O que diz Agustín Lage

O médico afirmou por e-mail ao Projeto Comprova que o propósito de sua entrevista para a agência Anadolu era falar dos produtos da biotecnologia cubana. “Ao que parece, os jornalistas estavam especialmente interessados nestes dois medicamentos (cloroquina e hidroxicloroquina), por isso, lhe deram maior visibilidade (no texto)”, disse o especialista.

Questionado se a hidroxicloroquina é um dos medicamentos responsáveis pelo baixo número de mortes pela covid-19 em Cuba, Lage respondeu falando sobre a cloroquina – os dois medicamentos levam a mesma substância (a cloroquina), mas têm efeitos distintos, segundo reportagem do UOL. Ao Comprova, Lage escreveu: “Eu não disse que a cloroquina foi responsável pela baixa mortalidade da covid-19 em Cuba. Este é um dos medicamentos, dentre outros. Na verdade, a baixa mortalidade no país é resultado da política de saúde estabelecida em plano único que envolve muitos ministérios e organizações do Estado e que inclui ações epidemiológicas e clínicas”.

Depois de conversar com Pereda, do Ministério da Saúde Pública de Cuba, e ser informado de que o país não inclui a hidroxicloroquina em seu protocolo, o Comprova tentou falar novamente com Lage, mas ele não respondeu as perguntas enviadas por e-mail.

Protocolo da covid-19 em Cuba

Diferentemente do que afirma o texto da Anadolu, Cuba não usa a hidroxicloroquina, conforme contou ao Comprova Ricardo Pereda, coordenador do grupo central para tratamento da covid-19 do Ministério da Saúde Pública cubano. A informação também foi confirmada no site Covid19CubaData, que apresenta os medicamentos usados em cada versão do protocolo cubano e é utilizado pelo governo.

“A partir da segunda versão do protocolo, utilizamos a cloroquina; não dispusemos de hidroxicloroquina”, afirmou, por e-mail, Pereda. Na quarta atualização do protocolo, o país passou a utilizar a cloroquina em conjunto com outras drogas em pacientes testados positivos para covid-19 e com sintomas clínicos de evolução para uma piora. De acordo com o especialista, os protocolos cubanos se baseiam em terapias combinadas com medicamentos resultantes da biotecnologia nacional e uma nova versão do protocolo vai ser lançada oficialmente nos próximos dias.

Questionado sobre se a cloroquina é uma das responsáveis pelo baixo número de vítimas do novo coronavírus em Cuba, como afirma o texto verificado, Pereda foi categórico: “Não é uma droga. É uma estratégia epidemiológica de intervenção em escala nacional, a partir de um plano nacional dirigido pelo estado, no qual todos participam”. E acrescentou que o sucesso também é resultado de medidas como o isolamento de contatos suspeitos e confirmados, o tratamento no início dos sintomas – e tratamentos para as diferentes fases da doença – e a combinação de medicamentos. “Não existe, até agora, um medicamento de total eficácia comprovada, que seja o responsável pelos resultados favoráveis”, esclareceu.

No contato com o Comprova, Pereda afirmou que “toda a sociedade, de uma forma ou de outra, participou do combate à covid-19” e exemplificou medidas como “a educação da população, a informação correta, a total transparência da informação a que o povo tem acesso diariamente e as campanhas educativas em todos os meios disponíveis”.

BioCubaFarma e Centro de Imunologia Molecular de Havana

Segundo Lage, a BioCubaFarma é um grupo de 32 empresas da área farmacêutica e de biotecnologia, que colabora estreitamente com o Ministério da Saúde Pública de Cuba, mas não faz parte dele. A instituição atua em diferentes programas de saúde do governo por meio de pesquisas e fornecimento de diferentes remédios – é responsável pelo fornecimento de 60% dos medicamentos considerados essenciais em Cuba, inclusive de alguns para o tratamento da covid-19, “garantindo a cobertura nacional e o acesso universal gratuito para o paciente”. A empresa não participa da formulação do protocolo de tratamento.

Já o Centro de Imunologia Molecular (CIM) de Havana, que Agustín dirigiu até 2018 e atualmente mantém relações como docente, é um centro de pesquisa. Seu campo de atuação é o tratamento de câncer e outras doenças não infecciosas. Por isso, conforme explicou Lage, o papel do CIM no combate da covid-19 tem sido prestar apoio para outras instituições de atuação mais direta.

Hidroxicloroquina e cloroquina

Em 20 de maio, o protocolo adotado pelo Ministério da Saúde brasileiro ampliou a possibilidade do uso das duas drogas para pacientes com sintomas leves da doença – até então, elas eram previstas apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais. A publicação foi uma pressão política do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e custou o cargo do então ministro da Saúde Nelson Teich. O documento, porém, ressalta que não há comprovação da eficácia das medicações e deixa sua prescrição a critério dos médicos.

Também em maio, o Journal of the American Medical Association (Jama) e o British Medical Journal (BMJ) publicaram pesquisas questionando a eficácia tanto da cloroquina quanto da hidroxicloroquina. Os resultados dos estudos apontaram que pacientes tratados com essas drogas não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os mesmos remédios.

Em junho, pesquisadores do Recovery, estudo clínico conduzido no Reino Unido, afirmaram não haver benefício no uso da hidroxicloroquina em pessoas com covid-19.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) informou no dia 4 de julho deste ano que aceitou a recomendação do Comitê Diretor Internacional do Estudo de Solidariedade – grupo de estudos clínicos, do qual participam 5500 pacientes em 21 países – para interromper os estudos sobre hidroxicloroquina devido aos baixos resultados e avanços na redução da mortalidade de pacientes com covid-19 hospitalizados. “Esses resultados provisórios mostram que a hidroxicloroquina e o lopinavir/ritonavir produzem pouca ou nenhuma redução na mortalidade de pacientes com covid-19 hospitalizados quando comparados ao padrão de atendimento. Os investigadores do estudo interromperam os estudos com efeito imediato”, explica a declaração, no site da OMS.

No dia 17 de julho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe no qual, diante de novas evidências científicas, afirma ser “urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19”.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia de covid-19 que viralizam nas redes sociais. As ondas de desinformação são pautadas pela polarização e o mesmo padrão se repete na pandemia. A hidroxicloroquina e a cloroquina foram levadas para o centro da disputa ideológica após os presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, do Brasil, defenderem seu uso – mesmo sem comprovação científica.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) salienta que até o momento não há tratamento ou vacina disponível para a covid-19. Apesar disso, cada país adota um protocolo de tratamento dos sintomas e de apoio aos doentes que considerar melhor. Por isso, os protocolos de outros países são comumente tirados de contexto para avalizar um tipo ou outro de remédio.

O Comprova já desmentiu que a África tivesse controlado a pandemia apenas com o tratamento do vermífugo ivermectina. Tampouco o uso da cloroquina seria responsável pela situação da covid-19 no Senegal.

O texto publicado pelo site Pleno.News teve mais de 247 mil interações até a publicação desta checagem, segundo a ferramenta de monitoramento de redes sociais CrowdTangle. As informações foram compartilhadas por outros blogs como o Gazeta Brasil e também serviram de fonte para post dos deputados federais Carla Zambelli (PSL-SP) e Marco Feliciano (Republicanos-SP)

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

ATUALIZAÇÃO: Esta verificação foi atualizada em 12 de março de 2021 para deixar mais clara a diferença entre o nome correto de Agustín Lage e Augustin Lage, forma como foi mencionado na postagem verificada pelo Comprova.

Saúde

Investigado por: 2020-07-24

Vacinas para covid-19 que chegaram ao Brasil são para testes e não para imunização da população

  • Enganoso
Enganoso
Publicação no Instagram comemorava a chegada da vacina sem dizer que se tratava de um lote para teste em voluntários. O autor corrigiu a informação depois de alertado pelo Comprova
  • Conteúdo verificado: Post no Instagram do ginasta Diego Hypolito que comemorou a chegada à São Paulo dos primeiros lotes da vacina chinesa contra a covid-19

É enganosa uma postagem no perfil de Instagram do ex-ginasta Diego Hypolito que comemorava a chegada da vacina para a covid-19 no Brasil sem explicar que se tratavam de doses ainda em fase de testes. Após troca de mensagens com o Comprova, em 22 de julho, Hypolito acrescentou na legenda do post a informação de que são vacinas ainda sendo testadas.

Embora o ginasta tenha corrigido a informação, o Comprova fez a verificação do conteúdo para alertar as milhares de pessoas que acessaram o post original nos dois dias em que a informação enganosa permaneceu no ar.

O post, de 20 julho, apresenta uma montagem com duas fotos e o título “Avião com lotes da vacina chinesa contra a covid-19, (sic) chegou nesta segunda-feira (20) em São Paulo”. As imagens são de uma medicação etiquetada como vacina do novo coronavírus e de um avião sendo descarregado.

Na data da postagem, lotes da vacina produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech chegaram ao aeroporto de Cumbica, em São Paulo. Trata-se de um lote que será testado por voluntários brasileiros — parte de um acordo firmado entre a empresa e o governo paulista. Ao mencionar apenas a chegada do lote, o conteúdo induz à interpretação de que se trata de uma imunização definitiva. Ainda há diversas etapas a serem cumpridas no processo de testagem até que a vacina seja aprovada e comercializada. Veja mais abaixo quais são elas.

Como verificamos?

Para fazer esta verificação, o Comprova buscou informações sobre a chegada das doses de vacina contra a covid-19 produzidas pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech ao Brasil. Pesquisamos sobre o assunto nos sites do Instituto Butantan e do governo de São Paulo que, juntos, fizeram uma parceria com a companhia chinesa para participar dos testes.

Procuramos por Diego Hypolito, autor da postagem, para identificar a fonte da informação. Ele alterou a legenda do post após o contato com Comprova e acrescentou se tratar de uma vacina em fase de testes.

Por fim, usamos mecanismos de busca reversa do Google para encontrar a origem das duas imagens usadas na publicação de Diego e verificar se elas, de fato, se referiam à chegada da vacina a São Paulo.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de julho de 2020.

Verificação

A postagem

Publicada em 20 de julho no perfil do ex-ginasta Diego Hypolito no Instagram, a postagem era um agradecimento a Deus pela chegada das vacinas ao Brasil. O post apresenta o logo e a marcação da página Fuxiquei na rede social. Ao entrar no perfil, o Comprova encontrou a publicação original, também datada de 20 de julho, que apenas na descrição informava se tratar de uma vacina a ser usada em ensaios clínicos.

Procurado pelo Comprova em 22 de julho, Diego confirmou ter retirado o conteúdo do Fuxiquei e perguntou se a notícia era falsa. Ao saber que o título podia render outra interpretação — já que a vacina segue em fase de testes e ainda não é garantida —, alterou a descrição da imagem. Após o agradecimento pela chegada do lote de vacinas, adicionou a frase: “Estão em fase de teste ainda”.

Ele declarou, em áudio do WhatsApp, ter ficado feliz com a notícia da chegada das vacinas e disse ter acrescentado a descrição sobre a fase de testes por preocupação com a proliferação de “fake news” em torno do tema.

Foto retirada de banco de imagens

A imagem utilizada pelo Fuxiquei é uma montagem com duas fotos. Uma delas é de uma medicação que apresenta um rótulo de “vacina para covid-19”. Ao clicar na imagem e realizar a busca reversa no Google, o Comprova chegou ao site Pos Belitung, da Indonésia, que creditava a foto ao banco de imagens iStockPhoto.

No iStock, banco de imagens ligado ao Getty Images, encontramos a foto após uma busca pelos termos “vacina” e “coronavírus”. A imagem é descrita como “ilustrativa” e foi publicada em 16 de março de 2020. O fotógrafo Manjurul é creditado como o autor.

Já a busca reversa pela foto do avião, também aplicada em busca reversa no Google, levou a uma matéria da TV Globo sobre o descarregamento das vacinas vindas da China no Brasil. A imagem é a mesma que ilustra a notícia do G1 a respeito da chegada do lote no aeroporto de Cumbica, em São Paulo.

As vacinas

O governo de São Paulo anunciou, em 11 de junho, uma parceria entre o Instituto Butantan e a empresa farmacêutica chinesa Sinovac Biotech para a realização de testes de uma vacina capaz de prevenir a covid-19. Um acordo de confidencialidade com a Sinovac havia sido firmado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) no dia 12 de maio de 2020. O termo foi publicado no Diário Oficial do estado em 5 de junho. O Comprova já havia mostrado que a parceria do governo de São Paulo com a Sinovac não foi firmada antes do início da pandemia.

Os testes foram autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no início de julho. Já havia sido definido que o estudo clínico envolveria nove mil pessoas. O governo paulista passou, então, a recrutar voluntários para os testes. Para se candidatar, era preciso ser profissional de saúde, estar atuando no tratamento de pacientes com o novo coronavírus e ainda não ter sido infectado pelo SARS-CoV-2. Também era necessário não ter se submetido a outros estudos de prevenção à doença, nem ter doenças instáveis ou que demandem medicações capazes de alterar a resposta imune. Além disso, grávidas não podiam participar.

O voo que trouxe os lotes da vacina ao Brasil partiu de Frankfurt, na Alemanha, e chegou ao Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, na madrugada do dia 20 de julho. Imagens publicadas pela TV Globo e pelo jornal Folha de S.Paulo mostram o descarregamento da aeronave da empresa aérea alemã Lufthansa. O ângulo da foto, a máquina de descarga e o transporte são os mesmos que aparecem na imagem do conteúdo verificado.

Os primeiros testes clínicos começaram no dia seguinte, 21 de julho, em voluntários que trabalham no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, unidade de referência no tratamento da covid-19. Ao todo, nove mil pessoas participarão do teste em 12 centros de pesquisa de seis estados do país. Metade delas receberá a vacina e outra metade receberá um placebo para que seja possível comparar a resposta imune. Em ambos os casos, os compostos serão aplicados duas vezes, com a diferença de 14 dias entre cada dose.

Além do Hospital das Clínicas da USP, que coordena o estudo, também participam da pesquisa no estado o Instituto de Infectologia Emílio Ribas, o Hospital Israelita Albert Einstein, a Universidade Municipal de São Caetano do Sul, o Hospital das Clínicas da Unicamp, a Faculdade de Medicina de Rio Preto e o Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.

Nos demais estados, funcionarão como centros de pesquisa o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro; a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte; a Universidade de Brasília (UnB), na capital federal; o Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba; e o Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre.

Os voluntários serão acompanhados durante três meses por uma equipe científica. Se a imunização se provar segura e eficaz, o Butantan produzirá 120 milhões de doses a partir do início de 2021. Segundo o instituto, nessa fase, a vacina será disponibilizada para todo o país, não só para São Paulo, através do Sistema Único de Saúde (SUS).

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos virais sobre a pandemia do novo coronavírus que pareçam suspeitos ou possam levar a interpretação equivocada das pessoas sobre tratamentos e medidas de prevenção contra a doença. É o caso desta checagem sobre a chegada ao Brasil dos primeiros lotes, ainda em fase de testes, da vacina contra a covid-19 produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que induz a uma interpretação diferente de seu significado original.

O Comprova já desmentiu que a parceria com a Sinovac havia sido firmada antes do início da pandemia e verificou boatos sobre a descoberta de curas da doença por meio de anticorpos, corticoides, e de medicamentos como a cloroquina e a ivermectina.

Além disso, a Agência Lupa atestou que a primeira voluntária dos testes tomou a vacina, ao contrário do que alegavam postagens nas redes sociais. O Estadão Verifica mostrou que a OMS não recomendou a compra da vacina chinesa e que o composto passou por testes na China antes de chegar ao Brasil. O Aos Fatos e o Boatos.org também já desmentiram conteúdos sobre vacinas contra a covid-19.

A publicação de Diego Hypolito somava 3,6 mil interações no Instagram até a publicação desta investigação. O alcance da página Fuxiquei, de onde ele reproduziu o conteúdo, atingiu 55,7 mil curtidas na rede social.

Saúde

Investigado por: 2020-07-24

Tuíte engana ao afirmar que vacinas usam células de fetos abortados

  • Enganoso
Enganoso
Linhagens celulares desenvolvidas a partir de tecidos humanos são comuns em pesquisas científicas. As células de uma linhagem servem como “pequenas fábricas” para que os vírus atenuados possam se multiplicar e não fazem parte da composição da vacina
  • Conteúdo verificado: Texto do site Estudos Nacionais afirma que a vacina em testes no Brasil é produzida com células de fetos abortados. O artigo foi publicado originalmente no site Brasil Livre em junho. Mas viralizou na última semana depois de ser reproduzido pelo Estudos Nacionais e divulgado pelo Twitter.

Uma postagem que viralizou no Twitter na última semana engana os leitores ao insinuar que a vacina contra a covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford é “produzidas (sic) a partir de células de bebês abortados”. A postagem traz o link para um artigo na página Estudos Nacionais em que o autor diz que a vacina foi produzida “usando uma linha de células renais fetais humanas chamada HEK-293”.

Como o próprio artigo já explica, as células foram retiradas de um feto abortado legalmente na Holanda nos anos de 1970 e desenvolvidas em laboratório a partir da imortalização — ou seja, a capacidade perene de divisão. Elas deram origem à linhagem de células HEK-293 (a sigla vem do inglês “human embryonic kidney”, ou seja, rim de embrião humano), que desde então é usada na indústria farmacêutica em todo o mundo.

Linhagens celulares desenvolvidas a partir de tecidos humanos são comuns em pesquisas científicas. A HEK-293 é a mais comum, mas a PER. C6 (também de origem fetal) e a HeLa (feita com tecido retirado de uma mulher adulta) são exemplos de outras linhagens usadas. As culturas servem para que os cientistas entendam como determinada substância age nas células humanas, sem a necessidade de colocar vidas de pacientes em risco. No caso das vacinas, as células da linhagem servem como “pequenas fábricas” para que os vírus atenuados possam se multiplicar (veja mais detalhes abaixo) e não fazem parte da composição do produto final.

A postagem é enganosa, pois induz o leitor a acreditar que bebês são abortados para que a vacina possa ser produzida. Essa confusão fica clara nos comentários no Twitter. “Não tomarei”, disse um deles. “Tome a vacina e tenha sangue inocente nas mãos”, escreveu uma mulher. Outra especulou: “Meu Deus, isso tudo pra (sic) liberarem o aborto, tem método”. “Prefiro pegar o (sic) Covid e me tratar com Hidroxicloroquina”, resumiu um dos usuários que comentou o tuíte.

Pesquisadores são categóricos ao afirmar que o uso das linhagens celulares não provoca novos abortos.

Como verificamos?

O tuíte que viralizou nos levou até o texto postado no Estudos Nacionais. Na página há um link, indicando que o artigo foi originalmente publicado pelo portal Brasil Livre. Para analisar se houve alterações entre o texto que viralizou, publicado em julho pelo Estudos Nacionais, e o texto publicado em junho pelo Brasil Livre, comparamos os dois conteúdos. Ao chegar à conclusão de que não houve alterações, entramos em contato por e-mail com as equipes responsáveis pelos dois sites, questionando sobre fontes e referências utilizadas na elaboração do texto.

Recebemos um e-mail de resposta do site Estudos Nacionais, em que outras referências foram listadas. Verificamos o conteúdo e a razoabilidade de cada uma dessas referências.

Além disso, checamos os hiperlinks presentes no texto publicado pelo Estudos Nacionais. A fonte especificada tanto nesse site quanto no Brasil Livre é um portal chamado Life Site News, dos Estados Unidos. Pesquisamos sobre a orientação ideológica do site, que se diz “pró-vida” e procuramos o conteúdo relacionado, em inglês.

A equipe do portal Brasil Livre só respondeu depois de duas semanas. Eles também enviaram uma lista de links, que consultamos, mas em nada mudaram o conteúdo desta verificação. [Atualização: este parágrafo foi incluído em 7 de agosto para incorporar resposta do portal]

Para entender sobre como a comunidade científica enxerga o uso de células HEK-293 em pesquisas e o histórico dessa metodologia, acessamos artigos científicos e publicações de veículos jornalísticos sobre o assunto. Também entramos em contato com Cristina Bonorino, imunologista, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia. A conversa com a pesquisadora também nos ajudou a verificar a razoabilidade dos processos de produção de vacinas mencionados no texto que viralizou.

Como o conteúdo publicado pelo Estudos Nacionais menciona a vacina que está sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entramos em contato com a assessoria da fundação. Também tentamos falar com a assessoria da Unifesp, citada no texto viral como a responsável pela realização dos testes da vacina. Tanto a assessoria da Unifesp quanto a da Fiocruz alegaram que há muita demanda por causa da pandemia e que não poderiam responder até o momento da publicação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de julho de 2020.

Verificação

A vacina que está sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com o laboratório AstraZeneca começou a ser testada no Brasil em junho. A tecnologia utilizada é conhecida como “vetor viral recombinante”. Um adenovírus (grupo de vírus que originalmente causam doenças respiratórias, como resfriados) é modificado e passa a carregar proteínas do SARS-CoV-2. Os vírus modificados são introduzidos em células humanas, que funcionam como pequenas fábricas para produzir adenovírus atenuados, que não podem se multiplicar, mas carregam genes do novo coronavírus. Ao serem introduzidos no corpo humano, os vírus modificados provocam uma resposta do sistema imunológico, que passa a produzir anticorpos e linfócitos T para combater o novo coronavírus.

Em entrevista ao Comprova, Cristina Bonorino, imunologista, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, explicou: “Um vetor viral é um vírus que não se replica, não se divide: apenas infecta uma célula, levando dentro dele material genético parcial do vírus para o qual você quer gerar a resposta. Ele é útil pois ativa mecanismos que geram tanto anticorpos como linfócitos T, que podem matar as células infectadas”.

Células embrionárias

A polêmica está na linhagem celular usada nesse processo. De acordo com um artigo publicado em junho na revista Science, pelo menos cinco vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento hoje no mundo, inclusive a de Oxford, usam culturas de células de origem embrionária.

A mais comum é conhecida como HEK-293, desenvolvida a partir do tecido renal colhido de um feto abortado legalmente na Holanda em 1973. As células foram alteradas geneticamente para que pudessem ser reproduzidas em laboratório. “Uma linhagem celular é algo estabelecido a partir da imortalização – ou seja, a capacidade perene de divisão – de uma célula, em geral usando um vírus, como foi nesse caso, um adenovírus”, afirmou Bonorino.

A linhagem HEK-293 é usada até hoje, mundialmente, em pesquisas de medicamentos e vacinas. A importância de utilizar linhagens celulares de origem humana em pesquisas desse tipo, segundo Bonorino, é que “para fabricar proteínas que funcionem em seres humanos, elas precisam ser sintetizadas por células humanas”.

A pesquisadora completa: “Há uma série de processos na célula que são necessários para finalizar a proteína. Por exemplo, a vacina da Hepatite B, que consiste em uma única proteína do vírus. Se ela não for fabricada em uma célula humana, ela não vai gerar a resposta adequada na pessoa vacinada”.

Bonorino esclareceu também que “as células [embrionárias] não entram na composição da vacina. Apenas a proteína produzida por elas, ou o vírus replicado nelas, que sai da célula e fica no meio de cultura, é coletado e purificado para a formulação vacinal”. Não é necessário mais tecido fetal para manter as células se multiplicando, ou seja, o uso da cultura HEK 293 não provoca novos abortos.

O texto que viralizou traz também a informação de que há uma alternativa para a produção de vacinas, a partir do RNA das células, sem a necessidade de utilizar proteínas virais. Elas aparecem na lista publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com as vacinas contra a covid-19 em estudo. As vacinas de RNA são sintéticas e não dependem de linhagens celulares para serem produzidas. “Mas são as primeiras de sua geração, então não sabemos ainda como funcionarão a longo prazo”, afirmou Bonorino ao Comprova. Por isso a importância de se utilizar as linhagens celulares durante a pandemia, quando há uma corrida internacional pela produção de uma vacina eficiente contra a covid-19 em tempo recorde. As linhagens celulares não causam novos abortos. Ainda assim, já há alguns anos grupos católicos e antiaborto dos Estados Unidos e do Canadá pressionam governantes a incentivar o desenvolvimento de vacinas que não usem culturas de células de origem embrionária. O lobby se intensificou com a busca por uma vacina contra o novo coronavírus. Em abril e maio deste ano, bispos chegaram a escrever às autoridades sanitárias dos dois países questionando a ética no uso desses tecidos. A Food and Drug Administration (que corresponde à Anvisa norte-americana) afirmou em maio que “a impossibilidade de usar essas células privaria os Estados Unidos de vacinas que salvam vidas”.

Em resposta a essas preocupações, no ano passado o governo norte-americano impediu que cientistas ligados à administração pública usem culturas de células retiradas de fetos abortados recentemente, mas não baniu o uso de linhagens que já existem há décadas, como a HEK-293 e a PER. C6. A linhagem PER. C6 foi desenvolvida na década de 1980 por um laboratório do grupo Johnson & Johnson, com material retirado da retina de um feto abortado legalmente em 1985.

Outra linhagem importante e mais antiga, mas sem origem embrionária, é a HeLa, derivada de células obtidas a partir do câncer de colo de útero da norte-americana Henrietta Lacks, em 1951. Essa linhagem foi utilizada no desenvolvimento da vacina contra a poliomielite.

As linhagens de células embrionárias foram usadas no desenvolvimento de outras vacinas populares no mundo, como contra sarampo, hepatite A, rubéola e catapora. Em 2005, o Vaticano publicou um documento reafirmado em 2017 — em que dizia que, na falta de alternativas, os católicos poderiam tomar as vacinas desenvolvidas com linhagens de células fetais.

A Agência Lupa já checou conteúdos falsos que acusavam um fabricante de refrigerantes de usar “células de bebês abortados” nas bebidas. A verificação explica que um laboratório contratado pela empresa usou culturas HEK-293 para testar produtos, mas que as células não entram na composição das bebidas.

Site Estudos Nacionais e Portal Brasil Livre

O texto que viralizou foi publicado pelo site Estudos Nacionais em 19 de julho. Ele é uma reprodução do texto publicado no portal Brasil Livre um mês antes. A versão do Estudos Nacionais não alterou nem as datas que apareciam no artigo original.

Ambos citam como referência os sites norte-americanos antiaborto Children of God for Life e Life Site News. Na página, há uma seção que avalia vacinas diversas e afirma se elas são ou não feitas a partir de “fetos abortados”. No caso das muitas vacinas para covid-19 em produção, eles fizeram uma lista separando aquelas “moralmente produzidas” das demais. Na lista, há a informação de que a vacina de Oxford utiliza células HEK-293. Um artigo publicado no US National Library of Medicine confirma esse uso.

A página de apresentação do Brasil Livre afirma que se trata de “um site de notícias que busca esclarecer a opinião pública sobre temas importantes e polêmicos”. Ainda segundo a descrição, o site tem como princípio editorial o “comprometimento com a verdade e o repúdio do uso de fake news” e como meta “um Brasil Livre do socialismo, do comunismo e das imposições de todo o tipo provenientes das máquinas de controle psicossocial do globalismo.” No cabeçalho do site, numa espécie de slogan, está escrito que o portal Brasil Livre é “o espaço de reflexão e ação da direita conservadora na internet”.

O Comprova entrou em contato com o site Estudos Nacionais que informou que, além dos links citados no texto, um artigo publicado na Science no mês passado explica que a vacina para covid-19 em desenvolvimento pela Universidade de Oxford em parceria com a AstraZeneca utiliza as linhas celulares fetais humanas do tipo HEK-293 e, conforme divulgado pela Agência Brasil em junho deste ano, se trata da mesma vacina que está sendo testada em São Paulo.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados à covid-19. Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia, em março, boatos e desinformação sobre a doença e o novo coronavírus se espalharam pelas internet e viraram uma questão de saúde pública.

Uma vacina eficaz é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. Mas grupos anti-vacina, comuns nos Estados Unidos, começam a se popularizar no Brasil. O Comprova já verificou uma teoria falsa que dizia que as vacinas contra o novo coronavírus injetariam um microchip para rastrear a população. No dia 21 de julho começaram os testes, em São Paulo, da vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac. A vacina do laboratório AstraZeneca, desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford, também é testada no país. Com isso, conteúdos enganosos sobre as vacinas ganharam força.

O texto publicado originalmente no site Brasil Livre em junho teve pouca repercussão. Ao ser replicado pela página Estudos Nacionais, que compartilhou o link em seu perfil no Twitter, o conteúdo ganhou força. Foram mais de três mil interações entre os dias 20 e 24 de julho.

O site E-farsas verificou conteúdo semelhante e concluiu que a alegação de que as vacinas são feitas com fetos humanos abortados é falsa.

O Comprova considera enganoso todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-07-23

Publicação engana ao dizer que pandemia está em declínio após zerar excesso de mortes

  • Enganoso
Enganoso
Site usou dados ainda não atualizados do Portal da Transparência do Registro Civil e que não permitem chegar a essas conclusões
  • Conteúdo verificado: Texto do portal Notícias Brasil Online (NBO) que compara óbitos de 2019 e 2020 com base no Portal da Transparência e diz que pandemia entrou em declínio

É enganoso o texto apresentado pelo site Notícias Brasil Online (NBO) alegando que a pandemia do novo coronavírus está em declínio e que o Brasil “zerou o excesso de mortes em junho”. Em sua publicação, o site usou dados desatualizados que não permitem chegar a essas conclusões.

O texto usa como métrica o chamado “excesso de mortes”, que é a comparação entre o número de óbitos provocados por causas naturais que ocorreram neste ano, em que o mundo foi afetado pela pandemia de covid-19, e em 2019, sem a pandemia.

O texto foi publicado pelo NBO em 8 de julho, e o intervalo considerado é o de 16 de março a 7 de julho, tanto em 2019 quanto em 2020. Ocorre que a publicação não poderia ter levado em conta um período que se encerrava tão perto da data de publicação do texto. Isso porque os dados foram retirados do Portal da Transparência, do Registro Civil, que demora 14 dias ou mais para ser atualizado.

Um exemplo: quando o NBO publicou o texto, o número de óbitos entre 16 de março e 7 de julho de 2020 era de 388.386. Em 23 de julho, o Comprova verificou que o número de óbitos no mesmo período era de 422.256 mortes, quase 34 mil óbitos a mais do que constava no texto do site NBO.

Atualização: Depois que o Comprova publicou esta verificação, o NBO corrigiu a informação. O site mudou o título da reportagem para “Covid-19: Brasil não zerou excesso de mortes em junho” e afirmou ter atualizado as informações a partir do Estadão Verifica, um dos veículos que fazem parte da coalizão do Comprova.

Como verificamos?

Para confirmar se os números apontados pelo NBO eram verdadeiros, pesquisamos pelos dados disponíveis no Registro Civil e entramos em contato com a assessoria de imprensa do órgão. Por e-mail, explicaram o tempo concedido para resolver os trâmites relacionados ao registro de óbitos em cartórios e confirmaram os números apontados na matéria. O Comprova também realizou buscas sobre mortes por causas naturais nos registros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Enviamos duas mensagens ao NBO pela aba de “contato” do site, mas não recebemos resposta. Também não encontramos forma de contato ou mesmo o nome do responsável pelo site nas buscas pelo registro.

Ao pesquisar no Google sobre o conteúdo, encontramos a mesma notícia na Revista Oeste, também publicada no dia 8 de julho. O texto da revista digital era mais completo — indicando ser o conteúdo original —, contendo gráficos e uma entrevista com o cardiologista Juliano Lara Fernandes. Entrevistamos o médico para entender melhor os números e a metodologia por trás deles, já que o texto do NBO não detalhou como foi feita a pesquisa.

Também conversamos com o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que nos explicou que a comparação entre março e julho de 2020 com o mesmo período no ano passado é descabida por haver atraso para protocolar os óbitos, algo que escapa a um texto publicado com curto intervalo após os registros analisados. Os dados de óbitos avaliados pela matéria iam até 7 de julho, um dia antes da publicação do texto.

Após a conversa com Lotufo, procuramos novamente o Registro Civil e entrevistamos, por telefone, Luis Carlos Vendramin Junior, vice-presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen). Ele confirmou que o texto publicado pela NBO não poderia levar em consideração óbitos registrados até um dia antes justamente pela demora que alguns levam até serem reconhecidos.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 23 de julho de 2020.

Verificação

Onde o conteúdo foi publicado

O site Notícias Brasil Online (NBO), que viralizou com a notícia, já teve uma publicação checada pelo Comprova. Tratava-se de um boato que acusava equivocadamente o Greenpeace de envolvimento no vazamento de óleo em praias da região Nordeste em 2019. Boa parte das notícias é de teor político e nenhuma apresenta assinatura do autor. Em 2018, reportagem do G1 afirma que o site era responsável por “parte das fake news” que circulava na internet na época.

A única forma de contato apresentada pelo NBO é para quem deseja anunciar no site. Não há nomes de funcionários que atuem no portal na seção “Autores”. O Comprova utilizou a caixa de mensagens com pedidos de entrevista entre os dias 15 e 17 de julho para tentar levantar de onde saíram os dados. Não houve retorno até a data da publicação desta investigação.

No site Look Up, ferramenta que permite encontrar informações sobre páginas na internet, não há informação sobre o responsável pelo registro do site ou mesmo uma forma de contato. Na consulta do Who Is, ferramenta semelhante, também não consta nenhuma informação.

O NBO apresenta muitas publicações com títulos favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e copia conteúdos de outros veículos. É o caso de um texto sobre o diagnóstico negativo da primeira-dama Michelle Bolsonaro para o novo coronavírus, afirmando se tratar de “Coisa de Deus!”.

O texto, no entanto, é copiado do jornal O Globo, apresentando as mesmas palavras, estrutura e o indicativo de localização de onde foi escrito — não há outros textos do NBO indicando em que cidade foram produzidos. Não há crédito para a informação do jornal no site.

Os dados

Como destacado anteriormente, ao afirmar que o Brasil zerou o excesso de mortes, o texto do NBO compara o total de óbitos de causas naturais entre 16 de março e 7 de julho de 2019 com o mesmo período de 2020 (incluindo as vítimas de covid-19). O dia 23 de junho de 2020 é citado como ponto de virada para o declínio no registro de mortes. Isso porque, até aquela data, segundo os dados do Portal da Transparência do Registro Civil, o total de mortes diárias em 2020 era maior do que em 2019.

Em 23 de julho, data em que o Comprova publicou esta verificação, os dados de 23 de junho já são diferentes: são 3.629 mortes em 2020 ante 3.391 em 2019. Também na data do levantamento, o suposto “ponto de virada” é o dia 28 de junho, mas, como esses dados estão sendo constantemente atualizados por cartórios no Brasil todo, não é possível, ao menos por enquanto, falar em excesso de mortes “zerado”.

O texto do site NBO, verificado aqui, foi publicado em 8 de julho, mas usou informações até o dia anterior, 7 de julho. Assim, desconsiderou semanas de atualizações. Segundo explicou o Registro Civil, “após o falecimento, a família tem até 24 horas para comparecer ao Cartório de Registro Civil; o cartório tem até cinco dias para efetuar o registro e, depois, oito dias para enviar o ato feito à Central Nacional de Informações do Registro Civil, que abastece a plataforma”. Isso significa que os dados só podem ser considerados consolidados depois de pelo menos 14 dias. E o intervalo pode ser ainda maior.

“Se você entrar no Portal da Transparência hoje e fizer a mesma pesquisa, vai ver que os dados são diferentes, porque a plataforma é viva, com informação nova disponibilizada automaticamente”, afirma Luis Carlos Vendramin Junior, vice-presidente da Arpen. “Nós sempre orientamos a considerar uma data de corte de 10 a 15 dias [para trás]. E ainda varia um pouco se for dia útil; se houver um feriado, é possível que atrase [o registro no site]”, diz.

O Projeto Comprova verificou, também, que há registros também de 2019 ainda atualização. Em 23 de julho, ao buscar no Registro Civil o número de óbitos entre março e julho de 2019, constatamos que ele havia aumentado. Enquanto o texto do NBO informava que o número de mortes por causas naturais em 2019 era de 368.724; passados 15 dias, o registro já apontava 370.134 óbitos no período.

Metodologia

O que o texto do NBO omite é que os dados partem de um gráfico do site mortalidade.com.br, criado a partir de dados do Registro Civil para analisar os impactos da covid-19. Logo no início da página, há o aviso: “Construímos esta página para propor um novo ponto de vista no entendimento da real mortalidade da pandemia do novo coronavírus, dado o cenário político conturbado, onde os dados divulgados sobre a pandemia oficialmente não são confiáveis (ou estão possivelmente sendo censurados)”.

A metodologia do site mortalidade.com.br se baseia na mortalidade por causas naturais e leva em conta o excesso de mortes, “ou seja, o número de mortes acima da média histórica. Ainda que somente das mortes por causas naturais”, como afirma a página.

A plataforma informa que veículos estrangeiros como Financial Times, The New York Times e BBC utilizam dados semelhantes.

O site do britânico Financial Times começou a usar os gráficos de excesso de mortalidade no dia 29 de abril, afirmando que eles mostram que a contagem de óbitos por covid-19 talvez seja significativamente subestimada. Na página, a comparação é feita entre mortes por todas as causas (não apenas causas naturais, como faz o mortalidade.com.br) em 2020 e em “anos recentes”.

A BBC publicou em 18 de junho o texto “Coronavírus: como o ‘excesso de mortes’ pode revelar o verdadeiro número de vítimas da pandemia de covid-19”. O texto apresenta dados de diversos países, incluindo o Brasil.

Para dizer que as mortes em excesso “sugerem que o impacto humano da pandemia vai além dos dados oficiais divulgados por governantes pelo mundo”, o veículo conta a história de uma brasileira cuja mãe foi internada após um AVC. Ela foi hospitalizada e teve alta 15 dias depois “porque a Santa Casa ia precisar de leito” para pacientes de covid-19. Ainda de acordo com a filha, a mãe não teria morrido se tivesse continuado no hospital. “Então, ela não morreu com a doença, mas por causa da doença”, conclui a mulher.

Já o New York Times publicou, em 29 de abril, gráficos com o total de mortes nos estados mais afetados pela pandemia para indicar uma possível subnotificação dos dados oficiais de óbitos apresentados pelo governo dos Estados Unidos. Segundo a publicação, a cidade de Nova York apresentava, entre 8 de março e 11 de abril, três vezes mais mortes do que o registrado no mesmo período no ano anterior. O texto também alerta para o fato de os números serem preliminares diante da demora em processar e coletar os atestados de óbitos.

“Se observarmos as mortes provisórias, por todas as causas, Nova York, Nova Jersey, Michigan, Massachusetts, Illinois, Maryland e Colorado tiveram um salto muito superior aos níveis normais”, diz trecho do texto.

O que diz o médico ignorado pelo NBO

Juliano Lara Fernandes, cardiologista que atua no Instituto José Michel Kalaf e foi ouvido pela reportagem da revista Oeste e ignorado pelo texto do NBO, disse ao Comprova que, por mais que os dados não estivessem consolidados na época da publicação do texto, eles continuam valendo. “Estamos há quase um mês do final de junho e o cruzamento do excesso de mortes [o ponto de virada] continua naquele mês mesmo”, afirmou.

Ele disse ainda que “a curva já vinha em declínio desde o dia 14 de maio, quando ocorreu o pico do excesso de óbitos”. “Não é que não haja mais mortes por covid-19, mas, desde 14 de maio, essa curva é descendente e zerou em excesso de mortes no final de junho.” Questionado se a curva pode voltar a subir, Fernandes reafirmou: “Não. A não ser que seja vista uma segunda onda muito forte, que não é provável”.

O epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Lotufo é mais cauteloso ao analisar os mesmos dados. Em 14 de julho, Lotufo assinou um artigo na Folha de S.Paulo em que defende a métrica do excesso de mortes, como faz o site mortalidade.com.br. Segundo o especialista, “esse indicador é mais preciso do que o número de mortes por casos comprovados pela covid-19, porque mostra a letalidade do coronavírus em outras condições que desconhecíamos, principalmente as cardíacas e renais”.

O Comprova entrevistou Lotufo para saber sua avaliação sobre a metodologia usada no texto do NBO. Ele defende um intervalo maior entre publicação do texto e a data de registro dos óbitos em cartórios. “A censura [o dado utilizado] deveria ser 8 de junho ou, no máximo, 15 de junho [e não 7 de julho]. O Registro Civil tem um atraso de, no mínimo, 14 dias – em média, mais do que isso”, afirmou.

Lotufo elogia o sistema do Portal da Transparência, porém, para ele, para considerar a subnotificação e o tempo para lavrar os registros, deveria haver um mecanismo automático de censura, ou seja, de congelamento dos dados. “Sem isso, abriu-se uma brecha imensa para os negacionistas”, critica o epidemiologista.

Por que investigamos?

Conteúdos suspeitos a respeito do novo coronavírus são investigados pelo Comprova desde março deste ano, quando a doença foi decretada pandemia. Desde então, já foi desmentido que um cemitério de São Paulo teria covas vazias para simular o aumento de mortes pela covid-19, que estados receberiam repasses de acordo com número de mortos e infectados, e que hospitais recebiam valores por cada óbito registrado como covid-19.

A cautela com informações de saúde pública, que podem colocar em risco a vida das pessoas, levou o Comprova a averiguar conteúdos que apresentam ampla viralização nas redes sociais. Até 23 de julho, o texto do NBO somava 4,1 mil interações no Facebook, de acordo com a medição da plataforma CrowdTangle.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado de forma a induzir a uma interpretação diferente.

Postagens utilizando informações fora de contexto para minimizar a pandemia são recorrentes em checagens. É o caso de informação equivocada sobre pesquisadores que estudam a covid-19 e texto que cita o uso de cloroquina a partir de um estudo de metodologia contestada.

Saúde

Investigado por: 2020-07-23

Estudo da Henry Ford Health System é insuficiente para provar eficácia da cloroquina contra a covid-19

  • Enganoso
Enganoso
A conclusão do artigo ressalta que os resultados precisam ser confirmados através de outros testes que permitam avaliar “rigorosamente” a eficácia do tratamento. Especialistas entrevistados pelo Comprova apontam que o método e as conclusões tiradas pelos pesquisadores são frágeis e precipitadas
  • Conteúdo verificado: Post do site Pleno.News afirma que um estudo do Henry Ford Health System comprova a eficácia do tratamento com hidroxicloroquina nos casos de covid-19. O texto se baseia em uma reportagem da Fox News, do começo de julho, que foi publicada por Bolsonaro nas redes sociais.

Um texto publicado em 18 de julho, no site Pleno.News, distorce as informações de um estudo sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 ao afirmar que está comprovada a eficácia do medicamento.

A publicação cita um estudo do Henry Ford Health System, do começo de julho, que afirma que o tratamento com a droga reduziu significativamente a taxa de mortalidade em pacientes hospitalizados com covid-19, sem causar efeitos colaterais ao coração. A própria conclusão do artigo, porém, ressalta que os resultados precisam ser confirmados através de outros testes que permitam avaliar “rigorosamente” a eficácia do tratamento.

Além disso, especialistas entrevistados pelo Comprova apontam que o método e as conclusões tiradas pelos pesquisadores são precipitadas e muito frágeis.

Como verificamos?

O Comprova buscou o estudo do Henry Ford Health System, uma organização de assistência médica sem fins lucrativos, dos Estados Unidos, e comparou as informações com as que foram publicadas no texto verificado. Buscamos também outras publicações com grande respaldo científico sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com a covid-19, bem como o posicionamento de órgãos e entidades de referência sobre o uso dos medicamentos.

Também entrevistamos Carlos Orsi, diretor do Instituto Questão de Ciência e Estevão Urbano, presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, que comentaram sobre a metodologia do estudo e sobre os resultados apresentados.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 22 de julho de 2020.

Verificação

O texto do site Pleno.News fala sobre o estudo por causa de uma reportagem do canal americano Fox News, de 3 de julho, que foi postada pelo presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais. Na matéria da Fox, que anunciou um “novo estudo bombástico sobre a hidroxicloroquina”, a pesquisa do Henry Ford Health System foi comentada pelo médico cardiologista e CEO da Foxhall Cardiology, Ramin Oskui.

O Estudo da Henry Ford Health System

No estudo publicado pelo Henry Ford Health System no International Journal of Infectious Diseases, médicos analisaram 2.541 pacientes hospitalizados entre os dias 10 de março e 2 de maio de 2020 em seis hospitais que fazem parte da rede de saúde da organização, localizados na região metropolitana de Detroit, nos Estados Unidos. De acordo com os pesquisadores, 13% dos tratados apenas com hidroxicloroquina morreram, enquanto a taxa de mortalidade entre os pacientes não tratados com hidroxicloroquina foi de 26,4%. “Nenhum dos pacientes havia documentado anormalidades cardíacas graves; no entanto, os pacientes foram monitorados quanto a uma condição cardíaca rotineiramente apontada como uma razão para evitar o medicamento como tratamento para a covid-19”, afirma o estudo.

Os pesquisadores também analisaram a taxa de mortalidade entre pacientes que receberam uma combinação dos medicamentos hidroxicloroquina e azitromicina e aqueles que receberam apenas o último tipo.

O Comprova conversou com o diretor do Instituto Questão de Ciência, Carlos Orsi, que avalia que existem dois problemas nos argumentos apresentados pela pesquisa; um de caráter geral e outro específico do trabalho em questão. Segundo Orsi, trata-se de um estudo observacional, em que os autores apenas observaram os resultados dos pacientes, sem interferir ou controlar os tratamentos. “Estudos observacionais são logicamente incapazes de provar qualquer coisa. Eles apenas sugerem associações (no caso, entre hidroxicloroquina e menor mortalidade) que depois precisam ser validadas em estudos de intervenção, onde os tratamentos são devidamente controlados”, explica ele. Como o Comprova já explicou, em outras verificações, o método científico mais confiável é o chamado de ensaio clínico randomizado controlado, em que um grupo de voluntários é recrutado e acompanhado pelos pesquisadores ao longo de vários meses. Nesse modelo, também é sorteado aleatoriamente quem receberá a medicação, para evitar que fatores externos, como idade e condição de saúde, interfiram no resultado.

O estudo Instituto Henry Ford também mostrou que aqueles pacientes tratados apenas com azitromicina ou com uma combinação de hidroxicloroquina e azitromicina tiveram um desempenho um pouco melhor que aqueles não tratados com os medicamentos. A análise constatou que 22,4% dos tratados apenas com azitromicina morreram e 20,1% tratados com uma combinação de azitromicina e hidroxicloroquina morreram, em comparação com 26,4% dos pacientes que morreram e que não foram tratados com nenhum dos medicamentos.

Segundo Estevão Urbano Silva, diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, o fato de os pacientes analisados no estudo do Henry Ford Health System não terem apresentado efeitos colaterais relacionados à medicação não é definitivo. “Não dá para trazer essa conclusão para todos os outros pacientes e para as situações do dia a dia, porque é um estudo com metodologia científica inadequada”, aponta o médico. No início de junho, uma nova pesquisa da Universidade de Minnesota constatou, após uma experiência com mais de 800 pacientes, que não há nenhum benefício no uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no combate ao novo coronavírus. Além dessa análise, o estudo também apontou para efeitos colaterais graves ou problemas cardíacos com o uso dos dois medicamentos.

Para o infectologista, no momento em que a ciência caminha para aperfeiçoar seus estudos sobre o novo coronavírus, é delicado e perigoso acreditar em apenas uma fonte de informação. “Temos que fazer uma avaliação sobre o tema. Tem estudos mais conclusivos falando contra o uso da cloroquina que não adiantou, então temos que nos firmar naqueles estudos que tiveram uma metodologia mais adequada, mais correta.”

Embora o neurocirurgião Steven Kalkanis, CEO do Henry Ford Medical Group e vice-presidente sênior e diretor acadêmico do Henry Ford Health System, esteja comemorando que o medicamento tenha ajuado a salvar vidas, ao fazer a leitura dos dados é possível encontrar inconsistência nos perfis dos grupos de pacientes.

De acordo com Carlos Orsi, uma das tabelas apresentadas no estudo informa que apenas 38% dos pacientes do grupo que não receberam hidroxicloroquina ou azitromicina tinham menos de 65 anos, enquanto a taxa de pacientes mais jovens medicados, nos outros grupos, era superior a 50%. “A comparação não é justa, é impossível atribuir o progressos dos pacientes que receberam hidroxicloroquina à medicação, já que eles eram mais jovens, estavam recebendo também outros remédios. Os autores do estudo tentam corrigir essas distorções aplicando técnicas estatísticas para estimar o peso relativo de cada fator (como a idade), mas estatísticas não fazem milagres”, avalia Orsi.

A emissora norte-americana CNN esteve na coletiva de imprensa em que a equipe do Henry Ford Health System anunciou os resultados. Segundo a reportagem, a equipe que coordenou os estudos destacou que os pacientes foram submetidos ao tratamento no início da manifestação da doença. “Para que a hidroxicloroquina seja benéfica, é preciso que os pacientes tomem antes de seu organismo produzir algumas reações imunológicas severas que podem ocorrer a quem está infectado com a covid-19”, afirmaram os pesquisadores, na apresentação dos dados à imprensa.

A reportagem destaca, também, que a pesquisa recebeu críticas da comunidade científica e cita que outros dois estudos de ampla divulgação foram interrompidos porque os resultados sugeriram que a hidroxicloroquina não trazia benefícios aos pacientes. O primeiro, realizado pela Agência Nacional de Pesquisa Médica (National Institutes of Health), testou o medicamento em 470 pacientes. O segundo, realizado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, contou com mais de 11 mil pacientes.

Apesar do entusiasmo que acompanhou a publicação da pesquisa realizada pelo Henry Ford Health System, e da ênfase do site Pleno.News sobre a comprovação dos benefícios, os próprios pesquisadores destacaram na conclusão do artigo que “os resultados devem ser interpretados com cautela e o tratamento não deve ser aplicado em pacientes fora do ambiente hospitalar. Os resultados também requerem confirmação através de testes randomizados que permitam avaliar rigorosamente a segurança e a eficácia do tratamento com hidroxicloroquina para pacientes hospitalizados com a covid-19”.

A hidroxicloroquina no tratamento da covid-19

A Fox News, que publicou a reportagem sobre o estudo do Henry Ford Health System, foi a primeira emissora americana a ventilar a possibilidade de uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, ainda em março. O advogado Gregory Rigano foi entrevistado no canal e falou sobre os resultados promissores de um estudo francês, que ainda não havia sido publicado, sobre o uso da droga no tratamento da covid-19. Tratava-se do artigo de Didier Raoult, que, posteriormente, foi criticado pela comunidade científica em decorrência dos métodos duvidosos empregados na pesquisa. O estudo francês já foi alvo de outras verificações do Comprova.

Desde então, vários outros estudos já apontaram a ineficácia do tratamento com a cloroquina e a hidroxicloroquina nos pacientes com o novo coronavírus e a Organização Mundial da Saúde suspendeu as pesquisas com o medicamento em pacientes hospitalizados.

Na semana passada, a Sociedade Brasileira de Infectologia divulgou uma nota afirmando que dois estudos internacionais comprovaram que não há nenhum benefício clínico da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. No texto, a entidade diz que a substância não é eficaz nem na prevenção nem na cura da doença.

A entidade também pede que a cloroquina deixe de ser usada como tratamento da covid-19, que os órgãos públicos reavaliem orientações de uso de medicamentos comprovadamente sem efeito e que os recursos públicos sejam usados em anestésicos, bloqueadores neuromusculares e aparelhos para o tratamento da doença, em falta na rede pública.

Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration — órgão governamental responsável pela regulação de medicamentos — revogou, em junho, a autorização emergencial para o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com a covid-19 — a não ser no caso de ensaios clínicos. Em julho, o órgão atualizou as diretrizes e divulgou um documento com um resumo dos problemas de segurança encontrados durante o tratamento dos pacientes hospitalizados com o novo coronavírus. São mencionados “arritmias sérias”, “problemas hematológicos e linfáticos”, lesões renais e falhas no fígado.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova verifica conteúdos sobre a covid-19 que tenham grande alcance em redes sociais e grupos de mensagem. A checagem de fatos durante a pandemia adquiriu uma importância ainda maior, uma vez que a desinformação afeta diretamente a saúde das pessoas. Nesse caso, a relevância da verificação justifica-se pelo fato de envolver um tratamento que, além de não possuir eficácia cientificamente comprovada, pode ocasionar efeitos colaterais graves aos pacientes que a ele são submetidos.

Além disso, no Brasil, o medicamento vem sendo apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como uma possível cura para a doença. Após afirmar ter sido diagnosticado com a doença no início de julho, o presidente disse estar tomando o remédio e defende o uso para pacientes com sintomas leves. Em um encontro com apoiadores no Palácio do Planalto, Bolsonaro exibiu uma caixa do medicamento.

Uma pesquisa do Instituto Ipsos mostra que 18% dos brasileiros acreditam que a hidroxicloroquina é uma cura para a covid-19, apesar de não haver qualquer indicação científica a sustentar essa impressão. “Entre os 16 países pesquisados, o brasileiro é a segunda população que mais acredita que há, sim, uma cura para a covid e é a cloroquina. Só perde para a Índia nesse quesito”, disse o presidente do instituto Marcos Calliari em entrevista ao Valor Econômico.

De acordo com os dados da plataforma CrowdTangle, o conteúdo verificado conta com mais de 100 mil interações no Facebook, tendo sido compartilhado inclusive pelo deputado Marco Feliciano. O conteúdo também viralizou no Twitter, somando mais de 11 mil interações.

O conteúdo do site Pleno.News também foi encontrado em outros blogs como o A Trombeta News, Atualidade em Foco, Opinião Crítica e Mídia News.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-07-18

Máscaras são eficientes no combate ao novo coronavírus, ao contrário do que diz influenciador

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirma o autor de um vídeo que viralizou no Instagram, o processo de filtragem das máscaras não depende unicamente do tamanho dos poros — o Comprova verificou que existem vários processos físicos envolvidos. Veja quais são eles.
  • Conteúdo verificado: Um vídeo que afirma que o uso de máscaras não ajuda no combate ao novo coronavírus publicado no Instagram pelo perfil rodrigopolesso.

É falso que o uso de máscaras, sejam elas caseiras ou profissionais, não ajude a diminuir a transmissão do novo coronavírus. Em vídeo publicado no Instagram, o influenciador e escritor Rodrigo Polesso afirma que a peça de proteção não teria eficácia porque as partículas de saliva expelidas por pessoas infectadas seriam menores do que os poros das máscaras.

Ele diz que a transmissão do SARS-CoV-2, o novo coronavírus, se dá por meio de aerossóis — que são partículas com tamanho menor que 5 micrômetros (μm). Porém, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a principal forma de transmissão do vírus é por meio de gotículas de saliva, maiores que 5 μm.

Mesmo assim, independentemente do tamanho das partículas, o processo de filtragem das máscaras não depende unicamente do tamanho dos poros — existem vários processos físicos envolvidos. Partículas maiores, de pelo menos um micrômetro, viajam em linha reta e, mesmo que passem pelos poros, irão se chocar com as fibras das máscaras, que possuem várias camadas. Partículas menores que um micrômetro estão sujeitas ao movimento browniano — princípio físico que faz com que a trajetória das partículas seja aleatória e não em linha reta — responsável por fazer com que elas se choquem com as fibras das máscaras. Por fim, partículas ainda menores são atraídas por campos eletrostáticos presentes nos materiais das máscaras. Por isso, é importante que elas tenham, pelo menos, três camadas e sejam feitas com diferentes materiais — a recomendação é da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

O vídeo engana também ao tentar relativizar a gravidade da pandemia afirmando que o SARS-CoV-2 está sendo estudado desde, pelo menos, 2015 e que todo ano o planeta enfrenta pandemias do vírus influenza e de outros coronavírus.

Procurado pelo Comprova, Polesso afirmou que seu vídeo se baseia em evidências e não em sua opinião sobre o assunto. Segundo ele, o fato de a “OMS [Organização Mundial da Saúde] dizer algo não significa que este algo é verdadeiro ou baseado em evidências”, o que é falso. O trabalho da organização é baseado em expertise técnica e científica, referência para pesquisadores de todo o mundo. O órgão conta, inclusive, com uma Divisão Científica para subsidiar as normas elaboradas pela organização e que produz pesquisa na área da saúde pública .

A OMS possui alto caráter técnico-científico, diferentemente de outras organizações internacionais, que têm, principalmente, a participação de diplomatas. Na Constituição da OMS — capítulo 5, artigo 11— é explicitado que as delegações na Assembleia Mundial da Saúde, o órgão máximo de deliberação da organização, devem ser escolhidas entre as personalidades mais qualificadas pela sua competência técnica no domínio da saúde.

Como verificamos?

A partir das informações presentes no perfil do Instagram de Rodrigo Polesso, o Comprova buscou mais informações sobre ele no Google e chegou ao projeto Emagrecer de Vez — que, segundo a definição do site, é um “movimento que tem com o objetivo quebrar mitos, simplificar e mostrar as verdades sobre o emagrecimento e estilo de vida saudável”. O site indica que Polesso é líder do “movimento” e reúne uma série de informações sobre ele e sua formação. Também buscamos os perfis de Polesso em outras redes sociais, como LinkedIn e Facebook.

O Comprova acessou os artigos citados no vídeo por Polesso e outros artigos científicos sobre a eficácia do uso de máscaras para diminuir a transmissão do novo coronavírus. Também buscou informações em órgãos como Anvisa, Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), Organização Mundial de Saúde e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.

Entramos em contato com o médico e professor de infectologia Antônio Carlos Bandeira, integrante do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e chefe do Serviço de Infecção e Controle do Hospital Aeroporto — Bahia. Conversamos, também, com o pesquisador do Laboratório de Imunorregulação da Universidade Federal de Santa Catarina Carlos Zárate-Bladés, que é médico com mestrado e doutorado nas áreas de microbiologia e imunologia.

Contatamos, ainda, o próprio autor do vídeo, Rodrigo Polesso, que respondeu aos questionamentos do Comprova por e-mail.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de Julho de 2020.

Verificação

No vídeo publicado no Instagram, o influenciador Rodrigo Polesso afirma que o uso de máscaras não tem eficácia porque as partículas de saliva expelidas por pessoas infectadas seriam menores do que o tamanho dos poros das máscaras.

Pelo tamanho, essas gotículas não conseguem ficar suspensas no ar e caem no chão ou em outras superfícies rapidamente. As máscaras servem, principalmente, como uma barreira física para impedir que essas gotículas sejam expelidas por uma pessoa infectada, mas também para proteger a boca e o nariz de pessoas que não foram infectadas.

Recentemente, centenas de pesquisadores publicaram um texto no jornal The New York Times pedindo para a OMS considerar que o novo coronavírus também é transmitido em larga escala por aerossóis, ou seja, por partículas menores que 5 micrômetros. A diferença é que essas partículas, por serem pequenas, podem ficar paradas no ar por horas. A OMS, no entanto, sustenta que esses estudos são inconclusivos e que, independentemente do tamanho das partículas expelidas pelos infectados que carregam os vírus, as máscaras ajudam a frear sua transmissão.

Tamanho dos poros das máscaras

Na sequência do vídeo, Polesso afirma que as partículas dos aerossóis têm um tamanho médio de 2,5 micrômetros e que as máscaras cirúrgicas comuns têm poros que variam de 19 a 51 micrômetros. “As partículas são muito menores que os poros das máscaras cirúrgicas”, conclui ele.

Para falar do tamanho dos poros das máscaras, Polesso utilizou um artigo chamado “The Relationship of Fabric Properties and Bacterial Filtration Efficiency for Selected Surgical Face Mask”, publicado no Journal of Textile and Apparel, Technology and Management em 2003. O artigo testou seis modelos diferentes de máscaras e mediu o tamanho, peso, resistências e os poros das máscaras.

Os números que Polesso utiliza estão corretos: os poros dos modelos de máscaras analisados variam de 16 a 51 micrômetros, segundo o artigo. Porém, ele deixou de fora uma medida muito importante: a eficácia da filtragem. Os pesquisadores testaram a filtragem com duas bactérias (S. aureus e E. coli), que tem tamanhos variando de 0,5 a 6 micrômetros, e descobriram que as máscaras filtravam, em média, 93% das amostras. Ou seja, mesmo com poros maiores que as bactérias, as máscaras ainda filtravam a grande maioria das amostras.

Isso acontece porque a filtragem das máscaras ocorre em diferentes etapas e não depende apenas do tamanho dos poros. “As máscaras não funcionam unicamente através dos poros, mas funcionam de várias formas. É um fenômeno multifatorial que tem a ver com o tamanho das partículas, velocidade das partículas, tipos de tecidos usados, a características desses tecidos e também as cargas [elétricas] das partículas e dos materiais das máscaras”, explica o pesquisador Carlos Zárate-Bladés, do Laboratório de Imunorregulação da Universidade Federal de Santa Catarina.

O artigo “Aerosol Filtration Efficiency of Common Fabrics Used in Respiratory Cloth Masks”, publicado na revista da Sociedade Americana de Química em abril, mostra que existem cinco mecanismos básicos que atuam na filtragem. Partículas grandes, com pelo menos um micrômetro, ficam presas nas fibras das máscaras. Isso acontece porque cada camada de máscara é formada por várias camadas de fibras. Ou seja, mesmo que a partícula passe pelo poro da primeira camada, ela ainda pode atingir as fibras da segunda, e assim por diante.

As partículas menores, que variam no tamanho de 100 nanômetros até 1 micrômetros, são afetadas por um princípio físico chamado movimento browniano. Resumidamente, por serem muito pequenas, as partículas se chocam com moléculas presentes no ar e têm um movimento aleatório. Por conta disso, elas não se deslocam em linha direta e acabam atingindo as fibras das máscaras e ficando grudadas nelas.

Partículas ainda menores que 100 nanômetros são atraídas por uma força eletrostática gerada pelas fibras dos tecidos e também ficam presas nas máscaras. “Os vírus têm proteínas em sua superfície e também tem lipídios na parte externa, e estas substâncias têm cargas elétricas. Então, esses elementos também são atraídos pelos tecidos que compõem as máscaras”, complementa Zárate-Bladés.

Estudo publicado por Denis Rancourt

Durante o vídeo, Polesso cita um artigo escrito por Denis Rancourt, um cientista e ex-professor de física conhecido por ter sido demitido da Universidade de Ottawa, no Canadá, após ter violado uma série de acordos coletivos de política da universidade. O artigo foi publicado inicialmente no site ResearchGate, mas foi posteriormente removido pelos administradores do site. Rancourt acusa a instituição de censura.

A partir do artigo de Rancourt, Polesso extraiu diversos outros que são citados ao longo do vídeo. O Comprova leu todos e concluiu que nenhum afirma que as máscaras não funcionam (análise abaixo). A maioria dos artigos tem diversas limitações, como o não acompanhamento de quem utiliza a máscara para certificar do uso correto, que os próprios autores mostram nos trabalhos. Ou seja, Rancourt tira de contexto vários artigos para tentar provar a ineficácia das máscaras

Estudos citados

Para sustentar suas afirmações, Rodrigo cita no vídeo uma série de artigos sobre o uso de máscara para proteção de doenças respiratórias publicados entre 2009 e 2020. O primeiro é um teste randomizado feito no Japão sobre a capacidade das máscaras em reduzir a incidência de resfriados entre profissionais de saúde, publicado em 2009. Em um teste randomizado, os integrantes do grupo a ser testado e do grupo de controle são escolhidos aleatoriamente para evitar que outras características, como idade ou condição de saúde, distorçam os resultados. Segundo Rodrigo, o estudo mostra que “o uso de máscara não demonstrou nenhum potencial benefício nos sintomas do resfriado ou no potencial de ser infectado por um resfriado”. Esse trecho foi retirado da conclusão do artigo. Mas a frase seguinte ressalta que “é necessário um estudo maior para estabelecer definitivamente se não há menos risco em não usar máscara”.

Outro artigo é uma revisão sistemática, quando o autor analisa estudos já publicados, sobre o uso de máscaras para prevenir a transmissão do vírus influenza, e foi publicado em 2010. Sobre ele, Rodrigo afirma que “nenhum dos estudos revisados mostrou o benefício de usar uma máscara, sendo dentro de hospitais, ambientes de saúde, ou mesmo com membros da comunidade usando”. A conclusão original do texto, porém, cita um vazio na literatura científica sobre esse assunto. “Enquanto há alguma evidência experimental de que as máscaras podem ser capazes de reduzir o potencial de infecção sob condições controladas, há menos evidência se isso pode se traduzir em efetividade das máscaras em um ambiente natural”, afirma. O texto sugere a necessidade de estudos maiores e mais detalhados para avaliar se as máscaras podem reduzir a transmissão dos vírus em um cenário de pandemia, o que descreve como uma prioridade urgente.

O terceiro artigo, datado de 2011, é também uma revisão sistemática sobre o uso de máscaras para prevenir a transmissão do vírus influenza. No vídeo, Rodrigo afirma que “nenhum dos estudos estabeleceu uma relação conclusiva entre usar máscara ou respirador em qualquer proteção contra influenza”. De fato, a conclusão do texto afirma que as evidências para sustentar a efetividade do uso de máscaras nos serviços de saúde ou na comunidade são limitadas. Mas registra também que o uso precoce, correto e consistente das máscaras pode melhorar a sua eficiência. Para coletar informações capazes de definir a efetividade das máscaras, o artigo sugere que se financie a adoção de um mesmo protocolo em diferentes locais por vários anos, a fim de verificar a sua eficácia.

Após mencionar o quarto artigo rapidamente, Rodrigo argumenta que “não teve diferença entre as duas coisas” ao comparar máscaras N95 e máscaras cirúrgicas para proteger trabalhadores da saúde de infecções agudas respiratórias, objeto do estudo. No entanto, omite que nas conclusões o paper menciona que “mais estudos clínicos randomizados controlados são necessários para detectar uma diferença clínica importante” e “que esses estudos em condições clínicas são as melhores evidências para avaliar a efetividade de informar a formulação de políticas públicas”. Além disso, não há menção ao controle de bactérias pelas máscaras cirúrgicas, assunto sugerido pela abordagem que Rodrigo faz do tema enquanto o estudo é visível na tela.

O quinto artigo compara o efeito de proteção contra infecções respiratórias no uso de máscaras e respiradores, a partir de análise de diversos outros papers. O trecho lido por Rodrigo afirma que não houve evidência significativa de proteção de ambos contra infecções respiratórias virais, mas não cita a parte que aponta este tipo de infecção como rara entre as amostras dos estudos. Ele também omite que há uma ressalva no artigo que diz: “É mais provável que essa falta de evidência indique insuficiência no poder estatístico desses estudos do que uma falta de efeito de proteção.”

O sexto e o sétimo artigos chegam à conclusão que não há diferença significativa na capacidade de proteção entre os trabalhadores de hospitais que usaram máscaras N95 e máscaras cirúrgicas. Ambos são mencionados por ele muito rapidamente, sem citar todas as limitações constatadas em cada um. Em seguida, Rodrigo diz genericamente ao se referir aos sete estudos que “as melhores evidências publicadas, antes dessa pandemia, estão mostrando claramente que [a máscara comum] não tem eficácia contra vírus respiratórios”, o que é falso, pois nenhum dos estudos permite esta afirmação.

O que dizem especialistas e autoridades?

A OMS recomenda o uso de máscaras como parte da estratégia para parar a transmissão do vírus. A entidade afirma que o uso de máscara por si só não é suficiente para fornecer um nível adequado de proteção contra a covid-19. Por isso, recomenda também que se mantenha uma distância mínima de um metro de outras pessoas, se lave constantemente as mãos e que se evite tocar o rosto ou a própria máscara. Segundo a OMS, máscaras médicas podem proteger as pessoas que as usam de serem infectadas. A organização recomenda, porém, que esse tipo de equipamento seja destinado a profissionais de saúde, pacientes com sintomas de covid-19, familiares que cuidam desses pacientes e grupos de alto risco, como idosos e portadores de comorbidades.

Em relação às máscaras de pano, a OMS afirma que as evidências quanto a sua efetividade são limitadas e não recomenda o seu uso entre o público para o controle da covid-19. A entidade ressalta, por outro lado, que nas regiões com transmissão comunitária do vírus que tenham capacidade limitada para implementar medidas de controle, o seu uso pelo público em geral deve ser incentivado pelos governos. A regra vale especialmente para locais onde não é possível manter o distanciamento físico de um metro, como transporte público, lojas e ambientes fechados.

Desde abril, o Ministério da Saúde recomenda o uso de máscaras caseiras para que as pessoas se protejam do novo coronavírus. Segundo a pasta, para que as máscaras caseiras sejam eficientes como uma barreira física, elas precisam ter duas camadas de pano e cobrir totalmente a boca e o nariz, além de ser justas ao rosto, sem deixar espaço nas laterais. Outra recomendação é para que sejam de uso individual, não podendo ser compartilhadas com outras pessoas. O ministério cita tecidos como algodão, tricoline e TNT como opções para confecção dos equipamentos.

Em nota, o Inmetro afirmou que desenvolveu, em 2014, um programa para avaliar a qualidade de máscaras, com base em critérios estabelecidos pela Anvisa. A certificação indica que o produto passou por auditorias no processo produtivo e ensaios de inspeção visual, resistência à respiração, penetrações através do filtro, inflamabilidade, resistência da válvula de exalação à tração e vazamento da válvula de exalação. O processo de certificação é feito por organismos acreditados pelo Inmetro e segue os parâmetros de avaliação da Anvisa.

Segundo o Inmetro, em 19 de março a Anvisa publicou uma resolução que define procedimentos temporários para equipamentos de proteção individual, incluindo máscaras, em virtude da emergência de saúde pública internacional causada pelo novo coronavírus. O texto diz que esses produtos ficam temporariamente “dispensados de certificação no âmbito do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade (SBAC)”. Por isso, o Inmetro suspendeu por 12 meses a compulsoriedade da certificação das máscaras, já que o suprimento delas é considerado essencial para combater a pandemia.

Em entrevista ao Comprova, realizada por meio de áudios no Whatsapp, o médico e diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Antônio Carlos Bandeira explicou que as máscaras funcionam como um anteparo para o vírus. “O uso da máscara previne a aerossolização dessas gotículas que quando o indivíduo fala, tosse ou espirra ele gera e contamina muito as outras pessoas”, afirmou o médico.

A afirmação de Bandeira está em consonância com as recomendações do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, que produziu a ilustração abaixo para conscientizar as pessoas sobre a importância do uso de máscaras para diminuição do número de infectados pela doença

O médico destacou que o uso das máscaras se torna essencial na medida em que pessoas assintomáticas, ou com sintomas leves da doença, também transmitem o vírus. Segundo ele, “o uso de máscara previne a possibilidade de o indivíduo contaminado, mesmo que ele não saiba [que está infectado], de aerossolizar partículas, porque essas partículas vão ficar presas na porção interna das máscaras”. Bandeira afirmou que a máscara também pode proteger o indivíduo que é exposto ao vírus em um ambiente compartilhado com uma pessoa infectada que não usa máscara.

O infectologista alertou, ainda, que existem alguns cuidados com as máscaras caseiras para que elas possam fornecer a maior e melhor proteção possível a quem as usa. As máscaras devem ter preferencialmente três camadas de tecido, precisam ser trocadas a cada três horas, e devem cobrir completamente o nariz, a boca e a porção lateral da face, se ajustando bem e incluindo o queixo.

Confecção e uso das máscaras

A Anvisa possui uma página que reúne as informações sobre máscaras e as indicações para o seu uso. A agência afirma que existem diversos tipos de máscaras para diferentes finalidades, de modo que para cada situação há um tipo apropriado de máscara. No contexto da pandemia do novo coronavírus, a Anvisa destaca três tipos: máscaras de proteção de uso não profissional, máscaras cirúrgicas e equipamentos de proteção respiratória.

O primeiro tipo é o daquelas que “são confeccionadas artesanalmente com tecidos como algodão, tricoline, entre outros, e utilizadas para cobrir o nariz e a boca em espaços públicos durante a pandemia”. De acordo com a agência, essas máscaras atuam como barreiras físicas e reduzem a propagação do vírus.

O médico e pesquisador Carlos Zárate-Bladés, da UFSC, reforça que é importante que as máscaras tenham, pelo menos, três camadas de tecidos diferentes, como recomenda a Organização Mundial da Saúde.“Que os tecidos sejam diferentes para que consigamos ter uma trama fechada, mas que permita respiração e que consigamos ter uma máscara que atue não unicamente por um só mecanismo”, afirma.

“O algodão é um excelente tecido, que tem uma alta compactação, bastante fios e gera uma estrutura de rede que vai impedir a passagem de grandes partículas. Os poros podem ser permissivos para partículas menores, mas aí entram em jogo as outras camadas de tecido que vão estar por trás dessa capa de algodão. Um exemplo é a seda, que é um tecido que se considera que atua basicamente por carga, então a filtragem das partículas virais é melhorada”, complementa. Pesquisadores e professores do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), entre eles Zárate-Bladés, desenvolveram um passo a passo para a produção de máscaras caseiras visando o melhor aproveitamento das propriedades dos tecidos.

Sobre as máscaras caseiras, a Anvisa publicou, em 3 de abril, um documento com orientações gerais para seu uso. A agência afirma que “as máscaras faciais não-hospitalares não fornecem total proteção contra infecções, mas reduzem sua incidência”, e destaca que o “o efeito protetor por máscaras é criado por meio da combinação do potencial de bloqueio da transmissão das gotículas, do ajuste e do vazamento de ar relacionado à máscara, e do grau de aderência ao uso e descarte adequados”. A agência ainda define outros tipos de proteções, como as máscaras cirúrgicas que precisam ser testadas e seguir normas específicas, e máscaras PFF2 e N95 que tem um poder de filtragem superior às outras.

Além dos materiais usadas na confecção, a utilização correta das máscaras é muito importante para a efetividade de seu uso. Elas precisam estar bem acomodadas no rosto das pessoas. “Ela precisa vedar os espaços da boca e sobretudo os espaços do nariz de tal forma que a respiração seja feita sempre através da máscara, tanto na inalação quanto na exalação. É muito ruim se ela deixar passar ar pelas laterais, por baixo ou por cima da máscara”, afirma Zárate-Bladés. A parte da costura nos tecidos das máscaras também deve ser feita apenas nas bordas das máscaras e não na região central, para não danificar a continuidade das fibras.

As máscaras também devem ser feitas de tecidos que sejam facilmente laváveis e que tenham uma duração mais longa. A recomendação da Anvisa é para que as máscaras sejam utilizadas por, no máximo, três horas e depois sejam lavadas com água e sabão, álcool 70 ou em uma solução com água sanitária.

“Você pode ter a máscara mais perfeita do mundo, projetada de diversas formas e testada, mas o mais importante é o uso que a pessoa faz com ela: o bom uso implica em não tocar na máscara, lavar corretamente, saber retirar ela, saber colocar”, reforça Zárate-Bladés.

A descoberta do SARS-CoV-2 e o comportamento do vírus influenza

Na tentativa de minimizar a gravidade da pandemia, Polesso afirma, sem apresentar evidências, que o agente causador da covid-19, o SARS-Cov-2, é conhecido pelos pesquisadores desde, pelo menos, o ano de 2015. Não é o que apontam as evidências científicas, os especialistas e os órgãos de saúde.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o SARS-CoV-2 era desconhecido antes do surto ocorrido em Wuhan, em dezembro de 2019. Entendimento análogo ao do Ministério da Saúde, do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos e do médico, professor e diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia Antônio Carlos Bandeira, entrevistado pelo Comprova. O médico explicou que não existe nenhuma documentação que prove que o SARS-CoV-2 circulasse em populações humanas antes de dezembro de 2019 e esclareceu que “nós não sabemos ainda dizer se esse vírus circulava em animais [antes de dezembro de 2019]”.

O Ministério da Saúde esclarece que o SARS-CoV-2 pertence à família dos chamados coronavírus, que causam infecções respiratórias. Segundo a pasta, “os primeiros coronavírus humanos foram isolados pela primeira vez em 1937. No entanto, foi em 1965 que o vírus foi descrito como coronavírus, em decorrência do perfil na microscopia, parecendo uma coroa. A maioria das pessoas se infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida, sendo as crianças pequenas mais propensas a se infectarem com o tipo mais comum do vírus. Os coronavírus mais comuns que infectam humanos são o alpha coronavírus 229E e NL63 e beta coronavírus OC43, HKU1”.

O Comprova verificou, em junho, outro boato que afirmava que o SARS-CoV-2 existia desde 2003.

Em outra tentativa de minimizar a gravidade da emergência sanitária causada pelo novo coronavírus, Polesso afirma que todo ano há uma pandemia do vírus influenza, causador da gripe, ou de outros coronavírus — o que, segundo ele, não justificaria as medidas tomadas para o controle da atual pandemia como, por exemplo, o uso de máscaras. Essa informação, no entanto, engana.

Segundo os critérios da OMS uma pandemia ocorre quando há disseminação mundial de uma nova doença. Para que a OMS classifique uma situação como pandêmica, portanto, não são levados em conta critérios como o tipo de doença ou sua gravidade — a definição de pandemia diz respeito essencialmente à disseminação de uma doença.

O médico e professor de infectologia Antonio Carlos Bandeira esclareceu que não é correto afirmar que todos os anos ocorrem pandemias do vírus influenza. Segundo o especialista “todo ano ocorre a circulação usual do vírus da influenza em níveis não epidêmicos nem pandêmicos. Excepcionalmente em alguns anos, como foi o caso de 2009, houve uma pandemia [causada] pelo vírus H1N1. Mas essa é uma situação que podemos chamar de atípica — o usual são níveis de circulação do vírus em níveis que chamamos de endêmicos.”

Quem é Rodrigo Polesso?

Rodrigo Polesso se apresenta no Instagram como “especialista em ciência nutricional” e “autor bestseller”. Ele tem 245 mil seguidores no Instagram e 1,37 milhões de inscritos em seu canal no YouTube. Em seu Facebook, diz que estudou Ciências da Computação na Universidade Federal do Paraná (UFPR) — o que foi confirmado pela instituição, por e-mail — e também afirma, na biografia, que estudou nutrition (nutrição, em português) na Universidade Estadual de San Diego, nos Estados Unidos.

Porém, na mesma rede social, exibe um certificado do curso “Nutrition for Optimal Health and Wellness” (Nutrição para Saúde Ideal e Bem-estar, em português). O curso é online, tem duração de cinco meses e não exige formação prévia na área de nutrição ou saúde. O Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) afirmou, por e-mail, que não existe nenhum registro de Polesso no órgão. Ainda disseram que “a formação em Nutrição é ampla e tem duração de cinco anos” e que “para se tornar nutricionista é preciso ter um registro profissional no respectivo conselho regional”, caso contrário “o indivíduo estará exercendo a profissão de forma irregular, passível de sanções no âmbito civil e até criminal”.

Em seu perfil no Facebook, Polesso ainda exibe o endereço de quatro sites distintos, que oferecem cursos variados: como gerar renda na internet, como fotografar e como emagrecer. Ao acessar as plataformas, é possível ver o nome de Polesso como fundador de todos eles. Todos são cursos online e pagos.

Em um dos sites relacionados à nutrição e dieta, o Tribo da Forte, Polesso adicionou uma nota evitando o termo “nutricionista” e afirmando que ele “enquanto especialista certificado em nutrição otimizada para saúde e bem-estar pela San Diego State University [Universidade Estadual de San Diego], na Califórnia, é um expert por mérito próprio, tendo construído seu conhecimento na área de nutrição através de suas próprias pesquisas ao redor do mundo, não sendo formado em nutrição nem em qualquer outra área da saúde. Todos os conhecimentos, dicas e métodos compartilhados são de propósito meramente educacional. Nenhuma informação desta página ou do portal Tribo Forte substitui uma consulta com seu médico ou nutricionista. Jamais faça nenhuma mudança na sua alimentação ou estilo de vida alimentar sem antes consultar seu médico ou profissional de saúde. É só ele quem poderá avaliar de perto a sua situação atual e decidir se você está apto ou não á essas alterações”.

Procurada por e-mail para comentar sobre o curso, a Universidade Estadual de San Diego não retornou os contatos do Comprova. Polesso também afirma ter estudado administração na Fundação Getulio Vargas. Por e-mail, a instituição afirmou que os funcionários “estão trabalhando remotamente, por isso, não será possível a checagem solicitada”.

Procurado por e-mail, Polesso afirmou que por possui formação na área de ciências e exatas teria “grande poder analítico e crítico livre de ideologia para análise de evidência científicos e falácias lógicas em argumento”. Também disse que hoje em dia as pessoas têm acesso às “mesmas evidências que órgãos oficiais têm acesso” e que se estes “têm uma mensagem avessa as evidências, eles são passíveis de serem questionados”.

Questionado sobre não ter uma formação na área da saúde, disse que o trabalho se resume “em informar e educar as pessoas sempre baseado em evidências e nunca em minhas opiniões” e afirmou que não prescreve e não consulta e que, por isso, “a questão de formação acadêmica é totalmente irrelevante neste cenário”. Ele voltou a reforçar que possui um certificado em nutrição otimizada para saúde e bem-estar na Universidade Estadual de San Diego, mas disse que o curso o decepcionou. Afirmou, ainda, que tem duas graduações em universidade federais, uma pós-graduação na Fundação Getulio Vargas e outra pós-graduação na Universidade da Califórnia Berkeley. “Nenhuma delas na área de nutrição ou da saúde. Meu conhecimento na área de emagrecimento e ciência nutricional vem das minhas próprias pesquisas baseadas em evidências ao longo dos últimos dez anos ao redor do mundo, coisa que toda e qualquer pessoa pode fazer independente de formação acadêmica na área”, afirmou por e-mail.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado na Internet. Quando esses conteúdos tratam da pandemia do novo coronavírus, a checagem é ainda mais relevante, já que pode colocar a saúde das pessoas em risco. É o caso do vídeo em questão, que pode induzir as pessoas a não utilizarem máscara, recurso recomendado por médicos e pelas autoridades de saúde para funcionar como uma barreira física contra a transmissão da covid-19.

Desde o início da pandemia, o Comprova já desmentiu diversos boatos sobre o uso de máscaras, mostrando ser falso que elas reduzam a imunidade e potencializem a proliferação de bactérias. Também mostrou não serem verdadeiros um vídeo e um áudio que acusavam máscaras importadas da Ásia de estarem contaminadas. Na última delas, o Comprova desmentiu que máscaras contaminadas fossem ser distribuídas para a população de São Paulo.

Até a data de fechamento deste texto, o vídeo somava mais de 31 mil visualizações no Instagram. O Comprova também encontrou a publicação no Facebook, mas com um baixo números de visualizações.

Falso, para o Comprova, é um conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira