O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-11-06

Médicos não provaram que uma vacina precisa de 10 anos de pesquisa para ser segura

  • Falso
Falso
O Comprova não encontrou qualquer indício de que os médicos tenham feito tais provas. E tempo não é um fator considerado nos protocolos de avaliação de vacinas tanto na Anvisa quanto na FDA, autoridade sanitária dos Estados Unidos
  • Conteúdo verificado: Tuíte afirma que dois médicos brasileiros provaram cientificamente que uma vacina precisa de, no mínimo, dez anos de pesquisa para ser considerada segura e eficaz.

É falso que os médicos brasileiros Nise Yamaguchi e Anthony Wong tenham provado cientificamente que uma vacina precisa de no mínimo dez anos de pesquisa para ser considerada segura e eficaz, conforme afirmou um blogueiro no Twitter.

O Comprova não encontrou qualquer indício de que os médicos tenham feito tais provas. Só foi encontrada uma entrevista à rádio Jovem Pan em que ambos falam sobre efeitos colaterais e tempo de aprovação de vacinas, mas não há provas de que haja um tempo mínimo.

Tempo, na verdade, não é um dos fatores considerados nos protocolos de aprovação de vacinas tanto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil (Anvisa) quanto da Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária dos Estados Unidos. Além disso, o órgão norte-americano aprovou, no final de 2019, uma vacina contra ebola desenvolvida em cinco anos.

O Comprova tentou entrar em contato com Yamaguchi e Wong, que já teve algumas das suas falas analisadas pelo Comprova, mas não teve retorno até o fechamento desta verificação.

Como verificamos?

Por meio de pesquisa, a equipe apurou os perfis das redes sociais dos médicos citados e do blogueiro que publicou o tuíte, principalmente o Instagram, Twitter e Linkedin. Além disso, foram analisadas entrevistas e postagens de Wong e Yamaguchi realizadas durante a pandemia, relacionadas aos cuidados recomendados para evitar a proliferação do vírus.

Por e-mail, questionamos a Anvisa sobre os procedimentos para a aprovação de uma vacina, se haveria algum tempo mínimo requerido e se a data de 10 anos fazia algum sentido. As mesmas perguntas foram feitas à norte-americana FDA também por e-mail, em inglês.

Por telefone, contatamos ainda Evaldo Stanislau, infectologista da Universidade de São Paulo (USP) para falar sobre produção de vacinas. Ele respondeu por WhatsApp.

Também tentamos contato com Anthony Wong e Nise Yamaguchi por e-mail e telefone, mas não obtivemos resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 6 de novembro de 2020.

Verificação

Tempo de aprovação

Ao Comprova, a Anvisa afirmou, por e-mail, que não existe tempo delimitado para a aprovação de uma vacina ou medicamento. “O que existe é a exigência de demonstração de segurança e eficácia por meio de pesquisas clínicas que forneçam dados suficientes para esta análise”, explica a agência.

O órgão afirma que há uma “exaustiva lista para regulamentação e registro”, mas que não inclui correlação com o tempo. Em seu site, a Anvisa explica as etapas que as indústrias devem seguir para registro do imunizante para covid-19: duas são pré-testes (pesquisa para identificação de candidatos e estudos clínicos com os selecionados após testes com animais) e três fases de testes em humanos.

Atualmente, três das cinco vacinas testadas no Brasil (Oxford, CoronaVac e da Pfizer com a BioNTech) estão na terceira fase, de estudo clínico de eficácia – as outras duas estão com as pesquisas paradas. Não há qualquer menção a um tempo mínimo necessário para qualquer uma das etapas.

Da mesma forma, a FDA, órgão equivalente à Anvisa nos Estados Unidos, também afirmou, por e-mail, que não estipula um tempo mínimo de pesquisa para a aprovação de uma vacina. A agência norte-americana também estabelece um estudo com três fases de testes em humanos antes do registro.

“Em qualquer estágio dos estudos com humanos ou animais, se os dados levantarem preocupações significativas sobre a eficácia ou a segurança [do imunizante], o FDA poderá requerer informações ou estudos adicionais ou poderá suspender o estudo em andamento”, explica a agência.

O que diz o especialista

O infectologista Evaldo Stanislau, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e membro de diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI), também afirmou que esse critério não existe.

“Os estudos têm fases definidas de desenvolvimento para demonstrar a eficácia e segurança. Após a fase 3 – onde várias vacinas estão –, se aprovadas e registradas, podem ser comercializadas sem restrições”, explica o infectologista.

Segundo ele, após a aprovação, há ainda uma fase posterior, com observação na vida real, como ocorre com qualquer fármaco. Se há qualquer intercorrência, as autoridades sanitárias devem ser avisadas. É o que se chama de “farmacovigilância”.

“A depender de ocorrerem reportes – e do tipo de reporte –, isso pode demandar ações de correção ou restrição. Independente da farmacovigilância, o próprio produto pode ser aprimorado no pós-comercialização pelo próprio fabricante. E isso deverá ocorrer”, afirma Stanislau.

Pode ocorrer, por exemplo, de uma vacina ser registrada e lançada com duas doses e, em algum momento, ser aprimorada para apenas uma dose.

“A afirmação original, do jeito que é colocada, está incorreta e, mais do que isso, tenta comprometer um processo sério e regulado pelas autoridades sanitárias”, conclui o médico.

Vacinas produzidas em menos de 10 anos

Apesar de não haver um tempo mínimo, a produção de vacinas geralmente leva anos e depende de muitos fatores – desde o próprio vírus que se quer combater a elementos externos, como interesses econômicos e regionais, mas há registro de vacinas produzidas em menos de 10 anos.

A Ervebo, primeira vacina contra a ebola aprovada pela FDA, em dezembro de 2019, levou cerca de cinco anos para ser produzida. Apesar de o vírus ter sido descoberto na República Democrática do Congo (então Zaire) em 1976, a pesquisa para a vacina fabricada pela Merck começou em 2014, durante a epidemia no país africano entre 2013 e 2016. Outras tantas tentativas em décadas anteriores falharam.

A vacina contra a caxumba também foi descoberta em um período inferior de pesquisa. Apesar de seu vírus ter sido isolado em 1945, o médico Maurice Hilleman levou apenas quatro anos desde o início da pesquisa à aprovação, em 1967. Hilleman, que trabalhava na indústria farmacêutica e já tinha desenvolvido outros imunizantes, interessou-se pela doença depois que sua filha de cinco anos a contraiu. Essa história é contada pela rede britânica BBC.

A vacina do sarampo também foi descoberta e aprovada em menos tempo. Seu vírus foi isolado em 1954 e a vacina, licenciada pela FDA em 1963, nove anos depois, como mostra este infográfico da revista Superinteressante.

Quem são os médicos citados

Os médicos citados no tuíte do jornalista são Antony Wong, médico pediatra e toxicologista, e Nise Yamaguchi, diretora da Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC). Diferentemente do que diz a publicação no Twitter, nenhum dos dois comprovou que uma vacina precisa de dez anos para ser produzida.

Na entrevista à rádio Jovem Pan, Wong trata os possíveis riscos da vacina e exemplifica a demora para que a eficácia e segurança de sua aplicação sejam provadas: “A vacina que foi mais curta (para ser feita) foi a de caxumba, que demorou quatro anos. A vacina de sarampo levou nove anos, a vacina de Ebola levou cinco anos só para ser desenvolvida e mais cinco para ser aprovada. Não é só fazer e pronto. Isso leva meses, anos… Até que os órgãos reguladores aprovem uma vacina segura. Nunca houve na história da humanidade pronta nos próximos meses, como estão dizendo”, declarou.

Na mesma entrevista, Yamaguchi citou possíveis riscos que poderiam ser causados por uma vacina contra a covid-19. “Sabemos que as vacinas estão sendo testadas há pouquíssimos meses, então os efeitos colaterais tardios ainda não tem tempo de ser avaliados. O tempo é necessário para que os efeitos colaterais sejam estruturados”, afirmou.

Wong já teve uma fala checada – e desmentida – pelo Comprova recentemente. Em entrevista à jornalista Leda Nagle, o médico afirmou que “nenhuma vacina de coronavírus passou pela fase pré-clínica”.

Em outras entrevistas encontradas durante a apuração, Yamaguchi, por sua vez, mostrou duas preocupações relacionadas à pandemia: a primeira seria a preocupação com as pessoas que são mais vulneráveis à covid. Já a segunda é voltada para a segurança dos pacientes ao questionar o tempo de pesquisa e testes das vacinas em andamento, além da falta de conhecimento sobre os efeitos colaterais. Além disso, como Wong, ela também afirmou, de forma incorreta, que algumas das vacinas não passaram pela fase pré-teste.

Quem é o blogueiro

Oswaldo Eustáquio, que compartilhou o conteúdo falso, é conhecido por ser um blogueiro bolsonarista e se apresenta como jornalista investigativo. Na descrição de seu perfil no Twitter, apresenta a numeração da sua DRT, Delegacia Regional do Trabalho, que o habilita a trabalhar como jornalista.

Foi investigado na Operação Lume, inquérito que apura a promoção de atos antidemocráticos favoráveis ao fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), a mesma operação em que Sara Giromini, que adota o pseudônimo de Sara Winter, foi presa em Brasília. Depois disso, passou a se apresentar como “censurado pelo STF.”

Em fevereiro deste ano, Eustáquio foi condenado a pagar uma indenização de R$ 15 mil por danos morais ao jornalista Glenn Greenwald após publicar que Glenn mentira ao pedir visto de urgência para seus filhos conhecerem a avó, que estava com câncer e morreu em dezembro. O ex-deputado federal Jean Wyllys também abriu um processo contra o blogueiro.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais tratando sobre políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia de covid-19.

O post verificado aqui, com 8,4 mil curtidas e cerca de 2,1 mil compartilhamentos no Twitter, desinforma ao afirmar que existe um tempo mínimo para aprovação de uma vacina e traz insegurança quanto às vacinas que estão sendo testadas atualmente pelo mundo – visto que, caso aprovadas em 2020 ou 2021, todas terão tempo de pesquisa inferior a dez anos. Ao citar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que também já questionou a velocidade de pesquisa das vacinas, o post desacredita pesquisas científicas em prol de uma visão política.

O Comprova tem verificado uma série de postagens que questiona a eficiência das vacinas, como uma corrente que compara a letalidade da covid-19 à taxa de efeitos colaterais da vacina CoronaVac, outra que afirma que vacinas contra o vírus podem causar câncer, danos genéticos e “homossexualismo” e outra que afirma que imunidade de rebanho seria mais eficiente do que vacinação.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-11-06

Não há tratamento prévio para covid-19, ao contrário do que sugere médica no Instagram

  • Falso
Falso
Não é verdade que se a população tomar hidroxicloroquina e ivermectina estará protegida contra a covid-19 e que, com esses medicamentos, a circulação do vírus vai acabar antes da chegada do inverno
  • Conteúdo verificado: Vídeo no Instagram em que a médica Raissa Soares afirma não ser o momento para vacina, mas sim de evitar a transmissão do novo coronavírus com o uso profilático da hidroxicloroquina e da ivermectina.

São falsas as afirmações sobre o fim da circulação do novo coronavírus feitas por uma médica em um vídeo no Instagram. Na gravação, ela cita as vacinas, mas diz que ainda não é o momento das imunizações, e diz, erroneamente, que, se a população tomar hidroxicloroquina e ivermectina, estará protegida contra a covid-19 e, assim, a circulação do vírus vai acabar antes da chegada do inverno. Não é verdade.

Até agora, não há nenhum medicamento que evite o contágio da doença, segundo autoridades de saúde. Sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina (que é um derivado da primeira), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma que “os estudos conduzidos até o momento têm um número de pacientes muito reduzido e ainda é arriscado afirmar que vai funcionar no tratamento da covid-19” e que, o órgão, “da mesma forma que o FDA (Food and Drug Administration, autoridade sanitária dos Estados Unidos), não recomenda o uso indiscriminado desses medicamentos sem a confirmação de que realmente funcionam”.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), tem posicionamento similar em relação às drogas. Em seu site, a entidade destaca que “a maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento”.

Associações como a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Sociedade Brasileira de Infectologia já publicaram em comunicados que nenhum desses medicamentos, nem a ivermectina, tem eficácia comprovada contra a doença. Especificamente sobre a ivermectina, a Anvisa afirma, em nota, que “as indicações aprovadas são aquelas constantes da bula do medicamento” — nenhuma é para a covid-19 e, como a própria autora diz no vídeo, uma das indicações é para o tratamento de piolho.

A médica complementa ser importante que cada indivíduo esteja com níveis altos de vitamina D e que “vitamina C, fruta, legume e exercício físico” são fundamentais para evitar a transmissão. Também não é verdade. Novamente, de acordo com a Anvisa, entre as medidas preventivas recomendadas estão o uso de máscara e a lavagem frequente das mãos – o órgão não cita as ações indicadas pela profissional.

A autora do vídeo que viralizou no Instagram é a médica Raissa Soares. O Comprova tentou contatá-la, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Para compormos esta verificação, fomos em busca de reportagens sobre uma possível eficácia das drogas cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina como medida preventiva para evitar o contágio pelo Sars-Cov-2 (vírus causador da atual pandemia). Também nos apoiamos em sites de órgãos da área da saúde e checagens anteriores do Comprova que mostram não haver comprovação científica da funcionalidade dessas substâncias no tratamento do novo coronavírus.

Pesquisamos, ainda, o posicionamento de alguns políticos em relação a estudos científicos.

Para complementar a apuração, acionamos especialistas da área da saúde com questionamentos sobre medidas profiláticas contra a covid-19 e o atual estágio de contaminação no país. Quem nos auxiliou foram o infectologista, professor de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e atual chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Eduardo Sprinz, e o epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ricardo Kuchembecker.

Tentamos contato com a autora do vídeo e com o Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), onde a médica está inscrita profissionalmente, para verificar possível existência de processos. Até o fechamento desta reportagem, Raissa não deu retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 6 de novembro de 2020.

Verificação

Cloroquina e ivermectina

Nenhuma das drogas mencionadas por Raissa Soares tem eficácia comprovada contra a covid-19. De acordo com o infectologista Eduardo Sprinz, professor de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atual chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no momento “não existe qualquer medicação que tenha indicação na profilaxia”.

“Estudos conduzidos com alguma seriedade não mostram diferença entre usar qualquer um desses medicamentos e não usar como agentes profiláticos”, pontua o médico.

Para ele, a insistência em tentar tornar esses fármacos como alternativa de tratamento pode ter ligação com “negacionismo, fake news, mídias sociais e razões políticas”: “Não é questão de ser contra ou a favor, e sim de haver indicação. Neste momento, não há indicação”.

O epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ricardo Kuchembecker, corrobora com o posicionamento de Sprinz.

“Não há evidências científicas de que hidroxicloroquina ou ivermectina, utilizadas individualmente ou em associação, sejam capazes de evitar, bloquear ou reduzir a circulação do Sars-Cov-2, seja no organismo, seja entre as pessoas. Estudos clínicos controlados demonstraram ausência de efeito preventivo e terapêutico na covid-19. A ivermectina não foi testada em humanos em relação à covid-19. Ela só foi avaliada em estudos em laboratório (in vitro).”

O governo federal chegou a recomendar a administração da cloroquina e da hidroxicloroquina como terapia para pacientes com coronavírus — mesmo sem comprovação científica de resultados. Conforme reportagem da BBC publicada em julho: “O Ministério da Saúde, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, recomenda o tratamento precoce contra a covid-19. Um protocolo da pasta defende o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina para todos os casos, dos mais leves aos mais graves, mesmo sem comprovação científica. Semanas atrás, Bolsonaro também se mostrou favorável ao uso da ivermectina em tratamento precoce contra o novo coronavírus”.

A mesma matéria traz a reação de entidades de saúde sobre a recomendação, esclarecendo que, em 30 de junho, a da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou uma nota (atualizada em julho) para alertar sobre os riscos de tratamentos precoces. “Nos últimos dias, muito tem se divulgado nas redes sociais a respeito do uso de medicamentos para a covid-19. Várias destas divulgações que circulam nas mídias sociais são inadequadas, sem evidência científica e desinformam o público”, diz o comunicado.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde, “as evidências disponíveis sobre benefícios do uso de cloroquina ou hidroxicloroquina são insuficientes, a maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento. Por isso, enquanto não haja evidências científicas de melhor qualidade sobre a eficácia e segurança desses medicamentos, a OPAS recomenda que eles sejam usados apenas no contexto de estudos devidamente registrados, aprovados e eticamente aceitáveis”.

No Brasil, a Anvisa não recomenda tais medicamentos: “Os estudos conduzidos até o momento têm um número de pacientes muito reduzido e ainda é arriscado afirmar que vai funcionar no tratamento da covid-19. Mais dados precisam ser coletados, de maneira adequada, para haver certeza de que vai funcionar”.

A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia publicou, em junho, um posicionamento sobre a profilaxia e tratamento da covid-19, afirmando que “não existem evidências científicas de que quaisquer das medicações disponíveis no Brasil, tais como ivermectina, cloroquina ou hidroxicloroquina, isoladas ou associadamente, sejam capazes de evitar a instalação da doença em indivíduos não infectados. Isso também é verdade para vitaminas, como a C e a D, e suplementos alimentares contendo zinco ou outros nutrientes.” As informações constam em verificação feita pelo Comprova sobre o uso da ivermectina como forma de evitar mortes por covid-19.

Fim da circulação?

A médica diz, em determinado trecho, que “nós vamos parar a doença porque eu não tenho mais a circulação viral.” Não fica claro se Raissa refere-se à disseminação do Sars-CoV-2 entre a população ou no corpo de um indivíduo. Porém, nenhuma delas teria sentido.

Segundo o painel do Ministério da Saúde que monitora o coronavírus em território nacional, desde 28 de outubro — data em que ela publicou o vídeo — até 4 de novembro (data mais atualizada até a publicação desta reportagem), o país teve mais de 150 mil novos casos confirmados.

O epidemiologista Ricardo Kuchembecker explica que o vírus deve continuar circulando por um bom tempo.

“A ivermectina, em estudos de laboratório, não em seres humanos, diminui a quantidade de vírus. Mas daí a dizer que ela diminui a circulação de vírus entre pessoas ou mesmo em uma pessoa, é informação absolutamente desprovida de evidência científica. Vai continuar havendo a circulação de vírus durante muito tempo até que consiga ou a imunidade coletiva com vacina ou imunidade coletiva depois que o vírus circulou em quase todos os suscetíveis”, avalia Kuchembecker.

Politização da vacina

Raissa Soares diz em seu vídeo que “político que está querendo vacina é porque é contrário à política do presidente”. Contudo, nota-se um movimento na política mundial de incentivo aos estudos científicos que buscam alcançar uma vacina segura e eficaz contra a covid-19, independente de partidos e vertentes políticas.

A nível nacional, Luiz Henrique Mandetta (DEM), ex-ministro da Saúde, disse ao Roda Viva em outubro que a própria gestão da pandemia de Jair Bolsonaro é bastante ideológica.

“Joga cloroquina, começa a chamar de vírus chinês, fala que a culpa é da China. Então, não dá para falar da China, fala que é da OMS. Passou o Ministério da Saúde a ser o elemento de raiva, esse é o cara que traz a notícia ruim, fala o que não quero ouvir. Tanto que eles trocam o ministro e uma das primeiras coisas que o ministro militar chega e fala é que não vai mais dar números”, disse.

Em entrevista à Agência Senado, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação, comenta ainda sobre o impacto da politização da vacina em tempos de cortes em investimentos na ciência brasileira aprovados durante o governo Bolsonaro.

“Os governantes, de forma geral, só atuam pensando na próxima eleição, e não nas próximas gerações. Preferem investir em programas que tragam resultados imediatos e tenham bastante visibilidade, garantindo votos. A ciência não é assim. Os resultados científicos que vemos hoje costumam ser fruto de anos de investimento e nem sempre podem ser mostrados na propaganda eleitoral. Isso ajuda a explicar o descaso com a ciência”, afirmou.

Na comunidade internacional, Angela Merkel, chanceler alemã e ex-líder do partido de centro-direita União Democrata Cristã (CDU), afirmou que a vacina é crucial para a volta à normalidade. “Este é um assunto sério, tão sério quanto sempre foi, e é preciso continuar levando-o a sério”, disse em coletiva de imprensa realizada em Berlim.

Quem é a médica

Raissa Oliveira Azevedo de Melo Soares é médica. Em seu perfil pessoal no Instagram, ela afirma ser formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi no estado que ela fez seu primeiro registro no Conselho Regional de Medicina, em setembro de 1994. Desde março do ano passado, o registro ativo de Raissa é do Conselho Regional de Medicina da Bahia, com especialidade em Clínica Médica.

Em junho deste ano, Raissa foi citada em uma verificação do Comprova, classificada como enganosa. Em um vídeo, compartilhado em uma publicação no Facebook, a médica defendia o uso da cloroquina para tratamento do coronavírus, com base em experiências pessoais.

Na ocasião, Raissa trabalhava no Hospital Regional Deputado Luis Eduardo Magalhães (HRDLEM), em Porto Seguro, era contratada da prefeitura do município e também atuava no Hospital Navegantes. Ela chegou a pedir, por vídeo, ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que enviasse caixas de hidroxicloroquina para a cidade de Porto Seguro.

O pedido foi atendido e 40 mil caixas do medicamento foram enviadas pelo Ministério da Saúde para a cidade baiana. A Secretaria Municipal de Saúde de Porto Seguro disse, na época, que o medicamento seria destinado às unidades de saúde da cidade. Já a médica, para quem as caixas foram enviadas diretamente, disse que enviaria a hidroxicloroquina também para cidades vizinhas.

Quando as caixas chegaram, Raissa não trabalhava mais no Hospital Regional Deputado Luis Eduardo Magalhães, administrado pelo governo do estado. Nas redes sociais, circulou a informação de que a demissão tinha motivação política — por conta do pedido de hidroxicloroquina feito ao presidente —, mas a informação foi desmentida pela própria médica e pelo hospital, como mostrou esta verificação da Agência Lupa. Ambos informaram que a saída ocorreu porque Raissa não estava conseguindo cumprir a carga horária da instituição em decorrência de outros compromissos durante a pandemia.

Em sua conta no Instagram, Raissa tem feito postagens que defendem o uso de medicamentos para o que chama de “tratamento precoce” contra a covid-19. Entre os dias 2 e 4 de outubro, a médica organizou em Porto Seguro o encontro “Força Médica Nacional contra a covid-19”, para discutir justamente o tratamento precoce da doença. Por meio da assessoria de comunicação, a Prefeitura de Porto Seguro confirmou ao Comprova, nesta quarta-feira (4), que o município adota o “protocolo de tratamento precoce na fase inicial da covid-19”.

A prefeitura confirmou que Raissa permanece contratada pelo município e trabalha na Unidade de Saúde do bairro de Campinho. A médica também compõe a equipe do Hospital Navegantes. Segundo a prefeitura, o hospital é privado, embora conste no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde, que ele é gerido pelo município. Na página do hospital no Facebook também há um vídeo da médica falando sobre o tratamento precoce, com a legenda de que a unidade apoia a causa.

Como já explicado por especialistas ouvidos pelo Comprova nesta verificação, não há comprovação científica da eficácia de um tratamento precoce, profilático, contra a covid-19, como defende Raissa. O Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), onde ela possui inscrição ativa desde março de 2019, condena a prática adotada por médicos de fazer prescrições públicas e em massa – é exatamente o que Raissa faz no vídeo verificado, ao indicar o uso de hidroxicloroquina (um derivado da cloroquina) e da ivermectina.

Em julho, o conselho publicou em seu site um alerta aos médicos para a “inadequação de prescrição pública ou em massa” – em redes sociais, por exemplo. O texto, publicado no site do conselho, chama a atenção para o problema da prática não só do ponto de vista ético e legal, mas também pelo risco a que está exposto o paciente medicado por indicação coletiva. Para o Cremeb, esta prática “foge aos limites éticos da medicina”.

“Prescrever indiscriminadamente, em uma rede social, por exemplo, não contempla preceitos básicos da prescrição médica, tais como a individualidade biológica de cada paciente, a possibilidade de monitorar os efeitos adversos e de emitir as advertências de acordo com a situação específica de cada indivíduo. Realizar a orientação em massa ignora também a realização da anamnese, procedimento imprescindível para decisão do caminho terapêutico a ser adotado”, informa o Cremeb.

O Comprova não encontrou processos disciplinares envolvendo Raissa Soares no site do Cremeb e o conselho informou, por meio da assessoria, que não se pronuncia sobre casos específicos, embora a recomendação se aplique ao vídeo da médica.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos ligados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Como estamos em ano eleitoral, em que as disputas políticas estão acirradas, a covid-19 tornou-se tema de debates em todos os campos e a desinformação que circula nas redes sociais pode custar vidas.

Não obstante, informações sem embasamento científico podem contribuir para que a população acredite em medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento do novo coronavírus, abrindo mão de cuidados com higiene e distanciamento social — ações recomendadas por especialistas e autoridades para conter a doença.

O vídeo divulgado pela médica Raissa no Instagram, pregando, erroneamente, o uso profilático de cloroquina e ivermectina teve cerca de 61 mil visualizações até 6 de novembro.

O Comprova já verificou outros conteúdos envolvendo cloroquina e ivermectina. Entre as checagens sobre esses temas, estão a que mostra ser falsa afirmação do presidente de que cloroquina poderia salvar 100 mil vidas, a que prova que China e FDA não aprovaram o uso do fármaco como 100% eficiente na cura do Covid e a de um enfermeiro que distorce dados para dizer que ivermectina evita mortes pela covid-19.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-11-06

Estudo recomenda o uso de máscara contra a covid-19, ao contrário do que sugere deputada

  • Enganoso
Enganoso
Postagem no Facebook usa como fonte um estudo que na verdade defende o uso de máscara como medida de proteção contra a covid-19 e as declarações enganosas de um médico que não participou da pesquisa
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook da deputada Bia Kicis afirma que estudo demonstra problemas à saúde causados pelas máscaras cirúrgicas, ou N95, e que os modelos artesanais causam os mesmos efeitos

Uma publicação da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) no Facebook mistura dois conteúdos sem nenhuma relação para sugerir que o uso de máscaras como proteção contra a covid-19 causa problemas respiratórios e diversas alterações metabólicas, porém não há quaisquer evidências disso. Segundo a parlamentar, isso vale tanto para máscaras artesanais comuns, feitas de pano, quanto para as do modelo N95, um dos equipamentos usados por médicos para prevenção contra o novo coronavírus.

A deputada cita, porém, como fonte, um estudo que defende o uso de máscara como medida de proteção contra a covid-19 e as declarações de um médico que não participou da pesquisa. Procurado pelo Comprova, o professor P. K. Purushothaman, que realmente participou do estudo, afirmou que, “considerando a pandemia”, sua escolha seria pelo uso da máscara.

O estudo citado por Bia Kicis analisou as reações de 250 profissionais de saúde indianos ao uso da máscara N95, que é um equipamento de uso cirúrgico muito mais restritivo do que as máscaras usadas pela população. O estudo apontou que o uso prolongado desse tipo de equipamento gera “desconfortos”, que podem levar os médicos a tocarem mais frequentemente a face ou retirarem a máscara com mais frequência, o que causaria risco de serem infectados. As reações mais comuns foram suor ao redor da boca, dificuldade de respirar ao fazer esforço físico com a máscara, acne e coceira nasal. A conclusão do estudo defende que o uso de máscaras é fundamental para proteger contra a covid-19.

Já a frase citada por Bia Kicis é do médico Alessandro Loiola, que não participou da pesquisa. Ele afirma que o uso de máscaras geraria uma atmosfera rica em gás carbônico, o que poderia causar “estresse cardiorrespiratório e alterações metabólicas”. O Comprova já mostrou que o uso de máscara não leva as pessoas a respirarem gás carbônico. Recentemente, o Comprova também mostrou que Loiola tirou de contexto dados de um estudo para sugerir que o uso de máscara é ineficiente como proteção ao novo coronavírus, algo que Bia Kicis repete em sua publicação. Em nenhum momento, o estudo indiano faz referências a gás carbônico.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso de máscaras como parte de uma estratégia para reduzir a transmissão da covid-19. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o uso de máscara é uma medida importante quando o distanciamento físico não é possível. No Brasil, desde abril, o Ministério da Saúde passou a recomendar o uso de máscaras, inclusive as caseiras, como medida de prevenção contra o novo coronavírus. O governo brasileiro chegou a importar 240 milhões de máscaras cirúrgicas para serem distribuídas aos profissionais de saúde; sendo 40 milhões delas do modelo N95 citado pelo estudo.

Por e-mail, a assessoria de Bia Kicis disse que a parlamentar já ouviu diversos relatos de mal-estar e problemas de saúde causados pelo uso de máscara, sem apresentar, porém, qualquer dado que comprove as alegações. Também disse que todos os conteúdos são checados antes de serem postados nas redes sociais da deputada.

Como verificamos?

Para esta verificação, primeiramente, o Comprova leu o artigo da pesquisa em questão, cujo link foi disponibilizado na própria publicação pela parlamentar. Também enviamos e-mail para o professor P. K. Purushothaman, um dos autores do artigo, para entender a posição dele sobre o uso de máscaras contra o novo coronavírus.

Em seguida, pesquisamos na internet e em publicações anteriores do Comprova a posição da comunidade científica e de autoridades de saúde sobre o uso de máscaras artesanais e N95 como medida de prevenção contra a covid-19.

Paralelamente, enviamos um e-mail para a assessoria da deputada Bia Kicis questionando-a sobre o conteúdo do artigo e sobre as fontes das informações sobre máscaras caseiras e sobre a frase de um médico que ela cita na publicação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 5 de novembro de 2020.

Verificação

O estudo

O estudo mencionado pela deputada analisou o uso de máscaras N95 por 250 profissionais de saúde em um hospital universitário de Kattankulathur, na Índia. As N95 são equipamentos cirúrgicos que filtram 95% das partículas microscópicas. São, portanto, mais seguros contra o novo coronavírus do que outros modelos de máscaras cirúrgicas e as máscaras de pano, comumente usadas pela população em geral.

Na publicação, a parlamentar afirma que o estudo demonstrou “uma série de problemas na área respiratória, na pele da face, na boca, dentre outros”. Os desconfortos identificados pelo estudo não foram considerados pelos pesquisadores como problemas graves. O artigo diz que 67,6% dos profissionais que fazem uso constante da máscara N95 demonstraram sudorese ao redor da boca; 58,2% tiveram dificuldade de respirar ao fazer esforço físico com a máscara; 56% apresentaram acne e 52% tiveram coceira nasal. Outros sintomas incluem desconforto nasal (30,3%); ressecamento nasal (26,1%); além de dor no nariz (30%) e atrás das orelhas (45,2%), possivelmente porque as máscaras ficam apertadas no rosto. Esses efeitos são descritos na pesquisa apenas como “desconfortos”.

O artigo diz então que o suor excessivo e a dificuldade de respirar durante o esforço físico “resulta em menor adesão às máscaras e aumenta o risco de suscetibilidade à infecção”. Na conclusão do trabalho, os autores afirmam que os riscos não estão associados à utilização dos equipamentos, mas, justamente, ao fato de que os médicos podem relaxar os cuidados por causa dos desconfortos causados pelo uso prolongado.

O artigo defende, por exemplo, que o uso de máscaras faciais protege contra microorganismos prejudiciais e “seu uso é essencial durante a pandemia”. Ele alerta que, por causa do desconforto causado pelo uso prolongado dos respiradores, os profissionais de saúde tendem a tocar as máscaras em curtos intervalos o que pode contaminar a mão e levar a mais disseminação da infecção. Na conclusão do artigo, os pesquisadores afirmam que esse desconforto pode limitar o uso eficiente dos respiradores, levando a uma redução da proteção. O trecho também reafirma que “o uso de máscaras é essencial para nos proteger da covid-19”.

Em e-mail enviado ao Comprova, o professor P.K. Purushothaman, autor do artigo publicado pela deputada, disse que as reações demonstradas no artigo não são efeitos colaterais negligenciáveis por terem um impacto nos profissionais de saúde. “Mas se eu tivesse que fazer uma escolha entre usar máscara ou não usar por causa dos efeitos colaterais, eu iria definitivamente usá-la, considerando a pandemia”, completou.

A utilidade das máscaras

Com apoio de fontes multidisciplinares de instituições científicas de vários países, o New York Times disponibilizou um infográfico animado sobre como as máscaras funcionais protegem. O material demonstra como se dá, em nível microscópico, a filtragem nas máscaras N95 e as artesanais de algodão, exatamente os tipos citados pela deputada.

Nas máscaras de algodão, as fibras do tecido atuam como um denso bosque que retém as micropartículas de aerossol, nas quais o coronavírus são da dimensão das menores partículas que “viajam” dentro das maiores, que são retidas pelas fibras com mais facilidade.

Já as fibras das máscaras N95 são sintéticas, de espessuras e distribuição aleatórias, isso possibilita a retenção de até 95% das micropartículas. Esse modelo possui um fator adicional de proteção: uma carga eletrostática que atrai as partículas para as fibras.

O conteúdo foi elaborado com informações fornecidas pelas seguintes instituições: Universidade Washington, em St. Louis (Depto. de Energia, Engenharia Ambiental e Química e o Centro de Engenharia de Aerossóis); Virgínia Tech (Departamento de Engenharia Civil e Ambiental); Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard; Laboratório de Medição de Materiais do Instituto Nacional de Normas e Tecnologia; Instituto Smithsonian; Universidade de Munique, Alemanha (Instituto de Mecânica de Fluidos e Aerodinâmica); Universidade da Califórnia (Depto. de Nanoengenharia); Instituto Max Planck de Química, Alemanha (Depto. de Química de Partículas); e Universidade de Cambridge, Inglaterra (Grupo de Epidemiologia).

O que dizem as autoridades de saúde

Da OMS aos municípios brasileiros, passando pelo Ministério da Saúde e governos estaduais, é consenso a necessidade do uso obrigatório de máscaras em vias e espaços públicos, além do transporte coletivo e estabelecimentos privados acessíveis à população, como no comércio.

Durante a pandemia, o Congresso Nacional aprovou uma lei específica para isso (lei nº 14.019, de 2 de julho de 2020), determinando que “é obrigatório manter boca e nariz cobertos por máscara de proteção individual, conforme a legislação sanitária e na forma de regulamentação estabelecida pelo Poder Executivo federal, para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos coletivos”.

Antes disso, em abril deste ano, o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica com orientações para confecção de máscaras caseiras de algodão e outros tecidos. A Nota Informativa nº 3, publicada quando Luiz Henrique Mandetta ainda era ministro da Saúde, menciona: “pesquisas têm apontado que a utilização de máscaras caseiras impede a disseminação de gotículas expelidas do nariz ou da boca do usuário no ambiente, garantindo uma barreira física que vem auxiliando na mudança de comportamento da população e diminuição de casos (…) sugere-se que a população possa produzir as suas próprias máscaras caseiras”. Até hoje, mesmo com as duas trocas de ministros, a recomendação continua válida.

Na esfera dos governos estaduais, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) mantém em seu site vários informes sobre a necessidade de uso de máscaras. O mais recente, de 14 de outubro, se refere à portaria 2.789 do Ministério da Saúde sobre as medidas de proteção em todas as unidades de saúde do país.

O Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) também disponibiliza publicações e normativas referentes aos uso de máscaras durante o período de emergência da pandemia.

O que diz a deputada

Natural de Resende, no Rio de Janeiro, Bia Kicis foi procuradora do Distrito Federal e líder do movimento Revoltados Online, que se articulou pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, antes de se eleger deputada federal em 2018. É aliada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e já ocupou o cargo de vice-líder do governo no Congresso Nacional.

Em e-mail enviado ao Comprova, a assessoria da deputada reafirmou que o estudo mostra que os respiradores N95, embora essenciais para a proteção dos médicos, “podem causar os efeitos colaterais e danos à saúde dos usuários”. A parlamentar defendeu o mesmo em relação às máscaras artesanais, porém não apresentando argumentos técnicos ou científicos, mas sim apenas exemplos e casos que teriam chegado ao seu conhecimento.

“Temos relatos de várias pessoas, que nos encaminham mensagens diárias, dizendo sobre o mal-estar e problemas agravados de saúde, pelo uso prolongado das máscaras caseiras, além de a própria deputada Bia Kicis se sentir com tontura e dificuldade de respirar quando do uso das máscaras”, afirma o texto.

Segundo a assessoria da parlamentar, a frase de Alessandro Loiola foi enviada para Kicis pelo próprio médico. A nota afirma que a deputada teria sido “muito cuidadosa em colocar na postagem um texto explicativo afirmando que o uso de máscaras por profissionais de saúde é importante”, mas defende que as informações apresentadas por Loiola demonstram que o uso prolongado de máscara pode causar não só desconforto, mas também “problemas mais severos de saúde”. Como demonstrado acima, as evidências científicas atuais contradizem as opiniões do médico.

Por fim, o texto garante que todas as mensagens postadas por ela nas redes sociais são checadas antes da publicação e diz que Kicis conversa frequentemente com médicos para acompanhar a evolução de estudos sobre o tema.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. É o caso dessa publicação da deputada Bia Kicis, que teve 36,7 mil interações no Facebook. Quando as postagens tratam de métodos de prevenção ao novo coronavírus, a verificação se torna ainda mais necessária, já que informações erradas podem levar as pessoas a rejeitarem medidas eficazes de proteção, apostarem em medicamentos sem comprovação científica e exporem sua saúde a riscos.

O Comprova já mostrou que as máscaras são eficientes no combate ao novo coronavírus; que as evidências científicas atestam a eficácia delas no controle da pandemia; que elas não reduzem a imunidade ou potencializam a proliferação de bactérias; também não tornam o sangue ácido. Também já mostrou que não há qualquer evidência que ligue a morte de uma menina alemã ao uso de máscaras.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-10-30

É errado comparar letalidade da covid-19 com reações à vacina

  • Enganoso
Enganoso
Tuítes que viralizaram nas redes sociais comparam indevidamente coisas diferentes. A letalidade é o número de pessoas que morreram após contrair o novo coronavírus; as reações adversas da vacina tratam da quantidade de pessoas que apresentaram sintomas como dor muscular no local da aplicação ou perda de apetite após receberem o imunizante
  • Conteúdo verificado: Tuítes destacam a taxa de letalidade da covid-19 e a comparam à taxa de efeitos colaterais da vacina CoronaVac, com o intuito de dizer que tomar a eventual vacina seria mais perigoso do que a doença.

São enganosos os tuítes que comparam a taxa de letalidade da covid-19 com a taxa de reações adversas leves registradas nos testes da vacina CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. As postagens comparam coisas diferentes. A letalidade é o número de pessoas que morreram após contrair o novo coronavírus, que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é abaixo de 1%. As reações adversas da vacina, que foram registradas em 5% dos chineses que participaram dos testes, tratam da quantidade de pessoas que apresentaram sintomas como dor muscular no local da aplicação ou perda de apetite após receberem o imunizante.

Não há registro de morte de nenhum paciente que participou dos testes da CoronaVac, no Brasil ou na China. Entre os 9 mil brasileiros testados, os principais sintomas foram dor no local da aplicação, dor de cabeça e fadiga. Menos de 0,1% teve febre baixa. O imunizante segue na fase 3 de testes para comprovar sua eficácia em combater a infecção.

Em entrevista ao Comprova, o médico Alexandre Naime Barbosa, professor de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e o pesquisador Jones Albuquerque, professor de Estatística da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), disseram que não faz sentido comparar a letalidade de uma doença com a reação à vacina.

Enquanto qualquer vacina só poderá ser aplicada após a autorização de órgãos sanitários, a covid-19 pode deixar sequelas persistentes nos pacientes mesmo após a recuperação, como fibrose pulmonar, doenças cardiovasculares, disfunção renal ou hepática, síndrome inflamatória sistêmica, síndrome de Guillain-Barré e trombose.

Como verificamos?

Para essa verificação, procuramos informações sobre as taxas de letalidade da covid-19 no Brasil e no exterior, sobre os anúncios de segurança da vacina CoronaVac e sobre sequelas deixadas pelo novo coronavírus nos pacientes que desenvolveram a doença.

Também entrevistamos o médico Alexandre Naime Barbosa, infectologista, professor da Universidade Estadual Paulista e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, e o cientista Jones Albuquerque, pesquisador do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de outubro de 2020.

Verificação

Letalidade da covid-19

A taxa de letalidade diz respeito ao número de mortes em relação ao número de pessoas infectadas pelo coronavírus. Essa medida é diferente da taxa de mortalidade, que leva em conta quantas pessoas morreram em relação a toda a população, ou em recortes específicos (faixa etária, raça e comorbidades, entre outros).

Segundo dados do Ministério da Saúde, a taxa de letalidade da covid-19 no Brasil é de 2,9%. Já a taxa de mortalidade é de 75,6 por 100 mil habitantes, de acordo com dados de 29 de outubro de 2020.

Painel do Ministério da Saúde mostra taxa de letalidade da covid-19 no Brasil

A taxa de letalidade global é difícil de ser observada porque depende de dados concretos sobre número de infectados e número de mortes por covid-19, de acordo com a Revista Pesquisa Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo). Para isso, seria necessário testar a totalidade da população, o que é difícil e caro em muitos países. Essa aferição é ainda mais complicada em relação à covid-19 porque muitos casos são assintomáticos ou apresentam sintomas leves, não chegando a comparecer nos serviços de saúde.

Segundo a OMS, a letalidade por coronavírus varia entre 0,5% e 1%, de acordo com levantamentos sorológicos feitos ao redor do mundo.

Um estudo de John Ioannidis, professor da Universidade de Stanford, encontrou uma taxa mediana de letalidade de 0,23%. O artigo foi revisado e publicado no boletim da OMS em 14 de outubro de 2020.

Ioannis fez uma análise reunindo 61 estudos de soroprevalência e 8 pesquisas nacionais, totalizando 82 estimativas de 51 locais diferentes e calculando a mediana. Isso significa que o estudo colocou em ordem crescente todas as taxas de letalidade (no caso, 82 estimativas) e o número do meio era de 23 mortes para cada 10 mil pessoas. Em alguns cálculos estatísticos, é preferível usar a mediana do que a média porque essa última pode ser distorcida por um ou mais números fora do padrão.

Sintomas e sequelas

A infecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2), segundo o Ministério da Saúde, pode apresentar sintomas que variam desde um resfriado a uma síndrome gripal (caracterizada por febre associada a dor de garganta, coriza, dor de cabeça ou tosse), até uma pneumonia severa. Além de dificuldade para respirar, perda de olfato (anosmia), alteração do paladar (ageusia), distúrbios gastrintestinais (náuseas/vômitos/diarreia), cansaço (astenia), diminuição do apetite (hiporexia) e dispnéia (falta de ar). A depender do espectro clínico, que varia de infecções assintomáticas a quadros graves, os sintomas passam ou podem durar por tempo ainda indeterminado.

Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), em artigo publicado na revista Frontiers in Immunology, apontam que a infecção pelo vírus pode impactar em distúrbios psicológicos devido a alterações neurais, imunes e endócrinas. Recordam que pesquisas identificaram danos psiquiátricos, de meses ou anos, após a recuperação do quadro viral em pacientes acometidos de SARS ou MERS (vírus parecidos com o novo coronavírus).

De acordo com estudos feitos em pacientes e animais, modelos experimentais, o novo coronavírus tem a capacidade de invadir o sistema nervoso central. A resposta imunológica provoca um aumento na produção de substâncias inflamatórias que reduzem a capacidade do sistema de formar novas conexões entre neurônios e diminui a produção de neurotransmissores. A atividade inflamatória intensa desequilibra a quantidade de hormônio cortisol, desequilíbrio que está associado a transtornos psiquiátricos.

O médico e doutor em Epidemiologia Psiquiátrica pela Universidade de Londres, Jair de Jesus Mari, alertou em seminário online da Associação Brasileira de Ciências (ABC), que “o pior da pandemia se dará na saúde mental, porque há um alto índice de fatores estressantes como desemprego, divórcios, suicídios. É uma epidemia paralela, que envolve um aumento de estresse pós-traumático, luto prolongado, depressão, transtornos de ansiedade e de pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, abuso de álcool e de drogas”.

Sendo o sistema nervoso central invadido pelo vírus de forma aguda ou não, há evidências de lesões que podem atingir também jovens, causando AVCs e outras respostas inflamatórias, é o que relata Fernanda Moll, eleita membro afiliado da ABC para o período 2016-2020. Porém, Moll destaca que ainda há mais perguntas do que respostas, por isso ainda estão em andamento estudos sobre a fase aguda da doença através do acompanhamento de pacientes.

Ainda não se sabe até que ponto o coronavírus (Sars-CoV-2) atinge o sistema nervoso central (SNC) ou se os sintomas são atribuíveis a mecanismos secundários. Porém, sabe-se que dois coronavírus semelhantes, a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e síndrome respiratória aguda grave (Sars-CoV-1) foram associados a doenças neurológicas em casos raros.

O vírus pode invadir os neurônios de diversas formas. Essa invasão ocasionou diversos relatos de pacientes com perda isolada do olfato e do paladar. A entrada direta ao longo do nervo olfatório é outro mecanismo potencial para que o Sars-CoV-2 atinja o sistema nervoso central.

Outra possibilidade de invasão é a barreira hematoencefálica, em que a própria inflamação sistêmica, que caracteriza a covid-19, possivelmente aumenta a permeabilidade da barreira, permitindo que células infectadas, citocinas e, possivelmente, vírus, atinjam o sistema nervoso central.

Com o passar do tempo cresce o número de pacientes que relatam sintomas prolongados da doença, por semanas ou até meses. Tim Spector, professor de Epidemiologia Genética do King’s College de Londres, afirmou que mais de 300 mil pessoas do Reino Unido relataram sinais que duraram mais de um mês e, 60 mil delas, mais de três meses. Há registros de pessoas que não conseguem mais realizar tarefas simples do dia a dia, como fazer exercícios ou se alimentar. Também há relatos de condições mais graves, como inflamação cardíaca, depressão, fibrose pulmonar e dificuldade cognitiva.

Um dos primeiros estudos feitos com pacientes que haviam acabado de receber alta na China, em abril, indica que a redução da capacidade pulmonar era uma das principais consequências causadas pela covid-19, mesmo entre aqueles que não chegaram a um estado crítico da doença. Em abril, uma pesquisa publicada na European Respiratory Journal, destaca ocorrência de sintomas semelhantes em epidemias causadas por outros coronavírus (Sars e Mers), em que os sintomas duraram meses ou até anos.

No Brasil, a faculdade de medicina da UFMG conduz uma pesquisa com pacientes internados no Hospital das Clínicas da universidade, acompanhando, desde julho, 35 pessoas infectadas. A pesquisa relata que um mês após a alta hospitalar os pacientes ainda sentiam dores e impactos no estado emocional, além de fraqueza nos braços, fadiga e falta de ar.

A lista publicada pelo sistema de saúde britânico sobre pacientes com sintomas persistentes associados à covid-19 inclui: sinais ou condições respiratórios como tosse persistente, falta de ar, inflamação do pulmão e fibrose pulmonar, e doença vascular pulmonar; doenças ou sinais cardiovasculares, como aperto no peito, miocardite aguda e insuficiência cardíaca; perda prolongada ou mudança no paladar e no olfato; problemas de saúde mental como depressão, ansiedade e dificuldades cognitivas; distúrbios inflamatórios como mialgia, síndrome inflamatória sistêmica, síndrome de Guillain-Barré e amiotrofia nevrálgica; distúrbios gastrointestinais como diarreia e dor de cabeça persistente; fadiga, fraqueza e insônia; disfunção renal ou hepática; distúrbios de coagulação e trombose; linfadenopatia; erupções na pele.

Segurança da vacina

Em 23 de setembro, o governador de São Paulo, João Doria, anunciou os resultados preliminares de segurança da vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac, que tem acordo de transferência de tecnologia e produção com o Instituto Butantan. Dos 50.027 voluntários, foi informado que 94,7% não tiveram nenhum tipo de reação adversa. Os outros 5,36% tiveram “efeitos adversos de grau baixo”, como “dor no local da aplicação, febre moderada e perda de apetite”.

Esses dados são de voluntários chineses dos testes, não das pessoas que participam da fase 3 de estudo da vacina no Brasil. Os percentuais de segurança também não confirmam se a vacina é eficaz em garantir a imunidade das pessoas contra o novo coronavírus, nem o tempo de duração dessa imunidade.

No dia 19 de outubro, o governo de São Paulo fez uma nova coletiva para apresentar dados de segurança dos testes realizados no Brasil. Dos nove mil voluntários, 35% apresentaram reações adversas leves à vacina. Até então, não houve o registro de efeitos colaterais graves. A lista de reações incluía efeitos como náusea, vômito, febre, diarreia, cefaleia (dor de cabeça), fadiga, mialgia (dor muscular), calafrios, perda de apetite, tosse, artralgia (dor nas articulações), prurido (coceira) e exantema (erupção cutânea).

Na primeira dose, as reações adversas mais comuns foram dor no local da aplicação (19%) e dor de cabeça (15%). Na segunda dose, as reações mais comuns foram dor no local da aplicação (19%), dor de cabeça (10%) e fadiga (4%). O governo também divulgou que 0,1% dos participantes apresentaram febre baixa.

Comparação

Ao Comprova, o infectologista Alexandre Naime Barbosa explicou que não se pode comparar a letalidade do vírus com os efeitos da vacina, já que eles são todos leves. “A letalidade da covid-19 é de 2 a 3% (no Brasil). Isso significa que 2 a 3 pessoas morrem de covid em cada 100. Já a vacina tem 5% de efeitos colaterais, todos eles leves: dor no local, vermelhidão, febre leve passageira. Comparar mortes com eventos adversos leves é no mínimo ingênuo, pra ser educado”, argumenta.

Segundo Barbosa, também é impossível que a vacina apresente os mesmos sintomas da doença em si. “A vacina não usa o vírus vivo atenuado, e sim pedaços estruturais do patógeno, que vão ensinar o sistema imunológico a reagir”, explica.

Para o pesquisador Jones Albuquerque, a letalidade de uma doença e as reações a uma vacina são fenômenos completamente diferentes. “É como tentar comparar morte por afogamento na praia com a chance de abrir uma Coca-cola e ter uma barata dentro”, avalia. Ele também argumenta que o tipo de reação adversa causada pela vacinação é completamente diferente dos sintomas provocados pela doença.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Quando a publicação fala sobre tratamentos e de imunização contra o novo coronavírus, a checagem se torna ainda mais necessária porque a desinformação sobre medidas de prevenção e tratamento pode colocar a saúde das pessoas em risco, diante de uma doença que já infectou 5,4 milhões de pessoas no Brasil e já causou a morte de 158,4 mil brasileiros, de acordo com o Ministério da Saúde.

É o caso dos conteúdos verificados aqui, que levantam dúvidas sobre a segurança das vacinas em teste contra a covid-19. Atualmente, a vacinação em massa é a principal aposta dos cientistas para imunizar a população e encerrar a pandemia. Juntas, as duas publicações dos perfis @MarleneFFL e @TonyStarkMeta tiveram 3,1 mil interações no Twitter.

Desde o início da pandemia, as desinformações sobre vacinas têm sido frequentes. Recentemente, o Comprova mostrou ser falso que as vacinas causem câncer, danos genéticos ou transforme as pessoas em homossexuais; que a ex-presidente Dilma Rousseff não falou que a vacina chinesa será eficaz porque o surto da doença começou na China; e que é enganoso dizer que expor a população ao vírus é mais eficiente para acabar com a pandemia do que a vacinação.

O Aos Fatos e o Boatos.org checaram conteúdos parecidos ao verificado aqui e chegaram à conclusão de que eles eram falsos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos, que foi retirado do seu contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações, ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-10-29

Não é verdade que vacina contra a covid-19 cause câncer, danos genéticos ou ‘homossexualismo’

  • Falso
Falso
Um engenheiro que se identifica como "doutor" nas redes sociais divulgou um áudio no qual faz alegações fantasiosas sobre a covid-19 e as vacinas que estão sendo pesquisadas
  • Conteúdo verificado: Em um áudio que circula no WhatsApp e nas redes sociais, homem que se identifica como candidato a prefeito no interior de São Paulo diz que a vacina contra o coronavírus tem como intenção reduzir a população mundial, além de provocar câncer, alterações genéticas, problemas de fertilidade e “homossexualismo”. Ele afirma, ainda, que a covid-19 não provocou nenhuma morte.

É falso que a vacina que está sendo desenvolvida contra a covid-19 seja capaz de provocar câncer, alterações genéticas, problemas de fertilidade e “homossexualismo”, ou que o imunizante tenha como intenção reduzir a população mundial e matar seres humanos. As alegações estão em um áudio que circula pelo WhatsApp e nas redes sociais.

Ao contrário do que afirma o autor do conteúdo, as vacinas protegem milhões de pessoas em todo o mundo contra doenças graves, e os imunizantes que estão em desenvolvimento contra o novo coronavírus estão sendo testados em conjunto por laboratórios e instituições de pesquisa de várias partes do mundo, com o aval de órgãos regulatórios de diferentes países.

A CoronaVac, citada no áudio investigado, é produzida pelo laboratório Sinovac Biotech em parceria com o Instituto Butantan e possui o aval da Anvisa para testes no Brasil. Segundo a professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e membro da Sociedade Brasileira de Imunologia, Cristina Bonorino, as afirmações de que a vacina seria capaz de provocar mudanças de gênero e sexualidade são “completamente mentirosas”, e o imunizante do laboratório chinês não é capaz de provocar qualquer alteração genética. A especialista também descarta a relação entre a vacinação e a ocorrência de câncer.

O áudio ainda compara a covid-19 a um resfriado, e diz que ninguém morreu por causa da ação da doença – o que não é verdade. Mais de um milhão de mortes causadas pelo novo coronavírus já foram registradas no mundo, segundo a OMS e a Universidade Johns Hopkins.

O Comprova entrou em contato com o suposto autor do áudio, pedindo esclarecimentos e provas sobre o que ele alega no material, mas, até a publicação desta checagem, não obteve resposta.

Como verificamos?

Para checar as informações do áudio, consultamos os sites oficiais da Organização Mundial da Saúde, do laboratório chinês Sinovac Biotech e do Instituto Butantan, nos quais encontramos dados sobre as orientações da OMS para os países durante a pandemia e sobre as vacinas que estão em desenvolvimento contra o novo coronavírus, principalmente a CoronaVac.

No site do sistema InfoGripe, da Fiocruz, encontramos os dados sobre os casos e mortes relacionados aos vírus Influenza e SARS-CoV-2 no Brasil, e no portal Our World in Data, da Universidade de Oxford, buscamos informações sobre o tempo de desenvolvimento de vacinas contra outras doenças.

O Comprova entrevistou, por telefone, a professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), Cristina Bonorino, que esclareceu pontos sobre os possíveis efeitos causados por uma vacina.

Também acessamos reportagens e entrevistas publicadas por diversos veículos sobre a pandemia, as vacinas e o pai do governador de São Paulo, João Doria, mencionado no áudio.

O autor do material verificado se identifica como Dr. Marcelo Frazão. Entramos em contato com o engenheiro Marcelo Frazão de Almeida (que se identifica como Dr. Marcelo Frazão nas redes sociais) por e-mail, mas ele não nos respondeu até a publicação deste texto. Para confirmar a autoria, usamos o programa de edição de áudio WavePad, para comparar trechos do material com a fala de Frazão em vídeos no canal dele no YouTube. Também consultamos outras postagens feitas por ele em suas páginas e perfis no Facebook.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 29 de outubro de 2020.

Verificação

Vacina não vai diminuir a população mundial

A vacina a que o áudio se refere está sendo produzida pelo laboratório Sinovac Biotech, uma companhia biofarmacêutica baseada na China, mas de capital aberto em bolsas de valores. Segundo o site da empresa, a missão é “fornecer vacinas para eliminar doenças humanas”. Até hoje, a empresa já comercializou cinco vacinas diferentes: contra hepatite A, hepatite A e B, gripe sazonal, gripe H5N1 e gripe H1N1.

O desenvolvimento da vacina apelidada de CoronaVac está sendo realizado pelo laboratório desde o início do ano – em abril, a Sinovac anunciou a autorização para realizar testes em humanos, que faz parte das fases usuais de criação de qualquer imunizante.

Em junho, a empresa anunciou uma parceria com o Instituto Butantan para a realização de ensaios clínicos no Brasil, durante a fase 3 de testagem do imunizante. Como contrapartida, a empresa afirmou que, por meio dos acordos, o Instituto Butantan poderia “garantir que a população brasileira tivesse acesso a essa vacina”.

O funcionamento das vacinas

O corpo humano tem um sistema imunológico capaz de identificar células estranhas, reagindo a fungos, bactérias, vírus e parasitas. A resposta biológica e natural é um processo inflamatório que desencadeia uma série de reações às doenças existentes. Por isso, as vacinas são meios eficazes, pois aumentam a imunidade adquirida e evitam o contato com a doença. Além disso, a alta cobertura vacinal protege aqueles que não podem se vacinar, como pessoas mais velhas e com doenças pré-existentes, por cessar ou diminuir drasticamente a circulação de microorganismos. Atualmente, as vacinas protegem milhões de pessoas em todo mundo.

Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde, o número de vidas salvas pelas vacinas é de 2 a 3 milhões por ano – o número é considerado muito baixo por especialistas, por conta da dificuldade de estimar um mundo sem vacinas. Um exemplo é a varíola, que foi erradicada pela ampla vacinação, mas no século XIX e XX matou milhões de pessoas. A partir daí e de várias tecnologias que foram surgindo, as vacinas vêm sendo estudadas para a defesa de agentes infecciosos.

No áudio, o autor questiona a segurança da CoronaVac, dizendo que “leva em torno de 15 anos para uma vacina ser produzida”. O desenvolvimento de tecnologias e a realização de estudos científicos sobre as vacinas, ao longo dos anos, foram surgindo em um intervalo de tempo, entre a descoberta do patógeno e vacina, muito menor.

O gráfico abaixo foi retirado do site ourworldindata.org e mostra uma linha do tempo do desenvolvimento de vacinas. A contagem inicia no ano em que o agente patogênico foi associado à doença e termina no ano em que a vacinação contra esse patógeno foi certificada nos Estados Unidos.

No áudio, o homem que se identifica como Dr. Marcelo Frazão ainda afirma que “qualquer um que toma essa vacina hoje está servindo de cobaia”, mas, no Brasil, a aplicação das doses é feita em milhares de voluntários que se dispuseram a participar da fase 3 de testagem do imunizante, que avalia a eficácia dele. Até agora, aliás, os testes indicam que a vacina é a mais segura contra a covid-19, por não ter causado efeitos colaterais graves. Ainda assim, a vacina ainda não está sendo aplicada fora do contexto controlado dos testes, e só será aplicada na população se for aprovada pela Anvisa.

Alterações no organismo

No áudio, Frazão afirma que a vacina vai alterar o código genético de quem a tomar e de seus descendentes. “Vocês vão causar síndromes perigosas que vão destruir os seus filhos e netos, inclusive no sentido de fertilidade e de homossexualismo”, diz ele – usando o termo homossexualismo, que é relativo a doença e não é usado há 30 anos, quando passou-se a utilizar o termo “homossexualidade” (com o sufixo que significa comportamento).

De acordo com Cristina Bonorino, professora da UFCSPA e membro da Sociedade Brasileira de Imunologia, as afirmações do no áudio são mentirosas e perigosas. “Para alterar o código genético, você precisa de algo que se insira no seu DNA, e a gente sabe que as vacinas não vão fazer isso”, diz. Especificamente sobre a Coronavac, citada no áudio, Cristina afirma que ela usa o vírus inativado, ou seja, “não tem possibilidade nenhuma de alterar o código genético”.

Questionada sobre a afirmação de Frazão, de que “menino vai deixar de ser menino e virar menina”, a especialista respondeu: “Bom, hoje em dia o pessoal fala que a Terra é plana, né? Mesmo com evidências de que não é. Então, isso fica muito difícil de rebater… É uma afirmação completamente mentirosa”.

Sobre a questão da fertilidade e do câncer, ela comentou que não há estudo que confirme o que Frazão diz e que, se fosse verdade, haveria muito mais gente com câncer e as mulheres não estariam tendo filhos. Ela explicou que os efeitos das vacinas, inclusive as que estão há décadas no calendário, na população são constantemente acompanhados por cientistas. “A gente faz estudos, busca efeitos, ajusta imunizações a partir do que é detectado. É muito perigoso uma pessoa sair por aí fazendo esse tipo de declaração.”

Mortes por gripe

No áudio, o autor diz que “não é vírus que mata ninguém, nunca ninguém morreu nesse mundo por causa de um resfriado e ninguém morre de resfriado nesse mundo”.

A gripe e o resfriado são doenças respiratórias – assim como a covid-19 – causadas por vírus distintos. O resfriado comum é causado pelos rinovírus, pelo vírus parainfluenza e pelo vírus sincicial respiratório, segundo o Ministério da Saúde, e costuma provocar sintomas mais brandos, que se manifestam por menos tempo. A gripe, por outro lado, é provocada pelo vírus Influenza (dos tipos A, B ou C), e pode provocar pneumonia, em caso de agravamento dos sintomas.

Não há dados sobre o número de mortes causadas por resfriados, apesar de especialistas alertarem que é possível que ocorram óbitos de pessoas mais fragilizadas. A gripe, porém, que vem sendo comparada ao novo coronavírus desde o início da pandemia, provoca a morte de 250 mil a meio milhão de pessoas por ano, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, braço da OMS nas Américas.

No Brasil, a Fiocruz é o órgão responsável por compilar os dados sobre gripe e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), e, segundo o boletim epidemiológico com informações até o dia 17 de outubro, o Brasil registrou pelo menos 187 mortes por Influenza neste ano.

O novo coronavírus, porém, não é uma gripe, ao contrário do que sugere o áudio que viralizou. A doença respiratória pode provocar uma ampla gama de sintomas, que vão desde aqueles similares aos de um resfriado até falta de ar, além de sequelas graves que ainda estão sendo estudadas pela comunidade científica. Só no Brasil, até o dia 28 de outubro, a doença provocou 158.456 mortes, segundo o Ministério da Saúde. No mundo, o levantamento realizado pela Universidade Johns Hopkins aponta 1.164.047 mortes, até a mesma data.

A OMS e a pandemia

No áudio, o homem que seria Marcelo Frazão afirma, também, que “a Organização Mundial da Saúde está repetindo tudo que o presidente Bolsonaro falou lá no início, que essa porcaria desse resfriado não mata ninguém, que o que mata é esse controle populacional, desemprego, fome, miséria”. Isso não é verdade. Além do novo coronavírus não ser uma doença respiratória comparável a um resfriado, como já pontuado, a OMS nunca disse que o vírus não é letal. Ao contrário: a instituição vem empenhando esforços, desde março, para orientar governos e pessoas para as melhores práticas para o combate à doença. No site da OMS é possível encontrar boletins epidemiológicos atualizados semanalmente, com os dados sobre casos de covid-19 e mortes provocadas pela doença em todo o mundo. No material publicado em 27 de outubro, com dados até o dia 25, o órgão internacional contabilizava mais de um milhão e cem mil mortes pela doença.

O Projeto Comprova, além disso, já esclareceu que a OMS reconhece os impactos sociais e econômicos negativos causados por medidas como o lockdown, mas que fala de um enviado especial do órgão estava sendo tirada de contexto, nas redes sociais, para sugerir que a entidade condena esse tipo de abordagem durante a pandemia.

Doria pai terrorista?

Ao se referir a João Doria, governador de São Paulo, Frazão diz que ele é “filho de um terrorista comunista que foi expulso do país porque era um terrorista comunista”. João Agripino da Costa Doria nunca teve relação com o terrorismo.

Antes de se tornar político, ele foi um publicitário de sucesso, criador do Dia dos Namorados no Brasil. De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, ele se tornou suplente de deputado federal pelo Partido Democrata Cristão da Bahia em 1962 e assumiu o mandato meses depois. Antiimperialista, defendia o então presidente João Goulart e foi um dos primeiros deputados cassados após o golpe de 1964. Sem direitos políticos, optou por seguir para o exílio em Paris, onde se graduou em psicologia.

Dez anos depois, João Doria pai retornou ao Brasil. Morreu em 2000, aos 81 anos.

Marcelo Frazão

No início do áudio, o homem se identifica como “Doutor Marcelo Frazão”, e se dirige à população de São Simão, no interior de São Paulo.

O Comprova procurou Frazão por e-mail, pelo endereço fornecido por ele no Linkedin, mas não obteve retorno até a publicação desta verificação. Sem a resposta direta dele sobre a autoria do áudio, buscamos outros elementos que pudessem nos confirmar que quem fala realmente é Marcelo Frazão.

Analisamos, pela ferramenta WavePad, de edição de áudio, o formato das ondas sonoras correspondentes ao trecho em que ele diz “Doutor Marcelo Frazão”, e comparamos com um trecho em que ele diz a mesma coisa, retirado de um vídeo de apresentação no canal dele no YouTube, o Direita TV News. Nessa primeira observação, não há grandes diferenças de entonação.

Em uma segunda análise, comparamos o sotaque das pessoas que falam em cada trecho, e há compatibilidade entre o áudio e o que é dito no vídeo. Na voz, em si, porém, há diferenças, que podem ser explicadas pela distância da boca para o microfone, da diferença dos equipamentos usados na captura do vídeo e do áudio e mesmo do momento em que cada um foi gravado.

Em um terceiro momento, verificando as redes sociais de Frazão, encontramos outras postagens, principalmente no Facebook, em que ele repete parte das afirmações do áudio, dizendo que “A VACHINA provoca mudanças genéticas gravíssimas, câncer, lesões cerebrais, síndromes graves e mudanças ligadas a [sic] sexualidade.” Em uma das várias páginas mantidas por ele no Facebook, o áudio foi repostado.

Esses elementos já seriam suficientes para atribuir a ele o material, mas, além de tudo isso, Frazão confirmou ao portal Aos Fatos que o áudio é de sua autoria.

Marcelo Frazão de Almeida é um engenheiro agrônomo (segundo a página dele no Linkedin) de São Simão, no interior de São Paulo. Também no Linkedin, ele afirma ainda ser “analista de sistemas, economista, ex-professor universitário de teoria econômica, ética e sociedade, político e escritor”, além de “palestrante de política econômica e sociedade”. Não há registro de currículo de Frazão na plataforma Lattes, e ele não especifica a que instituição já esteve vinculado.

Neste ano, Frazão concorre ao cargo de prefeito de São Simão, pelo Patriota. Até agora, segundo o portal de divulgação de candidaturas e de contas eleitorais do TSE, o Dr. Frazão, como se identifica na campanha, arrecadou R$ 6.720 para a campanha, sendo que 90% desse total (R$ 6.050) foi doado pela esposa dele, Vanessa Cristiane Morgan Frazão, que é candidata a vereadora pelo mesmo partido. Ela recebeu R$ 650 para a campanha, doados por Marcelo.

Em suas várias páginas no Facebook, Marcelo Frazão acumula fotos com figuras que são ou já foram de destaque no meio bolsonarista, como a deputada Carla Zambelli, Rogéria Bolsonaro, primeira esposa do presidente, o blogueiro Allan dos Santos e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Por que investigamos?

Nesta terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Em um ano eleitoral em que as disputas políticas estão acirradas, a covid-19 virou tema de debates em todos os campos e a desinformação que circula nas redes sociais pode custar vidas.

Confirmar informações sobre a ciência, sobretudo os estudos de vacina, pode aumentar a confiança das pessoas nas pesquisas científicas. Por isso, o áudio, que tenta desacreditar os imunizantes, foi verificado. Publicado em 20 de outubro na página de Facebook de Marcelo Frazão, ele 113 compartilhamentos e também está circulando no WhatsApp.

O Comprova já checou outros conteúdos que distorciam fatos para minimizar a importância das vacinas, como o post fazendo uma comparação forçada delas com a cloroquina, o vídeo de um médico dizendo que os imunizantes não passaram pela fase pré-clínica e o tuíte que sugeria que elas são desnecessárias.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-10-29

Dilma não disse que vacina chinesa vai funcionar porque pandemia começou na China

  • Falso
Falso
A postagem verificada inventou uma declaração sobre a eficácia de vacinas chinesas e a atribuiu à ex-presidente da República
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook atribui a frase “Se o vírus veio da China e funciona, por que a vacina não funcionaria?” a Dilma Rousseff.

É falso que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) tenha dito que as vacinas chinesas contra o novo coronavírus vão funcionar porque a pandemia teve início com um surto na China, como afirma uma postagem no Facebook. Outra versão do mesmo conteúdo, publicada no site Porão da Mamãe, dizia que a frase havia sido dita em uma reunião com “um grupo de pesquisadores encabeçado por Atila Iamarino”. A assessoria de imprensa da ex-presidente negou a reunião e disse que ela não conhece o biólogo. A última menção à palavra “Dilma” no Twitter de Atila é de 2016. Após ser procurado pelo Comprova, o site retirou o texto do ar.

O Comprova procurou entrevistas recentes de Dilma Rousseff e também checou todas as menções às palavras “vacina” e “China” no site oficial da ex-presidente e na conta que ela mantém no Twitter. Em nenhum desses canais há registro da frase atribuída a ela na postagem verificada, que circula no Facebook. Tampouco consta algo sobre a frase atribuída à ex-presidente em veículos de imprensa. Em nota, o Partido dos Trabalhadores classificou a informação como mentirosa.

A única declaração pública de Dilma sobre as vacinas contra a covid-19 ocorreu no dia 21 de outubro, no Twitter, quando ela criticou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por revogar um acordo do Ministério da Saúde para a compra de 46 milhões de doses do imunizante desenvolvido pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo. Nas publicações, ela diz que essa é a primeira vacina disponível para a população, mas não menciona sua eficácia, nem a atribui ao fato de o primeiro surto da doença ter ocorrido na China.

O Comprova não conseguiu contato com os administradores da página do Facebook. O responsável pelo site Porão da Mamãe alegou que o conteúdo era satírico. Para quem acessava a postagem, no entanto, a única indicação de que poderia ser um conteúdo de humor eram duas tags, no final da página.

Como verificamos?

Iniciamos a verificação com buscas sobre manifestações da ex-presidente sobre a vacina e a China. Consultamos o site da ex-presidente, sua conta no Twitter com auxílio da ferramenta TweetDeck e questionamos sua assessoria de imprensa por WhatsApp.

Fizemos pesquisas na internet sobre páginas que pudessem ter publicado o conteúdo divulgado na imagem veiculada pelo Facebook e alvo desta verificação. Encontramos um segundo registro da afirmação atribuída à ex-presidente, no site Porão da Mamãe. Consultamos o Whois, plataforma que disponibiliza dados sobre donos de domínios, e enviamos e-mail para o proprietário do site pelo endereço informado quando a página foi registrada. Recebemos retorno pelo aplicativo de mensagens do Facebook, por parte de outra pessoa que se apresentou como a verdadeira responsável pelo site. Por este canal, pedimos mais informações sobre a publicação.

A versão publicada neste site mencionava também que Dilma teria participado de uma reunião com o biólogo Atila Iamarino. Consultamos postagens de Atila no Twitter que pudessem mencionar algum encontro com Dilma e fizemos contato por e-mail com a assessoria de imprensa do biólogo.

Recorremos também a informações nos campos de descrição e em publicações antigas sobre a página do Facebook e o site que divulgaram o conteúdo aqui verificado.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 28 de outubro de 2020.

Verificação

O que Dilma não disse

Não há registro de que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) tenha dito em alguma entrevista ou pronunciamento que a vacina chinesa funcionaria porque a pandemia teve início na China. A declaração não aparece na busca no Google. Também não consta de nenhum dos cinco textos com as palavras “vacina” ou “China” publicados no site dilma.com.br desde o início de 2020.

Em abril, a ex-presidente publicou em seu site uma nota assinada por políticos de vários países, inclusive alguns de seus ex-ministros, defendendo que as vacinas contra a covid-19 sejam gratuitas. O texto não menciona a China, mas fala, de forma geral, sobre as “70 vacinas em estudo contra o coronavírus” que estavam em desenvolvimento até aquele mês. Dilma não assina a carta.

Em relação à China, a petista publicou, em fevereiro e em março, dois textos criticando a relação entre o governo brasileiro e o país asiático. Ainda no final de março, o site da ex-presidente reproduziu um artigo do Financial Times sobre o papel dos chineses na retomada da economia global no pós-pandemia. Em abril, a página reproduziu uma matéria do site Brasil 247 sobre um manual de prevenção ao novo coronavírus. Nenhum dos quatro textos faz menção à palavra vacina.

A frase também não foi publicada no Twitter oficial @dilmabr, segundo a ferramenta TweetDeck. Desde o começo do ano, a ex-presidente publicou três tuítes com a palavra “vacina” e seis com a palavra “China”. Cinco dessas postagens apenas linkam para os textos publicados no site oficial citados acima (em 22/02, 21/03, 27/03, 06/04 e 21/04). Em outros dois tuítes, ela critica posições de Bolsonaro em relação à China (em 19/03 e em 20/03).

Procurada, a assessoria da ex-presidente informou que o conteúdo era uma mentira e negou que Dilma conheça o biólogo Atila Iamarino, como dito por um dos sites que publicou o texto. Depois do contato do Comprova, o site do Partido dos Trabalhadores publicou uma nota dizendo que as declarações são falsas e foram inventadas.

O TweetDeck mostra que o perfil @oAtila mencionou a palavra “Dilma” pela última vez em abril de 2016; portanto, antes da pandemia. Fizemos contato por e-mail com a equipe do biólogo Atila Iamarino, que não respondeu até a publicação desta verificação.

O que Dilma disse

Dilma Rousseff expôs suas opiniões sobre a vacina contra a covid-19 em duas postagens no Twitter em 21 de outubro, dia em que o presidente Jair Bolsonaro revogou um acordo do Ministério da Saúde com o Instituto Butantan para a aquisição de 46 milhões de doses da CoronaVac, vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac.

“É Bolsonaro que tem feito o povo de cobaia, ao incentivar o uso de remédio inócuo contra a covid-19 e perigoso pelos efeitos colaterais. Agora, atenta contra o conhecimento e a civilização, ao anunciar que vai vetar o uso da primeira vacina disponível contra a doença”, escreveu a ex-presidente. “Por ignorância e fanatismo ideológico, Bolsonaro ameaça a vida da população brasileira. Interditando o uso de uma vacina, será responsável pelas mortes que vierem a ocorrer pela falta de prevenção. Terá de ser julgado por isso”, completou em seguida.

Ao Comprova, a assessoria da petista afirmou que esse foi o único posicionamento público dela sobre o tema.

Os autores do post

O post aqui verificado é da página Movimento Independente BR (M.I.B), que se autodescreve como “criada com objetivo de mobilizar os patriotas da nação além das redes sociais”, e foi feito no domingo, 25 de outubro. Não há permissão para envio de mensagens diretas à página nem e-mail de contato, tampouco informações sobre administradores.

A postagem usa a imagem do que parece ser a manchete de um site chamado Desemprego Brasil. Porém, não há registros desse endereço on-line no Google. Trata-se apenas, ao que parece, de uma assinatura colocada nas fotos postadas pela página, com variações do tipo “Desemprego Brasil”, “Desemprego Brasil – Clima”, “Desemprego Brasil – Cinema”.

Em fevereiro, a primeira postagem sob o rótulo de “Desemprego Brasil – Notícias” foi sobre a pavimentação de trecho da BR-163 entre Novo Progresso e Moraes de Almeida, no Pará. O post usa foto que mostra quando a rodovia ainda era de chão batido e um texto irônico, como é comum na página: “Mania de Bolsonaro em pavimentar rodovias aumentará o número de acidentes, dizem especialistas”. O Comprova já mostrou, inclusive, que a pavimentação realmente ocorreu na atual gestão do governo federal, mas a obra chamada de “Operação Xingu” teve início com um Termo de Execução Descentralizada entre o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o Exército, em agosto de 2017, quando o chefe do Executivo ainda era Michel Temer. Na seção de comentários do conteúdo sobre a estrada, a página fez uma postagem alegando se tratar de uma sátira.

A página M.I.B, criada em 2017, costuma publicar conteúdo apoiando a agenda do presidente Jair Bolsonaro ou criticando adversários políticos do mandatário em tom satírico.

Na segunda-feira (26), o site Porão da Mamãe replicou o material, mas retirou do ar após contato do Comprova pedindo explicações. A página costuma fazer expediente de assuntos políticos e sátiras, descrevendo-se no Facebook como “aqueles que vocês bloqueiam nas suas redes sociais e que mesmo assim sua tia manda um print dos nossos comentários pelo zap”.

O Comprova enviou e-mail ao endereço do homem que registrou o site e recebeu retorno de outra pessoa que se apresentou como o verdadeiro responsável pela página, via aplicativo de mensagens do Facebook. Como resposta, ele disse que o conteúdo republicado, com a suposta frase de Dilma e menção a uma reunião dela com Atila Iamarino, tratava-se de uma paródia, e que seria identificada como “humor” e “comédia”, em uma seção do site chamada “word newss”. Para quem acessava a postagem, no entanto, as únicas indicações de humor e comédia apareciam em forma de tags, no final da página. Além disso, não há uma seção “word newss” no Porão da Mamãe, embora essa classificação apareça no topo de algumas publicações, como a verificada. Essa nomenclatura, porém, é de um outro perfil no Twitter com a seguinte descrição: “só humor. nada disso existe. perfil paródia de notícias falsas não afiliado a nenhum veículo de comunicação”. Essa conta replica material produzido pelo Porão da Mamãe.

Vírus não foi criado em laboratório

As primeiras especulações sobre o coronavírus ter sido criado em laboratório surgiram em março. Naquele mês, após declarações do presidente norte-americano Donald Trump nesse sentido, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicou no Twitter que a China era responsável pela pandemia, o que gerou uma crise diplomática entre o Brasil e o país asiático.

Na ocasião, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, postou, também no Twitter, que o filho do presidente Jair Bolsonaro “contraiu um vírus mental”, repudiando veementemente as palavras do deputado e exigindo um pedido de desculpas ao povo chinês.

Ainda em março, um artigo publicado na renomada revista científica Nature pelos pesquisadores Kristian G. Andersen (Scripps Research), Andrew Rambaut (University of Edinburgh), W. Ian Lipkin (Columbia University), Edward C. Holmes (University of Sydney) e Robert F. Garry (Tulane University) descartou que o vírus tivesse origem em laboratório.

“Ao comparar os dados de sequência do genoma disponíveis para cepas conhecidas de coronavírus, podemos determinar firmemente que o SARS-CoV-2 se originou por meio de processos naturais”, disse na época da publicação Kristian Andersen, PhD, um dos autores do artigo e professor associado de imunologia e microbiologia da Scripps Research, um instituto de pesquisa norte-americano sem fins lucrativos.

Mesmo com as evidências científicas publicadas, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse em abril que seu governo estava tentando determinar se o coronavírus saiu de um laboratório em Wuhan, primeiro epicentro da doença. O Ministério das Relações Exteriores da China disse, em resposta, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirmou não ter evidências de que o SARS-CoV-2 foi criado em laboratório. A porta-voz da organização, Fadela Chaib, disse em 21 de abril: “Todas as evidências que temos sugerem que o vírus era de origem animal e não sofreu manipulação genética”.

Trump voltou a falar, em maio, que tinha provas que o vírus tinha sido criado num laboratório chinês, sem, contudo, apresentá-las. Outras insinuações de que a China era responsável por produzir e disseminar o vírus se espalharam nos meses seguintes. Em julho, a Universidade de Hong Kong divulgou uma nota desmentindo a pesquisadora Yan Limeng que disse em uma entrevista a uma emissora de TV que tinha provas da criação do SARS-CoV-2 em laboratório.

O Comprova fez pelo menos quatro verificações sobre o assunto: a primeira, em março, mostrou que uma reportagem da TV italiana sobre vírus criado em laboratório não tinha relação com a covid-19. Em abril, revelou que eram falsos os textos que diziam que o Nobel de Medicina Tasuku Honjo havia afirmado que o coronavírus era artificial. Em maio, o áudio de um médico dizendo que o vírus tinha vindo de um laboratório de Wuhan não foi respaldado por evidências científicas e o vídeo “Plandemic” trazia afirmações falsas sobre a origem do SARS-CoV-2.

Por que investigamos?

Atualmente em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Quando a publicação fala sobre tratamentos ou métodos de imunização contra o novo coronavírus, a checagem se torna ainda mais necessária, já que informações falsas podem levar as pessoas a adotar medicamentos sem comprovação científica ou rejeitarem métodos de prevenção recomendados pelas autoridades de saúde.

O conteúdo dessa verificação teve 2,2 mil curtidas e 1,8 mil compartilhamentos no perfil M.I.B do Facebook. O texto do site Porão da Mamãe teve outras mil interações nas redes sociais, de acordo com a plataforma de monitoramento CrowdTangle, antes de ser retirado do ar.

Desde o início da pandemia, o Comprova já desmentiu várias informações sobre as vacinas contra o novo coronavírus. Recentemente, o Comprova mostrou que um post forçava a comparação entre as vacinas e a cloroquina; que os imunizantes não produzirão danos genéticos; nem terão microchips para rastrear a população. Também mostrou que a China não evita aplicar as vacinas desenvolvidas por farmacêuticas chinesas na própria população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-10-28

É enganoso dizer que expor a população ao vírus é melhor para acabar com pandemia do que vacinação

  • Enganoso
Enganoso
Ao contrário do que afirma deputado, estratégia de imunidade de rebanho prevê a vacinação da população, segundo OMS
  • Conteúdo verificado: Dois tuítes semelhantes em que o deputado Osmar Terra afirma que pandemias acabam antes de as vacinas estarem disponíveis.

São enganosos os tuítes do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) afirmando que as pandemias acabam por meio da disseminação da doença, não com vacinas. Ele declara, entre outros pontos, que “não há registro histórico de pandemia de um novo vírus que termina com vacina! Isso só acontece com a imunidade de rebanho”. Diferentemente do que o deputado escreve, o uso da estratégia de imunidade de rebanho prevê a vacinação da população, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A imunidade provocada pela própria doença como método para conter o novo coronavírus não é endossado pelos cientistas ouvidos pelo Comprova porque poderia aumentar substancialmente o número de mortes pela covid-19, entre outros motivos.

Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), lembra que a varíola, pandemia que durou milhares de anos, só acabou com a vacinação massiva. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), “a doença foi erradicada graças a um esforço global de 10 anos, liderado pela Organização Mundial da Saúde, que envolveu milhares de profissionais de saúde em todo o mundo para administrar meio bilhão de vacinas para eliminar a varíola”.

Outro ponto que vai na contramão do que escreve o deputado é que, em alguns casos, a imunidade de quem foi infectado pelo novo coronavírus é temporária, como explica o médico Marcelo Sommer Bittencourt, da Clínica de Epidemiologia do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP).

Terra também engana ao escrever que a Suécia alcançou a imunidade de rebanho. Em recente entrevista, o epidemiologista-chefe da Suécia, Anders Tegnell, negou o uso da estratégia, afirmando que “insinuar que deixamos a doença correr livre sem quaisquer medidas para tentar impedi-la não é verdade”.

O Comprova tentou contatar o deputado via Twitter, e-mail e telefone da Câmara, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Inicialmente, pesquisamos informações sobre o que é a imunidade de rebanho em artigos científicos e em reportagens, inclusive algumas publicadas anteriormente pelo Comprova. Também buscamos dados sobre a situação da pandemia na Suécia, citada por Terra em um dos tuítes verificados – os sites da Agência Sueca de Saúde Pública e da Universidade Johns Hopkins, referência na covid-19, foram as principais fontes.

O segundo passo foi entrevistar especialistas para entender se as afirmações do deputado faziam ou não sentido. Conversamos com Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, e com Luiz Almeida, biólogo formado pela PUC-Campinas, PhD em microbiologia e administrador das mídias sociais do Instituto Questão de Ciência (IQC).

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 28 de outubro de 2020.

Verificação

Imunidade de rebanho

Também chamada de imunidade coletiva, este é um conceito com origem na proteção proporcionada pelas vacinas, e não naturalmente pelas doenças, segundo o qual a partir de um percentual de pessoas imunizadas, outras ainda suscetíveis à doença e que não se vacinaram também ficariam protegidas, porque o agente deixa de circular, como explica a OMS.

O Instituto Butantan usa como exemplo da imunidade de rebanho o sarampo: com 95% da população imunizada, o vírus deixou de circular e a doença foi erradicada – acabou voltando recentemente, movimento relacionado à queda na taxa de vacinação.

O termo surgiu a partir dos experimentos científicos dos pesquisadores britânicos William Topley e Graham Wilson. Eles observaram o comportamento de ratos enquanto faziam experiências bacterianas nos animais e concluíram que a sobrevivência de um rato dependia exclusivamente da imunidade dos outros animais à sua volta.

Embora, segundo a OMS, a imunidade de rebanho só pode ser atingida com vacina, o termo é controverso. Há quem defenda que ela pode ser alcançada também de forma natural, “quando uma grande parte da população é infectada e se torna imune”. Esta é a versão que Terra usa em seus tuítes, já apoiada por Jair Bolsonaro (sem partido) como forma de contrapor ações como isolamento e fechamento do comércio. O presidente disse repetidas vezes que 70% dos brasileiros deveriam pegar a covid-19.

Para o diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José David Urbaéz, essa opção é ineficaz. “A circulação do vírus não acontece de maneira homogênea, não é todo mundo que se expõe ao vírus da mesma forma. Por isso que não se pode falar de rebanho”, afirmou em entrevista ao Correio Braziliense.

Professor na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e também participante de comitês do coronavírus na Prefeitura de Belo Horizonte, Uniaí Tupinambás também declarou que a estratégia da imunidade de rebanho sem vacina seria “catastrófica”.

Para o site da Faculdade de Medicina da UFMG, ele explicou que, em 2019, Minas Gerais enfrentou uma epidemia de dengue. Já em 2020, a doença não se alastrou porque a população estava vacinada contra o vírus – o que acaba criando uma proteção àqueles que não conseguiram se imunizar. Já com a pandemia do novo coronavírus, o cenário é outro. Segundo o professor, para atingir um número de imunidade de rebanho, de 60% a 70% da população teria que se infectar com o novo coronavírus. Com isso, ele diz, “em Minas Gerais, por exemplo, morreriam cerca de 150 mil pessoas”.

“Em vez de a gente esperar as pessoas pegarem o vírus e esperar o acaso, (porque elas podem) morrer ou ficar resistentes e imunes ao vírus, a gente usa as vacinas. Elas imitam a infecção que a gente vai pegar pelo vírus e engana nosso sistema imunológico, que pensa estar infectado, com a vantagem de que não é o vírus natural, aquele que realmente causa a doença”, explica Luiz Almeida, biólogo e PhD em Microbiologia.

Casos de reinfecção

A versão que defende a imunidade de rebanho com a disseminação do vírus na população sem vacina (usada pelo deputado nos posts) desconsidera que os estudos científicos ainda não esclareceram se uma infecção pelo novo coronavírus garante uma imunidade duradoura.

Conforme já verificou o Comprova, apesar de ainda haver dúvidas sobre a imunidade trazida pela doença, a resposta imune induzida pela vacina é diferente da que é conferida pela própria infecção, sobretudo em relação à eficácia e à longevidade. Enquanto um vírus — como o Sars-CoV-2 — dispõe de várias proteínas que enganam o sistema imunológico do organismo, a vacina não carrega esse componente.

Em entrevista ao UOL, Marcio Sommer Bittencourt, médico da Clínica de Epidemiologia do Hospital Universitário da USP, e Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), destacaram as incertezas científicas quanto a uma imunidade duradoura para a doença.

Bittencourt citou o resultado de pesquisas que apontaram que a imunidade adquirida por aqueles que foram diagnosticados com a doença é temporária – como o estudo do Imperial College de Londres. “Portanto, uma grande quantidade de pessoas ter contraído a doença não significa que não irão contraí-la novamente, ainda mais se isso for associado aos indícios de que o novo coronavírus é sazonal”, disse.

Já Renato Kfouri apontou a questão da imunidade contra a covid-19 como “uma das maiores lacunas de conhecimento” sobre a doença. Segundo o especialista, uma das dificuldades encontradas nos estudos é mensurar a imunização de cada pessoa, uma vez que os que tiveram sintomas mais leves ou sequer manifestaram sinais da infecção tendem a desenvolver menos anticorpos, ainda que adquiram certa resistência celular.

Além disso, a depender da gravidade do quadro, os pacientes menos graves perdem esses anticorpos mais rapidamente. “Pode ser que daqui a três ou quatro meses, 30%, 40% não tenham mais anticorpo”, pontua. Ele ainda reitera que há variação na confiabilidade dos testes, que podem apresentar maior ou menor número de resultados falsos, a depender do kit que é utilizado.

Casos de reinfecção da covid-19 já foram relatados em vários países, inclusive no Brasil. O primeiro registro ocorreu em Hong Kong, um homem de 33 anos que positivou pela segunda vez, mais de quatro meses após a primeira infecção.

Vacina como solução

Ao contrário do que afirma o deputado em seus tuítes, de que não há um registro histórico de vacina que tenha acabado com uma pandemia de um vírus, a vacina da varíola, desenvolvida há mais de 200 anos, é exemplo de que a vacinação foi responsável pela erradicação da doença, em 1980.

“A gente não tem mais a varíola circulando entre a população, muito por conta das vacinas, a partir do momento que a gente começou a vacinar as pessoas. Antes, as pessoas morriam de varíola muito fácil, crianças, jovens e adultos”, pontuou o biólogo Luiz Almeida.

Segundo Cristina Bonorino, professora da UFCSPA e membro da Sociedade Brasileira de Imunologia, a campanha de vacinação da doença foi “massiva e constante no mundo inteiro até que não se detectou nenhum caso de varíola”.

Almeida também mencionou a vacina da poliomielite, que quase conseguiu erradicar a doença por meio de uma campanha de imunização coletiva. “A OMS, inclusive, já tinha anunciado que aqui no Brasil a gente estava livre dela. O que acontece é que mesmo que a doença tenha sido erradicada num único país, os países vizinhos podem ainda ter esses vírus. Então, enquanto a gente não fizer a erradicação completa desse vírus, ele vai circular. Por isso que a pólio voltou aqui no Brasil.”

Cristina explica que “os únicos lugares onde se tem bolsões de pólio acontecendo hoje são onde as pessoas não estão vacinando obrigatoriamente”.

O sarampo, epidemia citada anteriormente, é outro exemplo de doença erradicada com vacina.

Declaração de Great Barrington

No post, Osmar Terra inclui o link para a Declaração de Great Barrington, idealizada pelos pesquisadores norte-americanos Martin Kulldorff, Sunetra Gupta e Jay Bhattacharya. O manifesto chamado “The Great Barrington Declaration and Petition” foi lançado em 8 de outubro de 2020 e já possui 56 mil assinaturas entre cidadãos comuns, médicos e cientistas.

No manifesto, os cientistas alertam para as possíveis consequências das atuais políticas de confinamento. Eles entendem que se pode produzir efeitos devastadores na saúde pública a curto e longo prazo, como taxas mais baixas de vacinação infantil, agravamento dos prognósticos das doenças cardiovasculares, menos exames oncológicos e deterioração da saúde mental, o que causará mais mortes nos próximos anos.

O ponto central do documento é a defesa do que os cientistas chamam de Proteção Focalizada. A ideia é que se permita que as pessoas que não fazem parte de grupo de risco mantenham sua rotina para que, assim, haja mais gente imunizada contra o vírus. Já as pessoas que estão no grupo de risco, devem seguir o isolamento, realizar testes PCR frequentemente e evitar contatos, entre outras medidas de proteção.

O documento também defende a imunidade de rebanho pela contaminação ao invés da vacinação, na qual, segundo eles, à medida que a imunidade se desenvolve, o risco de infecção diminui.

Contraponto

Como resposta à Declaração de Grande Barrington, pesquisadores internacionais de diversas áreas, como saúde e matemática, escreveram o memorando John Snow, também publicado em outubro. Snow é considerado um dos fundadores da epidemiologia moderna. Ele desenvolveu a teoria da transmissão da cólera pela água.

O memorando já tem mais de 6 mil assinaturas e busca esclarecer sobre a melhor forma de gerir a pandemia. Para os cientistas, qualquer estratégia que seja baseada na imunidade de infecções naturais para a covid-19 é falha, assim como garantir que a transmissão em pessoas jovens é controlada.

Eles também afirmam que não existem evidências de imunidade duradoura ao Sars-CoV-2. “Essa estratégia não acabaria com a pandemia da covid-19, mas resultaria em epidemias recorrentes, como era o caso de várias doenças infecciosas antes do advento da vacinação”, afirma o documento.

Pandemia na Suécia

No post, Terra também engana ao afirmar que a Suécia usou a estratégia da imunidade de rebanho e que, por isso, a pandemia terminou por lá.

No início da pandemia, a Suécia se destacou por não impor o isolamento para toda a população, diferentemente de outros países europeus. As autoridades de saúde pública optaram por recomendar distanciamento físico, uso de máscaras e higiene das mãos. Em um comunicado de junho, a Agência Sueca de Saúde Pública afirmou que 80% da população havia se adaptado às medidas, “tanto em ambientes internos como externos” e que o trabalho do órgão era baseado na “forte tradição de voluntariado com ênfase na responsabilidade individual”.

Mas, embora não tenha fechado as portas do comércio, o país não adotou a estratégia da imunidade de rebanho, como afirmou Terra. O epidemiologista-chefe da Suécia, Anders Tegnell, afirmou à revista britânica New Statesman que é incorreto afirmar isso. “Em comum com outros países, estamos tentando retardar a propagação (do vírus) o máximo possível. Insinuar que deixamos a doença correr livre sem quaisquer medidas para tentar impedi-la não é verdade.”

Em maio, a Suécia foi, inclusive, citada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como exemplo a ser seguido, mas Tegnell disse à BBC que a estratégia não servia para o Brasil porque cada país deve considerar as circunstâncias locais.

Desde o início da pandemia, a Suécia teve 108.969 casos de pessoas infectadas e 5.930 mortes até 22 de outubro, segundo a Universidade Johns Hopkins. De acordo com a Folha, os números de casos e mortes se mostraram equivalentes aos de alguns países que impuseram quarentenas, como França e Reino Unido. Mas, quando comparada aos países nórdicos, dos quais faz parte, ela se sobressai negativamente, com média de 1.098 mortos por milhão de habitantes – enquanto os outros países têm suas taxas de mortes por milhão abaixo de 120.

Em meados de outubro, o país, novamente, foi na contramão de vários países europeus e afrouxou as medidas de isolamento ao anunciar que idosos com mais de 70 anos podem sair de casa, para evitar problemas de saúde mental. Contudo, o órgão de saúde não adotou a estratégia da “imunidade de rebanho”.

Quem é Osmar Terra

Em seu sexto mandato na Câmara dos Deputados, como representante do Rio Grande do Sul, ele foi ministro do Desenvolvimento Social em 2016, no governo de Michel Temer (MDB), e ocupou a pasta da Cidadania já na gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), em 2019.

O deputado federal é formado em medicina e foi presidente do Grupo Hospitalar Conceição entre 1986 e 1989. Também ocupou o cargo de secretário da Saúde do Rio Grande do Sul de 2003 a 2010, nas gestões de Germano Rigotto (MDB) e Yeda Crusius (PSDB).

Terra é um apoiador de Bolsonaro e, seguindo o discurso do presidente, já negou a gravidade da pandemia em diversas ocasiões. Chegou a afirmar, erroneamente, que o distanciamento social não tinha eficácia comprovada, que as mortes pelo novo coronavírus no Brasil não passariam o número de óbitos por H1N1 e declarou que a pandemia terminaria em junho.

Em março, o Comprova verificou um vídeo em que Terra defende o isolamento vertical, afirmando que apenas idosos e pessoas de grupos de risco deveriam ficar isoladas. As imagens circularam como se fossem do cardiologista Adib Jatene, falecido em 2014.

Ele não retornou os pedidos de entrevista feitos pelo Comprova.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Em um ano eleitoral em que as disputas políticas estão acirradas, a covid-19 virou tema de debates em todos os campos e a desinformação que circula nas redes sociais pode custar vidas.

Os posts de Osmar Terra, que enganam o leitor ao afirmar que a vacina não será eficaz para o fim da pandemia, tiveram cerca de 5,1 mil retuítes e quase 18 mil curtidas até 28 de outubro.

O Comprova já checou outros conteúdos que distorciam fatos para minimizar a importância das vacinas, como o post fazendo uma comparação forçada delas com a cloroquina, o vídeo de um médico dizendo que os imunizantes não passaram pela fase pré-clínica e o tuíte que sugeria que elas são desnecessárias.

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado. É o caso da publicação de Osmar Terra, que usa números reais para chegar a uma conclusão que não é verdadeira.

Saúde

Investigado por: 2020-10-27

Vídeo usa ação coletiva infundada para dizer que pandemia é crime contra a humanidade

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo de canal no Youtube resume argumentos de advogado alemão responsável por ação coletiva contra danos provocados pelo coronavírus, mas argumentos dele não se sustentam cientificamente
  • Conteúdo verificado: Vídeo no YouTube com comentários sobre advogado alemão que afirma que a pandemia é um “crime contra a humanidade”.

É enganoso o vídeo de um canal do YouTube em que o apresentador diz que a pandemia é uma fraude e um crime contra a humanidade e apresenta os argumentos de um advogado alemão para reforçar sua tese. As alegações do advogado, usadas de forma resumida no vídeo brasileiro, não se sustentam cientificamente.

No início do vídeo postado pelo canal Claudio Lessa, no YouTube, ele afirma que o advogado deve ser levado a sério por conta de seu currículo: ações contra a Volkswagen e o Deutsche Bank, além de ser membro do Comitê Investigativo Corona, na Alemanha. O comitê, contudo, não tem qualquer atuação científica e busca, na verdade, aconselhar as pessoas, principalmente empresários, a entrarem com uma ação coletiva contra dois cientistas alemães e contra a Organização Mundial de Saúde (OMS) por danos provocados pelo coronavírus.

No vídeo original, Reiner Fuellmich afirma que o “Escândalo Corona” é provavelmente o “maior crime contra a humanidade já cometido” e que este será o “maior caso de tribunal de todos os tempos”. Para isso, ele diz que a pandemia de coronavírus não existe, que os testes PCR não servem para detectar casos da covid-19, que as medidas de isolamento social, confinamento e uso de máscara não são efetivas e não serviram para proteger a população e, por fim, que não houve em nenhum lugar do mundo excesso de mortes pela ‘peste chinesa’. Nenhuma dessas alegações tem base na realidade.

A pandemia foi reconhecida desde março deste ano pela OMS. Até a manhã desta terça-feira (27), a OMS havia reportado casos em 218 países, áreas ou territórios, com um total de 1,1 milhão de mortos e 43 milhões de diagnósticos no planeta. Além disso, especialistas e estudos ouvidos e analisados pela reportagem atestam que os testes PCR são confiáveis, que as medidas não-farmacológicas são eficazes e que há, sim, excesso de mortes pela doença.

O autor do vídeo original, Reiner Fuellmich, e o responsável pelo canal do YouTube que faz um resumo da argumentação, Cláudio Lessa, foram procurados, mas não responderam até o fechamento desta verificação.

Como verificamos?

Primeiramente, procuramos o vídeo original utilizado como base para a postagem no canal de Claudio Lessa no YouTube. Em seguida, localizamos, a partir do nome do advogado Reiner Fuellmich, mencionado no vídeo, o site oficial de seu escritório, na Alemanha.

A página nos levou a outro site dedicado às ações coletivas e outras reclamações propostas pelo chamado Comitê Investigativo Corona, do qual Fuellmich diz ser membro fundador. Lá, encontramos o mesmo vídeo legendado em outros idiomas. Também entramos em contato com uma agência de checagem alemã, com jornalistas e outros moradores no país e com o Ministério da Saúde da Alemanha, para saber qual a relevância do Comitê Investigativo Corona.

Por fim, procuramos especialistas para obter esclarecimentos sobre testes PCR, medidas não farmacológicas, excesso de mortes e direito internacional – neste caso, para falar sobre a acusação de crimes contra a humanidade. Colaboraram nesta investigação: Chrystina Barros, mestre em Enfermagem, pesquisadora do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CESS/COPPEAD/UFRJ) e integrante do Grupo Técnico de Enfrentamento à covid-19 da UFRJ, Rafael Galliez, professor de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ e Manoel Moraes de Almeida, titular da Cátedra Dom Helder Câmara de Direitos Humanos, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

Consultamos registros sobre os cientistas apontados pelo advogado como autores dos estudos que guiam as conclusões do Comitê Investigativo Covid e também sobre aqueles que são alvos de suas ações. Procuramos ainda o autor do vídeo, responsável pelo canal Claudio Lessa, no YouTube, onde o material foi postado em 17 de outubro com o título “O Fim da Fraude da Peste Chinesa”, e o advogado alemão Reiner Fuellmich.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 27 de outubro de 2020.

Verificação

Quem é Reiner Fuellmich

Reiner Fuellmich se apresenta como advogado com 26 anos de atuação na Alemanha e nos Estados Unidos. Seu escritório, sediado na cidade de Göttingen, é “especializado na área de proteção ao consumidor e tem experiência em contencioso bancário, bolsa de valores e direito de investimento de capital”, conforme o site oficial. Além disso, há menção de atuação relacionada ao direito médico, ligado à responsabilidade por tratamentos.

No vídeo original, utilizado como fonte pela publicação verificada aqui, Fuellmich afirma ser conhecido por sua atuação nos processos contra a fraude nos motores a diesel da Volkswagen e o escândalo de corrupção do Deutsche Bank. O Comprova encontrou referências ao trabalho de Fuellmich nesses casos em duas publicações em seu site, onde afirma ter ganhado as causas. Procurado para confirmar a atuação do alemão no caso, o Deutsche Bank informou por e-mail que não tinha nada a declarar sobre o assunto. A VW não respondeu às tentativas de contato.

Na capa do site oficial do escritório de advocacia, há uma publicação aconselhando que as pessoas entrem na Justiça com ações de danos provocados pelo coronavírus. Em tradução livre, a mensagem diz o seguinte: “Aconselhamos e apoiamos ativamente as atividades relacionadas com a reclamação de danos no corona”. O texto contém um link que leva a um site sobre uma ação coletiva de danos provocados pelo coronavírus.

Um dos argumentos que aparecem no site é de que o único caminho para enfrentar “uma luta entre Davi e Golias nos tribunais alemães” é por meio de uma ação coletiva. Os interessados devem preencher um formulário com os dados da empresa, fazer uma estimativa dos danos sofridos e pagar uma taxa fixa de 800 euros, além do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA).

Os alvos da ação são a Organização Mundial de Saúde (OMS), o virologista do Hospital Charitpe, em Berlim, Christian Drosten, e o veterinário Lothar Wieler, diretor do Instituto Robert Koch (RKI), que registra continuamente a situação da covid-19, avalia todas as informações e estima o risco para a população na Alemanha.

No site oficial da ação coletiva, Fuellmich afirma ser membro fundador do Comitê Corona, formado por advogados nos Estados Unidos e na Alemanha.

O que é o Comitê Investigativo Corona e quem eles ouvem?

Segundo informações do site que trata das ações coletivas, o Comitê Investigativo Corona foi uma estratégia pensada nos Estados Unidos, mas que conta com o trabalho de advogados reconhecidos do Comitê Corona de Berlim, a fim de “encontrar respostas a questões relacionadas com a crise do coronavírus”: quão perigoso é o vírus, qual o significado de um teste PCR positivo e qual o dano colateral causado pelas medidas anti-coronavírus na saúde da população e na economia.

A divisão alemã do Comitê Covid é comandada pelos advogados Antonia Fischer, Justus Hoffmann, Cathrin Behn e Tobias Weissenborn – esses dois últimos também membros da equipe do escritório de Fuellmich. De acordo com texto publicado no site, outros advogados também fariam parte do comitê, embora não possam aparecer, por medo de perda de cargos nos setores público e regular, caso suas ações por compensação de danos em decorrência do coronavírus sejam descobertas.

Além das ações coletivas por danos causados pela pandemia, o Comitê também concentra queixas referentes à obrigatoriedade do uso de máscara nas escolas da Alemanha. Também há ações relacionadas aos testes PCR e ao adiamento de procedimentos médicos por causa da pandemia.

O Ministério da Saúde da Alemanha foi procurado, mas não respondeu qual a relevância do Comitê Investigativo Corona no país. Um jornalista alemão consultado pelo Comprova, Lars Wienand, informou que empresários que aderiram à ação coletiva já fazem questionamentos e que “nenhuma pessoa séria na Alemanha se importa com o Comitê Corona”.

Em vídeo gravado por Fuellmich, ele afirma ser um dos quatro membros do Comitê na Alemanha e que, desde o dia 10 de julho, o grupo tem ouvido testemunhos de “um grande número de cientistas e peritos internacionais”, como John Ioannidis, da Universidade de Stanford, na Califórnia; Michael Livitt, Nobel de Química e biofísico na Universidade de Stanford; os alemães Cary Mullen, Sucharit Bhakdi, Knut Wittkowski e Stefan Homburg; e Mike Yeadon, ex-diretor da Pfizer.

O epidemiologista John Ioannidis realmente questiona se as medidas drásticas como fechar escolas e empresas são efetivas, mas não coloca em dúvida a existência da pandemia nem a necessidade de adotar medidas para evitar que o vírus se espalhe. Nesta entrevista à Folha de S.Paulo, Ioannidis diz que a letalidade da covid-19 foi menor do que se previu, mas que ainda há muita incerteza e que, enquanto isso, “medidas não muito disruptivas são importantes”. Segundo ele, quando não há muitas informações – como quando as medidas de restrição foram adotadas – “é preciso prever o cenário mais pessimista”.

Michael Livitt, britânico vencedor do Nobel de Química em 2013, disse em março que a covid-19 não traria grandes riscos à população e que o alto número de mortes na Itália, naquele período, tinha relação com o estilo de vida da população e que, por isso, era necessário manter o isolamento social. Em maio, ele criticou medidas mais rígidas, como o lockdown, e disse que ela custaria mais vidas em decorrência do alcoolismo, violência doméstica e mortes por outras doenças. Mesmo assim, ele defendeu o uso de máscaras e o distanciamento social.

O Comprova não encontrou nenhuma referência a Cary Muellen na ciência – apenas o perfil de um canadense, atleta olímpico de esqui. Sucharit Bhakdi é um microbiologista alemão, coautor do livro “Corona: Alarme Falso?”. Suas declarações foram alvo de checagens na Alemanha, inclusive uma do site Correctiv, que classificou suas declarações numa entrevista sobre o coronavírus e a vacina como “infundadas”.

O epidemiologista alemão Knut Wittkowski é um dos críticos ferrenhos às medidas de distanciamento, como o lockdown. Ele afirmou ao NY Post que um de seus vídeos foi censurado pelo YouTube por criticar a medida. Em um artigo publicado no mês de abril, o epidemiologista disse que as melhores estratégias contra a doença eram a vacina ou o tratamento precoce das complicações da doença. No artigo, há um alerta para conflito de interesses: quando fez a publicação, Wittkowski era CEO da ASDERA LLC, empresa que trabalha buscando tratamento para doenças, incluindo a covid-19.

Stefan Homburg é economista e professor da Universidade Leibniz de Hanover, na Alemanha. Ele é abertamente crítico das medidas adotadas pelo governo alemão e, no mês de maio, expulsou de uma aula online alunos que foram contrários às suas críticas ao lockdown. Ele disse que esperava um pedido de desculpas dos estudantes. Já Mike Yeadon, ex-diretor da Pfizer, também fez críticas ao lockdown e afirmou, numa entrevista ao canal britânico talkRADIO que o governo vem “usando testes da covid-19 com falsos positivos”. Ele é também citado em textos publicados no site Lockdown Sceptics.org, cujo slogan é “Fique cético. Controle a histeria. Salve vidas”.

A pandemia não existe?

Reiner Fuellmich afirma que os advogados do Comitê Corona vêm conversando com esses cientistas e peritos internacionais, cujos trabalhos sustentariam três argumentos principais: o primeiro é de que não existe uma pandemia de coronavírus, e sim de testes PCR que, segundo ele, “não têm qualquer significado em relação à infecção por covid-19”.

O RT-PCR é um teste molecular indicado para ser realizado logo no início da doença, principalmente na primeira semana. De acordo com o Rafael Galliez, professor de doenças infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as técnicas de diagnósticos molecular da covid-19, os RT-PCR, são baseados nos alvos do vírus N1 e N2, originalmente. Os alvos são as regiões de um gene do novo coronavírus (chamado de gene N) que são amplificadas e avaliadas pelo teste.

Galliez explica que todos esses alvos do vírus SARS-CoV-2 foram validados por diferentes técnicas. Ele cita pelo menos duas que foram utilizadas na validação do teste. A primeira é o sequenciamento completo do genoma do vírus, que detecta o código genético completo daquele vírus. E a segunda é o cultivo celular, que permite comprovar o crescimento do vírus em cultivo de células. Ambas as técnicas de validação corroboram com os achados do teste PCR e o uso dos alvos N1e N2 na literatura científica.

“A cultura de vírus em cultura de células humanas têm demonstrado correlação com todos esses testes, mostrando sua sensibilidade e especificidade dentro dos parâmetros necessários para aplicação em larga escala”, afirma o pesquisador que integra o Grupo Técnico de Enfrentamento à covid-19, da UFRJ.

Efetividade das medidas não farmacológicas

O segundo argumento apresentado por Fuellmich e também utilizado por Claudio Lessa em seu vídeo é que as medidas não farmacológicas anticoronavírus, como confinamento, isolamento social, uso de máscara e regras de quarentena, não serviram para proteger a população mundial contra o coronavírus, mas apenas para criar pânico e, assim gerar lucros à indústria farmacêutica e de vacinas e testes, além de colher a “impressão digital genética” das pessoas.

A mestra em Enfermagem Chrystina Barros, pesquisadora do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro e também integrante do Grupo Técnico de Enfrentamento à covid-19 daquela universidade, afirma existirem “estudos publicados a respeito com evidências claras da importância do isolamento para redução da disseminação de doença e assim, para salvar vidas”.

O mais recente desses estudos, segundo ela, foi publicado na Revista Lancet sobre “A associação temporal de introdução e levantamento de intervenções não farmacêuticas com o número de reprodução variável no tempo”, elaborado com dados de 131 países. Esse trabalho mostra que as medidas de restrição à mobilidade social e consequente aglomeração de pessoas estão associadas à redução da disseminação da covid-19.

“É inimaginável que haja uma grande conspiração que tenha conseguido unir todos esses diferentes povos e seus representantes, para a criação de uma doença e uma pandemia, para que alguém obtenha vantagem, ainda mais em um mundo tão conectado onde pessoas se falam a todo o tempo e as dores e o sofrimento de quem contraiu a doença são compartilhados publicamente dia após dia”, afirma Chrystina Barros.

Erros recorrentes ao se analisar uma pandemia

Há duas décadas, o biólogo evolutivo e filogeógrafo Rob Wallace, autor do livro “Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência” (Ed. Elefante), estuda a forma como a sociedade moderna organiza suas práticas produtivas e a origem dos vírus de potencial pandêmico que circulam pelo planeta, o que caracteriza como um modo capitalista de produção de doenças.

Wallace analisa, por exemplo, que o vírus da influenza circula há muito tempo entre as aves migratórias. Nos últimos séculos se adaptaram ao modo de vida industrial da humanidade com diferentes sorotipos, tais como H5N1, H5N2, H7N2, H7N7, H9N2, H1N1. De acordo com o autor, é necessário evitar alguns erros ao analisar uma pandemia. O primeiro é presumir que a humanidade foi vítima de uma histeria alimentada pela mídia. “As pandemias anteriores nos ensinam que se preparar para o pior é a opção mais prudente”, escreve o autor.

O segundo erro é aceitar logo de cara que está tudo bem. Ele cita a gripe suína (H1N1) para demostrar que o vírus evolui à medida que se espalha e pode se rearranjar com outras variedades para produzir uma cepa mais infecciosa e mortal. Em outras palavras, ainda é uma incógnita se o H1N1 continuará a imitar os efeitos da gripe sazonal. Ele avalia que o modelo industrial de produção de aves e suínos em cidades de monoprodução de animais em confinamento forma “ecologia quase perfeita” para a evolução de várias cepas virulentas de influenza.

De acordo com Wallace, o SARS-Cov-2, causador da pandemia da covid-19, representa apenas uma das novas cepas de patógenos que subitamente surgiram como ameaças aos seres humanos neste século. O estudioso afirma que o surtos decorrentes das pandemias estão ligados, direta ou indiretamente, às mudanças na produção industrial de alimentos e animais em confinamento, as quais estão associadas à agricultura e pecuária intensiva.

Por isso, esses patógenos não devem ser tratados unicamente a partir de seus cursos de infecção, quadros clínicos, as mais recentes vacinas e outras profilaxias, por mais importante que sejam essas medidas. Wallace chama atenção para as redes de relações ecossistêmicas que o capital e o poder estatal manipulam para proveito próprio e são fundamentais para o surgimento e evolução dessas novas cepas.

Governo alemão pressionado?

Por fim, Fuellmich insinua que o governo alemão sofreu pressão maior do que outros países para aderir às medidas de isolamento. Isso porque, segundo ele, a Alemanha é um país disciplinado e serviria de modelo para outros países no respeito às regras. Os membros que seriam responsáveis por essa maior pressão são: Christian Drosten (virologista do Hospital Charité em Berlim), Lothar Wieler ( veterinário e diretor do RKI, equivalente na Alemanha à Anvisa no Brasil) e Tedros Adhanom, (diretor da Organização Mundial de Saúde).

Christian Heinrich Maria Drosten, um dos alvos do advogado, é o diretor do Instituto de Virologia de Bonn e virologista do Hospital Charité, de Berlim. De acordo com o site Deutschland.de, criado pela agência de comunicação FAZIT para o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, ele tornou-se a voz de referência sobre a covid-19 tanto para o público alemão quanto para o governo federal e os governos regionais do país.

Ele é o assessor do governo alemão para assuntos relativos à covid-19. Semanalmente, desde que começou a pandemia, Drosten também grava um podcast no qual explica, em linguagem simples, os avanços da ciência em relação ao coronavírus e os cuidados que se fazem necessários. Milhões de pessoas escutam o programa regularmente, de acordo com o governo alemão e a mídia do país.

Drosten dirigiu a equipe do Centro Alemão de Pesquisas de Infectologia (DZIF, na sigla em alemão) que, em janeiro de 2020, criou o primeiro teste PCR para diagnóstico do coronavírus. A descoberta foi anunciada no dia 16 de janeiro, conforme o site do DZIF.

Outro alvo do advogado, Lothar H. Wieler é, segundo a OMS, o presidente do Instituto Robert Koch, a instituição oficial de Saúde Pública da Alemanha. Wieler é veterinário e especialista em pesquisas de zoonoses, doenças transmitidas entre animais e humanos.

Já o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanon, também apontado como um dos responsáveis pelo “Escândalo do Corona”, não é filósofo, como diz Fuellmich em seu vídeo. Adhanom é mestre em doenças infecciosas pela Universidade de Londres e doutor em Saúde Pública pela Universidade de Nottingham, também na Inglaterra.

Etíope, ele foi ministro da Saúde do seu país de 2006 a 2011. Segundo o canal de mídia alemão Deustch Welle, ele foi responsável pela expansão da estrutura de saúde nas zonas rurais da Etiópia e a criação de, pelo menos, 30 faculdades de medicina. No entanto, ele também é lembrado por ter minimizado surtos de cólera. Em maio de 2017 foi eleito diretor-geral da OMS pelos países que compõem a Assembleia-Geral da entidade e tomou posse no da 1º de julho daquele ano, conforme o site da instituição.

A “peste chinesa” e o excesso de mortalidade

Não é verdade que não houve excesso de mortalidade em nenhum país, como afirma Fuellmich no vídeo. Para começar, precisamos entender o que é “excesso de mortalidade”. Esse conceito é um termo usado em epidemiologia e saúde pública que se refere ao número de mortes por todas as causas durante uma crise além do que esperaríamos ver em condições normais. No caso da pandemia, é necessário saber como os números de mortes totais se comparam ao número médio de mortes no mesmo período nos anos anteriores.

De acordo com o artigo Excesso de mortalidade durante a pandemia de Coronavírus (covid-19), assinado pelos pesquisadores Charlie Giattino, Hannah Ritchie, Max Roser, Esteban Ortiz-Ospina e Joe Hasell, do projeto “Our World in Data”, da Universidade de Oxford, “o excesso de mortalidade é uma medida mais abrangente do impacto total da pandemia nas mortes do que apenas a contagem de mortes confirmadas por covid-19. Além das mortes confirmadas, a mortalidade excessiva captura as mortes que não foram diagnosticadas e informadas corretamente”. Em outras palavras, aponta a diferença entre o número de óbitos esperados e o total observado em um determinado período, como mostrou esta verificação do Comprova.

O trabalho científico desses pesquisadores foi publicado como uma página repleta de gráficos e dados estatísticos atualizados semanalmente com informações do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças e do Human Mortality Database, centro de estudos mantido pelo Instituto Max Planck de Pesquisa Demográfica, Universidade da Califórnia-Berkeley e do Instituto Nacional de Estudos Demográficos (Ined), da França. Todos os dados e gráficos podem ser usados livremente.

E o que dizem esses números? Que houve, sim, excesso de mortalidade em vários países europeus e nos Estados Unidos, comparando-se à média dos cinco anos anteriores.

Na semana de 5 a 12 de abril, por exemplo, morreram nos Estados Unidos 78.769 pessoas. A média dos cinco anos anteriores (2015-2019) foi de 54.346 óbitos.

Na Espanha, o número de mortes entre 30 de março e 5 de abril foi 154% maior do que a média dessa mesma semana entre 2015 e 2019. Na Inglaterra e País de Gales, o excesso de mortalidade foi de 59% no mesmo intervalo de tempo. Na Noruega, onde o isolamento social e as medidas restritivas começaram mais cedo e foram mais intensas, o excesso foi de 4%, caindo para -1% na semana de 20 a 26 de abril.

Outros dois artigos acadêmicos dos economistas Janine Aron, pesquisadora-sênior do Institute for New Economic Thinking e pesquisadora associada do Nuffield College, da Universidade de Oxford, e de John Muellbauer – pesquisador-sênior do Nuffield Colleg e professor de Economia da Universidade de Oxford – também constatam o excesso de mortalidade e comparam os dados de alguns países.

No primeiro artigo, publicado em 29 de junho de 2020, a dupla de pesquisadores fez comparações entre países europeus (inclusive a Alemanha) e por faixas de idade. Na Bélgica, o excesso de mortalidade ao longo das semanas de pandemia foi de 110%, na França, 97% e no Reino Unido, 80%.

Segundo pesquisadores Aaron e Muellbauer, a Bélgica teve o maior excesso de mortalidade entre os países estudados. Fonte: Our World in Data (Oxford University)

Aaron e Muellbauer também compararam o excesso de mortalidade por faixa etária, concluindo que, para a faixa em idade ativa, dos 15 aos 64 anos, a Inglaterra teve as maiores taxas de mortalidade excessiva. A Espanha teve a mortalidade mais alta durante as semanas da pandemia para a faixa acima de 85 anos.

Em um segundo artigo publicado três meses depois, em 29 de setembro, os mesmos economistas de Oxford fazem uma análise do excesso de mortalidade nos Estados Unidos e comparam os dados com os dos países europeus.

Logo na introdução do artigo, Aaron e Muellbauer afirmam que “ao comparar as taxas de mortalidade excessiva, uma forma mais robusta de relatar mortes por pandemia, a taxa de mortalidade excessiva cumulativa da Europa de março a julho é 28% menor do que a taxa dos EUA, contradizendo a afirmação do governo Trump de que a taxa europeia é 33% maior. O Nordeste dos Estados Unidos – a região mais comparável com países europeus individuais – experimentou mortalidade excessiva substancialmente pior do que os países mais afetados da Europa. Se os EUA tivessem mantido sua taxa de mortalidade excessiva abaixo do nível da Europa, cerca de 57.800 vidas americanas teriam sido salvas”.

No trabalho, os economistas usaram os números de excesso de mortalidade do CDC para os Estados Unidos, comparando-os com os dados do Human Mortality Database para a Europa.

Em números absolutos, o excesso de mortalidade acumulado da 9º à 30ª semana de 2020 (de março ao final de julho) nos Estados Unidos foi de pouco mais de 207 mil mortes, o que, em termos percentuais, representa uma taxa de excesso de mortalidade de 17,2% em relação aos anos anteriores. Em toda a Europa, incluindo o Reino Unido, essa taxa foi de 12,4%.

Crime contra a humanidade

Procuramos o jurista Manoel Moraes de Almeida, titular da Cátedra Dom Helder Câmara de Direitos Humanos, da Universidade Católica de Pernambuco, que descartou a possibilidade de que as medidas de distanciamento social e fechamento da economia adotadas em vários países configurassem um crime contra a humanidade.

Crime contra a humanidade é um termo do Direito Internacional que, inicialmente, foi estabelecido pelo Acordo de Londres, de 1945, que fundamentou o tribunal de Nuremberg e o julgamento dos criminosos de guerra nazistas. A partir desse julgamento, caracterizou-se que esses crimes não prescrevem e que devem ser julgados a partir de uma base jurídica internacional. Essa base tomou forma e foi consolidada com o Estatuto de Roma, em 1998, assinado por 122 países e que criou a Corte Penal Internacional.

“Os crimes contra a humanidade, diferentes dos crimes de guerra, podem ser cometidos tanto em tempos de paz quanto em tempos de guerra. Não são fatos isolados ou esporádicos que caracterizam o crime contra a humanidade, mas sim fatos cometidos sistematicamente por governos e/ou seus agentes contra a população ou parte dela e que resultem em massacres, assassinatos em massa, extermínio, execuções sumárias, sequestros de crianças, uso militar de crianças, estupros sistêmicos, escravidão, canibalismo ou tortura”, explica o jurista.

As medidas contra o avanço da pandemia não se enquadram nesses critérios. “Neste caso, as medidas dos governos têm o objetivo definido de salvar vidas e estão amparados pelo direito sanitário, regulamentado a nível global pela OMS. O oposto é que seria condenável”, declarou.

A Corte Penal Internacional tem ampliado o entendimento do que é crime contra a humanidade, que passou a ser julgado em níveis continentais. O Brasil foi condenado por crime contra a humanidade pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não investigar, processar e prender os responsáveis pelo assassinato de Vladimir Herzog, em 1975.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal. Quando esses conteúdos tratam de formas de prevenção ou de tratamento da doença causada pelo novo coronavírus, a checagem se torna ainda mais importante, já que a desinformação pode levar as pessoas a deixarem de se proteger e se expor a riscos desnecessários, durante uma doença que já causou 157,1 mil mortes e infectou 5,3 milhões de pessoas no Brasil, segundo o Ministério da Saúde.

A publicação do vídeo no YouTube do canal Claudio Lessa teve 168 mil visualizações, o que fez ampliar o acesso ao conteúdo criado pelo advogado Reinner Fuellmich em diversos idiomas, com o intuito de dar mais visibilidade a sua ação coletiva contra o que chama de ‘Pandemia ProCorona’ – os vídeos originais traduzidos para o inglês, espanhol e francês somam quase 100 mil visualizações. Além da importância para a saúde, o tema também se relaciona com a política já que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) adota um discurso contrário às medidas para conter o coronavírus e até contra as vacinas em teste.

Esta também não é a primeira vez que um conteúdo produzido na Alemanha ganha corpo no Brasil ao negar as medidas restritivas, como lockdown e uso de máscaras. Recentemente, o Comprova mostrou que eram enganosos os textos que usavam a opinião de uma deputada alemã para sugerir que o país havia colocado em xeque o uso de máscaras após a morte de uma menina – na semana passada, o laudo confirmou que a morte não tem relação com o uso do equipamento de proteção.

Outras postagens também foram verificadas recentemente, como a distorção de uma frase de um enviado da OMS para sugerir que a entidade condena o lockdown; um estudo que distorceu que dados para dizer que países que usaram a hidroxicloroquina tiveram 75% menos mortes pela covid-19. O Comprova também mostrou ser falso um vídeo em que Claudio Lessa afirma que as vacinas contra o novo coronavírus serão capazes de provocar danos genéticos e vão monitorar a população.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos, que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-10-26

Gráficos usados em tuíte não comprovam que o Brasil está próximo de alcançar imunidade de rebanho

  • Enganoso
Enganoso
A imunidade de rebanho sem uma vacina não é apoiada pela comunidade científica, tampouco tem eficiência comprovada — por não haver provas de sua eficácia e por não existir um local que tenha usado o recurso com sucesso. Além disso, não existem dados suficientes para afirmar que a queda de infecções e de mortes por coronavírus no Brasil seja consequência da imunidade de rebanho
  • Conteúdo verificado: Postagem no Twitter afirma que o Brasil poderá ser o primeiro país relevante do mundo, em território e em população, a atingir a “imunidade de rebanho”, utilizando como base gráficos do site Coronavírus Brasil, do Ministério da Saúde.

É enganosa a publicação que circula no Twitter afirmando que o Brasil poderia “ser o primeiro país relevante do mundo, em território e em população, a atingir a tão desejada imunidade de rebanho”. O uso deste tipo de imunização coletiva provocada pela própria doença como estratégia para conter a pandemia do novo coronavírus não é endossado pelos cientistas ouvidos pelo Comprova, entre outros motivos porque poderia aumentar substancialmente o número de mortes pela covid-19. Além disso, não há dados que indiquem que o país já teria alcançado os percentuais necessários para uma proteção coletiva capaz de frear o vírus Sars-CoV-2.

A imunidade de rebanho é um conceito com origem na proteção proporcionada pelas vacinas, e não naturalmente pelas doenças, segundo o qual a partir de um percentual de pessoas imunizadas, outras ainda suscetíveis à doença e que não se vacinaram também ficariam protegidas, porque o agente deixa de circular.

Os gráficos usados na postagem verificada aqui podem ser encontrados no site do Ministério da Saúde. Eles indicam um número menor de casos e mortes nas últimas semanas, mas não que o Brasil estaria próximo de chegar à imunidade de rebanho por vias naturais. Segundo o médico imunologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), os números do país não indicam um patamar de casos capaz de representar uma imunidade de rebanho. Há também dúvidas que cercam a longevidade da proteção causada pela doença, já que casos de reinfecção são investigados em vários países, inclusive no Brasil.

A mensagem foi publicada pelo empresário Winston Ling. A reportagem tentou contato com ele por e-mail para comentar a postagem, mas não obteve retorno.

Como verificamos?

Iniciamos a apuração tentando contato com o autor do post, o empresário Winston Ling. Para isso, contatamos o Instituto Ling, com sede em Porto Alegre, por e-mail. A instituição, fundada pela família Ling, respondeu informando um e-mail para tentarmos contato. Enviamos mensagem para o endereço eletrônico informado, mas não houve retorno até o fechamento deste material.

Também fizemos buscas no Google sobre materiais relacionados à imunidade de rebanho. Com o intuito de compreender melhor essa estratégia como recurso para frear a pandemia, entrevistamos especialistas na área. Os profissionais que nos deram apoio foram Fernando Barros, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), epidemiologista e integrante da pesquisa Epicovid, que estuda a prevalência do vírus entre a população brasileira, e Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

Checamos, também, dados sobre o coronavírus no Brasil, mantidos pelo Ministério da Saúde, e acionamos a assessoria da pasta para questionar sobre a autoria dos gráficos expostos por Ling.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 26 de outubro de 2020.

Verificação

A polêmica da imunidade de rebanho

Em seu tuíte, o empresário escreve que “O Brasil poderá ser o primeiro país relevante do mundo, em território e em população, a atingir a tão desejada imunidade de rebanho.” Na realidade, não há consenso sobre a imunidade de rebanho ser de fato “desejada” como estratégia para frear a pandemia tampouco em relação à sua eficácia.

De acordo com Fernando Barros, professor da UFPel, ela ocorre “quando o vírus já não consegue mais circular em uma comunidade porque faltam pessoas suscetíveis” a ele. Segundo Barros, essa terminologia deriva de processos imunizadores que envolvem vacinações em massa. “A imunidade de rebanho se dá quando os níveis de imunização chegam em uma determinada proporção na população; por exemplo, em torno de 90% no caso do sarampo”, diz. “Diante disso, esses 10% das crianças que não estão vacinadas com frequência não se contaminam porque o vírus deixa de circular”, afirma.

O médico e pesquisador acrescenta que “numa situação de vacina não há risco” com a imunidade de rebanho, porque as pessoas não vão desenvolver doença grave ou morrer por causa da vacina. No entanto, tentar atingir essa imunização na atual pandemia somente a partir da contaminação é perigoso e poderia provocar alta mortalidade, já que mesmo em populações jovens a doença pode ser grave em alguns casos. “É por isso que não se propõe imunidade de rebanho para a covid-19, porque para que a população tenha imunidade (por intermédio da infecção), vai morrer muita gente, e muita gente vai ficar com muita sequela. Na situação da vacina, não”, compara.

“Na situação da covid-19, o risco é que, para se conseguir atingir níveis de imunização de rebanho, tanta gente vai ter de ficar infectada que vai haver muita mortalidade também”, afirma. Um estudo publicado em 19 de outubro no periódico científico Journal of the American Medical Association (JAMA), que discute diferentes níveis de imunidade para doenças infeciosas distintas, estimou que a imunidade de rebanho no caso do novo coronavírus, em um cenário sem vacina, surgiria com no mínimo 60% da população infectada. “Ninguém está recomendando que países ou regiões assumam esse tipo de conduta”, avalia.

Barros também pontua que a Suécia, frequentemente apontada por defensores da estratégia como exemplo sobre o tema, não usou essa metodologia para frear o contágio de Sars-CoV-2. O próprio presidente Bolsonaro mencionou o país escandinavo em maio, quando disse que a “Suécia não fechou!”, conforme reportagem da Folha de São Paulo. De acordo com a matéria, “em vez de decretar o fechamento dos estabelecimentos, o governo sueco confiou na população para tomar os cuidados com a infecção e se impor os limites necessários para combater a disseminação do vírus.”

“Eles não fizeram nunca uma política, como em outros países, de distanciamento social e lockdown. Mas, em determinado momento, fizeram medidas que eram de restrição, de distanciamento. Eles não deixaram todo mundo ficar no mesmo nível de contato para tentar conseguir uma imunidade de população. E a gente nota que eles têm uma mortalidade maior do que outros países da escandinávia”, afirma Barros.

O epidemiologista argumenta também que não há exemplos de locais que tenham usado com sucesso a imunidade de rebanho.

“A chance de ser eficiente nessa pandemia de coronavírus é muito pequena. Até agora, não se conhece locais que tenham atingido esse tipo de imunidade e que o vírus deixe de circular. Se vê que na Europa está voltando. Manaus, que é um lugar que tem alta prevalência da população com anticorpos, também tem casos novos. Então, não se conhece nenhum lugar onde isso tenha funcionado. Pelo menos, até agora”, pondera.

O médico infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, também contesta o uso da chamada imunidade de rebanho como forma de tentar conter o avanço da covid-19. Um dos problemas dessa proposta está no fato de não se saber por quanto tempo a pessoa permanece imune após a infecção. Outra consequência grave seria o alto número de mortes.

“A imunidade coletiva está tendo seu impacto, mas não é estratégia de controle da doença porque custa muitas mortes para grande parcela da população que adoece”, afirma. “Para a gente ter um controle natural da doença, precisaríamos que muitas pessoas morressem. Do ponto de vista ético, a sociedade precisa estar disposta a pagar esse preço com tantas vidas, e acho que a maioria das sociedades não está disposta”, afirmou.

A alternativa a essa estratégia, conforme o pesquisador, é o chamado achatamento da curva, com medidas de prevenção como distanciamento social. Isso permite uma menor circulação viral, com menos casos, menos mortes e possibilidade de atendimento médico, enquanto a medicina evolui em direção a tratamentos e vacinas que possam evitar óbitos no futuro.

Imunidade coletiva no Brasil

A afirmação de Winston Ling, autor do conteúdo investigado aqui, de que o Brasil estaria próximo da imunidade de rebanho, é contestada pelo epidemiologista Fernando Barros. “Não dá pra dizer isso. Nem para o Brasil, nem para outros países. Essa pandemia é muito misteriosa, e sabemos muito pouco sobre esse vírus”, afirma.

O tema ganhou destaque recentemente com o lançamento, em 8 de outubro, de um manifesto chamado “The Great Barrington Declaration and Petition”. Segundo o documento, supostamente assinado por cientistas e não cientistas, continuar com políticas de restrições rigorosas até que uma vacina esteja disponível poderia causar “danos irreparáveis, com os menos privilegiados sendo desproporcionalmente prejudicados”. Por isso, grupos com menos possibilidade de contaminação, como os jovens, deveriam retomar a vida normal.

Em oposição a esse texto, um grupo de cientistas lançou o memorando John Snow (referência ao médico do século 19 considerado um dos fundadores da epidemiologia moderna). O material, entre outros argumentos, afirma: “A taxa de mortalidade por infecção covid-19 é várias vezes superior à da gripe sazonal e a infecção pode levar a doença persistente, inclusive em pessoas jovens previamente saudáveis (isto é, covid longo). Não é claro quanto tempo dura a imunidade protetora e, como outros coronavírus sazonais, o Sars-CoV-2 é capaz de reinfectar pessoas que já tiveram a doença, sendo a frequência de reinfecção desconhecida. A transmissão do vírus pode ser mitigada por meio do distanciamento físico, uso de máscaras, higiene das mãos, etiqueta respiratória e evitando aglomerações e espaços mal ventilados. Testes rápidos, rastreio de contatos e isolamento também são essenciais para controlar a transmissão. A Organização Mundial de Saúde tem defendido estas medidas desde o início da pandemia.”

Casos de reinfecção têm sido noticiados, inclusive no Brasil, colocando em xeque a ideia de imunidade de rebanho. Minas Gerais, por exemplo, investiga seis casos de pessoas que podem ter sido contaminadas mais de uma vez. Em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, um caso foi confirmado pela Universidade de São Paulo (USP), segundo reportagem da CNN Brasil. Fora do país também há confirmações nos Estados Unidos, em Hong Kong e na Europa. Em setembro, no entanto, a OMS chegou a afirmar que os casos seriam “quase irrelevantes estatisticamente falando”, conforme matéria do portal UOL.

Julio Croda, da Fiocruz e da UFMS, também questiona a alegação de que o Brasil estaria supostamente próximo de atingir a chamada imunidade de rebanho. Ele defende que não há dados que indiquem isso. Croda estima que seria necessário ter um caso a cada 100 mil habitantes, o que equivaleria a menos de 2 mil casos de média móvel, para atingir uma possível imunidade coletiva no Brasil. Em 21 de outubro, a média móvel de novos casos era de 22,7 mil, mais de 10 vezes maior do que essa marca.

“A gente tem parte da imunidade de rebanho, mas não está atingindo o controle da covid-19 por essa imunidade. Ainda está muito longe, ainda tem um número bastante excessivo de óbitos e casos neste momento para a gente afirmar que, como Brasil, a gente está atingindo a imunidade de rebanho. É muito mais um comportamento sazonal”, afirma, ao explicar o número menor de casos no país nas últimas semanas, que aparecem nos gráficos exibidos na postagem investigada pelo Comprova.

A diretora científica da Organização Mundial da Saúde (OMS), Soumya Swaminathan, também se pronunciou sobre o assunto. Ela afirmou que a imunidade de rebanho é perigosa, pois 1% da população mundial (77 milhões de pessoas) poderia morrer para que se alcançasse a imunização coletiva natural.

Os gráficos

Os gráficos exibidos na postagem aparecem, de fato, na página do Ministério da Saúde que reúne dados sobre covid-19 no país (prints abaixo).

O primeiro mostra o número de casos novos da covid-19 conforme a semana epidemiológica da notificação. Os dados mostram 15 semanas consecutivas de aumento no número de casos novos notificados, entre a 13ª e 27ª semana, e um pico de casos novos alcançado na 30ª semana epidemiológica, no fim de julho. Na ocasião, o país registrou 319,6 mil casos da doença. Os dados também indicam que houve queda de novos casos nas últimas cinco semanas epidemiológicas. Nas últimas 13 semanas, somente em três houve aumento de novos casos.

O segundo gráfico apresenta a evolução de mortes por covid-19 conforme a semana epidemiológica de notificação. O resultado dos óbitos segue padrão semelhante ao de casos confirmados, com crescimento durante 11 semanas, da 13ª até a 24ª semana epidemiológica, e pico de mortes também atingido na 30ª semana, com 7,6 mil óbitos notificados.

O número de mortes também está em queda nas últimas cinco semanas consecutivas e, das últimas 12 semanas, apresentou alta de óbitos em apenas duas. Os prints abaixo já possuem dados da 43ª semana epidemiológica, que não aparecem no print usado na postagem verificada.

É, aparentemente, nessa queda de casos e também de óbitos em que o autor se baseia para sugerir que o país estaria perto de “atingir a tão desejada imunidade de rebanho”. Como destacam os especialistas ouvidos pelo Comprova, a afirmação de Ling não tem qualquer base.

Procurado pelo Comprova, o Ministério da Saúde não chegou a confirmar se o gráfico foi retirado do site e informou que “a queda no número de casos, mesmo em cenários onde está havendo liberação das medidas de isolamento social, pode sugerir a existência de um grupo de indivíduos imunes à doença, permitindo uma redução na transmissibilidade média na população. No entanto, não se pode afirmar, ainda, que há uma imunidade de rebanho. Cabe destacar que, como se trata de uma doença nova, ainda existem incertezas a respeito da imunidade ao SARS-CoV-2”.

Quem é o autor do tuíte

Winston Ling é empresário e investidor brasileiro, hoje morando em Hong Kong. Ele ganhou visibilidade por ter apresentado o ministro da Economia Paulo Guedes ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em abril, posicionou-se publicamente contra a acusação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) de que a China seria responsável pela pandemia.

“A diplomacia foi inventada para evitar a guerra, por isso existe uma série de regras e etiqueta que devem ser seguidas pelos homens públicos, mas que não precisam ser seguidas por cidadãos comuns. O fato do Eduardo ser filho do presidente agravou a situação”, afirmou, ainda em abril, em matéria da Folha.

Contrário à indicação do desembargador Kassio Marques ao Supremo Tribunal Federal (STF) feita por Bolsonaro, chegou a anunciar via Twitter seu desembarque do governo. Porém, voltou atrás em seguida.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos equivocados em relação à covid-19, como o verificado aqui, são perigosos porque colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Como demonstram especialistas abordados para esta verificação, a imunidade de rebanho sem uma vacina não é apoiada pela comunidade científica, tampouco tem eficiência comprovada — por não haver provas de sua eficácia e por não existir um local que tenha usado o recurso com sucesso. Além disso, não existem dados suficientes para afirmar que a queda de infecções e de mortes por coronavírus no Brasil seja consequência da imunidade de rebanho.

O tuíte de Winston Ling teve mais de 1,9 mil interações (entre curtidas, comentários e replicações) até 22 de outubro.

O Comprova já verificou outros conteúdos que podem colocar em risco a saúde da população. Entre eles, o que sugere que pode haver vacina somente quando boa parte da população já estiver sido contaminada (o que tem relação com imunidade coletiva); o que sugere que as vacinas em teste no Brasil não passaram por ensaios pré-clínicos e o que questiona eficiência das máscaras.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos, que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-10-23

Post força comparação entre vacinas em teste e a cloroquina, que não tem eficiência comprovada contra a covid-19

  • Falso
Falso
É falso que São Paulo tenha proibido a cloroquina e a hidroxicloroquina como afirmam postagens no Facebook e Twitter. As publicações fazem uma comparação forçada entre o medicamento, usado há muitos anos para tratamento de outras doenças mas que não tem eficiência comprovada contra o novo coronavírus, e as vacinas que estão em teste
  • Conteúdo verificado: Publicações no Facebook e no Twitter criticam a defesa da vacina e a condenação da hidroxicloroquina no cenário da pandemia da covid-19, alegando que enquanto o medicamento é estudado e usado há décadas, a Coronavac tem caráter experimental.

São falsas as informações veiculadas em postagens nas redes sociais que sugerem uma contradição entre defender a aplicação de uma vacina contra o novo coronavírus e condenar o uso da hidroxicloroquina em pacientes da pandemia. Para tal, a publicação alega que o medicamento “está em uso há mais de 70 anos” e que o imunizante “é experimental, com menos de 8 meses”.

O uso do remédio não tem eficácia comprovada contra a covid-19, e a utilização dele, por décadas, é para o tratamentos de outras doenças, principalmente as autoimunes. Estudos recentes, aliás, indicaram que o uso da hidroxicloroquina em pacientes com o novo coronavírus pode aumentar o risco de efeitos colaterais. A informação de que o governador João Doria (PSDB), de São Paulo, proibiu o uso do medicamento também não procede.

Quanto à vacina, nenhuma ainda foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já que a o novo coronavírus foi descoberto há menos de um ano e elas ainda estão em desenvolvimento. Somente após esta etapa – realizada depois de inúmeros testes que atestem a segurança do imunizante – é que a população brasileira poderá tomá-la. Atualmente, quatro vacinas estão sendo testadas em voluntários no país.

Por causa do texto e da montagem utilizada para ilustrar a publicação, que tem a bandeira da China ao fundo e Doria em primeiro plano, é possível concluir que o texto faz menção à CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.

Semelhante a esse post também há outro que viralizou no Twitter, sugerindo que a cloroquina seria muito mais segura que a vacina. Isso porque a droga já é “testada, estudada e usada há mais de 50 anos”, enquanto a “vacina da China” existe há “6 meses, não finalizada”. O Comprova tentou contato com os autores de ambas as publicações, mas não obteve retorno até o fechamento desta verificação.

Como verificamos?

Para verificar as informações relativas à cloroquina e à hidroxicloroquina, procuramos saber quais são os protocolos e as recomendações atuais nos sites da Anvisa e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) na América do Sul.

Por meio de pesquisas no Google, também chegamos a dois estudos sobre a eficácia dos medicamentos em pacientes com a covid-19: um realizado no Reino Unido e outro, no Brasil. também encontramos várias reportagens que tratam de episódios envolvendo os remédios, publicadas ao longo da pandemia.

Para descobrir o histórico da aplicação de ambas as drogas, realizamos novas buscas, que nos levaram a um artigo publicado na National Center for Biotechnology Information (NCBI) e ao livro “Chemistry of Antibiotics and Related Drugs” (“Química dos antibióticos e medicamentos relacionados”, na tradução livre), de autoria do Mrinal K. Bhattacharjee.

No que diz respeito à vacina – tanto ao processo regulatório, quanto aos atuais estágios de desenvolvimento – também procuramos informações no site oficial da Anvisa e consultamos matérias publicadas na imprensa nacional, além da página dedicada à Coronavac, disponível dentro do site do governo do estado de São Paulo.

Para esclarecer o contexto da obrigatoriedade ou não da vacinação e o uso da cloroquina em território paulista, utilizamos mais uma vez as reportagens publicadas sobre o assunto. Como a mais recente delas ainda era do primeiro semestre, acionamos a Secretaria de Comunicação e a assessoria da Secretaria de Saúde do estado.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 23 de outubro de 2020.

Verificação

Cloroquina e covid-19

Segundo a OMS, “embora a hidroxicloroquina e a cloroquina sejam produtos licenciados para o tratamento de outras doenças – respectivamente, doenças autoimunes e malária –, não há evidência científica até o momento de que esses medicamentos sejam eficazes e seguros no tratamento da covid-19”. Ao contrário, a entidade lembra que “a maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento”.

No Brasil, a Anvisa “não recomenda o uso indiscriminado desse medicamento, sem a confirmação de que realmente funciona”. A agência também aumentou o controle sobre a venda da medicação, ao exigir que as farmácias retenham uma cópia da receita especial no momento da venda do produto.

A cloroquina começou a ser comumente usada para tratar a malária a partir da década de 1940. Durante as epidemias de SARS e MERS, a cloroquina chegou a ser considerada como uma opção de droga mas, na época, não foram feitos testes para confirmar sua eficácia. Em março deste ano, médicos franceses passaram a defender o uso da cloroquina contra a covid-19 após testes iniciais que, depois, foram criticados e considerados anedóticos. Apesar da falta de comprovação científica, o tratamento foi encampado politicamente pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e, logo em seguida, pelo brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido).

No dia 25 de março, o Ministério da Saúde autorizou o uso da cloroquina para tratar pacientes com casos graves da covid-19. Favorável ao uso do medicamento, o presidente demitiu dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, e nomeou para o cargo o general Eduardo Pazuello, que autorizou o uso precoce da droga em pacientes com sintomas leves da doença, em 20 de maio.

Pouco tempo depois, em 5 de junho, pesquisadores do Recovery, estudo clínico do Reino Unido para encontrar medicamentos contra a covid-19, disseram não haver benefício no uso da hidroxicloroquina. Os resultados foram reformados dez dias depois, quando a autoridade sanitária americana, a Food and Drug Administration (FDA), revogou a autorização emergencial para uso da cloroquina em pacientes com o novo coronavírus porque seus estudos mostraram ser improvável que ele fosse efetivo no tratamento. A FDA também disse que a medicação pode provocar “eventos adversos cardíacos graves e contínuos” e “outros efeitos colaterais sérios”. Depois, em 17 de junho, a OMS retirou a cloroquina do seu estudo clínico Solidariedade, também destinado a descobrir drogas contra a covid-19, por não ter sido capaz de identificar redução no número de óbitos entre os pacientes submetidos ao tratamento.

Em julho, foi publicado o maior estudo brasileiro sobre a eficácia do uso da hidroxicloroquina em pacientes leves e moderados da covid-19. O estudo durou três meses e contou com 665 pessoas, em 55 hospitais. Entre os que lideravam a pesquisa estão os hospitais Albert Einstein, Sírio Libanês e Oswaldo Cruz. A conclusão é que o uso do medicamento, sozinho ou associado com azitromicina, não melhorou a evolução clínica dos pacientes. E ainda destacou dois efeitos adversos: a maior frequência de alterações em exames de eletrocardiograma e a maior recorrência de alterações em exames que mostram lesão hepática.

Vacinas contra o novo coronavírus

Atualmente, quatro vacinas estão sendo testadas no Brasil. Juntos, serão 33.720 voluntários; metade recebeu os imunizantes e a outra metade, placebo. Os compostos não estão disponíveis para toda a população, mas para voluntários previamente selecionados. As duas vacinas com mais voluntários, a da Sinovac e a da AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, recrutaram profissionais de saúde que estão atuando no cuidado de pacientes de covid-19 como voluntários.

Para permitir a realização dos testes no Brasil, a Anvisa analisou quatro critérios:

  • dados de segurança que o imunizante demonstrou nas etapas anteriores, de testes pré-clínicos (quando ele é aplicado em animais, ainda em laboratório, para atestar sua segurança)
  • a robustez científica dos estudos, o que inclui a quantidade de voluntários, a faixa etária estudada, a abordagem estatística e os parâmetros que serão usados para determinar se a vacina é eficaz e segura.
  • as condições técnicas e operacionais do local de fabricação dos compostos
  • a experiência dos centros de pesquisa e as condições deles de monitorar a execução do estudo, garantindo que os dados sejam rastreáveis e confiáveis.

As propostas de estudo e de registro das vacinas contra o novo coronavírus são analisadas por um comitê com dez especialistas rotativos, composto por farmacêuticos, médicos, biólogos e estatísticos. Eles precisam ter, pelo menos, dez anos de experiência na aprovação de protocolos de estudo ou registro de imunizantes. A Anvisa também pode interromper os estudos no Brasil a qualquer momento caso seja registrado algum evento adverso grave durante os testes.

Caso os resultados dos testes indiquem que a vacina é eficaz contra o vírus, é preciso solicitar o registro à Anvisa, que, novamente, vai avaliar todos os documentos técnicos, incluindo os dados de segurança e eficácia e a qualidade do imunizante. Apenas com o registro da Anvisa é que o imunizante pode ser comercializado e disponibilizado no Brasil.

No último dia 21, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, afirmou que, até o momento, não houve o pedido de registro de nenhuma vacina contra a covid-19 no Brasil. Ele também afirmou que “não há nenhuma data predefinida para a conclusão de estudos ou para o fornecimento de registro a qualquer uma das quatro vacinas em análise neste momento na Agência”.

Obrigatoriedade em São Paulo

No dia 16 de outubro, Doria afirmou que a vacinação será obrigatória em todo o estado, com exceção de pessoas que apresentem alguma restrição indicada por um médico. A expectativa era que a vacinação começasse ainda em dezembro deste ano, no entanto já existe a possibilidade disso acontecer apenas em janeiro por causa do trâmite de aprovação da vacina e de compostos dela por parte da Anvisa.

Três dias depois, a obrigatoriedade da vacina foi negada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A decisão sobre o processo de vacinação, no entanto, cabe ao Ministério da Saúde – que, por sua vez, protagonizou um atrito com o governo federal ao anunciar um compromisso de compra de 46 milhões de doses da CoronaVac.

O Comprova já verificou que, apesar das falas do presidente, Jair Bolsonaro (sem partido) assinou uma lei em fevereiro deste ano que prevê a vacinação compulsória.

Doria não proibiu cloroquina

No site oficial do governo de São Paulo, a notícia mais recente sobre o uso da cloroquina é de abril deste ano. Ela esclarece que na época o estado tinha recebido cerca de 200 mil comprimidos da cloroquina, que já estavam à disposição para uso. No entanto, deixa claro que, por causa da falta de estudos que comprovem a eficácia do medicamento, o uso precisava ser autorizado pelo paciente. Na época Secretário estadual de saúde, José Henrique Germann afirmou que: “É feito através de um consentimento informado do paciente de que ele aceita as condições de risco que ele pode estar correndo, frente a essa prescrição. Esse termo é assinado pelo médico e pelo paciente, ou por um familiar”.

Em maio, o membro do Centro de Contingência de São Paulo, Carlos Carvalho, afirmou que o uso da cloroquina estava sendo discutido desde março, mas que estudos demonstraram que a cloroquina e a hidroxicloroquina não faziam efeito contra a covid-19 e que poderiam até prejudicar a saúde de pacientes. No entanto, embora o comitê não tenha recomendado o uso, os médicos nunca foram proibidos de receitar o remédio. Ao UOL, ele explicou que “se um médico entender, acreditar em um estudo, explicar isso para a família, [falar sobre] os efeitos colaterais e entrarem em um acordo e quiserem usar, é totalmente permitido”.

Em nota, o governo de São Paulo disse que, em nenhum momento, o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina foi proibido no Estado. “No entanto, em SP, os gestores de saúde deliberaram pela não recomendação do uso da cloroquina/hidroxicloroquina em casos leves, moderados ou graves de covid-19, devido à insuficiência de evidências sobre a eficácia”, explicou, por meio de nota.

Embora seja apenas um remédio, a cloroquina acabou sendo politizada. Protagonizando em lados opostos, o governador de São Paulo, João Doria, declarou, algumas vezes, frases que iam na contramão do que era defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Em abril, por exemplo, ele afirmou que não iria recomendar o uso da cloroquina por meio de um decreto. No mês seguinte, ele disse que não haveria “distribuição indiscriminada” de cloroquina nos postos de saúde no Estado.

Apesar dos posicionamentos, o medicamento nunca foi proibido. Publicações que traziam essa informação incorreta, aliás, já foram verificadas pela agência Lupa e classificadas como falsas. Vale ressaltar também que proibir ou permitir o uso de um medicamento no Brasil é atribuição exclusiva da Anvisa.

Por que investigamos?

Atualmente em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia de covid-19 ou sobre as políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Quando a publicação trata de medidas de proteção contra o novo coronavírus, a verificação é ainda mais necessária, já que ela pode colocar a vida das pessoas em risco. Os conteúdos verificados aqui podem levar as pessoas a evitarem tomar uma vacina, quando disponível, ou a apostar em um medicamento sem comprovação científica.

As publicações verificadas tiveram 27,6 mil interações no Twitter e 30,7 mil interações no Facebook.

Desde o início da pandemia, o Comprova já mostrou que as vacinas não produzirão danos genéticos, nem terão microchips para rastrear a população. Também mostrou que todos os imunizantes em teste no Brasil foram testados em animais antes dos estudos clínicos em humanos e que a China não evita aplicar os compostos desenvolvidos no país em sua própria população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.