O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-09-17

É falso que irmãos morreram após se vacinarem contra a covid-19

  • Falso
Falso
Mulher fez acusação, sem apresentar qualquer prova, em vídeo que viralizou nas redes sociais, mas a Anvisa informa que só maiores de idade podem receber os testes das vacinas e que não houve nenhum relato de mortes ou reações adversas graves relacionadas aos testes feitos no Brasil
  • Conteúdo verificado: Em uma transmissão ao vivo que ficou gravada no YouTube, uma mulher conta a história de uma família brasileira que teria tomado vacina contra a covid-19 para poder viajar ao exterior e diz que três jovens morreram depois disso.

Não é verdade que três irmãos morreram após receber uma dose da vacina contra a covid-19, como afirma uma mulher em um vídeo que viralizou no Youtube. Ela faz diversas alegações no vídeo, mas sua história tem vários furos ou pontos que não fazem sentido, como verificou o Comprova.

A autora do vídeo diz que os jovens tinham 13, 16 e 18 anos e não especifica qual das quatro vacinas em teste no Brasil teria sido responsável pelo ocorrido – ela nem usa a palavra “vacina”, alegando que, caso falasse, seu vídeo seria derrubado. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que autoriza as pesquisas clínicas sobre a proteção no país, informou que apenas maiores de idade podem receber as doses. Além disso, a Anvisa afirmou que não houve nenhum relato de mortes nem de reação adversa grave relacionadas às imunizações.

Ainda segundo a autora do vídeo, a suposta família teria decidido se imunizar porque ia viajar para fora do Brasil. Também segundo a Anvisa, “as vacinas em teste estão restritas ao protocolo de pesquisa e aos voluntários selecionados previamente para a pesquisa”. Vacinas em fase de testes não podem ser exigidas como pré-requisitos para viagens ao exterior – ou seja, a família não poderia ter acesso ao medicamento.

A pessoa que gravou o vídeo se apresenta como terapeuta. O Comprova entrou em contato com ela, que afirmou não ter “mais nada a acrescentar”.

Como verificamos?

O Comprova entrou em contato, por e-mail, com a Anvisa e com as quatro instituições que coordenam testes com vacinas contra a covid-19 no Brasil – apenas a Iqvia não respondeu até a publicação desta verificação. Também consultamos a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) sobre critérios e exigências desse tipo de estudo. Por fim, consultamos o Ministério de Relações Exteriores.

Enviamos um pedido de entrevista pelo Facebook à autora do vídeo. Ela respondeu o primeiro contato e depois bloqueou a jornalista da equipe que enviou a mensagem. Uma outra repórter fez nova tentativa, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de setembro de 2020.

Verificação

Testes no Brasil e reações adversas

Em princípio, a autora do vídeo diz que não sabe informar qual foi a vacina contra covid-19 usada pela família. Segundo a Anvisa, quatro substâncias diferentes estão sendo testadas no Brasil. O Comprova consultou as instituições responsáveis pelos experimentos sobre os critérios para adesão de voluntários e os efeitos adversos.

O Instituto Butantan informou que 4 mil voluntários (do total de 9 mil) já tomaram a primeira das duas doses da CoronaVac, desenvolvida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac Life Science. Segundo a instituição, eles “são monitorados e, até o momento, não foi reportado nenhum efeito colateral grave, muito menos óbito”. O órgão classificou como “irresponsável e totalmente inverídico o depoimento que atribui a morte de pessoas ao uso da CoronaVac”. No vídeo verificado aqui, a autora faz menção ao governador de São Paulo, João Doria. Agências de checagem, como o Aos Fatos, verificaram um post no Facebook escrito pela autora do vídeo em que ela afirma que a família teria tomado a CoronaVac.

O Butantan ressaltou ainda que “qualquer estudo sério é interrompido imediatamente assim que identificada qualquer anomalia”.

Este foi o caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a companhia AstraZeneca, depois que uma voluntária do Reino Unido teve complicações. Os testes foram interrompidos em 8 de setembro, inclusive no Brasil, onde são conduzidos pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em 5 mil voluntários. Após ter sido considerada segura, a testagem foi retomada no dia 14.

A Unifesp afirmou que “o estudo clínico envolve adultos acima dos 18 anos e as reações até o momento foram as esperadas, como dor temporária no local da aplicação, dor de cabeça e febre passageira”. A universidade acrescenta que “não houve intercorrências graves no Brasil”.

Outro órgão que está trabalhando a vacina é a Iqvia. A imunização chamada de Janssen-Cilag será testada em 7 mil voluntários – o que deve começar em breve. A farmacêutica não respondeu o pedido do Comprova até o fechamento deste texto, mas, no dia 18 de agosto, a Anvisa permitiu que a empresa, que faz parte do grupo Johnson & Johnson, iniciasse estudos clínicos no Brasil.

A testagem conduzida pelo Centro Paulista de Investigação Clínica (Cepic), da vacina Pfizer/Wyeth, tem a menor amostragem: mil voluntários. Os responsáveis declararam que “nenhum participante do estudo de vacina contra covid-19 da Pfizer/BioNtech morreu”.

Viagem para o exterior

A autora do vídeo diz que a família tomou a vacina porque queria viajar para a Europa. Contudo, a Anvisa diz que imunizações em fase de testes não podem ser exigidas como pré-requisito de viagens para fora do país. As substâncias “estão restritas ao protocolo de pesquisa e aos voluntários selecionados previamente para a pesquisa”. O órgão declarou ainda que as vacinas “não estão disponíveis para uso fora do protocolo de pesquisa e fora das instituições que fazem parte do estudo”.

O Comprova também questionou o Ministério de Relações Exteriores. Não houve retorno até a publicação desta reportagem.

Critérios de idade e ética das testagens

De acordo com o vídeo, os jovens que supostamente foram vítimas tinham 13, 16 e 18 anos. Mas todas as autoridades de saúde consultadas declararam que menores de idade não são admitidos nos testes com a vacina contra a covid-19.

O coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Jorge Venâncio, explica que “se as pesquisas da vacina fossem incluir menores, teria que ter uma emenda ao protocolo”. Ele também afirmou que o novo critério não poderia ser uma exceção a poucos participantes, mas uma norma geral. E acrescenta: “Se alguma das pesquisas tentasse inserir crianças [sem notificar] seria uma violação grave ao protocolo, que poderia gerar uma denúncia na Anvisa por violação das boas práticas clínicas”.

Venâncio explica ainda que menores de idade só são inseridos em testes quando os exames em pessoas adultas não são suficientes ou quando o objeto de estudo é próprio do grupo etário – como doenças ou medicações infantis. Pesquisas com menores de idade exigem “o consentimento dos pais e do menor, e todos os critérios de segurança”.

O coordenador da Conep observa também que “a pandemia atinge muito menos crianças que adultos. Não tem lógica fazer testes com crianças”.

A autora do vídeo, em uma segunda transmissão, deu a entender que a família tinha se submetido a algum tipo de acordo para não comentar possíveis efeitos adversos da vacina. Venâncio afirma que a prática é proibida. “Ainda que existisse esse tipo de acordo, não teria validade jurídica”, acrescenta Venâncio.

A autora do vídeo

A autora do vídeo afirma que é terapeuta e mora em Portugal. Segundo seu perfil no Linkedin, trabalha com “terapias holísticas e vibracionais” desde 1998. Em uma live de junho deste ano, ela contou ter sido cantora, mas que, após ouvir uma palestra do médium Luiz Antonio Gasparetto, procurou se aprofundar no tema da mediunidade.

Ao primeiro contato do Comprova, ela agradeceu, declarou que não tinha “mais nada a acrescentar” além do relatado na gravação e que “não iria expor ninguém sem autorização”, pois tem “ética e respeito pela dor da família”. O Comprova voltou a entrar em contato com a terapeuta, apresentando as informações da Anvisa que contradizem seus vídeos. Ela não respondeu.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. Mais do que gerar medo e desconfiança, o vídeo coloca a saúde da população em risco ao incentivar que as pessoas não se vacinem contra a doença.

A gravação teve 97.834 visualizações no YouTube até 16 de setembro e, segundo a ferramenta CrowdTangle, foi republicado 133 vezes no Twitter e teve 11.350 interações no Facebook.

Fato ou Fake, e-farsas, Aos Fatos e Lupa também investigaram esse conteúdo e classificaram como falsos os posts que circularam nas redes sociais.

Publicações que tentam desacreditar a importância da vacina já foram verificadas pelo Comprova, como a que dizia que a vacina causava danos irreversíveis ao organismo, o tuíte que afirmava que a imunização usa células de fetos abortados e uma teoria conspiratória segundo a qual a proteção teria um microchip para rastrear a população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-09-10

Tuíte engana ao afirmar que sol mata o coronavírus

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte faz referência a estimativas de um estudo que se baseia em modelos antigos, criados para outros vírus. Especialistas ouvidos pelo Comprova dizem que estudo não tem nenhuma conclusão nova
  • Conteúdo verificado: Tuíte afirma que, segundo cientistas, o sol do meio-dia é eficaz na erradicação do SARS-CoV-2 e mata o vírus em 34 minutos.

É enganosa uma postagem no Twitter que aponta possíveis benefícios da exposição ao sol contra a covid-19. De autoria do perfil @AlanLopesRio, a postagem diz que cientistas teriam afirmado que permanecer 34 minutos no sol seria suficiente para “matar o vírus” (inativá-lo no organismo humano). Especialistas atestam que essa relação não tem embasamento científico.

O Comprova localizou um artigo publicado, em junho, na revista “Photochemistry and Photobiology” que menciona a relação entre exposição ao sol e inativação do vírus, citando um intervalo de tempo de 34 minutos. No entanto, nele existem problemas metodológicos que inviabilizam o estabelecimento dessa relação.

“Não tem nenhuma conclusão nova e nenhum dado real nesse estudo. Aí eles jogam com esse tipo de argumento, que é ‘ruim para a saúde não tomar sol’. Claro, é mesmo”, avalia o professor do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e integrante do grupo de estudos de desinformação em redes sociais da Unicamp, ouvido pelo Comprova, Leandro Tessler.

Como verificamos?

Para checar as informações no tuíte de @AlanLopesRio fizemos, em primeiro lugar, uma busca no Google para entender a possível eficácia da exposição à luz solar no tratamento da covid-19. Por meio dela, encontramos notícias em sites brasileiros, como o portal IG Saúde, e americanos, como NY Post, datados da segunda quinzena de junho, que tratam dessa relação. As reportagens mencionam o estudo citado acima, que aborda a mesma duração de exposição ao sol do post.

Com a leitura das matérias, chegamos a um estudo publicado em 5 de junho na revista “Photochemistry and Photobiology”, da Sociedade Americana de Fotobiologia, sobre a “Inativação estimada dos coronavírus por radiação solar, com foco em especial na covid-19”. Procuramos, então, especialistas que pudessem comentar as conclusões da pesquisa. Conversamos com o infectologista Eduardo Sprinz, professor de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), com o professor Leandro Tessler, do Instituto de Física da Unicamp, e com a professora de virologia Ana Claudia da Franco, também da UFRGS.

Procuramos, ainda, o autor da postagem no Twitter, pela rede social e por e-mail. Até a data de publicação desta checagem, ele não retornou os contatos.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 10 de setembro de 2020.

Verificação

34 minutos de sol

O estudo publicado na revista da Sociedade Americana de Fotobiologia é assinado por Jose-Luis Sagripanti e C. David Lytle, dois pesquisadores aposentados.

O Comprova entrou em contato com Leandro Tessler, professor do Instituto de Física da Unicamp e integrante do grupo de estudos de desinformação em redes sociais da universidade, para saber mais sobre as conclusões do artigo. Em junho, quando as notícias sobre a pesquisa foram divulgadas, ele publicou no Twitter alguns questionamentos sobre o que estava sendo veiculado na imprensa.

Na postagem alvo desta verificação, o autor escreve que “cientistas afirmaram que sol do meio-dia é extremamente eficaz na erradicação do vírus. Segundo o estudo, o sol mata o coronavírus em 34 minutos”.

À nossa reportagem, Tessler explicou, porém, que os dados apresentados no artigo “não medem, apenas estimam a sensibilidade do SARS-CoV-2 à radiação UVC. Além disso, o período de exposição de 11 a 34 minutos ao sol do meio-dia valeria para a maioria das cidades norte-americanas durante o verão. Para São Paulo, eles fazem o cálculo, o período seria bem mais curto se isso fosse correto”, afirma Tessler.

Por causa do método utilizado pelos pesquisadores, Tessler diz que é preciso “olhar com cuidado” para o estudo. Segundo o professor, o artigo não chega a detalhar se a ação dos raios ultravioleta seria eficaz contra o vírus encontrado em superfícies ou como uma forma de tratamento para pessoas infectadas. “Eles não fazem nenhuma medida do efeito. Eles fizeram um modelo anos atrás, […] para o vírus da gripe. E não tem nenhuma medida nem para o SARS-CoV nem para o SARS-CoV-2. Se olhar a tabela 1, onde está ‘D37’, está em branco. Então, não é um resultado. Tudo isso é uma estimativa feita com modelos para outros vírus”, completa.

Fica em casa

No mesmo tuíte, o perfil ainda afirma que “quem determinou a prisão domiciliar queria um genocídio em massa. O ‘fica em casa’ é uma fraude”.

No estudo, Jose-Luis Sagripanti e C. David Lytle fazem considerações sobre medidas como lockdown e campanhas para que os cidadãos fiquem em casa. Segundo os pesquisadores, “dados epidemiológicos disponíveis gratuitamente (em 29 de maio de 2020) demonstram que as medidas de bloqueio que impedem indivíduos saudáveis de permanecerem ao ar livre não resultaram em uma diferença óbvia e estatisticamente significativa nas infecções por milhão de habitantes quando comparados aos países onde indivíduos saudáveis estavam livres para permanecer ao ar livre, com potencial exposição à radiação solar. Se o aprisionamento de cidadãos saudáveis pode não ser determinante como essas estatísticas sugerem, então o papel potencial de estar fora de casa, exposto à luz solar direta ou espalhada, na pandemia de covid-19 não deve ser subestimado”.

Para Tessler, os autores fizeram analogias que são pouco críveis.

“Eles citam Suécia, Bielorrússia, Nicarágua, Uruguai, Indonésia, Coréia do Sul e Namíbia. Tem de olhar com cuidado o que aconteceu em cada um desses países. O Brasil tem muito sol e a pandemia está correndo solta. A Índia também. Então, não é parâmetro importante o que eles estão argumentando”, conclui o professor.

O pesquisador da Unicamp acrescenta que há fatores importantes que não foram considerados:

“Tem outra questão que acho ser muito mais relevante, que é a umidade do ar. Ele (o vírus) é desativado em ambiente seco. Isso é muito mais ativo contra o vírus do que essa suposta exposição ao ultravioleta. Inclusive, porque se você ficar exposta ao sol por 34 minutos ao meio-dia todos os dias, é muito provável que desenvolva câncer de pele. Não é só o vírus que é sensível à radiação ultravioleta do sol, sua pele também é.”

O Comprova já fez verificações relacionadas ao distanciamento social, como a que apresenta somente parte de uma entrevista do governador de Nova York para afirmar que o isolamento foi em vão e a que trata sobre uma pesquisa de Harvard que teria concluído que isolamento seria capaz de piorar a pandemia.

Vitamina D

Estudos já mostraram que a exposição ao sol é fonte de vitamina D. Entretanto, segundo as pesquisas, a falta de vitamina D está relacionada à resposta imune do organismo ou a problemas respiratórios. Isso não quer dizer que sua presença seria suficiente para eliminar o novo coronavírus. Os estudos não são conclusivos, apenas estabelecem correlação, não causa e efeito.

“O que existe é uma associação de quadros mais graves (de covid-19) em pessoas com baixa quantidade de vitamina D”, pontua o infectologista Eduardo Sprinz.

“As vitaminas são essenciais para o bom funcionamento do sistema imune, mas não há comprovação de que a vitamina D seja mais importante do que outras”, complementa a professora Ana Claudia Franco.

A vitamina D envolve dois compostos: D2 e D3, obtidos principalmente com a exposição à luz solar. Para que corpo seja capaz de produzir essas substâncias da maneira correta, o ideal é que tronco, braços e pernas recebam raios de sol, sem filtro solar, por cerca de 15 minutos por dia.

A deficiência de vitamina D é comumente ligada a problemas ósseos, mas recentemente também tem aparecido como relacionada a dificuldades pulmonares. Uma pesquisa de 2018 apontou que a falta da vitamina D é capaz de influenciar no mau funcionamento respiratório e na saúde de adultos de meia-idade.

Uma publicação feita em 28 de agosto por endocrinologistas e pneumologistas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) pontua que “dados clínicos mostram benefícios na prevenção de infecções respiratórias e melhora da função pulmonar quando pacientes com deficiência de vitamina D são suplementados. No momento da redação deste artigo, não havia dados publicados sobre a suplementação de vitamina D para pacientes com covid-19.”

Em outro trecho, afirma que a “prevenção de infecções respiratórias e a melhora da função pulmonar são benefícios adicionais observados quando a deficiência de vitamina D é tratada. Até agora, qualquer efeito protetor da vitamina D especificamente contra covid-19 grave permanece obscuro.”

O autor do post

O conteúdo investigado foi encontrado no perfil @AlanLopesRio no Twitter e também em um perfil com o mesmo nome no Facebook. O mesmo homem aparece nas fotos de perfil e de capa das duas redes sociais e as postagens têm praticamente os mesmos conteúdos. Ambas também contêm indicações ao “Movimento Direita Inteligente”. Na descrição da página do movimento encontram-se os dizeres “conservador nos costumes e liberal na economia” e o destaque do apoio de mais de 14 anos ao presidente Jair Bolsonaro, ex-deputado federal.

No Twitter, além da postagem em que o autor do perfil afirma que “o fica em casa” é uma fraude, há outros conteúdos que desacreditam a gravidade da emergência sanitária e disseminam informações falsas. Em um deles, ele comenta uma imagem de uma aglomeração em uma praia carioca com a legenda “O Rio de Janeiro finalmente acordou!”. Evitar aglomerações é uma das recomendações das principais autoridades de saúde do mundo para evitar a transmissão do novo coronavírus.

Em outra postagem, o perfil defende o uso da cloroquina para pacientes com o novo coronavírus. Ele diz que a atriz Camila Pitanga fez uso do medicamento, insinuando que ela apresentou sintomas da covid-19, e afirma que a mídia, os governadores, os prefeitos e o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, “fizeram uma propaganda genocida contra o medicamento e impediram o povo de se salvar”.

Lopes omite que a atriz, na verdade, contraiu malária – cujo tratamento padrão é realizado com a cloroquina. Pitanga, em entrevista à TV Globo, afirmou ter tido seu nome vinculado à desinformação nas redes sociais. Conteúdos alegavam que a atriz estava com a covid-19 e fez uso do medicamento. À época, as agências Aos Fatos e Lupa verificaram algumas dessas postagens, mostrando se tratar de conteúdos falsos. Até o momento, apesar de eficaz contra a malária, não existem evidências científicas robustas que atestem a eficácia da cloroquina no tratamento de pacientes com o novo coronavírus.

Nas páginas, há também um vídeo em que o autor do tuíte investigado pelo Comprova anuncia sua pré-candidatura a vereador no Rio de Janeiro sem, no entanto, indicar por qual partido. Com o adiamento das eleições municipais de 2020, o prazo para registo de candidaturas foi estendido para o dia 26 de setembro. Lopes não respondeu aos contatos do Comprova.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova monitora e verifica conteúdos suspeitos que circulam nas redes sociais sobre políticas públicas do governo federal, eleições municipais e a pandemia de covid-19.

Postagens falsas ou enganosas envolvendo o novo coronavírus causam ainda mais danos nas redes sociais porque podem colocar a saúde das pessoas em risco. É o caso do conteúdo em questão que, ao propagar uma informação sem embasamento científico sobre uma doença contra a qual não há vacina nem tratamento eficaz, pode incentivar o descumprimento das recomendações das principais autoridades sanitárias do mundo para o controle da pandemia.

Até a data de publicação deste texto, a postagem de @AlanLopesRio somava mais de 16 mil interações no Twitter. No Facebook, a publicação tinha sido compartilhada 315 vezes.

Não é a primeira vez que conteúdos sugerindo tratamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus viralizam nas redes sociais. O Comprova já verificou conteúdos falsos e enganosos sobre a ozonioterapia, ivermectina, hidroxicloroquina e sobre o chamado tratamento precoce contra a covid-19. Em junho, o Coletivo Bereia checou um conteúdo similar à postagem objeto desta verificação, concluindo ser enganoso.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-09-08

Post confunde ao comparar letalidade da covid-19 com outras doenças

  • Enganoso
Enganoso
Tweet que minimiza a pandemia esconde que tanto a mortalidade quanto o total de óbitos e de casos diagnosticados da doença provocada pelo novo coronavírus são altos
  • Conteúdo verificado: Post no Twitter afirma que o tratamento ou a vacina contra febre amarela, dengue, tuberculose, aids e sífilis não são obrigatórios e que por isso a vacina contra covid-19 não deveria ser compulsória. A publicação cita que a “taxa de morte” do novo coronavírus é baixa.

Um tuíte viral faz uma comparação enganosa entre os índices de mortes da covid-19 e os de febre amarela, dengue, tuberculose, aids e sífilis para minimizar os impactos da doença causada pelo novo coronavírus. De fato, a letalidade (razão entre número de mortes e o total de pacientes) da covid-19 é menor do que as de febre amarela, tuberculose e aids, mas outros indicadores – como mortalidade (mortes em relação ao total da população) e o total de óbitos e de casos diagnosticados – são muito maiores para a covid-19, fazendo com que a doença seja tratada como uma emergência no mundo todo.

O tuíte analisado compara diferentes doenças para questionar a possível obrigatoriedade de uma vacina contra o novo coronavírus. Apesar de ainda não existir um imunizante aprovado contra a covid-19, a possibilidade de vacinação compulsória está prevista em lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em fevereiro. Além disso, duas das doenças citadas – febre amarela e tuberculose – têm vacinas disponíveis. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece a obrigatoriedade da vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

É importante destacar ainda que as enfermidades mencionadas no tuíte têm formas de transmissão bastante diferentes, o que dificulta a comparação entre elas. Apenas na tuberculose o contágio é por via aérea, como na covid-19. Febre amarela e dengue têm transmissão por vetores contaminados (mosquitos). Já aids e sífilis podem ser transmitidas por sexo desprotegido ou de mãe para filho, durante a gestação, entre outras formas.

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Como verificamos?

O Comprova buscou dados de números de mortes, casos diagnosticados e outros indicadores relevantes das doenças citadas no portal do Ministério da Saúde. Os boletins epidemiológicos mais recentes estão disponíveis neste link. O site do Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis também foi fonte de informações adicionais.

A reportagem também consultou o DataSUS, ferramenta de estatísticas do Ministério da Saúde, para obter dados de morbidade hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS). Os números consolidados mais recentes disponíveis nessa plataforma são de 2018.

Por fim, conversamos por telefone com Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), e com Fernando Carvalho, epidemiologista da Universidade Federal da Bahia (Ufba), para contextualizar os números consultados.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 8 de setembro de 2020.

Verificação

Letalidade da covid-19

A taxa de letalidade da covid-19 no Brasil, de 3,4%, realmente é baixa em comparação com a da febre amarela, da aids e da tuberculose. No entanto, o número de casos confirmados é muito maior do que o número de diagnósticos das outras doenças citadas. De acordo com especialistas ouvidos pelo Comprova, os mais de 4 milhões de infectados pelo novo coronavírus fazem com que ela seja mais preocupante que a febre amarela, por exemplo, que possui uma vacina obrigatória no calendário de vacinação do ECA, e, mesmo com uma taxa de letalidade de 16,7%, registrou apenas 18 casos entre julho de 2019 e maio de 2020, com três mortes.

“A covid ainda é uma doença nova para nós e que a gente ainda está aprendendo, mas, ao mesmo tempo, nós temos 4 milhões de pessoas infectadas no Brasil e mais de 120 mil mortos. Então, a gente não pode desprezar, como sendo uma doença sem repercussão. Pode até, comparada com outras, ter uma letalidade menor, mas com esse número tão grande de pessoas infectadas, uma letalidade que pode não ser tão grande se transforma em um absurdo como esse que a gente tem”, explica Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

“Fica difícil comparar letalidade por letalidade. Por exemplo, febre amarela é uma doença que tem uma letalidade bem mais alta, mas esse ano tivemos 18 casos no Brasil com três óbitos. Então, não dá para comparar com 4 milhões de casos, mesmo com a letalidade mais baixa. Os números que a gente tem são incomparáveis com qualquer uma dessas aí, tanto tuberculose, aids, febre amarela. Qualquer uma delas a gente não consegue comparar esses números”, prosseguiu.

Diferenças entre as doenças citadas

A covid-19 é uma doença nova: os primeiros casos foram registrados na China em dezembro de 2019. Ainda não há vacina ou tratamento reconhecidamente eficaz contra o novo coronavírus.

A aids é uma doença causada pelo vírus HIV, que ataca o sistema imunológico. A transmissão ocorre por sexo sem proteção, uso compartilhado de seringas, transfusão de sangue ou de mãe para filho, durante a gravidez. O tratamento, disponível gratuitamente no SUS, é feito com medicamentos antirretrovirais, que impedem a multiplicação do vírus no organismo.

A estimativa mais recente do Ministério da Saúde é que, ao final de 2018, havia 900 mil pessoas vivendo com HIV no país. Dessas, 85% estavam diagnosticadas, 81% estavam vinculadas a algum serviço de saúde e 66% faziam uso dos medicamentos antirretrovirais.

Ainda segundo o ministério, a política pública de combate ao HIV/Aids nas últimas três décadas tem se baseado na universalização do acesso à terapia antirretroviral, na testagem em massa nos serviços públicos, especialmente para as populações-chave, e na campanha de conscientização sobre prevenção.

Assim como a aids, a sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST). Uma das formas mais importantes de prevenção é o uso de camisinha masculina ou feminina. A infecção é causada por uma bactéria chamada Treponema pallidum e é curável, com uso da penicilina benzatina (benzetacil).

A sífilis congênita é transmitida para a criança durante a gestação e pode causar uma série de complicações. Por isso, é importante que a mulher faça o exame de sífilis durante o pré-natal para começar o tratamento. O Ministério da Saúde estimula a testagem e o uso de preservativo como forma de prevenção.

A dengue, por sua vez, é causada por um arbovírus, transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti. Não existe um tratamento específico para essa doença — em geral, a assistência médica é feita de forma a aliviar os sintomas, com repouso e hidratação. Na maioria dos casos, há cura espontânea depois de 10 dias.

A política do Ministério da Saúde contra dengue gira em torno do combate ao mosquito transmissor: tanto no trabalho de campo contra o Aedes como na conscientização da população sobre as formas de eliminá-lo.

Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou o uso da vacina Dengvaxia (CYD-TDV) para o combate à dengue. A imunização é voltada para pessoas de 9 a 45 anos. Além dela, o Instituto Butantan entrou na terceira fase de testes de uma outra vacina. Essa etapa deve terminar em 2024.

A febre amarela também é causada por um vírus transmitido pela picada de mosquitos (dos gêneros Haemagogus e Sabethes em áreas silvestres e do Aedes aegypti em áreas urbanas). Em geral, ocorre em surtos de forma sazonal, de dezembro a maio. A vacina contra febre amarela, disponível no Calendário Nacional de Vacinação, protege contra a infecção durante a vida toda.

Em março deste ano, o Ministério da Saúde iniciou uma campanha de vacinação contra a febre amarela em seis estados. “A febre amarela apresenta alta letalidade, por isso é importante que a população atenda aos alertas dos serviços de saúde para vacinação, e desta forma prevenir a ocorrência de casos, óbitos e surtos de maior magnitude. A vacina é segura e altamente eficaz (acima de 95%)”, disse, em nota oficial, Rodrigo Said, coordenador-geral de vigilância em arbovirose do Ministério da Saúde.

Além da vacinação, o Ministério da Saúde também aposta na vigilância de primatas não-humanos que possam carregar o vírus causador da doença.

A tuberculose é a única entre as doenças citadas no tuíte analisado que é transmitida pelo ar, assim como a covid-19. Diferentemente da doença causada pelo novo coronavírus, a tuberculose tem cura. O tratamento dura seis meses e está disponível gratuitamente no SUS.

A infecção é causada pelo bacilo de Koch e geralmente afeta os pulmões, mas pode atingir outros órgãos. A vacina BCG, também ofertada no Calendário Nacional de Vacinação, protege as crianças das formas mais graves da doença.

Em 2017, o Ministério da Saúde lançou o Plano Nacional de Combate à Tuberculose, baseado em pilares definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) — entre as ações previstas, estão o incentivo à testagem e ao tratamento continuado até o fim.

Movimento antivacina

A onda antivacina que tem tomado o mundo preocupa os profissionais de saúde. Em pesquisa recente feita pelo Datafolha, 9% dos entrevistados disseram que não tomariam a vacina da covid-19 quando ela estivesse disponível, 89% disseram que tomariam e 3% não souberam responder.

“O movimento antivacina é algo que você não consegue discutir, porque é mais ideológico, ele não consegue fazer uma discussão com base na ciência. Mas a gente tem o grupo dos hesitantes, que são aqueles que estão na dúvida sobre a vacina, ou por causa da eficácia, ou da segurança, ou têm medo dos eventos adversos. Essas declarações antivacina podem impactar esse grupo que, em geral, a ciência sempre consegue responder o que ele quer saber”, salienta Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.

O epidemiologista Fernando Carvalho acredita que, mesmo com o movimento antivacina, a procura para ser vacinado ganhará força na população.

“Com uma doença como a covid, é importante que grande parte da população seja vacinada, principalmente aqueles que não tiveram contato com a doença. Como a gente não sabe se a doença deixa imunidade duradoura, então vai ser uma vacinação, ao que tudo indica, para os grupos de risco, os idosos, pessoas com comorbidade, pessoal de saúde. Não tenha dúvida de que, quando abrir a vacinação, vai ter candidatos em massa. Somente os malucos que estão querendo criar um clima”, disse.

O debate sobre a obrigatoriedade da vacina voltou a ser assunto depois que o presidente Jair Bolsonaro disse que ninguém seria obrigado a se vacinar. A opinião foi corroborada pela Secretaria de Comunicação do Governo Federal (Secom), em posts nas redes sociais, e pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

“O que é que eu posso dizer: está errada essa afirmativa do presidente de que ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina. Pode, por lei pode. É recomendável, inclusive, que as pessoas tomem para não se prejudicar a si e aos outros. Inclusive, a lei vem, principalmente, por causa dos outros. A saúde é pública, não é do cidadão libertário individual”, prossegue Carvalho.

Como o Comprova mostrou, a lei nº 13.979/20, de iniciativa do governo federal e sancionada por Bolsonaro, prevê a obrigatoriedade da vacinação enquanto seguir o estado de calamidade pública.

O autor do tuíte

O tuíte analisado foi publicado pelo perfil @canalCCore2, que tem 39,5 mil seguidores. Esse usuário faz postagens frequentes de apoio a Jair Bolsonaro e de divulgação de uma rede social para conservadores.

Procurado pelo Comprova, ele argumentou que o tuíte analisado expressava sua opinião. “Usei essas doenças como exemplos de coisas que matam, sempre mataram, e ninguém nunca ligou”, disse.

Ele citou uma reportagem do Estadão de janeiro de 2018 sobre um surto de febre amarela, que informava que o índice de letalidade da doença em São Paulo naquela ocasião era de 40%. Entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, foram registradas 81 mortes por febre amarela no país.

Por que investigamos?

A terceira fase do Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas e à pandemia do novo coronavírus. Conteúdos enganosos sobre a covid-19 são perigosos porque podem custar vidas. Até 8 de setembro, mais de 127 mil pessoas morreram no Brasil por causa da doença.

A vacina é a maneira mais eficiente de imunizar a população. Postagens como a verificada levantam conspirações que não possuem embasamento científico. Isso pode levar as pessoas a optar por não se vacinarem, mesmo com uma possível obrigatoriedade.

A postagem verificada teve mais de 4,6 mil interações até o momento da publicação deste texto.

O Comprova já fez outras verificações envolvendo a vacina para a covid-19. Uma delas afirmava que a vacina causaria danos irreversíveis ao DNA, o que não é verdade. Outra mostrou que é falso que um projeto de lei previsse a prisão para quem se recusasse a ser vacinado.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-09-05

É falso que testes são manipulados e pandemia é uma farsa

  • Falso
Falso
Vídeo publicado no YouTube e no Instagram divulga alegações falsas sobre a pandemia, sobre validade de testes e sobre notificações erradas nos EUA
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no Instagram e no YouTube e que trata a pandemia como farsa e fala de manipulação de testagens e fraudes em notificações nos EUA

O Comprova investigou o conteúdo de um vídeo postado por uma mulher em seus perfis no Instagram e no YouTube nos quais ela denuncia uma suposta “farsa” na pandemia de covid-19 e uma alegada manipulação de dados. Essas afirmações não são verdadeiras. A pandemia existe e já matou mais de 870 mil pessoas no mundo – só de pessoas infectadas foram mais de 26,4 milhões, segundo a universidade Johns Hopkins. Apenas no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, foram mais de 124 mil óbitos e cerca de 4 milhões de infectados até a publicação deste texto.

A mulher, que se apresenta como sendo Karina Michelin, diz no vídeo que a farsa acontece por causa da manipulação dos testes. Ela engana ao questionar a validade dos exames e dizer que há “muita controvérsia e resultados falsos”. Por ser uma doença nova e a pandemia, uma situação sem precedentes na história recente, há discussões em curso sobre a melhor forma de utilizar e divulgar os testes, mas “não há manipulação”, como diz Luiz Fernando Barcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (Sbac).

“No início da pandemia, os testes não tinham a eficácia que gostaríamos, mas melhoraram muito e estão atendendo perfeitamente bem”, afirma ele. Barcelos alerta para outros fatores que vão na contramão do que Karina afirma e que confirmariam números da covid-19 no Brasil ainda maiores: “Além de testarmos pouco, grande parte dos assintomáticos não entra no bolo dos quase 4 milhões de infectados no país [por não fazerem o exame]”.

A mulher também erra ao afirmar que os Estados Unidos contam, entre os casos positivos, pessoas que não foram testadas para a covid-19. O artigo que ela mostra na gravação, do Center for Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, é claro ao informar que o caso só será confirmado positivo se “atender a evidências laboratoriais”.

Outra desinformação que o vídeo traz é sobre “essa mania de contar mortes de acidentes de trânsito como covid-19”, que, segundo a autora, “parece que virou moda e está se espalhando pelo mundo”. Ela conta sobre uma pessoa que morreu em um acidente de moto na Flórida e entrou para as estatísticas do novo coronavírus e ilustra com uma reportagem do site Fox 35 sobre o assunto. Mas Karina omite uma informação importante, que está no início do texto: dois dias depois da publicação da matéria da Fox 35, em 18 de julho, o óbito foi retirado da lista de vítimas da pandemia.

O Comprova tentou contato com Karina Michelin, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

O primeiro passo foi transcrever o vídeo e buscar os links das reportagens que ela mostra na gravação. Também entramos em contato com a autora do vídeo por meio de mensagem no Instagram – foram três tentativas, sem resposta.

Para checar a veracidade das afirmações, buscamos no Google artigos publicados nos órgãos oficiais citados por ela e, também por meio de pesquisas no Google, encontramos publicações importantes e reportagens sobre testes mundo afora.

Por último, por telefone, entrevistamos Luiz Fernando Barcelos, presidente da Sbac, para que ele comentasse o argumento de Karina sobre a “manipulação dos testes”.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de setembro de 2020.

Verificação

Os testes usados no Brasil

No Brasil, atualmente, há dois tipos de testes utilizados: os moleculares, também conhecidos como PCR ou RT-PCR, e os sorológicos ou rápidos.

O PCR é considerado o teste mais preciso. Ele diagnostica a presença do material genético do vírus no organismo a partir de amostras de secreções do nariz ou da garganta coletadas por um instrumento chamado “swab”, um tipo de cotonete. Esse teste é realizado entre o terceiro e o décimo dia do aparecimento de sintomas no paciente e pode levar dias para apresentar o resultado.

Já os testes rápidos mostram, a partir de uma amostra de sangue, se a pessoa já teve contato com o vírus no passado. Eles detectam os anticorpos produzidos no organismo em resposta à infecção. Essa proteção natural do organismo leva cerca de 15 dias para se formar, o que faz com que o teste sorológico seja indicado a partir do décimo dia após o início dos sintomas. Em vez de identificar quem está com a doença ativamente, esse tipo de teste é mais útil para descobrir quem já teve a covid-19. E há um certo nível de imprecisão nesses testes, podendo dar positivo para outros tipos de coronavírus que já circulavam.

Especialistas afirmam que desenvolver um teste sorológico com 99% de especificidade para a covid-19 demoraria anos. Esses testes apresentam falsos resultados negativos em 15% dos casos e falsos resultados positivos entre 1% e 5% das vezes em que é usado (leia mais em “Sem manipulação”).

Segundo o Ministério da Saúde, até abril, os dados oficiais de casos de covid-19 no país eram baseados nos testes PCR. Desde então, a contagem passou a incluir testes rápidos, que se tornaram maioria a partir de maio. Até o final de agosto, 8 milhões de testes rápidos foram distribuídos, dentre os 14,4 milhões no total, contando os do tipo PCR. O governo federal havia prometido entregar 46,2 milhões de exames de vários tipos, mas alcançou apenas 28% da meta até o fim de julho. Desses, 24,2 milhões são do tipo PCR.

Idealmente, o PCR deveria ser utilizado em massa – assim, seria possível identificar com mais precisão os doentes ativos para a elaboração de políticas públicas de combate à pandemia. Porém, como Luiz Fernando Barcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas, afirma, “não há dinheiro nem recurso tecnológico para isso, então, faz-se o que é mais adequado”. A mistura dos dois testes nos dados oficiais dificulta o monitoramento correto da evolução da doença e, isso, para a microbiologista Natália Pasternak, causa um “caos epidemiológico”, conforme ela escreveu em um texto em parceria com o jornalista Carlos Orsi no site do Instituto Questão de Ciência.

Nos Estados Unidos, epidemiologistas também criticam a mistura de testes nos dados oficiais, questionando o CDC e a impossibilidade de interpretar dados sem essas especificações. Em entrevista ao jornal The Atlantic, Ashish Jha, professor de Saúde Global e diretor do Instituto de Saúde Global de Harvard, afirmou que, ao misturar testes sorológicos e PCR, vão “levar para baixo a taxa de positivos de maneira bastante dramática”.

Apesar das discussões sobre os testes, diferentemente do que Karina afirma, os cientistas e pesquisadores declaram que não há manipulação – ou mesmo tentativa disso – nos testes e seus dados. “A doença é muito nova. É quase nada para a história de uma doença”, diz Barcelos.

Testes nos Estados Unidos

Karina diz que o CDC introduziu em abril uma nova definição para a covid-19 e que essa mudança “produziu os primeiros resultados em junho até a atual explosão de casos nos Estados Unidos”. No momento em que ela fala sobre isso, o vídeo mostra um texto da página do CDC, e ela continua: “Se analisarmos bem o documento, (…) de acordo com a nova definição do CDC, para que um caso seja definido como covid-19 não é necessário nem mesmo testar positivo, basta que seja provável”. Isso não é verdade. O artigo que ela traz na gravação é bem claro ao informar que o caso só será confirmado positivo se “atender a evidências laboratoriais”.

Em julho, os Estados Unidos já haviam testado 44 milhões de habitantes – como comparação, no Brasil, onde a primeira morte ocorreu mais tarde, haviam sido 4,5 milhões.

Recentemente, em 24 de agosto, um dia antes do vídeo de Karina, o órgão publicou uma mudança. Até então, a recomendação era fazer teste em caso de contato próximo com pessoas infectadas, mas passou a ser outra: “Se você teve contato (de pelo menos 1,8 metro) com uma pessoa infectada por covid-19 durante pelo menos 15 minutos, mas não apresenta sintomas, não necessariamente precisa de um teste, a menos que seja uma pessoa vulnerável ou que seu médico, seu estado ou seus profissionais de saúde pública locais o recomendem”. De qualquer forma, isso também não confirma as declarações de Karina.

Sem manipulação

A Sociedade Brasileira de Análises Clínicas é um dos órgãos que, com com outras entidades, realiza a avaliação de kits de diagnóstico para o SARS-CoV-2, nome científico do novo coronavírus, disponíveis no mercado brasileiro. Em contato com o Comprova, o presidente da associação, Luiz Fernando Barcelos, explicou que não se pode falar em manipulação. Os testes passam por um processo de controle da Anvisa e atendem “perfeitamente bem” ao que se propõem: avaliar a presença ou a ausência do novo coronavírus no organismo.

Ele atribuiu os “falsos negativos” à situação em que a pessoa está infectada, mas seu exame não acusa a presença do vírus pois ela foi testada antes de ter uma quantidade detectável de anticorpos. Segundo Barcelos, “há uma confusão” sobre isso, já que a janela imunológica leva de 10 a 14 dias e deve ser respeitada. “Isso acontece com muita frequência, porque as pessoas, de forma geral, ficam muito estressadas e atropelam esses prazos. Então, não devemos chamar de falsos negativos, pois foram feitos na hora em que a pessoa não apresentava a doença.”

Já os “falsos positivos”, sobre os quais Karina comenta, não são comuns. Segundo Barcelos, o Brasil testa muito pouco e, como muitas pessoas são infectadas, mas permanecem assintomáticas, o número de casos é muito maior do que o informado. Para ele, é um erro falar que a pandemia é uma farsa, como diz Karina em seu post.

Sobre esse tema, Karina Michelin faz referência a um artigo de março de 2020 em chinês: “se é verdade que um dos primeiros artigos científicos que testou os primeiros testes concluiu que o mesmo produziu 80,3% de falsos positivos, esse teste já nasceu falso”, diz a apresentadora. Depois, afirma: “O que causa aí uma certa estranheza é que a revista chinesa que publicou o artigo decidiu retirá-lo logo em seguida, né?”

De fato, um artigo foi publicado em março com o título “Potential false-positive rate among the ‘asymptomatic infected individuals’ in close contacts of COVID-19 patients” (em tradução livre, “Taxa de falsos positivos potencial entre indivíduos infectados assintomáticos em contato próximo com pacientes com covid-19”). Esse estudo não está mais disponível e o motivo dessa alteração está claro na página da publicação.

A justificativa do editor responsável é que o texto foi amplamente discutido após sua pré-publicação. “Leitores criticaram principalmente os resultados do artigo e as conclusões, que dependiam de deduções teóricas, mas não em dados epidemiológicos de campo, e que outras pesquisas seriam necessárias para provar essa teoria”, afirmou o editor. Assim, o conselho editorial responsável pelas listas de pré-publicações decidiu deixar o artigo offline. Ou seja, diferentemente do que Karina Michelin dá a entender, o artigo foi retirado do ar por sua metodologia ter sido criticada pela comunidade científica, o que põe em dúvida, consequentemente, seus resultados.

A autora do vídeo

Em seu Instagram, Karina Michelin se define como “jornalista curiosa, cheia de dúvidas; atriz e apresentadora; poeta; em constante evolução”. Segundo seu perfil no LinkedIn, ela é produtora e apresentadora do programa de TV Miami Lifestyle. Em 2006, Karina venceu a edição do Miss Italia nel Mondo, que elege a descendente de italianos mais bonita.

No Facebook, onde mantém um perfil aberto, já publicou vídeos e textos questionando atitudes adotadas em meio à pandemia e recomendações feitas pela Organização Mundial da Saúde. Em julho, o Comprova classificou como enganoso um vídeo em que ela comparava, erroneamente, pesquisadores que estudam a covid-19. Ela também compartilhou um texto segundo o qual a OMS teria declarado que a transmissão da doença a partir de assintomáticos é “muito rara”, afirmação que, como o Estadão investigou, foi distorcida.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois podem custar vidas.

Karina – que, como informado anteriormente, já apareceu em uma verificação do Comprova –, coloca a saúde das pessoas em risco ao dizer que a pandemia é uma farsa. O post investigado agora tinha quase 18 mil visualizações no Instagram e 549 no YouTube até 4 de setembro.

Outras verificações que tentam desacreditar as estatísticas e as ações dos governos e das autoridades sanitárias já foram publicadas pelo Comprova, como a do médico que usou dados enganosos ao sugerir uma conspiração sobre a covid-19, a do assessor de Bolsonaro que utilizou informação desatualizada para insinuar fraude no registro de óbitos e a dos posts que distorciam dados para negar as mortes.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original.

Saúde

Investigado por: 2020-09-04

Projeto de lei não prevê prisão para quem se recusar a tomar vacina contra a covid-19

  • Falso
Falso
O que o projeto de lei em tramitação na Câmara propõe é a definição de uma lista de pessoas prioritárias para uma possível campanha de imunização. A possibilidade de adoção de vacinação obrigatória contra covid-19 já está prevista em lei sancionada pelo presidente da República em fevereiro
  • Conteúdo verificado: Post no Facebook afirma que um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados quer obrigar as pessoas a tomarem a vacina contra a covid-19, sob pena de serem detidos por até um ano.

É falso um post que afirma que o projeto de lei nº 3.982/20, protocolado pelo deputado federal Wolney Queiroz (PDT-PE) em 29 de julho de 2020, torne obrigatória a vacinação para covid-19. O PL prevê uma lista de pessoas prioritárias para uma possível campanha de imunização e sujeita o descumprimento das regras ao crime de “infração de medida sanitária preventiva”, descrito no Código Penal.

A proposta de Queiroz acrescenta artigos a uma lei que já prevê a possibilidade de que a vacinação contra a covid-19 seja compulsória. Ela foi apresentada pelo próprio governo federal e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro. Segundo o texto, a decisão se a vacina deve ou não ser obrigatória cabe às autoridades de saúde. O Ministério da Saúde já informou que não tornará a vacina compulsória.

Especialistas em Direito ouvidos pela reportagem confirmaram que a proposta que tramita na Câmara não torna obrigatória a imunização. Dessa forma, as penas previstas no Código Penal para o crime de infração de medida sanitária preventiva só poderão ser aplicadas caso as autoridades assim determinarem.

Ao Comprova, o deputado Wolney Queiroz disse que o objetivo do projeto é, apenas, definir uma lista de prioridade para a vacinação, considerando que milhões de pessoas devem querer se imunizar. Segundo o deputado, a punição valeria para agentes públicos que descumprissem a ordem de prioridade para beneficiar algum conhecido.

O autor da postagem, o cantor gospel Sérgio Lopes, afirmou que após contato com a equipe do Comprova, fez pesquisas na internet e reconheceu que a postagem era falsa. Sérgio pediu desculpas pelo ocorrido e solicitou que sua assessoria retirasse o conteúdo das redes sociais (Instagram e Facebook).

Como verificamos?

O Comprova buscou o projeto de lei original no site da Câmara dos Deputados. A reportagem entrou em contato com a Casa para saber sobre a tramitação do PL. Também falamos com o autor do texto para saber mais detalhes.

Em paralelo, o Comprova também entrevistou por WhatsApp três advogados sobre o argumento do post de que o “PL quer tornar a vacinação contra covid-19 obrigatória” e eles deram sua avaliação sobre o assunto.

Também entramos em contato com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), que publicou uma nota oficial intitulada “declarações sobre a obrigatoriedade da vacinação no Brasil”.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de setembro de 2020.

Verificação

O projeto de lei

O PL foi protocolado em 29 de julho de 2020. Ele acrescenta trechos à lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, de autoria do Governo, para “estabelecer procedimentos e ordem de prioridade para vacinação contra a covid-19”.

A redação original determina que o Ministério da Saúde distribua gratuitamente a vacina em até 15 dias após a aprovação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “segura e eficaz”. Também estabelece a seguinte ordem de prioridade para a imunização: profissionais da saúde, idosos, pessoas com doenças do grupo de risco, profissionais de escolas e de atendimento ao público, jornalistas e pessoas saudáveis de idade inferior a 60 anos.

O PL ainda prevê que “o descumprimento das medidas elencadas” será considerado “infração de medida sanitária preventiva”. Este é um dos crimes contra a saúde pública previstos no Código Penal. Na prática, estipula pena de detenção, de um mês a um ano, e multa para quem “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.

Até o dia 4 de setembro, a proposta só foi apresentada à Mesa Diretora e não recebeu nenhum encaminhamento. As comissões temáticas da Câmara estão com as atividades paralisadas por causa da pandemia. Sem o parecer das comissões, é necessária a aprovação de um requerimento de urgência para que a proposição seja apreciada pelo Plenário da Câmara, que está funcionando de forma virtual.

O que diz o autor

Em conversa com o Comprova, o deputado federal Wolney Queiroz disse que o objetivo do projeto de lei é estabelecer uma regra definindo quem terá preferência na vacinação, com a suposição de que grande parte da população deva buscar essa imunização contra o novo coronavírus. Segundo o parlamentar, ele nunca pensou na hipótese de que as pessoas sejam obrigadas a se vacinar e esse não é o intuito do projeto de lei apresentado.

“Meu projeto, em hora nenhuma, quer obrigar ninguém a nada. O meu espírito é apenas de dar essa preferência no uso da vacina. Quem não quiser se vacinar, eu não fiz com essa preocupação. Eu mesmo não sei se vou me vacinar. Só imaginei que milhões de pessoas iam querer tomar a vacina no mesmo dia, no mesmo mês, e não teria para todo mundo. Aí, escolhi priorizar os mesmos grupos que já são escolhidos em outras vacinações, como a da gripe, por exemplo. A vacina da gripe tem critérios para ela. No entanto, ninguém é obrigado a se vacinar contra a gripe”, explicou.

De acordo com Queiroz, o projeto de lei prevê a detenção apenas para quem tentar beneficiar alguém que não se encaixa na prioridade para vacinação do momento. “O objetivo da sanção era para o agente público que descumprisse o critério e quisesse proteger um conhecido. Um secretário de saúde que quisesse proteger um político, um cara famoso ou um cara rico, e quer colocar alguém de 18 anos para tomar a vacina na frente dos velhinhos do povo pobre porque o cara tem uma posição social, tem dinheiro, ou porque deu R$ 50 lá para furar a fila da vacina. É para esse tipo de gente, para o agente público, esse é o objetivo da lei. Fico perplexo como é que isso tomou um volume e um entendimento tão diverso daquele com o qual eu estava inspirado”, justificou.

O deputado lembrou ainda que o artigo 268 do Código Penal tem um parágrafo que trata especificamente dos funcionários da saúde pública e de profissionais de saúde que tentem infringir uma determinação que busque conter a propagação de doença contagiosa.

O que dizem os especialistas

Em entrevista ao Comprova, o mestre em Processo Penal Daniel Bialski, explica que as leis têm o princípio da “taxatividade”. Isso quer dizer que só se poderia dizer que o PL torna a imunização obrigatória caso a obrigatoriedade estivesse expressamente escrita. “O legislador, quando impõe qualquer criação de nova ou retificação de norma já existente, precisa ser absolutamente claro nisso. Teria que implementar a lei prevendo, por exemplo, ‘quando disponível a vacina, ela também passa a ser item obrigatório’”, explicou Bialski.

São as autoridades competentes que poderão determinar, ou não, a compulsoriedade da vacina, bem como a amplitude dessa eventual obrigatoriedade, afirmou ao Comprova, a especialista em direito administrativo Cecilia Mello. “Portanto, a penalidade prevista no PL somente terá incidência em relação à vacina se essa se tornar obrigatória”, disse.

O texto do PL fala dos deveres do poder público quanto à distribuição do imunizante, pontua Fernanda Tórtima, advogada criminalista. Ela ainda ressalta que o texto em vigor da Lei nº 13.979/2020 determina apenas que as autoridades competentes poderão adotar medida de vacinação compulsória. “Não é possível extrair do texto legal, nem daquele já em vigor, nem do que poderá alterar a lei vigente, a conclusão de que a vacinação passará a ser compulsória.”

Vacinas são obrigatórias?

A Sociedade Brasileira de Imunizações publicou nota reiterando seu posicionamento em favor da vacinação e lembrando que a imunização já é obrigatória em alguns casos previstos em lei, cabendo punição em caso de desobediência: “É dever das autoridades públicas e dos profissionais da saúde conscientizar a população acerca da importância da vacinação, independentemente da obrigatoriedade, sob pena de vivermos retrocessos como a volta do sarampo devido às baixas coberturas vacinais. [A SBIm] Entende também que é dever de cada pessoa buscar a vacinação com o objetivo não apenas da proteção individual, mas também coletiva. É essencial lembrar que o artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) define a obrigatoriedade da vacinação para este grupo, cabendo a aplicação de penalidades pelo descumprimento”

Lei assinada por Bolsonaro já prevê obrigatoriedade

Também conhecida como “Lei do Coronavírus”, a lei nº 13.979 assinada em 6 de fevereiro de 2020 foi proposta pelo governo e sancionada por Bolsonaro. O artigo 3º diz que “para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: I – isolamento; II – quarentena; III – determinação de realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou e) tratamentos médicos específicos.”

O Ministério da Saúde, no entanto, já antecipou que não irá adotar a compulsoriedade da vacina contra a covid-19 mas que irá incentivar a imunização.

Uma das postagens investigadas e com o maior número de compartilhamentos foi a do cantor gospel Sérgio Lopes, que afirmou que fez a publicação a partir do que havia visto nos stories de um dos seguidores. Após contato com a equipe do Comprova, ele disse ter feito pesquisas na internet e reconheceu que a postagem era falsa. Sérgio pediu desculpas pelo ocorrido e solicitou que sua assessoria retirasse o conteúdo das redes sociais (Instagram e Facebook).

Por que investigamos?

O Projeto Comprova checa conteúdos virais nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19 e também sobre políticas públicas. Publicações duvidosas enfraquecem a confiança da população em autoridades sanitárias e dificultam os esforços oficiais de combate à doença. O post analisado teve mais de 1,5 mil interações no Facebook, segundo a plataforma de monitoramento CrowdTangle, até a publicação deste texto.

Ainda não há substância ou medicamento que seja capaz de prevenir a contaminação pelo novo coronavírus. Por isso, a vacinação é a única alternativa para salvar vidas e permitir à população retomar as atividades econômicas de forma segura.

Esta não é a primeira vez que as candidatas a vacina para a covid-19 foram alvo de desinformação. Há boatos que enganam ao apontar utilização de células de feto abortado, enquanto outros falsamente alertam para o risco de danos irreversíveis ao DNA. Em outros casos, as pesquisas por imunizantes são relacionadas em teorias da conspiração.

O post checado pelo Comprova viralizou no momento em que Jair Bolsonaro disse a uma apoiadora que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. A fala do presidente foi repercutida pela Secretaria de Comunicação (Secom) no Twitter. Apesar disso, uma lei assinada pelo próprio presidente em fevereiro dá a possibilidade para as autoridades determinarem o caráter compulsório da imunização. Bolsonaro prometeu vetar o projeto de lei de Wolney Queiroz, caso ele passe no Congresso.

Este conteúdo também foi checado pelo Boatos.org.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-09-03

Vídeo dissemina informações falsas para afirmar que a pandemia é um plano de controle populacional

  • Falso
Falso
É falso que os testes não funcionam e que as vacinas que estão sendo desenvolvidas contra a covid-19 sejam parte de um plano para reduzir a população
  • Conteúdo verificado: Vídeo que circulou em várias redes sociais mostra um italiano lendo e comentando um texto com o objetivo de afirmar que pandemia é um plano de controle e redução populacional, desencorajando as pessoas a fazerem testes para diagnosticar a doença e tomar uma possível vacina.

São falsas as informações existentes em um vídeo no qual um homem afirma que a covid-19 é a sigla de “conspiração para vacinação com inteligência artificial”. Ele também afirma que existe um plano para controlar e reduzir a população mundial em 80% e que nenhum dos testes é capaz de identificar com precisão o vírus SARS-CoV-2.

O nome da doença, covid-19, é uma abreviação de coronavirus disease 2019, algo como “doença do coronavírus de 2019” em inglês. O nome foi dado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), seguindo a orientação internacional para denominação de doenças que existe desde 2015. O nome do vírus, SARS-CoV-2, significa Severe Acute Respiratory Syndrome-related Coronavirus 2, ou, em tradução livre, “Coronavírus 2 relacionado à Síndrome Respiratória Aguda Grave”. O vírus foi batizado pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus.

Em relação às vacinas, antes de serem aprovadas, elas são submetidas a uma longa série de testes em células, em dois tipos de animais e, por fim, em três fases de ensaios clínicos em humanos. Todas essas etapas buscam identificar se o composto é eficaz e garantir que ele não produza efeitos colaterais graves. Depois que esses estudos são concluídos e os resultados são publicados, as autoridades sanitárias de cada país também avaliam o resultado para decidir se a vacina é segura antes de autorizar a imunização da população.

Por fim, os quatro tipos de testes disponíveis no mercado brasileiro são capazes de identificar marcadores genéticos específicos do SARS-CoV-2, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Alguns testes identificam proteínas específicas do novo coronavírus, enquanto outros rastreiam anticorpos criados após o contato dele com o corpo.

Como verificamos?

Para investigar a veracidade das afirmações do vídeo, dividimos a verificação em três blocos. Primeiro, consultamos as normativas da OMS, do Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus e do Código Internacional de Classificação e Nomenclatura de Vírus para compreender quais são os critérios para estabelecer o nome de uma nova doença.

Na sequência, entrevistamos Daniel Mansur, professor de Imunologia da UFSC e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, para compreender como funcionam as vacinas e os testes que estão sendo realizados com possíveis imunizantes contra o novo coronavírus.

Entramos em contato com o Ministério da Saúde e a Anvisa para entender como funcionam os testes para o diagnóstico da covid-19 no Brasil. Sobre esse assunto, conversamos também com a professora Clarice Weis Arns da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com Paulo Vitor Simas, pós-doutor em Virologia no Instituto Pirbright, na Inglaterra. Ele também trabalha com a validação de métodos moleculares de diagnóstico da covid-19 no Instituto Nacional de Saúde do Peru.

Por fim, procuramos o perfil que divulgou o vídeo no Instagram. Além de não responder aos questionamentos do Comprova, a página bloqueou o perfil de um dos verificadores que tentou o contato.Também questionamos um perfil do Facebook que reproduziu o conteúdo. Até a publicação deste texto, não houve retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 3 de setembro de 2020.

Verificação

O significado da covid-19

O argumento central do homem que aparece falando italiano no vídeo – há uma voz sobreposta que dubla em português – é que a pandemia do novo coronavírus seria, na verdade, um “plano internacional de controle e redução de populações”. Segundo ele, as vacinas contra a covid-19 que estão sendo testadas têm por objetivo enfraquecer o sistema imunológico das pessoas, deixando-as mais suscetíveis a outras enfermidades. Nesse sentido, os governos da maioria dos países estariam apoiando o desenvolvimento dos imunizantes para reduzir suas populações.

Apoiando-se nesse argumento, o homem afirma que covid-19 não seria o nome da doença causada pelo vírus SARS-CoV-2, mas uma sigla para “Certificado de Identificação de Vacinação de Inteligência Artificial” — que, segundo ele, seria o nome dado ao plano de redução populacional. O homem afirma ainda que o número 19 faria referência ao ano em que o plano foi criado. Tais informações são falsas.

Covid-19 quer dizer 2019 coronavirus disease, expressão em inglês que significa doença do coronavírus de 2019. Isso porque a enfermidade foi identificada no ano de 2019, a partir de um surto na cidade de Wuhan, na China. Esse nome foi dado pela OMS, em 11 de fevereiro de 2020. O nome oficial das doenças é definido pela entidade porque é ela quem organiza a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID).

A nomenclatura segue as determinações de boas práticas para nomear novas doenças humanas infecciosas, reunidas em um relatório elaborado pela OMS, em colaboração com a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE, na sigla em inglês) e com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, também na sigla em inglês).

O documento sugere que os nomes de doenças incluam termos descritivos genéricos como síndrome, doença ou febre (syndrome, disease ou fever); patógenos associados como coronavirus, salmonella ou parasitic; e o ano da primeira vez em que a doença foi detectada ou reportada. A data deve ser usada quando houver necessidade de diferenciar eventos similares que aconteceram em anos diferentes.

Para evitar estigmatização de países, populações, culturas ou animais, o relatório determina que os nomes de novas doenças não podem conter localizações geográficas, como “gripe espanhola”; nomes de animais, como “gripe suína” e “gripe aviária”; nem termos que possam incitar medo como morte, fatal, e epidemia (death, fatal e epidemic).

O vírus causador da covid-19

O nome do vírus que causa a covid-19 é SARS-CoV-2, que significa Severe Acute Respiratory Syndrome-related Coronavirus 2, ou Coronavírus 2 relacionado à Síndrome Respiratória Aguda Grave em tradução livre. Ele leva esse nome porque pertence à mesma família do vírus SARS-CoV, responsável pela epidemia de SARS ocorrida em 2003. O nome foi dado pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV, na sigla em inglês), que existe desde 1966.

O Código Internacional de Classificação e Nomenclatura de Vírus, editado pela ICTV, prevê que os nomes dos vírus sejam identificações internacionais e, por isso, não devem ser traduzidos para outras línguas ou alfabetos.

Segurança das vacinas

As vacinas passam por uma série de etapas para garantir que são eficazes e seguras para os seres humanos antes de chegar à população. De acordo com o imunologista Daniel Mansur, a primeira etapa, ainda no plano da biologia, é descobrir o que no vírus é o melhor alvo para a vacina. “No caso do SARS-CoV-2, a gente descobriu desde janeiro que o receptor de entrada na célula é o ECA2 e que a proteína do vírus que se liga nesse receptor era a spike. A partir daí, sabemos que se conseguirmos bloquear essa proteína, impedimos que o vírus entre na célula. Esse é o objetivo de todas as vacinas em desenvolvimento hoje”, afirma.

A partir da descoberta desse alvo, os pesquisadores começam a pensar qual é a melhor estratégia para entregar o antígeno (molécula capaz de despertar a resposta imune) no corpo. É nesse ponto que as vacinas em teste atualmente se diferenciam, segundo Mansur. A vacina da chinesa Sinovac, que está sendo testada em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo, usa o vírus inativado, incapaz de fazer mal ao corpo. A vacina de Oxford, em parceria com o Bio-Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pega outro vírus que não faz mal aos seres humanos e adiciona uma proteína do SARS-CoV-2 dentro dele. Já a vacina da Pfizer usa o RNA para levar essa proteína para o corpo sem usar um vírus. As três estratégias podem ser capazes de gerar anticorpos.

“Depois que você consegue comprovar em laboratório que células humanas reagem à vacina, você começa a fazer ensaios pré-clínicos em animais. Obrigatoriamente, tem que ser dois animais. O primeiro é um roedor, normalmente um camundongo. Se a vacina tiver eficácia nesse roedor, ela é testada em um primata não humano, um macaco. Em ambos os animais, o que se está verificando é se ela causa efeitos colaterais graves”, explica o professor.

Se a vacina não gerar efeitos colaterais nesses animais, os pesquisadores dão início à fase 1 de testes em humanos, com grupos com menos de 100 pessoas. O objetivo é, também, avaliar se existem efeitos colaterais à imunização. “Por exemplo, é normal as pessoas terem febre leve ou vermelhidão no local da injeção. Isso são reações inflamatórias que a gente quer que a vacina induza para que o corpo possa reagir. Agora, se ela tiver uma Síndrome de Guillain-Barré [um distúrbio autoimune], é um efeito colateral grave. E a gente não quer que essa vacina continue”, diz Mansur.

Se a fase 1 funcionar, a vacina entra na segunda etapa, quando o número de testados é expandido para as centenas. Nesse estágio, os pesquisadores buscam entender se pessoas de diferentes etnias, gêneros ou nacionalidades têm reações diferentes ao antígeno. Isso porque a humanidade é muito diversa e uma vacina precisa ser eficiente nesses diferentes grupos. Se essa fase também der resultados positivos, os pesquisadores avançam para a terceira, em que milhares ou dezenas de milhares de pessoas são vacinadas. Esse último estágio é decisivo para comprovar a eficiência das vacinas e a inexistência de efeitos colaterais graves.

Por fim, mesmo com todas essas etapas de testes e com os resultados publicados para serem avaliados por outros cientistas, a vacina só pode ser administrada para a população se for autorizada pela autoridade sanitária competente de cada país, que deve revisar os resultados dos testes e decidir se o composto é seguro. No caso do Brasil, essa competência é da Anvisa, órgão do governo federal vinculado ao Ministério da Saúde. Entidades internacionais como a OMS podem, no máximo, ajudar com a logística de campanhas de vacinação. Mas o governo do país é soberano para aprovar a vacina ou não.

De acordo com a professora Clarice Weis Arns, a validade de uma vacina não deveria ser um tema discutível. “Uma vacina, na verdade, nunca vai causar mal, porque ela já foi comprovada por vários testes”, afirma. Ela lembra que algumas pessoas podem ter alergias a componentes da vacina, mas são grupos minoritários. “Por exemplo, para o vírus da [gripe] influenza, uma parte importante da vacina é produzida em ovos embrionados de galinha. E, às vezes, o que pode acontecer é a pessoa ter uma alergia à albumina do ovo”, explica.

Segundo Mansur, é difícil de imaginar que uma conspiração consiga passar por todas essas etapas e entregar uma vacina capaz de prejudicar a saúde de milhões de pessoas. “Imagine o tanto de gente que você teria que manter em silêncio em todos esses órgãos para não vazar uma informação como esta. Além disso, nós temos cerca de 200 vacinas em desenvolvimento. Todas elas estão competindo pelos mesmos mercados. As estratégias são muito diferentes umas das outras e os processos são muito diferentes uns dos outros”, lembra.

De acordo com a OMS, existem — na data de publicação deste texto — 143 vacinas contra a covid-19 em estágio pré-clínico e 33 que já avançaram para os estudos em humanos, das quais 8 já estão na fase 3 de testes.

Efetividade dos testes

O vídeo afirma que os testes para diagnóstico da covid-19 não são capazes de detectar o novo coronavírus, mas que identificam outros organismos. Não é verdade.

A professora Clarice Arns e o pesquisador Paulo Vitor Simas explicam que existem diferentes tipos de exames para detectar a presença do SARS-Cov-2. Os exames podem identificar partes específicas do material genético do vírus (biologia molecular) ou a resposta imunológica do organismo (presença de anticorpos).

No caso dos testes moleculares, os cientistas pegam uma parte específica do sequenciamento genético do antígeno e comparam com a amostra do paciente. A técnica permite não apenas detectar a presença do SARS-CoV-2, como também diferenciá-lo de outras versões de coronavírus.

Arns acrescenta que, mesmo em caso de mutação do SARS-CoV-2, a técnica molecular permanece eficaz: “São pequenas mutações, que o organismo ainda não percebe a diferença. O teste molecular usa aquela parte do genoma do vírus conservada, que não muta”.

A professora também explica que os testes sorológicos se baseiam na resposta imunológica. ”Se uma pessoa tem contato com o vírus, o seu corpo irá produzir uma resposta imunológica que pode ser medida por diferentes ferramentas”, pontua Arns. Estudar a presença e quantidade dos anticorpos permite não apenas determinar se o organismo foi infectado pelo novo coronavírus, como também as características do contágio.

A Anvisa faz uma ressalva quanto aos testes sorológicos: “existe a possibilidade de resultados falso positivos, isto é, do teste detectar a resposta imunológica (anticorpos) orientados para outras cepas de coronavírus, por exemplo, que não seja o Sars-Cov-2, devido a similaridade entre elas”.

A pesquisadora afirma ainda que tanto os testes moleculares quanto os sorológicos são específicos para o antígeno estudado. Ou seja: “quando um teste é específico para SARS-CoV,-2 ele só vai identificar SARS-CoV-2”, afirma Arns. Portanto, não é possível que os exames para diagnosticar covid-19 detectem “pequenos vírus inofensivos ou detritos celulares que naturalmente fazem parte da nossa microbiota”, como defende o vídeo.

Simas destaca que cada Estado faz suas próprias análises para atestar a eficácia dos exames: “Vale ressaltar que os testes são validados considerando critérios rigorosos exigidos pela legislação sanitária de cada país e que somente são aprovados aqueles que realmente são sensíveis e específicos”.

Em resumo: os testes para diagnosticar a covid-19 não detectam o vírus em si, mas parte do seu material genético ou anticorpos produzidos pelo organismo em resposta a presença do antígeno. As características dos exames são específicas para SARS-CoV-2. Eventuais mutações do vírus não afetam a efetividade dos testes moleculares, que trabalham com o material genético. Os exames sorológicos, porém, podem identificar anticorpos de outros antígenos que não o novo coronavírus. Os fabricantes trabalham para minimizar essas ocorrências.

Leia na íntegra a explicação da Anvisa sobre os tipos de testes para diagnosticar a covid-19.

Propagadores do vídeo

O vídeo foi publicado em 29 de agosto no Instagram pelo perfil @verdadeforadamidia. O conteúdo foi dublado por uma mulher por cima do áudio em italiano e traz legendas em português.

Enviamos uma mensagem em 2 de setembro informando que a gravação estava sendo verificada pelo Comprova. Também questionamos qual era a fonte do material e se os responsáveis pelo perfil tinham atestado a veracidade das informações antes de compartilhá-lo. Em menos de 24 horas, a conta bloqueou o perfil que enviou as mensagens, sem retornar o contato da equipe.

O mesmo vídeo, com a marca do @verdadeforadamídia, foi publicado por um canal do YouTube em 1º de setembro. A publicação foi removida da plataforma no dia seguinte por ferir os termos de serviço do site.

Encontramos o contato do proprietário do canal no Facebook e enviamos uma mensagem no dia 2 de setembro. Até o momento da publicação deste texto, não houve resposta.

Por que investigamos?

A terceira fase do Comprova verifica publicações suspeitas sobre as políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia de covid-19 que tenham tido grande viralização nas redes sociais. É o caso desse vídeo, que teve mais de 75 mil visualizações no YouTube e no Instagram. Diversos leitores do Comprova também receberam o vídeo pelo WhatsApp e sugeriram a verificação.

Quando a publicação trata de medicações ou de vacinas contra a covid-19, a checagem é ainda mais importante. Informações equivocadas sobre esses temas pode colocar as pessoas em risco por estimulá-las a evitar tomar alguma medida de proteção contra o novo coronavírus. Uma nota técnica da Sociedade Brasileira de Imunologia afirma que a existência de mais de uma vacina é mais do que bem-vinda, considerando todas as incertezas sobre a disponibilidade de vacinas contra a covid-19 e quanto ao tempo de duração da resposta imune a esses compostos, além da quantidade de pessoas no mundo que precisarão ser imunizadas.

As vacinas voltaram a ganhar destaque no debate nacional depois que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que não podia obrigar ninguém a tomar a vacina, o que é enganoso. A fala foi reproduzida, em seguida, pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Desde o início da pandemia, o SARS-CoV-2 já levou a morte de 123,7 mil pessoas no Brasil e infectou ao menos 3,9 milhões de brasileiros. O Comprova já mostrou ser falso que a vacina contra a covid-19 cause danos irreversíveis ao DNA e que ela tenha um microchip para rastrear a população.

O site italiano Facta e os brasileiros Aos Fatos, Boatos.org, Lupa e Fato ou Fake checaram o mesmo conteúdo e concluíram que ele é falso.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Atualização

Esta verificação foi atualizada em 4 de setembro para inclusão de uma resposta da Anvisa.

Saúde

Investigado por: 2020-09-03

Lei assinada por Bolsonaro em fevereiro prevê vacinação compulsória, diferentemente do que ele afirmou

  • Enganoso
Enganoso
A Lei 13.979, de iniciativa do governo federal e sancionada pelo presidente da República em 6 de fevereiro de 2020, prevê em seu artigo terceiro a vacinação como uma das medidas compulsórias que podem ser adotadas pelo governo
  • Conteúdo verificado: Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que ninguém pode obrigar ninguém a tomar a vacina contra a covid-19.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou nesta semana que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar a vacina” contra a covid-19. Porém, uma lei de fevereiro deste ano, assinada por ele, prevê a possibilidade de realização compulsória da imunização.

A declaração de Bolsonaro foi dada depois de uma apoiadora pedir para que o governo “não deixe fazer esse negócio de vacina”. A opinião do presidente ainda foi corroborada pela Secretaria de Comunicação do Governo Federal (Secom), em publicações nas redes sociais, e pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

A lei que prevê a obrigatoriedade da vacinação foi iniciativa do próprio governo federal e sancionada em fevereiro, ainda na época em que Luiz Henrique Mandetta era o ministro da Saúde. Atualmente, o cargo é ocupado de maneira interina pelo general Eduardo Pazuello.

Ainda não há previsão de quando uma vacina contra a covid-19 estará disponível no mundo.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Alguns posts nas redes sociais diziam que a fala de Bolsonaro contrariava a lei nº 13.979/20. Procuramos, então, saber se a norma realmente existe e se prevê uma possível obrigatoriedade da vacinação.

Por meio de pesquisa no Google, encontramos no site do Planalto, a lei assinada por Bolsonaro. Ao procurar mais informações, encontramos uma notícia na página da Câmara dos Deputados sobre o projeto de lei do deputado federal Wolney Queiroz (PDT-PE). Fizemos uma entrevista com ele por WhatsApp.

Na sequência, consultamos a secional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB SP) em busca de um porta-voz que pudesse comentar sobre a constitucionalidade da lei. Falamos com Caio Augusto Silva dos Santos, presidente do órgão paulista.

Por último, entramos em contato com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), que publicou uma nota oficial sobre a declaração do presidente.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 3 de setembro de 2020.

Verificação

O que diz o governo

A polêmica envolvendo a obrigatoriedade da vacina passou a ser assunto depois de uma declaração do presidente Jair Bolsonaro em 31 de agosto. Em um vídeo que circulou nas redes sociais, uma apoiadora pede que para que ele “não deixe fazer esse negócio de vacina, não, porque é perigoso”. Na sequência, Bolsonaro responde: “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar a vacina”.

No dia seguinte, a Secretaria de Comunicação do Governo Federal manifestou-se nas redes sociais reiterando a fala: “O governo do Brasil investiu bilhões de reais para salvar vidas e preservar empregos. Estabeleceu parceria e investirá na produção de vacina. Recursos para estados e municípios, saúde, economia, TUDO será feito, mas impor obrigações definitivamente não está nos planos”, dizia o texto, junto com uma imagem com a frase de Bolsonaro e o complemento: “O governo do Brasil preza pelas liberdades dos brasileiros”.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB), também endossou a defesa da desobrigatoriedade da vacina. Questionado por repórteres em Brasília, respondeu: “Acho que você pode encontrar gente que não quer tomar a vacina. É o que eu te digo: você vai agarrar à força? Foi isso que ele [Bolsonaro] quis dizer”. “Não quer dizer que ninguém vai tomar. O que ele quis colocar é que você não consegue ter a coerção para obrigar todas as pessoas a se vacinarem”, completou Mourão.

Lei assinada por Bolsonaro prevê obrigatoriedade

O artigo 3º da lei nº 13.979/20 dá respaldo para a realização compulsória de vacinação contra a covid-19. O texto, publicado em 6 de fevereiro, foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro.

O trecho da lei diz o seguinte: “Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: I – isolamento; II – quarentena; III – determinação de realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou e) tratamentos médicos específicos”.

Já o artigo 8º afirma que a lei permanecerá em vigor enquanto estiver vigente o decreto legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, que reconheceu estado de calamidade pública por causa da pandemia do novo coronavírus.

Além de Jair Bolsonaro, o texto da lei foi assinado por Sérgio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública, e Luiz Henrique Mandetta, na época responsável pela Saúde.

Moro, inclusive, citou o artigo 268 do Código Penal após ter sido criticado por Jair Bolsonaro por uma matéria que dizia que a polícia poderia impor coercitivamente medidas de isolamento social. A parte citada na lei prevê pena de um mês a um ano para quem “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.

Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei para alterar parte da lei nº 13.979 e adicionar uma ordem de prioridade para a vacinação. A proposta do deputado Wolney Queiroz (PDT-PE) prevê a seguinte sequência de vacinados: profissionais das áreas de saúde e segurança pública, pessoas com idade acima de 60 anos, pessoas do grupo de risco da covid-19 (como cardiopatas e obesos), profissionais de escolas públicas e privadas, pessoas que atendem o público em locais públicos e privados, jornalistas e pessoas saudáveis de idade inferior a 60 anos.

O artigo 3º do texto novo deixaria como responsabilidade das secretarias de saúde estaduais a distribuição da vacina e a imunização da população regional.

Em conversa por telefone, a Secom disse não ter um posicionamento oficial sobre os questionamentos enviados pelo Comprova por e-mail e que não se manifestaria.

Obrigatoriedade fere a liberdade individual?

Um dos pontos levantados contra a obrigatoriedade da vacina seria uma possível violação das liberdades individuais. O texto da Secom chega a dizer que “o governo do Brasil preza pelas liberdades dos brasileiros”.

O presidente da OAB-SP, Caio Augusto Silva dos Santos, acredita, no entanto, que esse caso não configura crime contra a liberdade individual. Um dos motivos é que uma pessoa que não toma a vacina corre o risco de contaminar outra.

“De fato, nós temos a liberdade individual de tomar decisões para a nossa vida. Quando isso influencia na vida dos outros, vamos ter que minimizar um pouco essa liberdade. Não significa dizer anulá-la. No caso de uma pandemia, em que se fala em contágio a outras pessoas, essa liberdade individual de dizer ‘não’ não me parece que prevalecerá em relação à proteção de toda a coletividade”, explica.

A questão sobre liberdade individual mudaria, contudo, em casos em que a decisão não afete outras pessoas. Por exemplo, na escolha em não se submeter a uma transfusão de sangue durante uma cirurgia. “Essa é uma decisão na seara da liberdade, mas que impacta na vida dela mesma. Agora, a questão envolvendo a vacinação e a pandemia impacta na vida dos outros. Por isso, é importante que nós façamos esse tipo de comparação. A liberdade individual vai até onde nós não violemos a liberdade do outro”, prossegue.

O que diz quem defende a obrigatoriedade

Procurado pelo Projeto Comprova, o deputado federal Wolney Queiroz (PDT-PE), autor do projeto que propõe alterações na lei 13.979/20, afirmou que texto não teria como “espírito” a obrigatoriedade da vacinação contra o novo coronavírus e acrescenta que “por desconhecimento, o presidente criticou algo que foi criado pelo seu próprio governo”.

A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) publicou nota à imprensa dizendo que “A SBIm entende que é dever das autoridades públicas e dos profissionais da saúde conscientizar a população acerca da importância da vacinação, independentemente da obrigatoriedade, sob pena de vivermos retrocessos como a volta do sarampo devido às baixas coberturas vacinais. Entende também que é dever de cada pessoa buscar a vacinação com o objetivo não apenas da proteção individual, mas também coletiva. É essencial lembrar que o artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) define a obrigatoriedade da vacinação para este grupo, cabendo a aplicação de penalidades pelo descumprimento”.

Importância das vacinas

Ainda na nota da SBIm, é possível compreender a importância das vacinações em massa para o bem-estar coletivo: “A vacinação está entre os instrumentos de maior impacto positivo em saúde pública em todo o mundo, contribuindo de forma inquestionável para a redução de mortalidade e o aumento da qualidade e da expectativa de vida. Graças à vacinação foi possível erradicar a varíola e praticamente erradicar a poliomielite, presente, hoje, em apenas dois países; O Programa Nacional de Imunizações (PNI) brasileiro é considerado um dos mais bem‐sucedidos do mundo. Além da varíola e da pólio, foram eliminadas do território nacional a rubéola, a síndrome da rubéola congênita, o tétano materno e o tétano neonatal. Estas e outras tantas conquistas estão atreladas à adesão do brasileiro à vacinação e ao reconhecimento por estes da importância das vacinas na prevenção de graves danos à saúde”.

Especialistas acreditam que Bolsonaro fragiliza esforço por vacinas

Além da frase contradizer lei assinada pelo presidente para o combate ao vírus, especialistas de diversas áreas afirmaram que a declaração pode trazer graves prejuízos ao combate à pandemia e outras doenças, assim como instigar parte da população a se opor às campanhas de vacinação.

Nos últimos anos, foram registradas algumas ocorrências de descumprimento da vacinação nos casos em que ela é obrigatória: uma decisão liminar da Justiça determinou que um casal de Gaurama, no Norte do Rio Grande do Sul, fosse obrigado a vacinar o filho recém-nascido. O pedido foi do Ministério Público da cidade, que alegou que a não-vacinação é descumprimento de obrigações legais dos pais em relação ao filho.

Em outro caso, a Justiça mineira obrigou um um casal de Poços de Caldas (MG) a vacinar os dois filhos menores, colocando em dia a carteira de imunização e aplicando as próximas doses previstas no Calendário Nacional de Vacinação do Ministério da Saúde. O casal havia alegado questões religiosas e também de saúde para a recusa.

Em relação à covid-19, a 8.ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal determinou que o marido de uma paciente com o novo coronavírus confirmado fosse obrigado a fazer de imediato o exame de sorologia. O pedido havia sido formulado após ele se recusar a fazer o teste.

Vacinas em desenvolvimento

Dentre as 176 vacinas que estão em desenvolvimento no mundo, há pelo menos cinco em fases avançadas de testes, como a CoronaVac e a vacina de Oxford, que deverá ter 30 milhões de doses produzidas no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz, com previsão de início de produção a partir de dezembro deste ano ou início de 2021.

Já o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, em inglês) enviou um plano inicial de vacinação contra a Covid-19 para os 50 estados americanos prevendo o início da campanha de imunização em novembro, com uma aplicação mais massiva em 2021.

Por que investigamos?

A terceira fase do Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas e à pandemia do novo coronavírus. Conteúdos que trazem desinformação sobre a covid-19 são perigosos porque podem custar ainda mais vidas – até o dia 2 de setembro, mais de 123 mil pessoas já morreram por causa da doença.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população. Falas como a do presidente criam um ar de desconfiança que pode levar pessoas a optar por não se vacinarem, mesmo com a obrigatoriedade.

A publicação da Secom no Facebook, que afirma que o governo não irá obrigar ninguém a se vacinar, teve mais de 13,7 mil interações até o fechamento deste texto.

A verificação sobre a fala do presidente Jair Bolsonaro foi feita também pelo UOL Confere.

Saúde

Investigado por: 2020-09-02

Estudo belga não comprova eficácia do tratamento precoce com hidroxicloroquina para covid-19, diferentemente do que afirma deputado

  • Enganoso
Enganoso
O estudo foi feito com base em prontuários de pacientes hospitalizados e que estavam em diversos estágios da doença. Uma das autoras do artigo, disse ao Comprova que, apesar dos resultados, são necessários estudos clínicos mais avançados para comprovar eficácia da hidroxicloroquina
  • Conteúdo verificado: Post do deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) no Facebook afirmando que “mais um estudo comprova a eficácia do tratamento precoce da hidroxicloroquina contra o COVID-19”. Ele dá o link para um artigo no site Conexão Política sobre um estudo belga que apontou redução na taxa de mortalidade com pacientes de covid-19 tratados com a hidroxicloroquina.

Não é verdade que um estudo belga tenha comprovado a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento precoce da covid-19. A afirmação foi feita pelo deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) em sua página no Facebook.

O deputado compartilha o link de um texto do site Conexão Política, sobre um estudo realizado na Bélgica, com 8.075 participantes. A pesquisa realmente existe, mas, apesar de apontar uma redução da mortalidade por covid-19 em pacientes medicados com doses baixas de hidroxicloroquina, é insuficiente para levar a qualquer mudança quanto a recomendação da droga no combate ao novo coronavírus – o medicamento continua sem ter sua eficácia comprovada. Além disso, o estudo analisou pacientes em diferentes fases da doença, e não apenas os que receberam a droga no início da manifestação dos sintomas.

O estudo é retrospectivo e foi feito a partir de uma base de dados de pessoas que haviam sido hospitalizadas. Nesse caso, foram analisados pacientes diagnosticados com covid-19 na Bélgica, divididos entre os que foram medicados com a hidroxicloroquina e os que não foram. Em contato com o Comprova, Lucy Catteau, uma das autoras do artigo, disse que, apesar dos resultados, estudos clínicos randomizados – quando os dois grupos de pacientes são divididos de maneira aleatória entre os que receberão o medicamento e os que receberão um placebo – ainda são necessários para comprovar a eficácia da hidroxicloroquina.

O deputado Marco Feliciano foi procurado, mas não respondeu os e-mails enviados pelo Comprova.

Como verificamos?

Para comprovar a existência da pesquisa, recorremos à ferramenta de busca do Google. O estudo completo foi publicado no site Science Direct. A partir daí, entramos em contato, por e-mail, com os responsáveis pelo artigo – apenas Lucy Catteau, uma das principais pesquisadoras, respondeu.

Também por e-mail falamos com o Sciensano, instituto de pesquisa e de saúde pública da Bélgica que opera sob a autoridade dos Ministérios da Saúde Pública e da Agricultura – foi a partir dos dados coletados pelo órgão que os cientistas fizeram o estudo.

Depois, procuramos especialistas que pudessem nos ajudar na análise sobre o estudo belga. Falamos por WhatsApp com os infectologistas Guilherme Spaziani, do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, de São Paulo, e Leonardo Weissmann, também do Emilio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Também tentamos contato com o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), que compartilhou a notícia do Conexão Política em suas redes sociais dizendo que o estudo comprovava a eficácia da cloroquina, o que não é verdade. O parlamentar não nos respondeu.

Por último, entramos em contato com o Conexão Política, que afirma em seu título ser o maior estudo retrospectivo envolvendo a hidroxicloroquina e a covid-19. O site nos respondeu por e-mail.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 2 de setembro de 2020. Você também pode refazer o caminho da verificação acessando os links disponíveis nesta reportagem.

Verificação

O impacto da pesquisa

Em documento de 14 de agosto, intitulado Procedimento para médicos gerais em caso de suspeita da covid-19, o Sciensano trata de medicamentos que podem ser usados no tratamento e não cita, em nenhum momento, a hidroxicloroquina. Informa que o uso de drogas sem indicação ou experimentais para tratar a covid-19 é reservado a pacientes hospitalizados. E, em texto anterior, que foi revisado em 18 de julho, “lopinavir/ritonavir, hidroxicloroquina e bloqueadores IL1/IL6 são drogas registradas na Bélgica para outras indicações (uso off label), a menos que sejam prescritas no contexto de teste clínico”.

Ao Comprova, o órgão afirmou que o estudo em questão “mostrou uma associação entre baixas doses de hidroxicloroquina e redução da mortalidade”, mas, que, “a partir do resultado de outros estudos e recomendações internacionais, a hidroxicloroquina não é mais indicada na Bélgica para o tratamento da covid-19, exceto em casos de ensaios clínicos registrados”. E completou que “os resultados mostram novas hipóteses em relação à ação anti-inflamatória da hidroxicloroquina para a covid-19” e que “sem estudo clínico, as recomendações belgas no tratamento da covid-19 não serão colocadas em questão”.

O potencial poder anti-inflamatório da droga também foi destacado por Lucy Catteau, uma das autoras da pesquisa. “Como a associação entre baixas doses de hidroxicloroquina e redução da mortalidade foi percebida em pacientes tratados cedo ou tarde a partir do surgimento dos sintomas, nós levantamos a hipótese de o efeito da droga não ser antiviral, mas, sim, anti-inflamatório”, afirmou ao Comprova.

Grupos de estudo

Os pesquisadores analisaram dois grupos: um que recebeu pequenas doses da droga e, outro, que não recebeu hidroxicloroquina. Entretanto, é possível verificar que há diferenças maiores que 10% entre os dois perfis. Entre os que não receberam, 40,9% tinham problemas cardiovasculares, contra 30,7% no grupo que foi medicado. Além disso, 44,6% tinham mais de 80 anos no grupo sem a droga, enquanto entre os que receberam essa taxa era de 23,6%.

Sobre essa discrepância, a pesquisadora Lucy Catteau afirmou que isso foi levado em conta na análise e que, portanto, não se trata de uma falha da pesquisa. Ela afirma que se trata de um estudo observacional, que não permite nenhuma conclusão sobre a eficácia da hidroxicloroquina. “Para provar isso, são necessários os testes clínicos randomizados (os mais confiáveis, como o Comprova já explicou)”, diz.

Também questionamos a cientista sobre o trecho do estudo citado pelo Conexão Política, que afirma que “finalmente, uma análise de sensibilidade rigorosa levando em consideração os dados censurados e o viés imortal, todos confirmaram o impacto positivo da HCQ na mortalidade hospitalar”. A pesquisadora afirmou que “De fato, as análises estatísticas aprofundadas levando em conta numerosos vieses possíveis foram efetuadas e sempre mostraram uma associação entre a hidroxicloroquina e uma redução da mortalidade em hospitais. Entretanto, para provar a eficácia da hidroxicloroquina, estudos clínicos randomizados são necessários… por isso não podemos concluir sobre a eficácia da cloroquina”.

Equipe

O estudo tem 11 autores e um grupo de colaboração sobre vigilância hospitalar. Desses 11, sete trabalham no Sciensano e oito possuem PhD, o título acadêmico mais alto que alguém pode conquistar.

Lucy Catteau, uma das principais autoras, é cientista e trabalha na Sciensano como gerente da EARS-Net, sigla para Rede Europeia de Vigilância de Resistência Antimicrobiana, que é um banco de dados científicos da União Europeia focado em bactérias. Segundo o site Open Researcher and Contributor ID (Orcid), que identifica acadêmicos e pesquisadores, ela tem quatro trabalhos publicados.

O outro autor principal é Nicolas Dauby, especialista em doenças infecciosas do CHU Saint-Pierre, centro hospitalar universitário em Bruxelas referência em novos agentes infecciosos. De acordo com o Orcid Dauby tem 40 artigos publicados – dois deles na The Lancet, revista respeitada mundialmente.

O periódico

O International Journal of Antimicrobial Agents (IJAA), onde o estudo foi publicado, é uma publicação da Sociedade Internacional de Quimioterapia Antimicrobiana, que foi fundada em 1961 e reúne médicos de diversos países.

O periódico é publicado em colaboração com a Elsevier, empresa global de informações analíticas fundada em 1880 e baseada em Amsterdã. Os jornais parceiros, como o IJAA, possuem uma espécie de selo de qualidade de confiança.

Em junho, o Jornal da USP publicou uma reportagem sobre a SciVal, plataforma de pesquisas e análises científicas desenvolvida pela Elsevier. A reportagem destaca que, segundo o Relatório SciVal, “11,6% dos trabalhos produzidos por autores da universidade encontram-se entre as top 10% melhores publicações do mundo”.

Em abril, a Sociedade Internacional de Quimioterapia Antimicrobiana teve que se posicionar sobre um estudo do infectologista francês Didier Raoult, que trazia os benefícios da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 – a pesquisa foi alvo de críticas da revista Science, referência em estudos científicos, e seus resultados foram questionados e considerados incompletos. Além de a droga não ter eficácia comprovada, um dos coautores, Jean Marc Roulain, é editor-chefe do IJAA. A Sociedade Internacional de Quimioterapia Antimicrobiana declarou que a pesquisa não atendia ao “padrão esperado” para o periódico.

O maior estudo retrospectivo?

A pesquisa belga não foi a que contou com o maior número de pacientes. No dia 22 de maio, a renomada revista Lancet publicou um estudo retrospectivo com 96 mil pacientes de 671 hospitais ao redor do mundo.

O estudo da Lancet, no entanto, causou controvérsia depois que um pedido de retratação foi feito por seus autores. Eles diziam não poder mais garantir a veracidade dos dados usados para fundamentar a pesquisa.

No caso do estudo belga, foram utilizados dados de 8.075 pacientes de 109 hospitais do país.

A afirmação de “maior estudo retrospectivo” foi feita pelo site Conexão Política, que noticiou o estudo. Em contato por e-mail com o Comprova, o site respondeu que “com relação à matéria publicada em nosso portal, cabe esclarecer que o termo ‘maior estudo retrospectivo’ foi utilizado por Didier Raoult”. Acrescentou que “o uso do termo se dá pelo número de pacientes envolvidos e, também, por ser um estudo nacional, feito em vários hospitais daquele país. A maioria dos estudos do tipo são feitos com pacientes de uma única unidade hospitalar. O estudo mencionado na matéria ocorreu em toda a Bélgica, com milhares de pacientes”.

Não há milagre

O estudo belga não muda o entendimento sobre a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. “O método usado por ele tem baixa qualidade científica”, explicou o infectologista Guilherme Spaziani, do Instituto Emílio Ribas, um dos principais locais de combate ao novo coronavírus em São Paulo, em entrevista por WhatsApp com o Comprova.

Os estudos têm vários níveis de qualidade científica. Os melhores são aqueles chamados ensaios clínicos, onde damos um remédio para um grupo e outro grupo recebe um placebo. Depois, analisamos em qual grupo ocorreu mais mortes e mais curas e, assim, entendemos se o remédio é bom ou não”, explica.

O estudo belga não realizou ensaios clínicos. No caso deles, foi feita uma pesquisa chamada “retroativa”, que analisa dados de pacientes para chegar a uma conclusão.

“Há vários estudos desse tipo. Pela primeira vez, os estudos científicos estão em evidência para a mídia e a população. Isso é importante para a valorização da ciência, mas a metodologia científica é extremamente complexa. Então, aos olhos leigos, com base nesse artigo, parece que a cloroquina é milagrosa. E isso não é verdade, como já foi comprovado em estudos de boa qualidade”, explica Spaziani.

Não estou querendo dizer que o autor é ruim e, por isso, faz um trabalho de baixa qualidade. Mas os melhores estudos – e o ensaio clínico é um deles – são muito difíceis de fazer. É preciso acompanhar os doentes, convencê-los a tomar um remédio novo ou um placebo, coletar exames. É algo que leva muito tempo. Para fazer esse estudo igual ao belga é só pegar um monte de prontuários, os papéis, analisar e escrever”, completou.

O infectologista Leonardo Weissmann reforça que o estudo tem falhas metodológicas e diz que “infelizmente, o uso da hidroxicloroquina tornou-se uma discussão política interminável”. Segundo ele, “o que se pode afirmar no momento é a necessidade de se manter as recomendações para prevenção: distanciamento de pelo menos 1,5 metro de outras pessoas, o uso de máscara por todas as pessoas e a higienização das mãos com frequência”.

Cloroquina no Brasil

O uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 é amplamente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mesmo as duas drogas não tendo comprovação científica. Em março, ele ordenou que o Laboratório do Exército produzisse os medicamentos.

A pressão para que as substâncias fossem adotadas no tratamento da covid-19 custou o cargo de dois ministros da Saúde: Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Em maio, já sob a gestão do interino Eduardo Pazuello, o Ministério da Saúde alterou o protocolo e ampliou a possibilidade do uso dos medicamentos para pacientes com sintomas leves – até então, eram recomendados apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais.

Em agosto, Jair Bolsonaro usou uma de suas lives para defender o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina. “Quem não quer tomar cloroquina, não tente proibir, impedir quem queira tomar, afinal de contas, ainda não temos uma vacina e não temos um remédio comprovado cientificamente”, disse, ao lado de pazuello.

Quando o governo chinês publicou novas diretrizes envolvendo o medicamento, Bolsonaro disse em uma live: “A nossa cloroquina chegou na China. Vamos ver o que a grande mídia vai falar sobre isso aqui”. Um dia depois, a hashtag #mandettagenocida ficou entre os trending topics no Twitter. Apoiadores do presidente atacaram o ex-ministro da Saúde porque ele resistiu a adotar a cloroquina e a hidroxicloroquina no protocolo da doença, como era a vontade de Bolsonaro. O Comprova verificou recentemente as novas diretrizes chinesas.

Por que investigamos?

A terceira fase do Comprova busca verificar conteúdos relacionados às políticas públicas e à pandemia do novo coronavírus. A covid-19 já causou mais de 120 mil mortes no Brasil e ainda não há cura ou vacina para ela. Mentiras e boatos sobre substâncias que ajudariam no tratamento podem ser ainda mais perigosos porque desinformam a população e podem custar mais vidas.

No caso da publicação do deputado Marco Feliciano, ela é prejudicial pois leva a crer que um remédio que não tem eficácia comprovada poderá curar pessoas diagnosticadas com a covid-19, além de incentivar a automedicação, como já observado desde o início das discussões sobre o remédio. A postagem até o momento desta publicação somava 14 mil curtidas, 5 mil compartilhamentos e mais de 1 mil comentários.

Diversos estudos estão sendo feitos para verificar os remédios que podem ajudar no tratamento da covid-19. No caso da hidroxicloroquina, os mais conceituados, aqueles feitos com ensaios clínicos, concluíram que não há eficácia da droga para o novo coronavírus. A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) suspendeu os estudos com o medicamento. Em julho, a Sociedade Brasileira de Infectologia divulgou uma nota sugerindo que o medicamento não fosse mais usado no tratamento da covid-19.

O estudo belga tem pouca qualidade científica, segundo os especialistas ouvidos pelo Comprova. Sozinho, não é capaz de comprovar a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da doença.

O Comprova já mostrou ser enganoso que a cloroquina seja capaz de curar 98,7% dos pacientes com covid-19. Também verificou um estudo italiano que, assim como o belga, não confirma a eficácia da droga.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-08-31

Estudo italiano é verdadeiro, mas pesquisadores não propõem uso da hidroxicloroquina como potencial tratamento para covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Estudo realizado na Itália e que apontou um risco de morte menor entre pacientes que receberam hidroxicloroquina é verdadeiro, mas pesquisadores não propõem que a droga seja usada como potencial tratamento para a covid-19
  • Conteúdo verificado: Artigo no site Conexão Política afirma que estudo italiano feito entre fevereiro e maio com cerca de 3,4 mil pacientes apontou risco de morte 30% menor em quem foi recebeu hidroxicloroquina.

É verdadeira a publicação do site Conexão Política que descreve um estudo realizado por pesquisadores italianos que observou uma taxa menor de mortalidade nos pacientes hospitalizados com covid-19 que tomaram hidroxicloroquina.

Ainda que as informações estejam de acordo com o que foi publicado no estudo, a pesquisa não traz nenhum dado conclusivo sobre a eficácia da hidroxicloroquina. Por se tratar de um estudo observacional, não foi oferecido placebo para o grupo de controle, o que permitiria comparar os resultados dos dois grupos. A pesquisa também não seguiu o modelo duplo cego randomizado, em que os participantes de um grupo que recebe o remédio e do grupo de controle são sorteados aleatoriamente, para evitar que fatores externos, como idade, influenciem nos resultados.

Estudos observacionais podem apontar possíveis tratamentos a serem estudados mais a fundo, mas não permitem atestar a eficácia de drogas. A própria conclusão do estudo italiano traz ressalvas sobre a aplicação prática de seus resultados. Além disso, pesquisadores brasileiros ouvidos pelo Comprova destacaram que o estudo italiano tem uma série de limitações e não acrescenta novidades na literatura já disponível sobre o medicamento.

O site brasileiro erra ao afirmar que os autores do estudo propõem o uso da hidroxicloroquina para tratar pacientes com o novo coronavírus, o que não condiz com os resultados da pesquisa. O artigo científico italiano afirma somente que os dados do levantamento “não desencorajam” o uso da droga.

Tentamos contato por e-mail com o Conexão Política, mas não recebemos resposta até a publicação desta checagem.

Como verificamos?

Para confirmar a existência e validade de pesquisa, recorremos à ferramenta de busca do Google. Em uma segunda etapa, acionamos pesquisadores da área da saúde para entender o peso deste estudo italiano e a credibilidade da plataforma onde as informações estão disponibilizadas.

Pedimos ajuda, ainda, a uma profissional de Farmácia para interpretar o estudo italiano. A professora de farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ana Paula Herrmann foi quem nos auxiliou.

O estudo também foi avaliado pelo médico Alexandre Naime Barbosa, chefe do Departamento de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, e pelo professor de medicina da UFRGS e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Eduardo Sprinz.

Por fim, buscamos informações sobre o uso da cloroquina e a da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 em verificações anteriores do Comprova.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 31 de agosto de 2020.

Verificação

O texto veiculado na página Conexão Política tem como base um estudo italiano dentro do projeto CORIST (Covid-19 Risk and Treatments, em inglês, ou Covid-19 Riscos e Tratamentos, em tradução livre). A forma como os resultados da pesquisa foram retratados no texto está correta, mas a conclusão está distorcida.

O estudo italiano analisou mais de 3,4 mil pacientes hospitalizados com covid-19. Segundo os pesquisadores, o uso de hidroxicloroquina foi associado a um risco de óbito 30% menor neste grupo de pessoas. Esta é a parte do texto do Conexão Política que está fidedigna ao estudo.

O Conexão Política afirma, no entanto, que “os pesquisadores propõem que a hidroxicloroquina (HCQ) seja usada como potencial tratamento para a covid-19”, o que não é verdade. Os pesquisadores não propõem o uso da substância; apenas dizem que seus dados “não desencorajam” seu uso. Mesmo assim, fazem ressalvas.

“Na ausência de resultados claros de ensaios clínicos randomizados controlados, nossos dados não desencorajam o uso de HCQ em pacientes internados com COVID-19. Dado o desenho observacional de nosso estudo, entretanto, esses resultados devem ser transferidos com cautela para a prática clínica”, dizem.

A pesquisa italiana foi publicada em 25 de agosto no periódico European Journal of Internal Medicine e disponibilizada na mesma data no repositório Science Direct, que contempla publicações da editora Elsevier (com foco em materiais científicos). O texto do Conexão Política é datado de 26 de agosto.

Além de comparar o texto do Conexão Política com o texto original do estudo, o Comprova consultou especialistas que pudessem esclarecer a pertinência desta pesquisa para o debate sobre o uso da hidroxicloroquina.

Avaliação de especialistas

Para Ana Paula Herrman, professora de farmacologia da UFRGS, o estudo não muda nada do que se sabe sobre a hidroxicloroquina porque já há ensaios clínicos randomizados dizendo que o medicamento não funciona para pacientes internados. O estudo randomizado é considerado superior a um estudo observacional pois nele os participantes são escolhidos de forma aleatória.

“A maioria desses 3 mil e tantos pacientes que foram analisados nesse estudo observacional recebeu a hidroxicloroquina e somente 817 não receberam”, afirma. Segundo ela, no estudo observacional há fatores de confusão que podem explicar a diferença no desfecho da mortalidade. “No grupo que não recebeu a hidroxicloroquina, os pacientes eram mais velhos. E sabe-se que, quanto mais avançada a idade, maior o risco de mortalidade por covid-19. Eles tinham mais doenças isquêmicas-cardíacas, isso também é um fator de risco. Eles tinham maior prevalência de câncer, de doença renal avançada. E os pacientes que receberam a hidroxicloroquina também receberam outros antivirais”, destaca ela.

O infectologista Alexandre Naime Barbosa, chefe do Departamento de Infectologia da Unesp, também afirma que os resultados dessa pesquisa não trazem novidade sobre o que se sabe em relação à eficácia da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. Segundo ele, o estudo teria sido mais eficaz se houvesse, além do grupo tratado com hidroxicloroquina, um grupo de controle tratado com placebo; se fosse um estudo “cego”, em que tanto o pesquisador quanto o paciente não podem saber o que o paciente está tomando, e se houvesse sorteio a respeito de qual paciente ficaria em cada grupo.

Segundo Barbosa, o fato de o artigo ser recente não significa que tenha mais valor. “A última evidência não significa que mudam as coisas. Às vezes você vai publicando mais artigos, mas o assunto já está resolvido”, diz. “E a hidroxicloroquina não funciona para paciente hospitalizado em enfermaria e não funciona para paciente hospitalizado em UTI. A única dúvida é para pacientes com tratamento leve. E a gente (Unesp) já está fazendo o estudo (para verificar isso)”, afirma.

Eduardo Sprinz, chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, reforça que os artigos mais indicados são relacionados a ensaios clínicos randomizados, pois o acaso se encarrega na equiparação dos grupos. “Um estudo retrospectivo e observacional possui inúmeras lacunas”, diz. Nesses casos, afirma ele, o “que se faz é uma série de testes matemáticos, quando possível, para tentar trazer uma semelhança entre os grupos”.

Sprinz nota, ainda, que o estudo italiano deixa em aberto questões importantes, como os motivos de uma minoria não ter recebido a hidroxicloroquina. “O estudo não especifica quem recebeu ou não na hospitalização a medicação em estudo. Ou de que forma foram escolhidos para receberem a cloroquina. O nome disso é viés de seleção”, afirma.

A hidroxicloroquina

O Comprova já mostrou em outras checagens que nem a cloroquina, tampouco seu derivado, a hidroxicloroquina, têm eficácia atestada por autoridades no combate ao novo coronavírus. Entre as verificações envolvendo esse fármacos estão a que revela que estudo da revista científica The Lancet não fez com que Estados e municípios deixassem de receitar cloroquina e a que investigou a fala do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que a cloroquina poderia ter evitado 100 mil mortes no país.

O médico francês Didier Raoult publicou em março deste ano um estudo afirmando que o uso da cloroquina teria curado 75% dos pacientes com covid-19 em seis dias. A pesquisa foi alvo de críticas da revista Science, referência em estudos científicos, e seus resultados foram questionados e considerados incompletos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o National Health Service, do Reino Unido, abandonaram estudos com cloroquina e hidroxicloroquina. A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe, em julho, no qual pontua ser “urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19” diante das evidências científicas.

Conforme a OMS, não há, até o momento, tratamento efetivo ou drogas comprovadas contra o novo coronavírus. Essa posição é ratificada por autoridades sanitárias como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a norte-americana Food and Drug Administration (FDA).

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados às políticas públicas e à pandemia do novo coronavírus. No caso da covid-19, mentiras e boatos que se espalham pelas redes sociais são ainda mais perigosos porque podem custar vidas. Quando se trata de medicações para o tratamento do novo coronavírus, essas verificações se tornam ainda mais importantes porque o uso de drogas sem comprovação científica pode colocar em risco a saúde dos pacientes.

Por isso, é necessário cautela ao afirmar a proposição de um tratamento, como é o caso do conteúdo analisado nesta verificação. O estudo do país europeu afirma não desencorajar o uso da hidroxicloroquina (“our data do not discourage the use of HCQ in inpatients with COVID-19”), mas não indica que o medicamento seja usado como potencial tratamento, como escreve o portal Conexão Política no trecho “ os pesquisadores propõem que a hidroxicloroquina (HCQ) seja usada como potencial tratamento para a covid-19”.

O Comprova já mostrou que, mesmo sendo adotada com ressalvas pela China, a cloroquina continua sem comprovação científica, além de não ser recomendada pela autoridade sanitária dos Estados Unidos. Também demonstrou ser enganoso que que a cloroquina seja capaz de curar 98,7% dos pacientes com covid-19.

O material verificado, que foi publicado na página Conexão Política, chegou a ser compartilhado em perfis do deputado federal Daniel Silveira (PSL). Ele teve mais de 8,3 mil interações no Facebook, segundo a ferramenta de monitoramento CrowdTangle.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado, que induz a uma interpretação diferente da intenção do seu autor, ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-08-26

É falso que vacina contra covid-19 cause danos irreversíveis ao DNA

  • Falso
Falso
As vacinas de mRNA são desenvolvidas para não interferir no DNA humano e não há qualquer evidência de que sejam capazes de causar danos genéticos. Além disso, o site que havia publicado o artigo verificado pelo Comprova não conseguiu confirmar a autoria do texto e excluiu a página
  • Conteúdo verificado: Post do blog católico Mater Salutis alega que as vacinas contra a covid-19 podem provocar dano genético irreversível e são um crime contra a humanidade. O texto seria uma mensagem de Robert F. Kennedy Jr. e foi publicado em 13 de agosto. No dia 26, o material foi excluído do site.

É falso que as vacinas em teste contra a covid-19 possam causar “danos irreversíveis” ao DNA das pessoas imunizadas. As alegações são de um post do blog católico Mater Salutis, publicado no dia 13 de agosto. Um texto atribuído a Robert F. Kennedy Jr. fala das vacinas de mRNA que estão sendo testadas contra o novo coronavírus. “Um sintoma de vacinação se desenvolver após uma vacinação de mRNA, nem eu nem qualquer outro terapeuta podemos ajudá-lo, porque os danos causados ​​pela vacinação serão geneticamente irreversíveis. Na minha opinião, essas novas vacinas representam um crime contra a humanidade que nunca foi cometido de maneira tão ampla na história”, diz a publicação.

Essas declarações são falsas. As vacinas de mRNA são desenvolvidas para não interferir com o DNA humano e são incapazes de causar danos genéticos. “Biologicamente, não tem evidência nenhuma disso. No caso das vacinas de mRNA, tudo é transparente, tudo é publicado. Os dados estão aí para serem analisados. E um cara que faz uma alegação dessas basicamente não leu a literatura. É muito importante explicar para as pessoas que isso é impossível”, alerta Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI).

O texto seria assinado por Robert F. Kennedy Jr. e começa com a frase “Caros pacientes”, dando a entender que se trata de um médico.

Kennedy é uma pessoa real. É um advogado e ambientalista norte-americano, filho do senador Robert F. Kennedy e sobrinho do presidente John F. Kennedy, ambos já falecidos. É dele a foto que ilustrava a publicação e havia um link para sua página na Wikipedia em inglês.

Embora não seja um profissional da saúde, Kennedy é conhecido pelo ativismo contra as vacinas nos Estados Unidos. Em suas redes sociais, como Instagram e Twitter, há postagens criticando as vacinas em desenvolvimento contra o novo coronavírus. Sua postura é criticada dentro da própria família, umas das mais influentes na política norte-americana.

Mas nada do que ele postou se assemelha ao texto publicado pelo blog brasileiro. Entramos em contato com um dos responsáveis pela página, que assina como Tomás de Aquino. Ele admitiu que não tinha certeza da autoria e disse que tirou o texto de uma página da Wikipedia em português. “Não foi traduzido por nós. E parece que a fonte não é confiável e parece que Robert F. Kennedy Jr. não é o autor da matéria. Parece ser fake. Estamos procurando a fonte original e, caso consigamos identificar, comunicamos”, disse Aquino por e-mail. Depois de conversar com a equipe do Comprova, o site excluiu a publicação.

Como verificamos?

A equipe do Comprova começou a verificação procurando o nome “Robert F. Kennedy Jr.” no Google. Encontramos informações sobre sua vida, carreira como advogado e ambientalista e militância no movimento antivacinação. Uma busca reversa de imagens mostrou que a foto que ilustrava a publicação era mesmo de Kennedy. Também encontramos os perfis do advogado no Instagram e no Twitter, tentando identificar conteúdos semelhantes ao que foi publicado em português.

Sem sucesso, fizemos uma busca no Google com os principais termos do texto verificado em inglês e em português. Mais uma vez, não foi possível identificar a origem do material. Por isso, entramos em contato com os responsáveis pelo blog católico Mater Saluti por e-mail. Tomás de Aquino contou que pegou o conteúdo em uma página da Wikipedia em português e admitiu que não tinha certeza da autoria. Então, pedimos que mandasse o link do original. “Parece que o texto em português também foi excluído da Wikipedia e, como não podemos identificar a fonte, tiramos o texto do ar”, explicou.

Para saber como as vacinas funcionam e se trazem algum risco para os pacientes, buscamos informações no site da Organização Mundial da Saúde (OMS) e em veículos de imprensa. Também conversamos por telefone com a professora universitária e pesquisadora Cristina Bonorino, que explicou como funcionam as vacinas do tipo mRNA.

Por fim, monitoramos o desempenho do texto verificado nas redes sociais com as ferramentas CrowdTangle e TweetDeck.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 26 de agosto de 2020.

Verificação

Vacinas mRNA

Há 173 vacinas para a covid-19 em estudo, de acordo com um levantamento da OMS. Pelo menos 20 delas usam tecnologia mRNA e duas já estão na fase 3 de testes em humanos: a da Moderna, em parceria com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (NIAID), e a da Pfizer em parceria com a BioNtech.

Normalmente, as vacinas usam o vírus desativado ou pedaços de proteínas do vírus para provocar uma resposta imune no organismo. As vacinas de mRNA têm pedaços do código genético do vírus, o RNA. Esse material é introduzido nas células do paciente dentro de lipossomos — pequenas bolhas de gordura — e faz com que o próprio corpo humano passe a produzir essas proteínas do vírus.

A pesquisadora Cristina Bonorino explica que a tecnologia está em estudo há mais de duas décadas, mas a pandemia acelerou o debate. “As de covid-19 vão ser as primeiras [vacinas produzidas com essa tecnologia]. Já fazia muito tempo que essa discussão estava em andamento para liberar essas vacinas porque tem evidência robusta de que ela funciona e ela não tem efeitos adversos graves”, lembra.

As vacinas mRNA têm um custo menor e podem ser produzidas mais rapidamente. Outra vantagem é que elas são sintéticas, ou seja, não manipulam vírus vivo, apenas parte do seu material genético.

Grupos antivacina

Em novembro do ano passado, antes do início da pandemia, uma reportagem mostrou que Robert F. Kennedy Jr. era um dos dois maiores patrocinadores de anúncios com desinformação sobre vacinas no Facebook. Em maio deste ano, já com o novo coronavírus circulando, a família do advogado falou abertamente que ele fazia uma campanha de desinformação em relação à vacina. Dois de seus irmãos e uma sobrinha publicaram um texto intitulado “Ele está tragicamente errado sobre vacinas”.

O movimento antivacina é tão forte nos Estados Unidos, onde é chamado de anti vaxxer, que tem preocupado autoridades sanitárias. Segundo uma pesquisa da Associated Press em parceria com a Universidade de Chicago realizada em maio, 20% dos norte-americanos disseram que não tomariam a vacina contra o SARS-CoV-2 e 31% não tinham certeza. Para frear o vírus e acabar com a pandemia, estima-se que cerca de 70% da população deva estar imunizada.

Na Europa, esse movimento também é forte e bem organizado. Em maio, alemães contrários à imunização fizeram protestos na cidade de Colônia. No início de agosto, cerca de 17 mil pessoas se reuniram em Berlim contra as medidas de prevenção ao vírus.

No Brasil, pesquisa Datafolha publicada em 15 de agosto mostrou que 9 em cada 10 brasileiros pretendem ser vacinados contra o novo coronavírus. Apesar do número alto de pessoas a favor da imunização, os grupos antivacina começam a se fortalecer por aqui. Dados do Programa Nacional de Imunizações (PNI) mostraram que pais e mães que se recusam a imunizar os filhos são vistos como uma das razões para o retorno de doenças que já estavam erradicadas no país, como o sarampo.

Um levantamento recente da União Pró-Vacina, da USP, mostrou que grupos antivacina brasileiros aumentaram em 383% a quantidade de notícias falsas espalhadas no Facebook de maio a julho.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. A postagem em questão gera medo e desconfiança e pode levar pessoas a decidirem não se vacinar quando a proteção estiver disponível para os brasileiros.

O texto atribuído a Robert F. Kennedy, Jr. teve mais de 40 mil interações até o dia 25 de agosto, antes de ser retirado do ar. No Twitter, alcançou 1.282 interações, entre repostagens e curtidas. No Facebook, foram 15 compartilhamentos até 26 de agosto.

O texto do blog católico também foi verificado pelo Boatos.org, que concluiu que as informações são falsas. A Agência Lupa e a Reuters checaram conteúdos semelhantes sobre as vacinas de mRNA.

Publicações que tentam desacreditar a importância da vacina já foram verificadas pelo Comprova, como o tuíte que afirmava que vacinas usam células de fetos abortados e uma teoria conspiratória segundo a qual a proteção teria um microchip para rastrear a população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.