O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-10-16

Frase de enviado da OMS é retirada de contexto para sugerir que entidade condena lockdown

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Enganoso
A fala de um enviado especial da OMS, tratado em um post no Twitter como diretor da entidade, foi tirada de contexto. A entidade admite que há impactos econômicos e sociais negativos com a adoção de lockdown, mas isso não significa que a OMS tenha mudado de opinião. Políticas de isolamento continuam sendo parte da estratégia de contenção de contágio, para “achatar a curva” de contágio e evitar a superlotação de hospitais
  • Conteúdo verificado: Post da deputada federal Major Fabiana usa fala de um representante da OMS para sugerir que a entidade mudou de opinião em relação à adoção de políticas de como meio de controle do vírus da covid-19

É enganoso o tuíte de uma deputada federal do PSL que imputa à Organização Mundial de Saúde (OMS) uma mudança de posição a respeito da utilização de lockdowns no controle da pandemia da covid-19. Em seu post, a parlamentar tira de contexto uma frase de um representante da OMS proferida durante entrevista a um site britânico em 9 de outubro.

Na ocasião, David Nabarro – que é enviado especial da organização e não seu diretor, como afirma a deputada –, de fato destacou os impactos econômicos e sociais negativos dos lockdowns. Isso não significa, no entanto, que a OMS tenha mudado de posição. Na mesma entrevista, Nabarro afirmou que os lockdowns são justificados em momentos de crise, para reorganizar os sistemas de saúde e proteger os profissionais que estão na linha de frente do combate à doença. A ideia desta prática é “achatar a curva” de contágio, evitar a superlotação de hospitais e, depois, permitir a reabertura das economias.

Nas redes sociais, a declaração crítica aos lockdowns de Nabarro foi utilizada para referendar de maneira retroativa a posição de determinados líderes políticos que eram contrários a esta prática mesmo nos momentos iniciais de crise da pandemia, quando as autoridades sanitárias recomendavam o fechamento de diversos setores da economia. A deputada federal cujo tuíte foi verificado é major da Polícia Militar do Rio de Janeiro e se define como “deputada federal da base do presidente” Jair Bolsonaro (sem partido).

Três dias depois da entrevista de Nabarro, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, criticou a dicotomia entre o fechamento das economias por tempo indeterminado e deixar a circulação do vírus livre – defendida por Bolsonaro e também por Donald Trump nos Estados Unidos, por exemplo. De acordo com Tedros, a entidade recomenda como forma principal de combate à pandemia medidas como detecção de casos, testagem em massa, rastreamento de contatos, quarentena para os infectados, higienização e máscaras.

Ao Comprova, a epidemiologista Denise Garrett, que atua no Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, destacou que os lockdowns e essas medidas de contenção citadas pelo diretor da OMS são parte da mesma estratégia. “O que precisamos é um plano, uma estratégia e articulação, de preferência a nível nacional, o que infelizmente não temos no Brasil”, afirmou.

Como verificamos?

Inicialmente, fizemos uma busca no Google para saber se algum representante da OMS havia falado recentemente sobre os lockdowns como uma estratégia de enfrentamento à pandemia. Por meio de uma matéria da revista Veja, descobrimos que a declaração havia partido de David Nabarro, enviado especial da OMS para lidar com a crise da covid-19, em uma entrevista ao site The Spectator. A partir daí, localizamos uma matéria do site britânico e um vídeo da entrevista, por meio do qual foi possível saber exatamente o contexto em que Nabarro usou a frase. Paralelamente, conseguimos confirmar as credenciais de Nabarro no site oficial da OMS.

A partir daí, enviamos questionamentos à assessoria de imprensa da OPAS, entidade que representa a OMS nas Américas, para saber qual o posicionamento da entidade sobre o uso de lockdowns e quais são as estratégias recomendadas pela entidade para enfrentar o novo coronavírus. Também buscamos no site da OMS o último comunicado sobre as estratégias para conter o SARS-CoV-2 divulgado pelo diretor da entidade, Tedros Adhanom.

Entrevistamos a epidemiologista Denise Garrett, que há mais de 20 anos é afiliada ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e o mestre em saúde pública Márcio Sommer Bittencourt, pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP (CPCE-USP) e membro do grupo de pesquisa Infovid, sobre a adoção de lockdowns e medidas de fechamento das atividades econômicas adotados no Brasil. Também procuramos a assessoria da deputada federal Major Fabiana, que publicou o tuíte, mas ela não respondeu até a publicação desta verificação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 16 de outubro de 2020.

Verificação

A fala de Nabarro

Embora esteja ligado à OMS, David Nabarro não é um dos diretores da organização. Ele atua como enviado especial da OMS para assuntos relacionados à pandemia. Nabarro e outras cincos pessoas integram um grupo de enviados especiais da OMS que tem por objetivo promover conselhos estratégicos a governos. O anúncio com os nomes dessa equipe ocorreu em 21 de fevereiro de 2020.

No vídeo da entrevista, a resposta de Nabarro sobre o tema lockdown na pandemia é um pouco mais completa do que a transcrição que viralizou. Ele diz que o lockdown deveria ser usado para ganhar tempo até que os governos desenvolvam estratégias melhores de controle do vírus.

Em tradução livre, a fala do enviado especial começou assim: “Um ponto realmente importante (…). Eu gostaria de afirmar novamente: nós, da Organização Mundial de Saúde, não defendemos o lockdown como o primeiro meio de controle do vírus. O único momento em que nós acreditamos que o lockdown é justificado é para ganhar tempo para reorganizar, reagrupar e rebalancear seus recursos; proteger seus profissionais de saúde que estão exaustos. Mas, em geral, nós preferimos não fazer isto”.

Nabarro segue sua resposta pedindo para que se olhe “o que está acontecendo com a indústria do turismo no Caribe ou no Pacífico porque as pessoas não estão tirando suas férias”. Ele também menciona a situação dos “pequenos proprietários agrícolas em todo o mundo porque seus mercados foram fechados” e os níveis de pobreza, que segundo ele, em 2021, podem dobrar no mundo.

Na sequência, ele reforça que talvez dobremos também o número de crianças mal nutridas “porque as crianças não estão se alimentando nas escolas e os seus pais, nas famílias mais pobres, não são capazes de pagar por isso”. Ele define a situação como “uma terrível e medonha catástrofe global”.

Ele finalizou dizendo: “Nós realmente pedimos a todos os líderes mundiais: parem de usar o lockdown como o seu primeiro método de controle. Desenvolvam sistemas melhores para fazer isso. Trabalhem juntos e aprendam uns com os outros. Mas se lembrem que lockdowns têm uma consequência que você nunca deve menosprezar. E ela é fazer pessoas pobres ainda mais pobres.”

O que a OMS pensa sobre lockdown

Quatro dias após a entrevista de Nabarro, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, leu um comunicado criticando a ideia de deixar as pessoas expostas ao vírus para atingir a imunidade de rebanho. “Não é uma escolha entre deixar o vírus livre para circular ou fechar nossas sociedades. O vírus é transmitido entre contatos próximos e causa surtos que podem ser controlados através de medidas direcionadas. Prevenir eventos amplificadores; proteger os mais vulneráveis; empoderar, educar e engajar comunidades. E persistir com as mesmas ferramentas que nós temos defendido desde o primeiro dia: encontrar, isolar, testar e cuidar dos casos, encontrar e pôr em quarentena seus contatos”, afirmou.

No mesmo comunicado, também disponível em vídeo no site da entidade, ele lembrou que há várias ferramentas disponíveis para combater a pandemia. “A OMS recomenda a identificação dos casos, isolamento, testagem, cuidado compassivo, rastreamento de contatos, quarentena, distanciamento físico, higienização das mãos, máscaras, etiquetas respiratórias, ventilação, evitar multidões e mais”, afirmou.

Adhanom também disse reconhecer que, em certos momentos, alguns países não tiveram escolha a não ser emitir ordens para que as pessoas permanecessem em casa como uma medida para ganhar tempo. “Muitos países usaram esse tempo para desenvolver planos, treinar profissionais de saúde, distribuir suprimentos, aumentar a capacidade de testagem, reduzir o tempo dos testes e melhorar o cuidado com os pacientes. A OMS está esperançosa que os países irão utilizar as intervenções onde e quanto necessárias, baseados em suas situações locais”, prosseguiu.

Procurada pelo Comprova, a OPAS enviou uma nota por e-mail afirmando que os lockdowns voltaram a ser um tópico de discussão no momento em que os países voltam a enfrentar picos da covid-19. Embora veja essa medida como “não sustentável”, a OMS entende que ela pode ser necessária para suprimir rapidamente o vírus e evitar que o sistema de saúde do país seja sobrecarregado. “Lockdowns não são soluções sustentáveis devido a seus impactos econômicos, sociais e de saúde mais amplos. No entanto, durante a pandemia de covid-19, houve momentos em que as restrições foram necessárias e pode haver outros momentos no futuro”, afirma a OMS.

A entidade defende que, por causa dos seus impactos econômicos e sociais, os lockdowns precisam ter duração limitada e devem ser utilizados para que o país possa preparar medidas de saúde pública de longo prazo e buscar soluções mais sustentáveis. A OPAS também enviou ao Comprova uma lista de orientações e precauções relacionadas à pandemia que devem ser seguidas por cidadãos e governos.

Orientações da OMS:

  • Identificar casos da covid-19
  • Isolar pessoas com casos confirmados
  • Testar e cuidar de cada pessoa com caso confirmado
  • Rastrear e colocar em quarentena todos os contatos dessas pessoas
  • Equipar e treinar profissionais de saúde
  • Educar e capacitar as comunidades a protegerem a si e aos outros

Precauções relacionadas à covid-19:

  • Distanciamento físico (pelo menos 1 metro)
  • Lavar/higienizar as mãos
  • Usar uma máscara quando o distanciamento físico não for possível
  • Tossir e espirrar a uma distância segura das outras pessoas
  • Evitar aglomerações
  • Manter as janelas e portas abertas quando você não puder encontrar amigos e familiares do lado de fora

Especialistas

A epidemiologista Denise Garrett, filiada há mais de 20 anos no Centro de Controle e Prevenção de Doenças, em Atlanta, nos Estados Unidos, explicou por que as adoções de lockdowns foram importantes no início da pandemia: “Foram importantes para nos dar mais tempo de aprender a tratar melhor os pacientes e preparar o sistema de saúde. Salvaram milhões de vidas e temos vários estudos científicos mostrando esse impacto.”

Garrett, que também é vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, reforçou que o lockdown não é uma medida a ser adotada por longo tempo.

“Essa é uma medida temporária para criarmos uma estratégia de controle e nos prepararmos”, disse. “Mas também não podemos simplesmente deixar o vírus correr solto. O que precisamos é um plano, uma estratégia e articulação, de preferência a nível nacional, o que infelizmente não temos no Brasil.”

Para a médica é preciso ‘abordagens mais diferenciadas e direcionadas usando dados sobre nossas epidemias locais’, o que consequentemente exigirá investimentos, sobretudo, em testes. Desta maneira é possível elaborar intervenções para abordar o que está acontecendo nas comunidades, adaptando as intervenções e realizando alterações necessárias à medida que as evidências também mudam.

Ela finalizou enfatizando que, “até termos uma vacina efetiva e segura, nós precisamos desacelerar a transmissão com medidas restritivas planejadas e direcionadas”.

O Comprova ouviu também o mestre em saúde pública Márcio Sommer Bittencourt, pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP (CPCE-USP) e membro do grupo de pesquisa Infovid. Ele acredita que as pessoas estão usando o lockdown de forma política, até mesmo porque não se tem uma definição homogênea da OMS do que é o lockdown.

“Lockdown é uma expressão que as pessoas inventaram e que não tem uma definição tão clara do que é. Em alguns países está se chamando de lockdown uma intervenção muito mais intensa que em outros países que também estão adotando lockdown com uma intervenção muito menos intensa”.

Bittencourt explicou que a OMS propõe uma “estratégia multifacetada de intervenções comunitárias, também chamada de intervenções não-farmacológicas, que atuam em várias direções”. Ele também expôs quais são os pilares dessa estratégia.

“O primeiro pilar é o isolamento de caso, depois vem a quarentena de contatos, seguido das medidas de bloqueio físico e bloqueio químico e o quarto pilar é evitar medidas de super disseminação”.

Ele reforçou que os quatro pilares são a parte principal da estratégia de manutenção de controle para Covid-19. E que existe um quinto pilar, o do distanciamento físico, que segundo ele é mais flexível.

“Nele você inclui desde pedir para as pessoas ficarem a dois metros umas das outras até pedir para fechar estabelecimentos, proibir viagem, reduzir o número de pessoas no restaurante e etc. Ou num caso muito extremo, particular e por período curto de tempo, quando está muito intenso, pedir até fechamento completo de uma cidade e todo trânsito não essencial”.

O pesquisador enfatizou que a adoção de lockdown não é a primeira estratégia, não é primordial e não é obrigatoriamente necessária.

“É uma medida de exceção, quando os outros quatro pilares não podem ser implementados adequadamente ou ainda não foram implementados adequadamente. Ou até mesmo, quando já foram e não estão dando conta, você vai intensificando as medidas de distanciamento. Idealmente, você não deveria chegar num lockdown ou num fechamento tão extremo. Essa seria uma medida de último recurso que pode sim ser necessária e que é sim eficaz”

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal. Quando esses conteúdos tratam de formas de prevenção ou de tratamento da doença causada pelo novo coronavírus, a checagem se torna ainda mais importante, já que a desinformação pode levar as pessoas a deixarem de se proteger e se expor a riscos desnecessários, durante uma doença que já causou 152,4 mil mortes e infectou 5,1 milhões de pessoas no Brasil, segundo o Ministério da Saúde.

A publicação da deputada federal Major Fabiana teve 1,1 mil compartilhamentos e 5,8 mil curtidas no Twitter. Conteúdo similar publicado no site Frontliner teve 3 mil interações nas redes sociais, segundo a plataforma de monitoramento CrowdTangle. O tema também tem importante repercussão política, uma vez que o presidente Jair Bolsonaro e diversos governadores entraram em atrito durante a pandemia por causa de medidas de fechamento da economia para conter a propagação do Sars-CoV-2.

Recentemente, o Comprova mostrou que um tuíte enganou ao questionar a compra de vacinas pelo governo de São Paulo; que um post distorceu informações para insinuar que China não usará a própria vacina; que um estudo distorce dados para dizer que países que usaram a hidroxicloroquina tiveram 75% menos mortes pela covid-19; e que vacinas contra o novo coronavírus não serão capazes de provocar danos genéticos nem vão monitorar a população.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-10-16

Deputado usa dados imprecisos para colocar em dúvida a eficiência de medidas de distanciamento social

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte mistura dados corretos com outros imprecisos, exagerados ou não consolidados para criticar medidas de isolamento tomadas por estados brasileiros
  • Conteúdo verificado: Tuíte do deputado e ex-ministro Osmar Terra que coloca em dúvida eficácia de quarentena e lockdown ao comparar dados sobre excesso de mortalidade

É enganoso o tuíte em que o deputado federal Osmar Terra (MDB) questiona a eficácia das medidas de distanciamento social. No post que viralizou nas redes, ele argumenta que alguns estados tiveram mortes a mais do que outros apesar de todos terem colocado em prática quarentena e lockdown. Segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, o argumento não faz sentido, pois as medidas foram aplicadas de maneiras diferentes em cada estado.

Terra também exagera ao escrever, sem citar fontes, que 90% das mortes pela covid-19 na Itália aconteceram no Norte do país. As duas regiões que compõem o norte italiano registraram, até 4 de outubro — data em que parlamentar fez a postagem —, segundo dados oficiais do governo, 30.464 mortes, o equivalente a 84,2% das mortes registradas no país até a data (90% seriam 32.387 vidas perdidas). A diferença entre a porcentagem apontada pelo parlamentar e a constatada pelo Comprova equivale a mais de 2 mil mortes.

O deputado usa ainda a porcentagem de excesso de mortes (comparação entre o número de óbitos por causas naturais que ocorreram neste ano, com a pandemia, e em 2019) em locais pontuais do país, como Amazonas e região Sul, mas o “Painel de análise do excesso de mortalidade por causas naturais no Brasil em 2020”, criado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) para monitorar óbitos em tempos de coronavírus, apresenta números diferentes do que os utilizados pelo ex-ministro. Já no Registro Civil o levantamento apresenta dados praticamente iguais aos dele. No entanto, no Registro Civil os dados são atualizados com atraso, ou seja, é incorreto chegar a conclusões a partir do excesso de mortes com as informações disponíveis.

O Comprova entrou em contato com Osmar Terra, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

Como verificamos?

Para entender as comparações que o ex-ministro faz nas redes sociais, entramos em contato com seu gabinete por meio do e-mail disponível em sua página na Câmara de Deputados e também via WhatsApp. Não houve retorno até o momento da publicação desta reportagem.

Procuramos, então, órgãos que monitoram dados sobre óbitos, em tempos de pandemia e também em anos anteriores. Consultamos o “Painel de análise do excesso de mortalidade por causas naturais no Brasil em 2020” do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), o Portal Transparência do Registro Civil e o DataSUS.

Buscamos ainda auxílio de especialistas para tentar interpretar o conteúdo criado por Osmar Terra. Colaboraram o professor titular de epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Naomar de Almeida Filho; a epidemiologista e consultora-sênior da organização global de saúde pública Vital Strategies, Fatima Marinho; o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry; e o epidemiologista professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Fernando Barros.

Também nos apoiamos em verificações anteriores feitas pelo Comprova, como a que contesta que os registros de óbitos em cartórios confirmam dados da pandemia no Brasil e a que aponta erroneamente que a pandemia estaria em declínio após zerar excesso de mortes.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 15 de outubro de 2020.

Verificação

Quarentena e lockdown

Osmar Terra minimiza os efeitos do distanciamento social ao escrever no tuíte o que parece ser um questionamento, mesmo sem ponto de interrogação: “Se todos Estados brasileiros fizeram quarentena e lockdown, por quê uns tiveram muito mais mortes do que outros. (sic)”.

Vale lembrar que quarentena e lockdown são recursos distintos, porém, ambos usam o artifício do isolamento social. Para a OMS, distanciamento social são as medidas aplicadas a entornos sociais específicos, ou à sociedade em sua totalidade, para reduzir o risco de adquirir ou difundir a covid-19. O lockdown é a forma mais radical, quando as pessoas são proibidas de sair de casa — salvo exceções, como atendimento médico. Já o isolamento, também chamado de confinamento ou quarentena, é a separação de pessoas doentes para não propagar a infecção. De acordo com a assessoria de imprensa da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço pan-americano da OMS, “distanciamento social e isolamento são algumas das medidas não farmacológicas recomendadas no contexto da covid-19”.

No Brasil, como afirma Terra, todos os estados decretaram, em algum momento, quarentena ou lockdown. Porém, alguns usaram o termo quarentena para instaurar o fechamento de serviços não essenciais, como São Paulo e Roraima.

O epidemiologista Naomar de Almeida Filho avalia que o distanciamento social foi uma medida importante para evitar maior contágio e consequentemente novas mortes. “O fato é que houve enorme variação na natureza e intensidade das medidas, e em pouquíssimos lugares houve lockdown efetivo”, diz. Almeida Filho destaca que fez parte de uma equipe que pesquisou a situação nos estados do Nordeste. “A conclusão foi de que, apesar de as respostas terem sido bastante distintas pelos estados, dada a ausência de medidas centralizadas emanadas do governo federal, houve uma importante redução no número de óbitos pela covid-19 na região, como resultado das medidas de distanciamento físico e de ações na saúde tomadas pelos governos estaduais”, afirma.

Circulação prévia e frio

Ao fim do texto, Osmar Terra diz que “no Sul o vírus não circulou como no restante do país e só aumentou o contágio com o frio do inverno.”

A metodologia mais adequada para medir circulação do Sars-CoV-2 são os estudos de prevalência (pesquisa que rastreia a covid-19 na população). Conforme matéria de GZH de setembro, a quarta fase do estudo epidemiológico sobre a covid-19 no país coordenado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a Epicovid, mostrou que “o maior percentual de infecção (número de pessoas que testaram positivo) foi registrado nas regiões Norte (2,4%) e Nordeste (1,9%). No Sul, Centro-Oeste e Sudeste, ficou em 0,5%”.

O epidemiologista Paulo Petry explica que a data de chegada do vírus ou os locais onde circulou não devem ser fatores primordiais de análise. “O que interessa não é quando o vírus chegou, mas sim que medidas tomamos para enfrentar o vírus”, afirma. Sobre o frio, ele alerta que o “vírus não respeita temperatura”.

O também epidemiologista Fernando Barros, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e um dos integrantes do Epicovid, acrescenta que a circulação do vírus tem se dado em momentos diferentes em cada região. “O vírus está circulando no país desde março. Em alguns locais esta circulação já foi muito intensa, como foi o caso do Norte, Nordeste e Sudeste. A circulação diminuiu em grande parte devido às medidas de distanciamento social. No Sul e no Centro-Oeste a circulação mais intensa começou mais tarde.”

Sobre a questão do frio, o médico afirma que doenças respiratórias têm, em geral, uma maior prevalência nos meses de inverno no Sul do país. “Mas a temperatura tem pouca influência na covid-19, como vimos pelas altas taxas nos estados da Região Norte. O aumento da mortalidade por covid-19 no RS coincidiu com o inverno, mas não há como saber se foi pelo frio e maior contaminação intradomiciliar. No Sudeste, o pico da mortalidade foi no fim do outono.”

Barros arremata pontuando que “doenças respiratórias costumam ser sazonais, mas o distanciamento social pode modificar este comportamento”.

Na Itália

No tweet verificado aqui, Osmar Terra afirma também que “a Itália concentrou 90% das mortes por covid no norte do país”. Na divisão administrativa da Itália não consta uma região norte, mas entende-se este termo como uma referência às oito regiões que ficam na porção mais ao norte do país.

Há na Itália cinco macrorregiões: noroeste, nordeste, centro, sul e as ilhas. A macrorregião noroeste é composta por quatro regiões (Piemonte, Lombardia, Liguria e Valle d’Aosta) e a nordeste por outras quatro (Emilia-Romagna, Trentino-Alto Adige, Veneto e Friuli-Venezia Giulia). Juntas, essas regiões registraram, até 4 de outubro, segundo dados oficiais do governo italiano, 30.333 mortes. Isso corresponde a 84,2% das 35.986 mortes registradas em todo o país até a mesma data.

Reprodução de mapa do site http://opendatadpc.maps.arcgis.com/ que usa dados oficiais do governo italiano

Os dados

A postagem de Osmar Terra vem acompanhada de uma imagem. Nela, o parlamentar segue o raciocínio iniciado no tuíte. Entre as afirmações, está a de que “No Brasil acontece um aumento médio anual de 4%”, referindo-se à série histórica de mortalidade para comparar com o que chama de mortes excedentes. Esse excesso de mortalidade é a diferença entre o número de óbitos esperados e o observado em determinado período.

Não fica claro qual o recorte dado por Terra para o índice de 4%. Contudo, levando em conta dados do mesmo Portal Transparência de registros de óbitos, a porcentagem mencionada por Terra não está correta. Em um recorte anual, feito em 15 de outubro, do total de mortes no país desde 2015, primeiro ano de registro no portal, até 2019 (ano mais recente com informações completas), o crescimento de mortes foi de:

  • 13,6% entre 2015 e 2016 (879.181 para 998.977),
  • 4,02% entre 2016 e 2017 (998.977 para 1.039.147),
  • 13,9% entre 2017 e 2018 (1.039.147 para 1.184.544)
  • 5,4% entre 2018 e 2019 (1.184.544 para 1.249.039).

De acordo com DataSUS, ferramenta de estatísticas do Ministério da Saúde para obter dados de morbidade hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS), e com números consolidados mais recentes de 2018 – a conta também não fecha. Os acréscimos foram:

  • 3,6% entre 2015 e 2016 (1.264.175 para 1.309.774)
  • 0,2% entre 2016 e 2017 (1.309.774 e 1.312.663)
  • 0,3% entre 2017 e 2018 (1.312.663 para 1.316.719)

O epidemiologista Naomar de Almeida Filho vê inconsistência na comparação feita pelo deputado.

“O problema em usar indicadores de excesso de mortalidade comparativamente com anos anteriores está no atraso na consolidação dos dados, que demoram no SIM (Sistema de Informações de Mortalidade) para estabilizar”, afirma. “Os coeficientes de mortalidade infantil, geral e proporcional por causas só são publicados com um ‘atraso’ de em média dois anos. (…) Todo mundo sabe que leva um tempo longo (até dois anos) para os certificados serem auditados, compilados e, finalmente, chegarem ao registro de óbitos. Por isso, o SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), que pertence ao DataSUS, só tem fechado o ano de 2018.”

Fatima Marinho também contesta o que escreve o deputado emedebista. Para ela, quando se trabalha com a mortalidade média do país existe um comportamento diferente de quando se avalia partes da nação.

“Não se pode aplicar um raciocínio para o geral e depois por estado. Como é dito, se a mortalidade aumenta 4% ao ano, não se pode atribuir isso a todos os estados. Se 4% é a média, vai ter gente com mais e gente com menos”, explica Fatima, acrescentando: “Aí ele pega os 4% e vai comparar com o Amazonas que diz ser de 33%. Não se pode aplicar um raciocínio para o todo, que é média, para parte do todo”.

Fatima complementa ainda indicando o Painel de Monitoramento de Excesso de Mortalidade. Trata-se de um compilado de análises feitas do início da primeira semana epidemiológica de 2020 (29/12/2019) até o fim da 36ª semana epidemiológica (05/09/2020). Para isso, o monitoramento usa três diferentes fontes de dados: Portal da Transparência dos Cartórios do Registro Civil do Brasil, Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e as estimativas populacionais preliminares elaboradas pelo Ministério da Saúde. “Observem o Piauí, como é sub-registrado o óbito no cartório. Vejam os estados com sub-registro e com bom registro. Qualquer análise e conclusão que use o dado do portal da transparência sem correção está errada”, avalia Fatima.

Estados e seus índices

Em determinado trecho do tuíte, Osmar Terra elenca estados e regiões com porcentagens que, ao que tudo indica, fazem referência ao excesso de mortalidade. Conforme o deputado: “o aumento maior em 2020 foi no Amazonas (33%), Ceará (32%) e Maranhão (27%). Os 3 Estados do Sul não tiveram aumento em relação ao número previsto, sem pandemia, e o Piauí teve menos 6% de mortes do que em 2019”.

A origem dos dados é desconhecida. Entretanto, fizemos uma análise com base em duas fontes: o painel de análise do excesso de mortalidade por causas naturais no Brasil em 2020 do Conass e o Portal Transparência do Registro Civil. No primeiro os números diferem completamente com os colocados pelo deputado, já o segundo é praticamente igual.

Conforme informações do Conass (que tem compiladas métricas até agosto), as porcentagens de excesso de mortalidade neste ano são 74% para o Amazonas, 58% para o Maranhão e 53% para o Ceará. O Piauí, onde o parlamentar diz ter menos mortes na comparação com 2019, aparece no painel do Conass com aumento de 8%. A região Sul também teve alta no índice, ainda que pequena, de 5%. O Rio Grande do Sul teve acréscimo de 2%, já Santa Catarina e Paraná, de 7% cada. Considerando-se todo o território nacional houve um salto de 22%, conforme o Conass.

No Portal da Transparência do Registro Civil selecionamos os meses de janeiro a setembro, considerando que os dados mencionados por Osmar seriam desses meses, já que o tuíte data de 4 de outubro. O site não oferece registros de mortes por dia, como contabiliza Terra ao afirmar: “Como 2020 nao se completou é possível calcular pela taxa/dia e comparar com os anos anteriores, para ver as mortes excedentes causadas pela Covid.” Então, usamos as informações sobre os meses fechados (de janeiro a setembro) e comparamos 2019 com 2020 para os estados e regiões mencionadas pelo ex-ministro. Os resultados, desta vez, apresentam pouca variação se comparados ao que informou o ex-ministro. Houve realmente aumento das mortes em 33% no Amazonas e 32% no Ceará, bem como redução em torno de 6% no Piauí. Já o Maranhão apresentou acréscimo de 28% nos óbitos e a região Sul de 2%.

Esse cálculo foi feito com base nos dados do portal em 15 de outubro. Mesmo que os índices sejam similares com os apontados por Terra, vale lembrar que o site tem atualizações constantes e há atraso nos registros.

O portal é mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) que em verificação anterior, por meio de nota, afirmou ao Comprova que o site é alimentado de “hora em hora” em dias úteis. A entidade diz que a recomendação é de que as análises dos dados disponíveis considerem os números anteriores a um intervalo de 15 dias — contados retroativamente a partir do dia presente.

O Portal da Transparência informa que “a atualização pelos registros de óbitos lavrados pelos Cartórios de Registro Civil obedece a prazos legais”. Esse prazo leva em conta que “a família tem até 24 horas após o falecimento para registrar o óbito em cartório que, por sua vez, tem até cinco dias para efetuar o registro de óbito”. Considera que o cartório tem ainda oito dias para enviar o registro à Central Nacional de Informações do Registro Civil, que atualiza o portal. No total, oficialmente, são 14 dias.

Quem é Osmar Terra

Osmar Terra exerce o sexto mandato na Câmara dos Deputados, representando o Rio Grande do Sul. Em 2016, foi Ministro do Desenvolvimento Social no governo de Michel Temer (MDB) e ocupou a pasta da Cidadania já na gestão de Jair Bolsonaro, em 2019.

O deputado federal é formado em Medicina e foi presidente do Grupo Hospitalar Conceição entre 1986 e 1989. Também ocupou o cargo de secretário da Saúde do Rio Grande do Sul de 2003 a 2010, nas gestões de Germano Rigotto (MDB) e Yeda Crusius (PSDB).

Terra é um apoiador de Jair Bolsonaro e, seguindo o discurso do presidente, já negou a gravidade da pandemia em diversas ocasiões — inclusive no post verificado aqui, em que usa o termo “epidemia” e não pandemia. Chegou a afirmar que o distanciamento social não tinha eficácia comprovada, que as mortes pelo novo coronavírus no Brasil não passariam o número de óbitos por H1N1 e declarou que a pandemia terminaria em junho. Já em agosto, compartilhou imagens antigas para criticar o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS).

Por que investigamos?

Nesta terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Em ano de eleitoral, quando disputas políticas estão acirradas, o coronavírus tornou-se tema de debates em campos ideológicos opostos.

É preciso atenção para que informações não comprovadas influenciem a população a diminuir cuidados básicos para frear a continuidade do contágio, como o distanciamento social e as etiquetas de saúde (higiene das mãos e uso de máscara, por exemplo).

O post do deputado Osmar Terra subestima a tragédia de 152.460 mortos e mais de cinco milhões de infectados, conforme informações do Ministério da Saúde.

A publicação do parlamentar no Twitter teve mais de 2,5 mil interações de acordo com a ferramenta CrowdTangle — entre curtidas, comentários e compartilhamentos.

Em março, o Comprova verificou um vídeo em que Terra defende o isolamento vertical, afirmando que apenas idosos e pessoas de grupos de risco deveriam ficar isoladas. As imagens circularam como se fossem do cardiologista Adib Jatene, falecido em 2014. O Comprova também checou outro conteúdo lançado na rede pelo parlamentar em que ele usa dados de internações por covid-19 no Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre, para afirmar que a epidemia estaria reduzindo no Rio Grande do Sul.

O projeto averiguou ainda materiais que tentam diminuir ou subestimar a força do coronavírus. Entre eles, sobre posts que distorcem dados de 2019 e 2020 para negar as então mais de 100 mil mortes por covid-19, a que contesta os registros de óbitos em cartórios confirmam dados da pandemia no Brasil e a que aponta erroneamente que a pandemia estaria em declínio após zerar excesso de mortes.

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado. É o caso da publicação de Osmar Terra, que usa números reais para chegar a uma conclusão que não é verdadeira.

Aviso de atualização: Esta verificação foi atualizada em 20 de outubro para corrigir uma informação que constava do segundo parágrafo do texto. Ao fazer os cálculos sobre mortes por Covid-19 no norte da Itália, o Comprova considerou a data de 14 de outubro, quando foi feita esta verificação. Na versão atual, refizemos os cálculos considerando a data de 4 de outubro, quando o post de Osmar Terra foi publicado. Com isso, foi dada nova redação ao segundo parágrafo da seção “Na Itália” que reproduzia os mesmos dados. Essa atualização não muda as conclusões da verificação.

Saúde

Investigado por: 2020-10-08

Tuíte engana ao questionar compra de vacinas pelo governo de SP

  • Enganoso
Enganoso
Com números equivocados e afirmações desconectadas dos fatos, ex-ministro do governo Bolsonaro insinua que pessoas abaixo de 35 anos não deveriam ser vacinadas contra a covid-19
  • Conteúdo verificado: Publicação de Abraham Weintraub no Twitter questionando a necessidade de vacinação contra a covid-19 para quem tem menos de 35 anos.

É enganoso o tuíte em que o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub questiona se a vacinação contra o novo coronavírus deveria ser para toda a população do estado de São Paulo, insinuando que alguém estaria lucrando com a compra de 46 milhões doses da CoronaVac feita pelo governo paulista.

“Precisa vacinar todos os paulistas? Metade tem menos de 35 anos! Baixo risco”, escreveu. Weintraub também pergunta se “não seria prudente ‘apenas’ 10 milhões de doses para todos com mais de 50 anos?”. Os recortes de idade feitos por ele não têm sentido, como explica Renato Kfouri, pediatra, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). “Não há diferença entre quem tem 28, 40, 45, 35 ou 50 anos. O grupo de risco etário no Brasil é acima de 60 anos, mas a covid-19 pode ser grave em todas as idades”, diz ele.

Além disso, Weintraub desconsidera que o objetivo do governo de São Paulo não é vacinar toda a população, mas distribuir as doses de CoronaVac entre os brasileiros, priorizando determinados grupos. Contatado pelo Comprova, o Instituto Butantan, parceiro da empresa farmacêutica chinesa Sinovac Life Science no desenvolvimento do imunizante, afirmou que, após aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a vacina “poderá ser disponibilizada para toda a população brasileira” e que “quem define as políticas de distribuição nas campanhas vacinais é o Ministério da Saúde”.

Outro ponto levantado pelo ex-ministro é o de que a vacina “pode ter efeitos adversos”. Os testes ainda estão sendo realizados, mas, de acordo com o Butantan, “estudos preliminares com 50 mil voluntários na China demonstraram que a vacina é segura e não apresentou reações adversas significativas”.

O Comprova entrou em contato com Weintraub, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Por meio de pesquisas no Google, buscamos reportagens e publicações em fontes oficiais, como o site do Instituto Butantan, do governo paulista e da Universidade Johns Hopkins, referência na covid-19, sobre a vacina em questão.

Por e-mail, entramos em contato com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para obter números sobre projeções da pirâmide etária das populações brasileira e paulista. Também contatamos o governo paulista com alguns questionamentos sobre a verificação e entrevistamos, por telefone, Renato Kfouri, pediatra, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Tentamos fazer contato com Weintraub por meio de mensagens no Twitter e no Instagram, mas ele não respondeu.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 8 de outubro de 2020.

Verificação

Coronavac

Os testes da vacina produzida pelo Butantan em parceria com a Sinovac estão na fase três, a última etapa para verificar sua segurança e eficácia. Eles envolvem cerca de 9 mil profissionais de saúde que se apresentaram voluntariamente em 12 centros de pesquisa de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Distrito Federal.

O governo paulista pretende iniciar a vacinação contra a covid-19 com a CoronaVac na segunda quinzena de dezembro. Segundo o órgão, a prioridade serão “os profissionais de todas as unidades públicas e privadas de saúde de São Paulo”. Questionado, o governo não informou quem mais terá prioridade, mas sabe-se que, depois dos profissionais de saúde, deverão ser imunizadas pessoas que estão nos grupos de risco da doença, como idosos (quem tem mais de 60 anos) e pessoas com doenças crônicas, e, em sequência, agentes de segurança, profissionais da educação e a população indígena.

João Doria, governador paulista, já indicou que quer distribuir a vacina para os outros estados, não apenas para São Paulo. No início de outubro, o governo enviou os dados da CoronaVac ao Ministério da Saúde para agilizar o registro do produto. No dia 30 de setembro, em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, Weining Meng, diretor do laboratório Sinovac, afirmou: “Trabalhando em conjunto com o Butantan, nossa meta é simples: nós vamos trazer vacina suficiente para o Brasil“.

Entretanto, vale ressaltar, como o próprio Butantan informou, que quem define o público-alvo e as políticas de distribuição de vacinas no país é o Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI).

Além das 46 milhões de doses já anunciadas, o governo paulista prevê receber mais 15 milhões até março do próximo ano. Outras 100 milhões podem ser adquiridas ainda em 2021, “a depender de suporte do Ministério da Saúde”.

Efeito colateral

Weintraub escreve, na publicação verificada, que “a vacina pode ter efeitos adversos” insinuando que nem todos deveriam se imunizar. A alegação, no entanto, não tem evidências. Conforme o Butantan informou ao Comprova, os resultados demonstrados a partir de estudos preliminares realizados com 50 mil voluntários na China “mostraram um excelente perfil de segurança, com índice de 5,36% de efeitos adversos de grau baixo”. Entre as reações mais frequentes estão dor no local da aplicação (3,08%), fadiga (1,53%) e febre moderada (0,21%). As outras reações foram perda de apetite, dor de cabeça e febre.

De qualquer forma, não é o governo de um estado que libera a distribuição de uma vacina. Ela só poderá ser oferecida com a autorização da Anvisa, que revisa todos os documentos técnicos e regulatórios e verifica os dados de segurança e eficácia, bem como avalia a qualidade da vacina. “O registro, concedido pela Anvisa, é o sinal verde para que a vacina seja comercializada e disponibilizada no país”, informa o site do órgão regulador federal.

Perda de doses

Se, como Weintraub sugere, apenas as pessoas com mais de 50 anos fossem receber a Coronavac, seriam necessárias mais de 30 milhões de doses, e não 10 milhões, como ele escreve. Ele ignora o fato de que a CoronaVac é oferecida em duas doses e que há uma margem de perda da vacina, como explica Renato Kfouri, da SBim. “O frasco vem com uma quantidade de doses e, na hora em que você abre e manuseia, perde cerca de 20%”, afirma o profissional.

O cálculo das 30 milhões de doses foi feito pelo Comprova considerando essa perda e que a população paulista com mais de 50 anos representa 12,8 milhões de pessoas, segundo projeção da população para o período de 2020 realizada pelo IBGE.

Em seu tuíte, Weintraub insinua ainda que quem já foi infectado pelo novo coronavírus não precisaria se imunizar. Mas, segundo um estudo da Universidade Johns Hopkins sobre alocação e distribuição de vacinas nos Estados Unidos, os “testes de anticorpos podem fornecer evidências de infecção anterior, mas não necessariamente prova de imunidade eficaz”. O texto da instituição, que se tornou uma referência mundial sobre a covid-19, conclui que, “neste ponto, não é possível saber se um resultado sorológico positivo deve alterar a prioridade de vacinação de um indivíduo” – inclusive, já foram divulgados casos de reinfecção ao redor do mundo.

Outro ponto importante e ignorado no tuíte de Weintraub é que, embora atinja mais os idosos, a covid-19 também mata pessoas com menos de 60 anos. Segundo a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), do governo de São Paulo, dos 36.699 óbitos informados no estado até 8 de outubro, 23,7% eram de pessoas com até 59 anos.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. A postagem em questão – que teve cerca de 3 mil compartilhamentos no Twitter e quase 12 mil curtidas até 8 de outubro – gera dúvidas sobre o processo de desenvolvimento da vacina e pode levar pessoas a decidirem não se vacinar quando a proteção estiver disponível para os brasileiros.

Publicações que tentam desacreditar a importância da vacina já foram verificadas pelo Comprova, como o post que insinua que a China não usará a própria vacina, o vídeo que afirma que as vacinas produzirão danos genéticos, o tuíte que diz que imunizantes usam células de fetos abortados e uma teoria conspiratória segundo a qual a proteção teria um microchip para rastrear a população.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-10-07

Post distorce informações para insinuar que China não usará a própria vacina

  • Enganoso
Enganoso
Ao contrário do que afirma uma publicação no Facebook, os chineses têm realizado testes de suas vacinas na população. O post também desconsidera que vários países além da China têm buscado diversificar seus fornecedores de vacinas
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook afirma que a China comprou vacina da Suécia para aplicar nos chineses, enquanto vendeu para o Brasil os imunizantes desenvolvidos na Ásia

Uma publicação distorce informações sobre as negociações para aquisição de vacinas contra a covid-19 sugerindo que há algo de errado com os imunizantes desenvolvidos por empresas chinesas, já que um laboratório do país fechou acordo com a AstraZeneca, empresa parte britânica e parte sueca, para que a China receba 100 milhões de doses do composto desenvolvido em parceria com a Universidade de Oxford, caso ele se prove eficaz para combater a doença. O post questiona por que os chineses estariam em busca dessas vacinas enquanto vendem os seus produtos para o Brasil.

Apenas uma das 13 vacinas desenvolvidas por chineses tem acordo para distribuição no Brasil: a CoronaVac, da Sinovac Biotech. O acordo com o governo de São Paulo prevê a importação de 60 milhões de doses, mas também que a tecnologia será transferida para o Instituto Butantan, que produzirá a vacina no país. Até dezembro deste ano, o Butantan pode produzir até 40 milhões de ampolas.

O conteúdo verificado desconsidera ainda que a China já concedeu autorização especial para que as vacinas da Sinovac e da Sinopharm – ambas desenvolvidas lá – sejam aplicadas na população do país considerada de alto risco, caso dos médicos e profissionais de saúde. O material não leva em conta, também, que vários países têm buscado diversificar seus fornecedores de vacinas.

A China não é o único país que desenvolve vacinas contra covid-19 a comprar imunizantes produzidos por outras nações. Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo, têm, cada um, acordos com seis diferentes fornecedores de vacinas contra o novo coronavírus, segundo levantamento do jornal Financial Times. Como ainda não é possível saber quais das 42 vacinas em fase de testes serão eficazes para imunizar o vírus, o país que conseguir fechar acordos de fornecimento com mais de uma empresa farmacêutica tem mais chances de ter um imunizante eficiente disponível para sua população, mesmo que um deles não seja aprovado.

A publicação também desconsidera que 12 das 13 vacinas desenvolvidas por empresas ou institutos de pesquisa chineses foram aplicadas primeiro em cidadãos da própria China, em suas fases 1 e 2 de testes em humanos. A Coronavac, vacina da Sinovac que está sendo testada no Brasil em conjunto com o Instituto Butantan, veio realizar a fase 3 do ensaio clínico na América do Sul porque, na época, o número de novos casos na China havia caído substancialmente, o que tornaria difícil saber se as pessoas não se infectaram por causa do imunizante ou simplesmente porque não tiveram contato com o vírus.

Como verificamos?

Para essa verificação, primeiramente buscamos por notícias sobre acordos feitos pela China com laboratórios de fora do país para negociar a pré-aquisição de doses de vacina contra a covid-19. Também buscamos matérias detalhando as negociações entre os países e fornecedores de imunizantes. Ao ver que alguns países estavam trabalhando para diversificar os seus fornecedores de vacinas, procuramos a imunologista Viviane Boaventura (Fiocruz) e o epidemiologista Eduardo Martins Netto (UFBA) para entender a estratégia por trás dos acordos prévios para a compra desses produtos com mais de um fornecedor.

Depois, buscamos na lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) todas as 42 vacinas contra o novo coronavírus que já estão em estágio de ensaio clínico. Elas foram desenvolvidas por 74 empresas ou institutos de pesquisa. Procuramos os sites de cada uma dessas companhias ou entidades para saber quais delas eram chinesas e se tinham relações conhecidas com o governo chinês. Depois que encontramos 13 vacinas com a participação de instituições chinesas, usamos o banco de dados da OMS para ver em que país foram realizados os testes clínicos de cada um desses imunizantes.

Por fim, procuramos a autora da postagem, que não respondeu até a publicação desta verificação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 07 de outubro de 2020.

Verificação

Acordo com a AstraZeneca

Em agosto, a AstraZeneca, uma empresa parte sueca, fechou um acordo com o laboratório chinês Shenzhen Kangtai Biological Products para produzir 100 milhões de doses por ano da vacina contra a covid-19, desenvolvida junto com a Universidade de Oxford. A produção ainda depende da comprovação da eficácia da vacina, atualmente em fase 3 de testes – o último estágio dos ensaios clínicos que envolve milhares de voluntários.

Esse, porém, não é o único imunizante no radar do governo chinês. Desde julho, a TV estatal chinesa informou que vacinas experimentais estavam sendo administradas em grupos de risco, como profissionais de saúde. Esses imunizantes foram desenvolvidos por companhias chinesas, de acordo com a CCTV. Os nomes dos laboratórios não foram especificados na época. Mas várias vacinas passaram por fases anteriores de testes na China, incluindo a CoronaVac, que está realizando a sua fase 3 no Brasil em parceria com o Instituto Butantan.

No mês passado, a chefe de biossegurança do Centro de Controle de Doenças e Prevenção chinês, Wu Guizhen, anunciou que o país pode ter uma vacina contra o coronavírus disponível para o público em novembro. Ela não explicou, porém, a qual vacina se referia. Vacinas da Sinovac e da Sinopharm já receberam uma aprovação para uso especial no país por pessoas que são grupos de alto risco, como médicos e profissionais de saúde.

Além disso, as vacinas da AstraZeneca, por si só, não seriam suficientes para imunizar a população chinesa. O acordo prevê a produção de 100 milhões de doses em um ano e a China tem uma população de quase 1,4 bilhão de pessoas.

Diversidade de fornecedores

Países têm apostado em diversificar seus fornecedores de vacina, segundo levantamento do Financial Times. Os Estados Unidos e o Reino Unido pré-encomendaram vacinas de seis fornecedores. O Canadá e o Japão encomendaram imunizantes de quatro laboratórios. A Austrália, a Índia e o Brasil fizeram compra antecipada de doses de dois fornecedores. Além da CoronaVac, o Brasil fechou um acordo com a AstraZeneca para produção dos imunizantes.

No caso da CoronaVac, o governo de São Paulo informa que 60 milhões de doses serão importadas da China e, desde que seja comprovada a eficácia, serão distribuídas gratuitamente à população através do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas não só. O acordo também prevê que a Biovac transfira para o Brasil a tecnologia para que o Instituto Butantan seja capaz de produzir os imunizantes em território nacional. Até dezembro deste ano, o governo paulista espera receber 6 milhões de doses da Sinovac e produzir outras 40 milhões no Butantan, segundo uma matéria da BBC News Brasil. O objetivo é imunizar toda a população do Estado.

O Brasil também aderiu à Covax, uma coalizão global para a compra e distribuição de vacinas contra a covid-19 que está sendo liderada pela Gavi (aliança para a vacinação mundial da Fundação Bill e Melinda Gates) e pela OMS. A meta da Covax é viabilizar a compra de 2 bilhões de doses até o final de 2021.

Para o professor Eduardo Martins Netto, que é médico-epidemiologista do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes) e chefe do Laboratório de Pesquisa em Infectologia na mesma unidade, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), além de coordenador do Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Bahia (Famed), é normal que os países busquem, neste momento, uma diversidade de fornecedores de vacinas.

“Não existe ainda nenhuma vacina licenciada em nível mundial. Só existe investigação, pesquisa para vacina. Os países estão diversificando os possíveis fornecedores. Isso é muito natural, porque se você não tem nada, você pode comprar de uma determinada fábrica ou de outra. Você pode dizer: ‘olha, se essa vacina não deu certo, não protegeu, tem uma perspectiva para outra vacina”, aponta.

Para o epidemiologista, o que os países podem fazer, neste momento, é se comprometer a comprar uma vacina, se ela funcionar. “Já houve investimento em fábricas, como Butantan, Manguinhos, que investiram em aumentar as instalações para produção da vacina”, completa.

Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professora de Imunopatologia da Faculdade de Medicina da Bahia (Famed/UFBA), a imunologista Viviane Boaventura explica que “há normas de ética e boas práticas em pesquisa clínica que tornam necessário que as primeiras etapas de estudos de desenvolvimento de medicamentos e vacinas sejam testadas necessariamente no país que desenvolveu”.

Sobre a diversidade de fornecedores, ela disse acreditar que os países possam, sim, comprar de outros. “Mesmo porque devem ser tecnologias diferentes e podem facilitar a produção e distribuição para um grande número de pessoas. Pode ser o caso”, sugere.

Testes na China

Segundo o levantamento da Organização Mundial da Saúde, atualmente, 42 vacinas candidatas estão em ensaio clínico (isto é, sendo testadas em humanos), enquanto 151 estão em estágio pré-clínico. Entre as vacinas que já estão em teste clínico, 13 foram desenvolvidas por companhias chinesas ou institutos de pesquisa da China (veja detalhes de cada uma delas no próximo tópico).

Cidadãos chineses foram os primeiros a serem inoculados com os imunizantes desenvolvidos por empresas locais. Das 13 vacinas em fase de ensaio clínico desenvolvidas por empresas ou instituições chinesas, 12 tiveram testes realizados na própria China. É o caso das cinco vacinas que chegaram à fase 3: Sinovac, Wuhan Institute of Biological Products, Beijing Institute of Biological Products, CanSino Bio e Fosun Pharma. Todas elas tiveram suas fases 1 e 2 realizadas com voluntários chineses. Só a fase 3 foi sediada em outros países, possivelmente por causa da queda no número de infectados na própria China. Esse foi o caso da Coronavac, que veio para o Brasil quando havia poucos casos ativos entre os chineses. “Não podemos fazer isso (os testes) quando não há casos”, afirmou o presidente da Sinovac, Yin Weidong, em maio.

Os imunizantes da Anhui Zhifei Longcom Biopharmaceutical e da Chinese Academy of Medical Sciences, que ainda não chegaram à fase 3, realizaram os testes das fases 1 e 2 na China.

As vacinas da Beijing Minhai Biotechnology, da Academy of Military Medical Sciences, do West China Hospital, da Beijing Wantai Biological Pharmacy e da Walvax Biotech também recrutaram voluntários chineses para a fase 1 de testes. Elas ainda não avançaram para a segunda etapa do ensaio clínico.

De todos os imunizantes com participação de empresas chinesas, o único que não teve nenhuma fase da testagem realizada na China foi o da Clover Biopharmaceuticals. A vacina, que tem participação da empresa americana Dynavax e da britânica GSK, está realizando a fase 1 do ensaio clínico na Austrália.

Vacinas chinesas

A Sinovac é uma empresa biofarmacêutica criada em 2001 com foco no desenvolvimento de vacinas e com ações negociadas na bolsa de valores americana Nasdaq. Atualmente, a vacina está na fase 3 de testes. Ela usa o vírus desativado e exigiria a aplicação de duas doses com 14 dias de diferença entre cada aplicação.

O Wuhan Institute of Biological Products é um braço da Sinopharm, uma estatal chinesa que atua em toda a cadeia do ramo farmacêutico, incluindo desenvolvimento, produção e distribuição de medicamentos. A vacina, que usa o vírus inativo, está em fase 3 de testes e exigiria duas doses de aplicação, com intervalo de 21 dias entre cada uma delas.

O Beijing Institute of Biological Products também é uma subsidiária da estatal chinesa Sinopharm. Eles tentam desenvolver uma vacina que usa o vírus desativado e que já está na fase 3 de testes. Seria necessário tomar duas doses com 21 dias de distância entre cada aplicação.

A CanSino Bio foi fundada em 2009 e tem suas ações negociadas na bolsa de valores de Hong Kong. A vacina que eles estão desenvolvendo está na fase 3 e usa um adenovírus para estimular a resposta imune no corpo. Seria necessária apenas uma dose.

A Fosun Pharma é uma companhia chinesa fundada em 1994 com ações negociadas nas bolsas de Shanghai e Hong Kong. Ela é uma das fundadoras da Sinopharm, farmacêutica estatal, junto com a China National Pharmaceutical Group Corporation. A Fosun Pharma é uma das parcerias da americana Pfizer e da alemã BioNTech no desenvolvimento de uma vacina à base de RNA que está na fase 3 de testes. Ela exigiria a aplicação de duas doses, tomadas com uma diferença de 28 dias.

Anhui Zhifei Longcom Biopharmaceutical é uma companhia chinesa fundada em 2002 com ações negociadas na bolsa de valores de Shenzhen. A empresa desenvolve uma vacina em conjunto com o Institute of Microbiology da Chinese Academy of Sciences. O instituto surgiu em 1958. A academia data de 1949 e foi berço de parte dos projetos de planejamento de longo prazo do governo chinês. A vacina está na fase 2 e usa uma proteína como estimulante da resposta imune. Ela pode exigir duas ou três doses para ser eficaz, com 28 dias de distância na aplicação de cada uma delas.

O Institute of Medical Biology da Chinese Academy of Medical Science, uma instituição pública, foi fundado em 1958 para produzir e comercializar vacinas contra vírus. A vacina desenvolvida lá usa o vírus inativo e está na fase 2 de testes. Ela exigiria a aplicação de duas doses e 28 de intervalo entre uma aplicação e outra.

A Beijing Minhai Biotechnology é uma subsidiária da Shenzhen Kangtai Biological Products, empresa fundada em 1992 com ações negociadas na bolsa de valores de Shenzhen. A vacina usa vírus inativo e ainda está na fase 1 de testes. A aplicação pode ter 1, 2 ou 3 doses.

O Institute of Biotechnology da Academy of Military Medical Sciences, PLA of China é uma instituição pública ligada às Forças Armadas chinesas. A vacina está na fase 1 de testes e utiliza um vetor viral não-replicante. Ela exigiria duas doses de aplicação, com 28 dias de diferença entre uma e outra.

A Clover Biopharmaceuticals é uma companhia chinesa, que desenvolve uma vacina em parceria com a americana Dynavax e com a britânica GSK. A vacina usa proteína para gerar a resposta imune. Ela está na fase 1 de testes e deve exigir duas doses de vacinação, com 21 dias entre as duas aplicações.

O West China Hospital da Sichuan University é uma instituição de ensino que existe desde 1892. Eles trabalham em uma vacina que está na fase 1 de testes e utiliza uma proteína para ativar a resposta imune. Ela exigiria duas doses com 28 dias de diferença entre uma aplicação e outra.

A Beijing Wantai Biological Pharmacy é uma empresa fundada em 1991 com ações sendo negociadas na bolsa de valores de Shanghai. Ela está trabalhando em uma vacina com a Xiamen University, uma universidade pública chinesa fundada em 1921. A vacina está na fase 1 de testes e usa um vetor viral republicante. Ela exigiria apenas uma dose para ser aplicada.

A Walmax Biotechnology é uma empresa chinesa fundada em 2001 que tem ações sendo vendidas na bolsa de valores de Shenzhen. A vacina está sendo desenvolvida em conjunto com a Academy of Military Sciences, ligada às Forças Armadas. Ela usa RNA e está na fase 1 de testes. A vacina exigiria duas aplicações, com 14 ou 28 dias de intervalo entre ambas.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia de covid-19 e sobre políticas públicas do governo federal que tenham ampla repercussão nas redes sociais. Quando a publicação envolve medicamentos ou métodos de imunização contra o novo coronavírus, a checagem é ainda mais importante porque o conteúdo enganoso pode levar as pessoas a deixarem de tomar medidas para se proteger contra a infecção.

Atualmente, as vacinas são um dos meios mais promissores para o controle definitivo da doença, que já causou 147,4 mil óbitos e infectou 4,9 milhões de pessoas apenas no Brasil, de acordo com o painel do Ministério da Saúde.

O mesmo conteúdo foi verificado por Aos Fatos, que classificou de distorcido, pelo Estadão Verifica, que apontou como enganoso, e pelo Boatos.org, que tratou como um boato. A publicação no perfil pessoal do Facebook que foi verificada aqui teve mais de 41 mil compartilhamentos. O texto teve 9,4 mil interações na rede social, após ser compartilhado por páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), segundo a ferramenta de monitoramento CrowdTangle. O presidente disse, em setembro, que não podia obrigar ninguém a tomar a vacina, embora uma lei assinada por ele em fevereiro preveja a possibilidade de vacinação compulsória contra o novo coronavírus, como mostrou o Comprova.

O Comprova verificou recentemente publicações que tentavam desacreditar a importância da imunização, mostrando que as vacinas não vão ser usadas para monitorar a população, não causarão danos irreversíveis ao DNA, nem poderão rastrear as pessoas. Desde o início da pandemia, o Comprova também verificou peças de desinformação sobre a China, como a de que o país contaminou máscaras, que as principais cidades chinesas não tiveram casos de covid-19 e que o novo coronavírus teria sido criado num laboratório chinês.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-10-01

Estudo distorce dados para dizer que países que usaram a hidroxicloroquina tiveram 75% menos mortes pela covid-19

  • Falso
Falso
A pesquisa, anônima e manipulada, foi divulgada por um site de extrema-direita com histórico de publicação de conteúdos distorcidos
  • Conteúdo verificado: Postagem de Arthur Weintraub no Twitter mostrava o resultado de um estudo que afirmava que países que usaram a hidroxicloroquina tiveram 75% menos mortes.

Um estudo sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 usa dados e informações incorretas para concluir que países que usaram a droga tiveram 75% menos mortes. Tanto a hidroxicloroquina quanto a cloroquina não possuem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. Os dados foram compartilhados no Twitter por Arthur Weintraub, antigo assessor especial do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Para atingir os resultados, os responsáveis pelo estudo excluíram países que adotaram as medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como distanciamento social e o uso de máscaras. Os autores, que não se identificaram, também manipularam termos científicos e editaram o texto da pesquisa sem sinalizar aos leitores.

“A quantidade de variáveis confundidoras é tão grande que esse desenho de estudo é inadequado para abordar essa pergunta científica (se a cloroquina é eficaz como tratamento precoce). A forma adequada e com menor risco de ruído de variáveis confundidoras é fazer um estudo clínico randomizado [quando um grupo aleatório toma o remédio e outro grupo, um placebo]”, explica Letícia Kawano-Dourado, pneumologista e pesquisadora da Universidade de Paris, na França.

Como verificamos?

A publicação de Arthur Weintraub levava para um tuíte da médica Simone Gold, que havia colocado o link de uma notícia do site norte-americano de extrema-direita WND, publicação que possui histórico de notícias falsas. Ao acessar a matéria, encontramos o link do estudo que embasou a publicação.

Procuramos pelos autores no site HCQTrial.com, mas, na página de “perguntas frequentes”, eles afirmam que querem seguir anônimos. Ainda assim, enviamos uma mensagem no campo de “feedback” e não tivemos retorno.

Na sequência, procuramos no Google matérias que tivessem relação com o que foi publicado na página do estudo. Encontramos um texto de David H. Gorski, pesquisador e médico oncologista da Universidade Wayne State, nos Estados Unidos, com longas críticas ao artigo. Também encontramos a conta do Twitter do biologista Carl Bergstrom, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos. Ele também fez críticas ao estudo.

Depois, entramos em contato com o infectologista Gerson Salvador, da USP. Ele analisou parte do estudo e nos indicou a médica Letícia Kawano-Dourado, pneumologista e pesquisadora da Universidade de Paris. As duas entrevistas foram feitas por WhatsApp.

Tentamos contato com Arthur Weintraub, mas não tivemos resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de setembro de 2020.

Verificação

O estudo e suas limitações

O site HCQtrial apresenta sua análise como um “estudo randomizado de países”. A proposta é comparar a mortalidade (óbitos por milhão) da covid-19 entre diferentes grupos de nações, a depender do uso de hidroxicloroquina no combate à doença. De acordo com os responsáveis, países que adotaram “amplamente” a substância como “tratamento precoce” têm taxa 73,1% menor que as nações onde o uso precoce da medicação foi limitado. Os números foram atualizados pela última vez em 27 de setembro, três dias depois da publicação de Weintraub.

“Eles não randomizaram ninguém. Randomizar é sortear um indivíduo ou um hospital, por exemplo, para receber uma intervenção. O estudo deles não sorteou ninguém, apenas analisou o que aconteceu. É um estudo observacional, com todos os vieses dos estudos observacionais”, explica Letícia Kawano-Dourado.

Os pesquisadores não detalham o que seria o tratamento precoce ou tardio, quais os protocolos utilizados por cada país nem há quanto tempo cada tipo de procedimento foi adotado. Eles excluíram países com menos de 1 milhão de habitantes e em que menos de 0,5% da população tenha mais de 80 anos. De acordo com os pesquisadores, também ficaram de fora países que adotaram rapidamente o uso de máscaras e estratégias de isolamento, afirmando que nesses casos “há baixa dispersão do vírus no momento”.

O Brasil, por exemplo, não foi considerado na análise, apesar de ser o 2º com mais mortes por covid-19 e estar entre os cinco países onde há mais óbitos por milhão de habitantes. O HCQtrial justifica a exclusão pelo “uso muito variado” da hidroxicloroquina durante o surto no país. Desde maio, o governo brasileiro permite a administração de cloroquina para o tratamento de casos leves da doença.

O médico David H. Gorski, que analisa pesquisas “pseudocientíficas” há cerca de 20 anos, e o biologista Carl Bergstrom, da Universidade de Washington (EUA), são alguns dos especialistas que criticam severamente o artigo do HCQtrial.

De acordo com ambos, o problema começa já na caracterização da análise. Gorski explica o funcionamento dos estudos randomizados: “Por exemplo, se você quiser determinar se a droga X pode servir de tratamento para a condição Z, a forma clássica seria aleatoriamente escolher indivíduos com essa condição para receber ou a droga X ou um placebo [grupo de controle]. Idealmente, o estudo seria duplamente cego: nem os voluntários nem os pesquisadores saberiam quem está recebendo o quê”. O médico ressalta ainda que, nesse tipo de teste, os participantes aderem ao estudo antes de o tratamento ser administrado e que existe um esforço para manter o mesmo tamanho e características entre os dois grupos que serão analisados.

“Nenhuma dessas características se aplica ao estudo do HCQTrial”, explica Gorski. “Não há como alguém ‘randomizar’ países para usar ou não determinada substância. Não faz sentido.”

Bergstrom acrescenta que a caracterização de “estudo randomizado de países” parece ter sido inventada para essa pesquisa específica, “feita para confundir”.

Gorski acrescenta: “Se você não sabe nada sobre epidemiologia, essa caracterização pode soar razoável e te levar a concordar com a conclusão”. Ele ressalta ainda que a análise não considera sequer os diferentes usos da substância em um mesmo país.

Gorski e Bergstrom também constataram que o texto do artigo muda com frequência, sem sinalizar as edições aos leitores. Por exemplo, em determinado momento, o HCQTrial afirmou que cerca de 2,7 bilhões de pessoas fazem parte do grupo de tratamento. Até a publicação deste texto, a amostra foi reduzida e está em 1,8 bilhão.

A nomenclatura dá a entender que 1,8 bilhão é a quantidade de pessoas sujeitas ao uso da cloroquina contra a covid-19, quando, na verdade, é a população somada dos países onde a substância é aceita amplamente como tratamento precoce. Não há indicação de quantas pessoas efetivamente usaram o medicamento em nenhum dos dois grupos analisados.

Autores anônimos

Não é possível saber quem está por trás dos sites C19Study.com, C19HCQ.com e HCQTrial.com, que compõem o grupo verificado. Na página “perguntas frequentes”, a explicação seria um possível medo de retaliação.

“Somos pesquisadores PhDs, cientistas e pessoas que esperam dar uma contribuição, mesmo que pequena. (…)Temos pouco interesse em aumentar nossas listas de publicações, estar no noticiário ou na TV (já fizemos todas essas coisas antes, mas sentimos que há coisas mais importantes na vida agora)”, informa a página citando possíveis casos de ameaças a Didier Raoult e Simone Gold, médicos defensores do uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19.

Didier Raoult foi responsável por publicar em março um estudo afirmando que o uso da cloroquina teria curado 75% dos pacientes com covid-19 em seis dias. A pesquisa foi alvo de críticas da revista Science, referência em estudos científicos, e seus resultados foram questionados e considerados incompletos.

Simone Gold é uma médica norte-americana. Em suas redes sociais, ela costuma postar diversas matérias em defesa da hidroxicloroquina. Algumas delas possuem alerta de conteúdo falso pelo Instagram.

A postagem de Arthur Weintraub teve como base um tuíte de Simone Gold, que continha um link que levava para uma matéria sobre o site HCQTrial. Tentamos contato com o ex-assessor especial de Jair Bolsonaro (sem partido), mas não obtivemos respostas.

“Alguém trabalhou muito nesse falso relatório, e é alguém que não quer ser identificado. Não apenas não há autores ou entidades listadas, como a informação sobre o registro do site estão protegidos. Isso – junto com a análise terrivelmente enganada – deveria ser uma enorme bandeira vermelha”, criticou o biologista Carl Bergstrom.

O grupo responsável pelo site HCQTrial.com mantém uma conta no Twitter com pouco mais de 3 mil seguidores, também sem identificação alguma sobre seus autores. Na página, costumam publicar textos defendendo a hidroxicloroquina.

O infectologista Gerson Salvador aponta a ausência de informação dos autores como um dos problemas presentes no site. “Salta aos olhos quatro coisas: 1) não haver descrição da metodologia; 2) não haver exposição de quem são os investigadores; 3) não haver menção de submissão a comitê de ética; 4) o produto estar publicado no próprio site do projeto ao invés de uma plataforma científica”, afirma.

Cloroquina e hidroxicloroquina

A ideia de que a cloroquina e a hidroxicloroquina pudessem ser prescritas para pacientes infectados pelo novo coronavírus surgiu por causa de uma pesquisa de 2005, que indicava efeitos positivos contra outros tipos de coronavírus em laboratório. Mas os testes em humanos nunca aconteceram.

Em junho, a Organização Mundial da Saúde suspendeu em definitivo os testes com as duas drogas. Os testes feitos pela entidade mostraram que as substâncias não reduzem a mortalidade em pacientes internados com a doença.

Estudos realizados de acordo com o padrão ouro para pesquisa com medicamentos — que exige testes com grupos de controle e o uso de placebos — publicados no Journal of the American Medical Association (Jama) e no British Medical Journal (BMJ) apontaram que pacientes tratados com cloroquina e hidroxicloroquina não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os mesmos remédios. Uma pesquisa realizada em 55 hospitais brasileiros e publicada no New England Journal of Medicine (NEJM) chegou às mesmas conclusões.

Cloroquina no Brasil

O uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 é amplamente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Mesmo as drogas não tendo comprovação científica, em março, ele ordenou que o Laboratório do Exército produzisse os medicamentos.

A pressão para que as substâncias fossem adotadas custou o cargo de dois ministros da Saúde: Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Desde que assumiu a função interinamente, Eduardo Pazuello alterou o protocolo do Ministério da Saúde e ampliou a possibilidade do uso dos medicamentos para pacientes com sintomas leves – até então, eram recomendados apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais.

Agora efetivado como novo ministro da Saúde, Pazuello planeja um “Dia D” de enfrentamento da covid-19, em 3 de outubro. De acordo com o Estadão, a pasta planeja uma série de ações, entre elas, turbinar a distribuição de medicamentos do “kit covid-19”, que reúne além da cloroquina e da hidroxicloroquina, a azitromicina e ivermectina. Essas duas também não possuem eficácia comprovada no combate à doença.

Por que investigamos?

A terceira fase do Comprova verifica postagens suspeitas envolvendo a pandemia da covid-19 e políticas públicas do governo federal. A publicação de Arthur Weintraub no Twitter teve, até o fechamento deste texto, 7,5 mil interações, entre curtidas, compartilhamentos e comentários.

Postagens como essa são perigosas porque alimentam a esperança da população em um remédio que não tem eficácia comprovada no tratamento de uma doença que não tem cura e já matou mais de 1 milhão de pessoas no mundo e mais de 143 mil no Brasil. Além disso, a hidroxicloroquina possui efeitos colaterais, que podem ser prejudiciais sem um acompanhamento médico.

O Comprova já verificou outros conteúdos envolvendo estudos sobre a hidroxicloroquina. Mostramos que um artigo belga não comprovava a eficácia da droga no tratamento precoce da covid-19, assim como pesquisadores de um estudo italiano não propunham o uso da hidroxicloroquina no tratamento da doença.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-09-28

Vídeo de homem implorando por banho de mar foi gravado um dia depois do anúncio de reabertura da orla

  • Enganoso
Enganoso
Fechada para banhos de mar desde março, a orla de Salvador foi reaberta dois dias depois da gravação. Três praias, incluindo o local em que o vídeo foi gravado, permaneceriam fechadas por conta da estreita faixa de areia
  • Conteúdo verificado: Tuíte exibe um vídeo em que um homem de sunga é impedido de entrar no mar para afirmar que suas liberdades individuais estariam sendo sufocadas.

Postagem que afirma que um homem está tendo as liberdades individuais sufocadas ao ser impedido por dois guardas municipais de entrar na praia do Porto da Barra, em Salvador, omite o fato de que as praias da cidade, fechadas desde março por conta da pandemia do novo coronavírus, estavam em processo de reabertura no momento da gravação do vídeo.

No dia anterior à gravação das imagens, a prefeitura havia anunciado que quase todas as praias de Salvador estariam liberadas para banhistas de segunda a sexta-feira. A liberação, seis meses após a interdição, no entanto, não incluiu as praias do Porto da Barra, da Paciência e do Buracão – as duas últimas no bairro do Rio Vermelho – porque elas têm uma faixa de areia pequena. A autorização foi suspensa novamente no dia 28 de setembro, porque o decreto foi desrespeitado e as pessoas frequentaram as praias no final de semana.

O vídeo foi postado originalmente no perfil do Facebook do homem que aparece nas imagens. De sunga e sem máscara, ele alega que quer dar apenas um mergulho e que precisa tomar banho de mar diariamente por recomendação médica. Na postagem original, feita no sábado (19), o vídeo tem 1 minuto e 36 segundos. No dia 22 de setembro, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) postou o vídeo em sua conta no Twitter, com 36 segundos a menos – foi cortado o início, em que o homem diz o seu nome. Ele é candidato a vereador em Salvador.

Procurado pelo Comprova, o homem que aparece de sunga no vídeo disse que adquiriu um problema de saúde depois de um assalto e que o tratava com banhos de mar. Apesar da interdição ter sido feita em março, o homem declarou que se banha todos os dias na praia do Porto da Barra e que não sabia que o local estava interditado.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Primeiro, o Comprova buscou por vídeos e outras publicações na internet que levassem a um homem que protestava contra a proibição do banho de mar em Salvador. Foram localizados outros vídeos de protesto durante a pandemia. Em um deles, o homem usava um megafone para protestar na porta do prédio onde mora o prefeito ACM Neto e se identificava.

A partir do nome dito pelo homem em um dos vídeos, localizamos o perfil dele no Facebook. Lá, encontramos o vídeo original gravado na praia do Porto da Barra e outras postagens feitas no local, ao vivo, no mesmo dia.

Procuramos ainda a Guarda Civil Municipal de Salvador, responsável pela fiscalização do acesso às praias e o homem que aparece nas imagens, além do Ministério Público Estadual (MP-BA) e Federal (MPF), citados por ele no vídeo. Também foi procurada a deputada federal Bia Kicis, que compartilhou o vídeo viralizado.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 28 de setembro de 2020.

Verificação

Porto da Barra, 19 de setembro, praia interditada

O vídeo foi gravado no dia 19 de setembro de 2020, um sábado, na praia do Porto da Barra, uma das mais frequentadas de Salvador (BA), e postado originalmente no perfil de Facebook do homem que aparece de sunga nas imagens. As imagens são feitas por uma outra pessoa, que não aparece nas gravações. Procurado pelo Comprova, o homem disse não saber quem gravou o vídeo, embora ele o tenha postado diretamente em sua conta no Facebook.

No mesmo dia, o usuário fez uma transmissão ao vivo na mesma praia, às 9h52. Um pouco mais tarde, às 11h41, ele também fez uma transmissão ao vivo na entrada do Shopping Barra, que fica no mesmo bairro que a praia em questão.

Em postagens nos dias seguintes, ele afirma que se dirigiu ao Porto da Barra, no sábado (19), e que foi impedido de acessar o local pela Guarda Municipal. No vídeo, é possível perceber que, diante do pedido do homem para entrar na praia, os dois guardas respondem que “infelizmente, não é possível”.

O acesso de banhistas ao local está proibido desde 21 de março. No dia em que as imagens foram feitas, a interdição valia para o Porto da Barra e outras cinco praias da capital baiana: Farol da Barra, Rio Vermelho, Itapuã, Piatã e Ribeira. Nas demais, não havia proibição, mas recomendação para que as pessoas não as frequentassem para evitar aglomerações. As operações de fiscalização feitas pela prefeitura nas praias foram batizadas de ‘Tira o pé da areia’.

No vídeo, o homem cobra providências de deputados, promotores e do Ministério Público Federal. O decreto que interdita as praias de Salvador, no entanto, é municipal e não tem interferência de deputados. Por e-mail, o Ministério Público Federal disse que, “por não envolver autoridades com foro por prerrogativa de função em tribunais superiores, a Procuradoria-Geral da República não atua no caso das praias de Salvador”.

O Ministério Público Estadual informou, por e-mail, que o Grupo de Trabalho de Enfrentamento do Novo Coronavírus (GT Coronavírus) “recebeu reclamações de cidadãos quanto à restrição do acesso às praias” e que “o GT enviou ofício à prefeitura pedindo informações sobre o protocolo de reabertura das praias, dos estudos técnicos que vão baseá-lo”.

A assessoria de comunicação da Prefeitura de Salvador informou que “todas as ações são amplamente divulgadas em todos os canais oficiais da Prefeitura, além da imprensa, e que o MP tem acesso através do Diário Oficial do Município, onde são publicados todos os protocolos”.

Abertura parcial

As imagens foram feitas no Porto da Barra no dia seguinte ao anúncio feito pelo prefeito ACM Neto (DEM) de que o acesso à maioria das praias de Salvador seria liberado, mas somente de segunda a sexta-feira. Ou seja, a determinação passou a valer no dia 21 de setembro, seis meses após as interdições e dois dias após a gravação do vídeo.

Apesar da liberação, três praias seguiram interditadas, mesmo durante a semana: o próprio Porto da Barra, a Praia da Paciência e a praia do Buracão – estas duas últimas no bairro do Rio Vermelho. Apesar do bloqueio para banhistas, as praias estiveram liberadas para pescadores neste período.

Por e-mail, a Guarda Civil Municipal, responsável por fiscalizar o acesso, informou que estas três praias ficaram fora da liberação, neste primeiro momento, porque “possuem uma faixa de areia pequena, logo sendo ambientes com facilidades para gerar aglomerações”. A Guarda acrescentou que “em tempos comuns, sem a atual pandemia, [esses locais] recebem uma grande quantidade de público”.

Outras opções

O mesmo homem que foi barrado no Porto da Barra no dia 19 de setembro voltou ao local na segunda-feira, 21 de setembro. Neste dia, no entanto, ele e outros banhistas tinham uma alternativa: a praia do Farol da Barra, vizinha ao Porto, estava liberada por decreto municipal. O acesso fica a cerca de 800 metros do local onde foi gravado o vídeo.

Incluindo as três ilhas que compõem o território de Salvador – Ilha dos Frades, Ilha de Maré e Ilha de Bom Jesus dos Passos – a capital baiana possui 64 quilômetros de orla marítima. Dentro da cidade, são 50 quilômetros de praias, que lotaram no final de semana em que o vídeo foi gravado.

Por causa do desrespeito ao decreto que permitia a liberação das praias somente durante a semana, a prefeitura decidiu interditá-las novamente. O anúncio foi feito no dia 28 de setembro e, a princípio, a interdição tem o prazo de validade de uma semana.

Que doença ele tem que pede um tratamento com banho de mar?

Procurado pelo Comprova e questionado sobre qual doença ele tinha que necessitava de banhos de mar, o homem informou que foi assaltado, “pegou pânico e se curou tomando banho de mar”. “Todos os dias tenho que toma banho de mar sempre tomei banho de mar no Porto não sabia que estava proibido (sic)”, declarou.

Ele acrescentou que ele e mais pessoas tomam banho de mar no Porto da Barra todos os dias, que 60 idosos se reúnem no lugar para “curar tudo” e que o banho de mar “relaxa, dá saúde em todo o corpo, tira manchas e tira covid-19 (sic)”. O homem não respondeu que médico lhe fez a recomendação, nem explicou como não sabia que a praia estava interditada, mesmo tendo informado que ia lá todos os dias. O homem ainda disse que em outra praia da cidade, no Jardim de Alah, teve o mesmo problema. Questionado se foi em outra praia, disse que não por ser “homem idoso” e alegou que frequenta o Porto da Barra por morar no bairro de Brotas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), ainda não há cura para a covid-19.

Procurada pelo Comprova, a deputada federal Bia Kicis informou que não sabia detalhes sobre a situação, mas que “é nítido pelo vídeo que essa informação [interdição] não foi passada a esse senhor”, disse a assessoria da parlamentar, em nota.

Apesar disso, no dia 20 de março, o acesso à praia foi fechado por tapumes e uma placa foi instalada no local informando que a praia estava interditada por força do decreto 32.272/2020.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova checa conteúdos virais que possam espalhar desinformação nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19. O vídeo compartilhado pela deputada teve mais de 31 mil curtidas no Twitter até o dia 28 de setembro, além de ter sido retuitado 3,8 mil vezes até a mesma data.

Embora o vídeo seja verdadeiro, ele omite a informação de que um homem estava tentando acessar uma praia que foi interditada por decreto municipal devido à pandemia do novo coronavírus, para evitar aglomerações que possam disseminar ainda mais a doença. Outras praias da cidade não foram interditadas, mas havia a recomendação de também evitar aglomerações.

Como o homem que aparece nas imagens é candidato a vereador em Salvador, o Comprova omitiu seu nome desta verificação.

Não é a primeira vez que medidas de proteção contra a covid-19 são atacadas nas redes sociais. O Comprova mostrou que eram enganosas as postagens que relacionavam a morte de uma menina na Alemanha ao uso de máscara e que equipamentos de proteção exportados pela China estavam contaminados.

Saúde

Investigado por: 2020-09-22

Não há evidências que liguem morte de menina alemã ao uso de máscaras

  • Enganoso
Enganoso
O questionamento foi feito por uma deputada alemã de extrema-direita que chegou a ser censurada por um líder de seu partido. Ela insinuou que a morte de uma estudante de 13 anos num ônibus escolar poderia ter sido motivado pelo uso de máscara
  • Conteúdo verificado: Postagens dizem que o uso de máscaras foi posto em xeque na Alemanha após garota de 13 anos morrer em ônibus escolar

São enganosas as postagens que afirmam que o uso de máscaras de proteção facial contra a covid-19 foi colocado em xeque na Alemanha. O questionamento contra o equipamento de proteção foi feito somente por uma deputada da extrema-direita que insufla boatos sobre a morte de uma estudante de 13 anos num ônibus escolar. Ela foi censurada por um líder de seu partido, uma vez que a relação entre o óbito e o uso da máscara não foi feita nem por autoridades nem pela imprensa local.

O caso ocorreu na cidade de Germersheim, no estado da Renânia-Palatinado, sudoeste da Alemanha, em 7 de setembro. A garota desmaiou dentro de um ônibus escolar, foi socorrida e morreu no hospital. A notícia foi publicada nos sites de pelo menos quatro jornais que cobrem a região onde o incidente aconteceu. Nenhum deles menciona a suposta influência da máscara.

Apesar disso, o posicionamento da parlamentar foi suficiente para incentivar que blogs replicassem a interpretação equivocada do incidente, incluindo em outros países. Na França, um deles publicou um texto com o título “Trágico: uma estudante de 13 anos teria morrido na Alemanha por causa da obrigatoriedade do uso de máscara”. Uma versão muito semelhante a este texto repercutiu em sites brasileiros, como o Conexão Política e o Terça Livre – que cita o conteúdo do primeiro.

Ao Comprova, o Conexão Política disse que “a matéria gira em torno do questionamento feito pela parlamentar alemã”. Ressalta que seu texto não traz nenhuma “conclusão ou afirmação a respeito do caso concreto” e que “a morte ainda está sendo investigada”.

ATUALIZAÇÃO: Na terça-feira, 20 de outubro, mais de um mês após a morte da menina, a promotora pública chefe do Ministério Público de Landau, Angelika Möhlig, divulgou um comunicado em que descarta que a morte da garota tenha sido provocada pelo uso da máscara. “De acordo com os especialistas médicos forenses, não há indícios de que o uso de proteção para a boca e o nariz possa estar causalmente relacionado à ocorrência de óbito. Os especialistas afirmam que a proteção bucal e nasal usada normalmente não leva ao acúmulo excessivo de dióxido de carbono, como ao respirar para fora de uma bolsa, por exemplo”, diz o texto, com base no laudo da autópsia, publicado no site oficial do Ministério Público de Landau, que investiga as causas da morte da estudante.

Como verificamos?

O Comprova buscou pelos três jornais alemães citados pelo site Conexão Política como sendo fontes da publicação.

Em seguida, a verificação procurou pelos órgãos oficiais citados nas publicações originais: o departamento de Polícia de Renânia-Palatinado, o Ministério Público de Karlsruhe – responsável pela investigação das causas da morte –, a Brigada Voluntária de Bombeiros de Büchelberg – que prestou apoio aos 32 estudantes que também estavam no ônibus – e a DRK, a Cruz Vermelha alemã, que socorreu a garota até o hospital.

Foram procurados pelo Comprova também a deputada Birgit Malsack-Winkemann, que insinuou que a garota teria morrido por causa do uso da máscara, e o partido ao qual ela é filiada, a Alternativa para a Alemanha (AfD).

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 22 de setembro de 2020.

Verificação

A causa da morte ainda não foi definida

No texto em que dá destaque ao boato propagado pela deputada alemã, o Conexão Política cita três jornais como fontes de suas informações. O Comprova encontrou as publicações sobre o assunto feitas pelo Die Neue Welle, pelo Die Rheinpfalz e pelo Allgemeine Zeitung, todas publicadas entre 7 e 9 de setembro deste ano.

O site brasileiro usa informações dos sites alemães sobre a ocorrência e as investigações, mas em nenhum desses veículos há qualquer menção ao uso de máscara ou à suspeita de que a criança pudesse ter morrido por fazer uso do acessório. Os sites também não mencionam que o uso obrigatório de máscaras esteja sendo questionado no país.

Segundo a imprensa alemã, a causa da morte da menina está sendo investigada pelo Ministério Público de Landau, onde ela morava. Inicialmente, o caso ficou a cargo do Ministério Público de Karlsruhe, onde fica o hospital para onde a garota foi levada e acabou morrendo.

No dia 9 de setembro, o Die Neue Welle informou que a promotoria aguardava o resultado da autópsia para uma semana, no mínimo. O resultado ainda não foi publicado no site do escritório da promotoria. O jornalista Ralf Wittenmeier, editor do Die Rheinpfalz, jornal que primeiro noticiou o caso, disse ao Comprova por e-mail que o resultado da autópsia foi inconclusivo. Depois disso, o caso passou à promotoria de Landau, que pediu mais exames. Estes resultados, segundo Wittenmeier, podem levar semanas.

Por e-mail, o chefe da assessoria de imprensa da sede da polícia do estado da Renânia-Palatinado, Thorsten Mischler, divulgou apenas as informações preliminares da ocorrência – e ela não cita máscara ou qualquer outra possível causa: “Na tarde de 7 de setembro de 2020, por volta das 13h45, houve uma emergência médica em um ônibus escolar perto de Wörth. Uma menina precisava de atendimento médico e foi levada a um hospital. A menina morreu no hospital”, diz a nota oficial.

O Comprova entrou em contato com jornalistas na Alemanha e constatou que esse comunicado não chegou a ser publicado na plataforma utilizada para comunicados de imprensa da polícia, embora a informação tenha sido confirmada a jornais locais. Isso porque não é comum que a polícia publique comunicados sobre casos em que não há indício de crime.

A Brigada de Incêndio de Büchelberg, que também esteve no local, postou em sua página no Facebook uma foto do local da ocorrência, informando que a equipe esteve lá junto com a polícia e a DRK cuidando de 32 pessoas após uma emergência médica. O Comprova questionou a Brigada sobre a presença de máscara na garota, pelo Facebook, mas a equipe respondeu que não teve contato com a menina, apenas com os demais estudantes que estavam no ônibus.

A DRK foi procurada para falar sobre possíveis causas para a morte, mas também respondeu, por e-mail, que não tem mais informações sobre o caso.

Como surgiu a relação da morte com o uso de máscaras

No dia seguinte à morte da estudante, a deputada Birgit Malsack-Winkemann, filiada ao partido AfD, publicou em sua conta no Facebook uma fotografia de uma criança usando máscara e com a seguinte legenda: “A culpa foi da máscara? Aluna de 13 anos desmaiou no ônibus escolar na segunda-feira ao meio-dia e faleceu pouco tempo depois. Acabou com a loucura! Pelo menos poupe as crianças, pois elas não conseguem resistir!”. O que não aparece na legenda, mas está escrito sobre a imagem da postagem é outra insinuação: “Primeira vítima de morte por máscara? Quando será a autópsia?”.

No mesmo dia da postagem feita pela deputada, o primeiro jornal a noticiar a morte da garota, o Die Rheinpfalz, publicou um artigo criticando a relação feita entre a morte da garota e o uso de máscaras. O editor Ralf Wittenmeier, que tem 52 anos e está no jornal desde 1999, não cita diretamente a postagem da parlamentar, mas os comentários feitos por leitores do jornal.

“Negacionistas do uso de máscaras, fanáticos por conspiração e outros pensadores inovadores adorariam ver que usar a máscara foi uma das razões pelas quais uma garota de 13 anos morreu. Essas pessoas e aqueles que compartilham seus argumentos on-line não têm decência”, escreve Wittenmeier.

No dia 11 de setembro, um outro jornal alemão, o t-online, publicou um artigo sobre a repercussão da postagem da deputada. No texto “Política da AfD instrumentaliza criança morta para lutar contra máscaras”, Lars Wienand, responsável por verificar a autenticidade de informações no veículo, afirma que não há menções a uma relação entre o uso de máscaras e a morte da menina por nenhuma das autoridades que prestaram o socorro. O artigo diz ainda que a promotoria vem evitando falar com jornalistas e que apenas a família da menina tem o direito de conhecer a causa da morte.

Uso de máscara é obrigatório na Alemanha

Desde abril deste ano, ainda nos primeiros meses de pandemia, a Alemanha tornou obrigatório o uso de máscaras no país. Em julho, o secretário estadual da Economia do estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Harry Glawe, afirmou que não via necessidade de manter a obrigatoriedade da máscara em lojas. A chanceler Angela Merkel defendeu a permanência da obrigatoriedade e o Ministério da Saúde e secretários estaduais mantiveram o uso obrigatório.

Em agosto, o governo de Merkel negociava multa de pelo menos 50 euros para quem desrespeitasse a regra, segundo noticiou o portal G1.

Quem é Birgit Malsack-Winkemann

Birgit Malsack-Winkemann foi eleita para o Bundestag, o parlamento alemão, em 2017. Em seu site, ela afirma que escolheu o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) por rejeitar “fundamentalmente” a política europeia. “Eu estava firmemente convicta de que era a forma errada de forçar Estados com condições tão diferentes a um sistema econômico tão estreito e, além disso, com uma moeda única, o euro”, explica.

Na postagem feita pela deputada no Facebook sobre a morte da estudante, o líder do partido AfD no estado de Renânia-Palatinado, Uwe Junge, repudiou a insinuação. Ele escreveu nos comentários: “Vergonha alheia! A esse nível não devemos fazer política. Por favor, peça desculpas e exclua!”. O comentário foi feito no dia 8 de setembro, às 18h12. A postagem não foi excluída.

No dia 14 de setembro, a deputada voltou a atacar o uso das máscaras e citou um experimento de um perito austríaco que diz que o equipamento aumenta a concentração de CO2 e que isso é “abuso infantil”. A experiência foi publicada no site “A Áustria é livre”, com um aviso de que os “testes realizados correspondem a um teste preliminar” e que “não deve ser avaliado como um estudo”.

O site é definido pela própria fundadora Edith Brötzner como uma “iniciativa que pretende lembrar aos cidadãos que o pensamento livre, independente e crítico é desejado, permitido e agora mais do que nunca necessário”. Para ela, “especialistas cujas ideias e percepções diferem das do governo são degradados a ‘teóricos da conspiração’”.

O vídeo dos “autotestes” foi checado pelo site alemão Mimikama. Ele publicou a entrevista com o professor Uwe Pliquett, do Instituto de Bioprocessos e Metrologia Analítica. Segundo ele, o equipamento é utilizado para “medições do ar ambiente” por meio da concentração do CO2 e também da pressão de ar. Quando o equipamento é colocado debaixo da máscara, muito próximo do nariz, a quantidade de CO2 exalada e a pressão extra fazem o equipamento soar o alarme. No entanto, o especialista explicou que o instrumento mostrado no vídeo “não é adequado para analisar o ar que você respira, pois os valores mudam muito rapidamente durante a expiração e a inspiração. A umidade mais alta e o aumento da pressão do ar ao respirar também falsificam maciçamente os resultados do dispositivo”.

Outros comentários também criticam a postagem da parlamentar. Procurada, ela não respondeu aos questionamentos do Comprova até a publicação deste texto.

O que afirmam os especialistas

As máscaras têm filtros que impedem a passagem das gotículas e partículas maiores, mas permitem a troca de gases como o gás carbônico (CO2) e o oxigênio (O2), explicou o infectologista do Instituto Emílio Ribas Jean Gorinchteyn, em maio. “Os poros não evitam a passagem do ar, são filtros, filtram partículas. Os gases têm tamanho muito menor e conseguem passar”, ressaltou o médico e atual secretário de Saúde de São Paulo, contrariando o experimento do perito austríaco citado pela deputada alemã.

Em entrevista ao Comprova em agosto, a professora e pesquisadora Giliane Trindade, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explicou que o uso de máscaras impede que pessoas pré-sintomáticas ou assintomáticas liberem partículas virais ao falar, tossir ou espirrar. “A finalidade do uso da máscara é justamente evitar a pulverização dessas gotículas de saliva, evitando que elas atinjam a superfície do rosto de outras pessoas ou superfícies inanimadas, como por exemplo, corrimão, assento de ônibus, lugares em que as pessoas vão ter mais contato”, esclareceu.

O Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos mantém uma página com dicas para o uso de máscaras como forma de “desacelerar a disseminação da covid-19”. O órgão informa que “máscaras são recomendadas como uma simples barreira para impedir que as gotículas respiratórias” se espalhem toda vez que uma pessoa “espirrar, tossir ou falar”. Essas gotículas são as responsáveis por transportar o novo coronavírus de uma pessoa infectada a outra. O órgão ainda traz links para estudos que comprovaram a eficácia das máscaras na contenção da disseminação da doença.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso de máscaras em áreas onde o distanciamento social não é possível e onde há disseminação da covid-19. É o caso, por exemplo, de meios de transporte coletivo, estabelecimentos comerciais e locais de trabalho. A OMS ainda faz um apelo: “Por favor, siga as recomendações das autoridades locais sobre o uso de máscaras. Juntos, podemos vencer a covid-19.”

O que diz o partido AfD sobre a pandemia?

O partido de Birgit Malsack-Winkemann não vem adotando uma postura negacionista sobre a pandemia do novo coronavírus. No dia 4 de março, o conselho federal do partido, em Berlim, mandou cancelar todos os eventos públicos, inclusive nos conselhos estaduais, por causa dos riscos de contaminação: “No momento, porém, o perigo de uma pandemia real parece alarmantemente real em grande escala. Não podemos e não devemos ignorar isso. Temos o dever de responder de forma responsável e adequada. Vamos cumprir esse dever juntos”, diz o comunicado.

Membros do partido, como a vice-presidente federal Alice Weidel, criticam a postura do governo de Merkel em relação ao plano de combate ao coronavírus. “Há sete anos, o governo federal determinou corretamente as consequências de uma pandemia para o nosso país — e reconheceu os problemas que surgiriam em tal situação. Mas, embora Angela Merkel, que já era chanceler e permanece no cargo, tenha sido informada sobre o problema, nem ela nem o Ministério da Saúde agiram de acordo”, disse Weidel, em um comunicado disponível no site oficial do AfD.

O programa do partido defende um “retorno aos princípios e raízes que resultaram em seu milagre econômico [da Alemanha], seguido de êxito social, econômico e em sua sociedade”. O programa é contrário à União Europeia como uma aliança econômica e defende a realização de um referendo sobre o euro. O partido defende reforço na polícia e melhoria na justiça penal e “proteção às vítimas no lugar de proteção aos delinquentes”.

Também defendem uma reforma nas Nações Unidas, a OTAN como uma coalizão de defesa, o reforço no Exército alemão e a retomada do serviço militar obrigatório. No campo econômico, defendem reforma dos sistemas de previdência social. Também são defensores do que chamam de “família tradicional” e contrários à imigração em massa.

Na loja virtual do partido, está à venda um folheto contrário ao movimento antifascista e também máscaras com seu logotipo. O Comprova entrou em contato com o partido sobre a postagem de sua parlamentar, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova checa conteúdos virais que possam espalhar desinformação nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19. O texto do Conexão Política teve mais de 8 mil interações no Facebook até o dia 22 de setembro e ganhou visibilidade após ser retuitado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). A postagem do parlamentar foi retuitada 1,8 mil vezes até a mesma data.

Conteúdos com alegações enganosas enfraquecem a confiança da população em instituições sanitárias e podem dificultar os esforços de combate à pandemia. Autoridades médicas e acadêmicas defendem o uso de máscara como uma das formas de se voltar à normalidade sem aumentar a disseminação da doença.

Não é a primeira vez que essa técnica de proteção foi alvo de desinformação. O Comprova já checou boatos que negavam a eficácia das máscaras em proteger as pessoas, enquanto outros afirmavam poder ser nociva sua utilização. Também verificamos postagens alarmistas com alegações de que máscaras exportadas pela China estariam contaminadas. Tais alegações não encontram respaldo científico.

Este conteúdo cruzou fronteiras e também foi checado pelas agências Boatos.org no Brasil, Newtral na Espanha, Polígrafo em Portugal, e pelo jornal Le Monde na França. Todos concluíram que o uso de máscaras como medida de proteção contra o novo coronavírus não foi colocado em xeque por causa do incidente.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-09-17

É falso que irmãos morreram após se vacinarem contra a covid-19

  • Falso
Falso
Mulher fez acusação, sem apresentar qualquer prova, em vídeo que viralizou nas redes sociais, mas a Anvisa informa que só maiores de idade podem receber os testes das vacinas e que não houve nenhum relato de mortes ou reações adversas graves relacionadas aos testes feitos no Brasil
  • Conteúdo verificado: Em uma transmissão ao vivo que ficou gravada no YouTube, uma mulher conta a história de uma família brasileira que teria tomado vacina contra a covid-19 para poder viajar ao exterior e diz que três jovens morreram depois disso.

Não é verdade que três irmãos morreram após receber uma dose da vacina contra a covid-19, como afirma uma mulher em um vídeo que viralizou no Youtube. Ela faz diversas alegações no vídeo, mas sua história tem vários furos ou pontos que não fazem sentido, como verificou o Comprova.

A autora do vídeo diz que os jovens tinham 13, 16 e 18 anos e não especifica qual das quatro vacinas em teste no Brasil teria sido responsável pelo ocorrido – ela nem usa a palavra “vacina”, alegando que, caso falasse, seu vídeo seria derrubado. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que autoriza as pesquisas clínicas sobre a proteção no país, informou que apenas maiores de idade podem receber as doses. Além disso, a Anvisa afirmou que não houve nenhum relato de mortes nem de reação adversa grave relacionadas às imunizações.

Ainda segundo a autora do vídeo, a suposta família teria decidido se imunizar porque ia viajar para fora do Brasil. Também segundo a Anvisa, “as vacinas em teste estão restritas ao protocolo de pesquisa e aos voluntários selecionados previamente para a pesquisa”. Vacinas em fase de testes não podem ser exigidas como pré-requisitos para viagens ao exterior – ou seja, a família não poderia ter acesso ao medicamento.

A pessoa que gravou o vídeo se apresenta como terapeuta. O Comprova entrou em contato com ela, que afirmou não ter “mais nada a acrescentar”.

Como verificamos?

O Comprova entrou em contato, por e-mail, com a Anvisa e com as quatro instituições que coordenam testes com vacinas contra a covid-19 no Brasil – apenas a Iqvia não respondeu até a publicação desta verificação. Também consultamos a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) sobre critérios e exigências desse tipo de estudo. Por fim, consultamos o Ministério de Relações Exteriores.

Enviamos um pedido de entrevista pelo Facebook à autora do vídeo. Ela respondeu o primeiro contato e depois bloqueou a jornalista da equipe que enviou a mensagem. Uma outra repórter fez nova tentativa, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de setembro de 2020.

Verificação

Testes no Brasil e reações adversas

Em princípio, a autora do vídeo diz que não sabe informar qual foi a vacina contra covid-19 usada pela família. Segundo a Anvisa, quatro substâncias diferentes estão sendo testadas no Brasil. O Comprova consultou as instituições responsáveis pelos experimentos sobre os critérios para adesão de voluntários e os efeitos adversos.

O Instituto Butantan informou que 4 mil voluntários (do total de 9 mil) já tomaram a primeira das duas doses da CoronaVac, desenvolvida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac Life Science. Segundo a instituição, eles “são monitorados e, até o momento, não foi reportado nenhum efeito colateral grave, muito menos óbito”. O órgão classificou como “irresponsável e totalmente inverídico o depoimento que atribui a morte de pessoas ao uso da CoronaVac”. No vídeo verificado aqui, a autora faz menção ao governador de São Paulo, João Doria. Agências de checagem, como o Aos Fatos, verificaram um post no Facebook escrito pela autora do vídeo em que ela afirma que a família teria tomado a CoronaVac.

O Butantan ressaltou ainda que “qualquer estudo sério é interrompido imediatamente assim que identificada qualquer anomalia”.

Este foi o caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a companhia AstraZeneca, depois que uma voluntária do Reino Unido teve complicações. Os testes foram interrompidos em 8 de setembro, inclusive no Brasil, onde são conduzidos pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em 5 mil voluntários. Após ter sido considerada segura, a testagem foi retomada no dia 14.

A Unifesp afirmou que “o estudo clínico envolve adultos acima dos 18 anos e as reações até o momento foram as esperadas, como dor temporária no local da aplicação, dor de cabeça e febre passageira”. A universidade acrescenta que “não houve intercorrências graves no Brasil”.

Outro órgão que está trabalhando a vacina é a Iqvia. A imunização chamada de Janssen-Cilag será testada em 7 mil voluntários – o que deve começar em breve. A farmacêutica não respondeu o pedido do Comprova até o fechamento deste texto, mas, no dia 18 de agosto, a Anvisa permitiu que a empresa, que faz parte do grupo Johnson & Johnson, iniciasse estudos clínicos no Brasil.

A testagem conduzida pelo Centro Paulista de Investigação Clínica (Cepic), da vacina Pfizer/Wyeth, tem a menor amostragem: mil voluntários. Os responsáveis declararam que “nenhum participante do estudo de vacina contra covid-19 da Pfizer/BioNtech morreu”.

Viagem para o exterior

A autora do vídeo diz que a família tomou a vacina porque queria viajar para a Europa. Contudo, a Anvisa diz que imunizações em fase de testes não podem ser exigidas como pré-requisito de viagens para fora do país. As substâncias “estão restritas ao protocolo de pesquisa e aos voluntários selecionados previamente para a pesquisa”. O órgão declarou ainda que as vacinas “não estão disponíveis para uso fora do protocolo de pesquisa e fora das instituições que fazem parte do estudo”.

O Comprova também questionou o Ministério de Relações Exteriores. Não houve retorno até a publicação desta reportagem.

Critérios de idade e ética das testagens

De acordo com o vídeo, os jovens que supostamente foram vítimas tinham 13, 16 e 18 anos. Mas todas as autoridades de saúde consultadas declararam que menores de idade não são admitidos nos testes com a vacina contra a covid-19.

O coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Jorge Venâncio, explica que “se as pesquisas da vacina fossem incluir menores, teria que ter uma emenda ao protocolo”. Ele também afirmou que o novo critério não poderia ser uma exceção a poucos participantes, mas uma norma geral. E acrescenta: “Se alguma das pesquisas tentasse inserir crianças [sem notificar] seria uma violação grave ao protocolo, que poderia gerar uma denúncia na Anvisa por violação das boas práticas clínicas”.

Venâncio explica ainda que menores de idade só são inseridos em testes quando os exames em pessoas adultas não são suficientes ou quando o objeto de estudo é próprio do grupo etário – como doenças ou medicações infantis. Pesquisas com menores de idade exigem “o consentimento dos pais e do menor, e todos os critérios de segurança”.

O coordenador da Conep observa também que “a pandemia atinge muito menos crianças que adultos. Não tem lógica fazer testes com crianças”.

A autora do vídeo, em uma segunda transmissão, deu a entender que a família tinha se submetido a algum tipo de acordo para não comentar possíveis efeitos adversos da vacina. Venâncio afirma que a prática é proibida. “Ainda que existisse esse tipo de acordo, não teria validade jurídica”, acrescenta Venâncio.

A autora do vídeo

A autora do vídeo afirma que é terapeuta e mora em Portugal. Segundo seu perfil no Linkedin, trabalha com “terapias holísticas e vibracionais” desde 1998. Em uma live de junho deste ano, ela contou ter sido cantora, mas que, após ouvir uma palestra do médium Luiz Antonio Gasparetto, procurou se aprofundar no tema da mediunidade.

Ao primeiro contato do Comprova, ela agradeceu, declarou que não tinha “mais nada a acrescentar” além do relatado na gravação e que “não iria expor ninguém sem autorização”, pois tem “ética e respeito pela dor da família”. O Comprova voltou a entrar em contato com a terapeuta, apresentando as informações da Anvisa que contradizem seus vídeos. Ela não respondeu.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. Mais do que gerar medo e desconfiança, o vídeo coloca a saúde da população em risco ao incentivar que as pessoas não se vacinem contra a doença.

A gravação teve 97.834 visualizações no YouTube até 16 de setembro e, segundo a ferramenta CrowdTangle, foi republicado 133 vezes no Twitter e teve 11.350 interações no Facebook.

Fato ou Fake, e-farsas, Aos Fatos e Lupa também investigaram esse conteúdo e classificaram como falsos os posts que circularam nas redes sociais.

Publicações que tentam desacreditar a importância da vacina já foram verificadas pelo Comprova, como a que dizia que a vacina causava danos irreversíveis ao organismo, o tuíte que afirmava que a imunização usa células de fetos abortados e uma teoria conspiratória segundo a qual a proteção teria um microchip para rastrear a população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-09-10

Tuíte engana ao afirmar que sol mata o coronavírus

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte faz referência a estimativas de um estudo que se baseia em modelos antigos, criados para outros vírus. Especialistas ouvidos pelo Comprova dizem que estudo não tem nenhuma conclusão nova
  • Conteúdo verificado: Tuíte afirma que, segundo cientistas, o sol do meio-dia é eficaz na erradicação do SARS-CoV-2 e mata o vírus em 34 minutos.

É enganosa uma postagem no Twitter que aponta possíveis benefícios da exposição ao sol contra a covid-19. De autoria do perfil @AlanLopesRio, a postagem diz que cientistas teriam afirmado que permanecer 34 minutos no sol seria suficiente para “matar o vírus” (inativá-lo no organismo humano). Especialistas atestam que essa relação não tem embasamento científico.

O Comprova localizou um artigo publicado, em junho, na revista “Photochemistry and Photobiology” que menciona a relação entre exposição ao sol e inativação do vírus, citando um intervalo de tempo de 34 minutos. No entanto, nele existem problemas metodológicos que inviabilizam o estabelecimento dessa relação.

“Não tem nenhuma conclusão nova e nenhum dado real nesse estudo. Aí eles jogam com esse tipo de argumento, que é ‘ruim para a saúde não tomar sol’. Claro, é mesmo”, avalia o professor do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e integrante do grupo de estudos de desinformação em redes sociais da Unicamp, ouvido pelo Comprova, Leandro Tessler.

Como verificamos?

Para checar as informações no tuíte de @AlanLopesRio fizemos, em primeiro lugar, uma busca no Google para entender a possível eficácia da exposição à luz solar no tratamento da covid-19. Por meio dela, encontramos notícias em sites brasileiros, como o portal IG Saúde, e americanos, como NY Post, datados da segunda quinzena de junho, que tratam dessa relação. As reportagens mencionam o estudo citado acima, que aborda a mesma duração de exposição ao sol do post.

Com a leitura das matérias, chegamos a um estudo publicado em 5 de junho na revista “Photochemistry and Photobiology”, da Sociedade Americana de Fotobiologia, sobre a “Inativação estimada dos coronavírus por radiação solar, com foco em especial na covid-19”. Procuramos, então, especialistas que pudessem comentar as conclusões da pesquisa. Conversamos com o infectologista Eduardo Sprinz, professor de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), com o professor Leandro Tessler, do Instituto de Física da Unicamp, e com a professora de virologia Ana Claudia da Franco, também da UFRGS.

Procuramos, ainda, o autor da postagem no Twitter, pela rede social e por e-mail. Até a data de publicação desta checagem, ele não retornou os contatos.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 10 de setembro de 2020.

Verificação

34 minutos de sol

O estudo publicado na revista da Sociedade Americana de Fotobiologia é assinado por Jose-Luis Sagripanti e C. David Lytle, dois pesquisadores aposentados.

O Comprova entrou em contato com Leandro Tessler, professor do Instituto de Física da Unicamp e integrante do grupo de estudos de desinformação em redes sociais da universidade, para saber mais sobre as conclusões do artigo. Em junho, quando as notícias sobre a pesquisa foram divulgadas, ele publicou no Twitter alguns questionamentos sobre o que estava sendo veiculado na imprensa.

Na postagem alvo desta verificação, o autor escreve que “cientistas afirmaram que sol do meio-dia é extremamente eficaz na erradicação do vírus. Segundo o estudo, o sol mata o coronavírus em 34 minutos”.

À nossa reportagem, Tessler explicou, porém, que os dados apresentados no artigo “não medem, apenas estimam a sensibilidade do SARS-CoV-2 à radiação UVC. Além disso, o período de exposição de 11 a 34 minutos ao sol do meio-dia valeria para a maioria das cidades norte-americanas durante o verão. Para São Paulo, eles fazem o cálculo, o período seria bem mais curto se isso fosse correto”, afirma Tessler.

Por causa do método utilizado pelos pesquisadores, Tessler diz que é preciso “olhar com cuidado” para o estudo. Segundo o professor, o artigo não chega a detalhar se a ação dos raios ultravioleta seria eficaz contra o vírus encontrado em superfícies ou como uma forma de tratamento para pessoas infectadas. “Eles não fazem nenhuma medida do efeito. Eles fizeram um modelo anos atrás, […] para o vírus da gripe. E não tem nenhuma medida nem para o SARS-CoV nem para o SARS-CoV-2. Se olhar a tabela 1, onde está ‘D37’, está em branco. Então, não é um resultado. Tudo isso é uma estimativa feita com modelos para outros vírus”, completa.

Fica em casa

No mesmo tuíte, o perfil ainda afirma que “quem determinou a prisão domiciliar queria um genocídio em massa. O ‘fica em casa’ é uma fraude”.

No estudo, Jose-Luis Sagripanti e C. David Lytle fazem considerações sobre medidas como lockdown e campanhas para que os cidadãos fiquem em casa. Segundo os pesquisadores, “dados epidemiológicos disponíveis gratuitamente (em 29 de maio de 2020) demonstram que as medidas de bloqueio que impedem indivíduos saudáveis de permanecerem ao ar livre não resultaram em uma diferença óbvia e estatisticamente significativa nas infecções por milhão de habitantes quando comparados aos países onde indivíduos saudáveis estavam livres para permanecer ao ar livre, com potencial exposição à radiação solar. Se o aprisionamento de cidadãos saudáveis pode não ser determinante como essas estatísticas sugerem, então o papel potencial de estar fora de casa, exposto à luz solar direta ou espalhada, na pandemia de covid-19 não deve ser subestimado”.

Para Tessler, os autores fizeram analogias que são pouco críveis.

“Eles citam Suécia, Bielorrússia, Nicarágua, Uruguai, Indonésia, Coréia do Sul e Namíbia. Tem de olhar com cuidado o que aconteceu em cada um desses países. O Brasil tem muito sol e a pandemia está correndo solta. A Índia também. Então, não é parâmetro importante o que eles estão argumentando”, conclui o professor.

O pesquisador da Unicamp acrescenta que há fatores importantes que não foram considerados:

“Tem outra questão que acho ser muito mais relevante, que é a umidade do ar. Ele (o vírus) é desativado em ambiente seco. Isso é muito mais ativo contra o vírus do que essa suposta exposição ao ultravioleta. Inclusive, porque se você ficar exposta ao sol por 34 minutos ao meio-dia todos os dias, é muito provável que desenvolva câncer de pele. Não é só o vírus que é sensível à radiação ultravioleta do sol, sua pele também é.”

O Comprova já fez verificações relacionadas ao distanciamento social, como a que apresenta somente parte de uma entrevista do governador de Nova York para afirmar que o isolamento foi em vão e a que trata sobre uma pesquisa de Harvard que teria concluído que isolamento seria capaz de piorar a pandemia.

Vitamina D

Estudos já mostraram que a exposição ao sol é fonte de vitamina D. Entretanto, segundo as pesquisas, a falta de vitamina D está relacionada à resposta imune do organismo ou a problemas respiratórios. Isso não quer dizer que sua presença seria suficiente para eliminar o novo coronavírus. Os estudos não são conclusivos, apenas estabelecem correlação, não causa e efeito.

“O que existe é uma associação de quadros mais graves (de covid-19) em pessoas com baixa quantidade de vitamina D”, pontua o infectologista Eduardo Sprinz.

“As vitaminas são essenciais para o bom funcionamento do sistema imune, mas não há comprovação de que a vitamina D seja mais importante do que outras”, complementa a professora Ana Claudia Franco.

A vitamina D envolve dois compostos: D2 e D3, obtidos principalmente com a exposição à luz solar. Para que corpo seja capaz de produzir essas substâncias da maneira correta, o ideal é que tronco, braços e pernas recebam raios de sol, sem filtro solar, por cerca de 15 minutos por dia.

A deficiência de vitamina D é comumente ligada a problemas ósseos, mas recentemente também tem aparecido como relacionada a dificuldades pulmonares. Uma pesquisa de 2018 apontou que a falta da vitamina D é capaz de influenciar no mau funcionamento respiratório e na saúde de adultos de meia-idade.

Uma publicação feita em 28 de agosto por endocrinologistas e pneumologistas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) pontua que “dados clínicos mostram benefícios na prevenção de infecções respiratórias e melhora da função pulmonar quando pacientes com deficiência de vitamina D são suplementados. No momento da redação deste artigo, não havia dados publicados sobre a suplementação de vitamina D para pacientes com covid-19.”

Em outro trecho, afirma que a “prevenção de infecções respiratórias e a melhora da função pulmonar são benefícios adicionais observados quando a deficiência de vitamina D é tratada. Até agora, qualquer efeito protetor da vitamina D especificamente contra covid-19 grave permanece obscuro.”

O autor do post

O conteúdo investigado foi encontrado no perfil @AlanLopesRio no Twitter e também em um perfil com o mesmo nome no Facebook. O mesmo homem aparece nas fotos de perfil e de capa das duas redes sociais e as postagens têm praticamente os mesmos conteúdos. Ambas também contêm indicações ao “Movimento Direita Inteligente”. Na descrição da página do movimento encontram-se os dizeres “conservador nos costumes e liberal na economia” e o destaque do apoio de mais de 14 anos ao presidente Jair Bolsonaro, ex-deputado federal.

No Twitter, além da postagem em que o autor do perfil afirma que “o fica em casa” é uma fraude, há outros conteúdos que desacreditam a gravidade da emergência sanitária e disseminam informações falsas. Em um deles, ele comenta uma imagem de uma aglomeração em uma praia carioca com a legenda “O Rio de Janeiro finalmente acordou!”. Evitar aglomerações é uma das recomendações das principais autoridades de saúde do mundo para evitar a transmissão do novo coronavírus.

Em outra postagem, o perfil defende o uso da cloroquina para pacientes com o novo coronavírus. Ele diz que a atriz Camila Pitanga fez uso do medicamento, insinuando que ela apresentou sintomas da covid-19, e afirma que a mídia, os governadores, os prefeitos e o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, “fizeram uma propaganda genocida contra o medicamento e impediram o povo de se salvar”.

Lopes omite que a atriz, na verdade, contraiu malária – cujo tratamento padrão é realizado com a cloroquina. Pitanga, em entrevista à TV Globo, afirmou ter tido seu nome vinculado à desinformação nas redes sociais. Conteúdos alegavam que a atriz estava com a covid-19 e fez uso do medicamento. À época, as agências Aos Fatos e Lupa verificaram algumas dessas postagens, mostrando se tratar de conteúdos falsos. Até o momento, apesar de eficaz contra a malária, não existem evidências científicas robustas que atestem a eficácia da cloroquina no tratamento de pacientes com o novo coronavírus.

Nas páginas, há também um vídeo em que o autor do tuíte investigado pelo Comprova anuncia sua pré-candidatura a vereador no Rio de Janeiro sem, no entanto, indicar por qual partido. Com o adiamento das eleições municipais de 2020, o prazo para registo de candidaturas foi estendido para o dia 26 de setembro. Lopes não respondeu aos contatos do Comprova.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova monitora e verifica conteúdos suspeitos que circulam nas redes sociais sobre políticas públicas do governo federal, eleições municipais e a pandemia de covid-19.

Postagens falsas ou enganosas envolvendo o novo coronavírus causam ainda mais danos nas redes sociais porque podem colocar a saúde das pessoas em risco. É o caso do conteúdo em questão que, ao propagar uma informação sem embasamento científico sobre uma doença contra a qual não há vacina nem tratamento eficaz, pode incentivar o descumprimento das recomendações das principais autoridades sanitárias do mundo para o controle da pandemia.

Até a data de publicação deste texto, a postagem de @AlanLopesRio somava mais de 16 mil interações no Twitter. No Facebook, a publicação tinha sido compartilhada 315 vezes.

Não é a primeira vez que conteúdos sugerindo tratamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus viralizam nas redes sociais. O Comprova já verificou conteúdos falsos e enganosos sobre a ozonioterapia, ivermectina, hidroxicloroquina e sobre o chamado tratamento precoce contra a covid-19. Em junho, o Coletivo Bereia checou um conteúdo similar à postagem objeto desta verificação, concluindo ser enganoso.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-09-08

Post confunde ao comparar letalidade da covid-19 com outras doenças

  • Enganoso
Enganoso
Tweet que minimiza a pandemia esconde que tanto a mortalidade quanto o total de óbitos e de casos diagnosticados da doença provocada pelo novo coronavírus são altos
  • Conteúdo verificado: Post no Twitter afirma que o tratamento ou a vacina contra febre amarela, dengue, tuberculose, aids e sífilis não são obrigatórios e que por isso a vacina contra covid-19 não deveria ser compulsória. A publicação cita que a “taxa de morte” do novo coronavírus é baixa.

Um tuíte viral faz uma comparação enganosa entre os índices de mortes da covid-19 e os de febre amarela, dengue, tuberculose, aids e sífilis para minimizar os impactos da doença causada pelo novo coronavírus. De fato, a letalidade (razão entre número de mortes e o total de pacientes) da covid-19 é menor do que as de febre amarela, tuberculose e aids, mas outros indicadores – como mortalidade (mortes em relação ao total da população) e o total de óbitos e de casos diagnosticados – são muito maiores para a covid-19, fazendo com que a doença seja tratada como uma emergência no mundo todo.

O tuíte analisado compara diferentes doenças para questionar a possível obrigatoriedade de uma vacina contra o novo coronavírus. Apesar de ainda não existir um imunizante aprovado contra a covid-19, a possibilidade de vacinação compulsória está prevista em lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em fevereiro. Além disso, duas das doenças citadas – febre amarela e tuberculose – têm vacinas disponíveis. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece a obrigatoriedade da vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

É importante destacar ainda que as enfermidades mencionadas no tuíte têm formas de transmissão bastante diferentes, o que dificulta a comparação entre elas. Apenas na tuberculose o contágio é por via aérea, como na covid-19. Febre amarela e dengue têm transmissão por vetores contaminados (mosquitos). Já aids e sífilis podem ser transmitidas por sexo desprotegido ou de mãe para filho, durante a gestação, entre outras formas.

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Como verificamos?

O Comprova buscou dados de números de mortes, casos diagnosticados e outros indicadores relevantes das doenças citadas no portal do Ministério da Saúde. Os boletins epidemiológicos mais recentes estão disponíveis neste link. O site do Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis também foi fonte de informações adicionais.

A reportagem também consultou o DataSUS, ferramenta de estatísticas do Ministério da Saúde, para obter dados de morbidade hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS). Os números consolidados mais recentes disponíveis nessa plataforma são de 2018.

Por fim, conversamos por telefone com Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), e com Fernando Carvalho, epidemiologista da Universidade Federal da Bahia (Ufba), para contextualizar os números consultados.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 8 de setembro de 2020.

Verificação

Letalidade da covid-19

A taxa de letalidade da covid-19 no Brasil, de 3,4%, realmente é baixa em comparação com a da febre amarela, da aids e da tuberculose. No entanto, o número de casos confirmados é muito maior do que o número de diagnósticos das outras doenças citadas. De acordo com especialistas ouvidos pelo Comprova, os mais de 4 milhões de infectados pelo novo coronavírus fazem com que ela seja mais preocupante que a febre amarela, por exemplo, que possui uma vacina obrigatória no calendário de vacinação do ECA, e, mesmo com uma taxa de letalidade de 16,7%, registrou apenas 18 casos entre julho de 2019 e maio de 2020, com três mortes.

“A covid ainda é uma doença nova para nós e que a gente ainda está aprendendo, mas, ao mesmo tempo, nós temos 4 milhões de pessoas infectadas no Brasil e mais de 120 mil mortos. Então, a gente não pode desprezar, como sendo uma doença sem repercussão. Pode até, comparada com outras, ter uma letalidade menor, mas com esse número tão grande de pessoas infectadas, uma letalidade que pode não ser tão grande se transforma em um absurdo como esse que a gente tem”, explica Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

“Fica difícil comparar letalidade por letalidade. Por exemplo, febre amarela é uma doença que tem uma letalidade bem mais alta, mas esse ano tivemos 18 casos no Brasil com três óbitos. Então, não dá para comparar com 4 milhões de casos, mesmo com a letalidade mais baixa. Os números que a gente tem são incomparáveis com qualquer uma dessas aí, tanto tuberculose, aids, febre amarela. Qualquer uma delas a gente não consegue comparar esses números”, prosseguiu.

Diferenças entre as doenças citadas

A covid-19 é uma doença nova: os primeiros casos foram registrados na China em dezembro de 2019. Ainda não há vacina ou tratamento reconhecidamente eficaz contra o novo coronavírus.

A aids é uma doença causada pelo vírus HIV, que ataca o sistema imunológico. A transmissão ocorre por sexo sem proteção, uso compartilhado de seringas, transfusão de sangue ou de mãe para filho, durante a gravidez. O tratamento, disponível gratuitamente no SUS, é feito com medicamentos antirretrovirais, que impedem a multiplicação do vírus no organismo.

A estimativa mais recente do Ministério da Saúde é que, ao final de 2018, havia 900 mil pessoas vivendo com HIV no país. Dessas, 85% estavam diagnosticadas, 81% estavam vinculadas a algum serviço de saúde e 66% faziam uso dos medicamentos antirretrovirais.

Ainda segundo o ministério, a política pública de combate ao HIV/Aids nas últimas três décadas tem se baseado na universalização do acesso à terapia antirretroviral, na testagem em massa nos serviços públicos, especialmente para as populações-chave, e na campanha de conscientização sobre prevenção.

Assim como a aids, a sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST). Uma das formas mais importantes de prevenção é o uso de camisinha masculina ou feminina. A infecção é causada por uma bactéria chamada Treponema pallidum e é curável, com uso da penicilina benzatina (benzetacil).

A sífilis congênita é transmitida para a criança durante a gestação e pode causar uma série de complicações. Por isso, é importante que a mulher faça o exame de sífilis durante o pré-natal para começar o tratamento. O Ministério da Saúde estimula a testagem e o uso de preservativo como forma de prevenção.

A dengue, por sua vez, é causada por um arbovírus, transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti. Não existe um tratamento específico para essa doença — em geral, a assistência médica é feita de forma a aliviar os sintomas, com repouso e hidratação. Na maioria dos casos, há cura espontânea depois de 10 dias.

A política do Ministério da Saúde contra dengue gira em torno do combate ao mosquito transmissor: tanto no trabalho de campo contra o Aedes como na conscientização da população sobre as formas de eliminá-lo.

Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou o uso da vacina Dengvaxia (CYD-TDV) para o combate à dengue. A imunização é voltada para pessoas de 9 a 45 anos. Além dela, o Instituto Butantan entrou na terceira fase de testes de uma outra vacina. Essa etapa deve terminar em 2024.

A febre amarela também é causada por um vírus transmitido pela picada de mosquitos (dos gêneros Haemagogus e Sabethes em áreas silvestres e do Aedes aegypti em áreas urbanas). Em geral, ocorre em surtos de forma sazonal, de dezembro a maio. A vacina contra febre amarela, disponível no Calendário Nacional de Vacinação, protege contra a infecção durante a vida toda.

Em março deste ano, o Ministério da Saúde iniciou uma campanha de vacinação contra a febre amarela em seis estados. “A febre amarela apresenta alta letalidade, por isso é importante que a população atenda aos alertas dos serviços de saúde para vacinação, e desta forma prevenir a ocorrência de casos, óbitos e surtos de maior magnitude. A vacina é segura e altamente eficaz (acima de 95%)”, disse, em nota oficial, Rodrigo Said, coordenador-geral de vigilância em arbovirose do Ministério da Saúde.

Além da vacinação, o Ministério da Saúde também aposta na vigilância de primatas não-humanos que possam carregar o vírus causador da doença.

A tuberculose é a única entre as doenças citadas no tuíte analisado que é transmitida pelo ar, assim como a covid-19. Diferentemente da doença causada pelo novo coronavírus, a tuberculose tem cura. O tratamento dura seis meses e está disponível gratuitamente no SUS.

A infecção é causada pelo bacilo de Koch e geralmente afeta os pulmões, mas pode atingir outros órgãos. A vacina BCG, também ofertada no Calendário Nacional de Vacinação, protege as crianças das formas mais graves da doença.

Em 2017, o Ministério da Saúde lançou o Plano Nacional de Combate à Tuberculose, baseado em pilares definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) — entre as ações previstas, estão o incentivo à testagem e ao tratamento continuado até o fim.

Movimento antivacina

A onda antivacina que tem tomado o mundo preocupa os profissionais de saúde. Em pesquisa recente feita pelo Datafolha, 9% dos entrevistados disseram que não tomariam a vacina da covid-19 quando ela estivesse disponível, 89% disseram que tomariam e 3% não souberam responder.

“O movimento antivacina é algo que você não consegue discutir, porque é mais ideológico, ele não consegue fazer uma discussão com base na ciência. Mas a gente tem o grupo dos hesitantes, que são aqueles que estão na dúvida sobre a vacina, ou por causa da eficácia, ou da segurança, ou têm medo dos eventos adversos. Essas declarações antivacina podem impactar esse grupo que, em geral, a ciência sempre consegue responder o que ele quer saber”, salienta Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.

O epidemiologista Fernando Carvalho acredita que, mesmo com o movimento antivacina, a procura para ser vacinado ganhará força na população.

“Com uma doença como a covid, é importante que grande parte da população seja vacinada, principalmente aqueles que não tiveram contato com a doença. Como a gente não sabe se a doença deixa imunidade duradoura, então vai ser uma vacinação, ao que tudo indica, para os grupos de risco, os idosos, pessoas com comorbidade, pessoal de saúde. Não tenha dúvida de que, quando abrir a vacinação, vai ter candidatos em massa. Somente os malucos que estão querendo criar um clima”, disse.

O debate sobre a obrigatoriedade da vacina voltou a ser assunto depois que o presidente Jair Bolsonaro disse que ninguém seria obrigado a se vacinar. A opinião foi corroborada pela Secretaria de Comunicação do Governo Federal (Secom), em posts nas redes sociais, e pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

“O que é que eu posso dizer: está errada essa afirmativa do presidente de que ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina. Pode, por lei pode. É recomendável, inclusive, que as pessoas tomem para não se prejudicar a si e aos outros. Inclusive, a lei vem, principalmente, por causa dos outros. A saúde é pública, não é do cidadão libertário individual”, prossegue Carvalho.

Como o Comprova mostrou, a lei nº 13.979/20, de iniciativa do governo federal e sancionada por Bolsonaro, prevê a obrigatoriedade da vacinação enquanto seguir o estado de calamidade pública.

O autor do tuíte

O tuíte analisado foi publicado pelo perfil @canalCCore2, que tem 39,5 mil seguidores. Esse usuário faz postagens frequentes de apoio a Jair Bolsonaro e de divulgação de uma rede social para conservadores.

Procurado pelo Comprova, ele argumentou que o tuíte analisado expressava sua opinião. “Usei essas doenças como exemplos de coisas que matam, sempre mataram, e ninguém nunca ligou”, disse.

Ele citou uma reportagem do Estadão de janeiro de 2018 sobre um surto de febre amarela, que informava que o índice de letalidade da doença em São Paulo naquela ocasião era de 40%. Entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, foram registradas 81 mortes por febre amarela no país.

Por que investigamos?

A terceira fase do Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas e à pandemia do novo coronavírus. Conteúdos enganosos sobre a covid-19 são perigosos porque podem custar vidas. Até 8 de setembro, mais de 127 mil pessoas morreram no Brasil por causa da doença.

A vacina é a maneira mais eficiente de imunizar a população. Postagens como a verificada levantam conspirações que não possuem embasamento científico. Isso pode levar as pessoas a optar por não se vacinarem, mesmo com uma possível obrigatoriedade.

A postagem verificada teve mais de 4,6 mil interações até o momento da publicação deste texto.

O Comprova já fez outras verificações envolvendo a vacina para a covid-19. Uma delas afirmava que a vacina causaria danos irreversíveis ao DNA, o que não é verdade. Outra mostrou que é falso que um projeto de lei previsse a prisão para quem se recusasse a ser vacinado.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.