O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
Filtro:

Política

Investigado por: 2024-03-22

É falso que STF bloqueou redes sociais de Augusto Nunes ou exigiu sua demissão

  • Falso
Falso
Publicação mente ao afirmar que o Supremo Tribunal Federal (STF) exigiu a demissão do jornalista Augusto Nunes e bloqueou suas redes sociais. Ao Comprova, o órgão afirmou que não há nenhuma decisão nesse sentido. Além disso, Nunes segue com perfis ativos em plataformas como Instagram, Facebook e X e participou do programa "Oeste sem Filtro", do qual é comentarista, de 21 de março, dez dias depois de a informação falsa ser publicada.

Conteúdo investigado: Post com imagem de Augusto Nunes com a seguinte legenda sobre a foto: “Urgente: Supremo acaba de exigir a demissão do jornalista Augusto Nunes e o bloqueio de todas as duas redes sociais! Isso se chama ditadura”. O autor do post comenta: “Não é função do 5TF exigir demissão de jornalistas. A função do 5TF é de guardião da Constituição. Nada mais que isso. Para o 5TF funcionar, necessitamos de juízes com notório saber jurídico, conduta ilibada e apartidários”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: É falso que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha “exigido a demissão” do jornalista Augusto Nunes e bloqueado seus perfis nas redes sociais. Conteúdos com a desinformação, que já haviam circulado em novembro do ano passado, voltaram a viralizar.

Contatado pela reportagem, o STF afirmou que “não existe decisão nesse sentido”. Uma busca pelo nome de Nunes no sistema de consulta pública da Corte retorna apenas um processo, protocolado pelo próprio jornalista.

Além disso, o post verificado é de 11 de março e as contas no X, Instagram e Facebook do jornalista seguiam ativas dez dias depois (21 de março), quando ele publicou conteúdos. Não só Nunes segue postando em suas redes, como continua trabalhando. Comentarista do programa “Oeste sem Filtro”, da revista Oeste, ele trabalhou em 21 de março, como é possível verificar no canal da plataforma no YouTube.

Quando o boato circulou pela primeira vez, em novembro, o jornalista desmentiu a história no “Oeste sem Filtro”. “Não aconteceu nada disso”, ele afirmou. “Estou agindo com inteira liberdade, como sempre”, acrescentou Nunes à época. Ele é conhecido por ser um crítico do governo Lula (PT) e do STF, especialmente do ministro Alexandre de Moraes, a quem já chegou a se referir como “sádico”.

Durante as eleições de 2022, Nunes foi afastado temporariamente da Jovem Pan por descumprir ordem da empresa que pedira para ele não mais se referir a Lula, então candidato, com termos ofensivos. O pedido da Jovem Pan ocorreu depois de o Tribunal Superior (TSE) ter concedido diversos direitos de resposta ao petista e determinado que a emissora não reproduzisse mais comentários ofensivos, sob pena de multa de R$ 25 mil.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 22 de março, o post havia sido compartilhado mais de 2 mil vezes e recebido 4 mil curtidas.

Como verificamos: O primeiro passo foi fazer uma busca pelo nome de Nunes e palavras como “demitido” e “bloqueado”. A pesquisa retornou verificações de conteúdo semelhante feitas por UOL Confere, Estadão Verifica e AFP Checamos em dezembro. A próxima etapa foi pesquisar pelo nome dele no site do STF e contatar o órgão, para checar se havia alguma decisão no sentido do post.

Por último, foram verificadas as redes sociais do jornalista e o canal da revista Oeste no YouTube para confirmar se ele continuava trabalhando como comentarista.

O que diz o responsável pela publicação: O autor não respondeu o contato da reportagem até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: Há muita desinformação sobre os processos e ministros da Corte nas redes sociais, publicadas principalmente por perfis que compartilham conteúdo antidemocrático. Os posts usam um tom alarmista, sugerindo haver uma violação de direitos para mobilizar os leitores. As decisões do STF, principalmente as que envolvem pessoas conhecidas ou que têm grande repercussão, são amplamente noticiadas no site do Supremo e pela imprensa em geral. Nesse caso, uma rápida verificação dos perfis de Augusto Nunes nas redes sociais mostraria que não há bloqueio algum.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Como informado acima, UOL Confere, Estadão Verifica e AFP Checamos verificaram o conteúdo no ano passado. O STF e seus ministros são temas frequentes de posts checados pelo Comprova, como os que enganam ao exibir vídeo antigo de Gilmar Mendes para negar que atos do 8 de janeiro foram tentativa de golpe e ao sugerir que Luís Roberto Barroso oferecia risco a voo.

Saúde

Investigado por: 2024-03-21

Surto de dengue não tem relação com programa de mosquitos financiado por Bill Gates

  • Falso
Falso
Não é verdade que o atual surto de dengue no Brasil tem relação com um programa de combate à doença financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates, como alega publicação feita em rede social. A parceria do Programa Mundial de Mosquitos com a Fiocruz foi fechada em março de 2023 para a instalação de uma biofábrica, ainda em construção, que vai criar populações do Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia. O método reduz as chances de infecção e se mostrou eficaz e seguro em diversas cidades do mundo, como Niterói (RJ). Além disso, os mosquitos não são geneticamente modificados e a entidade não pertence à ONU.

Conteúdo investigado: Post diz que “surto de dengue no Brasil aumenta em 400% após os mosquitos OGM [geneticamente modificados] de Bill Gates serem liberados propositalmente”. O texto cita o “Programa Mundial de Mosquitos da ONU” e um “plano para liberar bilhões de mosquitos geneticamente editados no Brasil durante um período de 10 anos”. A publicação afirma ainda que “um ano após o início desta iniciativa ‘genial’ contra os mosquitos, desafiando a própria natureza, os casos de dengue aumentaram exponencialmente, em vez de diminuir”. E questiona a eficácia da vacina Qdenga: “será que funciona? Os efeitos adversos começam a ser reportados, pelo próprio Diretor do Departamento do Programa Nacional de Imunização, Eder Gatti”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: O Programa Mundial de Mosquitos (WMP, em inglês), parcialmente financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates, não tem relação com o atual surto de dengue no Brasil, diferentemente do que afirma post viral. O projeto foi fundado pelo cientista Scott O’Neill, que estuda a dengue desde os anos 1990 e, ao contrário do que diz a publicação falsa, não tem relação com a ONU. A fundação é uma associação sem fins lucrativos que “trabalha para proteger a comunidade global de doenças transmitidas por mosquitos, como dengue, zika, febre amarela e chikungunya”.

Em março de 2023, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Ministério da Saúde fecharam uma nova parceria com a entidade para expandir a atuação do programa com a instalação da maior biofábrica – instalação que utiliza processos de biotecnologia para cultivar organismos vivos – do mundo no Brasil. O local vai abrigar a criação de mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia, método do projeto de combate à dengue, zika e chikungunya. Diferentemente do que alega o post aqui investigado, a biofábrica ainda não foi inaugurada. O local começou a ser construído em março deste ano em uma unidade do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), em Curitiba. A previsão é que comece a operar em 2025, segundo o líder de Relações Institucionais e Governamentais do WMP, Diogo Chalegre.

O post também mente ao afirmar que o método contribui para o avanço das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Em Niterói, no Rio de Janeiro, por exemplo, o programa em parceria com a Fiocruz começou em 2015 e, desde então, os casos de dengue vêm diminuindo ano após ano. Mesmo agora com o surto, a cidade, que tem mais de 500 mil habitantes, contabiliza quase 600 casos prováveis da doença e nenhum óbito.

No restante do país, de fato, houve crescimento de 400% no número de diagnósticos da doença em relação a 2023. O motivo, no entanto, não envolve o Programa Mundial de Mosquitos. “Nós temos um aumento natural de casos, frequentemente a cada cinco ou seis anos, dentro de todo o ciclo histórico de doença”, explicou ao Comprova o médico infectologista Jean Gorinchteyn, do Hospital Albert Einstein e do Hospital Emílio Ribas. “Mas, especialmente no último ano, nós tivemos questões climáticas envolvidas, como aumento recorde de temperaturas, grande índice de chuvas, fazendo com que houvesse um ambiente muito favorável à proliferação dos mosquitos”, diz.

Atualmente, a campanha de vacinação contra a dengue no Brasil contempla jovens de 10 a 14 anos de idade com doses da Qdenga, fabricada pelo laboratório japonês Takeda. Uma nota técnica emitida pelo Ministério da Saúde esclareceu que os efeitos adversos após a imunização, sendo a maioria reação alérgica, são raros e não evoluem para internações. A vacina pode reduzir em 80% os casos sintomáticos da doença e em 90% as hospitalizações, segundo a farmacêutica.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 21 de março, a publicação somava 163 mil visualizações e mais de sete mil interações.

Como verificamos: Começamos a verificação buscando informações sobre o Programa Mundial de Mosquitos no site oficial da instituição. Parte das alegações do post foi desmentida no canal da própria entidade, assim como no site da Fundação Bill & Melinda Gates. Também encontramos dados sobre o surto de dengue no portal da Fiocruz e do Ministério da Saúde. Entrevistamos o médico infectologista Jean Gorinchteyn e um porta-voz do Programa Mundial de Mosquitos.

Como funciona o programa financiado por Bill Gates

Os mosquitos criados pelo programa financiado por Bill Gates não são geneticamente modificados, como alega o post aqui verificado. OGM é a sigla para “organismos geneticamente modificados”, ou seja, que tiveram alterações genéticas manipuladas por cientistas. O programa do empresário é considerado natural e sustentável por não apresentar riscos ao ecossistema em que é liberado, diferentemente do uso de inseticidas em larga escala, por exemplo. A técnica é diferente daquela desenvolvida pela empresa Oxitec, que também atua no Brasil.

Um dos laboratórios de criação dos mosquitos do WMP está localizado em Medellín, na Colômbia. “Eles atendem a todas as necessidades dos insetos à medida que crescem de larvas a pupas e até adultos, mantendo a temperatura ideal e alimentando-os com porções generosas de farinha de peixe, açúcar e, claro, sangue”, escreveu Bill Gates em um blog. São produzidos cerca de 30 milhões de mosquitos por semana.

Na fábrica, os cientistas introduzem a bactéria Wolbachia nos ovos do Aedes aegypti, sem alteração genética. Essa bactéria está presente em quase 60% dos insetos no mundo, incluindo moscas-das-frutas, mariposas, libélulas e borboletas, e pode impedir que os vírus da dengue, zika e chikungunya se desenvolvam no mosquito. Consequentemente, reduz a chance de o Aedes aegypti transmitir essas doenças para humanos.

“A Wolbachia vive dentro das células dos insetos e é transmitida de uma geração para outra através dos ovos dos insetos. Os mosquitos Aedes aegypti normalmente não transmitem Wolbachia, mas muitos outros mosquitos o fazem”, diz o site do programa. “Análises de risco independentes indicam que a libertação de mosquitos Wolbachia representa um risco insignificante para os seres humanos e para o ambiente.”

Os mosquitos são colocados em pequenas caixas e liberados no ambiente com ajuda da população local ao longo de 12 a 20 semanas. Outra opção oferecida pelo programa é a instalação de cápsulas, com ovos já criados com a Wolbachia, nas ruas ou dentro das casas dos moradores do local estudado. A própria população fica responsável por colocar água nas caixas até a eclosão do mosquito adulto, que ocorre entre uma e duas semanas.

Um teste realizado entre 2017 e 2020 na cidade de Yogyakarta, na Indonésia, mostrou uma redução de 77% na incidência de dengue e uma queda de 86% no número de hospitalizações pela doença na comunidade que recebeu o método com a Wolbachia. O programa comparou dados de uma região não tratada com o local que aplicou o teste. Na área com os mosquitos selvagens, foram registrados 318 casos de dengue e 102 internações. Já na região tratada, foram 67 casos e 13 hospitalizações.

A Fundação Bill & Melinda Gates financia o trabalho com a Wolbachia desde 2004 através do Programa Grandes Desafios na Saúde Global, iniciativa criada pela própria instituição. O investimento ultrapassa a marca de US$ 230 milhões, incluindo o aporte de US$ 50 milhões (respectivamente, R$ 1,1 bilhão e R$ 250 milhões) citado pelo post aqui investigado. O projeto recebe apoio de outras 23 entidades, incluindo os governos do Brasil, dos Estados Unidos, da Austrália, da Nova Zelândia, de El Salvador, além da empresa KPMG, o banco australiano Macquarie, a Fundação Comunitária do Vale do Silício e outras instituições ligadas à famílias de filantropos.

Testes no Brasil tiveram resultados positivos

A cidade do Rio de Janeiro foi a primeira a receber a iniciativa no Brasil, em 2014. Os projetos em larga escala, no entanto, começaram a partir de 2017, com a liberação dos mosquitos não só na capital fluminense, mas também em Niterói (RJ), Belo Horizonte, (MG), Campo Grande (MS) e Petrolina (PE). Em 2024, a pedido do Ministério da Saúde, o projeto será ampliado para outros seis municípios: Joinville (SC), Foz do Iguaçu (PR), Londrina (PR), Presidente Prudente (SP), Uberlândia (MG) e Natal (RN).

Os trabalhos são acompanhados pela Fiocruz, que destaca a redução de 70% dos casos de dengue, 60% de chikungunya e 40% de zika em Niterói. “Depois desses dados, a gente vem acompanhando ainda toda a série histórica da cidade, mostrando resultados ainda superiores na redução dos casos das arboviroses. Estamos fazendo a compilação para publicar para a população e para a comunidade científica”, destaca o pesquisador da fundação e Líder do Programa Mundial de Mosquitos Brasil, Luciano Moreira, em nota enviada ao Comprova. Os resultados dos demais municípios ainda estão sendo levantados.

Segundo o líder de Relações Institucionais e Governamentais do WMP, Diogo Chalegre, o engajamento da população local tem sido expressivo. “Antes de liberarmos, fazemos uma atividade chamada de Engajamento Comunitário, onde informamos a população sobre nossas atividades. Ao final dela, fazemos uma pesquisa de aceitação. Os números de aceitação giram em torno de 90%”, disse.

Os resultados promissores levaram o governo brasileiro a firmar uma nova parceria com o projeto em março de 2023. A maior biofábrica do mundo está sendo construída em Curitiba e deve começar a operar em 2025, com a criação de 100 milhões de mosquitos por semana, atendendo 70 milhões de pessoas nos próximos 10 anos. O programa já conta com uma instalação no Rio de Janeiro, inaugurada em 2014. Além disso, uma terceira biofábrica construída em Belo Horizonte está passando por testes operacionais e vai atender 22 municípios da Bacia do Paraopeba a partir do segundo semestre deste ano.

“Não existe nenhuma relação entre esse surto atual com a liberação de mosquitos que têm no seu interior a Wolbachia ou mosquitos transgênicos. Pelo contrário, os lugares que fizeram isso conseguiram diminuir a população dos mosquitos, infelizmente de uma forma temporária. É um mecanismo extremamente caro, que impede que o gestor público institua isso como uma forma de controle para a epidemia”, pondera o médico infectologista Jean Gorinchteyn, que já foi Secretário de Saúde do estado de São Paulo.

Vacina Qdenga é segura e eficaz

A vacina Qdenga, do laboratório japonês Takeda, é recomendada pela Organização Mundial da Saúde para combate à dengue desde outubro de 2023. Na ocasião, a presidente do Grupo Consultivo Estratégico de Peritos em Imunização da OMS, Hanna Nohynek, enfatizou a eficácia do imunizante. “Essa é a primeira vacina contra dengue com potencial para uso mais amplo. Muitos países estão enfrentando surtos devastadores de dengue e prevemos o agravamento geral da situação com as alterações climáticas”, disse.

A farmacêutica, aliás, já recebeu financiamento da Fundação Bill & Melinda Gates, como afirma o post investigado. Em 2016, a instituição anunciou um aporte de U$ 38 milhões no programa de desenvolvimento e registro de uma vacina contra a poliomielite para 70 países em desenvolvimento. A Takeda, que está ativa há 70 anos, também trabalha com vacinas contra covid-19, zika e influenza.

No Brasil, a Anvisa aprovou o registro da Qdenga em março de 2023. Segundo a agência, “o valor de eficácia global da vacina, que é o objetivo primário do estudo clínico apresentado, atingiu o patamar de 80,2%”, combatendo os quatro diferentes sorotipos do vírus causador da doença. A bula indica o imunizante para pessoas de 4 a 60 anos, mas o Ministério da Saúde incluiu apenas jovens de 10 a 14 anos na campanha em razão da baixa produção pelo laboratório.

Em março deste ano, o governo emitiu uma nota técnica sobre o andamento da campanha. No universo de 365 mil doses aplicadas no país desde 2023, foram identificados 16 casos de reações alérgicas graves. Todos se recuperaram e não houve hospitalizações. Naquele momento, o diretor do Departamento do Programa Nacional de Imunizações, Eder Gatti, reafirmou que os benefícios superam os riscos. “Nem todos os casos estão relacionados à estratégia de vacinação. É um número pequeno frente ao número de doses aplicadas. Mas o Ministério da Saúde, prezando pela transparência e segurança, fez uma nota técnica de acompanhamento após a discussão com especialistas”, afirmou.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com Karina Michelin, autora do post, mas não recebeu retorno até o momento da publicação deste texto. Ela já teve diversos conteúdos classificados como falso ou enganoso pelo Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: A publicação faz uso do nome de Bill Gates, bilionário cujo nome é constantemente citado em teorias da conspiração, para criar um tom alarmista sobre um assunto que se tornou rotineiro. O texto mistura nomes de instituições globais, como a ONU, e inclui diversos números para tentar passar credibilidade à mensagem, mas não se preocupa com a veracidade e o contexto das informações. O projeto da biofábrica citada no texto, por exemplo, faz parte de um plano real, mas o laboratório sequer foi inaugurado, portanto, não pode ter qualquer relação com o atual surto de dengue. Como são temas de interesse público, informações sobre doenças e vacinas podem ser confirmadas pelo próprio leitor em sites oficiais de órgãos públicos e também das instituições privadas, além da imprensa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As alegações do post aqui verificado também foram alvo de investigação da AFP, que mostrou que o mesmo texto tem versões em inglês e espanhol. O Comprova já publicou explicações sobre o programa de liberação de mosquitos geneticamente modificados no Brasil e esclareceu falas com desinformação sobre a vacina Qdenga.

Política

Investigado por: 2024-03-21

Barragem no Ceará está com bombas desligadas para manutenção programada, diferentemente do que diz vídeo

  • Enganoso
Enganoso
Diferentemente do que afirma vídeo compartilhado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no X, não há fluxo de água na Barragem de Jati, no Ceará, devido a uma manutenção programada. A barragem faz parte do projeto de transposição do Rio São Francisco. O reparo é agendado para essa época do ano devido ao período chuvoso na região e aos altos níveis de abastecimento dos reservatórios. A previsão é que o trabalho deve ser finalizado até 10 de abril. A água não flui da barragem de forma contínua, apenas sob demanda do governo do Ceará. Em fevereiro, o estado solicitou a liberação de determinado volume de água e foi atendido pelo governo federal. Segundo o governo do Ceará, no momento, a disponibilidade de água para a região garante abastecimento até o próximo ano.

Conteúdo investigado: Em um vídeo gravado diante da Barragem de Jati, no município de mesmo nome, no Ceará, e compartilhado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no X, um homem afirma que a estrutura que faz parte do Eixo Norte das obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) e leva água a diversas cidades do Ceará está totalmente desligada devido ao “descaso que o ‘governo do amor’ faz com o seu próprio povo”, em referência ao governo Lula (PT). O vídeo mostra imagens atuais da estrutura sem água e imagens antigas, de fevereiro de 2022, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve no local ao lado de Rogério Marinho, ex-ministro do Desenvolvimento Regional, num momento em que havia água na barragem. No fim do vídeo, o homem diz: “nosso presidente Bolsonaro trouxe água ao Nordeste e o ‘governo do amor’ fez prisioneiro de novo o povo do Ceará”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: No momento, não há fluxo de água na Barragem de Jati por causa de uma manutenção na motobomba 1 da Estação de Bombeamento 3 (EBI-3), que fica em Salgueiro, em Pernambuco, e direciona água para a barragem. Segundo o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), a manutenção estava programada “levando em consideração os altos níveis dos reservatórios abastecidos pela Estação de Bombeamento e o período chuvoso na região”.

A Barragem de Jati é o ponto que abastece o Cinturão das Águas do Ceará, uma obra complementar do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), sob a responsabilidade do governo estadual, que leva água à região metropolitana de Fortaleza. A liberação de água pela barragem é sazonal, sendo solicitada pelo governo estadual a partir da necessidade verificada a cada ano.

A pedido do estado, o governo federal liberou da Barragem de Jati, em fevereiro deste ano, 6,5m³ de água por segundo — cerca 50 carros-pipas por minuto. Segundo o governo do Ceará, o acumulado de água das fontes que abastecem Fortaleza e Região Metropolitana garantem o abastecimento “com folga para o próximo ano”.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Postagens do vídeo no X atingiram 264,3 mil visualizações e mais de 6 mil retuítes, até o dia 21.

Como verificamos: O Comprova pesquisou sobre a Barragem de Jati e as obras do PISF nos sites do governo federal e do governo do Ceará e em matérias publicadas na imprensa, e fez contato com o MIDR e com a Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) do Ceará. A equipe ainda buscou a assessoria de imprensa do ex-presidente Jair Bolsonaro, que postou o vídeo em sua conta no X, mas não obteve resposta.

Por meio da ferramenta PimEyes, o Comprova identificou o homem que faz as afirmações enganosas no vídeo. É Kayo Gustavo Fragoso Carneiro da Cunha, que chegou a ser detido por participação nos atos de depredação em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. O Comprova também tentou contato com ele.

A Barragem de Jati: local do vídeo

O Projeto de Integração do Rio São Francisco, popularmente conhecido como Transposição do Rio São Francisco, é composto por dois eixos: o Norte tem 260 km de extensão e alcança cidades dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte; o Leste possui 217 km e atende municípios de Pernambuco e da Paraíba. O objetivo é levar água para regiões secas e semiáridas do Nordeste brasileiro por meio da captação de água do Rio São Francisco, no interior de Pernambuco. A água segue até estações de bombeamento, que a elevam até estruturas acima do Rio São Francisco, de onde são direcionadas, por meio da ação da gravidade, até os reservatórios que vão abastecer as cidades.

Ao todo, são nove estações de bombeamento. Uma delas é a Estação de Bombeamento 3 (EBI-3), que fica em Salgueiro (PE), e leva água à Barragem de Jati, no Ceará, que abastece o Cinturão das Águas do Ceará (CAC). Foi na Barragem de Jati, no local em que há cascatas de água, que o vídeo analisado nesta checagem foi gravado. O homem que aparece na gravação cita a data de 10 de março de 2024.

Bomba que leva água à Barragem de Jati está em manutenção

Em resposta ao Comprova, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional informou que a falta de água nas cascatas que aparece no vídeo se deve à paralisação da motobomba 1 da EBI-3 para manutenção programada, que deve ser concluída até o dia 10 de abril. Segundo a pasta, a manutenção é feita neste período “levando em consideração os altos níveis dos reservatórios abastecidos pela Estação de Bombeamento e o período chuvoso na região”. A informação também aparece em texto publicado no site da Presidência da República, no dia 18 deste mês.

A nota acrescenta que “a motobomba 2 passará pela mesma manutenção e tem retorno programado de operação para a segunda quinzena de julho, permitindo a plena capacidade de bombeamento da EBI-3”.

A manutenção na EBI-3 ocorre oito meses após a implementação de um novo sistema de bombas, em julho do ano passado, que retomou seu funcionamento. Na ocasião, o MIDR informou que a estação estava paralisada desde outubro de 2022 “em razão de problemas técnicos decorrentes da falta de reparos e de manutenção do sistema”, diz texto no site do ministério.

A EBI-3 foi inaugurada em fevereiro de 2022, no governo Bolsonaro. Após a paralisação da estação em outubro daquele ano, a Barragem de Jati foi alvo de outra desinformação: em abril de 2023, postagens enganosas afirmaram que o governo Lula havia interrompido o fluxo de água na estrutura para beneficiar donos de carros-pipa. No entanto, a estrutura ainda estava paralisada devido aos problemas técnicos informados pelo MIDR.

Acionamento das bombas é feito sob demanda do estado do Ceará

Segundo o MIDR, o governo federal atendeu, no mês passado, o pedido do estado do Ceará de liberação de 6,5m³/s pelo Cinturão das Águas, e está garantindo o abastecimento sem prejuízo à população. Este texto no site da Presidência da República explica que a distribuição de água ao Ceará pela Barragem de Jati se dá “apenas sob demanda da operadora estadual”.

No site do governo do estado, há explicação de que a demanda de água da transposição do São Francisco é feita a partir de um planejamento das companhias estaduais de gestão dos recursos hídricos. “Dessa forma, a água do PISF só é requisitada quando necessária nos tempos de estiagem, e não ao longo do ano inteiro”, diz o texto.

Em abril do ano passado, o Comprova publicou texto sobre as obras de transposição do Rio São Francisco. Na matéria, o Ministério explica que a paralisação dos serviços na transposição pode ocorrer em casos de manutenções preventivas e/ou corretivas das estruturas, testes no sistema e durante ajustes operacionais. Há ainda a informação de que a estrutura não necessita de bombeamento contínuo e pode interrompê-lo uma vez atingidos os níveis dos reservatórios.

Matéria no site do governo do Ceará destaca que o registro de imagens em trechos do Cinturão das Águas do Ceará que ainda estão em obras ou em partes secas da estrutura durante períodos de não utilização acontece sazonalmente para produzir desinformação nas redes sociais.

Procurada, a Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) reiterou que a EBI-3 conta com duas bombas e que uma delas está em manutenção. A pasta ainda afirma que solicitou fornecimento de água ao governo federal, que foi concedido.

O que diz o responsável pela publicação: O vídeo foi divulgado nas redes sociais originalmente por Kayo Gustavo Fragoso Carneiro da Cunha, que é quem aparece na gravação fazendo as afirmações enganosas. Ele foi candidato a deputado estadual em Alagoas pelo PL nas eleições de 2022. Segundo matéria do SBT News, Kayo Fragoso foi identificado em relatório de inteligência da Polícia Militar do estado como um dos articuladores do acampamento em frente ao Quartel do Exército em Maceió, que abrigou bolsonaristas que contestavam o resultado das eleições presidenciais daquele ano. Matéria do jornal Extra, de Alagoas, informa que ele foi apontado pela Polícia Federal como um dos 15 líderes responsáveis pelos bloqueios em rodovias estaduais e federais como forma de protesto contra o resultado das urnas.

Procurado pelo Comprova, Kayo Fragoso disse que o conteúdo do vídeo “demonstra claramente que a estrutura está desligada” e que “a motivação do desligamento é que está sendo debatida neste momento”. Ele diz que o vídeo não atribui prática criminosa ao atual governo, mas apenas uma avaliação de caráter subjetivo de que há um descaso do atual governo com o povo do Ceará. “Trata-se de mera opinião lastreada em denúncias da população local e no fato de que existem diversas reportagens há quase um ano informando causas diversas para o fato de que a barragem em determinados períodos é desligada”, diz Kayo Fragoso (Confira outras verificações do Comprova sobre a transposição).

Também procurada, a assessoria do ex-presidente Jair Bolsonaro, que postou o vídeo em sua conta oficial no X, não se manifestou a respeito da publicação.

O que podemos aprender com esta verificação: A transposição do São Francisco é comumente alvo de conteúdos enganosos que muitas vezes aparecem junto a denúncias e críticas ao governo. A desinformação sobre as obras se intensificou durante a última transição na Presidência da República. Somente no ano passado, o Estadão Verifica publicou 16 checagens sobre o tema. O tom alarmante e as imagens mostradas nos vídeos são uma forma de mobilizar os leitores, fazendo com que o conteúdo seja replicado rapidamente sem um olhar atento. No entanto, é importante ter especial atenção, visto que responsáveis pela publicação podem utilizar de imagens antigas ou fora de contexto.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A Barragem de Jati já foi alvo de conteúdos enganosos que alegavam descaso do governo federal. Em 2023, o Comprova mostrou ser enganosa a afirmação de que o trecho do Eixo Norte tenha sido fechado para beneficiar donos de carros-pipa. A equipe também já publicou conteúdo explicativo sobre a transposição do São Francisco e por que ela gera dúvidas e como a polarização intensifica a desinformação sobre a transposição do rio.

 

Atualização: Esta verificação foi atualizada em 22 de março para incorporar resposta do responsável pela publicação investigada pelo Comprova.

Saúde

Investigado por: 2024-03-20

Suprema Corte dos EUA não decidiu que vacinas contra a covid-19 “não são vacinas”

  • Falso
Falso
Vídeo que circula nas redes sociais dissemina informações falsas ao afirmar que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as vacinas contra a covid-19 não são eficazes ou que causam danos irreparáveis. No conteúdo, um médico brasileiro alega que a Suprema Corte teria dado razão ao advogado Robert Kennedy Jr., conhecido por suas posições antivacinas. No entanto, verificações anteriores de fontes confiáveis constataram que as alegações são falsas, e não há registros de processos envolvendo Kennedy Jr. na Suprema Corte ou em outra instância. Além disso, a FDA, equivalente à Anvisa dos EUA, esclareceu que as vacinas contra a covid-19 são seguras e eficazes, tendo salvo milhões de vidas, e que seus benefícios superam os riscos.

Conteúdo investigado: Em vídeo, homem afirma que a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou um caso aberto por Robert Kennedy Jr. contra farmacêuticas e decidiu que “vacinas contra covid-19 não são vacinas” e que “os danos causados pelas vacinas de mRNA são irreparáveis”. Sobre o vídeo, há uma legenda com a data de 11 de março de 2024.

Onde foi publicado: Kwai.

Conclusão do Comprova: É falso que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as vacinas contra a covid-19 não são vacinas ou que os imunizantes de mRNA causam danos irreparáveis. A afirmação mentirosa, feita por um médico em vídeo que já havia sido retirado do Instagram, voltou a circular, agora no Kwai.

Na gravação, o médico afirma que a decisão da Suprema Corte teria sido a favor de Robert Kennedy Jr. — o advogado norte-americano é um conhecido pregador antivacina. Verificações anteriores de veículos como Estadão Verifica e AFP Checamos já haviam concluído que o conteúdo era desinformativo, mas uma nova consulta ao site da Corte dos Estados Unidos mostra que não há nenhum processo envolvendo o nome de Robert Kennedy Jr.. Tampouco há ação semelhante na página de processos ganhos pela Children’s Health Defense, associação chefiada por Kennedy Jr..

Além disso, a equipe do autor do vídeo, Djalma Marques, afirmou ao Comprova que o post, publicado inicialmente no Instagram, foi retirado da plataforma. No entanto, o vídeo foi replicado e compartilhado por dezenas de perfis no Kwai.

Consultada pela reportagem, a Food and Drug Administration (FDA), agência norte-americana que regula medicamentos quanto à eficácia e segurança, disse que o post é desinformativo e que as vacinas “são uma das intervenções de saúde pública mais eficazes, responsáveis ​​por salvar milhões de vidas todos os anos”. Finaliza afirmando que os benefícios das vacinas contra a covid superam os riscos.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A postagem contava com 107 mil visualizações até o dia 14 de março de 2024.

Como verificamos: Para verificar a veracidade das informações, o Comprova consultou o site da Corte dos Estados Unidos em busca de processos envolvendo o nome do advogado Robert Kennedy Jr., que não foram encontrados. Além disso, entramos em contato com a Food and Drug Administration (FDA), para posicionamento sobre eficácia e segurança das vacinas, e com a equipe do autor do vídeo, Djalma Marques.

O médico

Conhecido como doutor Kefir, Djalma Marques, inscrito no Conselho Federal de Medicina em setembro de 2020, divulgou conteúdos negacionistas durante a pandemia. Em agosto de 2020, por exemplo, o Comprova concluiu ser enganoso um post em que o médico afirmava que a pandemia era uma farsa criada com fins políticos.

Em 2022, o Aos Fatos informou que, diferentemente do que Marques publicou em seu post, era falso que ivermectina e antiviral da Pfizer agiam da mesma forma contra o novo coronavírus. No ano seguinte, a Lupa desmentiu que um tratado discutido na Organização Mundial da Saúde (OMS) permitiria ao órgão confinar pessoas.

Ao enviar uma mensagem via Whatsapp para o número de telefone informado em seu perfil no Instagram, a reportagem recebeu uma resposta automática informando que ele trabalha com laudo médico de isenção de vacina e tratamento para “pós-imunizados”, dentre outros pontos.

O que diz o responsável pela publicação: A equipe de Marques não comentou o fato de o conteúdo ser falso, apenas disse, inicialmente, que o médico já havia tratado do assunto com o Instagram, onde o post havia sido publicado. Questionada se a publicação havia sido retirada por conter desinformação, respondeu que, “por ser um médico que posta muito nas redes sociais, às vezes há a necessidade de ajustar alguma informação, e foi isto que ocorreu”.

O que podemos aprender com esta verificação: Além de citar a Suprema Corte dos Estados Unidos, o post menciona princípios do Código de Nuremberg elaborado como resposta aos crimes praticados por médicos em experimentos com seres humanos na Segunda Guerra Mundial para conferir legitimidade e confiabilidade à falsa informação que está transmitindo. O autor também inicia o vídeo afirmando que agências de checagem irão retirá-lo do ar e, por isso, pede que as pessoas compartilhem nas redes sociais. Isso é uma tática comum entre os desinformadores, que sabem que podem ter suas publicações investigadas pelos veículos. Assim, o aviso serve apenas para despertar o senso de urgência no espectador e alcançar o objetivo de viralizar.

É importante acessar sites de confiança, em especial os portais oficiais das instituições citadas no vídeo para verificar se as informações procedem, como decisões judiciais e pesquisas científicas. Também é possível checar se o que é falado no vídeo foi noticiado por algum veículo jornalístico de confiança, tanto no Brasil quanto no exterior.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Essa não é a primeira vez que circulam informações falsas sobre decisões da Suprema Corte dos EUA contra as vacinas de covid-19. Em 2023, isso já foi checado pela AFP e Estadão Verifica. As mesmas alegações também circularam em outros países e foram checadas em inglês e espanhol. O jornal português Observador também fez checagem sobre o tema. O Comprova já realizou verificações de alegações falsas atribuídas a Robert F. Kennedy, como a de que a vacina contra covid-19 cause danos irreversíveis ao DNA.

Mudanças climáticas

Investigado por: 2024-03-20

Suécia não abandonou metas de desenvolvimento sustentável e vídeo foi gravado na Alemanha

  • Falso
Falso
A Suécia não abandonou as metas ambientais para 2030 sob pressão de agricultores. A postagem com essa alegação é acompanhada do vídeo de um bloqueio em uma estrada, mas as imagens foram gravadas na Alemanha, em janeiro deste ano, durante protesto de agricultores contra um corte no subsídio do diesel. Ao Comprova, o Conselho Sueco de Agricultura, autoridade responsável pela política agrícola, confirmou que o vídeo não foi registrado no país. Não identificamos nenhuma mudança na direção da política ambiental sueca recentemente. O Ministério do Clima da Suécia informou que permanece empenhado em alcançar a Agenda 2030.

Conteúdo investigado: Uma publicação diz que a Suécia abandonou o projeto ambiental para 2030 após pressão de agricultores, com um vídeo que mostra tratores e caminhões bloqueando uma estrada.

Onde foi publicado: X e Facebook.

Conclusão do Comprova: A Suécia não abandonou seu projeto ambiental para 2030 após pressão de agricultores no país, ao contrário do que dizem posts nas redes sociais. Essa alegação é publicada junto de um vídeo que mostra tratores e caminhões bloqueando uma estrada. Uma busca reversa no Google mostrou que as imagens foram gravadas na Alemanha, perto da cidade de Neustadt an der Wied, no oeste do país.

Agricultores alemães organizaram manifestações e bloquearam vias em janeiro de 2024, contra a mudança na política de subsídio de diesel no país. Assim como fazendeiros da França e de outros países europeus, eles protestam contra a concorrência externa, a inflação e os rendimentos baixos. Apesar de estar relacionado à política ambiental, o movimento tem diversas outras reivindicações.

Documentos recentes indicam que a Suécia tem reafirmado seu compromisso com os princípios da Agenda 2030, como são chamados os objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), aos quais vários países aderiram. O Comprova não identificou nenhuma mudança recente na direção da política ambiental da Suécia.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 18 de março, uma das publicações com essa alegação tinha 57,7 mil visualizações e 5 mil curtidas no X.

Como verificamos: Realizamos uma busca reversa pelo Google Lens para tentar identificar o local onde o vídeo foi gravado e, com base no resultado, procuramos informações a respeito de manifestações ocorridas na Alemanha. Também entramos em contato com o Conselho Sueco de Agricultura e com o Ministério das Relações Exteriores da Suécia, e pesquisamos a respeito das posições atuais do governo sueco com relação aos temas ambientais.

Protesto foi realizado na Alemanha

A busca reversa pelas imagens do vídeo apontou uma publicação de 8 de janeiro deste ano, que mostra que o protesto aconteceu na Alemanha. A publicação investigada usa a mesma gravação, com a mesma música de fundo, mas recortou as imagens para cortar a marca d’água do perfil original.

Pesquisamos por protestos de agricultores na Alemanha em 8 de janeiro e verificamos que, naquele dia, houve uma manifestação nacional contra novas políticas agrícolas do governo Olaf Scholz, como mostraram Reuters, Deutsche Welle e Die Zeit. Os participantes levaram centenas de tratores ao Portão de Brandemburgo, um dos principais monumentos da capital Berlim.

Também pela busca reversa, chegamos a um vídeo no YouTube que aponta que a manifestação aconteceu na rodovia A3, perto de Neustadt an der Wied. Buscamos a via no Google Maps e confirmamos que o vídeo foi gravado no local. Isso foi possível a partir de uma comparação entre os elementos da paisagem e da rodovia – como um corrimão vermelho da passarela, que aparece em determinado fragmento do vídeo – com imagens retiradas do Google Maps.

 

O Conselho Sueco de Agricultura, autoridade responsável pela política agrícola na Suécia, confirmou ao Comprova que as imagens não foram registradas no país. O Ministério das Relações Exteriores da Suécia não respondeu até o momento da publicação.

Ao Comprova, o Ministério do Clima e Meio Ambiente da Suécia afirmou que o governo “está totalmente empenhado em alcançar a Agenda 2030” e que não mudou sua posição desde a adoção do programa, em 2015.

Suécia tem reafirmado práticas de desenvolvimento sustentável

Na Suécia, vigora uma lei que orienta as políticas ambientais do país desde 2018. O texto determina que as ações do governo devem “contribuir para proteger os ecossistemas e as gerações atuais e futuras contra os efeitos prejudiciais da mudança climática”, e que devem ser orientadas pelo conhecimento científico. Segundo o site do parlamento sueco, não há nenhuma mudança no dispositivo desde sua aprovação.

A publicação fraudulenta diz que a Suécia estaria abandonando as metas ambientais para 2030, numa possível referência à “Agenda 2030”, como são chamados os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, aos quais vários países aderiram.

No site oficial do governo sueco, foi possível ter acesso ao discurso do Ministro das Relações Exteriores da Suécia, Tobias Billström, na 78ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 23 de setembro de 2023, em Nova York. No pronunciamento, o ministro falou sobre a importância de “recuperar o ímpeto para se alcançar a Agenda 2030” e afirmou que a Suécia é “um parceiro empenhado a contribuir no sistema de desenvolvimento das Nações Unidas”.

Entre as práticas adotadas pelo país no combate às mudanças climáticas está a assistência financeira da Suécia à Agenda 2030. De acordo com o ministro, a Suécia é um dos poucos países a cumprir a meta da ONU de dedicar 0,7% do rendimento anual bruto para a agenda de desenvolvimento global. O discurso do ministro também mostrou preocupação com as mudanças climáticas, reafirmou que o país continuará a fazer sua parte e pediu para que outras nações aumentem suas contribuições ao projeto.

Além disso, em 2024, a Suécia assumiu a presidência do Conselho de Ministros Nórdicos, uma instituição de cooperação entre os governos dos países nórdicos, com o intuito de criar a região mais integrada e sustentável do mundo. Em um comunicado oficial publicado em 1° de janeiro de 2024, o governo sueco disse que o plano de ações do país seguirá a proposta da Nossa Visão 2030, que tem iniciativas para alcançar a Agenda 2030.

No site do governo sueco, consta ainda um documento com as estratégias de cooperação global do país no desenvolvimento econômico sustentável no período de 2022 a 2026. Segundo o Ministério das Relações Exteriores da Suécia, a cooperação do país no período em questão segue os princípios da Agenda 2030.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem enviou uma mensagem para o autor da publicação no X, mas não recebeu retorno. Após o contato, o perfil bloqueou a reportagem do Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: Muitos conteúdos compartilhados nas redes sociais tentam desinformar sobre temas ambientais com o propósito de descredibilizar ações de países que promovem medidas alternativas para reduzir impactos no meio ambiente. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é uma iniciativa das Nações Unidas que contém um plano de ação global para estabelecer metas para o desenvolvimento sustentável de povos e nações em 2030.

Por esse motivo, muitas vezes países que aderiram à Agenda 2030, como a Suécia, são citados em postagens enganosas e falsas. Além disso, a Suécia é o país da ativista ambiental Greta Thunberg, que foi alvo de uma campanha de desinformação nas redes sociais após um discurso na Cúpula da Ação Climática da ONU, em 2019.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já contextualizou a relação entre os protestos de agricultores na Europa no início deste ano com as políticas ambientais. No tópico de mudanças climáticas, mostrou que não há evidência sobre experimentos com energia no Zimbábue e que carros elétricos da polícia francesa não usam combustíveis fósseis.

 

Atualização: Esta verificação foi atualizada em 25 de março de 2024 para incorporar resposta do Ministério do Clima e Meio Ambiente da Suécia.

Política

Investigado por: 2024-03-20

Vídeo antigo de Gilmar Mendes é usado para negar que atos do 8 de janeiro foram tentativa de golpe

  • Enganoso
Enganoso
Publicação engana ao dizer que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes admitiu não ter ocorrido tentativa de golpe na invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. A entrevista com a fala usada no post aconteceu dez dias após a depredação, quando a Justiça ainda iniciava as investigações sobre os ataques. Em declarações mais recentes, porém, o magistrado apontou que houve tentativa de invalidar o resultado das eleições de 2022 e afirmou ser “incogitável” a concessão de anistia para os condenados.

Conteúdo investigado: Publicação usa vídeo de uma entrevista do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes à emissora portuguesa RTP. Nela, o magistrado diz não ter ocorrido tentativa clara de golpe nos ataques em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. O objetivo da publicação é questionar as prisões dos envolvidos após as investigações e julgamentos sobre os atos antidemocráticos.

Onde foi publicado: X e Facebook.

Conclusão do Comprova: É enganosa a publicação que afirma que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), admitiu não ter ocorrido tentativa de golpe nos atos de 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O post utiliza um trecho da entrevista concedida pelo magistrado em 18 de janeiro do mesmo ano para o Jornal 2 e reexibida pelo Jornal da Tarde, ambos da emissora portuguesa RTP, para questionar as prisões dos envolvidos nos ataques, fazendo parecer que se trata de um conteúdo recente.

De fato, Gilmar declarou na entrevista que não houve tentativa clara de golpe, mas a postagem omite que o posicionamento ocorreu dez dias após a invasão e que, à época, as investigações ainda não tinham apresentado evidências contundentes sobre a forma de ocorrência dos ataques . “Não houve, de forma muito clara, não se pode dizer, uma tentativa de golpe, não houve quem quisesse assumir o poder. Ocuparam o Supremo Tribunal Federal, ocuparam o Palácio do Planalto e ocuparam parte do Legislativo (…) Mas, de qualquer forma, causaram um imenso tumulto, como nós estamos a ver e estamos a discutir inclusive no exterior, aqui em Portugal e em outros sítios”, disse o ministro.

O post também não mostra que, na mesma entrevista, ele diz que havia insegurança sobre o não reconhecimento da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ministro disse ainda ter a percepção de que “algo não ia bem” após o período eleitoral.

Na ocasião, Gilmar declarou que dependia da apuração dos fatos para entender como os ataques ocorreram. Ele foi questionado se a “minuta do golpe”, encontrada durante busca e apreensão na casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, seria um indício forte de que pessoas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro sabiam sobre o golpe. Mendes então apontou que “as investigações e também o depoimento do ex-ministro certamente vão contribuir para o esclarecimento”.

A publicação também não diz que, com o avançar das investigações sobre os atos antidemocráticos, o ministro teve acesso a novas informações que contribuíram para o entendimento da tentativa de golpe e levaram à prisão dos envolvidos. Até o momento, 116 pessoas foram condenadas a penas que variam de 3 a 17 anos de prisão por participação nos ataques golpistas.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 20 de março de 2024, a postagem no X contava com 9.928 visualizações. O vídeo foi repostado na página oficial da deputada federal Bia Kicis (PL-DF) no Facebook, onde tem 32 mil visualizações.

Como verificamos: A publicação exibe os nomes dos dois jornais que transmitiram a declaração do ministro e o da emissora, então, a verificação realizou uma pesquisa com os termos “Gilmar Mendes” “Golpe” “8 de janeiro”, “Jornal 2”,“Jornal da Tarde” e “RTP” para descobrir quando e em que contexto a afirmação aconteceu. A busca levou a trechos e à íntegra da entrevista no próprio site e Facebook da RTP.

A reportagem também procurou por falas após a entrevista, para entender o atual posicionamento do magistrado, com o decorrer das investigações e julgamento dos participantes dos atos golpistas.

Ministro entende ataques de 8 de janeiro como tentativa de golpe

Diferentemente do que a publicação verificada sugere, o ministro já afirmou que houve tentativa de golpe e se mostrou favorável às condenações dos envolvidos. Em 14 de fevereiro de 2023, Gilmar disse em entrevista ao Estúdio I da GloboNews que os manifestantes pretendiam forçar a implementação da Garantia da Lei e Ordem (GLO) para que as Forças Armadas assumissem o poder, e que as investigações indicavam um possível financiamento e planejamento para a invasão.

Ao UOL, em 23 de junho, ele falou que as mensagens encontradas no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, davam indícios de uma articulação contra a democracia. No julgamento de um dos réus dos atos antidemocráticos, em 14 de setembro de 2023, o magistrado voltou a afirmar que a intenção dos ataques era a instauração da GLO. Gilmar disse isso depois que o também ministro do STF Nunes Marques declarou que os manifestantes não tinham intenção de aplicar um golpe.

Em uma publicação em seu perfil na rede social X, em 3 de outubro de 2023, Mendes usou o termo “tentativa de golpe” ao criticar a proposta do Congresso para estabelecer mandatos para integrantes do Supremo. “Após vivenciarmos uma tentativa de golpe de Estado, por que os pensamentos supostamente reformistas se dirigem apenas ao Supremo?”, escreveu. Em 20 de fevereiro de 2024, à Veja, o decano declarou que o ato pretendia “criar um pretexto para um golpe”.

Ao Estadão, em 28 de fevereiro, o ministro disse que há elementos que “indicam intuitos golpistas” e descreveu o ataque como “a ameaça mais grave à democracia em todos esses anos pós-ditadura”. A declaração mais recente sobre o 8 de janeiro ocorreu em 16 março, em entrevista à TV 247, quando afirmou que as investigações são consistentes e que “temos, parece, de maneira inequívoca a confirmação de intentos golpistas por parte da própria Presidência da República”. Na ocasião, ele também se mostrou contrário à concessão de anistia. “Não faz sentido algum da perspectiva jurídica e da perspectiva política falar-se em anistia (…) É incogitável que se fale em anistia para esses crimes”.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com o autor da publicação, porque foi bloqueado pelo responsável pelo perfil. A reportagem procurou a deputada Bia Kicis, que também compartilhou o conteúdo enganoso em sua página no Facebook e, até a publicação deste texto, não obteve retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: A postagem tira de contexto a fala do ministro Gilmar Mendes para corroborar a narrativa de que não houve uma tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023. Para isso, o responsável pela publicação omite que o magistrado mudou de opinião posteriormente, diante das investigações.

O uso de um vídeo real, com a fala de uma autoridade, pode induzir a opinião pública a formar seus julgamentos com base em informações desatualizadas ou mentirosas. Portanto, é importante sempre verificar a data de veiculação de reportagens e seu contexto nos canais oficiais da emissora responsável, assim como buscar se o posicionamento em questão é atual em veículos jornalísticos de confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A publicação investigada também foi alvo de checagem de Aos Fatos. O Comprova sempre verifica conteúdos relacionados à membros do Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como sobre o sistema eleitoral e eleições. Recentemente, o ministro Gilmar Mendes foi citado em uma verificação que mostrou que um vídeo com falas dele foi editado para desacreditar o sistema eleitoral. Uma outra investigação também apontou que um vídeo antigo de urnas americanas foi usado para causar dúvidas sobre as eleições brasileiras. O Comprova também já explicou como ocorre o acordo entre a Anatel e o TSE para as eleições e o que é o poder de polícia.

Comprova Explica

Investigado por: 2024-03-19

Entenda o acordo entre a Anatel e o TSE para as eleições e o que é o ‘poder de polícia’

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Publicações em rede social e site levantam desconfiança sobre um acordo feito entre o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, e o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, para atuação dos órgãos nas eleições. As postagens indicam que a Anatel usará o chamado "poder de polícia para retirar do ar todos os sites e aplicativos que o TSE considerar antidemocratas”. Na prática, os acordos feitos entre as instituições buscam combater a desinformação nas eleições e acelerar a comunicação entre esses órgãos. O “poder de polícia” refere-se, na verdade, ao poder que a administração pública possui de ordenar condutas, estabelecer obrigações, fiscalizar e impor sanções. A Anatel, na situação em questão, atuará no cumprimento de determinações judiciais, baseadas em normativas eleitorais que vetam, dentre outros, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, racismo, ideologia nazista e antidemocráticos.

Conteúdo analisado: Publicações em rede social e site afirmam que, após um acordo feito entre o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, e o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, a agência “terá poder de polícia para retirar do ar todos os sites e aplicativos que o TSE considerar antidemocratas”.

Comprova Explica: O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou, no último dia 12 de março, o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), sob a liderança do presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes. O propósito do centro, conforme o TSE, é combater a disseminação de desinformação eleitoral, incluindo deepfakes e discursos prejudiciais à democracia, promovendo uma cooperação entre a Justiça Eleitoral, órgãos públicos e entidades privadas (como as plataformas de redes sociais). E assim garantir o cumprimento de normas eleitorais, como a Resolução TSE nº 23.610/2019, que trata sobre propaganda eleitoral e que recentemente foi atualizada para abordar o uso fraudulento da tecnologia em campanhas políticas.

No mesmo dia, Alexandre de Moraes firmou um acordo de cooperação técnica com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para facilitar as operações do CIEDDE, uma vez que a empresa é uma das instituições externas convidadas a participar do centro em um modelo de colaboração mútua.

Anteriormente, em dezembro de 2023, o TSE e a Anatel já haviam assinado outro acordo para garantir um fluxo de comunicação célere e direto, por meio eletrônico, entre os dois órgãos e agilizar o cumprimento de decisões judiciais para bloqueio de sites que propaguem desinformação.

No caso, o poder de polícia que chegou a ser mencionado pelo presidente da Anatel, Carlos Baigorri, em referência à atuação na parceria com o TSE, diz respeito ao poder que a administração pública tem de estabelecer obrigações, fiscalizar e determinar sanções. No trabalho da Anatel, cabe à agência, diante de decisão da Justiça Eleitoral, que ordene, por exemplo, a retirada de sites do ar por propagarem desinformação, além do contato com as prestadoras de serviços de telecomunicações para que as mesmas efetuem o bloqueio do acesso dos websites em questão.

Portanto, a Anatel dá cumprimento ao que é decidido pela Justiça Eleitoral com base em normativas eleitorais. Em 2024, as normativas eleitorais foram atualizadas para englobar também, dentre outros pontos, a proibição das deepfakes, a obrigação de aviso sobre o uso de Inteligência Artifical (IA) na propaganda eleitoral e a responsabilização das big techs sobre a retirada imediata do ar de conteúdos com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, além dos antidemocráticos, racistas e homofóbicos.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos notícias sobre o assunto. Em seguida, procuramos o TSE para solicitar esclarecimentos de modo a explicar alguns pontos da parceria com a Anatel. Posteriormente, procuramos a Anatel para entender o papel da agência na iniciativa de combate à desinformação nas eleições deste ano. Também entrevistamos o advogado Francisco Zardo, mestre e doutorando em Direito Administrativo pela Universidade de São Paulo (USP) e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Seccional Paraná, que explicou que é o poder de polícia.

Acordo assinado entre o TSE e a Anatel

O TSE inaugurou, em 12 de março o CIEDDE, que é um grupo criado por meio da Portaria 180/2024, assinada pelo presidente da Corte, Alexandre de Moraes. O objetivo, segundo o TSE, é combater a desinformação e os discursos de ódio, discriminatórios e antidemocráticos no processo eleitoral. O CIEDDE funcionará na sede do tribunal, em Brasília.

O grupo busca estabelecer uma cooperação entre a Justiça Eleitoral, órgãos públicos e entidades privadas (em especial plataformas de redes sociais e serviços de mensageria privada) para garantir o cumprimento da Resolução TSE nº 23.610/2019, que trata da propaganda eleitoral.

Em fevereiro deste ano, a resolução foi atualizada para incorporar o combate ao uso fraudulento da tecnologia, como a produção de notícias falsas e a utilização irregular da Inteligência Artificial, em campanhas eleitorais.

O CIEDDE terá uma rede de comunicação em tempo real com os 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). O centro será comandado pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes, e composto por:

  • Secretário-geral do TSE, Cleso Fonseca;
  • Diretor-geral do Tribunal, Rogério Galloro;
  • Diretor da Escola Judiciária Eleitoral do TSE, ministro Floriano Azevedo;
  • Secretária de Comunicação da Corte, Giselly Siqueira;
  • Assessor-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, José Fernando Chuy;
  • Dois juízes auxiliares da Presidência da Casa, a serem designados.

A norma que criou o CIEDDE indica ainda que o TSE fechará acordos de cooperação com a Procuradoria-Geral da República (PGR), com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

No caso da Anatel, isto ocorreu no próprio dia 12 de março, quando Alexandre de Moraes assinou um acordo de cooperação técnica com a agência para operacionalizar o CIEDDE, visto o convite feito às instituições externas.

Os envolvidos no acordo devem:

  • Implementar a cooperação no âmbito administrativo;
  • Realizar o intercâmbio de informações e agilizar a comunicação entre órgãos, entidades e plataformas de redes sociais, visando otimizar a implementação de ações preventivas;
  • Cooperar na defesa da integridade do Processo Eleitoral e da confiabilidade do sistema eletrônico de votação, inclusive mediante a emissão de notas, pareceres e declarações públicas;
  • Promover a cooperação entre a Justiça Eleitoral, órgãos públicos e entidades privadas, em especial as plataformas de redes sociais e serviços de mensageria privada, durante o perı́odo eleitoral;
  • Cooperar na realização de cursos, seminários e estudos para a promoção de educação em cidadania, Democracia, Justiça Eleitoral, direitos digitais e combate à desinformação eleitoral;
  • Cooperar na organização de campanhas publicitárias de educação contra a desinformação, discursos de ódio e antidemocráticos, e em defesa da Democracia e da Justiça Eleitoral.

Antes disso, em dezembro de 2023, o TSE e a Anatel já haviam assinado outro acordo de cooperação para agilizar a derrubada de sites que propaguem desinformação. Segundo o texto da norma, o acordo tem o propósito de “estabelecer um fluxo de comunicação célere e direto, por meio eletrônico, entre os dois órgãos para o cumprimento de decisões judiciais para bloqueio de sites”. Esse acordo tem prazo de vigência indeterminado.

Conforme publicação do TSE, até então, as determinações de retirada de sites do ar por disseminação de informações prejudiciais ao processo eleitoral eram enviadas por meio de oficiais de Justiça. Na prática, ao vigorar o acordo de cooperação, é gerada uma integração eletrônica entre os sistemas das duas instituições, tornando a comunicação mais ágil.

Na ocasião, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, explicou que o mecanismo anterior era “mais moroso”, e, segundo ele, a Anatel recebeu “diversas determinações e julgamentos do Tribunal para retirar do ar sites, conteúdo e aplicativos que estavam disseminando desinformação e colocando em risco o processo eleitoral”.

“Poder de polícia” citado pelo presidente da Anatel

Em declaração à imprensa no dia 12 de março, Baigorri disse que a “Anatel usará poder de polícia contra fake news na eleição”. Essa afirmação tem gerado repercussão sobre o que vem a ser esse poder de polícia.

Ao Comprova, o advogado Francisco Zardo explicou que o poder de polícia, ao contrário do que sugere o nome, não se relaciona à atuação das polícias Militar, Civil ou Federal. Poder de polícia administrativa é o poder que a administração pública possui de ordenar condutas, estabelecer obrigações, fiscalizar e impor sanções.

“Por exemplo, quando a vigilância sanitária fecha um restaurante sem condições de higiene, ela está exercendo o poder de polícia. Da mesma forma, quando o Ibama autua alguém que cortou uma árvore sem licença ambiental”, explicou o advogado.

Ainda segundo Zardo, a finalidade principal do documento divulgado pelo TSE é agilizar o cumprimento das decisões judiciais, não introduzir novos poderes ou atribuições para ambas as instituições. “Não se cria nada novo, tanto o TSE quanto a Anatel continuarão a exercer os poderes e obrigações que já possuíam, apenas de forma mais ágil, a partir da integração eletrônica”, afirmou.

O advogado ainda ressaltou que, no caso específico, pode não ser adequado falar em exercício do poder de polícia pela Anatel. “Aqui, a Anatel estará meramente cumprindo determinações judiciais. A diferença é que os sistemas estarão integrados”, concluiu Zardo.

Portanto, o acordo entre o TSE e a Anatel busca a eficiência e a celeridade no cumprimento das decisões judiciais, garantindo uma integração eletrônica que otimiza os processos, sem alterar as competências e responsabilidades já estabelecidas para ambas as instituições.

Questionada sobre o uso da expressão, a Anatel, em nota, respondeu ao Comprova que a menção ao poder de polícia “trata-se de um conceito de Direito Administrativo, definido como a faculdade de que dispõe a administração pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”.

Eleições e bloqueio de sites

Sobre o acordo para o fluxo de comunicação entre o TSE e a Anatel, assinado em dezembro de 2023, a agência esclareceu ao Comprova que a Anatel “não efetua os bloqueios determinados pelo Poder Judiciário diretamente, mas sim entra em contato com as prestadoras de serviços de telecomunicações para que elas efetuem o bloqueio do acesso a determinados websites, nos termos estritos das decisões judiciais”.

Do mesmo modo, diz a Anatel, a participação no centro inaugurado pelo TSE não altera o fato de a agência ser “a intermediária que assegura, junto às prestadoras reguladas, que determinada decisão judicial seja cumprida”. A Anatel reforça que “não entra no mérito das decisões judiciais que recebe, mas assegura o seu cumprimento, dentro de suas atribuições legais”.

Desinformação na propaganda eleitoral

O Comprova também questionou o TSE sobre quais normativas norteiam o entendimento da Corte sobre o que vem a ser desinformação no cenário eleitoral e quais conteúdos eventualmente poderão ser retirados do ar. Em resposta, o TSE informou uma lista com as resoluções que regerão as eleições deste ano.

Dentre elas, há a que trata de propaganda eleitoral (a Resolução 23.732/2024 que alterou a 23.610/2019) que, atualizada em 2024, busca incorporar medidas relativas, por exemplo, ao uso da inteligência artificial na propaganda de partidos, coligações, federações partidárias e candidatos.

As mudanças na resolução estabelecem ainda a possibilidade de divulgação de posição política por artistas e influenciadores em shows, apresentações, performances artísticas e perfis e canais de pessoas na internet, desde que as manifestações sejam voluntárias e gratuitas.

Também proíbem o uso de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deepfake), para prejudicar ou para favorecer candidaturas.

Dentre outros pontos, há também:

  • Obrigação de aviso sobre o uso de IA na propaganda eleitoral;
  • Restrição do emprego de robôs para intermediar contato com o eleitor (a campanha não pode simular diálogo com candidato ou qualquer outra pessoa);
  • Responsabilização das big techs que não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, além dos antidemocráticos, racistas e homofóbicos.

Por que explicamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e busca esclarecer aqueles considerados duvidosos e que podem gerar entendimentos confusos e boatos.

Outras checagens sobre o tema: Em 2022, o Comprova classificou como falsa uma alegação publicada em vídeo no Kwai de que o TSE teria comprado 32 mil urnas “grampeadas” para serem usadas nas eleições daquele ano e dar um “golpe final no Brasil”.

Saúde

Investigado por: 2024-03-15

Postagem desinforma ao dizer que pesquisadores descobriram relação entre vacina e covid longa

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma publicação que afirma que as vacinas contra a covid-19 são causadoras das complicações prolongadas conhecidas como covid longa. Especialistas ouvidos pelo Comprova e o Ministério da Saúde afirmam que as condições pós-covid se desenvolvem em infectados pelo SARS-CoV-2 e podem acometer qualquer um que já tenha contraído o vírus. Contudo, os riscos são maiores para pessoas não imunizadas, que tenham sido acometidas com a forma grave, reinfectadas e portadoras de condições de saúde preexistentes.

Conteúdo investigado: Post compartilha um artigo traduzido e publicado no site de uma jornalista e intitulado: “Estados Unidos: Médicos americanos após examinar mil pacientes descobriram que a ‘covid longa’ se desenvolveu em 70% dos casos após a vacina e não após a infecção”. A autora completa a postagem afirmando que “diante de todas essas informações os governos continuam inertes” e marcando o perfil do escritor do texto.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Publicação engana ao afirmar que pesquisadores teriam descoberto que a covid longa seria causada pelas vacinas contra a covid-19 e não pelo vírus Sars-CoV-2, que provoca a covid-19. Os responsáveis pelo texto compartilhado no post investigado aqui nem mesmo fazem essa alegação. Conhecidos por compartilharem conteúdos que desinformaram durante a pandemia, os autores apenas especulam sobre essa possibilidade, que é negada por autoridades de saúde, especialistas e que não encontra base em estudos científicos publicados até aqui.

Segundo o Ministério da Saúde, a covid longa é definida como sinais e sintomas que continuam ou se desenvolvem quatro semanas ou mais após a infecção inicial e não podem ser justificadas por um diagnóstico alternativo. Qualquer pessoa que tenha contraído o vírus anteriormente pode ser afetada.

Uma nota técnica de 2023 da pasta diz que há evidências de que pessoas que apresentaram a doença nas formas mais graves, em especial aquelas que precisaram de cuidados intensivos, que não foram vacinadas, que já eram portadoras de condições de saúde preexistentes e que contraíram o Sars-CoV-2 mais de uma vez têm maior propensão a desenvolver condições pós-covid.

Orestes Forlenza, médico psiquiatra e pesquisador em estudo sobre covid longa e chefe do departamento de psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), explica que toda vacina tem uma taxa de efeitos adversos, mas que elas não são responsáveis pelos sintomas da covid longa.

“Depois do advento da vacina, clinicamente, o que a gente percebeu é que esses casos de covid longa não são mais tão graves, porque como você tem muito menos formas graves da doença, você terá muito menos formas persistentes de covid longa”, afirma. “Além de diminuir a incidência de covid da população, uma outra consequência da vacinação é que você não vê mais casos tão graves de covid longa como vimos no início. A vacina não é a causa da covid longa. É a covid longa uma consequência da infecção pelo Sars-CoV-2. Isso é fato.”

André Prudente, médico infectologista e diretor-geral do Hospital Giselda Trigueiro e professor do Departamento de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), afirmou desconhecer estudos científicos publicados em meios reconhecidos que apontam a imunização como causa da covid longa. “A relação de covid longa e vacina é que as pessoas vacinadas têm menor risco de desenvolver covid longa. Já as pessoas não vacinadas e que adoeceram da doença têm maior risco. Na verdade, tem trabalhos bem feitos mostrando que as pessoas que tomaram vacina, inclusive antes de adoecer de covid, têm um risco bem menor de desenvolver a síndrome.”

As informações citadas pelo especialista aparecem nos estudos científicos “COVID-19 vaccination for the prevention and treatment of long COVID: A systematic review and meta-analysis” e “Protective effect of COVID-19 vaccination against long COVID syndrome: A systematic review and meta-analysis”, ambos publicados pela empresa editorial holandesa Elsevier, especializada em conteúdo científico, técnico e médico.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 15 de março, a publicação no X contava com 45,1 mil visualizações, 3 mil curtidas, mil compartilhamentos e 29 comentários.

Como verificamos: Primeiramente, foi feita uma leitura detalhada do artigo compartilhado e das pesquisas científicas citadas no texto. Através do Google, fizemos buscas sobre os autores dos artigos e da postagem, o que permitiu identificar histórico de desinformação. Buscamos orientações sobre o tema junto ao Ministério da Saúde, além de especialistas, que prestaram esclarecimentos e indicaram estudos científicos e informações publicados em revistas e periódicos internacionalmente reconhecidos. Publicações da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantan foram consultadas. A autora da publicação também foi procurada.

Médicos têm histórico de desinformação sobre a pandemia de covid-19

O texto citado no post investigado, de autoria dos médicos Pierre Kory e Paul E. Marik, afirma que, em dois anos, eles avaliaram e trataram mais de mil pessoas com covid longa. “Aproximadamente 70% desses pacientes disseram que os sintomas relatados ocorreram minutos, horas, dias e semanas após a vacinação contra covid, e não após a infecção por covid”, descreveram. O texto assinado pela dupla foi publicado no portal de notícias americano The Hill, em 6 de junho, onde estão creditados como “colaboradores de opinião”. Não se trata, portanto, de um artigo científico publicado em um periódico no qual tenha sido avaliado por outros pesquisadores.

Para Forlenza, da USP, a observação feita pelos autores indica uma metodologia problemática para chegar ao resultado. “Não foi feito um ‘pool’ (agrupamento) de pessoas que têm ou não a queixa, para ter um grupo comparativo. Vai pegar, justamente, as pessoas que tiveram sintomas pós-vacina ou acham que os sintomas foram por causa da vacina e se inscreveram. Não é feito uma aleatorização do estudo para que, em um universo de mil pessoas, você tenha os tantos que não tiveram a queixa e os tantos que tiveram”, afirma.

Outro problema metodológico, diz Forlenza, é o autorrelato com base no passado. “A pessoa estava se lembrando do que aconteceu no pós-vacina numa janela de quase dois anos. É relevante, mas pode ser frágil, do ponto de vista do rigor científico, pois a nossa memória muda em dois anos, você lembra e esquece de coisas”, diz. “Se você é influenciado por um tema, a probabilidade de valorizar mais aquele tema é muito maior.”

Na publicação investigada, Pierre Kory é descrito como pneumologista americano, intensivista e presidente da Front Line COVID-19 Critical Care Alliance (FLCCC Alliance). Já Paul E. Marik, é apresentado como médico e ex-professor de medicina, que atuou como presidente da Divisão de Medicina Pulmonar e de Cuidados Críticos da Eastern Virginia Medical School em Norfolk, Virgínia, e também foi médico intensivista em Hospital Geral Sentara Norfolk.

Kory é conhecido por ter defendido ao Senado dos EUA, em dezembro de 2020, o uso de ivermectina para a prevenção de covid-19 – remédio nunca teve sua eficácia comprovada contra o coronavírus. Ele já foi citado em outras checagens do Comprova, assim como E. Marik, por disseminar desinformação sobre a covid-19. Karina Michelin, a autora da postagem investigada, também já foi alvo de diversas checagens envolvendo informações falsas compartilhadas nas redes sociais sobre a pandemia. Em abril de 2023, ela teve seu canal no Youtube banido da plataforma sob a alegação de violação das regras da comunidade.

Condições pós-covid

De acordo com o Ministério da Saúde, as condições pós-covid, também conhecida como covid longa, podem afetar qualquer pessoa infectada pelo vírus, mesmo quem teve sintomas leves a moderados ou ficou assintomático. Essas condições podem melhorar, se agravar ou reaparecer, podendo evoluir de forma grave até fatal, meses ou anos após a infecção. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), não é possível prever por quanto tempo elas podem se manifestar.

Os sinais e sintomas podem ser consultados na página do Ministério da Saúde sobre as condições pós-covid. Algumas pessoas, principalmente as que tiveram as formas mais graves, também podem ter diabetes, hipertensão arterial, fenômenos tromboembólicos, doenças cardíacas e neurológicas. O documento aponta que a prevenção ao vírus é a melhor forma de evitar covid longa, por meio de medidas não farmacológicas e vacinação. Ainda não há testes específicos para identificar a covid longa e o diagnóstico acontece após uma série de exames e avaliações médicas, que descartam outras comorbidades.

Segundo o MS, pesquisas estão sendo desenvolvidas para entender melhor como ocorre e os efeitos das condições pós-covid. No dia 11 de março, a pasta anunciou o estudo “Epicovid 2.0: Inquérito nacional para avaliação da real dimensão da Pandemia de COVID-19 no Brasil”, que vai levantar dados para a criação de políticas públicas para o tratamento da covid longa.

O que diz o responsável pela publicação: A jornalista Karina Michelin afirmou que os médicos estão pedindo, no artigo, uma investigação contínua para compreender e tratar a covid longa e que há dois anos eles estão analisando casos clínicos de seus pacientes. “Quando os ‘especialistas’ cheios de conflitos de interesse atribuem a covid longa somente a infecção causada pelo vírus, estão ignorando que esta condição também pode ser causada pela vacina”, disse.

O que podemos aprender com esta verificação: Publicações como a verificada aqui tendem a induzir a audiência a acreditar que está sendo constantemente enganada por informações e medidas de órgãos oficiais, em especial as relacionadas à vacinação. Por conta da disseminação de desinformação ocasionada desde o início da pandemia, determinados grupos passaram a buscar por orientações de profissionais que se popularizaram por questionar ou adotar posicionamentos contrários ao de entidades reconhecidas de saúde e pesquisa. Métodos não comprovados cientificamente põem em risco a saúde da população como um todo. É importante ficar atento às metodologias e dados apresentados em pesquisas e artigos, às suposições e apontamentos feitas pelos autores desses estudos e aqueles que os compartilham, principalmente os que pareçam acusatórios, bem como sempre procurar por meios formais e reconhecidos para se informar.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Pierre Kory já foi citado em outras checagens do Comprova, como a de um estudo feito em Itajaí (SC), que não provou eficácia de ivermectina contra covid-19, e a de um médico braileiro que foi premiado pela FLCCC, checagem em que Paul E. Marik também é mencionado. Já a jornalista Karina Michelin foi alvo de diversas checagens envolvendo informações falsas compartilhadas nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19. A autora do post já afirmou falsamente que vacina causa alterações genéticas, que órfãos da Polônia são usados em experimentos de vacinas e que a OMS apontou danos ao sistema imunológico após vacina.

Contextualizando

Investigado por: 2024-03-15

Estados só enviam verbas ao governo federal para o pagamento de dívidas

  • Contextualizando
Contextualizando
Um post viral afirma que os estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul se uniram para não enviar mais verbas ao governo federal. Não existe no sistema tributário brasileiro a previsão de repasses de um ente menor da Federação (estados e municípios) para um ente maior (governo federal). Ou seja, os estados não enviam verbas ao governo federal; eles enviam valores para o pagamento de dívidas. Atualmente, alguns governos estaduais estão tentando negociar a forma de pagar a dívida que têm com a União.

Conteúdo investigado: Post dizendo que os governos de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Minas Gerais se uniram para não enviar mais verbas à União. “O povo apoia. Chega de tratar vagabundos!”, finaliza a publicação.

Onde foi publicado: TikTok e WhatsApp.

Contextualizando: Está circulando nas redes sociais que alguns governadores de estados do Sudeste, Sul e Centro-Oeste teriam se unido para não enviar mais verbas ao governo federal. A alegação precisa ser contextualizada.

O Comprova consultou os estados mencionados na postagem – São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Minas Gerais. Os que responderam fizeram referência exclusivamente ao pagamento de dívidas com o governo federal. Mato Grosso do Sul afirmou não estar fazendo esse movimento e que o post é desinformativo. Mato Grosso e o Rio Grande do Sul não responderam até a publicação deste texto, assim como o Ministério da Fazenda.

Um ponto a ser esclarecido é que o repasse de verbas de estados à União se dá, exclusivamente, para o pagamento de dívidas. Governos estaduais e federal estão conversando para chegar a um acordo sobre o pagamento desses valores.

No dia 13, segundo a Folha, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que o governo irá apresentar uma proposta de renegociação da dívida com os estados. O documento deve ser levado já na próxima semana ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para, então, ser levado aos governadores e, depois de aprovado pelas partes, ser encaminhado ao Congresso para que se torne um projeto de lei complementar.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 15 de março, o post foi visualizado mais de 253 mil vezes no TikTok e compartilhado no WhatsApp cerca de 3,2 mil vezes.

Como verificamos: O Comprova pesquisou notícias sobre as dívidas dos estados com o governo federal, buscou contato com os estados citados na postagem e o Ministério da Fazenda, entrevistou a advogada Bruna Neves e o economista José Márcio Camargo e consultou a legislação sobre o tema.

Estados pagam dívidas para a União

Quando se trata de repasse de verbas dos estados para o governo federal, a questão envolvida é o pagamento de dívidas dos estados com a União. Segundo a advogada Bruna Neves, especialista em Direito Empresarial e Tributário, não existe no sistema tributário nacional a previsão de repasses de um ente menor da Federação (estados e municípios) para um ente maior (governo federal), e sim o contrário: “O que acontece são repasses do ente maior para o menor, porque a União sempre tem mais arrecadação, maior fôlego financeiro”, diz a advogada. Caso os estados decidam suspender o pagamento das dívidas, ela explica que eles “incorrerão num endividamento ainda maior”.

Professor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo explica que o endividamento dos estados com a União ocorre devido a empréstimos diretos feitos pelo governo federal aos estados ou nas ocasiões em que os estados contratam crédito no mercado financeiro tendo o governo federal como agente garantidor. “Se o estado não paga, o governo federal assume a dívida e o estado se torna devedor da União.”

De acordo com Bruna Neves, para que haja qualquer renegociação da dívida dos estados com o governo federal é necessário alterar a legislação. Ela cita a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº101, de 4 de maio de 2000), que veda, no artigo 35, operação de crédito entre entes da Federação “ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente”.

Sendo assim, a proposição de governadores do Sul e do Sudeste de deixarem de pagar juros sobre a dívida e que incida apenas correção monetária sobre os débitos, deveria necessariamente contar com uma mudança na legislação. O mesmo se aplica às propostas apresentadas pelo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ao presidente Lula, em novembro do ano passado, para a renegociação das dívidas dos estados. “Para negociar a dívida em si, como o Pacheco está propondo, certamente deverá haver alteração legislativa autorizadora”, explica a advogada.

Proposta dos governadores do Sul e Sudeste

Governadores dos estados do Sul e do Sudeste se reuniram no início do mês, em Porto Alegre, no âmbito do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), e discutiram alternativas que facilitariam o pagamento da dívida. A proposta desses estados, e também defendida por Goiás, está registrada na Carta de Porto Alegre, documento produzido ao final do encontro.

O texto propõe a revisão da metodologia de amortização do saldo devedor e dos encargos contratuais das dívidas dos estados com a União, o que, segundo os estados, “geram ônus exacerbado e crescente aos orçamentos estaduais, penalizando políticas públicas e investimentos essenciais à população”. Tanto o documento quanto as respostas dos estados sinalizam haver disposição do governo federal para dialogar sobre o tema. “Ressaltamos ter observado disposição de diálogo do Ministério da Fazenda a respeito do tema, que precisa se transformar, agora, em encaminhamento prático e objetivo”, diz trecho da Carta de Porto Alegre.

A resposta dos estados

O estado de São Paulo tem uma dívida de R$ 260 bilhões com a União, conforme o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse em áudio enviado pela assessoria de imprensa do governo ao Comprova. Segundo ele, São Paulo tem capacidade de pagar a dívida, mas desembolsa R$ 21 bilhões por ano, valor que poderia ser gasto com obras públicas.

Consultada pelo Comprova, a Secretaria da Fazenda do Paraná confirmou que o estado “apoia movimento no âmbito do Cosud, mas não encabeça o pleito que busca viabilizar melhores condições e acordos para renegociar a dívida dos entes federativos envolvidos”.

Por e-mail, a assessoria de imprensa do governo de Santa Catarina informou que a dívida pública do estado com a União gira em torno de R$ 10,9 bilhões e equivale a 26,4% da Receita Corrente Líquida do estado, que em 2023 foi de R$ 41,2 bilhões. A resposta destaca que o governador Jorginho Mello (PL) descarta qualquer possibilidade de não honrar os compromissos e suspender o pagamento das parcelas da dívida com a União. “Não haverá calote por parte de Santa Catarina e tal alternativa nunca foi discutida entre os governadores que integram o Cosud”, diz trecho da nota.

A assessoria ressaltou que está em discussão no momento no Cosud a alteração dos encargos da dívida pública dos estados com a União, o que pressupõe a mudança de metodologia de cálculo do Coeficiente de Atualização Monetária (CAM) usado pelo Governo Federal.

“A proposta defendida é recalcular os saldos devedores dos contratos e fazer com que o CAM seja apurado segundo as variações mensais do IPCA mais 4% ao ano e Selic, aplicando o menor resultado. Atualmente, o CAM considera a série histórica de 1º de janeiro de 2013 para cá e o indexador aplicado é a Selic. Para efeitos de comparação, vale lembrar que em 2023 a Selic fechou em 11,75%, contra um IPCA de 4,62%”, detalha o governo de Santa Catarina, acrescentando que, com a mudança, o estado teria um saldo devedor em média 15% menor do que o atual.

O governo de Minas Gerais informou que a dívida do estado com a União é de R$ 145,79 bilhões, e que “não há qualquer alinhamento conjunto do Governo de Minas e de outros estados da federação para deixar de repassar recursos ao Governo Federal”. A nota afirma que o governo aguarda uma análise do Ministério da Fazenda sobre possíveis soluções para o equacionamento da dívida de Minas com a União.

“Uma das propostas debatidas diz respeito à necessidade de revisão dos indexadores de cobrança da dívida para possibilitar um acordo no qual o abatimento dos valores devidos seja real e progressivo, permitindo ao governo melhorar a gestão dos recursos, incrementar a arrecadação e aumentar os investimentos públicos em serviços essenciais, como saúde, segurança e educação”, diz a nota do governo de Minas

Já o estado de Goiás disse que “desconhece qualquer iniciativa no sentido de suspender unilateralmente o envio de recursos à União, contrariando previsões legais ou contratuais”. Ainda de acordo com a nota, “o que existe é uma discussão junto ao Ministério da Fazenda para mudança nos indexadores de correção das dívidas dos estados com a União, reduzindo e tornando os juros mais adequados ao cenário econômico atual”.

Como afirmado acima, Mato Grosso do Sul disse não estar participando de nenhuma proposta conjunta de estados para renegociar a dívida, e Mato Grosso e Rio Grande do Sul não responderam até a publicação deste texto.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Publicado com a palavra “urgente” no alto, o post afirma algo que não é verdadeiro, e confunde os cidadãos. É um conteúdo que ataca o governo federal, cujos integrantes são chamados de “vagabundos”. Em uma democracia, como a brasileira, críticas e ataques podem ser feitos, mas, quando se baseiam em mentiras, são perigosos. O post fala de governos estaduais e federal, mas o Brasil terá eleições neste ano e, embora elas sejam para escolher prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, publicações como esta, desinformativas, prejudicam o processo eleitoral, uma vez que muitas pessoas podem se basear em peças como essa para escolher candidatos de um partido em detrimento de outros.

O que diz o responsável pela publicação: Procurado pela reportagem, o perfil que publicou o post viral não respondeu até a publicação deste texto.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já contextualizou outros conteúdos relacionados a contas públicas, como o de decreto com contingenciamento de recursos federais não determina corte de verbas. Também verificou ser enganoso vídeo que compara dados diferentes e engana sobre contas.

Eleições

Investigado por: 2024-03-15

Vídeo com falas de Gilmar Mendes foi editado para desacreditar sistema eleitoral

  • Enganoso
Enganoso
Um vídeo que circula com falas do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes sobre o sistema eleitoral brasileiro foi editado para tirar de contexto as afirmações feitas por ele durante um julgamento na Corte. Os trechos selecionados dão a entender que o magistrado desacredita o sistema, quando, na verdade, o ministro cita situações que foram solucionadas com o avanço da biometria nas eleições. Em um dos casos, a Polícia Civil de Santa Catarina identificou que o voto de uma falecida foi computado deliberadamente por um mesário, e não por falha na urna, na eleição municipal de 2016.

Conteúdo investigado: Trecho de vídeo da TV Justiça de uma sessão do Supremo Tribunal Federal com falas dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Por cima da imagem, a frase: “Bomba. Gilmar Mendes reconhece que o sistema eleitoral eletrônico tem falhas e que mesários pianistas podem votar por qualquer eleitor faltante!”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: É enganoso o post que mostra apenas um trecho de um vídeo em que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), cita falhas no processo eleitoral brasileiro. A fala ocorreu no julgamento da constitucionalidade da impressão do voto, em 6 de junho de 2018, mas há recortes na gravação que viralizou. A transcrição da sessão pode ser acessada por qualquer pessoa pelo portal do órgão.

No trecho divulgado, Mendes afirma que “as vulnerabilidades do sistema de votação eletrônica são conhecidas da Justiça Eleitoral. E mais do que isso: a Justiça Eleitoral os aponta”. Em seguida, o ministro apresenta dois exemplos: o do chamado “mesário pianista”, que vota no lugar de eleitores ausentes; e o de pessoas que registram o voto usando documento de um eleitor já falecido.

Entretanto, o vídeo exclui a continuação da fala do magistrado, que, logo na sequência, afirma que os episódios apresentados por ele são “marginais”, ou seja, isolados. “Mas, veja, a Justiça Eleitoral, hoje, avança celeremente para a biometrização, encerrando, portanto, esse capítulo. É uma vulnerabilidade do sistema. Reconhecida. Mas isto não leva a distorções significativas. Pode ser marginal. Sequer elegeria, em princípio, um vereador. Mas isto é detectado. E a Justiça Eleitoral trata disso com toda a abertura e reconhece de plano”, declarou Mendes.

A fala segue em defesa da biometria como forma de enfrentar eventuais vulnerabilidades do sistema. “Já na gestão do ministro Toffoli, deu um passo significativo e avançou para a ideia da biometria, que acabou aprovada, e que já, agora, provoca mudanças em todo o nosso sistema de identificação. Já estamos, experimentalmente, utilizando desse documento de identificação nacional, que é fruto desse projeto do TSE de biometrização geral, porque o TSE passou a ter o maior banco de dados de biometria.” Este trecho da fala de Gilmar Mendes, porém, foi suprimido do vídeo que circula nas redes sociais.

Nos dois casos citados pelo ministro, concluiu-se que as falhas eram, na verdade, irregularidades cometidas pelos mesários, e não por um erro da urna eletrônica. Em 2022, mais de 120 organismos internacionais e nacionais acompanharam o processo eleitoral no Brasil e atestaram, segundo a Justiça Eleitoral, que o sistema é “seguro, confiável, transparente e eficaz, e as urnas eletrônicas são uma fortaleza da democracia”.

Na opinião do advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, a biometria é a principal ferramenta de combate às falhas na identificação de eleitores. “Nesse sistema, só libera o voto quando ele for identificado pela biometria”, explica. Para ele, eventuais vulnerabilidades do sistema não justificam a implementação do voto impresso. “Se for mantida a falha na identificação, o voto estará lá do mesmo jeito”, diz.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Após duas semanas da postagem, até o dia 15 de março, o vídeo já registrava 26 mil visualizações no X. Uma busca rápida na plataforma com a legenda do post mostra que o mesmo vídeo viralizou também em outubro de 2023. Considerando apenas os quatro primeiros resultados, que se apresentam com maior relevância, o alcance, somado, chega a 120 mil visualizações.

Como verificamos: Uma busca por trechos da fala de Gilmar Mendes no Google retornou como resultado o vídeo original publicado no canal oficial do STF no YouTube, no qual pudemos assistir à fala na íntegra. Além disso, a transcrição da sessão foi consultada no portal do STF. Também encontramos outras verificações sobre o mesmo episódio feitas pelo Estadão Verifica, Aos Fatos, AFP e pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral. Informações gerais sobre o processo eleitoral estão disponíveis no site do TSE. Também consultamos o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral.

Falha de mesário, e não nas urnas

Na sessão do STF, Gilmar Mendes relembra o caso de um voto registrado na eleição municipal de 2016 em Pescaria Brava (SC) em nome de uma pessoa que já havia falecido. O pleito foi decidido por um voto e deu vitória a Deyvisonn de Souza (MDB) contra o então prefeito e candidato à reeleição na época, Antônio Honorato Filho (PSDB). O tucano apresentou denúncia e a situação foi apurada pela Polícia Civil e Ministério Público Eleitoral.

A Justiça Eleitoral, então, anulou os votos da urna em questão, o que fez subir para 76 a diferença de votos entre os candidatos. Em 2017, os ministros do TSE rejeitaram o recurso do segundo colocado e confirmaram a eleição de Deyvisonn de Souza. À época, Gilmar Mendes negou o pedido de uma eleição suplementar alegando que isso poderia “ferir o princípio da igualdade de votos entre os eleitores que votaram para prefeito de Pescaria Brava e tornar os eleitores da 90ª seção eleitoral “supereleitores”‘, se referindo ao local onde houve a falha.

A investigação concluiu que um mesário registrou o voto em nome de três pessoas que se ausentaram do pleito, uma que estava internada e outra que havia falecido em 2009. Ele teria se aproveitado dos minutos finais para o fechamento da urna para fazer isso. O homem foi condenado a dois anos e oito meses de prisão, em regime aberto, além do pagamento de multa de R$ 10 mil. Por não possuir antecedentes criminais, a pena foi convertida em prestação de serviços comunitários e pagamento de um salário mínimo.

A promotora eleitoral Bruna Gomes disse a um jornal local que a decisão é importante por “ter conseguido responsabilizar o agente fraudador da votação e causador de grande inquietação social e insegurança a respeito do resultado do pleito”. O mesário recorreu da sentença e, agora, o recurso tramita no TRE-SC.

“É importante destacar que, como o próprio ministro relata na fala original, o problema não produziu grandes distorções no resultado do pleito e foi resolvido por meio da implantação da biometria. Ainda assim, a Justiça Eleitoral tomou as providências necessárias para minimizar o impacto do ato de má-fé do mesário”, disse o TSE em nota enviada ao Comprova.

O órgão destacou, ainda, a centralização do Sistema de Informações de Óbitos e Direitos Políticos, que possibilita a troca de informações sobre mortes entre cartórios de registro civil e a Justiça Eleitoral. O mecanismo, de acordo com as autoridades, “trouxe mais rapidez ao processo de cancelamento da inscrição eleitoral de pessoas falecidas”.

Em 2022, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais recebeu relatos de eleitores que não puderam votar porque outras pessoas já haviam registrado o voto no lugar delas. Segundo o TRE, “não houve fraude, mas falha na identificação do eleitor, e será feita apuração pela Polícia Federal”. A Justiça Eleitoral refez o treinamento com os mesários para que a situação não se repetisse no segundo turno.

Biometria

O cadastro biométrico teve início em 2008, com o objetivo de evitar que eleitores pudessem se passar por outras pessoas na hora de registrar o voto. A urna só é liberada depois que o leitor biométrico identifica as impressões digitais do eleitor. Segundo a Justiça Eleitoral, o Brasil possui o maior banco de dados da América Latina e também um dos mais confiáveis. Atualmente, 81,5% da população brasileira tem o registro biométrico. Isso corresponde a 127.337.473 pessoas de um universo de 156.149.715 do eleitorado apto.

Na eleição deste ano, marcada para 6 de outubro, o eleitor que não tiver o cadastro não será impedido de votar. O prazo máximo para a coleta da impressão digital é 8 de maio. Basta o cidadão procurar um cartório eleitoral da região onde mora e completar o registro, sem custo.

Para o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, o sistema atual com o reforço da biometria garante cada vez mais a efetividade do voto. “A defesa do voto impresso significa deixar um documento de prova, se houver dúvida, para a recontagem. Dizem que é uma segurança, uma garantia de que não haverá nenhum tipo de erro. Mas é possível essa recontagem eletrônica também. Isso sem contar as mais de trinta camadas de segurança da urna. A biometria vai ser mais uma”, explica.

Julgamento reafirmou a segurança das urnas

No julgamento em questão, os ministros do STF suspenderam um mecanismo previsto na minirreforma eleitoral de 2015 que implementava a impressão do voto eletrônico. No entendimento da maioria dos magistrados, o dispositivo coloca em risco “o sigilo e a liberdade do voto, contrariando a Constituição Federal”. A ação analisada foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República, que pedia a suspensão da medida.

Segundo os ministros, o custo de implementação era alto – mais de R$ 2 bilhões na época – e não havia garantia de que a impressão pudesse aumentar a segurança do sistema eleitoral. “Isso em um contexto em que faltam indícios de fraude generalizada no sistema de voto eletrônico, existente desde 1996. Foi ressaltada a confiança da população no sistema, tido como referência internacional, e no fato de que a alteração poderia, pelo contrário, minar essa confiança”, diz trecho de notícia publicada no site da Corte.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, afirmou que a mudança proposta pelo Congresso se baseia em “lenda urbana”. “É preciso ter cuidado. Por isso é respeitável a decisão do Congresso, porque estamos lidando com a crença das pessoas”, declarou. Mendes destacou, ainda, que se tratava, até então, da terceira tentativa de deputados e senadores de implementar o dispositivo. No voto, ele defendeu que o mecanismo fosse parcialmente adotado de acordo com a viabilidade técnica e financeira da Justiça Eleitoral, sem ferir a segurança das urnas.

Na mesma sessão, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que a impressão do voto tem pouca efetividade e poderia resgatar a prática do chamado “voto de cabresto”, em que a população geralmente mais pobre tem o voto direcionado por pessoas com maior poder aquisitivo. A compra e venda de votos é crime e pode resultar em prisão ou pagamento de multa. “Não é algo que se justifique até agora [a impressão] pela ausência de fraude generalizada. Nunca houve fraude generalizada”, disse o ministro.

Com base nos comentários feitos na publicação, é possível notar como o conteúdo enganoso lança dúvidas sobre o sistema eleitoral. Alguns dos leitores relacionam o julgamento de 2018 com as eleições de 2022, sugerindo que determinado candidato teria sido prejudicado pela Corte.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o autor da publicação, mas, até o momento, não recebeu retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: A postagem tenta usar de uma fala incompleta dita por Gilmar Mendes, uma autoridade nacional, para corroborar um ponto de vista específico, que difere da opinião original do ministro. Sessões de julgamento do STF que são transmitidas, como a sessão aqui investigada, são disponibilizadas para o público, possibilitando a verificação da fala na íntegra, assim como o contexto em que foi proferida. É sempre importante checar se vídeos oficiais não foram editados ou cortados a fim de conferir um novo sentido.

Além disso, é possível verificar as alegações de falhas no sistema eleitoral em sites oficiais do TRE e do TSE para entender quais as vulnerabilidades existentes e quais medidas estão sendo tomadas pelos órgãos responsáveis.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo vídeo foi alvo de investigações de outros sites, como Estadão Verifica, AFP Checamos, Aos Fatos, Terra e a própria Justiça Eleitoral. Recentemente, o Comprova também verificou conteúdo que usa vídeo antigo de urnas americanas para lançar dúvidas sobre as eleições brasileiras.