O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
Filtro:

Comprova Explica

Investigado por: 2024-01-29

Entenda por que é consenso científico que ação humana causa mudanças climáticas

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Conteúdos nas redes sociais desinformam ao afirmar que as mudanças climáticas não são um problema e que a ação humana não é responsável por elas. São postagens que vão contra o consenso científico, como mostrou estudo de 2023 realizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). Como toda desinformação, essas também são perigosas, e, por isso, a seção Comprova Explica esclarece alguns pontos envolvendo o assunto.

Conteúdo analisado: Posts nas redes sociais negam as mudanças climáticas e a responsabilidade do ser humano sobre elas, afirmando, por exemplo, que o clima já mudou antes e que o aquecimento global não é ruim.

Comprova Explica: A crise climática que estamos vivendo não é uma ideia que os cientistas inventaram para receber mais financiamentos para suas pesquisas. Nem está sendo causada sem a participação humana. Diferentemente do que afirmam posts nas redes sociais, ela é real e é consenso entre cientistas que a responsabilidade pela crise é do ser humano.

Há quem afirme que o aquecimento global não é ruim, que o clima já mudou antes e que as soluções apresentadas não funcionam, afirmações perigosas diante de um cenário cada vez mais problemático, segundo especialistas. Em Milão, na Itália, um grupo investigado por espalhar teorias conspiratórias sobre a vacina contra a covid-19 assinou um cartaz onde se lê: “Quem fala de aquecimento global é o mesmo que quer vacinação obrigatória”. É a mistura de duas teorias mentirosas, mostrando que a crise climática passou a ser alvo de negacionistas da pandemia, como mostrou a Folha.

O ano passado, inclusive, foi o mais quente em ao menos 174 anos, desde que se iniciaram as medições meteorológicas, segundo a Organização Meteorológica Mundial, agência da Organização das Nações Unidas.

Como afirmou ao Comprova o geólogo José Maria Landim Dominguez, professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), “modelos climáticos cada vez mais sofisticados, que têm sido desenvolvidos para investigar o funcionamento do clima, confirmam inequivocamente o impacto das emissões de dióxido de carbono (pelo homem) nas mudanças climáticas em curso”.

É o mesmo que afirma o resumo para formuladores de políticas públicas, do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês). “As atividades humanas, principalmente por meio das emissões de gases com efeito de estufa, inequivocamente causaram o aquecimento global “, diz o estudo.

Aumento da temperatura na Terra, secas intensas, incêndios severos e aumento do nível do mar são algumas das alterações que essas ações estão causando, de acordo com especialistas, e que vêm sendo citadas em conteúdos de desinformação não só nas ruas, mas, principalmente, nas redes sociais. Para combater esse fenômeno, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre o que é consenso em relação à crise climática.

Este Comprova Explica abre uma nova frente de verificações no Projeto Comprova. A desinformação em torno das mudanças climáticas passa a ser, juntamente com eleições e políticas públicas em nível federal, um dos focos do Comprova em 2024.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar na internet publicações relacionadas às mudanças climáticas. Reportagens e relatórios de órgãos meteorológicos, citados abaixo, foram consultados para a elaboração deste texto.

A equipe também entrevistou o geólogo José Maria Landim Dominguez, da UFBA, e a bióloga Mariana Vale, doutora em Ecologia pela Universidade de Duke, dos Estados Unidos, e uma das autoras do mais recente relatório do IPCC, da ONU.

O que são mudanças climáticas?

De acordo com esta publicação da ONU, as mudanças climáticas são “transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima”. Elas podem ser naturais – influenciadas pela variação no ciclo solar, por exemplo. Ou podem ser provocadas por uma desregulação do efeito estufa, que gera um aumento da temperatura do planeta, causando assim as mudanças climáticas.

O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) explica que o efeito estufa é um fenômeno natural que faz com que a temperatura na superfície da Terra seja favorável à existência de vida no planeta. Esse efeito permite que parte do calor do sol que entra pela atmosfera fique retido, regulando a temperatura na Terra. Sem ele, a média da temperatura na superfície seria de -18ºC, e não de 15ºC, como temos hoje.

As mudanças climáticas partem da desregulação do efeito estufa, provocada pelo excesso de emissão de gases por conta da carbonização da economia desde a revolução industrial. Esses gases dificultam ainda mais a saída do calor pela atmosfera, aumentando a temperatura média do planeta, o que desperta um efeito em cadeia que intensifica e aumenta a ocorrência de eventos extremos.

“Desde 1800, as atividades humanas têm sido o principal impulsionador das mudanças climáticas, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás”, diz a ONU, que chama a atenção para o fato de que as mudanças climáticas não significam apenas aumento na temperatura, mas alterações em outras áreas, como secas intensas, escassez de água, incêndios severos, aumento do nível do mar, inundações, derretimento do gelo polar, tempestades catastróficas e declínio da biodiversidade.

Consenso científico

De acordo com o dicionário Michaelis, a palavra consenso significa “concordância ou unanimidade de opiniões, raciocínios, crenças, sentimentos etc. em um grupo de pessoas; decisão, opinião, deliberação comum à maioria ou a todos os membros de uma comunidade”.

Na ciência, não é diferente. Como explica em vídeo o imunologista Helder Nakaya, pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, “o consenso tem a ver com o fato de que há tantas evidências que suportam algum fenômeno que não há dúvida entre os cientistas do que está mais próximo da verdade”.

Na animação, ele dá um exemplo ligado às mudanças climáticas: “Se muitos estudos demonstram o papel do homem no aquecimento global, por exemplo, se torna consenso entre os cientistas dessa área que isso é real”. Como ele pontua, “ter um ou outro cientista que pensa diferente não altera a realidade, mas, obviamente, confunde, sim, quem não é o especialista”. Segundo Nakaya, isso acontece porque, quando ouve alguém que pensa diferentemente da maioria, a pessoa acredita que a comunidade científica está dividida, “quando isso não é o que acontece”.

Ação humana e crise climática

Considerando o exposto acima, de que consenso é o que a maioria dos cientistas concordam, embora não seja unanimidade, é consenso que as mudanças climáticas são causadas pela atividade humana, como mostra o mais recente resumo para formuladores de políticas públicas, do IPCC. “As atividades humanas, principalmente por meio das emissões de gases com efeito de estufa, inequivocamente causaram o aquecimento global “, informa o estudo.

Outro levantamento, realizado em 2021 pela Universidade Cornell, dos Estados Unidos, analisou 90 mil estudos e chegou à mesma conclusão: 99,9% dos cientistas concordam que a crise climática é causada pelo homem.

Como explicou ao Comprova o geólogo José Maria Landim Dominguez, da UFBA, existe um consenso na comunidade científica de que a causa principal das mudanças climáticas são as emissões de gases de efeito estufa (GEE) relacionadas às diferentes atividades humanas, principalmente à queima de combustíveis fósseis (hidrocarbonetos e carvão) e desmatamento, mas também à agricultura e à produção de cimento, por exemplo.

“Sempre se soube que o dióxido de carbono (CO2) é um gás estufa muito potente. Desde o século XIX já existiam cientistas que chamavam a atenção que a queima do carvão eventualmente contribuiria para o aumento da temperatura do planeta. As mudanças climáticas são resultado do aumento da temperatura do planeta e existem várias medidas instrumentais que mostram que a temperatura média do planeta já subiu mais de 1ºC desde a era pré-industrial (1850-1900)”, afirma.

No último dia 24 de janeiro, pesquisadores do World Weather Attribution (WWA), um consórcio formado por cientistas de diversas partes do mundo, apontaram que foram as mudanças climáticas – e não o El Niño – o responsável pela seca excepcional na Bacia do Rio Amazonas ao longo de 2023. Lá, a seca é impulsionada pelo baixo nível de precipitação associado às altas temperaturas.

Os pesquisadores apontaram que as populações altamente vulneráveis foram muito mais atingidas pelos impactos da seca, o que foi agravado por “práticas históricas de gestão de terras, água e energia, incluindo desmatamento, destruição de vegetação, incêndios, queima de biomassa, agricultura corporativa, pecuária e outros problemas socioclimáticos que diminuíram a capacidade de retenção de água e umidade do terra e, portanto, piorou as condições de seca”.

O estudo foi tema de reportagem da BBC, que mostrou que, em um mundo onde a atividade humana não tivesse aquecido o planeta, uma seca assim aconteceria uma vez a cada 1.500 anos. As mudanças climáticas provocadas pelo homem, contudo, tornaram uma seca como a da Bacia do Rio Amazonas 30 vezes mais provável – e, agora, espera-se que ela aconteça uma vez a cada 50 anos.

Consenso na mira da desinformação

Para geólogo José Maria Landim Dominguez, apesar do consenso na quase totalidade da comunidade científica a respeito da responsabilidade humana sobre as mudanças climáticas, ainda há um grupo de negacionistas, ou “semeadores de dúvidas”, que não acreditam nisso, sob o argumento de que o homem não seria capaz de promover tal mudança e que outras alterações já aconteceram no passado.

“Realmente, na história passada da Terra, quando o homem ainda não tinha surgido, tais mudanças ocorreram, mas se desenvolveram ao longo de escalas de tempo muito dilatadas, de alguns milênios. Hoje, as mudanças estão ocorrendo em uma escala de tempo de algumas décadas a um ou dois séculos e não podem ser explicadas apenas por variações naturais de emissões de CO2 ou variações de luminosidade do sol”, aponta.

Para Landim, o argumento desses grupos não se sustenta. “É contraditório que aqueles que consideram o homem como um novo agente geológico, a ponto de batizarem uma nova era geológica de Antropoceno, considerem ao mesmo tempo que suas atividades não são capazes de alterar a composição da atmosfera a ponto de desencadear mudanças climáticas”, completa.

Desinformação de cara nova

Para Mariana Vale, uma das autoras do último relatório do IPCC, da ONU, é preciso considerar que as formas de disseminar desinformação sobre mudanças climáticas mudaram nos últimos tempos. Ela considera que não se nega mais as mudanças climáticas, nem que elas foram causadas pelo homem. No entanto, nega-se que essas mudanças sejam um problema, bem como a possibilidade de que as soluções propostas funcionem.

“Como já ficou praticamente impossível negar as mudanças climáticas, porque elas estão acontecendo diante dos nossos olhos, e também a quantidade de evidências científicas de que o homem é o principal ator por trás dessas mudanças, esses negacionistas climáticos começaram a se concentrar em criar fake news em torno das soluções, desacreditar as soluções que são propostas a partir de evidências científicas”, diz Vale, que é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tem as mudanças climáticas entre os principais temas de suas produções acadêmicas.

Para ela, há algo de positivo nisso, pois mostra que a sociedade se convenceu de que as mudanças climáticas são reais e estão acontecendo. Mas ela aponta um novo desafio: “demonstrar que existe evidência científica de que as soluções propostas são viáveis e têm que ser implementadas o quanto antes”.

As soluções, afirma Vale, passam pela decarbonização da economia em escala global e, especificamente no contexto do Brasil, também pela conservação de florestas – a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica – e no reflorestamento, sobretudo da Mata Atlântica e do Cerrado, os dois biomas brasileiros mais degradados.

Para combater a desinformação sobre o tema, os cientistas têm recorrido à geração de informação de qualidade: “São evidências científicas a partir de dados robustos, e isso a gente gera em abundância já há muito tempo. O importante é conseguir aliados, e há muitos aliados que trabalham para difundir essa informação”, afirma Vale, citando ONGs especializadas, mídias alternativas, redes sociais e mídia convencional, como jornais que replicam a informação correta.

Relação entre mudanças climáticas e desinformação

O 19º relatório do Fórum Econômico Mundial sobre riscos globais, publicado em janeiro deste ano, aponta que os eventos climáticos extremos e a desinformação são os dois maiores riscos globais em curto e longo prazo. Nos próximos dois anos, a desinformação aparece no topo da lista dos dez principais riscos, seguida imediatamente dos eventos climáticos extremos.

Já no prazo de dez anos, os quatro primeiros itens da lista envolvem questões climáticas: eventos climáticos extremos; mudanças críticas nos sistemas da Terra; perda de biodiversidade e colapso de sistemas; e escassez de recursos naturais. O próximo item do ranking, não por acaso, é a desinformação.

Pesquisador do Global Change Institute, da Universidade de Queensland, na Austrália, John Cook mantém desde 2007 o site Skeptical Science (Ciência Cética, em tradução livre), que atua desbancando mitos em torno do aquecimento global com base em evidências científicas.

Entre os argumentos usados por aqueles que negam as mudanças climáticas estão as teses de que “o clima já mudou antes”, o aquecimento global “não é ruim”, “não há consenso científico”, que “animais e plantas podem se adaptar” e até que a Terra “está esfriando” e que a Antártida está “ganhando gelo”.

Todos os argumentos são desbancados por artigos, a exemplo deste que aponta que há consenso de 99% dos cientistas sobre o aquecimento global ser provocado, principalmente, pela atividade humana – o que reafirma o artigo de 2021 da Universidade de Cornell, citado acima –, ou este outro, que mostra como os impactos negativos do aquecimento global são muito maiores do que quaisquer aspectos positivos. Também não é verdade que a Antártida esteja ganhando gelo ou que a Terra esteja esfriando.

O geólogo José Maria Landim Dominguez acrescenta outras alegações que também foram sendo descartadas ao longo do tempo, como é o caso da tese de que a luminosidade do sol poderia aumentar a temperatura global – investigada e descartada. “Outros processos como emissões naturais de CO2 devido à atividade vulcânica foram investigados e não conseguem explicar o aumento verificado”, afirma.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. Mentiras sobre as mudanças climáticas, tirando a responsabilidade do homem sobre elas, são perigosas por sugerir que podemos continuar degradando o meio ambiente sem olhar para as consequências. Por isso, é importante que as pessoas tenham acesso a informações verificadas, como as trazidas neste texto.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou diversos conteúdos ligados à crise climática, como o que mentia ao afirmar que a retirada de gado de áreas rurais tem a ver com a venda da Amazônia pelo governo – na verdade, a medida era para combater o desmatamento ilegal. Classificou como enganoso um post afirmando que a Amazônia não estava queimando e um vídeo que, entre outros erros, distorce falas do presidente Lula (PT) sobre mudanças climáticas.

Passo a passo

Investigado por: 2024-01-09

Polarização intensifica desinformação sobre a transposição do Rio São Francisco | Como verificamos

  • Estudo de caso
Estudo de caso
O Comprova está publicando relatos de algumas de suas investigações feitas em 2023 para mostrar como e por que investigou conteúdos duvidosos encontrados na internet. É o caso da transposição do Rio São Francisco, obra de grandes proporções, cara e marcada por problemas de planejamento e execução. O projeto tem como objetivo levar água do Velho Chico para as regiões que sofrem com a seca e a estiagem, no semiárido do Nordeste brasileiro.

Caso relatado por Clarissa Pacheco (Estadão)

 

Diante do tamanho, da complexidade e do impacto social e político da transposição do Rio São Francisco, a obra iniciada no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2007 e 2010, é alvo de disputas e, consequentemente, tema corriqueiro de desinformação.

Conteúdos falsos, enganosos e tirados de contexto sobre o assunto começaram a circular mais amplamente em 2019, primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro (PL), e o problema se intensificou entre 2022 e 2023, por conta das eleições presidenciais e da transição para um novo governo Lula.

Nos últimos anos, o Comprova e agências de checagem pelo Brasil desmentiram ao menos 30 conteúdos sobre o assunto – desde a responsabilidade por entregas até o funcionamento das estações de bombeamento e dos canais.

Diante deste cenário, a equipe produziu em setembro passado um Comprova Explica que detalha de que forma a polarização política intensificou a desinformação em torno da maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil e que está localizada em uma região fundamental do ponto de vista político e eleitoral.

Como verificamos

Esta publicação não foi um texto habitual do Comprova. O objetivo era explicar como a polarização política em torno da obra de transposição vem gerando desinformação sobre o tema há bastante tempo – e como conteúdos variados, publicados por tipos diferentes de internautas, já tinham sido desmentidos diversas vezes pelo próprio Comprova e por agências de checagem, inclusive de veículos parceiros do projeto.

O primeiro passo, então, foi fazer um levantamento no Google de todas as verificações publicadas a respeito da obra que atende municípios do semiárido nordestino. Só o Comprova já tinha publicado mais de dez checagens sobre o assunto. O próximo passo foi mapear, literalmente, os pontos da obra que já tinham sido alvo de desinformação.

A apuração mostrou que os conteúdos desinformativos não faziam distinção entre os dois eixos da obra – Norte e Leste –, mas que o primeiro eixo havia ficado mais tempo em evidência porque, em novembro de 2022, foi identificado um defeito na Estação de Bombeamento EBI-3, na cidade de Salgueiro (PE), que impediu o funcionamento das bombas e suspendeu a liberação de água para os canais do Eixo Norte.

Como a estação só teve o funcionamento interrompido em janeiro deste ano, para a realização do reparo necessário, diversas publicações passaram a acusar o governo Lula de desligar as bombas da transposição deliberadamente, com a intenção de deixar a população sem água e sofrendo com a seca. Isso gerou conteúdos desinformativos sobre a Barragem de Jati (CE) e suas cascatas, que podem ser vistas das margens da rodovia CE-153, sobre o Reservatório de Negreiros (PE) e sobre a Estação de Bombeamento Vertical EBV-6, em Sertânia (PE).

Antes disso, publicações já atribuíam falsamente ao governo Bolsonaro entregas no Eixo Norte, como o Canal de Penaforte (CE), as estações de bombeamento EBI-1 e EBI-2, em Cabrobó (PE). No Eixo Leste, entregas feitas por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) também foram falsamente parar na conta de Bolsonaro: a inauguração da Ponte do Rio da Barra (PE) e do canal do Rio do Feijão (PB), por exemplo.

Além disso, vídeos mostravam canais de outra obra – o Cinturão das Águas do Ceará (CAC) –, alguns ainda em construção, como se fossem da transposição, sem água. No Eixo Leste, até uma valeta de escoamento de água da chuva, seca, foi falsamente identificada como um canal da transposição sem água, graças ao atual governo.

Visualização dos dados

Em vez de apenas citar os pontos da transposição que já tinham sido alvo de conteúdos falsos ou enganosos, o Comprova optou por exibir essas informações em um mapa. Para isso, foi usada uma ferramenta de código aberto chamada Story Map JS, criada por uma comunidade de designers, desenvolvedores, estudantes e educadores do Knight Lab, da Northwestern University, nos Estados Unidos.

A ferramenta permite navegar por pontos em um mapa e apresentar um pequeno resumo de cada ponto sinalizado, além de levar diretamente, por meio de links, às verificações em destaque.

Para este Compra Explica, também foram consultados órgãos oficiais, entrevistados especialistas em seca e cientistas políticos sobre os desafios de convívio com o semiárido e as razões para que uma obra desta magnitude e de tamanho impacto na população nordestina seja alvo de tanta polarização.

Busca reversa de imagens e geolocalização

Na maioria das checagens sobre a transposição, a busca reversa de imagens e a geolocalização foram fundamentais para identificar os pontos alvo de desinformação. Isso porque, em geral, os autores dos conteúdos não fornecem informações precisas – muitas vezes, propositalmente – sobre o local em que gravam as imagens.

Em outros casos, os autores oferecem informações genéricas – como o estado em que o vídeo foi gravado – e aplicam zoom à imagem, de modo que a qualidade fica reduzida e se torna ainda mais difícil visualizar pontos que ajudem na identificação.

Em praticamente todos os casos citados neste Comprova Explica, foi feita uma busca reversa de imagens levando em conta alguns elementos nos vídeos – como trechos de rodovias, pequenas construções, placas de veículos e até postes de iluminação pública.

Foi o caso específico de uma das checagens mapeadas, feita pelo Estadão Verifica, parceiro do Comprova, desmentindo um vídeo que mostrava uma valeta de escoamento de água da chuvafalsamente identificada como um canal da transposição sem água, o que se daria por culpa do atual governo.

Neste caso, a busca reversa de imagens não bastou para localizar o ponto em que o vídeo havia sido feito porque a imagem tinha um zoom aplicado e exibia, com qualidade muito ruim, apenas uma valeta sem água, alguns postes de alta tensão e de iluminação pública, e uma pequena construção que se assemelhava a uma casa de máquinas.

Foi necessário consultar um engenheiro que trabalhou na obra para identificar se a imagem poderia ter sido feita no traçado da transposição. A partir da resposta de que o vídeo exibia uma valeta de drenagem – e não um canal – foi usada uma ferramenta de geolocalização da Bellingcat, o OpenStreetMap, que cruza dados de uma área em um mapa com elementos como postes, rodovias, construções, cursos d’água e áreas urbanas e rurais.

Os dados encontrados, então, foram novamente cruzados até que fossem exibidos resultados apenas em áreas rurais próximas ao traçado do Eixo Leste da transposição. Por fim, foram buscados vídeos feitos por motoristas em pontos que havia sido identificados no mapa, até se obter a confirmação, por imagem, de que o vídeo que acusava o governo de deixar sem água um canal da Transposição que levava água à Paraíba tinha sido feito, na verdade, mostrando uma valeta de drenagem de água da chuva em Sertânia (PE).

Contato com moradores locais

Um fator dificultador para as verificações sobre a transposição é o fato de os canais, nem sempre, poderem ser vistos a partir de rodovias. Em geral, eles cortam regiões do semiárido que não estão muito próximas de estradas e, por isso mesmo, a visualização de imagens em melhor qualidade por meio de ferramentas como o Google Street View se torna impossível.

Uma solução para estes casos tem sido buscar contato com moradores das regiões atendidas pela transposição que costumam fazer registros para o YouTube da situação da transposição e dos canais – quando têm água, quando não têm e quais as razões para o bom ou mau funcionamento.

Não raro, esses moradores se disponibilizam a ir até o local, próximo de suas casas, na zona rural, mostrar a situação do local em tempo real – ou o fazem com tanta frequência que é possível checar informações de vídeos virais em outras redes apenas a partir da comparação.

Conclusão

O Comprova Explica é um modo de investigar os contextos de fatos a partir dos quais são produzidas peças de desinformação e assim dar aos leitores informação contextual que permita elevar a capacidade crítica para os conteúdos desinformativos.

O texto Polarização intensifica desinformação sobre transposição do São Francisco; entenda foi produzido por Clarissa Pacheco (Estadão Verifica) e Maria Cecília Zarpelon (Plural). A investigação foi revisada e ratificada por jornalistas de A Gazeta, Nexo, Metrópoles, Folha de S.Paulo, SBT e SBT News.

Passo a passo

Investigado por: 2024-01-09

Foto de menina com homens fantasiados de cães em Parada LGBTQIA+ não foi feita em São Paulo I Como verificamos

  • Estudo de caso
Estudo de caso
O Comprova está publicando relatos de algumas de suas investigações feitas em 2023 para mostrar como e por que investigou conteúdos duvidosos encontrados na internet. Este relato refere-se a uma publicação feita em junho de 2023, logo após a Parada LGBTQIA+ de São Paulo, e que exibia a foto de uma menina segurando a bandeira de arco-íris ao lado de três homens com máscara de cachorro, ajoelhados no chão – dois deles sem camisa.

Caso relatado por Luisa Alcantara e Silva (Folha de S.Paulo)

 

Em junho de 2023, logo após a Parada LGBTQIA+ de São Paulo, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) publicou um post que viralizou ao mostrar uma foto de uma garota segurando a bandeira de arco-íris ao lado de três homens com máscara de cachorro, ajoelhados no chão – dois deles sem camisa. Na legenda, o parlamentar criticava a presença de crianças no evento, sugerindo que a imagem era da edição paulistana, o que não era verdade. Outros políticos também fizeram publicações semelhantes.

Até 14 de junho, quando o Comprova publicou a verificação, o post havia sido compartilhado mais de 8,1 mil vezes e teve quase 44 mil curtidas, número que não se alterou significativamente até hoje.

Para a reportagem concluir que a foto não havia sido feita na avenida Paulista, onde ocorre a Parada LGBTQIA+ de São Paulo ou em seus arredores, o primeiro passo foi fazer uma busca reversa no Google Lens, ferramenta de reconhecimento de imagem que traz links de páginas que postaram a imagem ou uma semelhante anteriormente.

Nesta etapa, verificou-se que um post da rede X (antigo Twitter) publicou a mesma imagem em 2019. Ou seja, a foto que estava sendo verificada, do post de Nikolas Ferreira, não havia sido feita em 2023. Mais do isso: a legenda dizia que a imagem era da Parada de Montreal, no Canadá.

Mas, ao verificar uma foto, não podemos nos basear apenas no que o autor do post diz. Ele poderia estar mentindo sobre a imagem ter sido clicada em Montreal. Então, o Comprova usou a informação como uma pista e foi para o próximo passo: buscar vídeos da Parada de Montreal de 2019 no YouTube para ver se os homens fantasiados de cães apareciam em algum momento.

Nesta etapa, a reportagem analisou mais de duas horas de vídeos que mostravam a Parada de Montreal de diferentes ângulos, até que encontrou uma gravação em que, a partir da minutagem 27’35”, foi possível ver diversas pessoas com máscara de cachorro.

I Legenda: Captura de tela do vídeo mostra o momento em que homens fantasiados de cachorro começam a aparecer.

Quase um minuto depois, aos 28’40”, surgem homens que parecem ser os da foto do post de Nikolas: um branco com a focinheira azul, outro com ela em laranja fluorescente e um preto com a coleira corporal laranja. Nesse momento, foi preciso analisar a captura de tela do vídeo para comparar com a imagem do post. Alguns detalhes foram observados, como mostra a imagem a seguir:

Depois, foi feita uma busca no Google por termos como “Pride”, “Montreal 2019” e “pups” (cachorrinhos, em inglês). Um dos resultados foi um post no X do perfil ​​@lorgair de abril de 2023 fazendo a verificação da mesma imagem, afirmando não se tratar da Folsom Street, rua famosa de San Francisco, nos Estados Unidos, e, sim, da parada de Montreal. Com tudo o que a equipe já tinha de material e comparando o vídeo em que os homens da foto foram identificados, foi possível concluir se tratar, de fato, da Parada de Montreal de 2019.

A busca no Google também trouxe como resultado uma página no Facebook do grupo Pup Montreal no Facebook. A reportagem trocou mensagens privadas na rede social com Sillas Grey, dono da página e um dos membros do grupo que esteve na Parada fazendo “puppy play”, como ele contou. Grey disse conhecer as pessoas que apareciam na foto do post de Nikolas e passou o contato de um deles para o Comprova. Foi feita uma entrevista, mas, como o homem não quis se identificar por medo de retaliações, a reportagem não publicou suas declarações – o Comprova não usa declarações em off, ou off-the-record, quando a fonte não quer aparecer.

Sabendo que a imagem não havia sido registrada em São Paulo, mas em Montreal, a equipe quis saber sobre o contexto da foto. Além de, no vídeo em que os homens fantasiados de cães aparecem, o público parece interagir e não ter problema com eles, o Comprova conversou com uma fotógrafa que esteve no evento canadense. Ela foi encontrada pela marca d’água de uma das fotos usadas na verificação feita pelo perfil @lorgair no X.

I Legenda: Post na rede X traz imagens com mesmos homens fantasiados de cães que aparecem no post verificado pelo Comprova e com marca d’água a partir da qual foi possível contatar a autora da imagem.

Ao buscar o nome que está na marca d’água – Shootitall Photo – no Google, o resultado leva a um perfil no Instagram, @photos.by.shootitall. Por meio de mensagem privada na rede, a reportagem conversou com a fotógrafa Cat Myth. Ela contou não ter presenciado nada inapropriado ao ver uma garota brincando com os homens mascarados.

As duas principais perguntas que o Comprova fez ao iniciar a verificação – se a imagem do post de Nikolas havia sido feita no Brasil e, se não fosse, qual o contexto da foto – haviam sido respondidas. Dessa forma, a reportagem teve segurança para concluir se tratar de um conteúdo enganoso. Mas por que não falso? Porque o Comprova considera falso o conteúdo que é inventado e, enganoso, aquele que é retirado de seu contexto original. Dessa forma, como a foto era real – a cena da menina com os homens fantasiados de cães não foi criada artificialmente –, a classificação correta é enganoso.

Passo fundamental, a equipe tentou falar com o deputado Nikolas Ferreira, tanto por e-mail como pelo telefone de seu gabinete informados no site da Câmara, mas não houve resposta.

Após escrever o texto da verificação, feita por pelas jornalistas Luisa Alcantara e Silva, da Folha de S.Paulo, e Letícia Mutchnik, do UOL, ele foi liberado para os editores do Comprova e, então, seguiram para a última etapa antes da publicação: o cross-checking. Esse passo consiste na leitura da verificação por jornalistas que não participaram da apuração do conteúdo. Neste momento, eles podem apontar dúvidas, inconsistências e correções. Uma vez feito o cross-checking – neste caso, feito pelos veículos O Popular, A Gazeta, Portal Norte, Poder360, Plural, Estadão, SBT e SBT News –, a verificação foi publicada, dois dias depois de iniciada.

Passo a passo

Investigado por: 2024-01-09

Comprova Explica o Caso Maria da Penha | Como verificamos

  • Estudo de caso
Estudo de caso
O Comprova está publicando relatos de algumas de suas investigações feitas em 2023 para mostrar como e por que investigou conteúdos duvidosos encontrados na internet. No ano passado, a Lei Maria da Penha completou 17 anos, e dúvidas sobre o caso que deu origem ao dispositivo legal voltaram a movimentar a internet, sobretudo porque, nas redes sociais, vídeos com milhares de visualizações ganharam notoriedade ao afirmar que a lei foi fruto de uma farsa. Neste relato mostramos como foi feito o Comprova Explica, um formato de investigação que oferece mais contexto aos leitores de modo a imunizá-los contra a desinformação.

Caso relatado por Clarissa Pacheco (Estadão)

 

Em 2022, 18,6 milhões de mulheres brasileiras sofreram algum tipo de agressão, segundo dados divulgados este ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública – destas, 50,9 mil foram agredidas diariamente. Na maioria dos casos, os agressores foram ex-companheiros (31,3%) ou o parceiro atual (26,7%). Desde 7 de agosto de 2006, as mulheres no Brasil contam com uma lei de proteção contra a violência doméstica, a Lei Maria da Penha.

Em 2023, a lei completou 17 anos, e dúvidas sobre o caso que deu origem ao dispositivo legal voltaram a movimentar a internet, sobretudo porque, nas redes sociais, vídeos com milhares de visualizações ganharam notoriedade ao afirmar que a Lei Maria da Penha foi fruto de uma farsa. Versões falsas do caso apontavam que a farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica após ser baleada pelo marido nas costas enquanto dormia em 1983, teria sido alvo de assaltantes.

Segundo esses posts mentirosos, o marido, o colombiano naturalizado brasileiro Marco Antonio Heredia Viveros, teria sido incriminado por ela por ciúmes, após descobrir uma traição. Mas essa é a versão dele, contada em livro e que voltou a circular em 2022 quando um trecho do programa +1Podcast, da Jovem Pan News, fez ganhar força nas redes a mesma tese. Essa versão também aparece em um documentário lançado pelo Brasil Paralelo.

Conteúdos que defendiam a versão já tinham sido desmentidos em 2022 por Aos Fatos, Fato ou Fake, Estadão e UOL. Na época, o Instituto Maria da Penha (IMP) divulgou uma nota repudiando a divulgação de informações falsas a respeito do caso de violência doméstica. Mas, diante da viralização de novos conteúdos em 2023, o Comprova decidiu explicar o caso, não a partir das versões ditas em entrevistas, mas pelo processo criminal do ataque contra Maria da Penha, ocorrido em 1993.

Como verificamos

O primeiro passo foi pedir acesso à íntegra dos autos do processo instaurado em Fortaleza (CE) após Maria da Penha ser baleada. Isso porque, em boa parte dos vídeos que viralizaram nas redes sociais, os autores do conteúdo que defendiam a tese que a farmacêutica tinha sido baleada em um assalto – e não pelo marido – argumentavam que estas informações constavam no processo criminal.

Como notícias publicadas na imprensa não costumavam compartilhar o conteúdo dos autos, o Comprova iniciou a apuração entrando em contato com as partes interessadas no processo: o Ministério Público do Ceará, a defesa de Marco Antonio Heredia Viveros e o Instituto Maria da Penha. Mas, quem acabou dando acesso à íntegra do processo foi a 1ª Vara do Júri de Fortaleza, responsável pelo julgamento.

Os autos do processo possuem 1,7 mil páginas, incluindo o inquérito policial, os laudos periciais, depoimentos de testemunhas, a denúncia do Ministério Público, toda a fase de instrução do processo, as audiências e dois julgamentos pelo Tribunal do Júri (júri popular), além dos recursos da defesa e mandado de prisão contra Viveros.

A partir do acesso aos autos, concedido pelo juiz Antônio Edilberto Oliveira Lima, o Comprova passou a detalhar o que aconteceu desde o dia do crime até a prisão de Marco Antonio Heredia Viveros, passando pelos depoimentos cruciais para a polícia até o momento em que ele deixou de ser visto como vítima e passou a suspeito do crime.

O crime é descrito ainda no processo: Maria da Penha, então com 38 anos de idade, havia sido baleada nas costas enquanto dormia, na própria casa, no início da manhã de 29 de maio de 1983. O marido, Viveros, com 36, foi baleado no ombro direito. Na casa, dormiam o casal, as três filhas – de 6, 4 e 2 anos – e duas empregadas domésticas, Francisca Olindina e Rita. Elas duas ocupavam um quarto separado da casa por um portão de ferro, próximo à área de serviço.

A tese inicial da Polícia Civil do Ceará era a mesma apresentada por Viveros: de que a casa da família tinha sido arrombada e que o casal era vítima do crime. Segundo Viveros, ele acordou por volta das 5h ao ouvir o cachorro latir e, ao se levantar, também notou ruídos vindos do teto da casa. Por isso, decidiu voltar ao quarto, pegar um revólver que estava perto da cama e fazer uma vistoria pela casa. Viveros contou que o cachorro latiu novamente e, neste momento, ele viu uma sombra vindo de uma abertura do teto e, quando ia atirar, ouviu um disparo vindo do interior da casa.

Este seria, segundo ele, o tiro que atingiu Maria da Penha na região dorsal, ainda dormindo, disparado por um dos suspeitos. Viveros também afirmou que, neste momento, foi agredido de surpresa, pelas costas, por alguém que colocou uma corda em seu pescoço. À medida que ele lutava contra a pessoa, disse, um assaltante tentou lhe tomar a arma, que disparou e o atingiu na altura do ombro direito.

A versão que viralizou nas redes sociais se encerra aí e se restringe à história apresentada por Viveros e que, inicialmente, foi tomada por verdade pela polícia. Os vídeos mentirosos virais argumentam que a Lei Maria da Penha é, na verdade, baseada em uma fraude, já que Viveros seria uma vítima, e não o autor do disparo que deixou a esposa paraplégica. O que não aparece nestes conteúdos, contudo, são os novos rumos tomados pela investigação após as testemunhas começarem a ser ouvidas.

Leitura dos depoimentos

No Comprova, a investigação foi feita por jornalistas do Estadão, Jornal Plural e Grupo Sinos. A decisão tomada pela equipe foi de que o inquérito, os depoimentos, os relatórios de perícia e os julgamentos seriam lidos por todos, para que as versões pudessem ser analisadas cuidadosamente, por mais de um olhar.

A investigação seguiu ouvindo os depoimentos de Viveros, de Maria da Penha, e também contou com os exames periciais feitos no casal. Os exames mostraram consequências severas para ela, mas ferimentos leves para ele, que tinha sido atingido por um tiro no ombro. Maria da Penha prestou mais de um depoimento à polícia, em que disse que não tinha percebido de imediato que havia sido baleada, mesmo após ouvir o barulho do disparo. Contou que pediu socorro à empregada, Rita, e que era casada com Viveros há cinco anos, mas que, por conta do tratamento grosseiro dele com ela e todas as pessoas da casa, havia decidido se separar dele. Ela também tinha descoberto que ele tinha uma amante no mesmo dia em que decidiu sair de casa e ir morar com a mãe.

Por fim, Maria da Penha contou que soube apenas por uma das empregadas da casa, um mês após o crime, que o marido tinha uma espingarda – mesmo tipo de arma usada para atingi-la pelas costas – e que estranhou que os supostos assaltantes não tivessem roubado dinheiro e joias que estavam no quarto do casal, já que ela, baleada, não oferecia nenhum obstáculo ao roubo.

Outra decisão tomada pela reportagem foi ler atentamente os depoimentos das testemunhas, para entender se algo havia ficado de fora. Para isso, o Comprova montou uma espécie de enciclopédia do caso, apontando quem eram os “personagens” importantes na história: isso inclui o casal, a polícia, os órgão de justiça, as testemunhas de acusação e de defesa e outras pessoas citadas nos autos – ouvidas ou não no processo.

À medida que a polícia ouviu os depoimentos dos vizinhos, foram surgindo buracos na história contada por Viveros: a rua onde ficava a casa da família não era das mais largas, como mostram imagens que constam nos autos e, no momento dos disparos, vários vizinhos correram para tentar ver o que havia acontecido. No entanto, nenhum deles disse ter visto uma fuga – nem mesmo um rapaz que trabalhava como vigia de um imóvel em construção na frente da casa, ou outros dois vizinhos que subiram num muro para um terreno baldio ao lado da casa onde, disseram, não havia onde se esconder.

O intervalo entre os tiros também foi motivo de desconfiança. No depoimento à polícia, Viveros disse que ouviu o tiro na esposa e, logo em seguida, numa luta corporal, acabou atingido. Os vizinhos, contudo, falam de um intervalo de dois a três minutos entre os disparos, o que, segundo o delegado, era tempo suficiente para que Viveros fingisse uma luta corporal e disparasse um tiro nele mesmo.

Os depoimentos-chave, contudo, foram os das empregadas da casa, Francisca Olindina e Rita: elas contaram à polícia sobre a rotina da casa e o comportamento grosseiro de Viveros, tanto com a esposa quanto com as funcionárias e as próprias filhas. Disseram que ele costumava aplicar castigos físicos às meninas, que, frequentemente, precisavam ser tratadas com pomadas, dada a força dos golpes.

Também afirmaram categoricamente que Viveros tinha uma espingarda – arma que ele não havia mencionado à polícia em seu depoimento e que, depois, negou ter, tanto em um segundo depoimento quanto em duas acareações. Ainda assim, as testemunhas mantiveram seus depoimentos. Francisca disse ter visto a espingarda dentro de um guarda-roupa cerca de 30 dias antes do crime.

No depoimento prestado ao delegado em fevereiro, Rita confirmou a existência da espingarda e disse ter observado a arma sendo limpa por Viveros. Rita afirmou que o patrão “tratava mal” a esposa, as filhas e as empregadas e, assim como Francisca, declarou que, após o suposto arrombamento, as joias de Maria da Penha e de Viveros, e as chaves do carro dele, estavam em locais de fácil acesso.

Foi a partir destes depoimentos que o delegado do caso, José Nival Freire da Silva, começou a desconfiar de Viveros, pediu ajuda à Polícia federal para investigá-lo na Colômbia e passou a tratá-lo oficialmente como suspeito do crime. Mesmo que ninguém tenha de fato testemunhado o momento do disparo.

No dia 6 de julho de 1984, o delegado José Nival Freire da Silva concluiu o inquérito policial, indiciando Viveros pelo crime de tentativa de homicídio qualificado contra Maria da Penha. O inquérito foi enviado ao Ministério Público do Ceará, que, por sua vez, denunciou Viveros à Justiça em 28 de setembro de 1984.

Antes da primeira decisão da Justiça, a defesa de Viveros alegou que a denúncia e o próprio inquérito tinham “cunho meramente indiciário, com presunções, ilações, conjecturas”, sem qualquer testemunha que atestasse que o crime tivesse sido cometido por ele. Também alegou que o relatório da polícia não levava em conta a perícia feita no local do crime e, por isso, pedia que a denúncia fosse julgada improcedente.

Não foi o que entendeu a então juíza titular da 1ª Vara do Júri de Fortaleza, Maria Odele de Paula Pessoa. No dia 31 de outubro de 1986, ela decidiu aceitar a denúncia do Ministério Público e expedir uma sentença de pronúncia, o que significa que vira elementos suficientes para que o réu fosse julgado pelo Tribunal do Júri.

Os julgamentos

Viveros foi julgado duas vezes – e condenado duas vezes, em 1991 e 1996. Em 1991, ele foi condenado a 10 anos de prisão, mas conseguiu aguardar recurso em liberdade e a defesa conseguiu anular este primeiro julgamento argumentando que houve um erro na formulação das perguntas aos jurados.

O segundo julgamento só aconteceu em 1996 e ele foi novamente condenado, desta vez a 10 anos e seis meses de prisão, mas saiu livre do tribunal devido a mais um recurso da defesa, que alegou que o julgamento tinha ido de encontro às provas dos autos. Um desembargador negou um novo julgamento, mas reduziu a pena para oito anos e seis meses. Viveros só foi preso, de fato, em 2002, mas conseguiu ir para o regime semiaberto em 2004 e ganhou liberdade condicional em 2007.

Neste Comprova Explica, além de detalhar os autos do processo, também foram mostradas as consequências e a repercussão do caso, com a responsabilização do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), em 2001, por omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras.

O Comprova mostrou, ainda, o que é a Lei Maria da Penha, quais os efeitos dela e como ela funciona atualmente no Brasil.

Conclusão

O Comprova Explica é um modo de investigar os contextos de fatos a partir dos quais são produzidas peças de desinformação e assim dar aos leitores informação contextual que permita elevar a capacidade crítica para os conteúdos desinformativos.

O texto Entenda o caso de Maria da Penha, que originou lei de proteção a mulheres vítimas de violência no Brasil foi produzido por Clarissa Pacheco (Estadão Verifica), Joyce Heurich (Grupo Sinos) e Maria Cecília Zarpelon (Plural). A investigação foi revisada e ratificada por jornalistas do Nexo, O Popular, Folha de S.Paulo, O Povo, Diário do Nordeste, SBT e SBT News.

Contextualizando

Investigado por: 2023-12-22

Entrega de chaves de condomínio no Amapá começou no dia de evento com Lula

  • Contextualizando
Contextualizando
Publicações nas redes sociais alegam que o governo Lula (PT) teria descumprido uma promessa de entregar as chaves de um conjunto habitacional em Macapá apenas para lotar a cerimônia de lançamento do empreendimento, com participação do presidente. A entrega teve início, no entanto, ainda no dia do evento e não era de responsabilidade do governo federal, mas da construtora que fez a obra, em processo sob supervisão da Caixa Econômica Federal e com apoio do governo do Amapá.

Conteúdo investigado: Publicações alegam que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu a entrega de chaves no evento de lançamento de um conjunto habitacional, com participação do presidente, para que estivesse lotado e não houvesse vaias. As postagens são acompanhadas de um vídeo em que uma mulher questiona, sem aparecer na imagem, onde estão as chaves e narra, em meio a uma multidão, que o público presente teria sido enganado.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e TikTok.

Contextualizando: Publicações nas redes sociais alegam que o governo Lula (PT) teria descumprido uma promessa de entregar as chaves de um novo conjunto habitacional durante uma cerimônia de lançamento com participação do presidente. As chaves começaram a ser entregues, contudo, ainda no dia do evento, ocorrido em 18 de dezembro deste ano.

As postagens são acompanhadas de um vídeo gravado após a cerimônia de inauguração do Miracema III e IV, em Macapá (AP), com mil unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV).

A cerimônia de lançamento contou com a participação do presidente Lula e do ministro da Cidades, Jader Filho (MDB), além do governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade), entre outras autoridades locais, como membros do Ministério Público amapaense.

O conjunto habitacional foi lançado pela modalidade Recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) do MCMV, que oferece imóveis subsidiados com recursos públicos em áreas urbanas para famílias em situação de vulnerabilidade, que estejam em um cadastro habitacional local, por exemplo.

O modelo MCMV – FAR também prevê a participação de diferentes agentes públicos e privados para viabilizar cada empreendimento, com responsabilidades distintas entre si.

Conforme estabelece uma portaria do Ministério das Cidades, estão envolvidos, em geral, a própria pasta, que regula regras e propostas do MCMV – FAR; a Caixa Econômica Federal, gestora dos recursos do FAR; algum ente público local, que pode ser uma prefeitura ou o governo do Estado; um agente financeiro, que supervisiona o processo e pode ser a própria Caixa; uma construtora, a quem cabe propor e erguer a obra; e os beneficiários, que, entre outras coisas, devem assumir o financiamento do imóvel, se necessário.

No caso do Miracema III e IV, a entrega das chaves aos novos moradores foi realizada pela construtora CMT Engenharia, em operação com apoio do governo do Amapá, na condição de ente público local, que fez a seleção e orientação dos beneficiários ao longo de todo o processo, e com supervisão da Caixa, agente financeiro do conjunto habitacional, segundo comunicou o banco ao Comprova.

A entrega das chaves começou ainda no dia 18 de dezembro, logo após o evento com a participação de Lula. Até o começo da tarde do dia 22, foram entregues 862 unidades, também segundo a Caixa.

“A entrega das chaves é realizada mediante assinatura do contato e realização de vistoria pela família beneficiária indicada pelo Ente Público local, neste caso o Governo do Estado, à luz das regras estabelecidas pelo Programa”, escreveu a assessoria de imprensa da Caixa, em nota.

A Secretaria de Habitação do Amapá (Sehab) reforçou que a entrega das chaves é de responsabilidade da CMT Engenharia. A pasta divergiu da Caixa, contudo, ao comunicar que todas as mil chaves já foram entregues: “Informa ainda que, no mesmo dia do evento, foram entregues 300 chaves, e que a conclusão desta etapa foi realizada nesta quinta-feira, 21”, escreveu, em nota.

A construtora CMT Engenharia, citada pela Caixa e pela Sehab, não respondeu aos contatos do Comprova por telefone e e-mail até a publicação deste texto

Além das partes envolvidas no empreendimento, o Comprova também buscou contato com o MP-AP, que havia divulgado ter acompanhado todo o processo de finalização das obras. O órgão comunicou não ter recebido reclamação formal sobre não recebimento de chaves por parte dos beneficiários.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Sem o contexto completo, que mostra quando a entrega das chaves teve início, os leitores poderiam ser levados a acreditar que o governo tentou enganar as pessoas beneficiadas. A investigação mostra que o vídeo analisado não trazia, porém, todas as informações para que o leitor pudesse entender o que aconteceu na situação mostrada ali. 

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou o autor da postagem no X por mensagem privada. Além de não responder, ele apagou a publicação no X e no TikTok. Não é a primeira vez que conteúdos veiculados pelo mesmo autor são investigados. Anteriormente, já foi verificado ser falso que PT ou a governadora de PE reinauguraram obra de Bolsonaro ligada à transposição do São Francisco, que policiais foram expulsos pelo MST de protesto em rodovia no PR, e não feitos reféns, bem como que vídeo de mulher com rosto de Lula e delegado parecido com Bolsonaro é uma sátira.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. As publicações com o vídeo foram, no entanto, excluídas pelo autor. Ao menos até 21 de dezembro, quando ainda estava no ar, o post no X tinha 50,6 mil visualizações e 2 mil curtidas.

Como verificamos: O Comprova identificou, ao analisar o vídeo, uma faixa com a logomarca do atual governo federal (abaixo). Em seguida, a reportagem buscou por entregas recentes de moradias populares com participação do presidente Lula, ocasião em que encontrou a cerimônia realizada em Macapá, no Amapá.

A reportagem também identificou que a cor dos prédios e a estrutura de evento montada aparentes no vídeo condizem com o cenário mostrado em imagens oficiais da cerimônia e do empreendimento.

| Presidente Lula em cerimônia de lançamento de conjunto habitacional (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

| Conjunto habitacional Miracema, em Macapá (Foto: Nayana Magalhães/GEA)

A partir disso, a equipe localizou postagens no X feitas por Max Yataco, secretário-adjunto de Habitação do Amapá, que mostram famílias recebendo as chaves de unidades do Miracema III e IV. Em contato por telefone, Yataco confirmou que o vídeo em que uma mulher contesta a falta das chaves teria sido gravado após a cerimônia em Macapá com a participação de Lula.

Além de Yataco, o Comprova fez contato, por e-mail, e obteve retorno da Caixa Econômica Federal, do Ministério das Cidades, do governo do Amapá e do Ministério Público amapaense.

A reportagem também procurou a CMT Engenharia, mas foi informada que a empresa não possui assessoria de imprensa e que as pessoas autorizadas a falar sobre o assunto não estavam no escritório nos dois dias em que telefonou. Por e-mail, também não houve resposta até esta publicação.

Chaves começaram a ser entregues após cerimônia em Macapá

Ao pesquisar sobre a cerimônia nas redes sociais, o Comprova localizou vídeos postados na mesma data, mas à noite, após o evento, em que famílias aparecem recebendo chaves dos imóveis.

Um deles foi compartilhado às 21h36 de 18 de dezembro no X pelo governador do Amapá, Clécio Luiz. No post, ele comunicava que a equipe do governo estadual seguia no residencial Miracema III e IV para realizar a entrega das chaves para os novos moradores do empreendimento.

O vídeo mostra o secretário-adjunto Max Yataco, segundo o qual, naquele momento, estavam sendo colhidas as assinaturas para a entrega de chaves. Ele diz também que o processo ainda demoraria um pouco. Mais tarde, às 23h15, Yataco compartilhou outro vídeo, de uma moradora com a chave em mãos.

Por telefone, o secretário-adjunto afirmou que algumas pessoas ficaram chateadas quando correu um rumor, não verdadeiro, de que não seria feita a entrega das chaves já naquele dia. Yataco também reafirmou que a responsabilidade da entrega era da construtora CMT Engenharia, que executou a obra.

“Eles [construtora] repassaram para a gente a dificuldade na logística da entrega, mas em nenhum momento foi repassado que não seriam entregues as chaves. Na verdade, o que aconteceu foi um rumor entre eles mesmos [beneficiários] de que não seriam entregues as chaves, aí algumas pessoas ficaram indignadas, chateadas, e começaram essa movimentação vista no vídeo”, relatou ao Comprova.

Yataco disse também que a Secretaria de Habitação enviou convites da cerimônia para os beneficiários, comunicando que poderiam levar até três familiares para participar do evento, mas que não teria sido ventilada informação sobre a entrega das chaves, uma vez que o procedimento caberia à construtora.

Na véspera da cerimônia, o governador do Amapá divulgou vídeo no Instagram anunciando a entrega de mil unidades habitacionais junto do presidente Lula. No dia do evento de lançamento, o governo federal também reafirmou, com publicação oficial, que seria feita a entrega dos imóveis.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: É comum a disseminação de desinformações associadas a eventos dos quais o presidente participa. O Comprova já demonstrou, por exemplo, que Lula se encontrou com liderança religiosa da Nigéria em evento de igualdade racial, não com “feiticeiro”, que ele não foi hostilizado em visita a polo automotivo de Goiana nem dentro do Bahia Farm Show e ser falso que defendeu o nazismo e o fascismo em evento do PT em 2017.

Eleições

Investigado por: 2023-12-21

Vídeo engana ao dizer que Bolsonaro não está inelegível por causa de tratado internacional

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o vídeo em que uma mulher diz que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não estaria inelegível porque sua condenação violaria um pacto internacional de Direito Humanos. Bolsonaro foi condenado duas vezes por decisão do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político em 2023. Especialistas consultados pelo Comprova ressaltam que, até que as decisões sejam revistas ou anuladas, elas estão valendo.

Conteúdo investigado: Publicação na rede social X de um vídeo no qual uma mulher fala que o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) não está inelegível porque duas leis complementares seriam inconstitucionais, apesar de entendimento contrário do STF, e também porque o Pacto de San José da Costa Rica determina que só pode se tornar inelegível alguém condenado em processo penal, o que não é o caso do ex-presidente.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: É enganoso que Jair Bolsonaro (PL) não esteja inelegível porque estaria protegido por uma convenção internacional da qual o Brasil é signatário, como diz um vídeo divulgado nas redes sociais. O ex-presidente foi declarado inelegível duas vezes pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a primeira em junho de 2023, e a segunda em outubro do mesmo ano. Ambas as vezes por abuso de poder político.

A mulher que fala no vídeo afirma que a motivação utilizada pelo TSE para condenar Bolsonaro vai contra a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica. Por isso, as decisões não teriam validade.

Especialistas em Direito Político, Eleitoral e Constitucional ouvidos pelo Comprova afirmam que esse entendimento não é correto. Primeiramente porque, até que as decisões do TSE sejam reformadas ou revogadas, elas estão valendo.

Segundo porque, embora seja possível discutir se há uma divergência entre a legislação brasileira e a norma internacional, ainda assim o Pacto de San José da Costa Rica encontra-se abaixo da Constituição na hierarquia das leis brasileiras. E no parágrafo 9 do artigo 14, a Constituição prevê a inelegibilidade para a proteção da probidade administrativa, que é o dever de agir com honestidade na administração pública, inclusive contra o abuso do exercício da função.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 21 de dezembro, o vídeo alcançou 49 mil visualizações na rede social X e 881 likes e, no Telegram, ele foi visto 71,4 mil vezes.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos entender quais são e o que dizem as leis citadas pela mulher no vídeo e o Pacto de San José da Costa Rica. Em seguida, fizemos contato com especialistas em Direito para entender se as afirmações feitas por ela eram ou não verdadeiras. Entramos também em contato com o perfil que fez a postagem por mensagem no X.

Inelegibilidade

Em 30 de junho de 2023, por por 5 votos a 2, o TSE declarou a inelegibilidade do ex-presidente da República Jair Bolsonaro por oito anos, contados a partir das eleições de 2022. Ficou reconhecida a prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho do ano passado. Walter Braga Netto (PL), que compôs a chapa de Bolsonaro à reeleição pelo PL, foi excluído da sanção, uma vez que não ficou demonstrada sua responsabilidade na conduta. Nesse ponto, a decisão foi unânime.

Em 31 de outubro, com o mesmo placar, o TSE condenou Bolsonaro novamente, dessa vez acompanhado por Braga Netto, por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Bicentenário da Independência, realizadas no dia 7 de setembro de 2022 em Brasília e no Rio de Janeiro. Com a decisão, ambos ficaram inelegíveis por oito anos.

Especialistas confirmam que decisões estão valendo

No vídeo, a mulher diz que o artigo 23 do Pacto San José da Costa Rica determina que só podem perder direitos políticos pessoas condenadas em processo penal, o que não é o caso de Bolsonaro. Porém, especialistas em Direito ouvidos pelo Comprova confirmam que as duas decisões do TSE são válidas e que o ex-presidente está inelegível.

“Pode-se dizer que a inelegibilidade pode ser questionada por contrariar o Pacto San José da Costa Rica. Pode-se dizer que a decisão é controversa, em relação ao pacto. Mas dizer que ele não é inelegível, não. Até que as decisões da Justiça Eleitoral a respeito de Bolsonaro sejam reformadas ou anuladas, elas estão valendo”, afirma o advogado e mestre em direito Ludgero Liberato, membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep), Ludgero Liberato.

Ele esclarece que no sistema legal brasileiro, o Pacto está abaixo da Constituição e acima das demais leis. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação aos pactos e tratados internacionais relativos aos Direitos Humanos que o Brasil aderiu antes de 2004, como é o caso do Pacto mencionado no vídeo desinformativo.

O Brasil se tornou signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica em 1992. Até 2004, todos os tratados e pactos internacionais tinham natureza de lei ordinária. Naquele ano, foi feita uma emenda na Constituição dizendo que aqueles tratados internacionais referentes aos direitos humanos, se passarem pelo mesmo rito de aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC), teriam status de Emenda à Constituição. Isso significa que eles teriam que ter aprovação em dois turnos, na Câmara e no Senado, com pelo menos dois quintos dos votos favoráveis.

“Criou-se um problema entre aqueles pactos que entraram em vigor antes da EC 45/2004, como é o caso do Pacto San José da Costa Rica. O entendimento atual do Supremo é que este tratado está abaixo das emendas constitucionais, mas acima das leis ordinárias”, aponta.

O artigo 14 da Constituição Federal, que fala sobre o direito dos cidadãos de votar e serem votados, aponta também alguns casos de inelegibilidade. No parágrafo 9º, está determinado que uma lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade que protejam a probidade administrativa. Entre eles, é citado “a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

Outro argumento é levantado pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais e da PUC-MG José Luiz Quadros Magalhães. Ele afirma que a Constituição cria e define a Justiça Eleitoral e determina quais poderes ela terá.

“O fato é que a Constituição cria a Justiça Eleitoral, uma jurisdição eleitoral e estabelece normas para o funcionamento do processo eleitoral, inclusive a competência dos Tribunais Regionais Eleitorais e do TSE para julgar o que julgou”, avalia.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil em que o vídeo viralizou para saber a origem da gravação e quem é a mulher que aparece nas imagens, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: Conteúdos desinformativos com frequência se utilizam de informações verdadeiras de forma incompleta ou fora de contexto para confundir. No caso analisado, a mulher ainda utiliza números de leis e jargão jurídico, o que dá a impressão que se trata de autoridade no assunto, ainda que não haja no vídeo identificação de quem ela seja. O uso do “juridiquês” também dificulta o entendimento de pessoas leigas. Para não ser enganado, é importante buscar informações de fontes confiáveis, como os sites oficiais e veículos de imprensa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A inelegibilidade de Bolsonaro já foi alvo de desinformação recentemente. O Comprova verificou que mesmo que o PL chegasse à presidência da Câmara, Bolsonaro ainda não mandaria do Brasil. Também mostrou que é falso que dono da Seara atacou eleitores do ex-presidente em vídeo e que é enganoso vídeo que diz que o PT teria oferecido dinheiro para o TSE para tornar inelegíveis integrantes do PL.

Política

Investigado por: 2023-12-21

É falso que PT ou governadora de PE reinauguraram obra de Bolsonaro ligada à transposição do São Francisco

  • Falso
Falso
São falsas as alegações de postagens nas redes sociais de que o PT teria reinaugurado uma obra concluída pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As publicações exibem um vídeo da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), na Estação de Tratamento de Água Petrópolis, em Caruaru, gravado em dezembro de 2023. Na ocasião, o local passou a receber águas do Rio São Francisco a partir da Adutora do Agreste Pernambucano, em fase de teste operacional, já sob gestão Lula (PT). A adutora é uma obra do governo pernambucano que ainda não foi finalizada, passou por diferentes administrações e recebe verbas da União desde 2014, um ano após ter sido iniciada.

Conteúdo investigado: Publicação exibe vídeo da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), em uma aparente estação de tratamento de água. A tucana se mostra empolgada ao dizer que a água do Rio São Francisco chegou a Caruaru (PE). O post traz, além da filmagem, um comentário: “É sério que o PT está reinaugurando obras do Bolsonaro e dizendo que foram eles que terminaram?”.

Onde foi publicado: X e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso que o PT, à frente do governo federal, ou a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), tenham reinaugurado uma obra que supostamente teria sido concluída pela gestão de Jair Bolsonaro (PL), diferentemente do que alegam publicações nas redes sociais.

As postagens exibem um vídeo de Lyra gravado em 16 de dezembro de 2023 na Estação de Tratamento de Água (ETA) Petrópolis, em Caruaru, ao testemunhar a chegada da água do Rio São Francisco ao local a partir da Adutora do Agreste Pernambucano. Este empreendimento ainda está em construção e vai ligar municípios do interior do estado à estrutura de transposição do São Francisco.

A Adutora do Agreste é uma obra do governo de Pernambuco executada pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Ela conta também com aportes da União desde 2014. Atualmente, o empreendimento apresenta 79,40% de execução física.

O projeto original da Adutora do Agreste prevê que ela se conecte ao Eixo Leste do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) a partir do chamado Ramal do Agreste, também em construção e de responsabilidade do governo federal.

No entanto, antes que esse ramal esteja concluído, o governo pernambucano e a Compesa viabilizaram como alternativa a Adutora de Moxotó, para já dar funcionalidade à Adutora do Agreste, ao captar água da Barragem do Moxotó, também incluída no sistema integrado da transposição do Rio São Francisco.

Em dezembro de 2023, um trecho da Adutora do Agreste entrou em fase de teste operacional ao captar água a partir da Adutora de Moxotó, de acordo com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), que gere os repasses da União ao empreendimento.

A ETA Petrópolis, em Caruaru, que já pertencia ao sistema de abastecimento de água da Compesa, passou a receber água nesta etapa de teste no último 10 de dezembro, seis dias antes da visita da governadora Raquel Lyra, conforme foi divulgado pela Compesa.

A transposição do Rio São Francisco é alvo frequente de desinformação. Em outras ocasiões, o Comprova já explicou o caso da transposição e desmentiu conteúdos falsos e enganosos sobre o tema, principalmente em relação a quem seria o “dono” da obra. O projeto nasceu em 1985, saiu do papel apenas em 2007 e passou por diversas mãos ao longo dos anos.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, até o dia 21 de dezembro, a publicação tinha 734,6 mil visualizações, mil curtidas e 2 mil compartilhamentos. Na mesma data, um post semelhante em um canal do mesmo autor no Telegram tinha 10,1 mil visualizações.

Como verificamos: A primeira ação foi consultar o Google em busca por informações acerca do assunto. Após a procura por termos como “inauguração de obras em Pernambuco”, “obras inauguradas por Raquel Lyra”, “PT inaugura obras do governo de Bolsonaro” encontramos diversas notícias (G1, Diário de Pernambuco, JC) sobre a obra que aparece no vídeo.

Também encontramos informações de sites oficiais dos governos federal e de Pernambuco, os quais esclarecem detalhes sobre a obra da Adutora do Agreste e da Estação de Tratamento de Água Petrópolis, ambas de responsabilidade da Companhia Pernambucana de Saneamento.

O Comprova ainda tentou contato com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, do qual obteve retorno, com o governo de Pernambuco e com a página autora da postagem, que não responderam até esta publicação.

Adutora do Agreste passou por diferentes governos

A obra da Adutora do Agreste teve início em 2013, com a previsão de levar água do Rio São Francisco para ao menos 23 municípios do agreste e do sertão de Pernambuco que lidam com escassez hídrica.

A chamada primeira fase da adutora inclui cinco lotes, cada um com um percentual diferente de execução física até dezembro de 2023. São eles: lote 1 (79,2%), 2 (93,2%), 3 (89,4%), 4 (84,5%) e 5 (51,5%). Caruaru, cidade visitada pela governadora Raquel Lyra, está na intersecção entre os lotes 1, 4 e 5.

Os percentuais foram informados ao Comprova pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, segundo o qual o assentamento dos tubos da obra atingiu 88,11% neste mês.

“O avanço da Adutora do Agreste em 2023 foi a conclusão da Estação Elevatória de Água Bruta Ipojuca, a execução do ramal da Adutora do Agreste para a Estação de Tratamento de Água Petrópolis, em Caruaru, pela Compesa, e a execução dos testes, também pela Compesa, do trecho da Adutora do Agreste entre Belo Jardim e Caruaru. São ações reais e essenciais que não aparecem nas porcentagens de execução de contratos”, escreveu a pasta, em resposta ao Comprova.

| Visão geral do Sistema Adutor do Agreste (Mapa: TCU/Reprodução)

Também estarão integradas à Adutora do Agreste Pernambucano as adutoras do Moxotó e do Jatobá, ambas já concluídas, e o Sistema Adutor dos Poços de Tupanatinga, com 91,6% de execução física.

Até dezembro do ano passado, ainda sob gestão Jair Bolsonaro, a obra da Adutora do Agreste não havia avançado o bastante para levar água à ETA Petrópolis, também segundo o MIDR. Naquela altura, o lote 1 tinha 78% executados; o lote 2, 93%; o lote 3, 89%; o lote 4, 84%; e o lote 5, 51%.

Apesar de ser executada pela Compesa, uma empresa que tem como acionista majoritário o governo de Pernambuco, a construção da Adutora do Agreste também recebe recursos federais desde 2014.

Naquele ano, sob gestão Dilma Rousseff (PT), houve o maior valor empenhado (reservado no Orçamento federal) para a construção desde então, segundo dados do Portal da Transparência: R$ 236.553.000. Também foram garantidos recursos da União para a obra ao longo dos governos de Michel Temer (MDB), Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT).

Em 2023, a primeira fase da Adutora do Agreste foi incluída como uma prioridade do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), principal vitrine da gestão Lula para a infraestrutura. A previsão atual é de que ela esteja concluída em dezembro de 2025. O Novo PAC também vai priorizar o financiamento de estudos para viabilizar uma segunda fase da adutora.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato via e-mail com a página responsável pela postagem, mas não houve retorno até esta publicação. Não é a primeira vez que conteúdos veiculados pelo mesmo autor são investigados. Anteriormente, já foi verificado que policiais foram expulsos pelo MST de protesto em rodovia no PR, e não feitos reféns, bem como que vídeo de mulher com rosto de Lula e delegado parecido com Bolsonaro é uma sátira.

O que podemos aprender com esta verificação: As redes sociais são espaços muito utilizados para propagar peças de desinformação, sendo cada vez mais necessário manter a atenção e verificar a veracidade de conteúdos compartilhados nesses espaços. No caso de informações falsas como a destacada ao longo deste material, nota-se que uma rápida busca no Google levaria a conteúdos com os dados reais sobre o tema. Diante de um grande volume de informações compartilhadas nas redes, conferir a veracidade de certos conteúdos antes de repercuti-los pode ajudar a não propagar mais desinformação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Projeto de Integração do Rio São Francisco e as obras integradas a ele são alvos frequentes de dúvidas e conteúdos de desinformação. Entre outras verificações, o Comprova já mostrou que Bolsonaro não concluiu 84% das obras da transposição, como alegava um vídeo, e que um trecho do Eixo Norte do projeto não foi fechado pelo governo Lula. Checagens recentes mostraram que o governo federal não bloqueou água do Nordeste e também não desligou bombas da transposição do Velho Chico.

Contextualizando

Investigado por: 2023-12-19

INSS pagou 13º em novembro apenas para beneficiários que não tiveram adiantamento

  • Contextualizando
Contextualizando
Publicação no TikTok confunde ao fazer uso de imagens do INSS e alegar que aposentados receberão até R$ 12 mil em dezembro. Na verdade, apenas os segurados e dependentes da Previdência Social que não puderam receber antecipadamente em 2023 o abono anual, equivalente ao 13º salário, tiveram valores referentes a ele depositados agora em novembro. Para quem se tornou beneficiário ativo em junho e recebe o teto do INSS, foi paga uma parcela única de R$ 11.886,85 no mês passado.

Conteúdo investigado: Vídeo exibe imagens do INSS e a legenda “Está assinado! Pagamento de até R$ 12.000 reais [sic] para aposentados”. Ao fundo, uma narradora afirma que aposentados e pensionistas, entre outros beneficiários, que tiveram um benefício acima de um salário mínimo concedido a partir de maio deste ano poderão receber até R$ 12 mil com uma parcela única do 13º agora em dezembro.

Onde foi publicado: TikTok.

Contextualizando: A maior parte dos segurados e dependentes da Previdência Social recebe anualmente um abono do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) equivalente ao 13º salário pago para os trabalhadores com vínculo empregatício ligado à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Em 2023, esse abono anual foi pago em duas parcelas iguais, nos meses de maio e junho, de modo adiantado. Costumeiramente, elas são depositadas nos meses de agosto e novembro de cada ano. Desde 2020, contudo, o valor tem sido quitado antecipadamente, a priori para minimizar perdas econômicas da pandemia de covid-19. Neste ano, a ideia foi aquecer a economia ao injetar recursos em mercados locais.

Ainda em 2023, quem se tornou beneficiário ativo do INSS apenas depois de maio não pôde contar com o abono anual antecipado. Esse valor equivalente ao 13º só foi pago agora em novembro, com uma parcela única e em quantia proporcional aos meses deste ano em que a pessoa teve direito ao benefício comum. O abono proporcional e o benefício foram pagos juntos, seguindo o calendário de depósitos do INSS.

Um segurado que esteja aposentado desde junho de 2023 e receba o valor do teto do INSS (R$ 7.507,49), por exemplo, teve depositados em sua conta agora em novembro R$ 11.886,85. Esse valor equivale a R$ 7.507,49 do benefício comum e R$ 4.379,36 de abono proporcional a sete meses (de junho a dezembro).

Publicações nas redes sociais têm confundido esse pagamento efetuado em novembro com um suposto novo 13º ou um abono extra para aposentados e pensionistas, o que não é verdade. Os beneficiários que tenham recebido as parcelas de maio e junho não têm direito a um novo depósito em 2023.

Em setembro, o INSS emitiu comunicado para alertar isso devido à circulação de conteúdos de desinformação. Ao Comprova, o INSS reafirmou não haver previsão de um novo abono.

“O INSS, inclusive, tem uma ação em curso na Procuradoria Federal Especializada para retirada desses conteúdos do ar”, escreveu, em contato por e-mail.

O abono anual é pago para segurados e dependentes da Previdência Social que, durante o ano de 2023, tenham recebido auxílio por incapacidade temporária, auxílio-acidente, aposentadoria, pensão por morte ou auxílio-reclusão. Isso corresponde a cerca de 30 milhões de beneficiários, segundo o governo federal.

Os segurados que recebem benefícios assistenciais do INSS, caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da Renda Mensal Vitalícia (RMV), não têm direito ao abono anual.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A publicação desinforma ao afirmar, em um primeiro momento, que aposentados vão receber R$ 12 mil em dezembro. O texto narrado no vídeo ainda é confuso e, apesar de retificar a fala de abertura em um segundo momento, não esclarece quem terá direito ao abono em novembro e como calculou o valor de até R$ 12 mil.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com o autor da publicação, uma vez que apenas perfis que sejam seguidos por ele no TikTok podem enviar mensagem.

O que podemos aprender com esta investigação: É comum que desinformadores façam uso da imagem de órgãos oficiais para atribuir credibilidade a conteúdos enganosos e deixem de informar as fontes primárias de alegações fora de contexto. Para ter a clareza sobre a informação divulgada, é importante pesquisá-la junto aos canais de órgãos oficiais e em veículos de imprensa. Além disso, é necessário cautela com perfis que se autointitulam canais de notícias, mas não disponibilizam um link seguro nem fontes de informações em seus conteúdos. No caso do perfil em questão, há apenas um link para a compra de máquinas de cartões, na tentativa de gerar receita ao canal a partir da indicação de clientes.

Alcance da publicação: A postagem no TikTok teve 27,6 mil curtidas e 3,7 mil compartilhamentos até 19 de dezembro.

Como verificamos: O Comprova entrou em contato com o INSS via assessoria de imprensa, além de ter buscado por publicações sobre o abono anual em canais oficiais do governo e veículos de imprensa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova explicou recentemente por que não há pagamento de 13ª parcela no Bolsa Família e mostrou não existir uma nova lei que obrigue motorista a pagar pensão por invalidez em casos de acidentes de trânsito.

Política

Investigado por: 2023-12-19

PL do Senado americano não prevê a internacionalização da Amazônia

  • Enganoso
Enganoso
Projeto de lei que tramita no Congresso americano intitulado “Lei para Fortalecimento do Estado de Direito na Amazônia Brasileira” (em tradução livre) não propõe a internacionalização da Amazônia. O projeto é uma proposta de legislação interna, sem efeito jurídico prático no plano internacional. No entanto, pode ensejar riscos à soberania nacional em relação a decisões que competem ao governo brasileiro. O PL foi apresentado no Senado americano, em 6 de dezembro, e ainda precisa tramitar no Congresso do país até chegar ao gabinete presidencial para eventual sanção de Joe Biden como lei. Mesmo que aprovado, o Brasil tem condições de se opor a pontos que considerar inadequados à posição do governo federal, manifestada à imprensa internacional em fevereiro, quando o presidente Lula (PT) declarou que o país não quer abrir mão da soberania internacional na Amazônia.

Conteúdo investigado: Em vídeo, um homem afirma que um projeto de lei (PL) foi aprovado nos EUA com o objetivo de transformar a Amazônia em “patrimônio mundial”, numa alusão a um processo de internacionalização da região e perda da soberania do Brasil sobre o território. Como pano de fundo, aparece uma foto do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao lado de Celso Amorim, assessor especial para assuntos internacionais. O narrador relaciona o PL às ameaças do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, de anexação do território de Essequibo, na vizinha Guiana. O autor do vídeo ainda afirma que os brasileiros serão os mais prejudicados com a suposta “intervenção na Amazônia”, que estaria ocupando as manchetes de “todos os jornais mundiais”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: Não se pode afirmar que o projeto de lei apresentado por três senadores dos Estados Unidos signifique a internacionalização da Amazônia, segundo especialistas afirmaram ao Comprova. De acordo com o texto do PL, a proposta busca, entre outras coisas, fornecer subsídios legais ao governo norte-americano para apoiar o Brasil no combate a crimes na Amazônia e em seu entorno que resultem em desmatamento, demais formas de degradação ambiental e danos a comunidades locais.

Como destaca o advogado Belisário dos Santos Júnior, membro da Comissão Internacional de Juristas, com sede em Genebra, e da Comissão Arns de Direitos Humanos, não há qualquer dispositivo no texto que estipule áreas livres da soberania de qualquer país na Amazônia. Nilton Cesar Flores, professor de Direito Internacional da Universidade Federal Fluminense (UFF), destaca que o PL é uma norma interna dos EUA e, como tal, não se sobrepõe às leis e determinações de um outro país.

Tampouco se pode afirmar que a iniciativa do PL é uma reação do Congresso americano às ameaças da Venezuela em anexar a região do Essequibo, que pertence à Guiana e é tomada pelo bioma amazônico. Não há indicação, na proposta legislativa, que baseia tal suposição.

No entanto, segundo Belisário Júnior, há pontos que podem significar uma intervenção indesejada no que se refere à soberania nacional sobre a Amazônia, como a presença de equipes do governo americano para identificar, na região, oportunidades de investimentos para empresas americanas e suposta participação da China no financiamento de atividades que possam resultar na degradação do meio ambiente local. Belisário afirma, porém, que há meios para o Brasil se opor a essas ações caso o projeto seja convertido em lei.

À imprensa internacional, Lula declarou, em fevereiro, após sair de um encontro com o presidente dos EUA, Joe Biden, na Casa Branca, que o Brasil não quer abrir mão da soberania na Amazônia. Já o Itamaraty disse ao Comprova que acompanha a tramitação do PL no Congresso americano.

Para o Comprova, o conteúdo do vídeo é enganoso, pois foi retirado do contexto original e usado em outro, de modo que seu significado foi alterado.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, o vídeo acumula mais de 6 mil visualizações, além de ter recebido mais de 270 curtidas até 19 de dezembro.

Como verificamos: O primeiro passo foi uma busca no Google pelas palavras chave: “PL estados unidos amazônia”. Como resultado, surgiu uma matéria da Folha de S.Paulo, de 7 de dezembro de 2023, intitulada “Projeto de lei nos EUA sobre Amazônia trata de criminalidade, investimento e China”. Na sequência, o Comprova buscou o site do Senado americano, onde foi possível identificar o projeto em questão. Além disso, consultamos o site de um dos senadores proponentes, Tim Kaine (Democrata), para acessar o texto da proposta na íntegra. Também entramos em contato com o Itamaraty, via email, para solicitar esclarecimentos a respeito do PL em tramitação no Senado americano, e consultamos os advogados Belisário dos Santos Júnior e Nilton Cesar Flores, professor da UFF.

Projeto é recente e não foi votado

Ao contrário do que diz o homem no vídeo, os Estados Unidos não “aprovaram uma PL” que fala sobre a Amazônia. O projeto “Strengthening the Rule of Law in the Brazilian Amazon Act” (“Lei para Fortalecimento do Estado de Direito na Amazônia Brasileira”) foi apresentado pelo senadores Tim Kaine (Democrata), Marco Rubio (Republicano) e Jeff Merkley (Democrata) no Senado americano, no dia 6 de dezembro. Ele ainda precisa tramitar no Senado e na Câmara dos Representantes até chegar ao gabinete presidencial e, após eventual sanção, tornar-se lei.

O vídeo investigado tem tom alarmista e vincula as ameaças do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, de anexação do território de Essequibo, na Guiana, à iniciativa norte-americana, levantando a hipótese de que o projeto põe em risco à soberania do Brasil na Amazônia. No vídeo, o homem afirma que a proposta legislativa quer “transformar a Amazônia num patrimônio mundial”, mas não expõe argumentos para basear sua afirmação.

Os pontos principais do projeto

O texto do PL na íntegra está disponível no site do senador Tim Kaine. A cooperação com o Brasil seria feita a partir de troca de informações, fornecimento de recursos, treinamento de forças de segurança brasileiras e apoio de inteligência na identificação e desarticulação de organizações criminosas. Para esse eixo, o PL prevê investimento dos EUA de 10 milhões de dólares por ano, entre 2024 e 2027.

O PL prevê ainda que uma equipe do governo norte-americano seja destacada para o Brasil para identificar oportunidades de negócios para empresas americanas na Amazônia e que sejam produzidos relatórios sobre a participação da China na facilitação da extração ilícita de recursos e na degradação ambiental na região. Em outra frente, o texto propõe que membros dos EUA em bancos internacionais de financiamento façam pressão para barrar empréstimos ou programas que, na avaliação de agências federais americanas, acarretem danos ambientais na Amazônia.

Lula: ‘Brasil não quer abrir mão da soberania nacional na Amazônia’

Ao Comprova, o Itamaraty disse que acompanha a tramitação do projeto no Congresso americano. Questionado sobre possíveis riscos que o PL possa trazer à soberania brasileira na Amazônia, o órgão disse que o Brasil não se pronuncia sobre o processo legislativo de outros países.

Lula fez comentários à imprensa internacional sobre a Amazônia ao sair de encontro com o presidente norte-americano, Joe Biden, na Casa Branca, em fevereiro deste ano. O petista afirmou que o Brasil tem soberania sobre o território da Amazônia e não quer abrir mão disso. O encontro entre os dois líderes discutiu a entrada dos EUA no Fundo da Amazônia.

“O Brasil não quer transformar a Amazônia num santuário da humanidade, mas também o Brasil não quer abrir mão de que a Amazônia é um território do qual o Brasil é soberano. O que nós queremos, na verdade, é compartilhar com a ciência do mundo inteiro um estudo profundo sobre a necessidade da manutenção da Amazônia, mas extrair da riqueza da biodiversidade da Amazônia algo que possa significar a melhoria da qualidade de vida das pessoas que moram lá, que são mais de 25 milhões e, fazendo isso, a gente vai estar garantindo que haja uma maior seguridade com relação ao planeta”, declarou Lula à imprensa.

Brasil tem meios de se opor a termos do projeto

Consultado pelo Comprova, o advogado Belisário dos Santos Júnior, membro da Comissão Internacional de Juristas, com sede em Genebra, e da Comissão Arns de Direitos Humanos, diz que o projeto apresentado no Senado americano é “ousado”, no sentido de que ele insinua uma coparticipação dos EUA em assuntos que são da alçada do governo brasileiro. No entanto, afirma que, caso o PL se torne lei, o Brasil tem meios de se opor a ele.

Segundo Belisário Júnior, é um exagero afirmar que os termos do PL significam uma tentativa de internacionalização da Amazônia, já que não há uma proposta para que se definam áreas do território livres da soberania de qualquer nação. No entanto, há itens que podem atentar contra a soberania nacional e significar uma intervenção indesejada, notadamente a exploração de recursos naturais e da biodiversidade locais por empresas norte-americanas; a intenção de que os EUA decidam o que pode ser considerado um investimento indesejado ou não na região; e os relatórios sobre a participação da China em atividades que, na avaliação dos EUA, degradam o meio ambiente local.

“A colaboração internacional para combater o crime organizado na Amazônia é bem-vinda e é algo realmente necessário. Mas a que preço? A co-decisão dos EUA em questões sobre quais investimentos podem ser vetados de acordo com o que os EUA considerarem indesejado para a região, por exemplo, é algo ruim. Quem tem que decidir isso é o governo brasileiro”, defende o advogado.

Sobre os relatórios produzidos por órgãos americanos sobre a participação da China em atividades que degradam a Amazônia, Belisário afirma que a ação, caso implementada, pode gerar um conflito diplomático entre os países:

“O PL não fala em investigar a participação da China nessas atividades, mas em relatórios que descrevam de que forma a China atua nelas. Isso ficaria a critério dos EUA e, quando se fala em inteligência, é difícil dizer o que é verdadeiro e o que é falso. Veja o episódio das armas de destruição em massa em posse do Iraque que os EUA usaram como pretexto para invadir o país e que, no fim das contas, foram informações não confirmadas. A China é o maior parceiro comercial do Brasil e uma ação desse tipo poderia gerar um grande conflito diplomático.”

No entanto, Belisário Júnior afirma que o Brasil tem meios de se opor a essas ações caso elas venham a ser implementadas numa suposta conversão do PL em lei.

“A instalação de empresas americanas na Amazônia para explorar riquezas da região é algo que precisa da autorização do Brasil, por parte de ministérios e órgãos ambientais. A atuação de equipes dos EUA na região para identificar essas oportunidades de negócios ou produzir relatórios sobre a participação da China na região pode ensejar a retirada do status diplomáticos dos agentes envolvidos nessas ações. Já no caso da pressão em bancos internacionais para barrar investimentos que julgarem inadequados na Amazônia, a diplomacia brasileira pode considerar como atitude hostil e tomar medidas cabíveis”, diz.

PL é norma interna e não se aplica no plano internacional

Professor de Direito Internacional da UFF, Nilton Cesar Flores destaca que o projeto é uma proposta legislativa interna dos EUA, sem efeito prático no plano internacional. Na avaliação dele, o texto propõe uma colaboração entre os EUA e Brasil em esforços para proteger o território de ações criminosas. No entanto, destaca o professor, o PL pode ser encarado como “uma sinalização de que o mundo não vai admitir um descaso em relação à Amazônia diante do agravamento da crise climática”.

“Os países desenvolvidos como os EUA têm planejamentos de longo prazo que envolvem questões globais e a questão climática, que extrapola fronteiras, é uma delas. No entanto, o PL trata de questões da Amazônia no nível da colaboração, especialmente em relação ao combate a crimes. Isso já acontece no nível, por exemplo, da Interpol. Mas não significa que, caso os EUA identifiquem criminosos agindo na região, o FBI possa vir aqui e prender essas pessoas. Isso seria uma violação. Mas os EUA podem informar as autoridades brasileiras para que tomem providências”, destaca Nilton Cesar Flores.

Segundo o professor, o direito à soberania territorial e à autodeterminação dos povos são preceitos assegurados na Constituição Federal do Brasil (Artigo 4º) e na Carta da ONU (Artigo 55).

“Ao mesmo tempo, o artigo 4º da Constituição Federal também fala da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, o que se aplica à questão climática. Mas essa cooperação não contempla uma subserviência cooperativa, ou seja, a cooperação não se sobrepõe ao princípio da soberania de uma nação”, afirma Nilton Flores.

Celso Amorim representou o Brasil em reunião entre Venezuela e Guiana

No vídeo analisado pelo Comprova, o narrador afirma que o presidente Lula irá enviar Celso Amorim, assessor especial para assuntos internacionais, para “resolver a dificuldade que o Nicolas Maduro está trazendo para a América do Sul”. O homem se refere à disputa territorial que envolve a região do Essequibo, na Guiana. Entre os dias 11 e 14 de dezembro, diversos veículos jornalísticos noticiaram o fato de Amorim ser enviado para representar o país em uma reunião entre Venezuela e Guiana. O assunto foi manchete em jornais como Poder 360, Valor Econômico, Estadão e Gazeta do Povo.

O encontro entre Venezuela e Guiana aconteceu em 14 de dezembro, em São Vicente e Granadinas, no Caribe, e contou com a participação de representantes do Mercado Comum e Comunidade do Caribe (Caricom), do Brasil, das Nações Unidas e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Celso Amorim esteve presente para representar Lula e mediar a conversa entre Nicolás Maduro e Irfaan Ali.

Não há menção de que o encontro entre as duas nações tenha discutido o PL que tramita no Senado americano, proposto pelos congressistas Tim Kaine (Democrata), Marco Rubio (Republicano) e Jeff Merkley (Democrata). O tema tratado foi a disputa pelo território de Essequibo, rico em petróleo e minerais, em razão de uma possível escalada de conflito armado entre os países.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova buscou contato com o autor do vídeo através de mensagem direta via TikTok, mas não obteve resposta até a publicação desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: Políticas relacionadas ao território amazônico são frequentemente alvos de desinformação. Geralmente, são compartilhadas mensagens em tom alarmista, como o mote utilizado no caso desta verificação a respeito da “internacionalização” do bioma. O vídeo analisado utiliza um fato verdadeiro, a proposição do PL no Senado americano, mas impulsiona um cenário de pânico e histeria ao afirmar que o Brasil pode perder a soberania sobre o território. Além disso, o autor do vídeo não indica fontes de informação e mistura diferentes contextos num mesmo conteúdo, da PL nos EUA até as ações de Nicolás Maduro. Nestes casos, é importante buscar matérias contextualizadas sobre o tema na imprensa e desconfiar de afirmações muito generalistas.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O território amazônico, além de ações e políticas relacionadas ao bioma, são frequentemente alvos de desinformação. Em verificações anteriores, o Comprova já explicou como funciona o Fundo Amazônia. Também já mostrou que há uma queda no número de desmatamentos na Amazônia, mas um crescimento na ocorrência de queimadas.

Política

Investigado por: 2023-12-15

Mesmo se partido de Bolsonaro chegar à presidência da Câmara, ele não mandará no Brasil, ao contrário do que diz post

  • Falso
Falso
Não é verdade que Jair Bolsonaro vai mandar no Brasil caso o PL, seu partido, vença a eleição para presidente da Câmara dos Deputados em 2025, como afirma post viral. De acordo com o desinformador, o ex-presidente, mesmo que não eleito, daria as ordens com a legenda na liderança da Câmara. A presidência da Câmara é, de fato, um cargo poderoso, mas “mandar no Brasil” é um exagero retórico. A fala é, também, uma mera especulação sobre uma eleição marcada para o início de 2025, cujo desfecho é totalmente incerto. O post também mente ao sugerir que Bolsonaro não está mais inelegível. Segundo decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele não pode se eleger por oito anos a partir do pleito de 2022.

Conteúdo investigado: Em um vídeo que circula nas redes sociais, um homem comenta uma notícia sobre o fato de o Partido Liberal (PL) ter manifestado a intenção de concorrer à presidência da Câmara dos Deputados e conclui que Jair Bolsonaro não está inelegível e que vai mandar no Brasil caso o partido dele vença a eleição interna da Casa. Uma legenda acrescentada sobre as imagens afirma que “Bolsonaro pode assumir a presidência”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: São falsas as alegações feitas por um homem, em vídeo, de que o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) não estaria mais inelegível e que ele “vai passar a mandar no Brasil”. A fala se baseia em publicação do site O Antagonista que repercute uma reportagem da Folha sobre o PL pretender entrar na disputa à presidência da Câmara dos Deputados, cuja próxima eleição ocorre em fevereiro de 2025.

Segundo o desinformador, com o PL na presidência da Câmara e a direita como maioria no Congresso Nacional, Bolsonaro, presidente de honra do partido e nome que ajudou a eleger diversos deputados, daria as ordens. As afirmações são exageradas e não têm base na realidade atual.

De acordo com a Câmara, seu presidente “tem como principais atribuições a supervisão geral dos trabalhos da instituição e da definição da pauta de votações do Plenário”. Como informa o artigo 80 da Constituição, ele também é o segundo na linha sucessória da Presidência da República, atrás do vice-presidente – ou seja, quando o presidente e o vice se ausentam, é ele quem assume. Trata-se de um cargo poderoso, mas cuja atuação é limitada pelos outros poderes – o Executivo e o Judiciário. Além disso, a eleição citada no conteúdo investigado só vai ocorrer no início de 2025, o que dificulta qualquer tipo de previsão.

O autor do post também desinforma, logo no início do vídeo, ao sugerir que Bolsonaro não está mais inelegível. Duas decisões do TSE – uma em junho e outra em outubro de 2023 – o declararam impossibilitado de concorrer a eleições por oito anos, contados a partir do pleito do ano passado.

A primeira condenação foi por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros em 2022. A segunda foi por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Bicentenário da Independência, realizadas em 7 de setembro também do ano passado.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Além de ter sido compartilhado mais de 13 mil vezes, o post verificado aqui teve 88,4 mil curtidas e 4,6 mil comentários até 15 de dezembro.

Como verificamos: O primeiro passo foi encontrar a publicação do site O Antagonista que aparece no vídeo do post verificado aqui e, em seguida, a reportagem da Folha sobre o PL na disputa à presidência da Câmara.

No site da Câmara, a equipe pesquisou as atribuições do presidente do órgão. A assessoria de imprensa da instituição foi contatada por e-mail para comentar sobre o processo eleitoral da casa. Já no site do TSE, a reportagem leu sobre as condenações contra Bolsonaro.

O Comprova também tentou contato com o autor do vídeo por mensagem privada no TikTok.

Bolsonaro continua inelegível

O ex-presidente acumula duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral que o tornam inelegível por oito anos a contar do pleito de 2022 e a eleição da Câmara dos Deputados, que só ocorrerá em 2025, não é capaz de alterar essa situação.

Em 31 de outubro de 2023, Bolsonaro e Walter Braga Netto (PL), candidatos à presidência e à vice-presidência nas eleições de 2022, respectivamente, foram condenados por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Bicentenário da Independência, realizadas no dia 7 de setembro daquele ano. Com a decisão, foi declarada a inelegibilidade de ambos por oito anos.

Antes, em junho, o TSE condenou Bolsonaro também a oito anos de inelegibilidade por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho de 2022.

A defesa de Bolsonaro recorreu ao TSE da decisão de junho, mas o presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes, rejeitou o pedido no início de dezembro. O recurso era endereçado ao Superior Tribunal Federal (STF), mas cabia ao presidente da Corte eleitoral decidir rejeitar ou remetê-lo à Corte Suprema. A defesa de Bolsonaro informou que pretende pedir ao STF que reavalie a inelegibilidade.

O presidente da Câmara manda no Brasil?

Embora o presidente da Câmara dos Deputados possa ser consultado pela Presidência da República para tomada de decisões, ele não é o responsável por elas. O ocupante do cargo integra, junto a outros membros, o Conselho da República (órgão superior de consulta do presidente da República) e o Conselho de Defesa Nacional (órgão de consulta do presidente da República nos assuntos relacionados à soberania nacional e à defesa do Estado democrático).

Como explicado no site da Câmara dos Deputados, o Ato da Mesa 95/13 define as atribuições do cargo, que englobam a supervisão geral dos trabalhos da instituição e a definição da pauta de votações do Plenário.

O artigo 80 da Constituição Federal permite que o presidente da Câmara chegue à cadeira da Presidência da República, mas em condições específicas e por tempo determinado. De acordo com a legislação, se o presidente da República estiver impedido de permanecer no cargo, o vice-presidente deve substituí-lo, mas caso este também esteja impedido, ou haja vacância dos cargos, o presidente da Câmara dos Deputados é chamado ao exercício da Presidência. Após ele, estão na fila os presidentes do Senado Federal e Supremo Tribunal Federal.

Contudo, a permanência desses últimos três não deve durar todo o mandato eleitoral. Caso fiquem vagos os cargos de presidente e vice-presidente, uma nova eleição precisa ser realizada 90 dias depois de aberta a última vaga. Se essa vacância ocorrer nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição é feita 30 dias depois, de maneira indireta, pelo Congresso Nacional.

O autor do vídeo alega, equivocadamente, que o PL passaria a “presidir o Congresso” caso ganhe a eleição, numa confusão entre Câmara e Congresso. Não existe oficialmente a figura de presidente do Congresso. Em sessões conjuntas da Câmara e do Senado Federal, que formam o Congresso Nacional, o presidente do Senado preside também a mesa da sessão.

Além disso, não é correto afirmar que a direita é maioria na Câmara. Embora o PL tenha a maior bancada da Casa, o maior bloco é formado pelo Centrão, que inclui também partidos de centro e centro-esquerda.

Conforme informou ao Comprova a assessoria de imprensa da Câmara dos Deputados, a norma estabelece que a eleição da próxima mesa diretora ocorra no início de 2025, em data e hora que serão designadas pelo atual presidente, Arthur Lira (PP-AL), reeleito no início deste ano para o biênio 2023-2024.

O que diz o responsável pela publicação: O autor do vídeo foi procurado pela reportagem, mas não respondeu até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum nas redes sociais a circulação de peças desinformativas, propagadas principalmente por apoiadores de Jair Bolsonaro, que questionam a legitimidade do atual governo federal e alegam que o ex-presidente poderá reassumir o cargo a qualquer momento. Afirmações desta natureza devem ser analisadas com cautela porque Bolsonaro foi derrotado nas urnas no pleito de 2022 e não ocupa, atualmente, qualquer cargo na linha de sucessão da Presidência. Informações sobre a condição política dele, como elegibilidade ou inelegibilidade, devem ser confirmadas no noticiário profissional ou junto a outras fontes seguras, como o site do TSE.

Além disso, é importante olharmos para quem produz o conteúdo e questionar se a pessoa que está dizendo aquilo tem alguma autoridade sobre o assunto. Se a resposta for não, a chance de ela ser apenas alguém produzindo sensacionalismo em busca de cliques é alta.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já mostrou anteriormente que um vídeo que circula nas redes sociais engana ao informar que PT ofereceu R$ 50 bilhões para TSE tornar inelegíveis integrantes do PL e ser falso que Bolsonaro assinou um Ato Institucional que decreta novas eleições.