O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Contextualizando

Investigado por: 2023-11-29

Divulgação de salários por empresas visa igualdade de gênero e não prevê exposição de dados pessoais

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Contextualizando
Decreto do governo federal que regulamenta Lei da Igualdade Salarial estabelece que empresas com mais de 100 empregados deverão divulgar relatórios constando o cargo de seus trabalhadores e trabalhadoras e os valores de suas remunerações. A intenção é verificar se a legislação está sendo cumprida. Caso constatada desigualdade salarial entre homens e mulheres, a empresa será notificada e terá que elaborar um plano para mitigação do problema.

Conteúdo investigado: Publicações afirmam: “de acordo com um decreto do Governo Federal, as empresas estão agora obrigadas a divulgar os salários de seus colaboradores”. Nas postagens, não fica claro se os nomes das pessoas também serão divulgados junto com os valores nem qual é o motivo da política governamental.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e Telegram.

Contextualizando: A partir de 2024, empresas com mais de 100 empregados terão que divulgar o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, que deverá conter cargo ou ocupação das trabalhadoras e dos trabalhadores e os valores de todas as remunerações. A publicação deve trazer as informações com os dados pessoais anonimizados, ou seja, sem identificação.

A medida está prevista no Decreto nº 11.795, publicado no Diário Oficial da União (DOU) do dia 23 de novembro, regulamentando a Lei nº 14.611, de julho deste ano. A lei estabeleceu a obrigatoriedade de igualdade salarial entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função, enquanto o decreto trata dos mecanismos a serem utilizados para garantir e fiscalizar isso.

Os relatórios deverão ser divulgados a cada seis meses, sempre nos meses de março e setembro, e devem conter os valores relativos ao salário contratual; 13° salário; gratificações; comissões; horas extras; adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, entre outros; terço de férias; aviso prévio trabalhado; descanso semanal remunerado; gorjetas; e outras remunerações previstas em norma coletiva de trabalho.

Outras informações que deverão constar nos relatórios ainda serão estabelecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), bem como o formato e procedimento de envio, que deverá ser por meio de ferramenta informatizada. Além do envio ao MTE, os relatórios deverão ser disponibilizados ao público na internet.

Caso seja constatado que há desigualdade salarial entre homens e mulheres, funcionários da mesma empresa, ela será notificada pelo MTE e a empresa terá 90 dias para elaborar um Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Homens e Mulheres. Estes planos deverão conter as medidas a serem adotadas, bem como a implementação de ações de promoção da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Sem o contexto, o usuário que se depara com a publicação não tem como compreender do que se trata o decreto em questão e por qual motivo as empresas são obrigadas a divulgar os salários dos colaboradores. A afirmação isolada pode até gerar interpretações equivocadas sobre vazamento de dados pessoais e invasão de privacidade.

O que diz o responsável pela publicação: Foi enviada mensagem direta para o autor da publicação via X . O perfil em questão enviou como resposta links de matérias que anunciam o decreto publicado pelo governo federal. A página, que se classifica como portal de “notícias, comédia, paródia, ironia e sátira”, já compartilhou outros conteúdos alvos de investigação do Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: Usuários das redes sociais devem estar atentos a informações incompletas que circulam online. No caso da publicação em questão, não havia contexto suficiente para entender do que se tratava o decreto, o que dá margem para interpretações equivocadas, como por exemplo, a compreensão errônea de que os dados pessoais dos trabalhadores e trabalhadoras seriam expostos, sem respeito à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Alcance da publicação: No X, a publicação teve 26,8 mil visualizações, 23 comentários, 37 republicações e 329 curtidas até 29 de novembro. No Telegram, foram 8,3 mil visualizações até a mesma data.

Como verificamos: No Google, fizemos uma busca pela frase: “empresas estão agora obrigadas a divulgar os salários de seus colaboradores”. Como resultado da pesquisa, apareceu uma matéria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), portal de notícias governamental, anunciando a publicação do decreto que regulamenta a lei da igualdade salarial. A partir disso, analisamos as informações incluídas no Decreto nº 11.795 e na Lei nº 14.611, sancionada em julho deste ano.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já realizou outras checagens sobre o tema de regulamentação de empresas privadas. Em junho deste ano, mostramos que tarifação em Pix para empresas é facultativa e existe desde 2020. Anteriormente, também mostramos que é falso que PT tenha projeto de expropriar empresas privadas.

Política

Investigado por: 2023-11-28

Projetos preveem taxa para plataformas de streaming, não para influenciadores

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Enganoso
São enganosas as publicações que alegam que o governo federal irá taxar influenciadores digitais em 4% do faturamento bruto, por meio do PL 8889/2017. Na realidade, projetos que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado preveem a cobrança da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) para as plataformas de streaming que atuam no Brasil.

Conteúdo investigado: Uma sequência de postagens diz que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) irá taxar influenciadores digitais em 4% do faturamento bruto, por meio do Projeto de Lei 8889/2017, de autoria do Paulo Teixeira. De acordo com as postagens, o PL “expande o pagamento de uma taxa chamada de Codecine [sic], de 4%, para plataformas online. Como Youtube, Twitch e, em tese, até Onlyfans também”. O autor do conteúdo ainda diz que o PL estaria “para votação em plenário em regime de urgência”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e Telegram.

Conclusão do Comprova: São enganosas publicações que alegam que o governo federal irá taxar influenciadores digitais em 4% do faturamento bruto. Na realidade, dois PLs, um que tramita no Senado e outro na Câmara dos Deputados, versam sobre a criação de impostos e de uma cota para obras nacionais nos serviços de streaming. Nenhum dos dois projetos prevê a taxação direta dos criadores de conteúdo. Ambos partiram do Legislativo, e não do governo Lula, como alegam as publicações.

Segundo especialista ouvido pelo Comprova, o advogado Rodrygo Gomes, ainda que os projetos prevejam taxas apenas para as empresas, caso eles sejam aprovados e se tornem lei, é provável que haja consequências tanto para criadores de conteúdo quanto para o consumidor final, ao passo que as taxas costumam ser incorporadas aos valores dos serviços.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: Entre duas publicações sobre o tema observadas no X, havia mais de 3 milhões de visualizações, 1 mil comentários, 6,4 mil republicações e 39 mil curtidas, até o dia 28 de novembro. No Telegram, foram 11 mil visualizações até a mesma data.

Como verificamos: O Comprova procurou, nos sites da Câmara dos Deputados e do Senado, os dois PLs que tratam da tributação de plataformas de streaming. Posteriormente, após analisar os textos, entrou em contato com um advogado especialista em direito tributário e com a Secretaria de Comunicação Social do governo federal.

Projetos de lei em tramitação

Dois projetos de lei em tramitação propõem a criação de cotas de conteúdo nacional em serviços de streaming, como Netflix, Hulu, Vimeo e Now. Além disso, as propostas preveem que as plataformas de conteúdo audiovisual por demanda devem pagar uma porcentagem referente à Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). A regulação também valerá para plataformas como YouTube e TikTok. Existe o PL 8889/2017, que tramita na Câmara dos Deputados, e o PL 2.331/2022, que aguarda o recebimento de emendas no Senado Federal.

Ambos os projetos têm propostas semelhantes. No dia 22 de novembro deste ano, o PL 2.331/2022 foi aprovado em primeira votação pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, por 24 votos favoráveis e nenhum contrário. A matéria, de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), tramita em caráter terminativo, o que significa que não terá que passar pelo Plenário. Entretanto, o PL deverá ser votado novamente pela CAE antes de seguir para análise da Câmara. Ainda não há data definida para a nova apreciação.

Enquanto isso, o PL 8889/2017, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que atualmente exerce o cargo de ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, está pronto para ser votado no Plenário e tramita em regime de urgência, após requerimento do relator designado, André Figueiredo (PDT-CE). O processo de tramitação detalhado está disponível no site da Câmara dos Deputados.

Cota para conteúdo nacional

O PL 8889/2017, que tramita na Câmara dos Deputados, propõe que de 2% a 20% do catálogo de filmes e séries das plataformas de streaming seja composto por obras brasileiras. Além disso, a matéria prevê que 50% desta cota brasileira contemple produções independentes. A porcentagem exata será estabelecida a partir da receita bruta da empresa, de acordo com a seguinte classificação:

  • Cota mínima de 2% para as empresas com receita bruta anual de até R$ 3,6 milhões;
  • Cota máxima de 20% para as empresas com receita bruta anual acima de R$ 70 milhões.

Segundo o texto, os títulos brasileiros a serem incluídos nas plataformas serão determinados pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), “considerando a capacidade econômica de cada provedora, sua atuação no mercado brasileiro e a produção total de títulos brasileiros nos cinco anos precedentes”. A proposta ainda destaca que as microempresas e as empresas de pequeno porte, optantes pelo Simples Nacional, estão isentas de cumprir a obrigação de cota para produções audiovisuais brasileiras.

Já o PL 2.331/2022, aprovado em primeira votação pela CAE, indica que as empresas de streaming terão que oferecer de forma permanente quantidades mínimas de produções brasileiras, de acordo com o número de produtos disponíveis no catálogo.

  • Pelo menos 100 conteúdos nacionais para streamings com 2 mil produtos no catálogo;
  • Pelo menos 300 conteúdos nacionais para streamings com 7 mil produtos.

O cumprimento das cotas, segundo o PL que está no Senado, será fiscalizado pela Ancine. As empresas provedoras de vídeo sob demanda terão que se credenciar na agência até 180 dias após o início da oferta do serviço no Brasil. Outros detalhes da proposta foram esclarecidos pela Agência Senado.

Pagamento da Condecine

Ambos os projetos de lei estabelecem que as empresas de streaming devem contribuir de maneira progressiva para a Condecine. Criada em 2001, trata-se de uma taxa instituída pela Medida Provisória 2.228-1, que tem sua arrecadação revertida para o fomento do setor, através do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

O PL 2.331/2022 prevê a cobrança anual da tarifa, com alíquota máxima de 3% da receita bruta dos provedores de audiovisual sob demanda. De acordo com o texto aprovado pela CAE, o valor será reduzido para a empresa sempre que ela tiver pelo menos metade do catálogo composto por produções nacionais. As cobranças previstas no projeto acontecerão de acordo com o faturamento da empresa.

  • 3,0% sobre a receita bruta anual – faturamento acima de R$ 96 milhões;
  • 1,5% sobre a receita bruta anual – faturamento entre R$ 4,8 milhões e R$ 96 milhões;
  • 0,0% sobre a receita bruta anual – faturamento abaixo de R$ 4,8 milhões.

Já o PL 8889/2017 isenta os provedores com receita bruta anual de até R$ 3,6 milhões do pagamento da taxa, e cobrança progressiva com limite de 4% para aquelas com receita acima de R$ 70 milhões. A matéria destaca ainda que 30% do quantitativo recolhido será destinado para “produtoras brasileiras estabelecidas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, conforme critérios e condições estabelecidos pela Ancine”.

Como ambos os projetos trazem propostas semelhantes, a tendência é que — se aprovados — eles sejam unificados e, com isso, os parlamentares vão definir o valor final da alíquota.

Como isso afeta o público e os criadores de conteúdo

“Com a aprovação da incidência da Condecine aos serviços de streaming, a consequência lógica será o aumento do valor dos serviços cobrados dos assinantes, ao passo que certamente estes valores serão incorporados ao preço dos serviços, repassado ao consumidor final”, avalia o advogado Rodrygo Gomes, coordenador e responsável pela área tributária do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.

De acordo com o especialista, partindo desta mesma lógica, também pode acontecer que os criadores de conteúdo vejam uma diminuição dos valores por eles recebidos, por mais que nos PLs não conste nenhuma referência a sistemas de publicidades das plataformas, que monetizam o conteúdo criado e disponibilizado. “Ao passo que as empresas de streaming passariam a se sujeitar à tributação pela Condecine, diminuindo o seu faturamento, certamente poderão compartilhar este ônus com os criadores de conteúdo por meio de alguma diminuição dos valores monetizados e repassados”, analisa Gomes.

Ainda assim, o advogado destaca que nenhum dos PLs versa expressamente sobre a tributação em face ao conteúdo criado por influenciadores digitais, e sim sobre as plataformas de streaming que disponibilizam os conteúdos criados.

Governo federal nega taxação sobre influenciadores

Em nota, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal se manifestou sobre o PL 8889/2017, em tramitação na Câmara dos Deputados, com o objetivo de esclarecer o que se tornou polêmica nas redes sociais.

De acordo com a Secom, “a proposta legislativa citada não é de autoria do Poder Executivo e nem trata sobre influenciadores digitais. Diferentemente do que as peças de desinformação alegam, a incidência desse tributo se dará sobre o faturamento das empresas das plataformas. O texto não faz menção aos seus usuários, nem na condição de audiência e nem como produtores de conteúdo. A proposta prevê a contribuição progressiva das empresas de streaming e plataformas de conteúdo para a Condecine”.

Ainda segundo a nota, a intenção da cobrança é valorizar a indústria audiovisual nacional, incrementando o fomento do audiovisual brasileiro.

A Secom ainda reforça que outros países já possuem regulação similar sobre as plataformas de conteúdo e streaming. “A França, por exemplo, tem um tributo similar de mais de 5% do faturamento, sem abatimentos. Adicionalmente, há ainda a exigência de que as empresas invistam o equivalente a 20% do faturamento em produções locais. No final, mais de 25% do faturamento das plataformas irrigam a indústria francesa do audiovisual. Outros exemplos, são: Itália (20%), Dinamarca (6%), Espanha e Portugal (5%), entre outros”, afirma a nota.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou entrar em contato com o autor do conteúdo original via mensagem no Instagram, mas não obteve resposta.

O que podemos aprender com esta verificação: A publicação leva a crer que a taxação será feita diretamente sobre o valor que os influenciadores recebem, o que não é verdade. Uma informação falsa foi criada a partir de um contexto verdadeiro, que no caso se trata da tramitação de PLs para implementação de alíquotas sobre plataformas de streaming. Os projetos de lei existem, mas não preveem taxas para os criadores de conteúdo. É comum que peças de desinformação se utilizem de tons alarmistas para causar pânico, principalmente quando o assunto envolve a cobrança de impostos.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Temas como os da área tributária seguidamente abrem margem para publicações enganosas ou falsas. O Comprova já checou que o governo federal não decretou fim da Zona Franca de Manaus; que Lula não criou taxas sobre compras em sites internacionais; e que nota fiscal com imposto de R$ 31,45 sobre produto de R$ 3,15 é verídica.

Política

Investigado por: 2023-11-24

Post com vídeo antigo engana ao sugerir que Barroso oferecia risco a voo

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a publicação que alega que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, foi impedido de embarcar em um avião da companhia aérea Gol por representar risco ao voo. Barroso não oferecia riscos ao voo – na realidade, o ministro foi retirado da aeronave para que sua segurança fosse preservada, diante do comportamento hostil de alguns passageiros. Além disso, as publicações omitem a data do ocorrido, dando margem à interpretação de que se trata de um caso recente, quando, na realidade, ocorreu em 2 de janeiro de 2023.

Conteúdo investigado: Vídeo publicado nas redes sociais mostra o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, sendo hostilizado por um grupo de pessoas, enquanto é atendido no guichê de um aeroporto. O grupo xinga, vaia e pede a saída do ministro do vôo. A publicação alega ainda, na sua legenda, que o ministro foi proibido de embarcar no avião por representar risco ao voo.

Onde foi publicado: Twitter e TikTok.

Conclusão do Comprova: É enganosa a postagem que afirma que o ministro do STF Luís Roberto Barroso teria sido retirado de uma aeronave “por representar risco ao voo”. O vídeo investigado mostra a ocasião em que Barroso foi hostilizado por passageiros no aeroporto de Miami, nos Estados Unidos, quando tentava embarcar num voo da Gol para Brasília em 2 de janeiro de 2023. Segundo nota da companhia aérea enviada à CNN e ao Comprova, o ministro não embarcou para que sua segurança fosse preservada, e não porque ele oferecia risco ao voo ou aos demais passageiros.

As postagens no Twitter e TikTok mostram as agressões verbais dos passageiros direcionadas ao ministro, que estava em frente ao guichê da companhia aérea em Miami. Contudo, ao omitirem a informação de que o caso aconteceu em 2 de janeiro de 2023, fazem parecer que o caso é recente, o que pode gerar confusão.

O caso foi amplamente noticiado na imprensa à época. Em resposta, o ministro se pronunciou por nota: “É uma mistura de ódio, ignorância, espírito antidemocrático e falta de educação. O Brasil adoeceu. Espero que consigamos curá-lo e que uma luz espiritual ilumine essas pessoas”, pontuou Barroso.

Aquela não foi a primeira vez que um ministro da Corte foi alvo de hostilidades em locais públicos desde as eleições de 2022. Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski também já foram alvo de ofensas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Twitter, o vídeo investigado teve 345,6 mil visualizações, 12 mil curtidas, 1.641 retweets e 533 comentários até às 10h30 do dia 24 de novembro. No TikTok, foram registradas 366 visualizações e 26 curtidas, além de um comentário e 15 compartilhamentos no mesmo período.

Como verificamos: A equipe do Comprova analisou o vídeo e considerou elementos presentes nas imagens. Constatou tratar-se de um aeroporto devido ao símbolo da companhia aérea Gol presente em uma das TVs que aparecem nas imagens. Depois percebeu que se tratava do Aeroporto de Miami, ao constatar que há um símbolo, entre as TVs, com a inscrição “MIA” (Miami International Airport). A partir daí foram feitas buscas no Google com os termos “Barroso”, “Hostilizado”, “Aeroporto”, “Miami”. O buscador retornou diversas notícias de grandes veículos de comunicação brasileiros sobre o caso, confirmando tratar-se de episódio ocorrido no início deste ano, nos Estados Unidos.

O Comprova também fez contato com o STF e com a Gol questionando se o ministro de fato embarcou no voo que saía de Miami.

Caso ocorreu em janeiro de 2023

O vídeo envolvendo hostilidades ao ministro Barroso é real, mas ocorreu ainda no início deste ano, em 2 de janeiro de 2023, no Aeroporto de Miami, nos Estados Unidos. Barroso foi hostilizado enquanto passava pelo guichê no aeroporto. O ministro não reagiu às provocações, conforme as imagens mostram.

É possível confirmar que se trata do aeroporto de Miami, ao observar o logotipo ao fundo dos funcionários (MIA), que faz referência ao aeroporto daquela cidade americana.

Após o ocorrido, Barroso chegou a se manifestar, lamentando o caso. “É uma mistura de ódio, ignorância, espírito antidemocrático e falta de educação. O Brasil adoeceu. Espero que consigamos curá-lo e que uma luz espiritual ilumine essas pessoas”, pontuou o ministro, à época.

À Veja, dias depois do ocorrido, em 7 de janeiro, Barroso também comentou o episódio. “O que mais me impressionou durante o episódio de selvageria no aeroporto de Miami foi a absoluta convicção com que algumas pessoas acreditam nas mentiras que lhes são passadas. A principal delas foi a de que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o STF fraudaram as eleições para impedir a reeleição do então presidente (Jair Bolsonaro). A confusão começou quando uma senhora, aos berros e em prantos, manifestou essa crença. Por não aceitarem a derrota, alguns cultivam uma notícia falsa”, disse.

Barroso embarcou?

Em nota enviada ao Comprova, a GOL informou que “realizou normalmente o atendimento aos clientes do voo G3 7749, entre Miami (MIA) e Brasília (BSB), na noite de segunda-feira (02/01), porém autoridades policiais locais preferiram retirar o ministro da aeronave, preservando sua segurança”. A mesma nota foi enviada à CNN Brasil, que noticiou o ocorrido no início deste ano.

A reportagem entrou em contato com o STF, via assessoria de imprensa, para esclarecer o caso. Sobre o ocorrido, a Corte informou que “o vídeo não é atual”.

Ministro da Justiça, Flávio Dino, se manifestou

Depois do episódio, o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse nas redes sociais, que enviaria um ofício à presidente do STF, Rosa Weber, colocando a PF (Polícia Federal) à disposição para investigar os episódios de agressão e ameaças aos ministros. “São extremistas antidemocráticos, que perseguem magistrados nas ruas, aeroportos, restaurantes etc.”, escreveu Dino.

Ministros do STF são alvos frequentes de hostilidades

O episódio registrado no vídeo verificado não foi o primeiro caso de hostilidades sofridas por ministros do STF durante e após as eleições de 2022. O próprio Barroso, em novembro daquele ano, foi assediado por uma brasileira enquanto caminhava pela Times Square, conhecido ponto turístico de Nova York, nos Estados Unidos. Ele estava na cidade para a Lide Brazil Conference, com outros cinco ministros do STF, quando foi abordado. “Cuidado, ein. O povo brasileiro é maior que a Suprema Corte”, disse a mulher, que filmava a interação.

Foi nessa mesma viagem que um brasileiro o questionou se ele iria “abrir o código fonte” das urnas eletrônicas e “responder às Forças Armadas”. Ao que Barroso respondeu: “Perdeu, mané, não amola”. A frase virou meme, mas o ministro disse, posteriormente, que lamenta mas não se arrepende da atitude.

Em março de 2023, o alvo das hostilidades foi o ministro Ricardo Lewandowski. Ele foi xingado por uma passageira no desembarque de um voo da Latam que ia de São Paulo para Brasília. A mulher teria gritado que o ministro iria “para o inferno”.

Já em julho do mesmo ano, Alexandre de Moraes foi abordado por um grupo de brasileiros no Aeroporto Internacional de Roma. Imagens de videomonitoramento mostram que um deles teria agredido o filho do ministro.

O que diz o responsável pela publicação: O perfil responsável pela publicação foi procurado pelo Comprova, mas não se manifestou até a publicação desta checagem. Apesar de se identificar como um perfil de humor e sátira, muitos dos conteúdos postados são tomados como verdadeiros pelos leitores ou nem sequer podem ser considerados satíricos, a exemplo da postagem abordada nesta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que agentes de desinformação usem acontecimentos reais, mas distorçam os fatos na tentativa de tornar o material mais crível. Neste caso, a publicação mostra o ministro do STF sendo hostilizado em um aeroporto, o que ocorreu de fato, mas alega que Barroso foi impedido de entrar na aeronave por gerar insegurança ao voo, dando a entender que o ministro era o causador da insegurança. Além disso, a postagem não cita a data do ocorrido, deixando o corte temporal em aberto para diferentes interpretações. O leitor deve questionar quando o vídeo foi feito e entender se o mesmo não foi tirado de contexto.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Temas envolvendo ministros do STF são frequentemente alvo de agentes de desinformação. O Comprova já checou e concluiu que vídeo engana ao sugerir que Alexandre de Moraes admitiu fraude nas eleições; desmentiu que o ministro Barroso tenha prometido atuar contra a reeleição de Bolsonaro; e mostrou que um vídeo de 2021 foi editado para afirmar que Barroso era contra o PT.

 

Política

Investigado por: 2023-11-23

É falsa postagem que mostra Javier Milei chamando Lula de ladrão após eleição na Argentina

  • Falso
Falso
É falso que Javier Milei, presidente eleito da Argentina, tenha escrito "Lula Ladrón, tu lugar está en la prisión" em resposta a uma postagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) feita em 19 de novembro deste ano sobre o resultado do pleito no país vizinho. O argentino já chamou o brasileiro de ladrão em outra ocasião, mas, neste post de Lula, ele não escreveu nada.

Conteúdo investigado: Postagens nas redes sociais reproduzem uma captura de tela de post de Lula sobre o resultado da eleição na Argentina, com a seguinte resposta de Javier Milei, presidente eleito do país vizinho: “Lula ladrón, tu lugar está en la prisión”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e Instagram.

Conclusão do Comprova: Trata-se de uma montagem a imagem que mostra uma suposta interação online entre o presidente brasileiro Lula (PT) e Javier Milei, recém-eleito na Argentina. Lula realmente postou a mensagem apresentada no post falso em seu perfil no X, logo após a vitória de Milei nas eleições presidenciais argentinas, no dia 19 de novembro. Entretanto, não houve resposta alguma do argentino.

Ao observar a imagem, podemos perceber que não há respostas, republicações, curtidas ou visualizações na suposta resposta de Milei. Essa é a primeira indicação que se trata de uma montagem, pois seria muito difícil que uma postagem de alguém com tanto alcance quanto o presidente eleito não recebesse curtidas e fosse compartilhada rapidamente.

Além disso, se atentarmos para a parte da imagem em que consta a “resposta” de Javier Milei, percebemos que há outro texto por baixo. Isso pode ser verificado pelos pontos brancos sobre “está en la prisión”.

O Comprova também verificou a publicação original do presidente Lula e constatou que não houve resposta por parte de Milei, seja a frase da montagem ou qualquer outra.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Milei já chamou Lula de ladrão, mas em outra ocasião

Javier Milei se opõe abertamente à política de Lula, tendo apoiado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante as eleições presidenciais de 2022, com quem está mais alinhado politicamente. Descrito por especialistas como de “extrema-direita”, Milei derrotou Sergio Massa — que era apoiado por Lula — no segundo turno das eleições presidenciais na Argentina.

Em janeiro deste ano, em um post no X, Milei afirmou que Lula faz parte de uma “casta de políticos ladrões” e que seria um arquiteto do Foro de São Paulo, que equiparou a uma “União Soviética Latino Americana”.

Mas essa não foi a primeira vez que o argentino atacou Lula. Em outubro de 2022, Milei gravou um vídeo ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), no qual pedia votos para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Neste vídeo, chama Lula de “presidiário comunista”.

Nesta terça-feira (21), Lula declarou, durante cerimônia de formatura de novos diplomatas, que presidentes de países não precisam ser amigos e que é preciso saber lidar com adversidades. Segundo ele, é preciso capacidade de negociar, convencer e ceder nas relações internacionais. Assim, afirmou o presidente, é possível conciliar interesses e fechar acordos.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, até o dia 23 de novembro, a publicação teve mais de 210 mil visualizações, 250 respostas, 2 mil republicações e 10 mil curtidas. No Instagram, foram 382 curtidas.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou entrar em contato com o homem que publicou a imagem no X, mas seu perfil não aceita mensagens. Também tentamos entrar em contato com quem fez a publicação no Instagram, mas o perfil não aceita receber mensagens.

O que podemos aprender com esta verificação: Ao ver um compartilhamento de “captura de tela” ao invés da publicação original, temos que ficar atentos para ver se não se trata de uma imagem adulterada. Montagens são usadas com frequência por desinformadores. Preste atenção nos detalhes da imagem, em busca de sinais que mostrem adulteração e procure a postagem original no perfil que a haveria postado.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema:

O Estadão Verifica também fez uma checagem sobre esta montagem.

Temas relativos à relação entre Brasil e Argentina são frequentemente alvo de agentes de desinformação. O Comprova já checou e concluiu que é enganoso que o Brasil fará empréstimo à Argentina enquanto Lula bloqueia recursos da saúde e educação e que o Brasil não enviou US$ 600 milhões para agronegócio da Argentina.

Eleições

Investigado por: 2023-11-23

Vídeo engana ao sugerir que Alexandre de Moraes admitiu fraude nas eleições; sessão julgava cota de gênero

  • Enganoso
Enganoso
Trechos de um diálogo entre ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante sessão na Corte são usados de forma enganosa para sugerir que Alexandre de Moraes, presidente da corte e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), admitiu fraude nas eleições. Na sessão, Moraes e o ministro Raul Araújo Filho debatiam uma ação de fraude à cota de gênero, na eleição de 2020, informação omitida nas peças de desinformação.

Conteúdo investigado: Vídeo com trecho de diálogo entre os ministros do Tribunal Superior Eleitoral Alexandre de Moraes e Raul Araújo Filho, durante um julgamento na Corte. O conteúdo traz uma frase em que Moraes cita entender “que houve fraude”. Neste momento, uma locução sobrepõe a fala de Moraes: “ele assume que teve fraude”. O vídeo contém ainda as seguintes frases: “Olha aí a casa ‘caído’. Julgamento no caso das eleições”, dando a entender que Alexandre de Moraes estivesse fazendo alusão a uma suposta fraude nas urnas eletrônicas.

Onde foi publicado: Telegram e Kwai.

Conclusão do Comprova: Vídeos que circulam nas redes sociais enganam ao afirmar que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, admitiu fraude nas urnas eletrônicas ou no processo eleitoral brasileiro. Para fazer tal associação, as postagens usam trechos de um diálogo entre Moraes e o também ministro do TSE Raul Araújo Filho durante julgamento na Corte, no dia 23 de maio de 2023. No conteúdo usado na peça de desinformação, Moraes afirma “eu entendo que houve fraude”. Apesar de não mencionar a qual pleito o ministro se referia, alguns internautas interpretaram como se a frase fosse relativa às eleições presidenciais de 2022, como mostram os comentários (1, 2, 3 e 4).

A sessão, no entanto, não tem qualquer relação com urnas eletrônicas ou com a contabilização de votos. Na ocasião, os ministros debatiam uma ação de fraude à cota de gênero praticada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) nas eleições para vereador do município de Roteiro, em Alagoas, em 2020. O julgamento foi concluído no dia 23 de maio de 2023 e o trecho em questão pode ser conferido no YouTube da Justiça Eleitoral.

Na sessão, por maioria dos votos (4 a 3), o plenário do TSE confirmou a ocorrência de fraude, reformando decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE-AL).

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 23 de novembro, o conteúdo acumulava mais de 3,4 mil curtidas no Kwai, além de 1,9 mil compartilhamentos. No Telegram, são mais de 3,9 mil visualizações.

Como verificamos: O primeiro passo da verificação foi uma busca no Google pelos termos “Moraes admite fraude”, que retornou uma série de checagens sobre o mesmo vídeo (Terra, Estadão Verifica, Uol Confere, Aos Fatos, Reuters e Lupa), além de uma matéria da Justiça Eleitoral, onde é possível encontrar o link do julgamento relativo ao caso citado no conteúdo investigado.

O Comprova enviou uma mensagem via Kwai para um dos responsáveis pelas publicações. Ainda buscamos formas de contatar o canal do Telegram que publicou o conteúdo, mas o perfil não disponibiliza qualquer informação nesse sentido.

Entenda o caso

O diretório municipal do partido Progressistas (PP) ajuizou Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) e de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime), apontando fraude no Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) para o cargo de vereador da cidade alagoana de Roteiro.

Segundo o TSE, duas “candidatas fictícias” – Maria Ramos e Valdelice Lucas – foram registradas para cumprimento da cota feminina. As provas de que essas candidaturas não eram reais foram as seguintes: ausência ou mínima movimentação financeira; inexistência de campanha ou feita de forma simbólica; pouca ou nenhuma votação; e realização de campanha para outro candidato do mesmo partido. Os processos relacionados são: ARespe 0600004-36.2021.6.02.0018 e ARespe 0600869-93.2020.6.02.0018, que podem ser consultados no site do TSE.

Decisão do TSE

Em 11 de abril, o plenário do TSE iniciou o julgamento do caso, que foi concluído em 23 de maio com a confirmação de fraude à cota de gênero por quatro votos a três.

A maioria do colegiado seguiu o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, que apontou a nulidade dos votos recebidos pelo PTB na cidade.

Gonçalves amparou seu voto em um caso semelhante ocorrido em Jacobina, na Bahia. Neste julgamento ocorrido em maio de 2022, o TSE havia definido critérios para a identificação da fraude à cota de gênero, tais como: votação zerada ou pífia das candidatas; a prestação de contas com idêntica movimentação financeira; e a ausência de atos efetivos de campanha.

Sobre as candidaturas em Roteiro, o relator detalhou em seu voto a situação de cada uma das candidaturas analisadas. No caso de Maria Ramos, o magistrado disse que o fato de ela ter recebido apenas três votos, não ter tido movimentação financeira, tampouco atos de campanha durante o pleito não comprovam, isoladamente, a intenção de burlar a cota. Ele apontou, inclusive, a desistência da candidata, segundo ela, em razão do estado de saúde do esposo.

Já com relação à Valdelice Lucas, o magistrado apontou o fato de ela ter recebido dois votos, não ter votado em si mesma, além de ter apoiado outro candidato a vereador que também concorria pelo PTB. Neste caso, foi declarada a inelegibilidade da candidata por oito anos.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil do Kwai que publicou o conteúdo, mas não obteve resposta até a publicação desta verificação. O canal no Telegram não permite o envio de mensagens aos seus administradores, nem disponibiliza qualquer contato dos responsáveis.

O que podemos aprender com esta verificação: O resultado das eleições no Brasil e a segurança das urnas eletrônicas são alvo constante de desinformação nas redes sociais. É comum o uso de linguagem em tom alarmante como se estivesse diante de uma denúncia grave. Além disso, os desinformadores costumam usar fatos verdadeiros fora de contexto para imprimir veracidade ao conteúdo. Ao se deparar com publicações desse tipo, sobretudo quando se trata de eleições, é importante procurar os canais do TSE, órgãos oficiais e veículos de imprensa de sua confiança.

Desconfie também de postagens que usam recortes e trechos curtos de vídeos, sem o devido contexto, para apoiar afirmações contundentes, sensacionalistas ou que se propõem a denunciar algo que vá causar uma reação imediata de indignação nas pessoas.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Este mesmo conteúdo já foi desmentido por diversos sites e agências de checagem como Terra, Estadão, UOL Confere, Aos Fatos, Reuters e Lupa. O TSE também apontou que o vídeo circulou de forma descontextualizada. Sobre as urnas eletrônicas, o Comprova mostrou, recentemente, que terminal do mesário não mostra votos de eleitores, que abertura do código-fonte das urnas é padrão e não tem relação com escolha de conselheiros tutelares e que não há dispositivo nas urnas capaz de alterar votação.

Contextualizando

Investigado por: 2023-11-22

Desmatamento na Amazônia cai, mas queimadas crescem; veja dados dos governos mais recentes

  • Contextualizando
Contextualizando
A Amazônia é frequentemente alvo de desinformação nas redes sociais. Números e imagens mostrando desmatamento e queimadas são usados, muitas vezes sem contexto, por diferentes grupos políticos para atacar opositores. O Comprova analisa dados de queimadas e incêndios na Amazônia brasileira e esclarece, a partir de análises de especialistas, o aumento de focos de incêndio no bioma em 2023.

Conteúdo investigado: Em vídeo publicado no Instagram, uma mulher aborda pessoas na rua e mostra imagens de queimadas que ela diz serem na Amazônia. Ela questiona os passantes se as fotos seriam de incêndios que ocorreram durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os respondentes indicam que seriam imagens feitas durante o governo Bolsonaro e ela afirma que são fotos de 2023 e que “a mídia não está noticiando nada”. O vídeo é acompanhado da legenda “Até ano passado, queimadas na Amazônia eram escândalo. Hoje, não dá nem notícia. Por quê?”.

Onde foi publicado: Instagram

Contextualizando: A preservação da floresta amazônica é ponto crucial no debate sobre as mudanças climáticas. No Brasil, o tema divide grupos políticos. Durante seu mandato, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi criticado dentro e fora do país pelas decisões políticas que afetaram o bioma. Ele é acusado de favorecer o agronegócio em detrimento da preservação da floresta e de ser responsável por aumentar o garimpo ilegal na região. Já neste primeiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que prometeu zerar o desmatamento ilegal até 2030, o país registra na Amazônia o maior número de queimadas para o mês de outubro em 15 anos.

Em 2023, dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que houve uma redução do desmatamento no bioma, mas um aumento nas queimadas. Segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, os motivos são diversos e incluem as condições climáticas — principalmente pela influência do El Niño —; queimadas para gestão da terra; e o legado de desmatamentos anteriores, que acabam deixando o solo seco e, com isso, mais propenso a incêndios.

Nas redes sociais, opositores de Lula cobram do poder público, de ativistas e até artistas posicionamento a respeito do aumento nos focos de incêndio, alegando que durante o mandato do ex-presidente Bolsonaro havia uma exigência maior de ações governamentais para controlar a degradação da Amazônia. Alguns grupos políticos afirmam ainda que a imprensa estaria deixando de noticiar os incêndios para favorecer a atual gestão.

Para esclarecer a questão, o Comprova analisou dados de queimadas e desmatamentos registrados nos quatro anos de governo Bolsonaro e no primeiro ano de governo Lula (até setembro) e reuniu informações a respeito das políticas de ambos relativas ao meio ambiente. Também foram consultados especialistas para detalhar a situação do desmatamento e das queimadas na Amazônia e quais as causas dos incêndios recentes.

O governo Bolsonaro e a Amazônia

Antes mesmo de tomar posse, o ex-presidente Jair Bolsonaro já preocupava ambientalistas. Ao longo da campanha, ele falou em reduzir o trabalho de fiscalização do Ibama, liberar a mineração e agropecuária em terras indígenas e retirar o Brasil do acordo climático de Paris, o que não se concretizou. Ele queria, em suas palavras, pôr fim ao “ativismo ambiental xiita”.

Os primeiros anos do governo Bolsonaro foram marcados por recordes no número de incêndios na Amazônia. Em 2019, foram detectados mais focos de incêndio entre os meses de março e abril do que durante toda a série histórica do Projeto Queimadas, do Inpe, que começou em 1999. Em agosto do mesmo ano, o número de incêndios foi o maior em 15 anos. Foi naquele ano que aconteceu o “Dia do Fogo”, ocasião em que fazendeiros do Pará se uniram para causar incêndios e desmatar áreas para criação de gado. O caso foi noticiado internacionalmente.

Os incêndios ganharam ainda mais repercussão mundial após a nuvem de fumaça causada pelos incêndios florestais escurecer o céu de São Paulo.

Em agosto de 2019, Bolsonaro afirmou que as organizações não governamentais (ONGs), que atuam na proteção ambiental, seriam as responsáveis pelos incêndios ilegais. O então presidente disse ainda que as ONGs seriam financiadas pelo ator Leonardo Di Caprio. No dia seguinte, Bolsonaro disse que o Brasil não tinha recursos para combater os incêndios, pois a “Amazônia é maior que a Europa”. Como checado pela imprensa, a informação é enganosa.

No ano seguinte, 2020, as queimadas se mantiveram e foram somadas a um aumento no desmatamento. Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a taxa de desmatamento entre agosto de 2020 e julho de 2021 foi 57% maior que a da temporada anterior e a pior dos últimos dez anos.

Em 2021, o então presidente afirmou, em um evento com investidores em Dubai, que a floresta amazônica, por ser úmida, não pega fogo.

Sob a gestão do ex-ministro Ricardo Sales na pasta de Meio Ambiente, funcionários de perfil técnico no Ibama e no ICMBio foram preteridos por indicados do círculo pessoal dele. Foram nomeados, particularmente, muitos policiais militares para postos relevantes.

A frase de Salles que marcou sua passagem pelo governo aconteceu em um pronunciamento na reunião ministerial de 22 de abril de 2022. Ele defendeu que o governo aproveitasse os dias de transtorno do início da pandemia de Covid-19 para “ir passando a boiada”. A sugestão era que o governo emitisse decretos e medidas provisórias para afrouxar a fiscalização ambiental diante do caos global causado pela pandemia.

Após ser alvo de uma ação de busca e apreensão pela Polícia Federal, Sales deixou o cargo e foi substituído por Joaquim Leite, que manteve, grosso modo, as mesmas diretrizes da gestão anterior.

Às Forças Armadas ficou relegado o planejamento e o combate ao desmatamento na Amazônia.

As promessas e ações de Lula para a Amazônia

Durante a campanha eleitoral de 2022, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destacou projetos de preservação ambiental e principalmente o combate ao desmatamento na Amazônia como uma maneira de se diferenciar de Bolsonaro, mas também de obter apoio internacional.

Uma das prioridades da campanha era conseguir a liberação de recursos do Fundo Amazônia de forma rápida junto às autoridades da Noruega. No primeiro ano de governo, em setembro de 2023, ele anunciou a liberação de R$ 600 milhões para os municípios brasileiros para combater o desmatamento e os incêndios para 2025.

Com o aumento nos registros de incêndios ao longo do ano, o Comitê Orientador do Fundo Amazônia aprovou, em novembro, um incremento nos recursos disponíveis para os nove Estados da Amazônia Legal atuarem no combate a incêndios florestais e queimadas ilegais.

Dias depois, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, admitiu ao Estadão que a estrutura de combate a incêndios e a resposta à crise na Floresta Amazônica ainda são insuficientes.

Lula também prometeu, em discurso na COP27, zerar o desmatamento e a degradação de biomas até 2030.

Considerando o período compreendido somente no governo Lula – 1º de janeiro a 31 de julho –, a redução na destruição da floresta amazônica no Brasil foi de 63%. A pesquisadora do Imazon Larissa Amorim afirmou ao site O Eco que o resultado só foi possível devido à retomada da pauta ambiental pelo novo governo.

“Somente o fato de não incentivar o desmatamento ilegal, por si só, já causa um efeito, por perda daquela sensação de impunidade. O fortalecimento dos órgãos responsáveis pelas ações de combate ao desmatamento, como, por exemplo, o Ibama e o ICMBio, também são muito importantes”, disse ao site.

Do ponto de vista político, Lula enfrenta problemas para dar destaque à questão do meio ambiente. Sob pressão da bancada ruralista e com apoio de deputados do Centrão, foi aprovado um projeto de lei complementar que retirou poderes dos Ministérios de Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. A pasta, que é comandada por Marina Silva, ficou sem o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e sem a Agência Nacional de Águas (ANA).

A relação do desmatamento com o atual cenário das queimadas

Dados do Programa de Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), mostram que houve queda no desmatamento entre agosto de 2022 e julho de 2023. Durante o período, o bioma perdeu 9.001 quilômetros de floresta — uma queda de 22,36% em comparação com o período anterior.

No entanto, a Amazônia tem sido castigada com o crescimento no número de focos de queimadas. De acordo com Inpe, entre 1º de janeiro e 20 de novembro de 2023, 91.162 focos foram registrados no bioma. Só em novembro são 11.160. O acumulado, porém, ainda é menor se comparado ao mesmo período em 2022, quando foram 110.481 focos — uma queda de 17%.

“Embora exista uma relação entre desmatamento e incêndios florestais, a dinâmica atual mostra que os incêndios podem persistir e até aumentar mesmo em um contexto de desmatamento reduzido, devido a fatores climáticos e legados do desmatamento passado”, explica o professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Celso Augusto Guimarães Santos.

Entre as condições climáticas, o El Niño é apontado como um dos fatores já que o fenômeno deixa o tempo mais seco. Outro ponto são as queimadas para gestão da terra, como a limpeza de terrenos de pastagem, que podem sair do controle devido às condições ambientais.

“Esta situação destaca a complexidade dos desafios ambientais enfrentados na Amazônia e a necessidade de abordagens de gestão e conservação que considerem tanto o desmatamento quanto às condições propícias para incêndios”, afirma.

Guimarães Santos integra um grupo de pesquisadores que publicou um artigo na revista Nature Ecology & Evolution que aponta que apenas 19% dos incêndios registrados este ano na Amazônia estão ligados ao desmatamento recente. O dado faz parte de uma pesquisa feita por cientistas de diversas instituições nacionais e internacionais.

“A fragmentação resultante do desmatamento anterior pode tornar as florestas remanescentes mais vulneráveis a incêndios, pois as bordas das florestas são mais suscetíveis a secar e queimar”, complementa.

O professor José Salatiel Rodrigues Pires, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica, ainda, que as queimadas são rastreadas como pontos de calor, gerados pela queima de áreas para agricultura, em áreas de pastagens secas que já haviam sido desmatadas ou em florestas secas. Nesta situação, um raio, por exemplo, pode gerar um ponto de combustão que será detectado pelo satélite, mas que nem sempre terá ligação com o desmatamento

Esta questão técnica já vigia no governo Bolsonaro, mas no cenário atual, de seca na Amazônia, se torna mais relevante. Assim, explica Pires, para ter certeza da origem da queimada, é preciso usar um conjunto de dados.

“Quando o satélite detecta um ponto de calor, ele não verifica qual o uso da terra existe nessa área (se é uma área de cana-de-açúcar, uma área de pastagem ou uma floresta desmatada queimando)”, diz. “Para poder analisar se as áreas de queimadas são áreas desmatadas, temos que cruzar essa informação com as imagens de outros satélites. Se o foco de calor está em uma área de agricultura, sabemos que foi uma queimada de manejo agrícola, mas se está em uma floresta, podemos verificar se é devido a desmatamento”, afirma.

Sem cruzar os dados, diz o pesquisador, pode-se pensar, “de forma errônea, que tudo se trata de área desmatada sendo queimada”.

A mídia não mostra as queimadas atualmente?

Ao contrário do que é dito na publicação investigada, a mídia tem relatado o atual momento na Amazônia e a relação entre as queimadas e o desmatamento. Em julho, o Nexo publicou uma reportagem que explica os motivos para o aumento nas queimadas, mesmo com a queda no desmate.

O Estadão também trouxe um conteúdo em que mostra os motivos para o aumento no número de focos de incêndio na Amazônia. O artigo, inclusive, aponta que, segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, os impactos do El Niño, agravados pelas mudanças climáticas, são um desafio e, por isso, aumentou o número de brigadistas na região. Além disso, na mesma reportagem, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, admite que a estrutura de combate ao fogo é insuficiente e, por isso, solicitaria mais recursos ao Fundo Amazônia para ações como essa.

O tema também foi discutido no episódio do podcast O Assunto, do G1, em 7 de novembro. No episódio, a diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Ane Alencar, apontou a seca e os índices anteriores de desmatamento como fatores que contribuem para o alastramento do fogo.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A publicação dá a entender que as queimadas na Amazônia não estão na pauta da mídia. No entanto, como mostra a verificação, o tema tem sido discutido, assim como o foi no governo passado. Atualmente, as matérias focam em explicar o motivo do aumento nos incêndios uma vez que os índices de desmatamento tem caído.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil no Instagram responsável por um vídeo viral a respeito do tema, mas não houve retorno até a conclusão deste conteúdo.

O que podemos aprender com esta verificação: Formar opiniões baseadas em fatos e evidências é importante para a tomada de decisão dos cidadãos. A Amazônia é um dos biomas mais importantes do mundo e é tema de discussões na sociedade e nos diversos níveis do poder público. Diante de conteúdos que tratam o tema de forma alarmista, sem apresentar fontes de informação ou contexto e sem respaldo de especialistas, é preciso desconfiar – ainda mais no ambiente político polarizado do Brasil. Munidos de informações relevantes e atualizadas, os cidadãos podem acompanhar e fiscalizar governos para que sejam tomadas medidas para a preservação da região.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No instagram, a publicação contava com 5,6 milhões de visualizações em 21 de novembro.

Como verificamos: A reportagem buscou dados sobre desmatamento no sistema Prodes e sobre queimadas no Programa Queimadas, ambos do Inpe. Também pesquisamos por reportagens atuais a respeito da situação da Amazônia e matérias feitas durante o governo Bolsonaro. Ainda entrevistamos os pesquisadores José Salatiel Rodrigues Pires, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Celso Augusto Guimarães Santos, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

O Comprova também demandou o Inpe, mas o órgão informou que não iria se manifestar sobre postagens de terceiros.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A Amazônia e as políticas públicas relacionadas ao bioma são alvos frequentes de desinformação. Recentemente o Comprova publicou conteúdo explicativo sobre o Fundo Amazônia. Também já mostrou que o presidente Lula não vendeu a região para uma mineradora em troca de dinheiro do Fundo e mostrou que é falso que as chuvas impedem desmatamento na Amazônia.

Política

Investigado por: 2023-11-22

Mudanças da Anatel no setor de telefonia não isolarão Brasil; lojas das operadoras serão reduzidas

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a publicação que alega que lojas de operadoras de telefonia vão fechar e o Brasil poderá ser isolado do resto do mundo. O pano de fundo do conteúdo investigado foi a aprovação, no fim de outubro deste ano, pelo Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), de novas regras dentro do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC). Entre outros termos, as operadoras ficam desobrigadas a terem no mínimo uma loja em cada região com 100 mil habitantes ou mais. A mudança, no entanto, abrange apenas a quantidade de estabelecimentos das operadoras e não menciona alterações no sistema de telefonia ou transmissão.

Conteúdo investigado: Vídeo em que um homem afirma que uma “decisão da Anatel pode acabar com as lojas da Vivo, Tim e Claro no Brasil”. Em sua fala, ele utiliza um texto do site Terra Brasil Notícias concluindo que a mudança deixaria os brasileiros isolados do mundo e que ninguém estaria fazendo algo para evitar isso. O homem também faz menção, em tom conspiratório, ao decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) assinado no início do mês pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É enganosa a postagem em que um homem afirma que o Brasil seria “isolado” do restante do mundo em função de uma decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que, segundo o conteúdo lido por ele, reduziria drasticamente o número de lojas físicas das operadores de telefonia em todo o país. A mudança mencionada no vídeo, na realidade, é uma alteração do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RCG), que permite o fechamento de lojas de telefonia.

O texto utilizado como fonte na peça de desinformação fala sobre “uma drástica redução no número de lojas físicas das operadoras de telefonia, como Tim, Vivo e Claro”. O título da publicação, no entanto, diz que a decisão “pode acabar com lojas”.

A nova regra muda o regulamento aprovado em 2013. Anteriormente, as operadoras de telefonia deveriam manter ao menos uma loja de atendimento presencial para cada região com 100 mil habitantes ou mais, com uma unidade adicional a cada 400 mil habitantes. Essa regra deixará de valer. Fica previsto que o atendimento presencial passará a ser facultativo, mediante regras de acessibilidade. Para o fechamento de unidades, será necessária a autorização do Grupo de Implantação das mudanças. As alterações só entram em vigor em setembro de 2024.

Conforme apuração do jornal O Globo, a partir da mudança, a Anatel projeta que as lojas físicas possam reduzir de 2,8 mil para 789 unidades no país. Isso representaria, de fato, uma diminuição significativa, mas, a partir dela, não é possível afirmar que haverá isolamento do país. A alteração não menciona qualquer modificação no sistema de transmissão das operadoras.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: Até o dia 9 de novembro, a publicação do TikTok tinha 9,5 mil visualizações. Posteriormente, não foi mais possível mensurar o alcance, pois a postagem e o perfil responsável foram excluídos.

Como verificamos: Primeiramente, o Comprova buscou no Google pelos termos “fechamento lojas de telefonia celular” e “decisão da Anatel vai fechar lojas Vivo, Tim e Claro”. Como resultados, encontramos notícias (G1, O Globo, Estadão) divulgando uma mudança no Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, aprovada no dia 27 de outubro deste ano, pelo Conselho Diretor da Anatel.

Depois, tentamos contato com o autor da postagem. Entretanto, pouco tempo após o início da investigação, o post e página responsável foram desativados. Também contatamos a Anatel e as operadoras mencionadas no material investigado.

Mudança no regulamento e controvérsias

No dia 26 de outubro deste ano, o Conselho Diretor da Anatel aprovou mudanças no RGC. As alterações foram publicadas em 10 de novembro no Diário Oficial da União (DOU). No texto, foi estabelecida uma nova regra com relação ao número de lojas físicas que as operadoras são obrigadas a manter.

No Art. 20 consta que a “existência de estabelecimentos da Prestadora ou de terceiros que explorem exclusivamente a marca da Prestadora é facultativa, mas, uma vez existentes, devem oferecer Atendimento Presencial“. O documento não delimita uma regra específica em relação ao quantitativo de unidades por região.

Por meio de nota, a Anatel explicou que as lojas presenciais deviam ser usadas para a realização de atendimentos aos consumidores, mas alguns estabelecimentos exploravam a marca das operadoras para a venda de aparelhos. Neste caso, elas não eram obrigadas a prestar atendimento ao consumidor, o que segundo a agência, foi alterado com a revisão do regulamento.

“A partir de setembro de 2024, quando entram em vigor as novas regras, não haverá mais a obrigação específica quanto à quantidade de lojas citada acima. Mas o atendimento presencial deverá ser realizado em todas as lojas próprias ou de terceiros que utilizem exclusivamente a marca da prestadora para vender produtos ou serviços. Em outras palavras, todas as lojas das prestadoras agora serão lojas aptas a prestar atendimento presencial”, destacou a agência.

No texto, a Anatel destaca ainda que “não existem fundamentos para a tese levantada no vídeo de que as lojas vão acabar”. A agência ressaltou ainda a fundamentação do membro do Conselho Diretor que propôs a submissão da regra à consulta pública ainda em 2020.

“Ao prever a obrigatoriedade de atendimento presencial nos estabelecimentos comerciais que explorem a marca da Prestadora, atrela-se o atendimento à sua estratégia comercial. Como a prestadora provavelmente optará por vender, ela continuará prestando o atendimento presencial, atendendo os consumidores em toda e qualquer demanda”, afirmou.

A Anatel explicou que a maior parte do atendimento dos consumidores é realizada por meio de canais digitais (aplicativos e website) ou telefônicos.

Mesmo aprovada, a medida não teve apoio unânime. Um dos conselheiros, Vicente Aquino, presidente do Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de Telecomunicações (CDUST), destacou a relevância de se manter a obrigação à existência de estabelecimentos para atendimento presencial aos assinantes.

Aquino argumentou que, com dados extraídos das mais recentes Pesquisas de Satisfação da Qualidade Percebida divulgadas pela agência, parcela significativa da população recorre a essa forma de atendimento, especialmente os mais idosos e com menor renda. No entanto, o colegiado aprovou por maioria a proposta do ex-conselheiro Emmanoel Campelo, que tornou a existência de lojas facultativas.

Garantia da Lei e da Ordem em SP e RJ

No vídeo investigado, o homem menciona ainda um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O autor da publicação sugere, em tom conspiratório, enganosa relação entre o decreto e um processo de isolamento do país. No início de novembro, o chefe do Executivo autorizou a GLO em áreas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Desde então, o governo federal, por meio das Forças Armadas, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, está autorizado a atuar no Porto do Rio de Janeiro, Porto de Itaguaí (RJ) e Porto de Santos (SP), bem como no Aeroporto do Galeão, no Rio, e no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. A GLO tem validade apenas em territórios federais até maio do ano que vem, com a possibilidade de ampliação.

As ações foram mobilizadas para tentar combater o crime organizado. O objetivo, segundo a gestão, é minimizar a entrada de recursos financeiros ao crime organizado, dificultando a logística e freando o abastecimento de drogas e armas. Na época em que foi assinado o decreto, o Rio de Janeiro vivia escalada de violência. Ao menos 35 ônibus e uma composição de um trem urbano já tinham sido incendiados por grupos criminosos em retaliação à morte de um miliciano na capital fluminense.

O governador de São Paulo, Tarcisio Freitas (Republicanos), e Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, foram favoráveis ao decreto.

O que diz o responsável pela publicação: Não foi possível contatar o autor do post, pois a conta responsável pela veiculação foi desativada logo após o início da investigação. Antes disso, o envio de mensagens diretas era bloqueado no perfil. Existem outros perfis na mesma rede social com a mesma foto e nome do autor do post, mas todos estão com a função de mensagens bloqueada. Esta não é a primeira verificação do Comprova relacionada a tal autor.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que desinformadores utilizem informações reais fora de contexto para tentar imprimir a sensação de verdade em teorias conspiratórias. Neste caso, é aproveitado também que as mudanças foram aprovadas recentemente e a implementação ainda não aconteceu de forma concreta para gerar medo na população diante da incerteza. Termos alarmistas, como “isolamento do Brasil”, também são utilizados para ampliar a sensação de pânico.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já esclareceu que não foram feitas mudanças na lei que dispõe sobre o pagamento de pensões por invalidez ou morte em casos de acidente de trânsito. Também explicou a proposta do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar para destinar terras de “grandes devedores” a assentamentos de produtores rurais, por meio do processo de adjudicação de imóveis.

Política

Investigado por: 2023-11-17

Tarifa para estados que recebem águas do São Francisco não pagará obra da transposição; entenda por que há a cobrança

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Enganoso
São enganosos os vídeos afirmando que os cearenses terão que pagar uma tarifa para custear o uso das águas da transposição do Rio São Francisco porque o governo federal não quer arcar com as despesas do projeto. A cobrança pelo uso dos recursos hídricos, que, no caso da transposição beneficia os estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, é uma ação prevista na Lei Federal 9.433, de 1997. Além disso, o pagamento dos custos operacionais do empreendimento está previsto em pré-acordos realizados entre os entes envolvidos desde 2005.

Conteúdo investigado: Em dois vídeos publicados no TikTok constam afirmações de que os cearenses terão que pagar uma tarifa para custear o uso das águas da transposição do Rio São Francisco. A cobrança estaria sendo feita por causa de uma suposta falta de verba do governo Lula (PT) para bancar o empreendimento, resultando em pressão sobre os estados para “cobrarem a taxa do povo”. Os vídeos mencionam um projeto de lei enviado pelo Governo do Ceará à Assembleia Legislativa, e aprovado em novembro de 2023, que determina que “a tarifa de segurança hídrica será cobrada na fatura de consumo dos usuários de água bruta”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: O Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), a transposição do Velho Chico, é novamente alvo de desinformação. No caso em questão, conteúdos descontextualizados abordam uma lei estadual aprovada, em novembro de 2023, no Ceará e a cobrança por parte do governo federal pelo uso das águas provenientes da obra estruturante nos estados beneficiados – Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba – e apontam, de forma enganosa, que isso decorre da falta de dinheiro para conclusão do empreendimento por parte do governo Lula.

Na realidade, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos é uma ação prevista na Lei Federal 9.433 de 1997, chamada Lei das Águas, já sendo prática em algumas bacias hidrográficas do país desde os anos 2000 – visto que a água no Brasil é encarada como um bem que tem valor econômico. Logo, o pagamento pela utilização das águas do São Francisco está inserido nesse contexto e não é inédito.

No caso da transposição do São Francisco, além do pagamento pelo uso da água em si, os estados são cobrados, conforme acordos entre o governo federal e as gestões estaduais, pela manutenção e operação do sistema do PISF. Ainda assim, a arrecadação não tem a finalidade de custear a conclusão da obra, nem relação alguma com a construção da obra em si. A própria legislação que estabelece a cobrança não prevê essa aplicação.

Além disso, as tratativas na transposição do São Francisco para que estados beneficiários se responsabilizem pelos custos de operação e manutenção, pagando para isso uma tarifa à União, já acontecem desde 2005, ou seja, antes da obra ter início em 2007.

É fato que, há anos, existem muitas divergências entre os estados em questão e a União sobre o pagamento. Entre outros pontos são debatidos o formato, o modelo, os valores e os prazos. Esse é um dos pontos que faz com que, até o momento, nenhum dos quatro estados pague efetivamente a tarifa de uso. Tal recurso é bancado ainda pelo governo federal, pois, segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a cobrança só será iniciada após a assinatura do contrato entre a Operadora Federal e os estados receptores, ou seja, quando o PISF entrar em operação comercial.

Apesar disso, por atribuição, desde 2018, a ANA faz os cálculos de quanto deveria ser cobrado anualmente de cada estado pelo uso das águas.

A Lei estadual 18.558, de 1º de novembro de 2023 cumpre um preceito normativo e, segundo a ANA, define sobre a gestão das águas do PISF no Ceará e por isso é importante que os demais estados aprovem legislações que vão no mesmo sentido.

O texto da lei no Ceará fala em usuários de água bruta – sem tratamento. Sem definição específica na lei de quem são os usuários. Esse ponto também é questionado em conteúdos suspeitos. No Brasil, os usuários de água bruta podem ser pessoas físicas ou jurídicas e, em geral, quem faz uso do recurso nesse formato são indústrias, mineradoras, agronegócio e empresas de saneamento básico.

Nesse quesito, a ANA diz que os estados definirão “como ou se farão a cobrança dessa água dos seus usuários finais, ou seja, aos usuários a quem eles entregarem essa água”. No Ceará, a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH-CE) diz que quando a tarifa entrar em vigor será para as empresas de saneamento e as indústrias, não incluindo, nesse caso, o segmento da agricultura. Mas, não há nada definido ainda sobre como o valor da água tratada por esses segmentos será repassado, por exemplo, aos consumidores domésticos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Nesse caso, no TikTok as publicações tiveram mais de 17,6 mil visualizações até 16 de novembro de 2023.

Como verificamos: O Comprova buscou informações sobre o PISF no site do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), responsável pela execução das obras. Foram consultados, via e-mail, órgãos como a SRH-CE e a ANA, além de legislações que dispõem sobre a temática, como a Política Nacional de Recursos Hídricos. A equipe consultou ainda o texto completo do Projeto de Lei, que virou lei, enviado pelo Governo do Ceará à Assembleia Legislativa.

A reportagem também tomou como base outras verificações do Comprova envolvendo o PISF. Para contextualização do assunto, buscamos matérias e notícias veiculadas pela imprensa sobre os acordos entre União e Estados (Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba) para a gestão do projeto do São Francisco (Agência Brasil, G1).

O Comprova fez contato com os autores de dois vídeos publicados no TikTok sobre o tema e com o deputado estadual Carmelo Neto (PL), do Ceará, que teve uma postagem sua no Instagram exibida em um dos vídeos.

O que é a Transposição do Rio São Francisco

Com 477 quilômetros de extensão, o Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) é a maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil e atende 390 municípios em Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, segundo informações do MIDR. O empreendimento tem o objetivo de levar água para regiões secas e semiáridas do nordeste brasileiro, por meio da construção de canais e sistemas de bombeamento. O projeto é dividido nos eixos Leste e Norte.

A proposta nasceu em 1985 no extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento do governo federal, mas as construções só iniciaram de fato no ano de 2007, na época do segundo governo do presidente Lula.

A gestão do projeto e a execução das obras são de responsabilidade do MIDR. A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), empresa pública ligada ao MIDR, atua na operação e manutenção das estruturas prontas, que se tornam operacionais. Atualmente, a transposição funciona em fase pré-operacional e aguarda a operação comercial.

Quem paga pelos custos do serviço

Em verificações anteriores, o Comprova já havia explicado que em 2005, antes do início das obras do PISF, foi firmado um Termo de Compromisso entre os entes envolvidos no projeto. Nele ficou acordado que caberia à União arcar com os custos de implantação do sistema e aos estados (Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte), os custos de operação e manutenção.

Um documento da Codevasf, disponível no site da Câmara dos Deputados, detalha aspectos do PISF, inclusive as obrigações da União e dos estados, definidas no Termo de Compromisso assinado em setembro de 2005.

A discussão sobre a cobrança pelo uso da água da transposição ocorre há muitos anos e gera debates e divergências entre os estados beneficiados e a União. No histórico, em abril de 2021, após tratativas no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) da AGU foi assinado o Termo de Pré-acordo entre a União e os estados.

Segundo esse termo, cabe aos estados “implantar a cobrança de tarifas dos serviços de operação e manutenção e a cobrança de direito de uso no âmbito dos estados […]”. As decisões que dizem respeito à cobrança de taxas passam ainda pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e por autorizações de licenças ambientais, de acordo com a SRH-CE.

“Vale ressaltar que essas medidas acontecem desde a concepção da obra, com todo o arcabouço jurídico institucional para alinhar com as solicitações dos órgãos de controle”, explicou Ramon Rodrigues, secretário executivo dos Recursos Hídricos do Ceará.

Rodrigues destacou que, no Ceará, não está em vigor a cobrança sobre o uso das águas do São Francisco: “o que estão sendo feitos são os compromissos assinados na gestão passada, em um pré-acordo, assinado pelo ex-ministro do MDR Rogério Marinho e pelo então governador [do Ceará] Camilo Santana e pelos demais governadores, com a AGU (Advocacia-Geral da União)”, afirmou.

De acordo com ele, a ideia é que “se defina uma tarifa que deverá ser diluída no máximo possível de usuários e, a depender dos valores, o estado pode entrar com algum subsídio. Mas tudo isso ainda é pauta de discussões, nenhuma tarifa foi cobrada e nem tem previsão de cobrança”, esclareceu.

Lei já estipulava cobrança e dinheiro não é para pagar obra

No Brasil, a cobrança pelo uso de recursos hídricos é um dos instrumentos de gestão da Política Nacional de Recursos Hídricos, e existe desde 1997, instituída pela Lei Federal 9.433/97, a chamada Lei das Águas. Isso porque devido às condições de escassez em quantidade e/ou qualidade, a água passou a ter valor econômico. Logo, as discussões sobre a cobrança pelo uso da água do São Francisco estão dentro do que já está previsto normativamente no país, não tendo relação com a disponibilidade de dinheiro usado para custear a obra estruturante.

Segundo a Lei Federal 9.433/97, a cobrança pelo uso de recursos hídricos existe para:

  • Dar ao usuário uma indicação do real valor da água;
  • Incentivar o uso racional da água;
  • Obter recursos financeiros para recuperação das bacias hidrográficas do país.

Segundo registros do site da ANA, nacionalmente, o pioneirismo na cobrança pelo uso de recursos hídricos é da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul na qual os valores são arrecadados desde março de 2003.

A Lei Federal 9.433/97 também estabelece que o dinheiro proveniente da cobrança do uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados:

  • No financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos;
  • No pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

As obras mencionadas nesse ponto da lei são intervenções de melhoria na bacia hidrográfica que constem nos planos elaborados – com ações de curto, médio e longo prazo – para o gerenciamento, recuperação e preservação dos recursos hídricos em questão.

O secretário de Recursos Hídricos do Ceará reforça que, no caso da outorga das águas do São Francisco, emitida pela ANA, “é definido que essa operação e manutenção deveria ser incluída nos custos dos estados receptores”. Ele acrescenta que o dinheiro cobrado deve ser usado “somente para manutenção e operação. Nada de custeio de obras”.

Ao Comprova, a ANA afirmou, por email, que o valor não é para pagamento do custeio que foi “todo assumido pela União. Esses custos referem-se à manutenção e operação do sistema do PISF”.

Tarifas da transposição

Apesar de os estados beneficiados ainda não pagarem os valores à União pelo uso das águas da transposição, desde 2018, por atribuição, a ANA elabora e publica o desenho dos cálculos das tarifas a serem cobradas. Para isso, uma resolução é publicada anualmente.

Em 2023, conforme já apontado em verificação do Comprova, a ANA publicou a Resolução nº 148/2023 no Diário Oficial da União. A norma define as tarifas deste ano do PISF.

“Na Resolução ANA nº 148/2023 estão previstos os valores que cada estado deveria pagar. No entanto, a cobrança só será iniciada após a assinatura do contrato entre a Operadora Federal (CODEVASF) e os estados receptores, ou seja, quando o PISF entrar em operação comercial”, reiterou a ANA.

O custo total previsto para prover os serviços de captação e transporte de água bruta da transposição em 2023 é de R$ 274,7 milhões. Desse montante, segundo os cálculos, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte teriam, respectivamente, um custo de R$ 92,9 milhões; R$ 77,6 milhões; 82,4 milhões; e R$ 21,6 milhões. Peças desinformativas, muitas vezes, tomam essa projeção como evidência que o dinheiro está sendo efetivamente pago.

A cobrança, explica a ANA, será realizada pela Operadora Federal (Codevasf) que cobrará dos estados receptores. Estes, por sua vez, “definirão como ou se farão a cobrança dessa água dos seus usuários finais, ou seja, aos usuários a quem eles entregarem essa água”.

O diz a lei aprovada no Ceará

No dia 1º de novembro de 2023, a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou o Projeto de Lei 104/23, do Poder Executivo, que dispõe sobre a gestão operacional e financeira do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) no estado.

Na justificativa, a proposta destaca o termo de pré-acordo firmado entre os estados beneficiados com a transposição das águas, em 2021, e detalha que os quatro estados devem gerar recursos que assegurem “o pleno funcionamento do PISF”. Uma das medidas previstas para garantir a verba é a “instituição de cobrança dos serviços de adução de água bruta ao usuário final”.

Segundo o secretário executivo dos Recursos Hídricos do Ceará, Ramon Rodrigues, ao assinar o pré-acordo, em 2021, os quatro estados se comprometeram a enviar um PL para as assembleias legislativas estabelecendo diretrizes para a gestão operacional e financeira do PISF. O representante do Executivo cearense disse também que existem critérios para a cobrança da taxa e que ainda não há definição sobre os valores.

Em termos práticos, o projeto aprovado no Ceará estabelece que a Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) e a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh) serão responsáveis pela gestão operacional e financeira do PISF no Estado. Além disso, o ponto de destaque nos conteúdos enganosos é que a lei estabelece a cobrança pelo uso dos recursos hídricos por meio de Tarifa de Segurana Hídrica.

Essa cobrança, diz a lei, se baseará no valor da tarifa de prestação do serviço de adução de água bruta do PISF, definido pela ANA. A cobrança, aponta o texto, “ocorrerá de forma proporcional ao consumo de cada usuário”. A União, através da ANA, “irá cobrar da operadora estadual, no caso a Cogerh, e ela vai cobrar dos usuários de água bruta”, diz o texto.

O texto da lei fala em usuários de água bruta sem definir explicitamente quem são esses usuários. O representante da SRH, indica que no Ceará os valores devem ser arrecadados das empresas de saneamento e das indústrias já que a finalidade é o abastecimento humano.

“O que está sendo criado é uma tarifa de segurança hídrica, que será diluída nos usuários de água bruta, como o pessoal do saneamento e das indústrias. O segmento da agricultura não vai pagar por essa água, pois essa água não é para ser usada na agricultura, e sim para abastecimento humano. Além disso, essa tarifa deve respeitar também os custos sociais, as tarifas sociais que têm isenção. Porém, nada disso se encontra definido. Ainda existe uma discussão sobre o tema”, diz o secretário executivo dos Recursos Hídricos do Ceará, Ramon Rodrigues.

Contrato comercial deve ser assinado até março de 2024

No dia 4 de agosto de 2023, em um acordo interfederativo entre o governo federal e os estados receptores das águas, as gestões se comprometeram a firmar os contratos até março de 2024 para dar início à operação comercial do Projeto.

Conforme o acordo, esses estados deverão arcar com as tarifas relativas à prestação do serviço de adução de água bruta do PISF estabelecidas pela ANA. Os recursos para o pagamento devem estar previstos nos orçamentos estaduais a partir de 2024. No caso da Lei aprovada no Ceará, já há o estabelecimento desse compromisso de fixar na Lei Orçamentária Anual uma dotação específica que possa, eventualmente, completar os recursos arrecadados pela tarifa de segurança hídrica, caso a arrecadação não seja suficiente para pagar a fatura expedida pela União.

As tarifas a serem pagas pelos estados são de dois tipos:

  • De consumo: cobrada proporcionalmente ao volume de água fornecido às operadoras estaduais nos pontos de entrega. O valor é para cobrir os custos variáveis do empreendimento, como a energia elétrica utilizada para o bombeamento da água;.
  • De disponibilidade: referente à cobrança Codevasf junto às operadoras estaduais para cobrir a parcela fixa dos custos decorrentes da operação, como: manutenção da infraestrutura, cobrança pelo uso de recursos hídricos da bacia e gastos fixos com energia elétrica.

A soma dos dois critérios gera a cobrança total pela água. O valor da tarifa previsto para o ano de 2023, definido na Resolução ANA foi de:

  • R$0,322/m³ referente a disponibilidade;
  • R$0,204/m³ referente ao consumo.

No recente acordo, os governos estaduais também são obrigados a arcar com os custos de operação e manutenção de canais e adutoras conectados aos Eixos Norte e Leste do PISF e que beneficiem apenas um estado.

O que diz o responsável pela publicação: Por meio de mensagem direta no TikTok, um dos perfis não respondeu aos questionamentos da reportagem e outro não quis se manifestar sobre a veracidade das informações que compartilhou.

O deputado estadual Carmelo Neto (PL), do Ceará, através de nota, afirmou que “o vídeo divulgado nas redes sociais é sucinto, apenas destacando ipsis litteris o que foi enviado e aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado do Ceará”.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma das táticas mais utilizadas por desinformadores é usar fatos verdadeiros fora de contexto para causar pânico ou histeria, principalmente quando o tema envolve cobranças de taxas ou valores quaisquer por governos. No caso da verificação em questão, elementos como recortes de Projetos de Lei são utilizados para inferir credibilidade ao conteúdo, mas são utilizados de maneira isolada, sem o devido contexto e explicação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A transposição do Rio São Francisco é alvo frequente de desinformação. Somente em 2023, o Comprova já produziu conteúdo explicando a obra em si e por que ela gera dúvidas, já apontou que a polarização intensifica desinformação sobre transposição do São Francisco; que é falsa a alegação de que Lula desligou bombas da transposição, bem como alegações falsas de que um trecho do Eixo Norte da transposição foi fechado pelo governo Lula.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-11-17

Entenda por que não há pagamento de 13ª parcela no Bolsa Família

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Publicações nas redes sociais alegam que Lula cortou uma 13ª parcela do pagamento dos beneficiários do Bolsa Família. Entretanto, os favorecidos pelo programa receberam o “13º” uma única vez, em 2019. Apesar da inclusão de uma parcela extra já ter sido discutida outras vezes, o entendimento até o momento foi que o programa assistencial não se enquadra na lógica trabalhista, não comportando, portanto, o pagamento do 13º.

Conteúdo analisado: Vídeo que circula nas redes sociais mostra trecho de transmissão da CNN Brasil em que uma apresentadora afirma que o Bolsa Família não terá “13º salário” em 2023 e, na sequência, uma autoridade fala sobre a questão. Ao redor da imagem, foram acrescentados gifs de pessoas “fazendo o L” e dando risadas.

Comprova Explica: O Programa Bolsa Família é alvo frequente de peças de desinformação nas redes sociais. Muitas delas afirmam que o governo federal cortou beneficiários aleatoriamente ou reduziu o valor de maneira deliberada. Devido à nova onda de desinformação sobre o tema, sobre o pagamento de uma 13ª parcela do benefício, o Comprova Explica detalha como são os pagamentos do novo programa.

Diferentemente do que sugerem posts virais, o Bolsa Família não contava com um “13º salário”, que foi cortado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Uma parcela extra do benefício foi paga uma única vez, em 2019. Em março de 2023, o governo federal, sob o comando de Lula, afirmou que não deve retomar o benefício extra e avaliou o pagamento de 2019 como uma “promessa de campanha” do governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL).

Entretanto, o novo Bolsa Família, aprovado em 2023, prevê pagamentos superiores ao antigo Auxílio Brasil, do governo Bolsonaro. Até junho de 2022, o pagamento mínimo do Auxílio Brasil era de R$ 400. Então, passou a R$ 600 com a adição de uma ajuda por causa da guerra na Ucrânia — para compensar pela alta de preços de comida e energia. A ajuda extra era temporária, seria disponibilizada até o mês de dezembro. No novo Bolsa Família, o pagamento mínimo foi fixado em R$ 600. Valor que pode aumentar conforme condições específicas dos beneficiários.

O pagamento fixo de uma 13ª parcela do benefício social já foi discutido outras vezes, mas nunca foi aprovado pelo Congresso. Ainda assim, em alguns estados, os beneficiários do Bolsa Família recebem um pagamento extra, como uma espécie de bônus natalino, por meio de programas assistenciais estaduais.

Como verificamos: A partir das imagens utilizadas na publicação investigada, fizemos uma busca no YouTube com as palavras “CNN + 13º + Bolsa Família” e chegamos ao vídeo original, veiculado originalmente em 4 de março de 2023.

Na sequência, com uma busca no Google por “13º Bolsa Família”, encontramos uma notícia do g1 sobre a entrevista que aparece no post investigado.

13º do Bolsa Família foi pago somente em 2019

Conforme informado pelo governo federal no início de março, não haverá pagamento de 13º parcela do Bolsa Família. O pagamento de uma parcela extra do benefício ocorreu apenas uma vez, em 2019. O bônus foi pago em dezembro daquele ano a 13,5 milhões de famílias e teve custo de R$ 2,58 bilhões.

Em entrevista coletiva, a secretária de Avaliação de Gestão da Informação e Cadastro Único, Letícia Bartholo, afirmou que “o Bolsa Família é um programa de assistência, de complemento de renda, não se adequa à vinculação de um 13º salário”.

Em 2019, o pagamento foi feito por meio de uma Medida Provisória (MP). Para se tornar lei, deveria ser votada e aprovada pela Câmara e pelo Senado em até 120 dias. De acordo com Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara à época, a votação não ocorreu a pedido do próprio governo. “Não havia recursos orçamentários para isso, portanto o Ministério da Economia pediu que a medida não fosse votada”, afirmou.

Novo Bolsa Família

O programa Bolsa Família foi criado em outubro de 2003, no primeiro governo Lula, e tem como objetivo a transferência direta de renda para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza em todo o país.

Em 2021, no governo de Bolsonaro, o programa foi extinto e substituído pelo Auxílio Brasil. Neste ano, na terceira gestão Lula, ele voltou a ser chamado de Bolsa Família.

No dia anterior à entrevista coletiva concedida por Letícia Bartholo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia assinado uma MP reformulando o programa. Desde então, a MP já se transformou na Lei 14.601/23, aprovada em junho pela Câmara dos Deputados.

O novo Bolsa Família prevê:

  • pagamento de pelo menos R$ 600 por família;
  • R$ 150 adicionais para cada criança de até 6 anos;
  • R$ 50 adicionais para crianças com mais de 7 anos e jovens com menos de 18;
  • R$ 50 adicionais para gestantes.

Podem ter acesso ao programa famílias com renda mensal familiar per capita igual ou menor a R$ 218. De acordo com o governo federal, cerca de 21 milhões de famílias recebem o benefício.

Para fins de comparação, o Auxílio Brasil, aprovado pelo Senado no final de 2021, tinha como pagamento mínimo R$ 400. De acordo com o Ministério da Cidadania, o valor médio do benefício na folha de pagamento de janeiro de 2022 foi de R$ 407,54. A renda familiar máxima para ter direito ao benefício era de R$ 210 per capita.

13º do Bolsa Família

O pagamento de uma 13ª parcela para beneficiários do Bolsa Família já foi discutido em outros momentos. Em 2007, a Comissão de Seguridade Social e Família rejeitou um Projeto de Lei que criava o 13º do Bolsa Família.

A justificativa dada pelo relator do projeto na comissão, o então deputado Dr. Rosinha (PT-PR), para a rejeição foi o entendimento que o 13º salário é de natureza trabalhista e não se encaixa nas regras e lógicas da assistência social — de forma similar ao que afirmou Letícia Bartholo este ano.

Apesar de não existir no âmbito federal, existem programas estaduais que garantem o recebimento de um “13º do Bolsa Família”. Isso ocorre em Pernambuco. A iniciativa concede anualmente uma parcela extra aos beneficiários do Bolsa Família no estado.

Em 2023, aproximadamente 1.077.294 famílias serão atendidas pelo programa, de acordo com a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Criança, Juventude e Prevenção à Violência e às Drogas. A iniciativa concedeu, em 2023, até R$ 150 por família.

Na Paraíba, uma lei estadual institui um abono natalino para os beneficiários do programa federal. O valor do abono é fixado em R$ 64.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. É importante esclarecer situações referentes a programas de auxílio, pois a menção de cancelamento ou diminuição de valores pagos pelo governo dão a entender que a população está sendo prejudicada, e informações descontextualizadas ou em tons alarmistas são frequentemente compartilhadas com o objetivo de causar pânico nos beneficiários.

Outras checagens sobre o tema: Programas de assistência social, como é o caso do Bolsa Família, são alvos frequentes de desinformadores por serem um tópico sensível. No Comprova, já mostramos que mães chefes de família não foram proibidas pelo governo de receber o benefício; que Geraldo Alckmin não sugeriu acabar com o programa; e também já explicamos o funcionamento do novo Bolsa Família.

Política

Investigado por: 2023-11-17

Produtora recebeu autorização para captar R$ 2 milhões via leis de incentivo, mas não pela Rouanet ou por ser amiga de Lula

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso vídeo que diz que uma militante do PT e do MST teria captado R$ 2 milhões via Lei Rouanet por ser amiga do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Projeto de diretora e produtora baiana foi aprovado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) para captação por meio de mecanismos previstos na Lei do Audiovisual, sem relação com a Lei Rouanet. Além disso, não encontramos indícios de que ela seja amiga de Lula.

Conteúdo investigado: Em vídeo, homem afirma que uma mulher chamada Thamires Santos Vieira, que seria militante do PT e do MST, “captou R$ 2 milhões da Lei Rouanet por ser amiga do Lula”, enquanto 7 milhões de baianos estariam passando fome.

Onde foi publicado: Instagram, TikTok e X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: Vídeo engana ao afirmar que Thamires Santos Vieira, diretora e produtora audiovisual da Bahia, teria captado R$ 2 milhões pela Lei Rouanet por ser amiga do presidente Lula (PT). Uma proposta de Vieira recebeu, sim, autorização para captar recursos, mas não pela Lei Rouanet. Além disso, o autor do post enganoso se baseia apenas em um post de Vieira em que ela declara apoio ao petista, mas não encontramos qualquer indício de que ela tenha uma relação de amizade com o presidente.

Sobre a captação de recursos, pela plataforma da Agência Nacional do Cinema (Ancine), é possível verificar que nenhuma das fontes de captação autorizadas têm relação com a Lei Rouanet. Dentro dos R$ 2.020.000 autorizados para captação, estão inclusos valores aprovados pelos mecanismos previstos na Lei 8.685/93, conhecida como Lei do Audiovisual, em editais da Ancine, leis estadual e municipal de incentivo e fomento à cultura e a contrapartida obrigatória do produtor.

O projeto ainda não captou recursos, tendo recebido autorização para tal no dia 26 de setembro de 2023. A produtora tem autorização para conseguir os recursos até o dia 31 de dezembro de 2026.

Questionado pelo Comprova, o MST informou que Thamires não é militante do movimento. Também buscamos o nome da diretora na base de dados de filiados a partidos políticos do site Brasil.io e, ao menos até abril de 2018, ela não era filiada a nenhum partido. 

O vídeo também erra o número de pessoas em situação de fome na Bahia. De acordo com pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, de 2022, há 1,7 milhão de pessoas em situação de insegurança alimentar no estado, e não 7 milhões.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Instagram, a publicação teve 2.1 mil visualizações até o dia 17 de novembro de 2023. O vídeo também foi publicado no TikTok, mas foi retirado do ar, junto à conta do autor. A gravação foi republicada no X, alcançando cerca de 300 visualizações.

Como verificamos: Primeiramente, o Comprova buscou pelo perfil de Thamires no Instagram e encontrou as fotos usadas no vídeo: em uma imagem, ela aparece vestindo uma camisa vermelha com adesivos do número 13 e a outra é uma montagem com imagem de pessoas erguendo bandeiras do Movimento Sem Teto de Salvador (MSTS).

Depois, procuramos o nome de Thamires no Diário Oficial da União. A pesquisa retornou algumas publicações sobre produções audiovisuais submetidas à captação. Também entramos em contato com a Ancine para esclarecer os mecanismos de fomento utilizados pelo projeto. Consultamos o MST e a relação de filiados a partidos políticos do Brasil.io. Por fim, tentamos falar com Thamires e buscamos o responsável pelo vídeo.

Captação não foi autorizada pela Lei Rouanet

O projeto ao qual o vídeo se refere é o documentário Mulheres do Bando, produzido pela Terá Filmes, empresa coordenada por Thamires Vieira. A proposta recebeu autorização para captar recursos no dia 26 de setembro de 2023, conforme esta publicação no Diário Oficial da União (DOU). A postagem investigada, inclusive, usa uma captura de tela da publicação do DOU para mostrar o valor total aprovado para captação, de R$ 2,020 milhões.

Segundo a plataforma de consulta aos projetos audiovisuais da Ancine, nenhuma das fontes de captação têm relação com a Lei Rouanet, ao contrário do que alega o vídeo. Dentro do montante estão incluídos valores aprovados pelos mecanismos previstos na Lei 8.685/93, conhecida como Lei do Audiovisual, em editais da Ancine, leis estadual e municipal de incentivo e fomento à cultura e a contrapartida obrigatória do produtor. Conforme a plataforma, o projeto ainda não captou recursos. Veja o detalhamento:

| Reprodução/Ancine. Captura feita em 14/11/2023.

O Art 3º- A da Lei do Audiovisual define que as empresas detentoras de direitos de exibição de filmes, eventos e competições esportivas, transmitidas por rádio e televisão, a exemplo de emissoras de TV abertas ou a cabo, podem abater até 70% do imposto devido desde que invistam no desenvolvimento de obras cinematográficas brasileiras.

No âmbito das legislações locais, o Programa Estadual de Incentivo ao Patrocínio Cultural (Fazcultura) foi instituído pela Lei Orgânica da Cultura Baiana (Lei Estadual n° 12.365/2011) e prevê a possibilidade de incentivo a projetos culturais por meio da renúncia do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Já o Viva Cultura, programa de incentivo de Salvador, também segue o sistema de renúncia fiscal. Nesse sentido, pessoas físicas e jurídicas conseguem abater parte do Imposto sobre Serviços (ISS) e do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) devidos, em compensação ao apoio a produções culturais.

A Terá Filmes também foi autorizada a captar recursos por meio de editais da Ancine, alimentados pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). O fundo é composto por diversas fontes de receita da União, sendo a principal delas a arrecadação da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine).

A Instrução Normativa nº 158, que traz diretrizes sobre projetos audiovisuais de competência da Ancine, determina que 5% do orçamento total do projeto deve ser custeado com recursos próprios do proponente. Dessa forma, dos R$ 2,020 milhões aprovados, a empresa deve custear, obrigatoriamente, R$ 120 mil.

Produtores que desejam captar fundos por meio de programas da Ancine devem atender algumas condições para receber aprovação do projeto. Além de condições básicas como ter registro na Ancine e adequação da atividade econômica ao objeto a ser realizado, a Ancine também exige regularidade fiscal, bem como tributária e previdenciária.

Os projetos também estão sujeitos a algumas condições para serem aprovados, como: a adequação do total de recursos de fomento indireto e direto solicitados ao limite total de captação da proponente, de acordo com a sua classificação de nível; e a adequação do projeto técnico às fontes de financiamento solicitadas e seus respectivos limites legais.

Após a aprovação do projeto para captação, são abertas contas bancárias exclusivas para captação e movimentação do dinheiro. Os valores são bloqueados até aprovação para execução do projeto, por ordem expressa da Ancine.

Quem é Thamires Vieira

Thamires é diretora e produtora audiovisual e coordena a Terá Filmes, produtora de cinema independente, sediada em Salvador. Em 2018, ela codirigiu a série documental “Diz Aí – Afro indígena” e contribuiu com a direção do documentário “Viva Nossa Voz”, uma parceria do Instagram com o Canal Brasil, em 2020.

A produtora também teve outros dois projetos aprovados pela Ancine, este ano, para captação de recursos. Eles tampouco captaram recursos até o momento. O período de captação do projeto Redoma segue até o dia 31 de dezembro de 2026 e o valor máximo de captação é de R$ 4 milhões. Já o longa Paraíso de Amanda tem autorização para captar recursos até 31 de dezembro de 2027, com valor máximo de R$ 2,2 milhões.

Em suas redes sociais, ela se manifestou a favor de Lula nas eleições presidenciais de 2022. No entanto, não há qualquer indício de que ela tenha uma relação de amizade com o presidente da República. O Comprova tentou entrar em contato com a diretora, mas não obteve resposta até a publicação desta verificação.

Questionado pelo Comprova, o MST informou que Thamires não é militante do movimento. Também buscamos o nome da diretora na base de dados de filiados a partidos políticos do site Brasil.io e, ao menos até abril de 2018, ela não era filiada a nenhum partido. A publicidade dos dados de filiação partidária foi limitada por decisão do TSE, em 2021, para conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Fome na Bahia

No vídeo, o homem afirma mais de uma vez que 7 milhões de baianos passam fome atualmente. Esse número também não condiz com a situação real. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, em 2022, ano de publicação do último relatório, 1,7 milhão de baianos conviviam com a fome.

Segundo o último censo, de 2022, a Bahia tem 14.141.626 habitantes.

Cabe ressaltar que os recursos voltados a iniciativas de incentivo e fomento à cultura são diferentes dos empregados em programas de combate à fome. Além disso, a Constituição Federal veda a transferência de recursos de uma pasta para outra, sem prévia autorização do Poder Legislativo. Ou seja, ainda que o governo quisesse tirar dinheiro da cultura para aplicar em programas de assistência social, seria necessário aprovar no Congresso uma lei específica para o remanejamento.

Em 2023, o governo federal recriou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), considerado essencial para a retirada do país do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU). O orçamento total previsto para o programa neste ano chega a R$ 900 milhões. Recentemente, a Bahia aderiu à iniciativa e recebeu um montante de R$ 13,88 milhões para execução do PAA no estado.

O programa prevê que, no mínimo, 30% das compras públicas de alimentos devem ser adquiridas da agricultura familiar e, posteriormente, destinadas a ações de combate à fome.

Lei Rouanet

Criada em 23 de dezembro de 1991, a Lei de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet, é um mecanismo de incentivo fiscal do governo federal que permite que empresas e pessoas físicas possam destinar uma porcentagem de seu imposto para iniciativas culturais. O objetivo é estimular e fomentar a produção, preservação e difusão cultural.

O valor do imposto vai para os programas aprovados pelo Ministério da Cultura, em um investimento indireto. Os principais critérios de avaliação utilizados pela pasta para aprovar um projeto são: a capacidade de ampliar o acesso da população à cultura; e compatibilidade de custos e capacidade técnica e operacional do proponente, respectivamente.

Uma vez aprovados, os proponentes devem buscar empresas e pessoas dispostas a financiarem os projetos através dos impostos. Desse modo, o governo dá a autorização para a captação de um determinado montante, mas isso não significa que o proponente vai obter todo o dinheiro previsto.

A execução do projeto incentivado é acompanhada pelo ministério, de forma eletrônica, por trilhas implementadas no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic), que identificam possíveis inconsistências de execução. Esse acompanhamento é diferente dependendo do valor captado do projeto, classificado como pequeno (até R$ 750 mil), médio (de R$ 750 mil até R$ 5 milhões) e grande (acima de R$ 5 milhões).

Todos os projetos devem realizar a comprovação de despesas de forma eletrônica, durante a execução. Essas informações são cruzadas com os valores utilizados em conta bancária específica e acompanhada, em tempo real, pelo ministério.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o autor do post via mensagem no Instagram. Ele defendeu a publicação afirmando que o conteúdo foi retirado do DOU e argumentou que o dinheiro poderia ser usado em outras áreas. Como esclarecido nesta verificação, as alegações feitas no vídeo estão fora de contexto. O responsável já foi alvo de outras verificações do Comprova. A iniciativa já desmentiu que um produtor cultural teria viajado a Portugal com dinheiro recebido da Lei Rouanet.

O que podemos aprender com esta verificação: O vídeo usa uma publicação do Diário Oficial da União como forma de conferir credibilidade às alegações do autor. No entanto, é preciso verificar se o documento, de fato, corrobora com as informações dadas na gravação. Nesse caso, ele alega que os recursos aprovados foram captados por meio da Lei Rouanet. No entanto, os mecanismos de incentivo eram outros e sequer houve captação de recursos.

Além disso, é comum que agentes de desinformação associem os investimentos em cultura a problemas relacionados a outras questões sociais, como a fome, o desemprego e a desassistência à saúde. Mas é preciso entender que cada área possui orçamento próprio e o emprego de recursos em um setor não significa o abandono de outros.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou outras publicações relacionadas à Lei Rouanet. Como afirmado acima, a iniciativa mostrou que um produtor cultural não foi a Portugal com dinheiro recebido do mecanismo e publicou também que tuíte engana ao dizer que Ludmilla receberá R$ 5 milhões por projeto que leva seu nome.

Problemas no Nordeste também são frequentemente alvos de desinformação. Recentemente, o Comprova verificou que o governo Lula não criou taxa para uso de poços artesianos e a gestão de recursos hídricos é papel dos estados e que vídeo resgata notícia antiga e engana sobre interrupção da Operação Carro-Pipa na gestão do petista.