O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-08-05

Médico usa dados enganosos ao sugerir conspiração sobre covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Verificamos as principais alegações de um post que faz referência a um vídeo de um grupo de médicos espanhóis que negam a existência da pandemia
  • Conteúdo verificado: Em post no Instagram, médico lê texto sobre encontro realizado na Espanha, de uma organização chamada Médicos por la Verdad. Segundo os participantes e o médico, a pandemia é uma farsa “criada com fins políticos”.

O vídeo publicado no perfil do Instagram do médico Djalma Marques, conhecido como Dr. Kefir, traz conteúdo enganoso ao afirmar que “a cada dia vão caindo as máscaras da grande farsa da pandemia!”. Ele contraria autoridades sanitárias do mundo todo que estão tentando combater a pandemia. A covid-19 já provocou a morte de mais de 700 mil pessoas, segundo a Universidade Johns Hopkins. Só no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, foram mais de 95 mil vítimas até a publicação deste texto.

Logo no início da gravação, Marques afirma ter uma “notícia fantástica”, sobre uma conferência de médicos na Espanha realizada para a imprensa por um grupo chamado de Médicos por la Verdad. Entre os pontos que ele lê no vídeo, destaca-se o trecho: “Os médicos concordam com os seguintes pontos: as vítimas do coronavírus não superam em número as que morreram devido à gripe sazonal no ano passado na grande maioria dos países. Dois: os protocolos médicos em diferentes países foram alterados para exagerar nos resultados. Três: o confinamento de pessoas sadias e o uso forçado de máscaras não têm qualquer base científica”.

Nenhuma dos três pontos é verdadeiro. A taxa de letalidade do novo coronavírus, de acordo com estimativa da OMS, atualmente é de 0,6%– o índice vem sendo reavaliado conforme a evolução da doença e estudos sobre ela. Já a da gripe sazonal é de 0,1%. Também não há nenhuma comprovação de que algum país tenha alterado informações sobre a doença e o confinamento e o uso de máscaras são algumas das poucas medidas eficientes já conhecidas contra a covid-19.

Além de defender uma suposta conspiração com fins políticos, Marques receita remédios como a hidroxicloroquina, sem eficácia comprovada. Questionado pelo Comprova sobre a posição da OMS em pedir o cancelamento dos estudos com a droga, ele disse que a organização faz uso “mais que político” da doença. “Meu respeito pela OMS é zero.”

Como verificamos?

O Comprova buscou informações sobre Djalma Marques na plataforma de currículos acadêmicos Lattes, mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no Conselho Federal de Medicina e na rede social Linkedin.

Também encontramos no Facebook e no Instagram páginas relacionadas à BioLogicus, empresa da qual Marques é sócio-fundador. Foi por ela que conseguimos o contato do médico e realizamos uma entrevista por telefone.

Procurando no Google, encontramos um vídeo no YouTube com a gravação completa da conferência e conseguimos o contato da associação alemã (Außerparlamentarischer Corona Untersuchungsausschuss, ou Comissão de Inquérito Extra-parlamentar do Corona, segundo tradução livre) que deu origem ao movimento dos médicos negacionistas na Europa. Enviamos dois e-mails pedindo informações, mas não recebemos resposta até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 5 de agosto de 2020.

Verificação

Quem é Djalma Marques?

Ele é médico e possui registro no Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba (CRMPB). Em seu perfil no Linkedin, ele se descreve como “sócio-presidente, idealizador e fundador” da BioLogicus, uma empresa de biotecnologia. O texto de descrição do site diz que a companhia foi fundada em 2004 por Djalma Marques e pela engenheira química Fátima Fonseca.

Marques tem duas contas no Instagram. Uma delas, no entanto, não é atualizada desde o fim de 2019. Na outra, ainda ativa e com postagens quase diárias, ele se intitula “Doutor Kefir”, nome de um complemento alimentar. A BioLogicus anuncia em suas redes sociais diversos produtos à base da substância.

Em contato por telefone com o Comprova, Marques disse ter se formado em medicina em 1978 e exercido a profissão desde então. Ele diz ter atuado na área de homeopatia e, atualmente, trabalha como médico generalista. Seu registro no Conselho Federal de Medicina não especifica a área de atuação dele.

Máscaras e lockdown

Marques tem se dedicado nas redes sociais a postar conteúdos relacionados à covid-19 desde o começo da pandemia. Inicialmente, defendia o uso de máscara e pedia para que as pessoas permanecessem em casa. No fim de julho, porém, se referiu ao objeto como “focinheira”.

Questionado pelo Comprova, afirmou: “Fui um dos primeiros a dizer para as pessoas ficarem em casa e usarem máscara, porque a gente não conhecia nada do vírus. Depois que começamos a conhecer, a gente começou a mudar”. Ele disse ainda que “não existem trabalhos científicos mostrando que o uso de máscara previne ou evita a disseminação do vírus. Agora, existe o contrário, mostrando que não previne”.

Segundo o Comprova mostrou, no início de junho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), reforça que as máscaras “reduzem a incidência de infecções” e recomenda seu uso em locais públicos, como supermercados e farmácias.

Ainda no vídeo verificado, Marques critica o lockdown. Questionado pelo Comprova, chamou a medida de “prisão domiciliar forçada”. “Vamos tirar esse nome lockdown do vocabulário porque somos brasileiros. Então, qual é o nome? Não tem nome ainda na ciência colocar todo mundo sadio, suspeito, doente, dentro de casa. A ciência tem nome para quarentena, que é pegar pessoas doentes, separá-las das pessoas sadias até que passem os sintomas ou sejam tratadas. Isso se chama quarentena.” E continuou: “Substituir o nome por lockdown é para deixar o povo na ignorância. Ou você tem uma prisão domiciliar forçada, ou você tem uma quarentena”.

As medidas de restrição e isolamento foram vistas pela OMS, desde o começo da pandemia, como algumas das mais eficazes para a contenção do vírus e o retardamento do pico de contágio da doença. “Além das medidas de lockdown, precisamos de estratégias abrangentes baseadas em vigilância, em intervenção de saúde pública, testes, quarentena, e fortalecer os sistemas de saúde para absorver o golpe”, disse Michael Ryan, diretor-executivo de emergências sanitárias da OMS, em 1 de abril.

Uso da hidroxicloroquina

Na parte final do vídeo, o médico afirma que a hidroxicloroquina se mostrou eficaz no tratamento da covid-19 “em diversos países”. O tratamento com a substância, porém, não tem comprovação científica. A Organização Mundial da Saúde e o National Health Service (Serviço Nacional de Saúde) do Reino Unido cancelaram estudos com a cloroquina e a hidroxicloroquina.

Nos Estados Unidos, um dos países citados por Marques, a Food and Drugs Administration (FDA), órgão equivalente à Anvisa, revogou a autorização para o uso emergencial da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 no país.

No caso do Brasil, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina é amplamente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele ordenou que o Laboratório do Exército produzisse os medicamentos e a pressão pela adoção das substâncias custou o cargo de dois ministros da Saúde (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich). Em maio, o Ministério da Saúde, já sob a gestão de Eduardo Pazuello, ampliou a possibilidade do uso da hidroxicloroquina e da cloroquina para pacientes com sintomas leves da covid-19 – até então, elas eram previstas apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais.

Em julho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe dizendo ser “urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19” diante das novas evidências científicas.

Em contato com o Comprova, Marques diz receitar hidroxicloroquina e ivermectina – outra droga sem comprovação contra a doença – aos seus pacientes. “Eu uso a hidroxicloroquina porque ela é segura. Tratei pacientes obesos, hipertensos, diabéticos, grávidas e não tive um caso de insucesso. Quem diz que não pode tem que explicar o porquê. Acho que é um tema mais político do que médico.” E continuou: “A OMS é liderada por um ex-guerrilheiro do partido comunista, que não é médico. Meu respeito por ela é zero”.

Tedros Adhanom, diretor-geral da organização, nunca atuou como guerrilheiro de um partido comunista. Entre 2005 e 2012, foi ministro da Saúde na Etiópia no governo do presidente Girma Wolde-Giorgis, filiado à Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope. A organização política, de esquerda, teve papel fundamental no fim do regime socialista de Mengistu Haile Mariam (de 1974 a 1991).

Vacina

No Brasil, está em teste uma vacina criada pelo Instituto Butantan em parceria com a empresa farmacêutica chinesa Sinovac Biotech e anunciada pelo governo do estado de São Paulo. Os testes foram autorizados pela Anvisa no início de julho. Já havia sido definido que o estudo clínico envolveria nove mil pessoas – metade receberá a vacina e outra metade receberá um placebo para que seja possível comparar a resposta imune. Os participantes foram recrutados pelo governo – entre os pré-requisitos para se candidatar era preciso ser profissional de saúde, estar atuando no tratamento de pacientes com o novo coronavírus, ainda não ter sido infectado e não estar grávida.

Os testes estão sendo realizados em 12 centros de pesquisa de seis estados do país. Os voluntários serão acompanhados durante três meses. Se a imunização se provar segura e eficaz, o Butantan produzirá 120 milhões de doses a partir do início de 2021. Segundo o instituto, nessa fase, a vacina será disponibilizada para todo o país pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Além desta, há a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca em cooperação com o Brasil. Em junho, o Ministério da Saúde brasileiro anunciou ter entrado na parceria para a produção por meio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Segundo comunicado do órgão, serão 100 milhões de doses à disposição da população brasileira quando demonstrada a eficácia da proteção.

Embora haja testes e estudos para o combate ao novo coronavírus, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, afirmou nesta semana que a espera por uma vacina pode ser longa. “Muitas vacinas estão na terceira fase de testes clínicos e todos esperamos que haja várias vacinas eficientes que possam ajudar a prevenir que pessoas sejam infectadas. No entanto, não existe bala de prata no momento — e pode ser que nunca exista”, disse.

Médicos por la Verdad?

A associação que foi chamada de Médicos por la Verdad na Espanha surgiu a partir de um movimento criado na Alemanha que tem o médico Heiko Schöning como um dos líderes. Ela reúne pessoas que acreditam, como Marques, que a pandemia não existe. Uma das profissionais à frente do movimento na Espanha é Natalia Prego Cancelo. Em um dos vídeos em seu canal no YouTube, ela aparece à frente de um protesto com menos de 15 pessoas, gritando “Confinamento, nunca mais”.

Na entrevista para o Comprova, Djalma Marques afirmou ter uma relação com os profissionais envolvidos no Medicos por la Verdad. “Como eu estudei em Barcelona, tenho um contato bastante estreito com médicos que fazem parte”, disse. Sobre uma possível presença da associação no Brasil, ele informou que “ainda não é oficial”.

Por que investigamos?

O Comprova checa informações sobre políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia de covid-19 que tenham viralização nas redes sociais. O vídeo do médico Djalma Marques teve mais de 38 mil visualizações no Instagram até 5 de agosto. No Facebook, a publicação na página do médico foi compartilhada 689 vezes e teve mais de 13 mil visualizações.

Marques e a associação Médicos por la Verdad colocam a saúde da população em risco ao utilizar informações enganosas para sugerir uma possível conspiração relacionada à covid-19 e ao criticar o uso de máscara e ao “lockdown”. Eles também indicam o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da doença, o que vai contra as recomendações da Organização Mundial da Saúde.

O Comprova já publicou verificações desmentindo a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina em diversas ocasiões. Entre as investigações mais recentes estão as da médica que usou informações falsas para falar em cura da doença, a da profissional que citou estudos não conclusivos para sugerir uma conspiração contra a cloroquina e do site que relacionou a baixa mortalidade por covid-19 em Cuba à hidroxicloroquina.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado de forma a induzir a uma interpretação diferente, que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar danos.

Saúde

Investigado por: 2020-08-05

É falso que a Austrália tenha controlado a covid-19 com o uso de ivermectina

  • Falso
Falso
O único tratamento contra a doença aprovado pelo país foi o remdesivir, que só deve ser prescrito para pacientes graves. Antes disso, o país adotou medidas como distanciamento social, higienização das mãos, restrição de viagens e lockdown
  • Conteúdo verificado: Em vídeo publicado nas redes sociais, a médica Cecília Pimenta diz que a Austrália distribuiu ivermectina “para toda a população” e, após isso, os casos de covid-19 começaram a cair

É falso que o governo da Austrália recomendou a toda população que tomasse a ivermectina como medida preventiva contra a covid-19 e que, depois disso, o número de casos no país caiu. A afirmação foi feita em um vídeo viral pela médica Cecília Pimenta. O único tratamento contra a doença aprovado pela Austrália foi o remdesivir, que só deve ser prescrito para pacientes graves. Antes disso, o país adotou medidas como distanciamento social, higienização das mãos, restrição de viagens e lockdown. A Universidade de Monash, que lidera a pesquisa australiana sobre o uso da ivermectina para tratar o novo coronavírus, afirmou ao Comprova que nem sequer iniciou o teste em humanos. Atualmente, a Austrália enfrenta uma segunda onda de infecções.

No vídeo, Pimenta também afirma, erroneamente, que a eficácia do medicamento foi reconhecida pela agência sanitária dos Estados Unidos, a Food And Drug Administration (FDA) – o órgão orientou os pacientes de covid-19 a não tomar ivermectina. A médica também diz que o uso da ivermectina foi responsável por controlar a pandemia na Etiópia, o que já havia sido desmentido pelo Comprova. Por fim, afirma que o remédio já é considerado uma “vacina” contra o novo coronavírus. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porém, não reconhece a eficácia da droga no tratamento da doença.

O Comprova conseguiu falar com Cecília Pimenta e a questionou sobre as fontes das informações que cita no vídeo. Por WhatsApp, ela sugeriu que o Comprova pesquisasse na internet artigos sobre o uso da ivermectina no tratamento da covid-19.

Como verificamos?

O Comprova buscou informações sobre Cecília Pimenta no site do Conselho Federal de Medicina (CFM) e no Google, onde encontrou o número da clínica onde ela atende. A secretária nos deu o contato direto da médica. Também buscamos informações em verificações anteriores do Comprova sobre o uso da ivermectina na Austrália e na Etiópia.

Enviamos e-mail para a médica australiana Kylie Wagstaff, que coordena a pesquisa com ivermectina para combater o novo coronavírus na Universidade de Monash, na Austrália, e para o doutor Thomas Borody, diretor do Centro para Doenças Digestivas, que defendeu o uso da droga pelo governo australiano. Também tentamos contato com o Departamento de Saúde da Austrália, mas não tivemos retorno.

Por fim, procuramos a assessoria de imprensa da Anvisa e os sites das autoridades sanitárias dos Estados Unidos, FDA, e da Austrália, Therapeutic Goods Administration (TGA), em busca de informações sobre o uso da ivermectina nos três países.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 5 de agosto de 2020.

Verificação

Quem é Cecília Pimenta?

Cecília Maria Pimenta é registrada no Conselho Federal de Medicina (CFM) com atuação em Minas Gerais desde 1989. Atualmente, trabalha na cidade de Uberlândia. Em seus vídeos, se apresenta como ginecologista e médica da longevidade, embora não tenha nenhuma especialidade registrada junto ao CFM. Criou um canal no YouTube em novembro de 2019, quando publicou uma palestra feita em uma igreja com o tema “A razão da superação à luz da ciência e da Bíblia”. Todos os outros três vídeos do canal foram postados a partir do dia 22 de junho deste ano e falam sobre o uso da ivermectina para tratar pacientes com covid-19. Em um deles, cita como fonte a médica Lucy Kerr, cujo conteúdo sobre a ivermectina já foi apontado como enganoso pelo Comprova.

No vídeo que viralizou, um homem pediu, nos comentários, que ela indicasse os estudos que comprovam a eficácia da droga. A médica respondeu afirmando que, se ele pesquisasse, encontraria estudos contrários e favoráveis ao uso. “A ivermectina é extremamente segura e tem demonstrado resultados excepcionais em todo o mundo. Trabalhos científicos levam tempo para ser concluídos, não temos tempo”, afirmou.

Questionada sobre as fontes das informações que cita no vídeo, Pimenta afirmou, por WhatsApp, que estudos e pesquisas estão facilmente disponíveis em sites como Google Acadêmico, Scielo e BVS. “Basta você só pesquisar por ‘Ivermectin and COVID 19’ que terá acesso às informações que procura”, disse. Quando o Comprova perguntou se ela poderia indicar os links desses estudos, voltou a sugerir que a reportagem fizesse uma busca no Google. “Tem tudo o que você precisa”, disse.

A ivermectina na Austrália

A pesquisa sobre o possível uso da ivermectina como tratamento do novo coronavírus teve início na Universidade de Monash, na Austrália. Os pesquisadores constataram a eficácia do medicamento em laboratório, mas com uma dosagem superior à recomendada para o uso humano. Em junho, a universidade disse ao Comprova que pacientes com covid-19 não deviam usar a ivermectina como tratamento até que testes clínicos em humanos conseguissem comprovar a eficácia e a dose segura para ingestão.

O Comprova voltou a procurar a instituição em agosto para essa verificação. A doutora Kylie Wagstaff, que coordena a pesquisa com ivermectina na universidade, afirmou por e-mail, que, embora os testes pré-clínicos tenham se mostrado promissores, eles ainda não usaram a ivermectina em humanos. Isso porque a Austrália não tinha muitos pacientes para serem testados até recentemente, quando o país começou a passar por uma segunda onda de infecções. Ela também disse desconhecer a adoção da droga pelo governo do país para enfrentar a pandemia.

Segundo o site da Therapeutic Goods Administration (TGA), autoridade sanitária australiana, até o momento não há remédios ou vacinas comprovados para tratar ou prevenir a covid-19. Em 10 de julho, a TGA aprovou o primeiro tratamento específico para a doença no país, o remdesivir. Mesmo assim, só deve ser aplicado em pacientes hospitalizados com sintomas graves. Em 4 de agosto, o médico australiano Thomas Borody, diretor do Centro para Doenças Digestivas (Centre for Digestive Disease), defendeu que o governo adote a ivermectina como parte de um coquetel para tratar o novo coronavírus. O Comprova enviou e-mail para o doutor Borody para saber se ele receitou a medicação para seus pacientes, mas não teve retorno até o fechamento dessa verificação.

Pandemia na Austrália

A Austrália identificou o primeiro caso de covid-19 em 25 de janeiro, um homem vindo da província de Wuhan, na China. Seis dias depois, o governo determinou que todos os estrangeiros vindos da China passassem por um período de quarentena em outro país antes de serem autorizados a entrar em território nacional. Em fevereiro, as restrições foram ampliadas para a entrada de estrangeiros vindo de outras nações.

No início de março, os australianos registraram a primeira morte pela doença e os primeiros casos de transmissão comunitária do novo coronavírus. A partir daí, medidas mais enérgicas foram adotadas. A Austrália fechou suas fronteiras, impôs medidas de distanciamento social e fechou serviços não essenciais. O país também injetou 17,6 bilhões de dólares australianos (R$ 67 bilhões) em um pacote econômico e investiu outros 2,4 bilhões (R$ 9,1 bilhões) em saúde.

O afrouxamento gradual dessas medidas teve início em maio. Mas, em junho, os australianos passaram a lidar com uma segunda onda de infecções e o governo teve que adotar o lockdown em Melbourne, onde o comércio voltará a ser fechado a partir desta sexta-feira, 6 de agosto. O retorno das sessões presenciais do Parlamento federal, que ocorreria agora em agosto, também foi adiado.

Atualmente, o governo federal australiano mantém restrições de viagem, obrigação de quarentena para pessoas que chegam ao país e orienta os cidadãos a manter medidas de higiene e isolamento em casos de sintomas. Governos locais podem impor barreiras sanitárias. A Austrália também restringiu a venda de hidroxicloroquina e de medicamentos essenciais, como analgésicos, anticoagulantes e antidepressivos, para garantir o suprimento para pessoas que precisam dessas substâncias. Até esta quarta-feira (5), a Austrália tinha registrado 19.445 casos de covid-19 e 257 mortes pela doença, segundo dados da Johns Hopkins University.

O que diz a FDA?

Cecília Pimenta disse que a Food and Drug Administration (FDA), órgão sanitário dos Estados Unidos, reconheceu que a ivermectina funcionou em laboratório para combater o novo coronavírus. O site da FDA, porém, informa que as pessoas não devem tomar a medicação para prevenir ou tratar a covid-19 e cita a pesquisa da Universidade de Monash, mas lembra que “esse tipo de estudo laboratorial é comumente usado nos estágios iniciais do desenvolvimento de remédios” e que “testes adicionais são necessários para determinar se a ivermectina pode ser apropriada para prevenir ou tratar a covid-19”.

A FDA também negou haver uma autorização emergencial para que a droga seja usada por pacientes do novo coronavírus e orientou as pessoas a não consumirem medicamentos de ivermectina feitos para tratar animais.

O que diz a Anvisa?

Em email enviado ao Comprova, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da covid-19 no Brasil. Sobre a ivermectina, a Anvisa disse que “não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento da covid-19, bem como não existem estudos que refutem esse uso”. A agência também lembrou que o uso do medicamento para indicações não previstas na bula é de escolha e responsabilidade do médico que o prescreve.

No dia 22 de julho, a Anvisa determinou que as farmácias devem reter a receita das pessoas que compram ivermectina; o que garante um controle maior à venda da droga no Brasil.

Etiópia

Em julho, o Comprova mostrou ser falso que os países da África tenham controlado a pandemia de covid-19 com a ivermectina. No caso da Etiópia, logo após a confirmação do primeiro caso, em 13 de março, o governo fechou escolas, proibiu aglomerações e pediu à população que adotasse o isolamento social. Em 20 de março, a Etiópia adotou novas medidas, como o fechamento de bares e restaurantes, o cancelamento de voos para dezenas de países e a obrigatoriedade de quarentena para todos os que desembarcassem no país. Em 8 de abril, o governo decretou estado de emergência nacional por causa da pandemia.

A ivermectina não é indicada pelas autoridades sanitárias da Etiópia para a prevenção ou tratamento da covid-19. Segundo o governo, não há medicamento eficaz para os pacientes e a prevenção é o melhor método para controlar o contágio da doença. O país recomenda que os cidadãos lavem as mãos com frequência, evitem tocar o nariz e a boca, usem máscara e mantenham distância das outras pessoas.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica informações sobre as políticas públicas do governo federal e a pandemia de covid-19 que tenham viralizado nas redes sociais. É o caso da vídeo da médica Cecília Pimenta, que teve 11,3 mil visualizações no YouTube e 10,4 mil compartilhamentos no Facebook. A verificação se torna ainda mais importante quando se trata de medicações e tratamentos para o novo coronavírus, porque esses conteúdos podem induzir as pessoas a automedicação e expô-las a riscos de contaminação, por acreditarem que há uma cura comprovada e barata para a doença.

A ivermectina tem sido tema recorrente de desinformação. Além das verificações citadas acima, o Comprova também mostrou que as declarações de médicos têm sido distorcidas para alegar a eficácia da droga no combate à covid-19. Além disso, o Comprova já verificou conteúdos sobre as vacinas testadas no Brasil, o uso de máscaras, e que a cloroquina cura a doença. Também mostrou ser enganoso o uso via retal de ozônio como tratamento.

Falso para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edição para modificar o seu significado original e divulgado de maneira deliberada para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-08-05

Ozonioterapia não tem eficácia comprovada contra a covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Aplicação de ozônio, homeopatia e tratamento com ivermectina anunciados em uma live pelo prefeito da cidade catarinense de Itajaí não tem eficácia comprovada para tratar a covid-19
  • Conteúdo verificado: Prefeito de Itajaí (SC) faz live para anunciar que disponibilizará ozonioterapia à população como forma de tratamento da covid-19. Prefeito também fala da eficácia de homeopatia e ivermectina no combate ao novo coronavírus.

Não há comprovação científica de eficácia dos tratamentos para a covid-19 propostos pelo prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni (MDB). No dia 3 de agosto, em uma live no Facebook, ele anunciou que o município vai passar a oferecer um “ambulatório de ozônio”, onde os pacientes confirmados com a doença poderão realizar a chamada ozonioterapia.

A técnica, que administra uma mistura de oxigênio e ozônio no corpo por diversas vias, porém, não é um consenso na comunidade médica e só tem autorização do Conselho Federal de Medicina para ser aplicada de forma experimental. Por isso, a cidade vai participar de um estudo da Associação Brasileira de Ozonioterapia que vai avaliar a efetividade do tratamento. O ensaio, segundo a prefeitura, também é realizado em outras partes do país e não tem limite de participantes – na prática, portanto, estará disponível a todos os moradores da cidade que estiverem interessados.

O prefeito também mencionou a distribuição de comprimidos de ivermectina e de cânfora — nenhuma das duas substâncias tem comprovação de eficácia contra o novo coronavírus.

Como verificamos?

O Comprova entrou em contato com a Prefeitura de Itajaí para saber os detalhes da medida. Também consultamos Conselho Federal de Medicina (CFM), Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica (SOBOM) e Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB) para entender a utilização das terapias e medicamentos citados no vídeo. Ainda falamos com especialistas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do Instituto Questão de Ciência. Por fim, consultamos os dados da doença junto às secretarias de saúde estadual e municipal.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de agosto de 2020.

Verificação

No vídeo transmitido no dia 3 de agosto, Morastoni disse que a Secretaria Municipal de Saúde estava finalizando os trâmites, junto ao Conselho Nacional de Pesquisa e Ética (Conep), para que a cidade seja incluída em um “protocolo nacional de pesquisa”. “Com isso, nós vamos ser autorizados a usar, a ter um ambulatório de ozônio”, afirmou.

A terapia foi a principal novidade anunciada pelo político, que ainda detalhou o tratamento: “Para esses casos [de diagnóstico positivo da covid-19, com sintomas], além da ivermectina, além da azitromicina, além de tudo mais, além da cânfora, nós também vamos oferecer o ozônio. É uma aplicação simples, rápida, de dois a três minutinhos por dia. Provavelmente vai ser uma aplicação via retal, que é uma aplicação tranquilíssima, rapidíssima, de dois minutos, num cateter fininho, e isso dá um resultado excelente. Nós vamos, em breve, estar implantando isso também. E, aí, a pessoa tem que fazer durante 10 dias seguidos — são 10 sessões de ozônio […] e isso ajuda muitíssimo nos casos, provavelmente, nos casos de coronavírus positivos.”

Ozonioterapia

Em 20 de abril de 2018, o Conselho Federal de Medicina tornou a ozonioterapia “procedimento experimental”. Com isso, determinou que ela só pode ser realizada “em instituições devidamente credenciadas” e sob o escopo de estudos. Sua aplicação deve seguir critérios definidos pela Conep. Uma das regras é que a aplicação da ozonioterapia não pode ser cobrada.

O CFM define a ozonioterapia como técnica de aplicação de uma mistura dos gases oxigênio e ozônio, por diversas vias de administração, com finalidade terapêutica. As principais são: endovenosa, retal, intra-articular, local, intervertebral, intraforaminal, intradiscal, epidural, intramuscular e intravesical.

O estudo em Itajaí será coordenado pela Associação Brasileira de Ozonioterapia (ABOZ), que faz lobby pela regularização da terapia junto ao Conselho Federal de Medicina . O CFM analisou 26 mil trabalhos sobre o tema e classificou-os como “incipientes”. Entendeu que “seriam necessários mais estudos com metodologia adequada e comparação da ozonioterapia a procedimentos placebos, assim como estudos comprovando as diversas doses e meios de aplicação de ozônio”.

O Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC) emitiu nota nesta terça-feira, 4, na qual reforça que todo tratamento — não só para covid-19 — deve ser validado pelo CFM e que este já emitiu parecer restringindo a prática da ozonioterapia a estudos experimentais. “A norma federal também deixa claro que o seu uso benéfico em tratamentos clínicos ainda está longe de ser uma unanimidade positiva, já que o volume de estudos e trabalhos científicos adequados sobre a prática ainda é incipiente e não oferece as certezas necessárias. Esse assunto exige mais pesquisa em busca de conhecimento sobre o tema.”

Ozonioterapia e a covid-19

Desde abril, a possibilidade de uso da ozonioterapia como tratamento complementar de pacientes com covid-19 vem sendo discutida no Brasil, por meio do Projeto de Lei 1383/20, da deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF). A proposta da parlamentar é que o tratamento seja uma possibilidade, aplicada conforme indicação médica em cada caso e de forma complementar. O texto foi alvo de discussão em uma comissão externa da Câmara dos Deputados no começo de julho. Na ocasião, defensores da terapia alegaram que seria capaz de reduzir a gravidade e o tempo de duração da infecção pelo SARS-CoV-2, com possibilidade de diminuição dos custos do tratamento em até 80%. Representantes do CFM que participaram do debate, porém, afirmam que as evidências clínicas defendidas não são consideradas pela entidade e que não há reconhecimento da ozonioterapia como especialidade médica.

Procurado pelo Comprova, o Ministério da Saúde também reafirmou que “de acordo com nota técnica publicada em abril deste ano, o efeito da ozonioterapia em humanos infectados por coronavírus (Sars-Cov-2) ainda é desconhecido e não deve ser recomendado como prática clínica ou fora do contexto de estudos clínicos”.

O Comprova entrou em contato com a presidente da Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica (Sobom), Maria Emília Gadelha Serra. A médica enviou um ofício, encaminhado em 3 de agosto ao Ministério da Saúde, solicitando a inclusão de dois hospitais de Porto Alegre em um estudo clínico sobre o uso da ozonioterapia em pacientes com covid-19. O estudo já foi aprovado pela Comissão Brasileira de Ética em Pesquisa e tem registro da participação de 10 centros de pesquisa no país, inclusive a Fundação Oswaldo Cruz, mas ainda não foi iniciado. O ensaio vai recrutar 150 participantes.

Sobre as evidências científicas dos benefícios da ozonioterapia, Gadelha disse que há vários artigos publicados na literatura internacional dos últimos 70 anos. Perguntada sobre os resultados obtidos em outros estudos que coordena e para os quais recebeu aprovação do Conep, a pesquisadora disse apenas que foram protocolados recentemente.

Segundo o prefeito de Itajaí, o município vai fazer parte de uma pesquisa para que tenha autorização para montar um “ambulatório de ozônio”. Ao contrário do que sugere um protocolo de pesquisa, porém, o chefe do executivo municipal disse que a terapia vai estar disponível para todos os habitantes da cidade que testarem positivo para a covid-19: “ivermectina, cânfora, ozônio e tudo mais que nós formos descobrindo e sabendo que pode ajudar, nós vamos colocar à disposição da nossa população”, afirmou, na transmissão ao vivo.

Em uma nota publicada no site da prefeitura e enviada ao Comprova, a prefeitura diz que o estudo está sendo realizado em outros hospitais e ambulatórios do país, com os mesmos protocolos que ainda não tem data para ser implementados na cidade. “Os pacientes poderão participar da pesquisa de forma voluntária, desde que preencham os requisitos do estudo e assinem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da Pesquisa. Todas as informações serão fornecidas pela equipe da pesquisa. O estudo recomenda que o protocolo seja aplicado em, no mínimo, 142 pacientes”, diz, ainda, o texto divulgado pela prefeitura.

O Comprova contatou a Associação Brasileira de Ozonioterapia, responsável pelo estudo que será realizado na cidade, mas não recebeu retorno até o fechamento desta verificação.

Perguntamos à presidente da SOBOM sobre a possibilidade de utilização da terapia de forma ampla, como anunciada pelo prefeito, ao invés de definir um grupo claro de estudo. Segundo ela, seria um caso de utilização “off-label”, que necessita de autorização do paciente em um “termo de consentimento livre e esclarecido para uso não estabelecido em bula de medicamentos”.

Para Luiz Gustavo de Almeida, microbiologista formado pelo Instituto de Ciências Biomédicas USP e coordenador dos Projetos Educacionais do Instituto Questão de Ciência, a terapia é uma repetição de outros tratamentos propostos durante o curso da pandemia do novo coronavírus. “É a mesma história de todos os outros remédios. A gente testa em laboratório, ele funciona na cultura de células. E as pessoas dão um salto para aplicar isso para pessoas. O ozônio mata vírus e bactérias, tanto que é usado para higienizar laboratórios. Agora, você assume que dentro do corpo da pessoa ele vai ter o mesmo funcionamento. Ele, inclusive, pode fazer mal para as nossas células, dependendo da forma como reage dentro do corpo”, afirmou em entrevista ao Comprova. E completou: “Antes que se faça os testes necessários para saber se esse tratamento funciona em humanos, você já está dando para as pessoas”.

Em abril, o Instituto já alertava para a ineficácia do tratamento com ozônio nos casos de covid-19. Na ocasião, uma clínica nos Estados Unidos foi proibida de oferecer a terapia. Por lá, a Food and Drug Administration (FDA, órgão equivalente à Anvisa no Brasil) considera o ozônio um “gás tóxico e sem aplicações médicas conhecidas em terapias específicas, complementares ou preventivas”.

No dia seguinte à live, 4 de agosto, o Ministério Público enviou uma recomendação à prefeitura de Itajaí para que não seja fornecido o tratamento à base de ozônio. Pelo site oficial, porém, o Executivo informou que “esta ação não se trata da distribuição de ozônio como forma de tratamento, mas sim da participação em um estudo multicêntrico da Associação Brasileira de Ozonioterapia, aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde, que irá avaliar cientificamente o impacto do uso desta técnica no tratamento de pacientes com COVID-19”

Ivermectina

Outro elemento do protocolo adotado em Itajaí no combate à covid-19 e mencionado na live é o uso da ivermectina. A prefeitura iniciou a distribuição massiva da ivermectina para a população em 7 de julho. O prefeito publicou um vídeo em sua página no Facebook no qual diz que a intenção é “ajudar na prevenção ao contágio e na diminuição dos sintomas no tratamento de pacientes com covid-19”. Em 31 de julho, a prefeitura anunciou que 126 mil pessoas já haviam aderido ao programa municipal e que haviam sido distribuídos 1.584.455 comprimidos do medicamento. Neste intervalo, os casos cresceram 75,2% e os óbitos, 113,3%, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde.

A ivermectina é um remédio utilizado há muito tempo na cura de doenças parasitárias como piolho e sarna. Há alguns anos, cientistas descobriram que ela tem efeito inibidor in vitro em alguns vírus, como o da dengue, da gripe e o HIV. Por isso, um grupo de cientistas australianos da Universidade Monash testou seu efeito no SARS-CoV-2 e descobriu que o medicamento possui o mesmo efeito: eliminou todo o coronavírus presente em uma cultura de células em até 48h.

Isso não quer dizer que a ivermectina tenha eficácia comprovada no tratamento da covid-19. Muitas drogas têm efeito positivo em laboratório, mas o resultado não é replicado quando se passa para seres vivos (chamado in vivo), explica Lucile Maria Floeter Winter, diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Segundo ela, os testes in vitro são apenas o primeiro passo, pois nem sempre é possível atingir a dosagem ideal in vivo — isso é, quando a fisiologia do organismo infectado está ativa. “O organismo íntegro pode, por exemplo, metabolizar a substância, fazendo que a dose ideal não atinja o alvo, ou mesmo que esse alvo não seja acessível ao composto por alguma outra razão biológica.”

A própria Universidade de Monash explica que “a ivermectina não pode ser usada em humanos para o tratamento da covid-19 até que sejam feitos testes clínicos que comprovem a sua eficácia em dosagens seguras”.

Na live, o prefeito citou a médica Lucy Kerr, defensora do uso da ivermectina no tratamento de pacientes com a covid-19. O Comprova verificou um vídeo em que ela defendia o uso do medicamento em maio e concluiu que as informações são enganosas.

Tratamento homeopático

Outra substância mencionada pelo prefeito na live foi a cânfora (Camphora officinalis), usada na cidade de forma preventiva e no tratamento dos pacientes com diagnóstico confirmado do novo coronavírus. A Prefeitura de Itajaí anunciou a distribuição do remédio homeopático para a população no final de abril. Até meados de julho, mais de 93 mil frascos de cânfora foram distribuídos no município. Em 17 de julho, a prefeitura divulgou os resultados de uma enquete feita com 1.171 pessoas. Os dados, segundo o município, sugerem uma “redução da gravidade” da doença e um índice de mortalidade menor. A comparação, porém, não leva em conta que apenas 3,7% dos que responderam ao questionário testaram positivo para o novo coronavírus.

Segundo o protocolo desenvolvido pela Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB), a homeopatia deve ser vista como “uma terapia complementar, que além de auxiliar a melhora física, atua na vitalidade emocional dos pacientes” e que “o tratamento homeopático deve ser aliado ao alopático”, ou seja, à medicina tradicional. Para o doutor Luiz Darcy Siqueira, presidente da entidade, a homeopatia não cura a covid-19. Ela trata o paciente, ajudando no seu restabelecimento e na resposta à doença.

Um estudo preliminar feito pela AMHB listou cinco medicamentos homeopáticos para serem usados em pacientes de covid-19: Arsenicum album, Bryonia alba, China officinalis, Chininum arsenicosum e Phosphorus; sem menção à Camphora officinalis. A entidade, porém, diz que o levantamento da Prefeitura de Itajaí é parte de um estudo da Associação Médica Homeopática de Santa Catarina, com acompanhamento da AMHB. Segundo Siqueira, os compostos podem ajudar na prevenção, mas pacientes com casos graves devem ser encaminhados aos hospitais. A AMHB aguarda autorização do poder público para dar início a um estudo clínico no Hospital Regional de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

De acordo com o microbiologista Luiz Gustavo de Almeida, é preciso lembrar que não há comprovação de que a homeopatia funciona no tratamento da covid-19 e de outras enfermidades. “É preciso ter muito cuidado com esse tipo de tratamento. Você pode dar falsas esperanças para as pessoas ao oferecer um medicamento que não tem eficácia comprovada. As pessoas podem se sentir mais seguras por estarem fazendo um tratamento profilático, saírem de casa e se contaminar”, adverte. Ele lembra que, em Itajaí, há um número elevado de pessoas contaminadas com o novo coronavírus. “As pessoas acreditam nessa voz de autoridade do prefeito, que é médico, e relaxam justamente as ações que a gente sabe que funcionam, como o distanciamento social, para apostar nessas medidas. Não é nem só uma questão de perda de tempo. Você pode estar fazendo um mal para a população”, alerta.

O prefeito de Itajaí

Volnei José Morastoni (MDB) é médico desde 1979, com especialização em pediatria, pela Universidade Federal do Paraná. Teve registros no Conselho Regional de Medicina do Paraná e depois em Santa Catarina, conforme o portal do Conselho Federal de Medicina. Está em situação regular para exercer a medicina, segundo o órgão.

É prefeito pela segunda vez de Itajaí (2005-2008 e 2017-2020), cidade de 219,5 mil habitantes localizada no Litoral Norte de Santa Catarina. Foi também deputado estadual e presidiu a Assembleia Legislativa de Santa Catarina entre 2003 e 2004. Morastoni é simpatizante do cardiologista e nutrólogo Lair Ribeiro, que prega práticas alternativas na medicina, com quem já fez uma especialização.

No discurso de posse para o atual mandato, em 2 de janeiro de 2017, apontou como prioridade resgatar um antigo projeto da prefeitura, chamado de Centro de Práticas Integrativas e Complementares, dedicado a oferecer modalidades alternativas de tratamento aos pacientes, que incluem homeopatia, acupuntura, relaxamento e métodos terapêuticos orientais. Esse centro havia sido criado em 2008, quando ele foi prefeito pela primeira vez, ainda pelo PT, e, segundo a prefeitura, nasceu amparado na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, do SUS, aprovada dois anos antes.

Não é a primeira polêmica em que Morastoni se envolve ao defender o uso de homeopatia na rede pública. Em 2017, ele lançou um projeto pioneiro para tratar dependentes de cocaína e crack utilizando composto feito a partir da folha da coca. Embora esse projeto tenha contado com apoio da Universidade do Vale do Itajaí e do Conselho Federal de Medicina, além de ter recebido recursos do Ministério da Saúde, foi criticado por especialistas do setor, como do Instituto Questão de Ciência.

A pandemia na cidade

Conforme a Prefeitura de Itajaí, até a noite do dia 03 de agosto havia 3.648 casos confirmados de covid-19 na cidade e 105 mortes. Dados do governo de Santa Catarina, no entanto, mostravam 3.823 diagnosticados com a doença até a mesma data

As medidas envolvendo homeopatia e ivermectina não geraram efeitos sobre a ampliação do contágio e número de mortes na cidade.

A distribuição de homeopatia, começou em 29 de abril. Nessa época, Itajaí tinha 86 casos confirmados para covid-19 e 3 mortes, segundo a prefeitura e o estado. A ivermectina começou a ser distribuída em 7 de julho, quando a cidade já registrava pouco mais de 2,1 mil casos de covid-19 e 45 mortes. Portanto, havia 25 vezes mais pacientes diagnosticados do que em 29 de abril e 15 vezes mais óbitos.

Desde que a ivermectina começou a ser distribuída até 03 de agosto, quando o prefeito anunciou o tratamento com ozônio, houve um aumento de 80% nos casos diagnosticados e 124% no total de óbitos na cidade, segundo a Secretaria de Estado da Saúde.

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Os dados foram extraídos dos boletins diários da prefeitura e dos boletins do governo do Estado

Itajaí é referência em atendimento médico aos municípios da região de saúde do SUS conhecida como Foz do Rio Itajaí, que concentra 11 cidades com população estimada em 2019 de 715 mil habitantes, segundo o IBGE. No entanto, de acordo com relatórios produzidos pelo governo de Santa Catarina para orientar os prefeitos a tomarem medidas contra o avanço do novo coronavírus, essa região é a mais crítica do estado em número de casos de covid-19, lotação de leitos e medidas de isolamento ou distanciamento social.

Desde 30 de maio, a ocupação dos leitos de terapia intensiva na região tem preocupado a população. E desde 23 de junho apresenta o quadro mais crítico entre as 16 regiões de saúde de Santa Catarina, devido à baixa taxa de isolamento social, lotação dos leitos do SUS (que ultrapassou 90%) e testagem insuficiente da população, segundo critérios definidos pelo governo do Estado. É a região com mais mortes em Santa Catarina: 267, conforme o governo estadual. Até a última segunda-feira, 4, concentrava um em cada cinco óbitos registrados no estado.

Por que investigamos?

O Comprova checa informações sobre políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia de covid-19 que tenham alta viralização nas redes sociais. A possibilidade de aplicação da ozonioterapia como tratamento da covid-19 se tornou um dos assuntos mais comentados do dia.

No momento em que o Brasil se aproxima de 100 mil mortos pela doença, aumenta a expectativa por uma cura. Com isso, o protocolo medicamentoso específico de algumas cidades ou até países chama a atenção. Tanto Cuba quanto Senegal já foram alvo de desinformação em textos que relacionavam a prescrição da cloroquina e da hidroxicloroquina com o sucesso dos países no combate ao novo coronavírus.

A Organização Mundial da Saúde afirma que até o momento não há tratamento que cure a doença. Os medicamentos atualmente prescritos servem para aliviar os sintomas.

Até o fechamento deste texto, o vídeo original da live, no Facebook da Prefeitura de Itajaí, acumulava mais de 16 mil visualizações e centenas de comentários. No Twitter, trechos do vídeo que falam do tratamento — muitas vezes, de modo irônico — também viralizaram. Uma única postagem tinha mais de 9 mil curtidas. A utilização da ozonioterapia foi alvo de matérias do UOL, Estadão, Folha, G1 e até dos veículos britânico The Guardian e do português tvi24.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde com ou sem a intenção de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-07-31

Publicações enganam ao associar Bolsonaro à aprovação de verba para filme sobre sua eleição

  • Enganoso
Enganoso
Ancine aprovou em 2019 a captação de 530 mil reais para a realização de um filme que trata da eleição de Bolsonaro, mas não liberou recursos diretos para o documentário como dão a entender duas postagens investigadas pelo Comprova
  • Conteúdo verificado: Informação compartilhada no Twitter e no Facebook afirma que Bolsonaro teria liberado, via Ancine, 530 mil reais para a produção de um filme sobre ele mesmo.

Duas postagens sobre liberação de verbas da Ancine para um documentário sobre o presidente Jair Bolsonaro trazem informações falsas ou enganosas. Em uma delas, o perfil de Twitter @r_camilotti afirma que “Bolsonaro, via Ancine, libera 560 milhões para um filme sobre ele”. Essa informação é falsa. Na outra, no Facebook, o deputado José Guimarães (PT-CE) publicou uma imagem com o texto “Ancine libera 530 mil para documentário sobre Bolsonaro”. Essa informação é enganosa. O que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) de fato liberou foi a captação de recursos, por meio da Lei do Audiovisual, para uma produção que pretende retratar os movimentos políticos do país desde 2013 até a eleição de Bolsonaro.

A aprovação para a captação ocorreu em julho de 2019 e não direciona verbas diretamente para o filme: o investimento é indireto, oferecendo aos interessados em contribuir com o filme a possibilidade de deduzir o valor das doações no Imposto de Renda (IR). Além disso, a aprovação ou não de verbas pela Lei do Audiovisual é feita por uma equipe técnica – e não passa pelo crivo direto de Bolsonaro. O presidente, inclusive, se posicionou contra a utilização da verba para a produção do filme.

Como verificamos?

A partir do texto utilizado na postagem de Guimarães, o Comprova utilizou a ferramenta CrowdTangle para rastrear se o post era novo ou se repetia conteúdo propagado por terceiros. Também foram feitas buscas no site da Ancine, com a qual entramos em contato por e-mail, e no Diário Oficial da União. Entrevistamos o cineasta Josias Teófilo, responsável pelo projeto do documentário, e enviamos mensagens ao deputado José Guimarães, que não nos retornou até a publicação desta investigação.

Realizamos buscas em veículos de imprensa para conferir declarações e ações de Bolsonaro a respeito da Ancine.

Verificação

A primeira postagem mencionando que Bolsonaro teria liberado R$ 530 mil para a produção um filme sobre ele foi compartilhada em 23 de julho pela página Ciro da Massa no Facebook. A descrição a identifica como “página voluntária em apoio ao Projeto Nacional de Desenvolvimento do PDT, liderado por Ciro Gomes”, e o perfil apresenta mensagens de apoio ao pedetista. Enviamos uma mensagem para a página para saber de onde surgiu a informação, mas não obtivemos retorno até a publicação desta investigação.

Em 26 de julho, publicação similar foi compartilhada pelo deputado federal Guimarães. Na descrição, o parlamentar afirma que o governo pretendia usar “dinheiro público da cultura para promover Bolsonaro”. Ele citou como fonte uma notícia do UOL, de 24 de julho do ano passado, dizendo que filme sobre eleição de Bolsonaro recebeu aprovação da Ancine para captar R$ 530 mil para sua produção.

Questionamos o deputado, por mensagem no WhatsApp, se o caso teve novas atualizações ou se ele estava apenas republicando uma informação antiga. Ele não nos retornou até a publicação deste texto.

O que foi omitido pela postagem é que a matéria do UOL cita aprovação para captar recursos, e não para financiar, diretamente, a produção do filme. O texto credita o projeto ao cineasta Josias Teófilo, que chegou a anunciar a aprovação da Ancine em redes sociais. Em uma página criada para o projeto no Twitter, ele é identificado como “documentário ensaístico sobre os desdobramentos políticos das Jornadas de Junho de 2013 que culminaram na eleição de Jair Bolsonaro”.

Já o perfil que fez a postagem do Twitter afirmando que Bolsonaro liberou R$ 560 milhões para a produção, pouco depois, publicou outro post corrigindo as cifras e afirmando se tratar de R$ 560 mil, valor ainda errado, mas mais próximo do autorizado para captação.

Como funciona a captação da Lei do Audiovisual?

A Lei do Audiovisual (8.685/93) não libera recursos para a produção de obras; o que ela faz é autorizar que eles sejam captados por um determinado projeto por meio de patrocínios e investimentos, segundo explicação no site da Ancine. Desta forma, os projetos se submetem à aprovação da Ancine e, caso liberados, podem buscar apoio de terceiros.

A vantagem prevista na lei é que quem estiver disposto a investir ou patrocinar projetos audiovisuais aprovados pela Ancine pode deduzir do Imposto de Renda (IR) os valores direcionados à produção das obras audiovisuais. O abatimento não pode passar de 6% do total declarado no IR de pessoas físicas e nem de 4% no caso de pessoas jurídicas.

Ou seja: o órgão não injeta recursos públicos diretamente na produção, mas permite que o contribuinte possa abater o valor de tributos pagos ao Estado.

Houve aprovação para a captação de um projeto associado a Bolsonaro?

Segundo a matéria do UOL, a aprovação para captação de recursos foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 31 de maio de 2019. O Comprova confirmou, na edição do dia, a autorização obtida pelo projeto de Teófilo para captar R$ 530.100 por meio da Lei do Audiovisual.

Procurada por e-mail, a Ancine enviou o link de uma página do site da instituição com as informações sobre a produção de Teófilo. Entre maio e dezembro de 2019, período aprovado para captação, o projeto conseguiu captar R$ 78 mil pela Lei do Audiovisual. Em entrevista ao Comprova, Teófilo confirmou os valores, mas disse que o órgão ainda não liberou o dinheiro. “O filme está sendo montado. Captou R$ 78 mil mas não conseguimos liberar ainda o dinheiro”, disse.

Teófilo alega que o filme não será produzido apenas com os recursos da lei, mas também através de financiamento coletivo, disponível no site oficial da produção. De acordo com o site do projeto, foram arrecadados mais de R$ 70 mil até o momento.

“O filme trata das manifestações de junho de 2013, do impeachment de Dilma, da ascensão da nova direita e da eleição de Bolsonaro. É dividido em cinco partes, a quinta parte trata da eleição de Bolsonaro. Ainda não temos sinopse”, resumiu ele por e-mail.

Em entrevista ao Canal Contracapa, concedida em 27 de julho deste ano, Teófilo declarou que optou por utilizar a lei do incentivo para que as pessoas da direita entendam “que não existe cinema sem lei de incentivo”. O cineasta disse que previa a polêmica em torno do financiamento e ressaltou que isso é ótimo para o projeto. “Quando as pessoas estão debatendo o filme, é sinal que você ganhou”, declarou.

Bolsonaro se opôs ao projeto e defende extinção da Ancine

Questionado pelo Comprova se obteve a liberação diretamente de Bolsonaro, Teófilo negou envolvimento do chefe do Executivo na decisão.

“Não é verdade que Bolsonaro liberou via Ancine. Os projetos da Lei do Audiovisual são aprovados por uma comissão técnica composta por funcionários de carreira. Bolsonaro inclusive se opôs publicamente à aprovação na Ancine desse projeto – ele pensava que o filme era sobre ele, ou sobre sua campanha”, afirmou no e-mail.

Em live nas redes sociais, Bolsonaro declarou ter sugerido à Ancine que recuasse na decisão de autorizar a captação de recursos para o filme. “Não queremos filmes de políticos com dinheiro público. O poder público não deve se meter a fazer filme. O estado vai deixar de patrocinar”, disse o presidente no dia 25 de julho de 2019.

Naquela mesma época, Bolsonaro disse que pretendia impor um filtro à Ancine, acabar com a agência ou privatizá-la. Ele reclamou do financiamento de diversos filmes nacionais, incluindo o longa “Bruna Surfistinha”, de 2011, que alegou ter “fins pornográficos”. Pouco depois, anunciou um corte de quase 43% no orçamento destinado ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), tentou transferir a sede da Ancine para Brasília e indicou um pastor e uma produtora ligada a filmes cristãos para a diretoria do órgão.

O que diz a Ancine?

Procurada pelo Comprova, a Ancine declarou que “dados sobre projetos aprovados para captação de recursos estão disponíveis no Portal Ancine” e indicou o link para a consulta pública do projeto “Nem Tudo se Desfaz”. O site mostra que, assim como relatado por Teófilo, foram captados R$ 78 mil para a produção. No entanto, o órgão não respondeu se o dinheiro já havia sido liberado para uso pelo cineasta.

Outros filmes

A produção de Teófilo não é a primeira nacional a ter aporte indireto de recursos com temáticas relacionadas à política. O filme “Polícia Federal: A Lei É para Todos”, que conta como se iniciou a Operação Lava Jato e seus desdobramentos — que levaram à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda que após os acontecimentos relatados no longa — também contou com auxílio da Lei do Audiovisual, segundo o próprio site da Ancine.

Outro filme de tema similar com captação via Lei do Audiovisual foi “Real: O Plano por Trás da História”, que relata os bastidores da criação do Plano Real e dá protagonismo ao economista Gustavo Franco.

Alvo de polêmica, o longa “Lula, o Filho do Brasil”, uma biografia de Lula, foi produzido sem o uso de leis de incentivo — ou seja, foi feito por meio do patrocínio direto de empresas. Em reportagem de março de 2009, o Estadão relatou que diversas companhias que não apresentavam envolvimento com a indústria nacional do cinema estavam destinando grandes quantias à realização do filme. O texto destaca que, na maioria, são “empresas com negócios que dependem intimamente de decisões do Executivo e que possuem contratos milionários com o governo federal”. Em 2018, os patrocínios do filme entraram na mira da Lava Jato. Em delação premiada, o ex-ministro Antônio Palocci disse que havia determinado ao grupo Schahin que usasse dinheiro proveniente de propina para financiar a obra.

O documentário “Democracia em Vertigem”, indicado ao Oscar em 2020, retrata parte do auge do governo petista, o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e a ascensão de movimentos políticos que levaram à eleição de Bolsonaro. Não há nenhum registro do uso de recursos públicos no site da Ancine. Segundo a diretora Petra Costa, no portal oficial do documentário, parte dos recursos utilizados partiu de sua própria produtora — a Busca Vida Filmes —, enquanto outro aporte financeiro veio de “diversos fundos estrangeiros”. Os fundos, citados no site como Doc Society, Tribeca, Sundance, Berta e Threshold, concedem bolsas a produções audiovisuais que consideram relevantes. Para participar é necessário se inscrever em um processo seletivo. Costa afirma que não houve uso de dinheiro público na produção.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos de ampla repercussão em redes sociais que apresentem informações erradas ou mesmo fora de contexto sobre determinados assuntos. Em um contexto de polarização política, inflamado pela proximidade com as eleições municipais de 2020, o projeto vê a necessidade de esclarecer se postagens que viralizaram na internet envolvendo agentes públicos são verdadeiras.

Outros conteúdos ligados à política foram investigados, como a “sabotagem” do governo do Ceará em canal inaugurado por Bolsonaro, um texto sobre boa aprovação de Lula utilizado para tratar de apoio a Bolsonaro e uma postagem que dizia que o Exército construiu ponte em 24 horas em Goiás.

No caso da aprovação de captação de recursos para um documentário que trata da eleição de Bolsonaro, não se trata de uma informação nova. A publicação também omite como é feita a captação via Lei do Audiovisual e induz o leitor a uma interpretação equivocada de que o chefe do Executivo teria interferido diretamente na liberação e que os valores seriam enviados de forma direta à produção.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado e que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Até 31 de julho, a postagem no Facebook teve mil comentários e 1,2 mil compartilhamentos. O tuíte foi compartilhado 75 vezes.

Política

Investigado por: 2020-07-31

Post mostra imagens de outras estradas para afirmar que o Exército arrumou a Transamazônica

  • Falso
Falso
Parte dos trechos das gravações utilizadas no vídeo verificado pelo Comprova não é da BR-230, segundo um dos autores das imagens. O próprio Exército informou que a força não concluiu nenhuma obra na rodovia Transamazônica durante o governo Bolsonaro
  • Conteúdo verificado: Publicação no Facebook afirmando que o Exército está fazendo melhorias na Transamazônica, após 40 anos sem nenhuma obra. Acompanha um vídeo com imagens do que seria a rodovia em situação precária e, depois, também do que seria a via em boas condições após obras supostamente feitas pelo Exército.

É falsa uma publicação que circula no Facebook afirmando que a rodovia Transamazônica (BR-230) está em boas condições de tráfego, após 40 anos, graças a obras do Exército. O post, publicado pelo perfil Brasil Unido, diz que “segundo os governos anteriores, era impossível arrumar a rodovia TransAmazônica”, e é acompanhado por um vídeo, no qual constam imagens de estradas em situação precária, seguidas de gravações do Exército trabalhando em obras rodoviárias e, por último, de pistas em bom estado.

Em primeiro lugar, parte dos trechos das gravações utilizadas no vídeo verificado não é da BR-230, segundo um dos autores das imagens e o Exército. Além disso, o próprio Exército disse que a força não concluiu nenhuma obra na rodovia Transamazônica durante o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

Procurado, o autor da postagem no perfil Brasil Unido, Fernando da Silva Ferreira, disse que apenas compartilhou o vídeo. “Não fui ao local averiguar se é correto ou não, mas vi muita gente comentando que realmente fizeram obra lá e que melhorou bastante.”

Como verificamos?

O primeiro passo foi buscar pelas palavras “exército obras rodovias” no YouTube. A pesquisa trouxe o vídeo intitulado “Obras da BR-163 e BR-116 – Engenharia do Exército”. Trata-se de uma edição que utiliza o áudio de uma live feita em 18 de julho pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em que eles falam sobre obras na BR-163 (a partir de 13min47s) e também gravações do ministro com representantes do Exército na BR-116. Foi possível verificar que várias das imagens utilizadas neste vídeo encontrado no Youtube foram também enxertadas no vídeo objeto desta verificação. São imagens que mostram o Exército atuando em estradas.

Na primeira parte da gravação verificada, que mostra a estrada intransitável, algumas gravações têm marcas d’água, que são dos canais no Youtube Lebrão e Narrador Champz. Ao buscar esses nomes na plataforma, apareceram dois perfis ligados ao universo caminhoneiro. O Comprova assistiu e comparou os vídeos publicados nos canais com o vídeo verificado, mas não encontrou correspondência. Depois disso, enviou mensagens privadas por redes sociais para os dois perfis e conseguiu falar com os responsáveis por eles. A equipe também contatou o responsável pela página Brasil Unido, que teve grande viralização ao compartilhar o conteúdo no Facebook.

Também para checar o conteúdo da postagem, o Comprova enviou e-mail para o Exército – algumas imagens do vídeo trazem a marca d’água do órgão – e para o Ministério da Infraestrutura. O último não respondeu até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em dados oficiais disponíveis até o dia 31 de julho de 2020.

Verificação

O Exército e a Transamazônica

Além de afirmar erroneamente que o atual governo estaria, com a participação do Exército, concluindo obras na Transamazônica, a postagem mente ao dizer que governos anteriores não trabalharam por melhorias na via – que tem, no total, 4.260 quilômetros. Questionado sobre obras na BR-230 em gestões passadas, o Exército enviou, por e-mail, uma lista com os feitos para o Comprova. Em 1955, por exemplo, a instituição implantou um trecho de 24 quilômetros na rodovia na Paraíba. Durante o governo militar e nos governos Lula e Dilma (PT), também realizou obras de pavimentação e implantação em diversos trechos da rodovia. Segundo o Exército informou, atualmente, ele está executando obras de adequação da BR-230 em um trecho de 8 quilômetros na região da cidade de Cabedelo, na Paraíba.

Além de obras realizadas pelo Exército no passado, é importante ressaltar que a Transamazônica teve trechos implantados ou pavimentados por empresas particulares, que atuaram por meio de licitações de governos anteriores. Uma reportagem do G1, de 2009, por exemplo, mostra que o então presidente Lula discursou durante a inauguração de obras de duplicação da BR-230, em Campina Grande, na Paraíba.

Sobre o vídeo, o Exército afirmou que “verifica-se que se trata de uma edição em que foram inseridos trechos de diversos vídeos, configurando uma montagem não profissional” e que “a qualidade afeta a identificação de símbolos que aparecem no vídeo, mas existem trechos em que é possível verificar o símbolo do Exército”. Algumas das gravações identificadas pelo órgão foram feitas na BR-163, no trecho entre Novo Progresso e Igarapé do Lauro, no Pará. O Exército informou ainda: “Além de não se tratar da Transamazônica, o período provável das filmagens deve ser de agosto de 2017 a dezembro de 2019” – ou seja, começando no governo de Michel Temer (MDB).

A rodovia em situação precária

Algumas das imagens que mostram estradas em condições difíceis de tráfego no vídeo verificado trazem as marcas d’água dos canais do YouTube de Lebrão e do Narrador Champz.

Segundo o caminhoneiro Marcio de Almeida, dono do perfil Lebrão 001 G.N.A no YouTube, as gravações que contêm a sua inscrição no vídeo verificado “são de 2018, começo de 2019 ou mais antigas”. Ele disse ser o autor de todas as filmagens que posta e que algumas passagens também “não são nem da Transamazônica“.

Já o responsável pelo canal Narrador Champz, Diego da Silva, afirmou que os vídeos com a sua marca d’água são mesmo da Transamazônica, e foram feitos em 2014 e 2015 – as filmagens originais já foram deletadas de seu canal. Silva ressaltou que os vídeos não são de sua autoria, mas que ele recebe de outras pessoas e monta os compilados que publica no YouTube.

O autor da postagem

O post verificado foi publicado pela página Brasil Unido no Facebook. O Comprova entrevistou o autor do perfil por telefone, Fernando da Silva Ferreira. Ele não soube informar a origem do vídeo. “Não me lembro exatamente de onde veio, eu vi no Facebook e compartilhei”, afirmou. “Não fui ao local averiguar se é correto ou não, mas vi muita gente comentando que realmente fizeram obra lá e que melhorou bastante.”

No perfil, criado em maio e que já tem 11 mil seguidores, ele publica conteúdos contrários ao Supremo Tribunal Federal (STF), críticas a nomes como o ex-ministro Sergio Moro e a apresentadora Xuxa por ter um projeto de livro infantil com conteúdo LGBT e, principalmente, posts favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro.

Por que investigamos?

Atualmente em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos que dizem respeito a políticas públicas do governo federal e à pandemia de covid-19. As verificações são feitas em conteúdos que viralizam de forma significativa, caso do vídeo investigado aqui. A postagem falsa teve 75 mil interações no Facebook, além de 8,8 mil comentários, e o vídeo foi visualizado mais de 1,6 milhão de vezes até o dia 31 de julho.

Supostas realizações do governo Bolsonaro na área de infraestrutura têm sido objeto de desinformação. Naquele ano, o Comprova mostrou, por exemplo, que uma montagem enganosa atribuía a Bolsonaro obras na BR-163 feitas no governo Dilma e que outra usava foto de obra no governo Lula para elogiar Bolsonaro. Neste ano, o Comprova voltou ao tema ao investigar um post com conteúdo falso que usava fotos de obras da Transposição do Rio São Francisco dos períodos petistas para destacar supostos avanços realizados no atual governo.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2020-07-31

Eduardo Bolsonaro posta vídeo antigo sobre liberação da cloroquina

  • Enganoso
Enganoso
Em uma publicação no Twitter, o deputado usa como se fosse de agora um vídeo gravado em 9 de abril no qual o prefeito de São Paulo anuncia a inclusão da cloroquina no protocolo de tratamento de pacientes com covid-19 nos hospitais municipais. No post, ele cobra do governador do estado que faça o mesmo, mas isso já é feito desde 5 de maio
  • Conteúdo verificado: Tuíte do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) com um vídeo do prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), anunciando a inclusão da cloroquina no protocolo de tratamento de pacientes com covid-19 nos hospitais municipais.

É enganoso o post no perfil do Twitter do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) que apresenta um vídeo no qual o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), anuncia a inclusão da cloroquina no protocolo de tratamento da covid-19 na cidade de São Paulo. E, no texto que acompanha o vídeo, diz: “Resta saber se Doria também cairá na real de que vidas estão acima de política, que para uma doença nova não existe remédio testado e que toda tentativa de cura é válida”. A Secretaria Estadual da Saúde já libera o uso da cloroquina para casos graves de covid-19, de acordo com a avaliação do médico, desde 5 de maio.

O trecho, publicado no dia 30 de julho, é de uma gravação de 9 de abril e traz o anúncio feito à época por Covas, durante coletiva de imprensa realizada no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Ao publicá-lo, Eduardo Bolsonaro dá a entender que a adoção do protocolo ocorreu agora.

O protocolo, que só foi publicado em 17 de junho, orienta os profissionais de saúde da rede pública municipal sobre o manejo de pacientes com covid-19. Nele, o uso de cloroquina não é recomendado, mas é autorizado — desde que obedecendo critérios médicos e com aval do paciente.

Tentamos entrar em contato com o deputado Eduardo Bolsonaro, mas não tivemos resposta até a publicação desta verificação.

Como verificamos?

Uma verificação já publicada pelo Comprova esclareceu que o anúncio da adoção da cloroquina como parte do protocolo de tratamento da covid-19 na cidade aconteceu no dia 9 de abril. Uma busca no Google confirmou a informação. Com essa data, encontramos o vídeo original no canal do governo do estado de São Paulo no YouTube.

O vídeo editado tem uma marca d’água com o nome do deputado federal Luiz Lima (PSL-RJ) e o endereço de suas redes sociais. Na página de Facebook de Lima encontramos uma postagem com as imagens, datada do dia 9 de maio.

Pesquisamos a recomendação para o tratamento de pacientes com covid-19 no site da Prefeitura de São Paulo e da Secretaria Municipal da Saúde. Também consultamos a página da Secretaria Estadual da Saúde (SES-SP) para esclarecer qual é a orientação do estado em relação ao uso da cloroquina. Os dados sobre o número de casos confirmados e de mortes são do boletim da Secretaria Municipal da Saúde.

As ferramentas Tweetdeck e CrowdTangle foram úteis para mostrar a viralização do conteúdo investigado pelas redes sociais.

Por fim, entramos em contato por e-mail com a assessoria de imprensa do prefeito Bruno Covas, que respondeu ao Comprova e esclareceu que a Secretaria Municipal de Saúde não recomenda, mas permite a uso do medicamento na rede hospitalar, mediante prescrição médica e consentimento do familiar ou paciente. E acrescenta que, apesar de o Ministério da Saúde ter ampliado o uso da cloroquina para casos leves e moderados, a Secretaria Municipal da Saúde emitiu recomendação contrária, “em virtude da ausência de evidências científicas robustas que justifiquem tal indicação”. Também tentamos entrar em contato com o deputado Eduardo Bolsonaro por mensagem de WhatsApp e no Instagram, mas não tivemos resposta até a publicação desta verificação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 31 de julho de 2020.

Verificação

A equipe do Comprova começou a verificação analisando o vídeo publicado pelo deputado Eduardo Bolsonaro. Bruno Covas está no saguão do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. O logotipo da administração estadual pintado no púlpito junto à hashtag #FiqueEmCasa mostra que as imagens foram captadas em uma das entrevistas coletivas conduzidas pelo governador João Doria para atualizar a situação da pandemia. Chama a atenção o fato de que Covas não está de máscara. O uso do equipamento de segurança é obrigatório em locais públicos no estado desde 4 de maio, mas a gravação aconteceu antes dessa data.

Em junho, o Comprova já tinha desmentido uma postagem no Twitter que dizia que a cloroquina era proibida na capital paulista. Na ocasião, informamos que a Secretaria Municipal da Saúde incluiu a cloroquina no protocolo de tratamento da covid-19 em 9 de abril. Buscando por essa data, encontramos o vídeo original no canal do governo do estado de São Paulo no YouTube.

“Ainda não é possível ser uma política pública, pois não temos ainda pesquisas concluídas, mas havendo prescrição do médico e a concordância do paciente, a Secretaria Municipal de Saúde passou a integrar esse medicamento [cloroquina] no protocolo de tratamento da covid-19”, anunciou o prefeito aos 39 minutos.

O protocolo entrou em prática logo depois do anúncio. Apenas no dia 17 de junho uma recomendação técnica foi publicada detalhando o uso da medicação. O documento sugere uma “análise criteriosa do quadro clínico, o monitoramento do paciente, da resposta em relação à terapêutica selecionada e as reações adversas”. E indica a prescrição de drogas para o tratamento dos sintomas em diferentes momentos da infecção pelo novo coronavírus.

O protocolo da prefeitura autoriza, mas não recomenda, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina. A prescrição deve ocorrer de acordo com o critério do médico e com consentimento do paciente. “Em virtude da ausência de evidências científicas robustas que justifiquem tal indicação. A deliberação ainda recomenda que o uso em casos graves sob regime hospitalar não seja de rotina”, alerta a publicação.

O documento segue a posição da Secretaria Estadual da Saúde, que em 5 de maio orientou que o uso das drogas “não seja expandido para casos leves e moderados em acompanhamento ambulatorial. Em 20 de maio, o Ministério da Saúde estendeu o uso da cloroquina para pacientes com sintomas leves. O Conselho Municipal de Saúde de São Paulo criticou a decisão em uma nota técnica divulgada oito dias depois.

De lá para cá a situação se agravou na capital paulista. De acordo com o Boletim Epidemiológico do município, em 9 de abril o município registrava 5.832 casos de covid-19, com 386 óbitos. No dia 30 de julho, data em que Eduardo Bolsonaro postou o vídeo, já havia 223.571 casos e 9.547 óbitos confirmados.

Vídeo antigo

O vídeo editado compartilhado por Eduardo Bolsonaro tem uma marca d’água com o nome do deputado federal Luiz Lima (PSL-RJ) e o endereço de suas redes sociais. Na página de Facebook de Lima encontramos uma postagem com as imagens, datada do dia 9 de maio — um mês depois do anúncio. Naquele momento, a cidade de São Paulo registrava 27.414 casos de covid-19 e 2.268 mortes, de acordo com o boletim da Secretaria Municipal da Saúde. O número de óbitos que aparece no vídeo editado é menor, 2.106. Essa diferença pode acontecer por causa dos casos positivos confirmados posteriormente e somados à estatística.

Cloroquina e hidroxicloroquina

Até o momento, não há comprovação científica da eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento ou prevenção da covid-19. Pelo contrário, estudos publicados no Journal of the American Medical Association (Jama) e no British Medical Journal (BMJ) apontaram que pacientes tratados com cloroquina e hidroxicloroquina não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os mesmos remédios. Uma pesquisa realizada em 55 hospitais brasileiros e publicada no New England Journal of Medicine (NEJM) chegou às mesmas conclusões.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o National Health Service no Reino Unido cancelaram estudos com cloroquina e hidroxicloroquina.

Em 17 de julho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe em que afirma ser “urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19” diante das novas evidências científicas.

A posição dos médicos não mudou a opinião do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que defende a adoção da cloroquina desde o começo da pandemia. Ele teve covid-19 e declarou que tomou cloroquina para se tratar. Hoje, o Ministério da Saúde tem quatro milhões de comprimidos em estoque.

O Comprova já verificou diversos conteúdos que defendiam o uso da cloroquina, como estudos sem comprovação científica e declarações polêmicas de médicos.

Por que investigamos?

O Comprova verifica informações sobre políticas públicas do governo federal e a pandemia de covid-19 sempre que os conteúdos tenham grande viralização. É o caso do tuíte do deputado federal Eduardo Bolsonaro, que até a data de publicação teve mais de 16 mil interações e 84 mil visualizações do vídeo incluído na postagem.

A cloroquina e a hidroxicloroquina se tornaram objeto de discursos políticos desde que os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Jair Bolsonaro, passaram a defender essas drogas como cura para a covid-19. A postagem de Eduardo se insere nesse contexto, ao insinuar que a prefeitura de São Paulo estaria “atrasada” na adoção da hidroxicloroquina em relação ao governo federal.

O fato de Bruno Covas ser o alvo é relevante, pois ele é um aliado político do governador de São Paulo, João Doria. No início da pandemia, as medidas de distanciamento social também foram objeto de disputa, pois Bolsonaro se opôs às regras, contrariando recomendações de autoridades de saúde nacionais e estrangeiras.

Nesse ponto, Doria se tornou antagonista do presidente e virou alvo de críticas de seus apoiadores. No auge da disputa, o governador chegou a afirmar que o presidente “despreza vidas” e deveria começar “a ser um líder, se for capaz”. Bolsonaro, por sua vez, acusou Doria de usar a crise como palanque para as eleições presidenciais de 2022 e chamou o governador de São Paulo de “bosta” em reunião ministerial tornada pública.

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano. É o caso do vídeo com as declarações de Covas que, apesar de verdadeiro, é antigo.

Saúde

Investigado por: 2020-07-30

Médica cita estudos não conclusivos para sugerir conspiração contra cloroquina

  • Enganoso
Enganoso
Procurada pelo Comprova, médica enviou 34 estudos para justificar texto que publicou em um site. Nenhum dos estudos é conclusivo sobre a eficácia dos medicamentos citados. Ela também diz que a venda da cloroquina e da ivermectina foi proibida no Brasil, o que não é verdade
  • Conteúdo verificado: Texto publicado no site Diário do Brasil escrito pela médica Helen Brandão, de Goiânia, defende o uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 e sugere haver uma conspiração da indústria farmacêutica para vender medicações mais caras.

É enganoso o texto escrito pela médica Helen Brandão defendendo que o uso da cloroquina em pacientes no início da covid-19 elimina o novo coronavírus. No texto, publicado pelo site Diário do Brasil, a médica sugere ainda que a indústria farmacêutica tem conspirado para viabilizar remédios mais caros para tratar a doença. Por isso, segundo ela, há um movimento para proibir a venda de medicações baratas, como a cloroquina e a ivermectina. As informações do texto estão distorcidas ou fora de contexto.

Procurada pelo Comprova, Brandão apresentou 34 artigos científicos nos quais afirmou ter se embasado para defender a prescrição da cloroquina e outros compostos, como a ivermectina e o zinco, para pacientes com quadros leves de covid-19. Nenhum deles é conclusivo sobre a eficácia desses medicamentos.

Alguns não passaram por teste clínico randomizado, em que voluntários são divididos em dois grupos – um recebe o medicamento em estudo e o outro, placebo. As pessoas dos dois grupos são escolhidas aleatoriamente para evitar que fatores como idade e quadro de saúde influenciem nos resultados. Elas são acompanhados por pesquisadores ao longo de vários meses. Esse tipo de estudo é considerado o melhor para avaliar a eficácia de medicações.

Diferentemente do que a médica afirma, a venda da cloroquina e da ivermectina não foi proibida no Brasil. Na verdade, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, em 24 de julho, uma norma para que esses medicamentos sejam vendidos com receita médica. E o Ministério da Saúde inclui a cloroquina no protocolo de tratamento para pacientes leves da covid-19.

O Comprova fez contato com a médica. Helen Brandão é graduada pela Universidade Federal de Goiás e tem pós-graduação em Dermatologia e Medicina Estética.

Como verificamos?

O Comprova buscou dados sobre a formação profissional de Helen Brandão na plataforma de currículos acadêmicos Lattes, mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e junto ao Conselho Regional de Medicina de Goiás (CREMEGO). Também encontramos uma página no Facebook da clínica da médica, onde conseguimos o contato telefônico dela. Por WhatsApp, Brandão enviou vários artigos acadêmicos sobre a pandemia.

Também buscamos informações online sobre empresas farmacêuticas que a médica citou no texto verificado e no contato por WhatsApp. Além disso, buscamos o posicionamento de autoridades de saúde sobre medicamentos e tratamentos para a covid-19.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de julho de 2020.

Verificação

Quem é Helen Brandão

Helen Brandão é médica e possui registro no Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (CREMEGO). No Facebook, o Comprova encontrou uma página com seu nome que faz referência a uma clínica privada de procedimentos estéticos em Goiânia.

Também encontramos o currículo da médica na plataforma Lattes. De acordo com as informações fornecidas por Brandão, ela possui graduação em medicina pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e pós-graduação em Dermatologia e Medicina Estética. Além disso, informa que fez residência médica em Saúde da Família e Comunidade pela Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro.

Através de uma troca de mensagens no WhatsApp, Brandão confirmou que faz atendimentos clínicos e de dermatologia em Goiânia.

Drogas e estudos

Em seu texto, Helen Brandão conta que as discussões envolvendo a hidroxicloroquina a levaram a um “sonho perturbador”, em que ela tinha asas e “conseguia tirar algumas pessoas que ‘subiam’ (…), mas só algumas”. Depois disso, ela escreve, foi pesquisar sobre as drogas e o vírus. “Algumas tabelas e dados me pareciam difíceis de analisar. Mas segui estudando e conversando com colegas que também só queriam entender.”

Após falar com o Comprova, Brandão enviou 34 estudos de diversos países para a equipe, sobre variados temas – cloroquina e hidroxicloroquina (12, no total), ivermectina, zinco, colchicina, nitazoxanida, azitromicina e intubação, entre outros. Todos foram analisados e, destes, ao menos 21 têm limitações e são inconclusivos, segundo os próprios autores.

É o caso da pesquisa intitulada “Uso preventivo da hidroxicloroquina está associado a um risco reduzido de covid-19 em profissionais de saúde”, que conclui que devem ser realizados estudos mais detalhados, com amostras maiores, utilizando o método do ensaio clínico randomizado controlado – o mais confiável, como o Comprova já explicou.

Outro estudo, segundo o qual a cloroquina reduz o risco de morte em pacientes em fase grave da doença se administrada em pequenas doses, foi contestado pelos autores menos de uma semana após a publicação.

Também enviado pela médica, o estudo “Eficácia clínica dos derivados de cloroquina na infecção por covid-19: meta-análise comparativa entre o Big Data e o mundo real” tem Didier Raoult entre os pesquisadores – ele é autor de um dos primeiros trabalhos que Brandão leu, como ela conta no site Diário do Brasil.

O infectologista francês ganhou projeção internacional durante a pandemia ao propor o uso da hidroxicloroquina contra a covid-19 antes mesmo de ter publicado pesquisa a respeito – o que chegou ao conhecimento de líderes como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que chamou a droga de “cura milagrosa”. Por isso e por utilizar métodos duvidosos em seus estudos , Raoult, que já apareceu em outras verificações do Comprova, é criticado na comunidade científica.

Proibição

“Me chamou a atenção a necessidade não só de falar que não funciona mas também proibir o uso das medicações. Medicações que antes eram de venda livre…”, escreve a médica no texto que viralizou. Ela afirma, erroneamente, que a venda, a prescrição ou o uso de algumas drogas teriam sido suspensos no país. Em nenhum momento da pandemia o governo federal, ou qualquer autoridade, retirou medicamentos de circulação.

Houve um conflito de ideias entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e profissionais da saúde que foram contra a adoção da cloroquina e da hidroxicloroquina no protocolo contra a covid-19. Esse embate levou, inclusive, à demissão do ministro da Saúde Nelson Teich, que se recusou a ampliar o uso da droga para pacientes com quadros leves da covid-19 por falta de evidências científicas.

No dia 24 de julho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma resolução que exige que as farmácias retenham receitas das pessoas que queiram comprar cloroquina, hidroxicloroquina, nitazoxanida e ivermectina. Segundo a Anvisa, o objetivo é impedir a compra indiscriminada dos medicamentos. A comercialização deles no país, porém, não está proibida, desde que o paciente apresente a receita médica.

Brandão afirma também que pesquisadores não conseguiram documentar ou justificar suas argumentações sobre o “temido efeito” que as drogas causam, as “arritmias graves”. Porém, diversos estudos sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina concluem que, além de não serem comprovadamente eficazes contra a covid-19, elas podem causar “eventos arrítmicos potencialmente fatais”, conforme nota da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac) citada em outra verificação do Comprova.

Outros profissionais

Além de Didier Raoult, Brandão cita em seu texto o médico Vladimir Zelenko. Ele atua em Nova York e ficou conhecido internacionalmente após afirmar ter obtido “resultados positivos tremendos” em um estudo no qual usou a combinação de hidroxicloroquina, zinco e azitromicina – a pesquisa, porém, sequer foi publicada em um periódico de saúde.

A médica brasileira conta ainda ter recebido um alerta ao encontrar em uma edição do livro Princípios de Medicina Interna de Harrison a “descrição da hidroxicloroquina/cloroquina como agente antiviral”. Segundo a 20ª edição da publicação (a mais atual), a hidroxicloroquina pode ser usada com outros remédios para tratar a febre Q crônica.

Além de ter publicado diversas verificações mostrando que não há nenhum estudo que comprove a eficácia da cloroquina nem da hidroxicloroquina contra o novo coronavírus, o Comprova conversou com Leonardo Weissmann, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, para saber sobre a ação antiviral das drogas. De acordo com ele, “a atividade antiviral da hidroxicloroquina está sendo estudada há décadas; é um medicamento que tem demonstrado atividade in vitro contra uma série de vírus, ou seja, em laboratório, mas essa ação não é vista em humanos”.

Conspiração

Procurada pelo Comprova, a médica reafirmou que existe uma conspiração contra a cloroquina. “Estão tentando evitar que seja usada. Pois concorre com o Tocilizumabe”, escreveu, por mensagem.

Em uma pesquisa sobre o medicamento mencionado, verificamos que, no Brasil, o nome comercial do tocilizumabe é Actemra e a patente é da farmacêutica multinacional Roche. As indicações do laboratório para o uso do remédio são os casos de artrite reumatoide, artrite idiopática juvenil poliarticular e artrite idiopática juvenil sistêmica. Também de acordo com a bula, a ação do tocilizumabe é imunossupressora e não há recomendação de uso quando o paciente apresentar algum tipo de infecção.

Durante a pandemia da covid-19, alguns hospitais começaram a utilizar o medicamento no tratamento dos pacientes e relataram bons resultados. A Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, porém, publicaram em maio as Diretrizes para o tratamento farmacológico da covid-19, e consideraram que os níveis de confiança nas evidências de eficácia do tratamento com o tocilizumabe eram muito baixas e que o custo era elevado, não recomendando o uso de rotina do medicamento nos casos de covid-19. Além disso, em junho, a Itália descartou o uso da droga no tratamento de pacientes com o novo coronavírus.

A médica ainda mencionou no contato com o Comprova, como exemplo da conspiração citada no texto que viralizou, alguns laboratórios farmacêuticos que se beneficiariam com a não indicação da cloroquina no tratamento da covid-19: Gilead, Biotoscana e United Medical. O Gilead é o laboratório que produz o remdesivir, e o Comprova já realizou uma verificação sobre uma suposta conspiração envolvendo a empresa. A Biotoscana, que é colombiana e também foi citada pela médica, registrou, na verdade, prejuízo de mais de R$ 50 milhões no primeiro trimestre de 2020 e atribuiu as perdas financeiras à pandemia da covid-19. A United Medical, de origem uruguaia foi comprada pelo grupo Biotoscana em 2014.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos de políticas públicas do governo federal e da pandemia de covid-19 que tenham viralizado na Internet. O texto de Helen Brandão publicado no site Diário do Brasil teve 21.917 interações nas redes sociais, segundo a plataforma de monitoramento Crowdtangle, sendo compartilhado por diversas páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Facebook.

Em ao menos dois grupos do Facebook onde a mensagem circulou, o link foi compartilhado junto com uma mensagem que sugeria submeter as pessoas com visão crítica da cloroquina à morte por enforcamento, em referência ao Tribunal de Nuremberg, que julgou crimes de guerras cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Desde o início da pandemia, o Comprova já mostrou serem enganosos um site com nome de vários médicos que sugeria haver consenso para tratamento do novo coronavírus e vídeos em que médicas sugerem ser comprovado que o uso da hidroxicloroquina e da ivermectina curem a covid-19. Também já mostrou estarem fora de contexto conteúdos que viralizaram recentemente sobre vacinas, medicamentos naturais e sobre o andamento da pandemia no Brasil.

Enganoso para o Comprova é todo conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-07-29

Médica usa informações falsas em vídeo para falar em cura da covid-19

  • Falso
Falso
Ao contrário do que afirma uma médica em vídeo que viralizou, tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto as autoridades sanitárias dos Estados Unidos e do Brasil já declararam que ainda não há cura para o novo coronavírus e que as máscaras são uma das poucas medidas eficazes para evitar a propagação do vírus
  • Conteúdo verificado: Um vídeo com informações falsas sobre a covid-19. Nele, uma médica afirma que a doença tem cura: um coquetel de hidroxicloroquina, azitromicina e zinco. Ela também diz que curou mais de 350 pessoas e que as máscaras são desnecessárias. As imagens foram feitas nos Estados Unidos e compartilhadas nos perfis do presidente Donald Trump e de Madonna. Uma versão editada e legendada em português da gravação foi compartilhada pelo Twitter de uma apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O vídeo em que uma médica camaronesa radicada nos Estados Unidos defende um coquetel de medicamentos como cura para a covid-19 e critica o uso de máscaras apresenta informações falsas. Tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto as autoridades sanitárias dos Estados Unidos e do Brasil já declararam que ainda não há cura para o novo coronavírus e que as máscaras são uma das poucas medidas eficazes para evitar a propagação do vírus.

A gravação foi feita nos Estados Unidos e teve ampla viralização em redes sociais, sendo compartilhada até pela cantora Madonna e pelo presidente norte-americano Donald Trump. Twitter, Facebook, Instagram e YouTube derrubaram algumas publicações do vídeo alegando que ele cria desinformação sobre a pandemia.

No Brasil, o conteúdo viralizou com legendas em português em uma postagem no Twitter. A equipe do Comprova tentou contato, por meio de mensagem na plataforma, com a mulher que publicou o vídeo, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

A médica que fala no vídeo aparece nas legendas como Stella Emanuel. Uma busca simples no Google mostrou que a grafia do sobrenome é Immanuel. Com o nome correto, encontramos informações sobre ela em sites de veículos dos Estados Unidos. Também foi possível localizar seu registro profissional no Texas Medical Board (TMB), órgão equivalente ao Conselho Regional de Medicina.

Pesquisamos sobre a viralização do vídeo nas plataformas Tweetdeck e CrowdTangle, buscamos informações a respeito do uso de medicações e máscaras no combate à covid-19 em sites oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Center for Disease Control and Prevention (CDC), National Health Service (NHS) e do Ministério da Saúde brasileiro. Também nos embasamos em checagens anteriores feitas pelo Comprova sobre tratamentos para o novo coronavírus.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 29 de julho de 2020.

Verificação

O vídeo que viralizou pelo Twitter foi gravado em frente ao prédio da Suprema Corte dos Estados Unidos, em Washington D.C., capital do país. Nas imagens, a médica afirma que a covid-19 tem cura, que já tratou mais de 350 pacientes e nenhum morreu. “Esse vírus tem uma cura! Ela se chama hidroxicloroquina, zinco e azitromicina. Eu sei que as pessoas querem falar sobre máscaras. Oi? Vocês não precisa de uma máscara. Tem cura!”, alega.

As imagens foram feitas durante o White Coat Summit (Encontro do Jaleco), reunião do grupo de médicos America’s Frontline Doctors (Médicos da Linha de Frente), que questiona o consenso científico sobre o novo coronavírus. O evento foi organizado por um grupo de direita ligado ao Partido Republicano, os Tea Party Patriots. O vídeo foi compartilhado pelo site conservador Breitbart News, chegando a 13 milhões de visualizações.

A gravação ganhou ainda mais notoriedade depois que foi postada na página do Twitter do filho mais velho do presidente norte-americano, Donald Trump Jr, que escreveu que as imagens “precisavam ser vistas”. A plataforma tirou o vídeo do ar e suspendeu o acesso de Trump Jr. por 12 horas, alegando que o tuíte disseminava informações falsas. Mas o pai dele, Donald Trump, já tinha compartilhado o conteúdo para mais de 84 milhões de seguidores.

Além do Twitter, Facebook e YouTube tiraram o vídeo de suas plataformas também sob a alegação de que ele espalha desinformação sobre a covid-19. Stella Immanuel reclamou da decisão. “Se a minha página não voltar o Facebook vai cair em nome de Jesus”, escreveu. No dia seguinte, a médica publicou uma outra versão do vídeo, gravada de outro ângulo mas com as mesmas informações, em seu perfil no Twitter.

Outros famosos compartilharam o vídeo. A cantora Madonna publicou as imagens no Instagram. A plataforma marcou o post como falso e, menos de 24 horas depois, a artista deletou a postagem.

Aqui no Brasil, as imagens foram compartilhadas por Paula Marisa, uma apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com mais de 147,9 mil seguidores no Twitter. Seu perfil a identifica como jornalista e especialista em educação e tem, entre os seguidores, o próprio presidente e seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo. Os ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) também a seguem.

Muitas das postagens de Paula minimizam a situação da pandemia. Um dos compartilhamentos feito na rede é de uma postagem do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) creditando o aumento de casos de covid-19 no Rio Grande do Sul ao frio — e não à reabertura do comércio na região.

Além de compartilhar o vídeo investigado nesta verificação, Paula publicou uma notícia acusando as redes sociais de censura depois de apresentarem outras checagens em que ele foi considerado falso.

O Comprova entrou em contato com ela por meio do Twitter, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.

Quem é a médica que aparece no vídeo?

Stella Immanuel é médica de Camarões radicada no Texas, nos Estados Unidos. Seu registro no Texas Medical Board (TMB) é válido até novembro de 2020. No vídeo verificado, Immanuel afirma que conhece bem a hidroxicloroquina porque a prescrevia para o tratamento da malária na Nigéria, onde estudou medicina. Segundo o TMB, a médica se formou na University of Calabar, na Nigéria, e fez a residência em pediatria em Nova Iorque. Ela tem uma clínica privada na cidade de Houston.

Immanuel também é pastora evangélica e em seus sermões costuma fazer declarações polêmicas sobre assuntos relacionados à medicina. Já afirmou que relações sexuais com demônios são a origem de doenças ginecológicas, que o DNA de aliens é usado em tratamentos médicos e que cientistas estão desenvolvendo uma vacina para acabar com as religiões. “Eles encontraram o gene na mente das pessoas que faz com que você seja religioso e agora podem vacinar contra isso”, disse.

Depois da fama conquistada pela gravação verificada aqui, Immanuel publicou um outro vídeo em que exige que jornalistas e médicos, como Anthony Fauci — chefe do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, consultor técnico da Casa Branca e um dos principais especialistas em doenças infecciosas nos Estados Unidos —, cedam amostras de urina para provar que não estão tomando hidroxicloroquina secretamente. Ela também pediu que o presidente Donald Trump a recebesse na Casa Branca.

Covid-19 tem cura?

O Center for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos e a OMS são categóricos: não há cura para a covid-19. Uma série de medicamentos e vacinas estão em estudo mas, por enquanto, nenhum teve a eficácia totalmente comprovada. Por isso, as medidas indicadas para a prevenção do novo coronavírus são não farmacológicas, como a higienização de mãos e superfícies, o distanciamento social e o uso de máscaras.

Hidroxicloroquina não tem eficácia comprovada

A médica defende um coquetel para tratar pacientes de covid-19: a hidroxicloroquina, a azitromicina e o zinco. Nenhum desses medicamentos têm eficácia cientificamente comprovada contra o novo coronavírus. O zinco é um suplemento alimentar e a azitromicina é um antibiótico, ou seja, é indicada para o combate de bactérias. Alguns médicos têm prescrito a droga para evitar o surgimento de infecções oportunistas em pacientes de covid-19.

A hidroxicloroquina e a cloroquina são drogas para o tratamento da malária e de doenças autoimunes, como lúpus. O uso das substâncias em tratamento de pacientes com covid-19 surgiu por causa de um estudo de 2005, que indicava efeitos positivos contra outros tipos de coronavírus em laboratório. Mas os testes em humanos nunca aconteceram. Em março de 2020, já com a pandemia se espalhando pelo planeta, o médico francês Didider Raoult publicou um estudo afirmando que o uso da cloroquina teria curado 75% dos pacientes com covid-19 em seis dias. A pesquisa foi alvo de críticas da revista Science, referência em pesquisas científicas, e seus resultados foram questionados e considerados incompletos.

Mesmo assim as substâncias passaram a ser defendidas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ele afirmou ter tomado hidroxicloroquina para evitar a infecção pelo novo coronavírus. Ainda assim, a Food and Drugs Administration (FDA), órgão equivalente à Anvisa, revogou a autorização para o uso emergencial da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 no país.

O presidente Jair Bolsonaro seguiu o exemplo e passou a defender o uso da cloroquina no Brasil. Ele ordenou que o Laboratório do Exército produzisse o medicamento e a pressão pela adoção da substância custou o cargo de dois ministros da Saúde. Em 20 de maio, o protocolo adotado pelo Ministério da Saúde brasileiro ampliou a possibilidade do uso das duas drogas para pacientes com sintomas leves da doença – até então, elas eram previstas apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais.

Estudos publicados no Journal of the American Medical Association (Jama), no British Medical Journal (BMJ) e no New England Journal of Medicine (NEJM) apontaram que pacientes tratados com cloroquina e hidroxicloroquina não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os mesmos remédios.

A OMS e o National Health Service cancelaram estudos com cloroquina e hidroxicloroquina.

Neste mês, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe em que afirma ser “urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19” diante das novas evidências científicas.

A posição dos médicos não mudou a opinião do presidente Bolsonaro, que teve covid-19 e declarou que tomou cloroquina para se tratar. Hoje, o Ministério da Saúde tem quatro milhões de comprimidos em estoque.

O Projeto Comprova já checou conteúdos que defendiam o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina em diversas ocasiões. As verificações mais recentes são sobre um estudo realizado na França e sobre o protocolo de tratamento da covid-19 em Cuba.

Máscaras são necessárias

Stella Immanuel critica o uso de máscaras alegando que a covid-19 tem cura e, por isso, o equipamento de segurança é desnecessário. Mas em vídeos gravados em sua clínica, Immanuel aparece usando máscara do tipo N95 — que oferece maior proteção. Em outra gravação, publicada em 28 de abril, ela e uma funcionária orientam os pacientes que vão visitar a clínica para que eles higienizem as mãos e usem máscaras.

A OMS recomenda o uso de máscaras como parte da estratégia para evitar a transmissão do novo coronavírus, combinado com o distanciamento de pelo menos um metro entre as pessoas, a higienização das mãos e o cuidado para não tocar o rosto ou a própria máscara. A organização reconhece que as máscaras de pano têm efetividade limitada para evitar o contágio, mas recomenda que os governos estimulem o uso em regiões com transmissão comunitária do vírus onde haja capacidade limitada para implementar medidas de controle. A regra vale especialmente para locais onde não é possível manter o distanciamento físico, como transporte público, lojas e ambientes fechados. A OMS também sugere que as máscaras cirúrgicas e N95 sejam destinadas a profissionais de saúde, pacientes com sintomas de covid-19 e familiares e pessoas de grupos de alto risco, como idosos e portadores de comorbidades.

O CDC também recomenda o uso de proteções para evitar a disseminação do novo coronavírus. Aqui no Brasil, o Ministério da Saúde passou a recomendar o uso de máscaras caseiras em abril. Elas precisam ser feitas de duas camadas de pano, cobrir totalmente a boca e o nariz e ser justas ao rosto, sem deixar espaço nas laterais. O uso é individual e os equipamentos de proteção não podem ser compartilhados com outras pessoas.

Nesta verificação, a equipe do Comprova explica em detalhes como as máscaras ajudam na prevenção.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase, o Comprova faz verificações de conteúdos que versam sobre políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia de covid-19 e que tenham grande viralização. O conteúdo verificado aqui, depois de atingir milhões de pessoas ao ser divulgado pelo presidente dos Estados Unidos e por seu filho, continuou circulando nas redes sociais. A publicação no Twitter, objeto da verificação, teve quase 11 mil interações até o dia 29 de julho.

O vídeo também apareceu no Facebook, mas com menos alcance — pouco mais de duas mil interações até a mesma data. Pelos comentários é possível deduzir a razão. Um usuário reclama que o conteúdo foi apagado pela plataforma. Mesmo assim ele insistiu, publicando as imagens cinco vezes. “Venci pelo cansaço”, vangloriou-se.

No caso do novo coronavírus, a desinformação provocada por conteúdos falsos e enganosos pode promover comportamentos danosos, como uma desmobilização da sociedade diante da suposta existência de uma cura para a doença. Este debate tem sido intenso tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, uma vez que os respectivos presidentes, Donald Trump e Jair Bolsonaro, têm promovido o uso da hidroxicloroquina apesar da ausência de evidências científicas sobre sua efetividade.

A “receita” que Stella Immanuel divulga contra a covid-19, unindo hidroxicloroquina, zinco e azitromicina, circula ao menos desde abril. Naquele mês, o círculo de Donald Trump levou para a fama um médico de Nova Iorque chamado Vladimir Zelenko, que alegava ter “resultados positivos tremendos” com essa combinação. O estudo, entretanto, não fora publicado em nenhum periódico de saúde.

Estados Unidos e Brasil são os dois países mais atingidos pela pandemia. De acordo com dados da Universidade Johns Hopkins, até a data desta verificação os americanos haviam registrado 4.396.030 casos de covid-19 e 662.297 mortes. Aqui, 2.483.191 pessoas foram infectadas e o novo coronavírus já custou a vida de 88.539 brasileiros.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O site norte-americano PolitiFact verificou o vídeo com a fala de Stella Immanuel e concluiu que as alegações são falsas. No Brasil, a Agência Lupa e o Boatos.org também classificaram o conteúdo como falso.

Saúde

Investigado por: 2020-07-27

Imagem de Doria tomando vacina é de março, antes do uso de máscara se tornar obrigatório em São Paulo

  • Enganoso
Enganoso
Imagem que circula nas redes sociais é de um trecho de reportagem da Rede Globo que mostra o governador João Doria (PSDB) tomando a vacina anual contra a gripe. A matéria foi veiculada em março, 43 dias antes da publicação do decreto que tornou obrigatório o uso de máscaras em São Paulo
  • Conteúdo verificado: Post no Twitter e no Facebook mostra uma imagem em que o governador de São Paulo, João Doria, é vacinado no braço esquerdo e questiona o fato de ele e a médica não usarem máscara

Imagem que mostra o governador de São Paulo, João Doria, sem máscara, tomando vacina está sendo usada fora de contexto e promovendo desinformação nas redes sociais. A foto, que viralizou no Twitter e no Facebook após o início dos testes da vacina contra a covid-19, vem acompanhada de um texto que questiona o fato de o governador e a profissional de saúde que aplica a vacina não usarem máscara. As postagens também sugerem que o tratamento da mídia para este fato seria diferente caso o político vacinado sem máscara fosse o presidente Jair Bolsonaro.

A foto que circula nas redes sociais é um frame (imagem estática) de uma reportagem da Rede Globo que mostra Doria tomando a vacina anual contra a gripe. A matéria foi veiculada em março, 43 dias antes do decreto que tornou obrigatório o uso de máscaras no estado de São Paulo ser publicado no Diário Oficial.

Ou seja, João Doria não tomou a vacina contra o novo coronavírus que está sendo testada em São Paulo desde o dia 21 de julho. Apenas profissionais da saúde estão recebendo a vacina, ainda em fase de teste – no total, são 9 mil pessoas nesta primeira fase.

Como verificamos?

No primeiro passo dessa verificação, o Comprova fez uma busca reversa no Google pela imagem que aparece nas redes sociais para descobrir quando ela foi postada na Internet pela primeira vez e em que contexto.

Na sequência, para apurar a veracidade do conteúdo investigado, buscamos o decreto que obriga o uso de máscaras em São Paulo e informações sobre quem participará dos testes da vacina contra o novo coronavírus. Por fim, procuramos a assessoria do governador João Doria para verificar se ele participa dos testes da vacina contra a covid-19.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 27 de julho de 2020.

Verificação

A vacina da gripe

As imagens que aparecem nas postagens do Facebook são de uma reportagem do telejornal SP1 exibida pela rede Globo em 23 de março. A matéria anuncia que Doria tomou a vacina da gripe naquela data — que marcou o início da campanha nacional de vacinação, promovida pelo Ministério da Saúde. Ainda no dia 23, no Twitter, Doria postou uma foto recebendo uma dose da vacina. A gripe é causada pelo vírus influenza, enquanto a covid-19 é causada pelo vírus SARS-CoV-2.

O uso de máscaras em São Paulo

Os autores da postagem acusam Doria e a profissional da saúde que está aplicando a vacina de descumprirem os protocolos para diminuir a transmissão do novo coronavírus, destacando que ambos não estão utilizando máscaras.

Conforme apurado, as imagens datam de 23 de março. A obrigatoriedade do uso de máscaras no estado foi instituída mais de um mês depois, no dia 4 de maio, e passou a valer a partir do dia 7 daquele mês. O descumprimento pode levar à multa que varia entre R$ 524,59 e R$ 1380,50.

Os testes com a vacina para o novo coronavírus no estado

As imagens de Doria recebendo a vacina da gripe voltaram a viralizar nas redes sociais após o início dos testes de uma potencial vacina da covid-19 em São Paulo, em 21 de julho. Tiradas do contexto, as imagens podem sugerir que, além de desobedecer os protocolos sanitários do estado para o combate da pandemia, o governador tenha participado dos testes e recebido uma dose da vacina experimental.

A assessoria do governo de São Paulo afirmou ao Comprova que Doria não tomou a vacina. O governador apenas acompanhou a aplicação das doses nos primeiros voluntários a receberem as doses, no dia 21 de julho

Ao todo, nove mil voluntários de seis estados participarão do teste da vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech no Brasil. Todos precisam ser profissionais de saúde, não podem ter contraído o novo coronavírus e não devem estar participando de outros testes ou tratamentos para prevenção da doença. As mulheres também não podem estar grávidas. Os voluntários se candidataram pela Internet.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19. Quando se trata de vacinas e tratamentos, a verificação é ainda mais importante porque pode levar as pessoas a tomarem decisões equivocadas que aumentam os riscos de contaminação. Além disso, muitas ondas de desinformação são influenciadas pela polarização ideológica no país.

Até o fechamento dessa verificação, no dia 27 de julho, a publicação com a imagem de Doria tinha 66 mil compartilhamentos no perfil de Patrícia Parisotto no Facebook e 1,2 mil curtidas no perfil Paulo de Tarso no Twitter.

O Estadão Verifica e a Agência Lupa verificaram este mesmo conteúdo e chegaram a conclusão de que ele é, respectivamente, fora de contexto e falso.

O Comprova também já mostrou que os lotes da vacina contra a covid-19 da Sinovac Biotech que chegaram a São Paulo são apenas para testes, e não para imunizar a população, e que o governador João Doria não firmou a parceria para fabricação das vacinas antes do início da pandemia.

Enganoso para o Comprova é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado.

Saúde

Investigado por: 2020-07-24

Site engana ao afirmar que baixa mortalidade por covid-19 em Cuba é por conta da hidroxicloroquina

  • Enganoso
Enganoso
Texto distorce declarações de especialista cubano para tentar provar eficácia da cloroquina. Ao Comprova, o próprio médico citado e o coordenador do grupo que enfrenta a covid-19 em Cuba afirmaram que os números do país se devem a um conjunto de fatores
  • Conteúdo verificado: Texto do site Pleno.News que usou trechos de reportagem da agência estatal turca Anadolu sobre a relação da hidroxicloroquina com o baixo número de óbitos por covid-19 em Cuba

É enganoso que o bom desempenho de Cuba frente à pandemia de covid-19 seja atribuído ao uso de hidroxicloroquina. É o que afirma, erroneamente, texto do site Pleno.News que viralizou nas redes sociais no Brasil. As informações, baseadas em reportagem da agência de notícias estatal turca Anadolu, foram compartilhadas, por exemplo, pelos deputados federais Carla Zambelli (PSL-SP) e Marco Feliciano (Republicanos-SP).

Para fazer a relação entre a hidroxicloroquina e o baixo número de mortes no país, o texto distorce declarações do pesquisador cubano Agustín Lage (grafado como Augustin na postagem veificada), consultor de um grupo de organizações que colabora com o Ministério da Saúde Pública de Cuba. Em entrevista ao Comprova, Lage afirmou ter dito que a droga faz parte do tratamento juntamente com outros medicamentos, mas que não pode ser considerada a única responsável pelo bom desempenho do país no combate à pandemia – informação acrescentada em uma atualização do texto no site Pleno.News em 16 de julho.

Entretanto, o Comprova também conversou com Ricardo Pereda, coordenador do grupo para o tratamento da covid-19 no ministério e, de acordo com ele, o protocolo cubano para a doença não inclui a hidroxicloroquina – apenas a cloroquina foi incorporada.

Como verificamos?

O primeiro passo foi procurar pelos termos “Augustin Lage” e “hydroxychloroquine” no Google para ler a entrevista original do pesquisador cubano. A busca nos retornou uma reportagem publicada pela agência turca Anadolu. O texto afirma que “autoridades médicas cubanas dizem que o país usa a hidroxicloroquina e outras drogas exclusivas para o tratamento contra o novo coronavírus”.

Como a Anadolu é estatal, consultamos matérias publicadas em veículos internacionais para saber qual é o posicionamento do governo turco com relação à hidroxicloroquina. Solicitamos informações ao Ministério da Saúde da Turquia em 15 de julho, mas não obtivemos resposta até a publicação desta verificação.

O segundo passo foi entrar em contato com Agustín Lage. O texto publicado pela Anadolu diz que ele é consultor do presidente do grupo empresarial BioCubaFarma e ex-diretor do Centro de Imunologia Molecular (CIM) de Havana. Assim, entramos em contato por e-mail e por mensagens no Facebook com as duas instituições, bem como com o Ministério da Saúde cubano, em 16 de julho. Tanto o CIM quanto a BioCubaFarma confirmaram que ele era, respectivamente, ex-diretor e consultor científico. Disseram que passariam nosso contato para o pesquisador, mas não tivemos retorno.

O Projeto Comprova, então, solicitou a jornalistas cubanos que participam da aliança de organizações latino-americanas de fact-checking LatamChequea o contato de Lage. Eles nos passaram o e-mail do médico e, assim, conseguimos abordá-lo sobre sua entrevista para a agência turca e também sobre suas afirmações acerca da hidroxicloroquina. Lage ainda nos passou o contato de Ricardo Pereda, coordenador do grupo para o tratamento da covid-19 no Ministério da Saúde Pública de Cuba. Ele nos informou, por e-mail, que o protocolo cubano não inclui a hidroxicloroquina, dado que pudemos confirmar no site Covid19CubaData, enviado por um dos jornalistas cubanos. Com essa informação, tentamos falar novamente com Lage, mas ele não respondeu mais os e-mails até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de julho de 2020.

Verificação

Texto da agência Anadolu

A agência estatal turca Anadolu publicou, em 10 de julho, uma reportagem sobre o tratamento precoce da covid-19 em Cuba. A matéria entrevista o médico cubano Agustín Lage, identificado como “consultor do presidente da BioCubaFarma e ex-diretor do Centro de Imunologia Molecular de Havana”.

O conteúdo dá destaque ao uso da hidroxicloroquina no tratamento. Segundo Lage afirma na reportagem, os médicos cubanos estão cientes da “polêmica” envolvendo o medicamento, mas “consideram positivos os resultados” que sua prescrição alcançou. Ainda nas palavras do médico, a hidroxicloroquina “é usada nos estágios iniciais da doença em pacientes sem comorbidades, uma vez que a droga poderia agravá-las”. Em seguida, ele nega que a hidroxicloroquina seja “o principal produto usado no protocolo de tratamento da covid-19” e destaca o papel da BioCubaFarma no combate à pandemia, uma vez que alguns dos remédios são produzidos em Cuba.

O governo da Turquia considera a prescrição de hidroxicloroquina como um fator preponderante no combate à pandemia no país, conforme disse à rede norte-americana CBS um dos consultores do grupo montado para atuar contra a pandemia. Já a rede britânica BBC mostrou o entusiasmo do diretor de um hospital onde é utilizado o protocolo de tratamento com o medicamento. Ambos os textos lembram que estudos ao redor do mundo falharam em provar a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 (veja mais abaixo).

O que diz Agustín Lage

O médico afirmou por e-mail ao Projeto Comprova que o propósito de sua entrevista para a agência Anadolu era falar dos produtos da biotecnologia cubana. “Ao que parece, os jornalistas estavam especialmente interessados nestes dois medicamentos (cloroquina e hidroxicloroquina), por isso, lhe deram maior visibilidade (no texto)”, disse o especialista.

Questionado se a hidroxicloroquina é um dos medicamentos responsáveis pelo baixo número de mortes pela covid-19 em Cuba, Lage respondeu falando sobre a cloroquina – os dois medicamentos levam a mesma substância (a cloroquina), mas têm efeitos distintos, segundo reportagem do UOL. Ao Comprova, Lage escreveu: “Eu não disse que a cloroquina foi responsável pela baixa mortalidade da covid-19 em Cuba. Este é um dos medicamentos, dentre outros. Na verdade, a baixa mortalidade no país é resultado da política de saúde estabelecida em plano único que envolve muitos ministérios e organizações do Estado e que inclui ações epidemiológicas e clínicas”.

Depois de conversar com Pereda, do Ministério da Saúde Pública de Cuba, e ser informado de que o país não inclui a hidroxicloroquina em seu protocolo, o Comprova tentou falar novamente com Lage, mas ele não respondeu as perguntas enviadas por e-mail.

Protocolo da covid-19 em Cuba

Diferentemente do que afirma o texto da Anadolu, Cuba não usa a hidroxicloroquina, conforme contou ao Comprova Ricardo Pereda, coordenador do grupo central para tratamento da covid-19 do Ministério da Saúde Pública cubano. A informação também foi confirmada no site Covid19CubaData, que apresenta os medicamentos usados em cada versão do protocolo cubano e é utilizado pelo governo.

“A partir da segunda versão do protocolo, utilizamos a cloroquina; não dispusemos de hidroxicloroquina”, afirmou, por e-mail, Pereda. Na quarta atualização do protocolo, o país passou a utilizar a cloroquina em conjunto com outras drogas em pacientes testados positivos para covid-19 e com sintomas clínicos de evolução para uma piora. De acordo com o especialista, os protocolos cubanos se baseiam em terapias combinadas com medicamentos resultantes da biotecnologia nacional e uma nova versão do protocolo vai ser lançada oficialmente nos próximos dias.

Questionado sobre se a cloroquina é uma das responsáveis pelo baixo número de vítimas do novo coronavírus em Cuba, como afirma o texto verificado, Pereda foi categórico: “Não é uma droga. É uma estratégia epidemiológica de intervenção em escala nacional, a partir de um plano nacional dirigido pelo estado, no qual todos participam”. E acrescentou que o sucesso também é resultado de medidas como o isolamento de contatos suspeitos e confirmados, o tratamento no início dos sintomas – e tratamentos para as diferentes fases da doença – e a combinação de medicamentos. “Não existe, até agora, um medicamento de total eficácia comprovada, que seja o responsável pelos resultados favoráveis”, esclareceu.

No contato com o Comprova, Pereda afirmou que “toda a sociedade, de uma forma ou de outra, participou do combate à covid-19” e exemplificou medidas como “a educação da população, a informação correta, a total transparência da informação a que o povo tem acesso diariamente e as campanhas educativas em todos os meios disponíveis”.

BioCubaFarma e Centro de Imunologia Molecular de Havana

Segundo Lage, a BioCubaFarma é um grupo de 32 empresas da área farmacêutica e de biotecnologia, que colabora estreitamente com o Ministério da Saúde Pública de Cuba, mas não faz parte dele. A instituição atua em diferentes programas de saúde do governo por meio de pesquisas e fornecimento de diferentes remédios – é responsável pelo fornecimento de 60% dos medicamentos considerados essenciais em Cuba, inclusive de alguns para o tratamento da covid-19, “garantindo a cobertura nacional e o acesso universal gratuito para o paciente”. A empresa não participa da formulação do protocolo de tratamento.

Já o Centro de Imunologia Molecular (CIM) de Havana, que Agustín dirigiu até 2018 e atualmente mantém relações como docente, é um centro de pesquisa. Seu campo de atuação é o tratamento de câncer e outras doenças não infecciosas. Por isso, conforme explicou Lage, o papel do CIM no combate da covid-19 tem sido prestar apoio para outras instituições de atuação mais direta.

Hidroxicloroquina e cloroquina

Em 20 de maio, o protocolo adotado pelo Ministério da Saúde brasileiro ampliou a possibilidade do uso das duas drogas para pacientes com sintomas leves da doença – até então, elas eram previstas apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais. A publicação foi uma pressão política do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e custou o cargo do então ministro da Saúde Nelson Teich. O documento, porém, ressalta que não há comprovação da eficácia das medicações e deixa sua prescrição a critério dos médicos.

Também em maio, o Journal of the American Medical Association (Jama) e o British Medical Journal (BMJ) publicaram pesquisas questionando a eficácia tanto da cloroquina quanto da hidroxicloroquina. Os resultados dos estudos apontaram que pacientes tratados com essas drogas não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os mesmos remédios.

Em junho, pesquisadores do Recovery, estudo clínico conduzido no Reino Unido, afirmaram não haver benefício no uso da hidroxicloroquina em pessoas com covid-19.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) informou no dia 4 de julho deste ano que aceitou a recomendação do Comitê Diretor Internacional do Estudo de Solidariedade – grupo de estudos clínicos, do qual participam 5500 pacientes em 21 países – para interromper os estudos sobre hidroxicloroquina devido aos baixos resultados e avanços na redução da mortalidade de pacientes com covid-19 hospitalizados. “Esses resultados provisórios mostram que a hidroxicloroquina e o lopinavir/ritonavir produzem pouca ou nenhuma redução na mortalidade de pacientes com covid-19 hospitalizados quando comparados ao padrão de atendimento. Os investigadores do estudo interromperam os estudos com efeito imediato”, explica a declaração, no site da OMS.

No dia 17 de julho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe no qual, diante de novas evidências científicas, afirma ser “urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19”.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia de covid-19 que viralizam nas redes sociais. As ondas de desinformação são pautadas pela polarização e o mesmo padrão se repete na pandemia. A hidroxicloroquina e a cloroquina foram levadas para o centro da disputa ideológica após os presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, do Brasil, defenderem seu uso – mesmo sem comprovação científica.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) salienta que até o momento não há tratamento ou vacina disponível para a covid-19. Apesar disso, cada país adota um protocolo de tratamento dos sintomas e de apoio aos doentes que considerar melhor. Por isso, os protocolos de outros países são comumente tirados de contexto para avalizar um tipo ou outro de remédio.

O Comprova já desmentiu que a África tivesse controlado a pandemia apenas com o tratamento do vermífugo ivermectina. Tampouco o uso da cloroquina seria responsável pela situação da covid-19 no Senegal.

O texto publicado pelo site Pleno.News teve mais de 247 mil interações até a publicação desta checagem, segundo a ferramenta de monitoramento de redes sociais CrowdTangle. As informações foram compartilhadas por outros blogs como o Gazeta Brasil e também serviram de fonte para post dos deputados federais Carla Zambelli (PSL-SP) e Marco Feliciano (Republicanos-SP)

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

ATUALIZAÇÃO: Esta verificação foi atualizada em 12 de março de 2021 para deixar mais clara a diferença entre o nome correto de Agustín Lage e Augustin Lage, forma como foi mencionado na postagem verificada pelo Comprova.