O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2024-02-05

Membro do MST que aparece em vídeo não é o homem que depredou relógio de dom João VI no Palácio do Planalto

  • Falso
Falso
É falso que o homem que quebrou o relógio de Dom João VI, no Palácio do Planalto, em 8 de janeiro de 2023, seja integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), diferentemente do que afirma post verificado pelo Comprova. O vândalo foi identificado como Antônio Cláudio Alves Ferreira, já a pessoa que aparece no vídeo verificado como sendo militante do MST chama-se Danilo e mora no Paraná. Um perito apontou diferenças entre os rostos dos dois homens. Não há nenhum indício de participação de integrantes do MST nos atos golpistas de 8 de janeiro.

Conteúdo investigado: Post faz uma montagem com dois vídeos. O primeiro é de um grupo de pessoas que usa roupas do Movimento pelo Direito à Moradia e que diz estar indo para Brasília. Entre eles aparece um homem que se identifica como Danilo e que veste uma camiseta do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). O segundo vídeo mostra uma pessoa quebrando o relógio de Dom João VI no Palácio do Planalto. A legenda do post diz “O tal bolsonarista que quebrou o relógio é do MST/PT…. Esconderam isso do povo…”

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: O homem que quebrou o relógio de Dom João VI durante os atos antidemocráticos em Brasília, em 8 de janeiro do ano passado, não é militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), ao contrário do que afirma post viral.

A publicação mescla o vídeo do homem jogando o relógio no chão, dentro do Palácio do Planalto, com uma gravação em que aparece um homem com uma camiseta do MST fazendo a letra L com a mão, em referência ao apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na publicação, o autor do post diz ser a mesma pessoa, o que não é verdade.

O vândalo foi identificado como Antônio Cláudio Alves Ferreira e foi preso em 23 de janeiro. Contatado pelo Comprova, o MST afirmou que o post é “uma montagem grosseira na tentativa de criminalizar o movimento” e que conteúdos de desinformação com o mesmo assunto circulam há um ano. Ainda de acordo com o grupo, o homem com a camiseta do MST se chama Danilo, é estudante e mora com a família em um acampamento no Paraná.

Em análise feita a pedido do Estadão, o perito audiovisual Ricardo Caires dos Santos, presidente da Comissão Nacional de Perícia Audiovisual, da Academia Brasileira de Ciências Criminais, também concluiu não ser a mesma pessoa nos dois vídeos. Segundo a perícia, há diferenças nos olhos, sobrancelhas e bigode.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Apenas um post no X havia sido visualizado mais de 69 mil vezes até 2 de fevereiro.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar no Google termos como “vândalo relógio Dom João VI” e “MST”. O resultado mostrou três verificações que desmentiram a associação dos dois vídeos.

Também foram pesquisadas notícias sobre Antônio Cláudio Alves Ferreira, identificado como a pessoa que quebrou o relógio. O Comprova também entrou em contato com a assessoria de imprensa do MST. Além disso, mandou mensagens para o perfil que compartilhou o vídeo original, que mostra o homem identificado como Danilo, e com o Movimento por Moradia Popular. Mas até a publicação dessa verificação não obteve resposta.

Vândalo se chama Antônio, não Danilo

O relógio de Balthazar Martinot, trazido ao Brasil pelo Dom João VI, que estava no Palácio do Planalto, foi quebrado durante a depredação da sede do Executivo no dia 8 de janeiro de 2023. Vídeo da câmera de segurança do local mostrou que o ato de vandalismo foi executado por um homem vestido com uma camisa estampada com o rosto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As imagens foram divulgadas pela TV Globo.

Logo depois, testemunhas, entre elas a irmã de Antônio Cláudio Alves Ferreira, o reconheceram como sendo a pessoa que aparece no vídeo, segundo reportagem do Diário de Pernambuco. Antônio é natural de Catalão, em Goiás, e, de acordo com a Polícia Civil do estado, foi a Brasília de carro, onde chegou no dia 2 de janeiro. No dia 9, após os ataques, o mesmo veículo foi visto de volta à Catalão.

Antônio foi preso em 23 de janeiro em Uberlândia e está detido desde então no Presídio de Uberlândia I, antiga Colônia Penal Professor Jacy de Assis. Foi incluído no inquérito 4922, do Supremo Tribunal Federal, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes. O inquérito investiga os participantes da invasão que não foram presos em flagrante. Na ação, ele responde por cinco crimes, incluindo golpe de Estado.

Relógio de Balthazar Martinot

O relógio de Balthazar Martinot é uma peça do século XVII que pertenceu a Dom João VI, presenteado pela Corte Francesa. O item estava exposto no Palácio do Planalto desde 2012, quando passou por uma restauração.

No dia dos ataques, o relógio foi destruído. Foram arrancados a estátua de Netuno que ficava no topo do objeto, os ponteiros e também os números.

O item foi enviado à Suíça, que se ofereceu para fazer o reparo. O objeto foi entregue a representantes do país em 26 de dezembro de 2023. A restauração será feita pela Audemars Piguet, fabricante tradicional de relógios. Não há data para finalização do restauro. Os custos também não foram divulgados.

Vídeo do MST é viagem para posse de Lula

O vídeo usado na montagem foi postado no Instagram de um integrante do Movimento pelo Direito à Moradia em 3 de janeiro de 2023. Nele, a pessoa que narra a gravação diz que eles estão indo para Brasília. O grupo, que usa camisas do Movimento pelo Direito à Moradia, que é do Paraná, está fazendo uma refeição. Uma das pessoas que aparecem é o homem que se apresenta como Danilo. O mesmo perfil do Instagram também postou fotos e vídeos do dia da posse do presidente Lula, em Brasília. Segundo o Movimento Sem Terra (MST), o vídeo mostra a viagem dos integrantes para a posse de Lula, em 1º de janeiro, portanto, antes dos atos golpistas.

O que diz o responsável pela publicação: Várias páginas no X republicaram o vídeo e não foi possível identificar o perfil que fez a primeira postagem. A reportagem também não conseguiu contatar os perfis que publicam por ser proibido o envio de mensagens.

O que podemos aprender com esta verificação: O post usa vídeos verdadeiros de pessoas parecidas para confundir e difundir uma informação falsa. Diante de postagens como essa, que fazem denúncias sensacionalistas ou apresentam teorias conspiratórias sem identificar as fontes dos conteúdos utilizados, faça buscas na internet para localizar informações sobre o tema fornecidas por veículos jornalísticos ou fontes com autoridade para falar sobre o tema em questão. Se fosse verdadeira a informação, a participação de um integrante do MST na tentativa de golpe de 8 de janeiro seria veiculada em diversos sites e programas de notícias e não somente em perfis de redes sociais cuja autoria não pode ser confirmada.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Estadão, Aos Fatos e Fato ou Fake, do G1, também verificaram o conteúdo. Sobre os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o Comprova já checou outras publicações, como a de que o FBI não estava no Brasil para investigar os atos, diferentemente do que afirmava vídeo e de post que enganava ao associar vídeo de 2022 a início de movimento contra Lula.

Política

Investigado por: 2024-02-02

Apresentador da Globo não evitou noticiar rombo no governo Lula; houve erro técnico

  • Enganoso
Enganoso
Jornalista da RBS TV, afiliada da Globo no Rio Grande do Sul, não evitou ler manchete sobre déficit nas contas públicas do governo Lula (PT) para protegê-lo, ao contrário do que diz post. Houve um erro técnico no programa, com a exibição de capas de jornais que eram do dia anterior. Ao perceber o equívoco, o apresentador interrompeu a leitura e aguardou pela exibição das manchetes do dia correto.

Conteúdo investigado: Post no Instagram reproduz trecho do telejornal Bom Dia Rio Grande, na RBS TV, afiliada da Globo, em que o âncora estava mostrando as capas dos jornais do dia 31 de janeiro. O apresentador interrompe a leitura no momento em que terminaria de ler a manchete do Zero Hora sobre o déficit do governo atual. Sobre a imagem, aparece a inscrição “O cara travou na hora de falar do rombo do governo Lula”.

Onde foi publicado: Instagram.

Conclusão do Comprova: É enganoso que o apresentador Josmar Leite, da RBS TV, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul, tenha interrompido a leitura de manchete sobre déficit nas contas públicas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para protegê-lo. O que ocorreu foi um erro no noticiário da emissora, com a confusão da exibição de capas do dia.

Durante o telejornal Bom Dia Rio Grande, de 31 de janeiro, foram mostradas capas de jornais que eram, na verdade, do dia anterior. Por conta do equívoco, Josmar interrompeu a leitura das manchetes e informou que as capas corretas seriam exibidas pela equipe. Na sequência, o programa consertou as imagens e mostrou as matérias referentes àquele dia.

A informação lida de forma incorreta no dia 31 era a reportagem publicada no jornal Zero Hora do dia anterior, sobre o fato de as contas públicas federais terem fechado em 2023 com déficit de R$ 230,5 bilhões. Esse é o pior resultado desde 2020, ano em que começou a pandemia da covid-19, quando o déficit chegou a R$ 939,9 bilhões.

Após a exibição do telejornal, começou a circular nas redes sociais um vídeo com uma legenda afirmando que o apresentador Josmar Leite “travou” após falar do “rombo nas contas durante o governo Lula”, sugerindo também que a emissora não faz críticas ao presidente da República.

Com a circulação do material enganoso, a RBS TV, no mesmo dia, publicou em seu perfil no Instagram uma nota de esclarecimento sobre o caso, acompanhada do vídeo que mostra o momento do erro técnico e, em seguida, a apresentação da manchete atualizada do Jornal Zero Hora. A emissora também exibiu o trecho do dia anterior, 30, em que Josmar lê normalmente a matéria sobre o rombo.

Em nota, a RBS informou que a íntegra do conteúdo está disponível no Globoplay.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 2 de fevereiro de 2024, a publicação teve 370 mil visualizações, 18,8 mil curtidas e 3,6 mil comentários.

Como verificamos: Para encontrar informações sobre o ocorrido, o Comprova buscou pelo trecho original do telejornal no Globoplay que mostra o erro técnico e a correção das capas na sequência. Também encontrou o programa do dia anterior na plataforma, em que é possível ver que o jornalista leu normalmente a matéria sobre o rombo.

A equipe procurou o posicionamento da RBS TV em seu Instagram, onde esclareceu o engano e as capas do Jornal Zero Hora.

O que diz o responsável pela publicação: Procurado pelo Comprova, o administrador do perfil onde o vídeo foi publicado, não respondeu aos questionamentos feitos.

O que podemos aprender com esta verificação: Trechos recortados de vídeos, apresentados sem contexto e com sobreposição de legendas ou comentários de cunho político, merecem a nossa atenção. O uso de recortes de imagens com essas características é uma tática comumente utilizada por perfis cuja intenção é compartilhar desinformação ou reforçar discursos partidarizados. Neste caso, embora o Comprova não tenha conseguido confirmar alguma intencionalidade do responsável pela publicação, a postagem utiliza trecho de um telejornal sem apresentar para os usuários o contexto e nem explicar que se tratava de um erro. Em casos como este, devemos buscar pelos trechos originais do programa na plataforma da emissora e conferir a veracidade da publicação. Também seria possível checar a informação consultando as capas do jornal Zero Hora nos dias citados.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Metrópoles, Aos Fatos e Lupa também checaram o conteúdo. Ainda sobre trechos de telejornais tirados de contexto, o Comprova já verificou que montagem com vídeos engana sobre a cloroquina.

Política

Investigado por: 2024-02-01

Vídeo inventa fechamento de montadoras e faz falsa projeção de desemprego

  • Falso
Falso
É falso que Citroën e Toyota tenham encerrado as atividades no Brasil ou demitido milhares de pessoas como afirma um homem em vídeo antigo que voltou a circular nas redes sociais. As duas montadoras seguem funcionando e garantem que não pretendem sair do país. Além disso, a previsão do autor do vídeo investigado, de que o Brasil teria 15 milhões de desempregados em maio de 2023, não se cumpriu. O país tinha 8,6 milhões de desempregados no 2º trimestre do ano passado, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. A taxa de desemprego caiu 1,8% em 2023.

Conteúdo investigado: Um vídeo que circula nas redes sociais mostra um homem alegando que é funcionário da Citroën e que a montadora fechou as portas no Brasil, demitindo 13 mil funcionários. Ele acrescenta que a Toyota também acaba de fechar suas unidades e que até maio o país terá 15 milhões de desempregados. Ao final, coloca a culpa desse cenário no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que, segundo ele, teria planejado assumir o governo para aos poucos quebrar o país.

Onde foi publicado: X e TikTok.

Conclusão do Comprova: As montadoras Citroën e Toyota não encerraram suas atividades no Brasil, demitindo milhares de pessoas. A alegação falsa aqui checada circula desde janeiro de 2023 e já foi desmentida anteriormente, por Reuters e UOL Confere.

A Stellantis, dona da marca Citroën, negou ao Comprova que o homem que aparece nas imagens tenha integrado os quadros da companhia e afirmou que as declarações contidas no vídeo são falsas.

Conforme a montadora, a planta de produção de veículos e motores de Porto Real, no Rio de Janeiro, onde os veículos Citroën são fabricados, é um ativo importante e estratégico, e continuará em funcionamento. “A unidade segue preparada para atender às demandas dos consumidores e ao crescimento do mercado”, informou a empresa, em nota.

A Toyota, por sua vez, informou não ter realizado, neste ano, anúncio referente ao fechamento de unidades. A empresa explicou que, em novembro de 2023, concluiu um processo de transferência das operações da fábrica da cidade paulista de São Bernardo do Campo para as demais unidades (em Sorocaba, Indaiatuba e Porto Feliz, no interior de São Paulo). “Reafirmamos nosso compromisso com o Brasil, desmentindo quaisquer alegações de encerramento das operações no país”, afirma a montadora.

Em relação ao fechamento da fábrica em São Bernardo, a Toyota informou que a decisão se deu pela concentração estratégica das operações no interior de São Paulo. Não foi informado o número de funcionários desligados da unidade, mas, conforme publicado por Época Negócios, havia 550 trabalhadores no local.

Em janeiro de 2023, primeiro ano do governo Lula, quando o vídeo começou a circular, o homem que faz as falsas alegações previa entre 13 e 15 milhões de desempregados no Brasil em maio. Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, principal instrumento para monitoramento da força de trabalho no país, o contingente dos desocupados no Brasil no segundo trimestre de 2023 era de 8,6 milhões, bem abaixo do número citado no conteúdo checado.

A taxa de desocupação do país no segundo trimestre (abril, maio e junho) de 2023 foi de 8%, caindo 0,8% ante o primeiro trimestre (8,8%) e 1,3% frente ao mesmo trimestre de 2022 (9,3%), durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego caiu 1,8% em 2023 em comparação ao ano de 2022. Os dados da Pnad Contínua demonstram que a taxa de desocupação em 2023 foi de 7,8% e a de 2022 foi de 9,6%. Em 2023, o Brasil tinha uma população desocupada de 8,5 milhões.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo aqui checado foi visualizado 169,7 mil vezes no TikTok e outras 109,3 mil vezes no Twitter.

Como verificamos: Uma busca no Google pelas palavras chaves “Citroën”, “Toyota”, “demissões”, “sair” e “Brasil” levou a uma verificação do Uol Confere que desmentiu em abril de 2023 o vídeo aqui checado. Além disso, pesquisamos por notícias em canais confiáveis que confirmassem a alegação, mas não encontramos nenhum resultado. Em seguida, procuramos as duas montadoras e buscamos os dados de desemprego referentes ao primeiro ano do governo Lula. Por fim, tentamos falar com o responsável pelo compartilhamento do vídeo e pelo homem que aparece na gravação.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova enviou mensagem via Kwai para Luiz Antônio Dornelas Lopes, que se identifica no vídeo como funcionário da Citroën, e via TikTok para Edvaldo Alves Machado, que compartilhou o conteúdo recentemente. Nenhum deles respondeu.

O que podemos aprender com esta verificação: Este caso destaca a importância de verificar informações com fontes confiáveis antes de compartilhar conteúdos. O vídeo em questão já havia sido desmentido anteriormente por agências de checagem de fatos e as duas empresas citadas haviam negado as alegações. Informações alarmantes, como as de demissões em massa e de grande impacto na economia, sempre devem ser confirmadas junto a fontes confiáveis, como veículos de comunicação profissionais, por exemplo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo foi verificado em 2023 por Reuters e UOL Confere. Boatos sobre diferentes negócios foram desmentidos anteriormente pelo Comprova, que identificou ser falso que a Ford vai deixar de produzir veículos de passageiros globalmente, ser enganoso que fábricas estejam fechando filiais na Argentina para vir ao Brasil e que um áudio inventa que produção de montadora está esgotada até 2021 para afirmar que Brasil pode se tornar maior economia do mundo. Sobre emprego, já demonstramos que uma publicação engana ao comparar dados de Lula e Dilma com Bolsonaro.

Política

Investigado por: 2024-02-01

Ponte rodoferroviária entre SP e MS não foi obra do governo Bolsonaro

  • Falso
Falso
Não há relação entre o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a construção da ponte rodoferroviária Rollemberg-Vuolo, que liga São Paulo a Mato Grosso do Sul. A obra teve início em 1991 e foi inaugurada sete anos depois pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Conteúdo investigado: Vídeo com imagens da ponte rodoferroviária Rollemberg-Vuolo, em que o narrador detalha informações do projeto. Sobrepostas aos vídeos estão fotos de Jair e Michelle Bolsonaro, dando a entender que o empreendimento foi uma iniciativa do governo do ex-presidente. Em uma das postagens no TikTok, há a legenda: “a imprensa sempre escondeu os grandes feitos do governo Bolsonaro”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É falso que a ponte rodoferroviária Rollemberg-Vuolo tenha sido uma obra do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. O empreendimento foi inaugurado em 1998 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. As obras foram iniciadas em 1991.

Não há, portanto, qualquer evidência que atribua a construção do empreendimento a Bolsonaro, governo que durou de 2019 a 2022.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Postados no dia 29 de janeiro, os vídeos tiveram cerca de duas mil visualizações até o dia 31.

Como verificamos: Para encontrar informações acerca do assunto, o Comprova realizou buscas no Google a partir dos termos “ponte rodoferroviária rollemberg-vuolo” e “ponte rodoferroviária rio paraná” ao lado de palavras como “inauguração” e “investimento”. Também foi consultado o acervo do Estadão.

A partir disso, acessamos informações de sites locais e de jornais sobre a obra, bem como outras verificações desmentindo a mesma informação.

O Comprova também tentou contato com o autor da postagem.

Ponte rodoferroviária foi inaugurada em 1998

A ponte rodoferroviária Rollemberg-Vuolo foi inaugurada em 29 de maio de 1998 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma notícia da época com a agenda de FHC confirma a informação, assim como reportagem antiga da TV Globo, disponível no YouTube. Segundo matéria do Estadão, de 20 de agosto de 1997, a obra teve custo total de R$ 550 milhões, com investimentos da União e do Estado de São Paulo. Já reportagem de 2005 da Folha aponta o valor da obra em R$ 586,3 milhões.

A ponte rodoferroviária foi construída sobre o Rio Paraná e tem 3.700 metros de extensão, com uma rodovia na parte superior e uma ferrovia abaixo, ligando as cidades de Rubineia, em São Paulo, e Aparecida do Taboado, em Mato Grosso do Sul.

Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, a Lei 10.570, de 21 de novembro de 2002, denominou a parte ferroviária de “Ponte Senador Vicente Vuolo” e a rodoviária de “Ponte Deputado Roberto Rollemberg”, que atuaram para a viabilidade do empreendimento. As obras foram iniciadas em 1991.

Mais recentemente, em fevereiro de 2022, houve a restauração da iluminação da ponte rodoferroviária. O investimento foi do Estado do Mato Grosso do Sul.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova buscou contato com os perfis que postaram o vídeo no TikTok, porém sem sucesso, já que a plataforma não permite troca de mensagem entre pessoas que não se seguem.

O que podemos aprender com esta verificação: Alguns conteúdos podem ser verificados facilmente pelos próprios leitores. Neste caso, uma busca simples pelo termo “ponte rodoferroviária Rollemberg-Vuolo” leva, logo nos primeiros links, a esclarecimentos sobre a época da construção e às checagens que mostram ser falsas as afirmações de que o empreendimento tenha sido uma realização do governo Bolsonaro.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O UOL Confere, a Lupa e o Boatos.org checaram o vídeo e concluíram ser falsa a alegação de que o governo Bolsonaro esteja envolvido na realização da ponte. Não é a primeira vez que alguma obra ou pelo menos a etapa de construção de algum empreendimento é atribuída ao governo Bolsonaro de forma enganosa. Anteriormente, mostramos, por exemplo, que o ex-presidente não concluiu 84% das obras da transposição do Rio São Francisco, ao contrário do que alega em um vídeo.

Política

Investigado por: 2024-01-30

Investigação da CGU não livrou Bolsonaro no caso do cartão de vacina

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo engana ao citar arquivamento de investigação sobre o cartão de vacina do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A Controladoria Geral da União (CGU) considerou que o registro de vacina de Bolsonaro é falso e recomendou o fim da investigação que apurava a participação de um servidor público na inserção de dados. Essa decisão não livra Bolsonaro. Ao contrário, pois deixa clara a falsidade do dado. Uma outra investigação, sobre outros dois registros de vacina no cartão de Bolsonaro, prossegue na Polícia Federal.

Conteúdo investigado: Vídeo em que uma pessoa, já investigada pelo Comprova em outra ocasião, repercute o suposto arquivamento da investigação sobre o cartão de vacina do ex-presidente Jair Bolsonaro. A pessoa cita investigação da Controladoria Geral da União (CGU) e dá a entender que a ação livrou o ex-presidente de irregularidades. O autor do vídeo ainda diz que “falaram que ele (Jair Bolsonaro) vacinou para poder entrar lá (nos Estados Unidos). Mentira, olha aí ó. Viram que é falso o cartão de vacinação.”

Onde foi publicado: TikTok e X.

Conclusão do Comprova: São enganosos os posts de redes sociais afirmando que a CGU livrou Jair Bolsonaro de acusações de irregularidades ao arquivar a investigação sobre seu cartão de vacinação. O órgão, na realidade, arquivou a investigação que tentava apurar se um servidor público federal adulterou o documento, mas concluiu que o registro é falso.

No dia 19 de janeiro, a CGU concluiu as investigações sobre um registro de vacinação contra o coronavírus inserido no sistema da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. O órgão apontou que o registro de uma aplicação na UBS Parque Peruche, na zona norte da cidade, era falso.

Conforme divulgado em nota oficial, foi realizada diligência no Ministério da Saúde (MS) e confirmada a segurança do sistema mantido pela pasta, sendo atestada a impossibilidade de o registro ter sido feito através do sistema mantido pelo órgão federal. O exame também teve como objetivo verificar a eventual participação de algum servidor público federal nos fatos para eventual responsabilização. Nada foi localizado nesse sentido.

Logo, a CGU concluiu que a suposta aplicação de vacina em Bolsonaro foi inserida de forma fraudulenta por meio do sistema estadual de registro de vacinação contra a covid-19, em São Paulo. Tal conclusão não sinaliza o “livramento” de Bolsonaro, conforme mencionado nos posts investigados. A conclusão da CGU apenas confirma o não envolvimento de servidores do Ministério da Saúde na falsificação do documento de vacinação do ex-presidente.

Há, ainda, uma outra investigação em curso sobre o cartão de vacinação de Bolsonaro. Ela está sendo executada pela Polícia Federal (PF), que investiga as suspeitas de irregularidade em outros dois registros de imunização, supostamente feitos em Duque de Caxias (RJ). Esse é o caso que imputa crimes ao ex-presidente na fraude de seu registro de vacinação e que foi amplamente divulgado.

Em nota técnica divulgada, a CGU informou que pode reabrir sua investigação caso as provas eventualmente recebidas indiquem o possível envolvimento de agente com vínculo com o governo federal.

A CGU foi procurada pelo Comprova e confirmou as informações divulgadas por meios oficiais até a presente data. Também em resposta ao Comprova, a PF disse que não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 26 de janeiro, o vídeo alcançou 62,9 mil visualizações e 6,6 mil curtidas na rede social X, e no TikTok foi visto 5,9 mil vezes.

Como verificamos: Para encontrar informações sobre o assunto, o Comprova realizou buscas por conteúdos com as palavras “cartão de vacina Bolsonaro, CGU e Polícia Federal”. A partir disso, acessamos documentos oficiais do governo federal, como a Nota Técnica que fundamentou a decisão da CGU, bem como informações da PF sobre investigação da inserção de dados falsos de vacinação nos sistemas da Saúde.

Além disso, foram localizadas reportagens jornalísticas noticiando o decorrer das investigações. A exemplo de Agência Brasil, g1, O Globo e Folha.

Com isso, foi possível localizar notícias e publicações, de diferentes fontes, com material amplo sobre o assunto. A apuração buscou, ainda, a Controladoria Geral da União e a Polícia Federal para confirmar os dados verificados.

Origem dos fatos

No dia 3 de maio de 2023, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes autorizou a realização de buscas em endereços de Bolsonaro e de outras pessoas em uma investigação a respeito de possíveis fraudes nos cartões de vacinação de Jair Bolsonaro. A suspeita foi levantada após a quebra do sigilo do ajudante de ordens de Bolsonaro, o coronel do Exército Mauro Cid, durante o processo do Inquérito 4878.

Esse inquérito investiga o suposto vazamento, pelo então presidente da República, de dados sigilosos relacionados a uma investigação da Polícia Federal sobre as urnas eletrônicas. De acordo com a PF, a suposta fraude nos registros do ex-presidente teria sido realizada para garantir que ele pudesse viajar aos Estados Unidos após deixar o cargo. Na época, os EUA exigiam que viajantes comprovassem a imunização contra a covid.

Conforme informações do Ministério da Saúde, um secretário municipal de Duque de Caxias (RJ) teria sido responsável pela inclusão dos dados de vacinação em nome de Bolsonaro. No entanto, o ex-presidente não esteve naquela cidade em 13/08/2022, data da suposta aplicação da primeira dose da vacina da Pfizer. Dados adicionais do Ministério da Saúde trouxeram novos indícios de inserções falsas relacionadas a pessoas próximas ao ex-presidente.

Investigações

As investigações em relação ao cartão de vacinação do ex-presidente começaram a ser realizadas em 2023. No total são duas investigações, uma concluída e outra em andamento:

O Ministério Público Federal (MPF) acompanha as investigações da PF e pode apresentar denúncias contra os responsáveis pela fraude, caso sejam encontrados.

Investigação da CGU sobre vacinação de Bolsonaro

A investigação da CGU, que concluiu que é falso o registro de imunização contra a covid-19 que consta do cartão de vacinação de Bolsonaro, começou no fim de 2022.

Os dados do Ministério da Saúde apontavam que o ex-presidente teria se vacinado em 19 de julho de 2021 na UBS Parque Peruche, na zona norte de São Paulo, data que sequer estava na cidade.

A CGU ficou responsável por investigar se o cartão de Bolsonaro teria sido adulterado para incluir a dose contra a doença, suspeita que foi confirmada.

Durante a investigação, os auditores ouviram o depoimento da enfermeira indicada no cartão de vacinação como aplicadora do imunizante, mas essa negou que tenha feito tal procedimento. E ainda afirmou que não trabalhava mais na Unidade naquela data, o que foi confirmado por documentos.

Também foram feitas oitivas de funcionários em serviço na UBS no dia, mas todos negaram ter visto o ex-presidente da República no local. Da mesma forma, negaram conhecer qualquer pedido feito para registrar a imunização do então chefe do Poder Executivo. Os depoimentos foram corroborados pela análise dos livros físicos mantidos pela UBS para registro da vacinação da população.

Além disso, a CGU constatou que Bolsonaro não estava na capital paulista nesta data e que o lote de vacinação que constava no sistema do Ministério da Saúde não estava disponível naquela data na UBS onde teria ocorrido a imunização. Segundo o órgão, registros da Força Aérea Brasileira (FAB) mostram que o ex-presidente voou de São Paulo para Brasília um dia antes da suposta vacinação e não fez nenhum outro voo até pelo menos 22 de julho de 2021.

Logo, a conclusão da investigação apontou para uma fraude no sistema estadual de registro de vacinação. Em razão de todos os funcionários da UBS dividirem o mesmo login e senha do sistema VaciVida, mantido pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, tornou-se impossível apurar qual seria o servidor responsável.

Investigação da Polícia Federal está em andamento

Em 3 de maio de 2023, a PF divulgou que realizava a Operação Venire, para esclarecer a atuação de associação criminosa constituída para a prática dos crimes de inserção de dados falsos de vacinação contra a covid-19 no Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SIPNI) e na Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) do Ministério da Saúde.

Jair Bolsonaro e outras 25 pessoas se tornaram alvo da investigação, após Alexandre de Moraes autorizar a operação. Desde então, a PF investiga o caso.

A abertura de tal operação foi resultado de duas informações suspeitas inseridas nos cartões de vacinação de um grupo de pessoas, incluindo o ex-presidente – vacinas teriam sido aplicadas em Jair Bolsonaro no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias, nos dias 13 de agosto e 14 de outubro de 2022.

A investigação ainda está em andamento e, segundo a PF, a apuração indica que o objetivo do grupo seria manter coeso o elemento identitário em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a covid-19, ao mesmo tempo em que poderiam burlar restrições sanitárias.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com o autor da postagem enganosa, pois os contatos em redes sociais estão bloqueados/restritos.

O que podemos aprender com esta verificação: O autor do post utiliza informação fora de contexto para confundir e enganar o público que acessa o conteúdo. Envolver fatos da realidade e fazer interpretações enganosas são práticas comuns de perfis que costumam disseminar desinformação. Ao acessar conteúdos deste tipo, vale consultar os órgãos oficiais e veículos de imprensa de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Conteúdos relacionados a presidentes e ex-presidentes são alvos constantes de desinformação. Em outras verificações, o Comprova apurou que em meados de 2023, ao contrário do que afirmavam postagens em redes sociais, a PF não havia encerrado a investigação sobre joias sauditas; também verificou vídeo que engana ao dizer que Bolsonaro não está inelegível por causa de tratado internacional.

Comprova Explica

Investigado por: 2024-01-29

Entenda por que é consenso científico que ação humana causa mudanças climáticas

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Conteúdos nas redes sociais desinformam ao afirmar que as mudanças climáticas não são um problema e que a ação humana não é responsável por elas. São postagens que vão contra o consenso científico, como mostrou estudo de 2023 realizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). Como toda desinformação, essas também são perigosas, e, por isso, a seção Comprova Explica esclarece alguns pontos envolvendo o assunto.

Conteúdo analisado: Posts nas redes sociais negam as mudanças climáticas e a responsabilidade do ser humano sobre elas, afirmando, por exemplo, que o clima já mudou antes e que o aquecimento global não é ruim.

Comprova Explica: A crise climática que estamos vivendo não é uma ideia que os cientistas inventaram para receber mais financiamentos para suas pesquisas. Nem está sendo causada sem a participação humana. Diferentemente do que afirmam posts nas redes sociais, ela é real e é consenso entre cientistas que a responsabilidade pela crise é do ser humano.

Há quem afirme que o aquecimento global não é ruim, que o clima já mudou antes e que as soluções apresentadas não funcionam, afirmações perigosas diante de um cenário cada vez mais problemático, segundo especialistas. Em Milão, na Itália, um grupo investigado por espalhar teorias conspiratórias sobre a vacina contra a covid-19 assinou um cartaz onde se lê: “Quem fala de aquecimento global é o mesmo que quer vacinação obrigatória”. É a mistura de duas teorias mentirosas, mostrando que a crise climática passou a ser alvo de negacionistas da pandemia, como mostrou a Folha.

O ano passado, inclusive, foi o mais quente em ao menos 174 anos, desde que se iniciaram as medições meteorológicas, segundo a Organização Meteorológica Mundial, agência da Organização das Nações Unidas.

Como afirmou ao Comprova o geólogo José Maria Landim Dominguez, professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), “modelos climáticos cada vez mais sofisticados, que têm sido desenvolvidos para investigar o funcionamento do clima, confirmam inequivocamente o impacto das emissões de dióxido de carbono (pelo homem) nas mudanças climáticas em curso”.

É o mesmo que afirma o resumo para formuladores de políticas públicas, do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês). “As atividades humanas, principalmente por meio das emissões de gases com efeito de estufa, inequivocamente causaram o aquecimento global “, diz o estudo.

Aumento da temperatura na Terra, secas intensas, incêndios severos e aumento do nível do mar são algumas das alterações que essas ações estão causando, de acordo com especialistas, e que vêm sendo citadas em conteúdos de desinformação não só nas ruas, mas, principalmente, nas redes sociais. Para combater esse fenômeno, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre o que é consenso em relação à crise climática.

Este Comprova Explica abre uma nova frente de verificações no Projeto Comprova. A desinformação em torno das mudanças climáticas passa a ser, juntamente com eleições e políticas públicas em nível federal, um dos focos do Comprova em 2024.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar na internet publicações relacionadas às mudanças climáticas. Reportagens e relatórios de órgãos meteorológicos, citados abaixo, foram consultados para a elaboração deste texto.

A equipe também entrevistou o geólogo José Maria Landim Dominguez, da UFBA, e a bióloga Mariana Vale, doutora em Ecologia pela Universidade de Duke, dos Estados Unidos, e uma das autoras do mais recente relatório do IPCC, da ONU.

O que são mudanças climáticas?

De acordo com esta publicação da ONU, as mudanças climáticas são “transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima”. Elas podem ser naturais – influenciadas pela variação no ciclo solar, por exemplo. Ou podem ser provocadas por uma desregulação do efeito estufa, que gera um aumento da temperatura do planeta, causando assim as mudanças climáticas.

O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) explica que o efeito estufa é um fenômeno natural que faz com que a temperatura na superfície da Terra seja favorável à existência de vida no planeta. Esse efeito permite que parte do calor do sol que entra pela atmosfera fique retido, regulando a temperatura na Terra. Sem ele, a média da temperatura na superfície seria de -18ºC, e não de 15ºC, como temos hoje.

As mudanças climáticas partem da desregulação do efeito estufa, provocada pelo excesso de emissão de gases por conta da carbonização da economia desde a revolução industrial. Esses gases dificultam ainda mais a saída do calor pela atmosfera, aumentando a temperatura média do planeta, o que desperta um efeito em cadeia que intensifica e aumenta a ocorrência de eventos extremos.

“Desde 1800, as atividades humanas têm sido o principal impulsionador das mudanças climáticas, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás”, diz a ONU, que chama a atenção para o fato de que as mudanças climáticas não significam apenas aumento na temperatura, mas alterações em outras áreas, como secas intensas, escassez de água, incêndios severos, aumento do nível do mar, inundações, derretimento do gelo polar, tempestades catastróficas e declínio da biodiversidade.

Consenso científico

De acordo com o dicionário Michaelis, a palavra consenso significa “concordância ou unanimidade de opiniões, raciocínios, crenças, sentimentos etc. em um grupo de pessoas; decisão, opinião, deliberação comum à maioria ou a todos os membros de uma comunidade”.

Na ciência, não é diferente. Como explica em vídeo o imunologista Helder Nakaya, pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, “o consenso tem a ver com o fato de que há tantas evidências que suportam algum fenômeno que não há dúvida entre os cientistas do que está mais próximo da verdade”.

Na animação, ele dá um exemplo ligado às mudanças climáticas: “Se muitos estudos demonstram o papel do homem no aquecimento global, por exemplo, se torna consenso entre os cientistas dessa área que isso é real”. Como ele pontua, “ter um ou outro cientista que pensa diferente não altera a realidade, mas, obviamente, confunde, sim, quem não é o especialista”. Segundo Nakaya, isso acontece porque, quando ouve alguém que pensa diferentemente da maioria, a pessoa acredita que a comunidade científica está dividida, “quando isso não é o que acontece”.

Ação humana e crise climática

Considerando o exposto acima, de que consenso é o que a maioria dos cientistas concordam, embora não seja unanimidade, é consenso que as mudanças climáticas são causadas pela atividade humana, como mostra o mais recente resumo para formuladores de políticas públicas, do IPCC. “As atividades humanas, principalmente por meio das emissões de gases com efeito de estufa, inequivocamente causaram o aquecimento global “, informa o estudo.

Outro levantamento, realizado em 2021 pela Universidade Cornell, dos Estados Unidos, analisou 90 mil estudos e chegou à mesma conclusão: 99,9% dos cientistas concordam que a crise climática é causada pelo homem.

Como explicou ao Comprova o geólogo José Maria Landim Dominguez, da UFBA, existe um consenso na comunidade científica de que a causa principal das mudanças climáticas são as emissões de gases de efeito estufa (GEE) relacionadas às diferentes atividades humanas, principalmente à queima de combustíveis fósseis (hidrocarbonetos e carvão) e desmatamento, mas também à agricultura e à produção de cimento, por exemplo.

“Sempre se soube que o dióxido de carbono (CO2) é um gás estufa muito potente. Desde o século XIX já existiam cientistas que chamavam a atenção que a queima do carvão eventualmente contribuiria para o aumento da temperatura do planeta. As mudanças climáticas são resultado do aumento da temperatura do planeta e existem várias medidas instrumentais que mostram que a temperatura média do planeta já subiu mais de 1ºC desde a era pré-industrial (1850-1900)”, afirma.

No último dia 24 de janeiro, pesquisadores do World Weather Attribution (WWA), um consórcio formado por cientistas de diversas partes do mundo, apontaram que foram as mudanças climáticas – e não o El Niño – o responsável pela seca excepcional na Bacia do Rio Amazonas ao longo de 2023. Lá, a seca é impulsionada pelo baixo nível de precipitação associado às altas temperaturas.

Os pesquisadores apontaram que as populações altamente vulneráveis foram muito mais atingidas pelos impactos da seca, o que foi agravado por “práticas históricas de gestão de terras, água e energia, incluindo desmatamento, destruição de vegetação, incêndios, queima de biomassa, agricultura corporativa, pecuária e outros problemas socioclimáticos que diminuíram a capacidade de retenção de água e umidade do terra e, portanto, piorou as condições de seca”.

O estudo foi tema de reportagem da BBC, que mostrou que, em um mundo onde a atividade humana não tivesse aquecido o planeta, uma seca assim aconteceria uma vez a cada 1.500 anos. As mudanças climáticas provocadas pelo homem, contudo, tornaram uma seca como a da Bacia do Rio Amazonas 30 vezes mais provável – e, agora, espera-se que ela aconteça uma vez a cada 50 anos.

Consenso na mira da desinformação

Para geólogo José Maria Landim Dominguez, apesar do consenso na quase totalidade da comunidade científica a respeito da responsabilidade humana sobre as mudanças climáticas, ainda há um grupo de negacionistas, ou “semeadores de dúvidas”, que não acreditam nisso, sob o argumento de que o homem não seria capaz de promover tal mudança e que outras alterações já aconteceram no passado.

“Realmente, na história passada da Terra, quando o homem ainda não tinha surgido, tais mudanças ocorreram, mas se desenvolveram ao longo de escalas de tempo muito dilatadas, de alguns milênios. Hoje, as mudanças estão ocorrendo em uma escala de tempo de algumas décadas a um ou dois séculos e não podem ser explicadas apenas por variações naturais de emissões de CO2 ou variações de luminosidade do sol”, aponta.

Para Landim, o argumento desses grupos não se sustenta. “É contraditório que aqueles que consideram o homem como um novo agente geológico, a ponto de batizarem uma nova era geológica de Antropoceno, considerem ao mesmo tempo que suas atividades não são capazes de alterar a composição da atmosfera a ponto de desencadear mudanças climáticas”, completa.

Desinformação de cara nova

Para Mariana Vale, uma das autoras do último relatório do IPCC, da ONU, é preciso considerar que as formas de disseminar desinformação sobre mudanças climáticas mudaram nos últimos tempos. Ela considera que não se nega mais as mudanças climáticas, nem que elas foram causadas pelo homem. No entanto, nega-se que essas mudanças sejam um problema, bem como a possibilidade de que as soluções propostas funcionem.

“Como já ficou praticamente impossível negar as mudanças climáticas, porque elas estão acontecendo diante dos nossos olhos, e também a quantidade de evidências científicas de que o homem é o principal ator por trás dessas mudanças, esses negacionistas climáticos começaram a se concentrar em criar fake news em torno das soluções, desacreditar as soluções que são propostas a partir de evidências científicas”, diz Vale, que é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tem as mudanças climáticas entre os principais temas de suas produções acadêmicas.

Para ela, há algo de positivo nisso, pois mostra que a sociedade se convenceu de que as mudanças climáticas são reais e estão acontecendo. Mas ela aponta um novo desafio: “demonstrar que existe evidência científica de que as soluções propostas são viáveis e têm que ser implementadas o quanto antes”.

As soluções, afirma Vale, passam pela decarbonização da economia em escala global e, especificamente no contexto do Brasil, também pela conservação de florestas – a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica – e no reflorestamento, sobretudo da Mata Atlântica e do Cerrado, os dois biomas brasileiros mais degradados.

Para combater a desinformação sobre o tema, os cientistas têm recorrido à geração de informação de qualidade: “São evidências científicas a partir de dados robustos, e isso a gente gera em abundância já há muito tempo. O importante é conseguir aliados, e há muitos aliados que trabalham para difundir essa informação”, afirma Vale, citando ONGs especializadas, mídias alternativas, redes sociais e mídia convencional, como jornais que replicam a informação correta.

Relação entre mudanças climáticas e desinformação

O 19º relatório do Fórum Econômico Mundial sobre riscos globais, publicado em janeiro deste ano, aponta que os eventos climáticos extremos e a desinformação são os dois maiores riscos globais em curto e longo prazo. Nos próximos dois anos, a desinformação aparece no topo da lista dos dez principais riscos, seguida imediatamente dos eventos climáticos extremos.

Já no prazo de dez anos, os quatro primeiros itens da lista envolvem questões climáticas: eventos climáticos extremos; mudanças críticas nos sistemas da Terra; perda de biodiversidade e colapso de sistemas; e escassez de recursos naturais. O próximo item do ranking, não por acaso, é a desinformação.

Pesquisador do Global Change Institute, da Universidade de Queensland, na Austrália, John Cook mantém desde 2007 o site Skeptical Science (Ciência Cética, em tradução livre), que atua desbancando mitos em torno do aquecimento global com base em evidências científicas.

Entre os argumentos usados por aqueles que negam as mudanças climáticas estão as teses de que “o clima já mudou antes”, o aquecimento global “não é ruim”, “não há consenso científico”, que “animais e plantas podem se adaptar” e até que a Terra “está esfriando” e que a Antártida está “ganhando gelo”.

Todos os argumentos são desbancados por artigos, a exemplo deste que aponta que há consenso de 99% dos cientistas sobre o aquecimento global ser provocado, principalmente, pela atividade humana – o que reafirma o artigo de 2021 da Universidade de Cornell, citado acima –, ou este outro, que mostra como os impactos negativos do aquecimento global são muito maiores do que quaisquer aspectos positivos. Também não é verdade que a Antártida esteja ganhando gelo ou que a Terra esteja esfriando.

O geólogo José Maria Landim Dominguez acrescenta outras alegações que também foram sendo descartadas ao longo do tempo, como é o caso da tese de que a luminosidade do sol poderia aumentar a temperatura global – investigada e descartada. “Outros processos como emissões naturais de CO2 devido à atividade vulcânica foram investigados e não conseguem explicar o aumento verificado”, afirma.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. Mentiras sobre as mudanças climáticas, tirando a responsabilidade do homem sobre elas, são perigosas por sugerir que podemos continuar degradando o meio ambiente sem olhar para as consequências. Por isso, é importante que as pessoas tenham acesso a informações verificadas, como as trazidas neste texto.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou diversos conteúdos ligados à crise climática, como o que mentia ao afirmar que a retirada de gado de áreas rurais tem a ver com a venda da Amazônia pelo governo – na verdade, a medida era para combater o desmatamento ilegal. Classificou como enganoso um post afirmando que a Amazônia não estava queimando e um vídeo que, entre outros erros, distorce falas do presidente Lula (PT) sobre mudanças climáticas.

Passo a passo

Investigado por: 2024-01-09

Polarização intensifica desinformação sobre a transposição do Rio São Francisco | Como verificamos

  • Estudo de caso
Estudo de caso
O Comprova está publicando relatos de algumas de suas investigações feitas em 2023 para mostrar como e por que investigou conteúdos duvidosos encontrados na internet. É o caso da transposição do Rio São Francisco, obra de grandes proporções, cara e marcada por problemas de planejamento e execução. O projeto tem como objetivo levar água do Velho Chico para as regiões que sofrem com a seca e a estiagem, no semiárido do Nordeste brasileiro.

Caso relatado por Clarissa Pacheco (Estadão)

 

Diante do tamanho, da complexidade e do impacto social e político da transposição do Rio São Francisco, a obra iniciada no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2007 e 2010, é alvo de disputas e, consequentemente, tema corriqueiro de desinformação.

Conteúdos falsos, enganosos e tirados de contexto sobre o assunto começaram a circular mais amplamente em 2019, primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro (PL), e o problema se intensificou entre 2022 e 2023, por conta das eleições presidenciais e da transição para um novo governo Lula.

Nos últimos anos, o Comprova e agências de checagem pelo Brasil desmentiram ao menos 30 conteúdos sobre o assunto – desde a responsabilidade por entregas até o funcionamento das estações de bombeamento e dos canais.

Diante deste cenário, a equipe produziu em setembro passado um Comprova Explica que detalha de que forma a polarização política intensificou a desinformação em torno da maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil e que está localizada em uma região fundamental do ponto de vista político e eleitoral.

Como verificamos

Esta publicação não foi um texto habitual do Comprova. O objetivo era explicar como a polarização política em torno da obra de transposição vem gerando desinformação sobre o tema há bastante tempo – e como conteúdos variados, publicados por tipos diferentes de internautas, já tinham sido desmentidos diversas vezes pelo próprio Comprova e por agências de checagem, inclusive de veículos parceiros do projeto.

O primeiro passo, então, foi fazer um levantamento no Google de todas as verificações publicadas a respeito da obra que atende municípios do semiárido nordestino. Só o Comprova já tinha publicado mais de dez checagens sobre o assunto. O próximo passo foi mapear, literalmente, os pontos da obra que já tinham sido alvo de desinformação.

A apuração mostrou que os conteúdos desinformativos não faziam distinção entre os dois eixos da obra – Norte e Leste –, mas que o primeiro eixo havia ficado mais tempo em evidência porque, em novembro de 2022, foi identificado um defeito na Estação de Bombeamento EBI-3, na cidade de Salgueiro (PE), que impediu o funcionamento das bombas e suspendeu a liberação de água para os canais do Eixo Norte.

Como a estação só teve o funcionamento interrompido em janeiro deste ano, para a realização do reparo necessário, diversas publicações passaram a acusar o governo Lula de desligar as bombas da transposição deliberadamente, com a intenção de deixar a população sem água e sofrendo com a seca. Isso gerou conteúdos desinformativos sobre a Barragem de Jati (CE) e suas cascatas, que podem ser vistas das margens da rodovia CE-153, sobre o Reservatório de Negreiros (PE) e sobre a Estação de Bombeamento Vertical EBV-6, em Sertânia (PE).

Antes disso, publicações já atribuíam falsamente ao governo Bolsonaro entregas no Eixo Norte, como o Canal de Penaforte (CE), as estações de bombeamento EBI-1 e EBI-2, em Cabrobó (PE). No Eixo Leste, entregas feitas por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) também foram falsamente parar na conta de Bolsonaro: a inauguração da Ponte do Rio da Barra (PE) e do canal do Rio do Feijão (PB), por exemplo.

Além disso, vídeos mostravam canais de outra obra – o Cinturão das Águas do Ceará (CAC) –, alguns ainda em construção, como se fossem da transposição, sem água. No Eixo Leste, até uma valeta de escoamento de água da chuva, seca, foi falsamente identificada como um canal da transposição sem água, graças ao atual governo.

Visualização dos dados

Em vez de apenas citar os pontos da transposição que já tinham sido alvo de conteúdos falsos ou enganosos, o Comprova optou por exibir essas informações em um mapa. Para isso, foi usada uma ferramenta de código aberto chamada Story Map JS, criada por uma comunidade de designers, desenvolvedores, estudantes e educadores do Knight Lab, da Northwestern University, nos Estados Unidos.

A ferramenta permite navegar por pontos em um mapa e apresentar um pequeno resumo de cada ponto sinalizado, além de levar diretamente, por meio de links, às verificações em destaque.

Para este Compra Explica, também foram consultados órgãos oficiais, entrevistados especialistas em seca e cientistas políticos sobre os desafios de convívio com o semiárido e as razões para que uma obra desta magnitude e de tamanho impacto na população nordestina seja alvo de tanta polarização.

Busca reversa de imagens e geolocalização

Na maioria das checagens sobre a transposição, a busca reversa de imagens e a geolocalização foram fundamentais para identificar os pontos alvo de desinformação. Isso porque, em geral, os autores dos conteúdos não fornecem informações precisas – muitas vezes, propositalmente – sobre o local em que gravam as imagens.

Em outros casos, os autores oferecem informações genéricas – como o estado em que o vídeo foi gravado – e aplicam zoom à imagem, de modo que a qualidade fica reduzida e se torna ainda mais difícil visualizar pontos que ajudem na identificação.

Em praticamente todos os casos citados neste Comprova Explica, foi feita uma busca reversa de imagens levando em conta alguns elementos nos vídeos – como trechos de rodovias, pequenas construções, placas de veículos e até postes de iluminação pública.

Foi o caso específico de uma das checagens mapeadas, feita pelo Estadão Verifica, parceiro do Comprova, desmentindo um vídeo que mostrava uma valeta de escoamento de água da chuvafalsamente identificada como um canal da transposição sem água, o que se daria por culpa do atual governo.

Neste caso, a busca reversa de imagens não bastou para localizar o ponto em que o vídeo havia sido feito porque a imagem tinha um zoom aplicado e exibia, com qualidade muito ruim, apenas uma valeta sem água, alguns postes de alta tensão e de iluminação pública, e uma pequena construção que se assemelhava a uma casa de máquinas.

Foi necessário consultar um engenheiro que trabalhou na obra para identificar se a imagem poderia ter sido feita no traçado da transposição. A partir da resposta de que o vídeo exibia uma valeta de drenagem – e não um canal – foi usada uma ferramenta de geolocalização da Bellingcat, o OpenStreetMap, que cruza dados de uma área em um mapa com elementos como postes, rodovias, construções, cursos d’água e áreas urbanas e rurais.

Os dados encontrados, então, foram novamente cruzados até que fossem exibidos resultados apenas em áreas rurais próximas ao traçado do Eixo Leste da transposição. Por fim, foram buscados vídeos feitos por motoristas em pontos que havia sido identificados no mapa, até se obter a confirmação, por imagem, de que o vídeo que acusava o governo de deixar sem água um canal da Transposição que levava água à Paraíba tinha sido feito, na verdade, mostrando uma valeta de drenagem de água da chuva em Sertânia (PE).

Contato com moradores locais

Um fator dificultador para as verificações sobre a transposição é o fato de os canais, nem sempre, poderem ser vistos a partir de rodovias. Em geral, eles cortam regiões do semiárido que não estão muito próximas de estradas e, por isso mesmo, a visualização de imagens em melhor qualidade por meio de ferramentas como o Google Street View se torna impossível.

Uma solução para estes casos tem sido buscar contato com moradores das regiões atendidas pela transposição que costumam fazer registros para o YouTube da situação da transposição e dos canais – quando têm água, quando não têm e quais as razões para o bom ou mau funcionamento.

Não raro, esses moradores se disponibilizam a ir até o local, próximo de suas casas, na zona rural, mostrar a situação do local em tempo real – ou o fazem com tanta frequência que é possível checar informações de vídeos virais em outras redes apenas a partir da comparação.

Conclusão

O Comprova Explica é um modo de investigar os contextos de fatos a partir dos quais são produzidas peças de desinformação e assim dar aos leitores informação contextual que permita elevar a capacidade crítica para os conteúdos desinformativos.

O texto Polarização intensifica desinformação sobre transposição do São Francisco; entenda foi produzido por Clarissa Pacheco (Estadão Verifica) e Maria Cecília Zarpelon (Plural). A investigação foi revisada e ratificada por jornalistas de A Gazeta, Nexo, Metrópoles, Folha de S.Paulo, SBT e SBT News.

Passo a passo

Investigado por: 2024-01-09

Foto de menina com homens fantasiados de cães em Parada LGBTQIA+ não foi feita em São Paulo I Como verificamos

  • Estudo de caso
Estudo de caso
O Comprova está publicando relatos de algumas de suas investigações feitas em 2023 para mostrar como e por que investigou conteúdos duvidosos encontrados na internet. Este relato refere-se a uma publicação feita em junho de 2023, logo após a Parada LGBTQIA+ de São Paulo, e que exibia a foto de uma menina segurando a bandeira de arco-íris ao lado de três homens com máscara de cachorro, ajoelhados no chão – dois deles sem camisa.

Caso relatado por Luisa Alcantara e Silva (Folha de S.Paulo)

 

Em junho de 2023, logo após a Parada LGBTQIA+ de São Paulo, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) publicou um post que viralizou ao mostrar uma foto de uma garota segurando a bandeira de arco-íris ao lado de três homens com máscara de cachorro, ajoelhados no chão – dois deles sem camisa. Na legenda, o parlamentar criticava a presença de crianças no evento, sugerindo que a imagem era da edição paulistana, o que não era verdade. Outros políticos também fizeram publicações semelhantes.

Até 14 de junho, quando o Comprova publicou a verificação, o post havia sido compartilhado mais de 8,1 mil vezes e teve quase 44 mil curtidas, número que não se alterou significativamente até hoje.

Para a reportagem concluir que a foto não havia sido feita na avenida Paulista, onde ocorre a Parada LGBTQIA+ de São Paulo ou em seus arredores, o primeiro passo foi fazer uma busca reversa no Google Lens, ferramenta de reconhecimento de imagem que traz links de páginas que postaram a imagem ou uma semelhante anteriormente.

Nesta etapa, verificou-se que um post da rede X (antigo Twitter) publicou a mesma imagem em 2019. Ou seja, a foto que estava sendo verificada, do post de Nikolas Ferreira, não havia sido feita em 2023. Mais do isso: a legenda dizia que a imagem era da Parada de Montreal, no Canadá.

Mas, ao verificar uma foto, não podemos nos basear apenas no que o autor do post diz. Ele poderia estar mentindo sobre a imagem ter sido clicada em Montreal. Então, o Comprova usou a informação como uma pista e foi para o próximo passo: buscar vídeos da Parada de Montreal de 2019 no YouTube para ver se os homens fantasiados de cães apareciam em algum momento.

Nesta etapa, a reportagem analisou mais de duas horas de vídeos que mostravam a Parada de Montreal de diferentes ângulos, até que encontrou uma gravação em que, a partir da minutagem 27’35”, foi possível ver diversas pessoas com máscara de cachorro.

I Legenda: Captura de tela do vídeo mostra o momento em que homens fantasiados de cachorro começam a aparecer.

Quase um minuto depois, aos 28’40”, surgem homens que parecem ser os da foto do post de Nikolas: um branco com a focinheira azul, outro com ela em laranja fluorescente e um preto com a coleira corporal laranja. Nesse momento, foi preciso analisar a captura de tela do vídeo para comparar com a imagem do post. Alguns detalhes foram observados, como mostra a imagem a seguir:

Depois, foi feita uma busca no Google por termos como “Pride”, “Montreal 2019” e “pups” (cachorrinhos, em inglês). Um dos resultados foi um post no X do perfil ​​@lorgair de abril de 2023 fazendo a verificação da mesma imagem, afirmando não se tratar da Folsom Street, rua famosa de San Francisco, nos Estados Unidos, e, sim, da parada de Montreal. Com tudo o que a equipe já tinha de material e comparando o vídeo em que os homens da foto foram identificados, foi possível concluir se tratar, de fato, da Parada de Montreal de 2019.

A busca no Google também trouxe como resultado uma página no Facebook do grupo Pup Montreal no Facebook. A reportagem trocou mensagens privadas na rede social com Sillas Grey, dono da página e um dos membros do grupo que esteve na Parada fazendo “puppy play”, como ele contou. Grey disse conhecer as pessoas que apareciam na foto do post de Nikolas e passou o contato de um deles para o Comprova. Foi feita uma entrevista, mas, como o homem não quis se identificar por medo de retaliações, a reportagem não publicou suas declarações – o Comprova não usa declarações em off, ou off-the-record, quando a fonte não quer aparecer.

Sabendo que a imagem não havia sido registrada em São Paulo, mas em Montreal, a equipe quis saber sobre o contexto da foto. Além de, no vídeo em que os homens fantasiados de cães aparecem, o público parece interagir e não ter problema com eles, o Comprova conversou com uma fotógrafa que esteve no evento canadense. Ela foi encontrada pela marca d’água de uma das fotos usadas na verificação feita pelo perfil @lorgair no X.

I Legenda: Post na rede X traz imagens com mesmos homens fantasiados de cães que aparecem no post verificado pelo Comprova e com marca d’água a partir da qual foi possível contatar a autora da imagem.

Ao buscar o nome que está na marca d’água – Shootitall Photo – no Google, o resultado leva a um perfil no Instagram, @photos.by.shootitall. Por meio de mensagem privada na rede, a reportagem conversou com a fotógrafa Cat Myth. Ela contou não ter presenciado nada inapropriado ao ver uma garota brincando com os homens mascarados.

As duas principais perguntas que o Comprova fez ao iniciar a verificação – se a imagem do post de Nikolas havia sido feita no Brasil e, se não fosse, qual o contexto da foto – haviam sido respondidas. Dessa forma, a reportagem teve segurança para concluir se tratar de um conteúdo enganoso. Mas por que não falso? Porque o Comprova considera falso o conteúdo que é inventado e, enganoso, aquele que é retirado de seu contexto original. Dessa forma, como a foto era real – a cena da menina com os homens fantasiados de cães não foi criada artificialmente –, a classificação correta é enganoso.

Passo fundamental, a equipe tentou falar com o deputado Nikolas Ferreira, tanto por e-mail como pelo telefone de seu gabinete informados no site da Câmara, mas não houve resposta.

Após escrever o texto da verificação, feita por pelas jornalistas Luisa Alcantara e Silva, da Folha de S.Paulo, e Letícia Mutchnik, do UOL, ele foi liberado para os editores do Comprova e, então, seguiram para a última etapa antes da publicação: o cross-checking. Esse passo consiste na leitura da verificação por jornalistas que não participaram da apuração do conteúdo. Neste momento, eles podem apontar dúvidas, inconsistências e correções. Uma vez feito o cross-checking – neste caso, feito pelos veículos O Popular, A Gazeta, Portal Norte, Poder360, Plural, Estadão, SBT e SBT News –, a verificação foi publicada, dois dias depois de iniciada.

Passo a passo

Investigado por: 2024-01-09

Comprova Explica o Caso Maria da Penha | Como verificamos

  • Estudo de caso
Estudo de caso
O Comprova está publicando relatos de algumas de suas investigações feitas em 2023 para mostrar como e por que investigou conteúdos duvidosos encontrados na internet. No ano passado, a Lei Maria da Penha completou 17 anos, e dúvidas sobre o caso que deu origem ao dispositivo legal voltaram a movimentar a internet, sobretudo porque, nas redes sociais, vídeos com milhares de visualizações ganharam notoriedade ao afirmar que a lei foi fruto de uma farsa. Neste relato mostramos como foi feito o Comprova Explica, um formato de investigação que oferece mais contexto aos leitores de modo a imunizá-los contra a desinformação.

Caso relatado por Clarissa Pacheco (Estadão)

 

Em 2022, 18,6 milhões de mulheres brasileiras sofreram algum tipo de agressão, segundo dados divulgados este ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública – destas, 50,9 mil foram agredidas diariamente. Na maioria dos casos, os agressores foram ex-companheiros (31,3%) ou o parceiro atual (26,7%). Desde 7 de agosto de 2006, as mulheres no Brasil contam com uma lei de proteção contra a violência doméstica, a Lei Maria da Penha.

Em 2023, a lei completou 17 anos, e dúvidas sobre o caso que deu origem ao dispositivo legal voltaram a movimentar a internet, sobretudo porque, nas redes sociais, vídeos com milhares de visualizações ganharam notoriedade ao afirmar que a Lei Maria da Penha foi fruto de uma farsa. Versões falsas do caso apontavam que a farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica após ser baleada pelo marido nas costas enquanto dormia em 1983, teria sido alvo de assaltantes.

Segundo esses posts mentirosos, o marido, o colombiano naturalizado brasileiro Marco Antonio Heredia Viveros, teria sido incriminado por ela por ciúmes, após descobrir uma traição. Mas essa é a versão dele, contada em livro e que voltou a circular em 2022 quando um trecho do programa +1Podcast, da Jovem Pan News, fez ganhar força nas redes a mesma tese. Essa versão também aparece em um documentário lançado pelo Brasil Paralelo.

Conteúdos que defendiam a versão já tinham sido desmentidos em 2022 por Aos Fatos, Fato ou Fake, Estadão e UOL. Na época, o Instituto Maria da Penha (IMP) divulgou uma nota repudiando a divulgação de informações falsas a respeito do caso de violência doméstica. Mas, diante da viralização de novos conteúdos em 2023, o Comprova decidiu explicar o caso, não a partir das versões ditas em entrevistas, mas pelo processo criminal do ataque contra Maria da Penha, ocorrido em 1993.

Como verificamos

O primeiro passo foi pedir acesso à íntegra dos autos do processo instaurado em Fortaleza (CE) após Maria da Penha ser baleada. Isso porque, em boa parte dos vídeos que viralizaram nas redes sociais, os autores do conteúdo que defendiam a tese que a farmacêutica tinha sido baleada em um assalto – e não pelo marido – argumentavam que estas informações constavam no processo criminal.

Como notícias publicadas na imprensa não costumavam compartilhar o conteúdo dos autos, o Comprova iniciou a apuração entrando em contato com as partes interessadas no processo: o Ministério Público do Ceará, a defesa de Marco Antonio Heredia Viveros e o Instituto Maria da Penha. Mas, quem acabou dando acesso à íntegra do processo foi a 1ª Vara do Júri de Fortaleza, responsável pelo julgamento.

Os autos do processo possuem 1,7 mil páginas, incluindo o inquérito policial, os laudos periciais, depoimentos de testemunhas, a denúncia do Ministério Público, toda a fase de instrução do processo, as audiências e dois julgamentos pelo Tribunal do Júri (júri popular), além dos recursos da defesa e mandado de prisão contra Viveros.

A partir do acesso aos autos, concedido pelo juiz Antônio Edilberto Oliveira Lima, o Comprova passou a detalhar o que aconteceu desde o dia do crime até a prisão de Marco Antonio Heredia Viveros, passando pelos depoimentos cruciais para a polícia até o momento em que ele deixou de ser visto como vítima e passou a suspeito do crime.

O crime é descrito ainda no processo: Maria da Penha, então com 38 anos de idade, havia sido baleada nas costas enquanto dormia, na própria casa, no início da manhã de 29 de maio de 1983. O marido, Viveros, com 36, foi baleado no ombro direito. Na casa, dormiam o casal, as três filhas – de 6, 4 e 2 anos – e duas empregadas domésticas, Francisca Olindina e Rita. Elas duas ocupavam um quarto separado da casa por um portão de ferro, próximo à área de serviço.

A tese inicial da Polícia Civil do Ceará era a mesma apresentada por Viveros: de que a casa da família tinha sido arrombada e que o casal era vítima do crime. Segundo Viveros, ele acordou por volta das 5h ao ouvir o cachorro latir e, ao se levantar, também notou ruídos vindos do teto da casa. Por isso, decidiu voltar ao quarto, pegar um revólver que estava perto da cama e fazer uma vistoria pela casa. Viveros contou que o cachorro latiu novamente e, neste momento, ele viu uma sombra vindo de uma abertura do teto e, quando ia atirar, ouviu um disparo vindo do interior da casa.

Este seria, segundo ele, o tiro que atingiu Maria da Penha na região dorsal, ainda dormindo, disparado por um dos suspeitos. Viveros também afirmou que, neste momento, foi agredido de surpresa, pelas costas, por alguém que colocou uma corda em seu pescoço. À medida que ele lutava contra a pessoa, disse, um assaltante tentou lhe tomar a arma, que disparou e o atingiu na altura do ombro direito.

A versão que viralizou nas redes sociais se encerra aí e se restringe à história apresentada por Viveros e que, inicialmente, foi tomada por verdade pela polícia. Os vídeos mentirosos virais argumentam que a Lei Maria da Penha é, na verdade, baseada em uma fraude, já que Viveros seria uma vítima, e não o autor do disparo que deixou a esposa paraplégica. O que não aparece nestes conteúdos, contudo, são os novos rumos tomados pela investigação após as testemunhas começarem a ser ouvidas.

Leitura dos depoimentos

No Comprova, a investigação foi feita por jornalistas do Estadão, Jornal Plural e Grupo Sinos. A decisão tomada pela equipe foi de que o inquérito, os depoimentos, os relatórios de perícia e os julgamentos seriam lidos por todos, para que as versões pudessem ser analisadas cuidadosamente, por mais de um olhar.

A investigação seguiu ouvindo os depoimentos de Viveros, de Maria da Penha, e também contou com os exames periciais feitos no casal. Os exames mostraram consequências severas para ela, mas ferimentos leves para ele, que tinha sido atingido por um tiro no ombro. Maria da Penha prestou mais de um depoimento à polícia, em que disse que não tinha percebido de imediato que havia sido baleada, mesmo após ouvir o barulho do disparo. Contou que pediu socorro à empregada, Rita, e que era casada com Viveros há cinco anos, mas que, por conta do tratamento grosseiro dele com ela e todas as pessoas da casa, havia decidido se separar dele. Ela também tinha descoberto que ele tinha uma amante no mesmo dia em que decidiu sair de casa e ir morar com a mãe.

Por fim, Maria da Penha contou que soube apenas por uma das empregadas da casa, um mês após o crime, que o marido tinha uma espingarda – mesmo tipo de arma usada para atingi-la pelas costas – e que estranhou que os supostos assaltantes não tivessem roubado dinheiro e joias que estavam no quarto do casal, já que ela, baleada, não oferecia nenhum obstáculo ao roubo.

Outra decisão tomada pela reportagem foi ler atentamente os depoimentos das testemunhas, para entender se algo havia ficado de fora. Para isso, o Comprova montou uma espécie de enciclopédia do caso, apontando quem eram os “personagens” importantes na história: isso inclui o casal, a polícia, os órgão de justiça, as testemunhas de acusação e de defesa e outras pessoas citadas nos autos – ouvidas ou não no processo.

À medida que a polícia ouviu os depoimentos dos vizinhos, foram surgindo buracos na história contada por Viveros: a rua onde ficava a casa da família não era das mais largas, como mostram imagens que constam nos autos e, no momento dos disparos, vários vizinhos correram para tentar ver o que havia acontecido. No entanto, nenhum deles disse ter visto uma fuga – nem mesmo um rapaz que trabalhava como vigia de um imóvel em construção na frente da casa, ou outros dois vizinhos que subiram num muro para um terreno baldio ao lado da casa onde, disseram, não havia onde se esconder.

O intervalo entre os tiros também foi motivo de desconfiança. No depoimento à polícia, Viveros disse que ouviu o tiro na esposa e, logo em seguida, numa luta corporal, acabou atingido. Os vizinhos, contudo, falam de um intervalo de dois a três minutos entre os disparos, o que, segundo o delegado, era tempo suficiente para que Viveros fingisse uma luta corporal e disparasse um tiro nele mesmo.

Os depoimentos-chave, contudo, foram os das empregadas da casa, Francisca Olindina e Rita: elas contaram à polícia sobre a rotina da casa e o comportamento grosseiro de Viveros, tanto com a esposa quanto com as funcionárias e as próprias filhas. Disseram que ele costumava aplicar castigos físicos às meninas, que, frequentemente, precisavam ser tratadas com pomadas, dada a força dos golpes.

Também afirmaram categoricamente que Viveros tinha uma espingarda – arma que ele não havia mencionado à polícia em seu depoimento e que, depois, negou ter, tanto em um segundo depoimento quanto em duas acareações. Ainda assim, as testemunhas mantiveram seus depoimentos. Francisca disse ter visto a espingarda dentro de um guarda-roupa cerca de 30 dias antes do crime.

No depoimento prestado ao delegado em fevereiro, Rita confirmou a existência da espingarda e disse ter observado a arma sendo limpa por Viveros. Rita afirmou que o patrão “tratava mal” a esposa, as filhas e as empregadas e, assim como Francisca, declarou que, após o suposto arrombamento, as joias de Maria da Penha e de Viveros, e as chaves do carro dele, estavam em locais de fácil acesso.

Foi a partir destes depoimentos que o delegado do caso, José Nival Freire da Silva, começou a desconfiar de Viveros, pediu ajuda à Polícia federal para investigá-lo na Colômbia e passou a tratá-lo oficialmente como suspeito do crime. Mesmo que ninguém tenha de fato testemunhado o momento do disparo.

No dia 6 de julho de 1984, o delegado José Nival Freire da Silva concluiu o inquérito policial, indiciando Viveros pelo crime de tentativa de homicídio qualificado contra Maria da Penha. O inquérito foi enviado ao Ministério Público do Ceará, que, por sua vez, denunciou Viveros à Justiça em 28 de setembro de 1984.

Antes da primeira decisão da Justiça, a defesa de Viveros alegou que a denúncia e o próprio inquérito tinham “cunho meramente indiciário, com presunções, ilações, conjecturas”, sem qualquer testemunha que atestasse que o crime tivesse sido cometido por ele. Também alegou que o relatório da polícia não levava em conta a perícia feita no local do crime e, por isso, pedia que a denúncia fosse julgada improcedente.

Não foi o que entendeu a então juíza titular da 1ª Vara do Júri de Fortaleza, Maria Odele de Paula Pessoa. No dia 31 de outubro de 1986, ela decidiu aceitar a denúncia do Ministério Público e expedir uma sentença de pronúncia, o que significa que vira elementos suficientes para que o réu fosse julgado pelo Tribunal do Júri.

Os julgamentos

Viveros foi julgado duas vezes – e condenado duas vezes, em 1991 e 1996. Em 1991, ele foi condenado a 10 anos de prisão, mas conseguiu aguardar recurso em liberdade e a defesa conseguiu anular este primeiro julgamento argumentando que houve um erro na formulação das perguntas aos jurados.

O segundo julgamento só aconteceu em 1996 e ele foi novamente condenado, desta vez a 10 anos e seis meses de prisão, mas saiu livre do tribunal devido a mais um recurso da defesa, que alegou que o julgamento tinha ido de encontro às provas dos autos. Um desembargador negou um novo julgamento, mas reduziu a pena para oito anos e seis meses. Viveros só foi preso, de fato, em 2002, mas conseguiu ir para o regime semiaberto em 2004 e ganhou liberdade condicional em 2007.

Neste Comprova Explica, além de detalhar os autos do processo, também foram mostradas as consequências e a repercussão do caso, com a responsabilização do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), em 2001, por omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras.

O Comprova mostrou, ainda, o que é a Lei Maria da Penha, quais os efeitos dela e como ela funciona atualmente no Brasil.

Conclusão

O Comprova Explica é um modo de investigar os contextos de fatos a partir dos quais são produzidas peças de desinformação e assim dar aos leitores informação contextual que permita elevar a capacidade crítica para os conteúdos desinformativos.

O texto Entenda o caso de Maria da Penha, que originou lei de proteção a mulheres vítimas de violência no Brasil foi produzido por Clarissa Pacheco (Estadão Verifica), Joyce Heurich (Grupo Sinos) e Maria Cecília Zarpelon (Plural). A investigação foi revisada e ratificada por jornalistas do Nexo, O Popular, Folha de S.Paulo, O Povo, Diário do Nordeste, SBT e SBT News.

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Investigado por: 2023-12-22

Entrega de chaves de condomínio no Amapá começou no dia de evento com Lula

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Publicações nas redes sociais alegam que o governo Lula (PT) teria descumprido uma promessa de entregar as chaves de um conjunto habitacional em Macapá apenas para lotar a cerimônia de lançamento do empreendimento, com participação do presidente. A entrega teve início, no entanto, ainda no dia do evento e não era de responsabilidade do governo federal, mas da construtora que fez a obra, em processo sob supervisão da Caixa Econômica Federal e com apoio do governo do Amapá.

Conteúdo investigado: Publicações alegam que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu a entrega de chaves no evento de lançamento de um conjunto habitacional, com participação do presidente, para que estivesse lotado e não houvesse vaias. As postagens são acompanhadas de um vídeo em que uma mulher questiona, sem aparecer na imagem, onde estão as chaves e narra, em meio a uma multidão, que o público presente teria sido enganado.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e TikTok.

Contextualizando: Publicações nas redes sociais alegam que o governo Lula (PT) teria descumprido uma promessa de entregar as chaves de um novo conjunto habitacional durante uma cerimônia de lançamento com participação do presidente. As chaves começaram a ser entregues, contudo, ainda no dia do evento, ocorrido em 18 de dezembro deste ano.

As postagens são acompanhadas de um vídeo gravado após a cerimônia de inauguração do Miracema III e IV, em Macapá (AP), com mil unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV).

A cerimônia de lançamento contou com a participação do presidente Lula e do ministro da Cidades, Jader Filho (MDB), além do governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade), entre outras autoridades locais, como membros do Ministério Público amapaense.

O conjunto habitacional foi lançado pela modalidade Recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) do MCMV, que oferece imóveis subsidiados com recursos públicos em áreas urbanas para famílias em situação de vulnerabilidade, que estejam em um cadastro habitacional local, por exemplo.

O modelo MCMV – FAR também prevê a participação de diferentes agentes públicos e privados para viabilizar cada empreendimento, com responsabilidades distintas entre si.

Conforme estabelece uma portaria do Ministério das Cidades, estão envolvidos, em geral, a própria pasta, que regula regras e propostas do MCMV – FAR; a Caixa Econômica Federal, gestora dos recursos do FAR; algum ente público local, que pode ser uma prefeitura ou o governo do Estado; um agente financeiro, que supervisiona o processo e pode ser a própria Caixa; uma construtora, a quem cabe propor e erguer a obra; e os beneficiários, que, entre outras coisas, devem assumir o financiamento do imóvel, se necessário.

No caso do Miracema III e IV, a entrega das chaves aos novos moradores foi realizada pela construtora CMT Engenharia, em operação com apoio do governo do Amapá, na condição de ente público local, que fez a seleção e orientação dos beneficiários ao longo de todo o processo, e com supervisão da Caixa, agente financeiro do conjunto habitacional, segundo comunicou o banco ao Comprova.

A entrega das chaves começou ainda no dia 18 de dezembro, logo após o evento com a participação de Lula. Até o começo da tarde do dia 22, foram entregues 862 unidades, também segundo a Caixa.

“A entrega das chaves é realizada mediante assinatura do contato e realização de vistoria pela família beneficiária indicada pelo Ente Público local, neste caso o Governo do Estado, à luz das regras estabelecidas pelo Programa”, escreveu a assessoria de imprensa da Caixa, em nota.

A Secretaria de Habitação do Amapá (Sehab) reforçou que a entrega das chaves é de responsabilidade da CMT Engenharia. A pasta divergiu da Caixa, contudo, ao comunicar que todas as mil chaves já foram entregues: “Informa ainda que, no mesmo dia do evento, foram entregues 300 chaves, e que a conclusão desta etapa foi realizada nesta quinta-feira, 21”, escreveu, em nota.

A construtora CMT Engenharia, citada pela Caixa e pela Sehab, não respondeu aos contatos do Comprova por telefone e e-mail até a publicação deste texto

Além das partes envolvidas no empreendimento, o Comprova também buscou contato com o MP-AP, que havia divulgado ter acompanhado todo o processo de finalização das obras. O órgão comunicou não ter recebido reclamação formal sobre não recebimento de chaves por parte dos beneficiários.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Sem o contexto completo, que mostra quando a entrega das chaves teve início, os leitores poderiam ser levados a acreditar que o governo tentou enganar as pessoas beneficiadas. A investigação mostra que o vídeo analisado não trazia, porém, todas as informações para que o leitor pudesse entender o que aconteceu na situação mostrada ali. 

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou o autor da postagem no X por mensagem privada. Além de não responder, ele apagou a publicação no X e no TikTok. Não é a primeira vez que conteúdos veiculados pelo mesmo autor são investigados. Anteriormente, já foi verificado ser falso que PT ou a governadora de PE reinauguraram obra de Bolsonaro ligada à transposição do São Francisco, que policiais foram expulsos pelo MST de protesto em rodovia no PR, e não feitos reféns, bem como que vídeo de mulher com rosto de Lula e delegado parecido com Bolsonaro é uma sátira.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. As publicações com o vídeo foram, no entanto, excluídas pelo autor. Ao menos até 21 de dezembro, quando ainda estava no ar, o post no X tinha 50,6 mil visualizações e 2 mil curtidas.

Como verificamos: O Comprova identificou, ao analisar o vídeo, uma faixa com a logomarca do atual governo federal (abaixo). Em seguida, a reportagem buscou por entregas recentes de moradias populares com participação do presidente Lula, ocasião em que encontrou a cerimônia realizada em Macapá, no Amapá.

A reportagem também identificou que a cor dos prédios e a estrutura de evento montada aparentes no vídeo condizem com o cenário mostrado em imagens oficiais da cerimônia e do empreendimento.

| Presidente Lula em cerimônia de lançamento de conjunto habitacional (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

| Conjunto habitacional Miracema, em Macapá (Foto: Nayana Magalhães/GEA)

A partir disso, a equipe localizou postagens no X feitas por Max Yataco, secretário-adjunto de Habitação do Amapá, que mostram famílias recebendo as chaves de unidades do Miracema III e IV. Em contato por telefone, Yataco confirmou que o vídeo em que uma mulher contesta a falta das chaves teria sido gravado após a cerimônia em Macapá com a participação de Lula.

Além de Yataco, o Comprova fez contato, por e-mail, e obteve retorno da Caixa Econômica Federal, do Ministério das Cidades, do governo do Amapá e do Ministério Público amapaense.

A reportagem também procurou a CMT Engenharia, mas foi informada que a empresa não possui assessoria de imprensa e que as pessoas autorizadas a falar sobre o assunto não estavam no escritório nos dois dias em que telefonou. Por e-mail, também não houve resposta até esta publicação.

Chaves começaram a ser entregues após cerimônia em Macapá

Ao pesquisar sobre a cerimônia nas redes sociais, o Comprova localizou vídeos postados na mesma data, mas à noite, após o evento, em que famílias aparecem recebendo chaves dos imóveis.

Um deles foi compartilhado às 21h36 de 18 de dezembro no X pelo governador do Amapá, Clécio Luiz. No post, ele comunicava que a equipe do governo estadual seguia no residencial Miracema III e IV para realizar a entrega das chaves para os novos moradores do empreendimento.

O vídeo mostra o secretário-adjunto Max Yataco, segundo o qual, naquele momento, estavam sendo colhidas as assinaturas para a entrega de chaves. Ele diz também que o processo ainda demoraria um pouco. Mais tarde, às 23h15, Yataco compartilhou outro vídeo, de uma moradora com a chave em mãos.

Por telefone, o secretário-adjunto afirmou que algumas pessoas ficaram chateadas quando correu um rumor, não verdadeiro, de que não seria feita a entrega das chaves já naquele dia. Yataco também reafirmou que a responsabilidade da entrega era da construtora CMT Engenharia, que executou a obra.

“Eles [construtora] repassaram para a gente a dificuldade na logística da entrega, mas em nenhum momento foi repassado que não seriam entregues as chaves. Na verdade, o que aconteceu foi um rumor entre eles mesmos [beneficiários] de que não seriam entregues as chaves, aí algumas pessoas ficaram indignadas, chateadas, e começaram essa movimentação vista no vídeo”, relatou ao Comprova.

Yataco disse também que a Secretaria de Habitação enviou convites da cerimônia para os beneficiários, comunicando que poderiam levar até três familiares para participar do evento, mas que não teria sido ventilada informação sobre a entrega das chaves, uma vez que o procedimento caberia à construtora.

Na véspera da cerimônia, o governador do Amapá divulgou vídeo no Instagram anunciando a entrega de mil unidades habitacionais junto do presidente Lula. No dia do evento de lançamento, o governo federal também reafirmou, com publicação oficial, que seria feita a entrega dos imóveis.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: É comum a disseminação de desinformações associadas a eventos dos quais o presidente participa. O Comprova já demonstrou, por exemplo, que Lula se encontrou com liderança religiosa da Nigéria em evento de igualdade racial, não com “feiticeiro”, que ele não foi hostilizado em visita a polo automotivo de Goiana nem dentro do Bahia Farm Show e ser falso que defendeu o nazismo e o fascismo em evento do PT em 2017.