O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2023-08-18

Lula levou presentes em contêineres de forma legal; itens foram devolvidos à União após auditoria

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Enganoso
São enganosas as postagens que usam dados de 2016 para levantar suspeitas sobre a destinação de 559 itens recebidos como presentes em cerimônias como chefe de Estado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seus dois primeiros mandatos presidenciais. O Tribunal de Contas da União (TCU) fez, à época, auditoria no acervo, e determinou a localização e incorporação de 568 peças ao patrimônio da União. O processo foi concluído em 2020, em acórdão da Corte de Contas que considerou cumpridas as determinações.

Conteúdo investigado: Publicação nas redes sociais traz uma montagem com um trecho cortado de uma declaração de Lula e o texto “Sabe o que é alguém sair da presidência com 11 containers de acervo sem ter onde por?… Sair com cadeira, com trono, com papel, com tudo que vocês possam imaginar?”. Na legenda do post, foi incluída a frase “Onde estão esses bens?”. No X (antigo Twitter), a frase adicionada é “Ele ainda reclama! Debochado, cínico”.

Onde foi publicado: Facebook, Instagram e X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: Postagens das deputadas federais Bia Kicis (PL-DF) e Carla Zambelli (PL-SP) trazem informações de 2016 para levantar suspeitas sobre a destinação dos itens do acervo presidencial de Lula (PT). Para tanto, compartilham título e matéria do Poder360, que diz: “Em 2016, Lula havia devolvido só 9 de 568 presentes de chefes de Estado, indicou TCU”.

À época, o Tribunal de Contas da União (TCU) fez auditoria no acervo de presentes recebidos em cerimônias oficiais por Lula e Dilma Rousseff (PT) quando ocuparam a Presidência da República e determinou a localização e incorporação de 568 peças dadas a Lula e 144 a Dilma ao patrimônio da União. Até então, não havia clareza na legislação sobre a destinação desses bens.

Conforme o TCU explicou ao Comprova, a determinação foi cumprida, como mostra o acórdão 1577, de 2020. Apenas oito itens do acervo de Lula não foram localizados. De acordo com registros do Sistema de Informação do Acervo Privado Presidencial (Infoap), eles foram estimados em R$ 11.748,40, montante que, segundo o TCU, foi restituído à União em 10 parcelas de R$ 1.174,84.

Ao Comprova, o Instituto Lula afirma que os itens que permaneceram no acervo pessoal de Lula estão, em sua maior parte, sob a guarda do instituto em dependências do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em São Paulo. A outra parte está guardada no Museu da República, através de um termo de cessão feito entre o Instituto Lula e o museu, que abrigou as peças mais valiosas e sensíveis.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 18 de agosto, a publicação somava mais de 1,5 milhão de visualizações nas três redes encontradas. No Facebook, eram 357 mil visualizações, 23 mil reações e 6,6 mil comentários, enquanto no X eram 228,3 mil visualizações, 11,3 mil curtidas e 4,6 mil compartilhamentos. Já no Instagram, a publicação contava com 931 mil visualizações, 90,5 mil curtidas e 8,3 mil comentários.

Como verificamos: Em primeiro lugar, o Comprova encontrou a origem da declaração de Lula. Para isso, como há a presença da logo da Rede TVT, pesquisou no Google as palavras-chave “coletiva Lula TVT presentes”, chegando ao corte “Coletiva Lula: Os presentes”, concedida em 4 de março de 2016, após o político ser levado em condução coercitiva para depor nas investigações da operação Lava Jato.

Em seguida, procurou a entrevista coletiva completa, disponível também no canal de YouTube da emissora. A declaração do atual presidente está entre 13’12” e 13’45”.

Em seguida, foram procuradas matérias e reportagens sobre a coletiva e os presentes recebidos durante os dois mandatos de Lula, de 2003 a 2010. O Comprova também buscou informações nos canais oficiais do governo federal, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) e do TCU. Por fim, entrou em contato com a Secom, o tribunal e o Instituto Lula para esclarecer informações, além de contatar as autoras das publicações verificadas.

A declaração de Lula

Em 4 de março de 2016, o então juiz federal Sergio Moro, hoje senador, ordenou a condução coercitiva de Lula para depor na Polícia Federal durante as investigações da Lava Jato. Após o depoimento, o petista deu uma entrevista coletiva no Diretório do PT em São Paulo. Dentre os assuntos abordados, o presidente citou que o Ministério Público estaria investigando seu acervo pessoal, contendo presentes recebidos em visitas internacionais.

A descrição da fala completa de Lula sobre o acervo pessoal é a seguinte (no vídeo original da coletiva, o trecho da declaração começa em 13’03”):

“Você tem que responder pelo acervo, eles agora querem saber do acervo do Lula. Poderia ter querido saber do acervo antes de me comprometer com essas tranqueiras todas. Vocês sabem o que que é alguém sair da presidência com 11 contêineres de acervo sem ter onde pôr? Vocês sabem o que é sair com cadeira, com trono, com papel, com tudo que vocês possam imaginar? Porque se somar todos os presidentes da história desse país, desde Floriano Peixoto, eu fui o que mais ganhei presente. Porque viajei mais, porque trabalhei mais, porque viajei o mundo, eu tenho até trono da África. O que que eu faço com isso? É uma coisa do presidente, mas de domínio público, eu tenho que tomar conta, mas ninguém me paga. Então é o seguinte, essas coisas, se o Ministério Público está preocupado, ô, Rui [Falcão], eu acho que é importante vocês oferecerem meu acervo. Eles têm um prédio lá redondo, de vidro fumê, que pode guardar as coisas que eu tenho. Aquilo não me faz nenhuma importância, a quantidade de ouro que eu tenho. Eu uso meu Citizen aqui, não vou fazer merchandising, custa uns R$ 500, 600. Eu não quero relógio para valorizar meu pulso, eu quero um relógio para valorizar a hora. Eu quero saber se ele funciona ou não”.

A fala utilizada na publicação foi recortada do trecho entre “Vocês sabem o que é alguém sair da presidência com 11 contêineres…” e “…O que que eu faço com isso?”.

Lula deixa a presidência com 11 contêineres

Diante do inquérito que apura suposta venda de joias e outros objetos de valor recebidos em viagens oficiais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o vídeo de Lula foi recuperado por bolsonaristas para levantar suspeitas sobre a destinação dos presentes recebidos pelo petista em seus dois mandatos presidenciais).

Em entrevista por telefone ao Comprova, Paulo Okamotto, diretor do Instituto Lula, afirmou que, após o segundo mandato do petista, foram retirados 11 contêineres que compunham o acervo presidencial:

“São 11 contêineres. Mas não são 11 contêineres de presentes. São 11 contêineres de acervo presidencial. O que é esse acervo presidencial? As pessoas mandaram carta para o Lula, 400 mil cartas mandadas para o Lula, isso compõe o acervo presidencial, entendeu? As pessoas deram 180 bíblias para o Lula, isso compõe o acervo presidencial, e assim vai por diante. O cara ganhou uma bola, uma camiseta, uma caneta, um monte de coisa que a população deu, que popular deu. Isso dá milhares e milhares e milhares de itens”, diz Okamotto, acrescentando que esse material está acondicionado em dependências do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo.

Esses itens estão sob a guarda do Instituto Lula, descritos no site da instituição.

A legislação sobre o acervo presidencial

Desde a redemocratização, em 1988, a legislação sobre o acervo presidencial foi alterada por três vezes. A primeira delas é a Lei 8.394, de 1991, que determina o que é o patrimônio privado dos presidentes. Nessa lei, contudo, não há nenhuma citação sobre a destinação de presentes recebidos pelas autoridades.

Em 2002, por meio do Decreto 4.344, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) regulamentou a lei anterior e ampliou seu conteúdo. Essa é a primeira vez em que é citado o recebimento de presentes e a destinação para o acervo presidencial.

Segundo a legislação, “os documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes, nas audiências com chefes de Estado e de Governo” devem ser destinados ao acervo presidencial, sejam recebidos em viagens ao exterior ou entregues por autoridades estrangeiras no Brasil.

A redação dessa lei, no entanto, gerou, segundo especialistas, uma interpretação dúbia sobre os tipos de objetos que deveriam ter como destino final o acervo presidencial e quais seriam de propriedade privada do presidente. Para muitos, somente presentes recebidos em cerimônias oficiais deveriam ir para o Acervo da Presidência, e, com isso, mantinham para o acervo pessoal todos os outros que fossem recebidos fora desses eventos.

Para evitar essa dubiedade, o TCU publicou o acórdão 2255/2016, que define que todos os presentes recebidos pelos chefes do Executivo brasileiro devem ser incorporados ao acervo presidencial. As únicas exceções são objetos de caráter personalíssimo, como roupas e perfumes, e de consumo imediato e perecíveis, como alimentos ou bebidas.

Auditoria do TCU nos presentes recebidos por Lula

Em 2016, seis meses após a condução coercitiva de Lula para depoimento à PF, o Tribunal de Contas da União realizou auditoria nos presentes recebidos pelos presidentes da República entre janeiro de 2003 e maio de 2016 cadastrados no Sistema de Informação do Acervo Privado Presidencial. O objetivo, como consta no acórdão 2255/2016, foi “averiguar desvio ou desaparecimento de bens pertencentes à União nos palácios do Planalto e da Alvorada”.

Na ocasião, o TCU constatou interpretação equivocada do Decreto 4.344/2002, que dispõe sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República, pois haviam sido incorporados ao acervo da União somente nove presentes recebidos por Lula e seis por Dilma de um total de 1.073 itens analisados, sob a justificativa de que o número restrito se referia àqueles recebidos em cerimônias formalmente denominadas de “troca de presentes”.

Segundo o TCU, essa interpretação do decreto foi equivocada. O órgão, então, fixou o seguinte entendimento: “(…) Não só os documentos bibliográficos e museológicos, recebidos em eventos formalmente denominados de ‘cerimônias de troca de presentes’, devem ser excluídos do rol de acervos documentais privados dos presidentes da República, mas, também, todos os presentes, da mesma natureza, recebidos nas audiências da referida autoridade com outros chefes de estado ou de governo, independentemente do nome dado ao evento pelos cerimoniais e o local que aconteceram”.

A exceção, segundo o TCU, refere-se aos itens de natureza personalíssima (medalhas personalizadas e grã-colar) ou de consumo direto pelo presidente da República (bonés, camisetas, gravata, chinelo, perfumes, entre outros). Sendo assim, do total de 1.073 presentes analisados no período auditado, o TCU excluiu 361, entendendo serem de natureza pessoal. Restaram 712 itens: 568 (Lula) e 144 (Dilma) que deveriam ser localizados em incorporados ao acervo da União.

Em 2019, após análise determinada pelo TCU e realizada pela Diretoria de Documentação Histórica (DDH) do Gabinete Pessoal do Presidente da República, a partir do Sistema de Gestão de Acervos Privados da Presidência da República, foi feita uma recontagem dos bens que deveriam ser restituídos ao acervo presidencial dos dois presidentes. Conforme o acórdão 177/2019, após a reavaliação, o número de itens que deveriam ser devolvidos totalizaram 434 bens de Lula e 117 de Dilma. Os itens estão disponíveis para consulta no site da Presidência.

Em relação a Lula, objeto da peça de desinformação, o TCU informou ao Comprova que somente oito peças não foram localizadas. A esses itens foi estipulado um valor total de R$ 11.748,40 que, segundo o TCU, foram restituídos à União em 10 parcelas de R$ 1.174,84. A resposta também consta em matéria da CNN Brasil.

Dessa forma, explica o TCU, o acórdão 1577/2020 considerou cumpridos os subitens 9.2.2 e 9.2.3 do acórdão 2255/2016, que determinou a reincorporação ao acervo da União dos 568 bens e 144 bens recebidos, respectivamente, por Lula e Dilma Rousseff em cerimônias com chefes de Estado ou de governo no período em que ocuparam a presidência.

O caso de Bolsonaro

No caso de Bolsonaro, a suspeita da PF é que os presentes recebidos pelo ex-presidente tenham sido omitidos dos órgãos do poder público e desviados para fins de enriquecimento pessoal.

As suspeitas foram reveladas em março deste ano, após o Estadão mostrar que o governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o país colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em € 3 milhões, o equivalente a R$ 16,2 milhões. As joias foram um presente do regime da Arábia Saudita para o então presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro e foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos (SP).

A PF passou a investigar o caso e, neste mês, no dia 11, deflagrou a Operação Lucas 12:2, com o objetivo de descobrir se presentes de alto valor dados ao ex-presidente foram omitidos do acervo público e negociados para enriquecimento ilícito. Até o momento, a PF constatou que foram negociados dois kits de joias da marca suíça Chopard, duas esculturas douradas e um relógio da marca Patek Philippe.

Na noite do 11, a defesa de Bolsonaro divulgou nota dizendo que o ex-presidente nega ter se apropriado ou desviado bens públicos e afirmando que coloca à disposição da Justiça sua movimentação financeira.

Questionado pelo Comprova se, na época da auditoria no acervo presidencial de Lula, foi constatada a venda de algum item, o TCU respondeu: “Não localizamos análise do Tribunal nesse sentido”.

O que diz o responsável pela publicação: As deputadas Bia Kicis e Carla Zambelli foram contatadas. Bia Kicis respondeu: “A postagem é um vídeo da fala dele à época. Não tem nada de enganosa. É sobre o que ele diz que levou. Se devolveu depois é outra história”.

Já Carla Zambelli disse que “o vídeo tem fonte e trata de um assunto específico: Lula ficou com 11 contêineres de presentes que ganhou durante seu mandato e se gaba disso no vídeo”. Ela acrescenta: “O desfecho não desfaz o fato dele ter saído da presidência com material que não lhe pertencesse. E mais: não se sabe se ele devolveu realmente tudo o que deveria, já que sequer mandava para o acervo presidencial”.

O que podemos aprender com esta verificação: Utilizar trechos de falas e entrevistas fora de contexto é uma tática comum entre pessoas que publicam desinformação. Ao encontrar uma publicação com declarações curtas – os chamados “cortes” – procure buscar pelo vídeo original para entender o contexto.

Além disso, é muito comum que desinformadores produzam conteúdos para gerar comparações entre políticos e personalidade, geralmente quando há uma medida ou ação polêmica envolvendo um deles. Por isso, é importante pesquisar sobre o contexto em que determinada declaração ou informação foi dada.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em março deste ano, o Comprova publicou um Explica sobre a destinação dos presentes ofertados a presidentes brasileiros.

As declarações de Lula costumam ser alvo de conteúdos desinformativos. Recentemente, o Comprova verificou piada feita pelo presidente sobre a perda do dedo pegando caranguejo, que ele não anunciou confisco da poupança dos brasileiros e que vídeo engana ao “checar” discurso dele sobre desigualdade social.

Política

Investigado por: 2023-08-16

Vídeos enganam ao sugerir que governo federal liberou as drogas; discussão sobre descriminalização é feita pelo STF

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Enganoso
Ao contrário do que sugerem vídeos nas redes sociais, o governo federal não tem projeto para liberação das drogas no país. A Secretaria de Comunicação da Presidência negou a existência de proposta com esse objetivo. A discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio é feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito de um recurso da Defensoria Pública de São Paulo. A análise do tema, suspensa em 2 de agosto, deve voltar a julgamento no dia 17 de agosto.

Conteúdo investigado: Posts nas redes sociais em que uma mulher aparece supostamente vendendo maconha e justifica a ação dizendo estar fazendo isso “agora que o Lula liberou”. Um outro vídeo sugere que o governo federal tem um projeto de liberação de drogas. Na gravação, outra mulher questiona: “Se for liberada as drogas, pra que cobrar exame toxicológico de motorista? Só anda pra trás esse desgoverno” (sic).

Onde foi publicado: TikTok e Instagram.

Conclusão do Comprova: São enganosos vídeos que sugerem que o governo federal tenha um projeto de liberação das drogas ou tenha liberado as substâncias. Embora alguns integrantes da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já tenham se posicionado sobre o tema, como o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e da Justiça, Flávio Dino (PSB), a Secretaria de Comunicação (Secom) informou ao Comprova que “não há nenhum projeto com esse objetivo em discussão na Presidência da República”. Nenhuma proposição de autoria do Executivo sugerindo a liberação foi encontrada em tramitação no portal da Câmara dos Deputados pelo Comprova.

Desde 2015, há uma discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio no Supremo Tribunal Federal (STF). O debate foi pautado depois que a Defensoria Pública de São Paulo ingressou com o Recurso Extraordinário (RE) 635659, no qual questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (nº 11.343/2006). O artigo classifica como crime o porte e transporte de entorpecentes para consumo próprio.

Suspenso em 2017, o julgamento do RE pelo Supremo foi retomado em 2 de agosto deste ano e, após nova pausa, voltará à pauta nesta quinta-feira, 17. Até o momento, a corte tem quatro votos para que o porte de maconha para consumo próprio deixe de ser considerado crime. O entendimento firmado pelo STF nesse julgamento deve balizar casos similares em todo o país.

Ao Comprova, a Defensoria Pública de São Paulo esclareceu que o debate motivado pelo recurso não tem qualquer relação com o governo federal. “A Constituição Federal garante ao órgão autonomia funcional e administrativa, o que significa que não atua sob direção de qualquer ente governamental (inclusive governo federal), mas sim na busca da garantia dos direitos de seus usuários.”

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 16 de agosto de 2023, o post no Instagram, teve 31,5 mil curtidas e 1,5 mil comentários. O outro post, no TikTok, somava 374,2 mil visualizações, 15,5 mil compartilhamentos, 13,5 mil curtidas e 1 mil comentários até a mesma data.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos no Google pelos termos “Lula, liberação das drogas e STF”; “projeto de lei, Lula, drogas”; e “descriminalização das drogas, STF”. Também fizemos uma pesquisa avançada no site da Câmara dos Deputados por projetos de autoria do Poder Executivo em tramitação contendo ao menos uma destas palavras: droga, drogas, entorpecente, entorpecentes.

Depois, entramos em contato com a Secom da Presidência, e com as assessorias de imprensa do STF e da Defensoria Pública de São Paulo. Por fim, fizemos contato com a responsável pela publicação do conteúdo verificado.

Discussão sobre drogas é feita pelo STF e não envolve Lula

O STF deve retomar nesta quinta-feira, 17 de agosto, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659, que trata da descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. O caso tem repercussão geral, o que significa que o entendimento firmado pelos ministros do Supremo deve ser aplicado a casos similares em todo o país. Até o momento, a Corte tem quatro votos para que o porte de maconha para consumo próprio deixe de ser considerado crime. Sete ministros ainda precisam se posicionar.

O recurso foi protocolado em fevereiro de 2011 pela Defensoria Pública de São Paulo, que contesta decisão de um colégio recursal que manteve a condenação de um homem à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal. Para a Defensoria, o ato não afronta a saúde pública.

No recurso, o órgão questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que criminaliza o porte de drogas para consumo pessoal. O principal argumento é que o dispositivo contraria o princípio da intimidade e da vida privada, já que a ação não implicaria em danos a bens jurídicos alheios.

O caso começou a ser analisado ainda em 2015 pelo STF, ocasião em que três ministros votaram, mas foi suspenso após um pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Em 2017, Zavascki morreu em um acidente aéreo, o que levou a nova interrupção do julgamento. A análise do tema foi retomada em 2 de agosto deste ano com o voto de Alexandre de Moraes, sucessor de Zavascki.

Moraes defendeu a fixação de um critério nacional, no que diz respeito à maconha, para diferenciar usuários de traficantes. A proposta é que sejam presumidas como usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas.

Atualmente, o enquadramento fica a cargo da polícia, do Ministério Público e do Judiciário, que, sem critérios objetivos, interpretam a norma de formas diversas. Para o ministro, isso permite, por exemplo, que pessoas presas com a mesma quantidade de droga em circunstâncias parecidas possam ser consideradas usuárias ou traficantes, a depender da etnia, nível de instrução, renda, idade ou local do fato. Em respeito ao princípio da isonomia, Moraes destacou a necessidade de que os flagrantes sejam tratados de forma idêntica em todo o país.

Após o voto no último dia 2, o ministro relator do recurso, Gilmar Mendes, que já havia votado pela descriminalização de todas as drogas para uso próprio em 2015, pediu o adiamento do julgamento com objetivo de considerar os novos argumentos e as mudanças dos últimos anos, e construir uma solução consensual.

Os outros dois votos apresentados anteriormente, dos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, propõem a descriminalização somente em relação à maconha.

Ao Comprova, a Defensoria Pública de São Paulo informou que a discussão sobre a descriminalização das drogas não guarda relação com o governo federal, uma vez que a Constituição garante autonomia funcional e administrativa ao órgão. “O que significa que [a Defensoria] não atua sob direção de qualquer ente governamental (inclusive governo federal), mas sim na busca da garantia dos direitos de seus usuários, desenvolvendo sua missão constitucional”.

A descriminalização discutida pelo STF não é o mesmo que legalização. O debate envolve saber se é possível punir como crime a atitude de ter o entorpecente consigo para uso pessoal e não diz respeito a uma autorização do uso de drogas por lei, ou permissão para a venda dos produtos, por exemplo.

Debate também no Senado

Também em 17 de agosto, o Senado promove uma sessão especial para debater a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. O requerimento para a sessão (RQS 690/2023) é de autoria do senador Efraim Filho (União-PB). Segundo ele, o tema precisa ser debatido com profundidade, pois atinge políticas públicas de saúde e segurança.

Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não é a quantidade de drogas que deve ser relevante na diferenciação entre usuário e traficante, mas sim a intenção. Pacheco ainda disse temer, com a argumentação sobre a liberação do porte, uma possível descriminalização do traficante de pequenas quantidades de droga.

Foram convidados para a sessão do dia 17:

  • os ministros da Saúde, Nísia Trindade, e da Justiça, Flávio Dino;
  • o advogado e ex-secretário Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos, Luiz Roberto Beggiora;
  • o deputado e autor de projetos de combate às drogas Osmar Terra;
  • o juiz federal William Douglas dos Santos;
  • o frei Hans Stapel, um dos fundadores da comunidade terapêutica Fazenda da Esperança;
  • a coordenadora da comunidade Desafio Jovem, Célia Moraes;
  • o promotor de Justiça do Distrito Federal (DF) José Theodoro de Carvalho.

O debate também vai contar com a presença de médicos especialistas em dependência química e com um representante da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas.

O governo tem posição sobre o que o Supremo está discutindo?

Com o retorno do julgamento, alguns integrantes do governo Lula se posicionaram a respeito do assunto. No entanto, não há um consenso. Autoridades do Executivo já defenderam, criticaram e até mudaram de opinião, conforme mostrou o Metrópoles.

Em abril deste ano, durante audiência na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, declarou ser favorável à descriminalização. “A questão das drogas é fundamentalmente de saúde pública e não um problema de natureza criminal. Descriminalização não é o contrário de regulação.”

Na época, o ministro disse não haver direcionamento do governo federal em relação ao tema e que sua declaração decorria de uma opinião pessoal. Em março, em entrevista à BBC, Almeida já havia defendido a descriminalização, dizendo acreditar que ela poderia diminuir a pressão sobre o sistema carcerário brasileiro.

Já o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse ser contrário à descriminalização ainda durante o governo de transição. “Nós não temos hoje condições sociais e institucionais para descriminalizar drogas e, certamente, isso não vai ocorrer nos próximos anos”, afirmou à BBC em novembro de 2022. Desde então, Dino não deu declarações públicas sobre a questão.

Em julho do ano passado, quando Lula era candidato à Presidência, o grupo que elaborava o programa de governo do petista estudava alterar a lei de drogas para reduzir os encarceramentos no Brasil. A ideia era estabelecer parâmetros mais claros sobre o que é considerado tráfico.

Em outubro, o programa de governo de Lula destacava que “o país precisa de uma nova política sobre drogas, intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário”.

Segundo a Veja, o governo federal tem dado sinais de que pretende avançar na discussão sobre o uso da maconha para fins medicinais e industriais. Em junho deste ano, foram eleitas dez pessoas, incluindo associações que defendem a descriminalização, para integrar o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad).

Questionada a respeito de uma proposta própria de liberação de drogas pelo governo federal, a Secom informou ao Comprova que “não há nenhum projeto com esse objetivo em discussão na Presidência da República“. O Comprova também checou as proposições em tramitação na Câmara dos Deputados de autoria do Executivo sobre o tema e não encontrou nenhuma proposta envolvendo a liberação das drogas.

O que diz o responsável pela publicação: Entramos em contato com o perfil @tienecardoso210, responsável pela publicação no TikTok por mensagem no Instagram e Facebook. No entanto, não houve retorno até a publicação desta checagem. O perfil @juremirandrade, que postou o vídeo no Instagram, também não respondeu aos questionamentos enviados pelo Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: Ao se deparar com conteúdos que não informam a fonte para a informação repassada, como o investigado nesta verificação, desconfie. Desinformadores costumam utilizar essa tática para confundir o público, sobretudo a respeito de temas polêmicos que estão sendo debatidos no país.

Em casos como este, poderiam ser feitas buscas pelo tema nos sites oficiais de órgãos como o STF, a Defensoria Pública e a Câmara dos Deputados. Assim, seria possível identificar o que está sendo discutido nos âmbitos jurídico e legislativo a respeito da descriminalização das drogas no Brasil.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já checou outros conteúdos suspeitos envolvendo o governo Lula e temas polêmicos. Já mostrou que mães chefes de família não foram proibidas pelo governo de receber Bolsa Família; que taxa sobre energia solar foi sancionada no governo de Bolsonaro, não de Lula; e explicou que autorização da ozonioterapia no país está condicionada à aprovação da Anvisa.

Política

Investigado por: 2023-08-14

Taxa sobre energia solar foi sancionada no governo de Bolsonaro, não de Lula

  • Falso
Falso
A lei que reajusta a conta de luz dos usuários de energia solar, conhecida como “taxação do sol”, foi sancionada em 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), após aprovação do Congresso Nacional, e não pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como leva a crer uma postagem viral no TikTok. Além disso, o conteúdo utiliza trecho de um vídeo de Lula falando sobre o Programa Desenrola Brasil, e não sobre o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída, parte da legislação que regula os sistemas de energia elétrica no Brasil.

Conteúdo investigado: Um vídeo no TikTok associa a regra que reajusta a conta de luz dos usuários de energia solar, conhecida como “taxação do sol”, ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para isso, o autor do conteúdo uniu dois vídeos diferentes, um do presidente falando que “agora em setembro vai entrar o grosso” e outro de uma reportagem sobre o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída, que é parte da regulação do sistema de energia elétrica no Brasil e ficou conhecido como Geração Distribuída.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É falso que a regra que reajusta a conta de luz dos usuários de energia solar, conhecida como “taxação do sol”, tenha sido aprovada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Projeto de Lei que institui o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída, a chamada Geração Distribuída, foi aprovado em 2021 no Congresso Nacional e sancionado em 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A lei está em vigor desde janeiro de 2023, mas quem instalou o sistema até o último 7 de julho tem direito a um período maior de transição da cobrança da taxa.

O conteúdo nas redes sociais utiliza trecho de uma reportagem veiculada pelo SBT News em 22 de julho deste ano sobre a taxação junto a um vídeo em que Lula aparece falando “e agora em setembro vai entrar o grosso” com o intuito de associar o assunto ao atual governo. Entretanto, no recorte, o presidente falava sobre o Programa Desenrola Brasil em uma live que foi ao ar em 25 de julho, e não sobre energia solar. O presidente explicava, na ocasião, que em setembro o programa iria abordar a maior faixa de pessoas inadimplentes.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo com informações falsas sobre a relação do presidente Lula à “taxa do sol” soma 864,5 mil visualizações, 95, 7 mil curtidas e 1925 comentários no Tik Tok até o dia 14 de agosto.

Como verificamos: Utilizando o Google, primeiro buscamos as origens dos dois vídeos usados na montagem, identificando quando e onde foram gravados. Em seguida, também pela plataforma de busca, consultamos notícias e informações do governo e do Congresso Nacional sobre o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída. Por fim, procuramos o autor da postagem.

“Taxação do sol” foi aprovada no governo Bolsonaro, não de Lula

O marco legal da Micro e Minigeração Distribuída, a chamada Geração Distribuída, também conhecida como “taxação do sol”, entrou em vigência em 7 de janeiro de 2023. Contudo, o Projeto de Lei que o institui (5.829/2019) foi aprovado em 2021 no Senado e na Câmara dos Deputados, sendo sancionado em janeiro de 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, com veto a dois dispositivos. Os vetos foram derrubados em 14 de julho do mesmo ano pelo Congresso Nacional e promulgados por Bolsonaro no mês seguinte.

A legislação aprovada permite ao consumidor produzir a própria energia a partir de fontes renováveis, dentre elas, a solar fotovoltaica. Ela ficou conhecida como “taxação do sol” porque estabelece, também, que os produtores de energia por meio de painéis solares conectados à rede de distribuição sejam cobrados pelo custo dessa distribuição à rede elétrica – conhecido como Fio B. Na prática, é a cobrança do serviço de transmissão de energia até as residências.

Conforme explica o E-investidor, do jornal O Estado de S.Paulo, mesmo em vigor desde janeiro, quem instalou o sistema até 7 de julho de 2023 tem direito a um período maior de transição da cobrança da taxa. Para esses casos, a regra define uma progressão da aplicação das cobranças para o uso da rede até 2030. Já para quem instalou o sistema após essa data, o período de transição se encerra em 2028 com a aplicação do encargo no ano seguinte.

Com relação ao atual governo e energia solar, em março de 2023 o executivo federal editou o decreto Nº 11.456 alterando o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), instituído em 2007, para incluir peças e equipamentos usados na fabricação de painéis solares, buscando barateá-los. Além disso, em julho, Lula vetou um trecho da lei que obrigava as distribuidoras a comprar a sobra de energia produzida pelas residências populares do Minha Casa, Minha Vida.

Como funciona a taxa

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mantém uma página com informações gerais sobre a micro e minigeração distribuída e outra com respostas para as perguntas mais frequentes relacionadas ao assunto.

De acordo com o órgão, a minigeração distribuída é aquela com potência acima de 75 KW e menor ou igual a 3 MW – podendo ser de até 5 MW em situações específicas. Já a central geradora com potência instalada de até 75 KW é classificada como microgeração distribuída.

Ambas as modalidades são conectadas à rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras e, desta forma, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) permite que a sobra de energia gerada por um sistema de dia seja injetada para a rede e devolvida à noite para a unidade consumidora, suprindo necessidades adicionais. “A rede funciona como uma bateria, armazenando o excedente até o momento em que a unidade consumidora necessite de energia proveniente da distribuidora”, explica o governo.

A Resolução Normativa ANEEL n° 1.000/2021 possibilita que, nesse sistema, um consumidor que instalar pequenos geradores em sua unidade consumidora utilize a energia gerada para abater o consumo de energia elétrica da unidade. Quando a geração for maior que o consumo, o saldo positivo de energia poderá ser utilizado para abater o consumo em até 60 meses subsequentes, em formato de créditos. Há ainda a possibilidade de o consumidor utilizar a geração excedente em outras unidades previamente cadastradas dentro da mesma área de concessão e caracterizada como autoconsumo remoto ou geração compartilhada. É por este uso da rede que se paga a tarifa.

As unidades consumidoras que instalarem uma usina de microgeração ou minigeração podem ser classificadas em três modalidades de tarifa:

  • GD I: são todas as unidades consumidoras cuja usina já estava conectada antes de 7 de janeiro de 2022 ou que protocolaram solicitação de conexão até 7 de janeiro de 2023 e se conectaram no prazo estabelecido. Elas estão isentas dos custos de uso da rede até 2045.
  • G II: unidades que solicitaram conexão após o prazo e na quais incide sobre a energia compensada uma porcentagem da tarifa de uso do sistema de distribuição que vai aumentando entre os anos 2023 e 2029.
  • GD III: unidades que solicitaram conexão após o prazo e na quais há a incidência de alguns componentes da tarifa de uso e de outros encargos. São classificadas como GD III as unidades que possuem potência instalada de geração acima de 500 kW e que sejam enquadradas em autoconsumo remoto ou geração compartilhada em que haja um ou mais beneficiados com percentual igual ou maior a 25% de participação no excedente de energia.

Como explica o E-investidor, para quem instalou o sistema no imóvel após a vigência da lei, a cobrança se inicia neste ano com 15% em cima do custo referente ao serviço do Fio B e deve aumentar gradativamente até 2029, quando o consumidor pagará 100% do valor. Já o consumidor que instalou a placa solar até 6 de janeiro tem direito à isenção até 2045, recebendo, assim um desconto maior na conta de energia.

Vídeo de Lula e reportagem não são sobre o mesmo assunto

O conteúdo desinformativo utiliza a chamada de uma reportagem veiculada pelo SBT News em 22 de julho deste ano, disponível na conta do jornal no YouTube. A matéria não afirma que a lei foi aprovada no atual governo.

Já o vídeo em que Lula aparece falando “e agora em setembro vai entrar o grosso” foi recortado da live “Conversa com o Presidente”, de 25 de julho, quando ele concedeu entrevista ao jornalista Marcos Uchôa. A transcrição está disponível no site do Governo Federal.

Lula falava sobre o Programa Desenrola Brasil, no qual débitos bancários dos brasileiros são negociados em condições especiais. A fala completa do presidente é: “Então, as pessoas estavam endividadas e nós resolvemos tomar a decisão de ajudar. Ou seja, nós estamos atendendo primeiro aquelas pessoas que devem até R$ 100, que quase todas vão ser zeradas, vão ficar livres. Depois, nós começamos com a turma que ganha até R$ 20 mil, sabe, que tem dívida em banco, os bancos estão chamando e me parece que é um sucesso extraordinário, tem gente reduzindo em 90% a sua dívida. E agora, em setembro, vai entrar o grosso, que são pessoas até R$ 5 mil, R$ 2 mil, R$ 1,5 mil, R$ 3 mil, pessoas que estão devendo no varejo”. No canal do governo no Youtube, a fala pode ser observada em vídeo a partir de cinco minutos e 52 segundos.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com a página Mr. Meme br, mas não recebeu respostas até a publicação desta verificação. O conteúdo será atualizado, caso haja um posicionamento.

O que podemos aprender com esta verificação: A reprodução do vídeo com cortes de uma reportagem do SBT e uma entrevista do presidente Lula descontextualizadas foi utilizada com o objetivo de induzir internautas à desinformação por meio das redes sociais. A prática é comum em páginas criadas com o objetivo de descontextualizar declarações e informações sobre temas importantes.

Por isso, ao assistir a um vídeo ou ler uma publicação nas redes sociais que não sejam compartilhadas por canais oficiais, é importante pesquisar sobre o assunto e conferir se as informações são verídicas.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A “taxação do sol” foi tema de checagem do Aos Fatos, em janeiro de 2023. A verificação considerou o conteúdo falso. A agência Reuters também investigou o conteúdo, reforçando que a taxação da energia solar foi sancionada por Jair Bolsonaro e não no atual governo, de Lula. O Comprova já checou outros assuntos de um governo atribuídos ao outro, como, por exemplo, que vídeo usou reportagem sobre apreensões de carros na gestão de Bolsonaro para criticar a de Lula.

Política

Investigado por: 2023-08-11

Piada de Lula sobre a perda do dedo pegando caranguejo viraliza e é entendida como verdade

  • Contextualizando
Contextualizando
Foi uma piada a afirmação feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que ele teria perdido o dedo pegando caranguejo em Pernambuco. Na verdade, o político sofreu um acidente de trabalho em uma metalúrgica em São Paulo, quando tinha 18 anos. A declaração foi interpretada como verdadeira por usuários de redes sociais, que passaram a acusar o presidente de mentir sobre o caso.

Conteúdo investigado: Publicação traz montagem com vídeo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dizendo que perdeu o dedo pegando caranguejo em Pernambuco ao lado de uma captura de tela de pesquisa no Google afirmando que o petista perdeu o dedo atuando como torneiro mecânico. A legenda que acompanha o post diz: “O cara mente muito! No vídeo ele diz que perdeu o dedo pegando caranguejo, mas todos têm a informação que foi ‘trabalhando’ na metalúrgica, QUE PODE SER MENTIRA TAMBÉM”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Contextualizando: Trata-se de uma brincadeira a afirmação feita pelo presidente Lula de que ele teria perdido o dedo mínimo pegando caranguejo em Pernambuco. A declaração, que circula fora de contexto nas redes sociais, faz parte de um pronunciamento feito pelo político em 2 de agosto, durante o lançamento do programa Povos da Pesca Artesanal, no Palácio do Planalto, em Brasília.

Na ocasião, ele disse: “Eu só queria dizer para vocês que, além de pescador, eu fui catador de siri e fui catador de caranguejo. Quem não acredita nisso, esse dedo aqui eu perdi pegando um caranguejo, lá em Pernambuco. Essa é a prova da minha relação com vocês.”

Ao Comprova, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência esclareceu que a fala de Lula foi uma piada. “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu o dedo mínimo da mão esquerda em um acidente de trabalho, em 1964, conforme ele já detalhou em diversas entrevistas concedidas ao longo da trajetória política”, disse a assessoria em nota.

De acordo com a biografia do presidente escrita por Fernando Morais, o político sofreu o acidente quando trabalhava como torneiro mecânico na metalúrgica Independência, no bairro Vila Carioca, em São Paulo, em junho de 1964.

Lula contou a mesma história de que perdeu o dedo enquanto pegava caranguejo quando comentava sobre manguezais durante um evento na Bahia, em 2009, como mostrou o site Boatos.org.

Como o vídeo pode ser interpretado fora do contexto original: A afirmação pode ser tomada como verdade ou, ainda, gerar confusão sobre o tema. Nas redes sociais, usuários compartilham vídeo com a fala de Lula e acusam o presidente de mentir, citando a versão verdadeira, e amplamente difundida, do acidente de trabalho. Outros levantam questionamentos sobre qual seria a versão válida. Apesar de ser uma brincadeira, e de ser possível ouvir risos ao fundo, por parte da plateia presente no evento em reação à piada, a declaração não foi feita com tom cômico, o que despertou dúvidas.

O que diz o responsável pela publicação: Como não há opções de contato com o @9876mel na rede social X, o Comprova buscou a conta em outras redes e enviou uma mensagem pelo Instagram. Não houve retorno até a publicação desta verificação.

O pronunciamento

No lançamento do programa Povos da Pesca Artesanal, que vai beneficiar cerca de um milhão de pescadores, Lula ressaltou a importância da comunidade pesqueira e se comprometeu a atender as demandas dos trabalhadores. O evento foi realizado em 2 de agosto, em Brasília.

No início do discurso durante a cerimônia, Lula conta sobre uma pescaria recente, em que teria fisgado seis peixes (veja o vídeo). “Primeiro, fazer inveja pra vocês: sábado fui pescar. Presta atenção, André. Sábado eu fui pescar, pesquei quatro pacu, peguei um dourado e peguei uma pirarara. Eu sou um pescador diferente, porque eu tiro a garra do meu anzol para não machucar os peixes. E quando eu pego, eu solto pra pescar no outro sábado.”

Na sequência, ele faz a brincadeira sobre a perda do dedo. “Mas eu só queria dizer para vocês que, além de pescador, eu fui catador de siri e fui catador de caranguejo. Quem não acredita nisso, esse dedo aqui eu perdi pegando um caranguejo, lá em Pernambuco. Essa é a prova da minha relação com vocês”, declarou.

Lula perdeu o dedo em 1964

Segundo informações da Secom da Presidência enviadas ao Comprova, o político perdeu o dedo mínimo da mão esquerda aos 18 anos, quando trabalhava na metalúrgica Independência, em São Paulo, no ano de 1964. Ele era torneiro mecânico.

Em junho daquele ano, por volta das duas horas da manhã, um parafuso da prensa transversal quebrou e, para substituí-lo, Lula precisou fazer um novo. Ele chamou o companheiro da bancada mais próxima para ajudar no processo.

“Nem lembro seu nome, mas quando fui colocar o parafuso na prensa, ele cochilou. Eram umas duas ou três horas da manhã. Esse companheiro, visivelmente cansado, vacilou e soltou o braço da prensa. Ela fechou no momento em que eu estava entrando com a mão para trocar o parafuso. Tentei me esquivar, mas ela amassou meu dedo”, relata Lula na página 220 do livro de Fernando Morais.

O então operário ficou com a mão imobilizada até a manhã do dia seguinte, quando apareceu um médico no pronto-socorro de um hospital próximo à fábrica. Ele foi indenizado em 351 mil cruzeiros usados para comprar um terreno na Vila Liviero e mobiliar a cozinha da mãe, como relata a biografia.

De acordo com o texto de Morais, é difícil precisar o equivalente à quantia da indenização atualmente, já que os dois únicos indicadores disponíveis apresentam defasagens que vão de R$ 3,5 mil (IPC-Fipe) a R$ 16,3 mil (IPC-Fipe).

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 11 de agosto, o post somava mais de 6,3 mil visualizações e 603 curtidas.

Como verificamos: A partir de trechos da fala de Lula no vídeo, o Comprova encontrou o pronunciamento completo do presidente tanto em vídeo quanto em texto.

Também leu reportagens (Revista Trip, UOL, G1), textos no site de Lula e do Instituto Lula e assistiu a entrevistas anteriores (Jô Soares e PodPah) do petista a respeito da perda do dedo mínimo. Houve consulta, ainda, à biografia Lula, de Fernando Morais.

Por fim, entrou em contato com a assessoria de imprensa da Presidência e com o responsável pela publicação do conteúdo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Boatos.org checou o mesmo conteúdo investigado pelo Comprova em 9 de agosto.

Diversas agências (Lupa, Comprova, Fato ou Fake, Estadão) já desmentiram peças de desinformação sobre o dedo de Lula. Em 2022, por exemplo, circulavam publicações dizendo que o petista teria sido substituído por um sósia junto a materiais audiovisuais mostrando Lula com dez dedos na mão esquerda, para provar o argumento.

Outros conteúdos suspeitos de grande alcance envolvendo o nome do político ou de parentes já foram investigados pelo Comprova. Recentemente, mostramos que Lula não é procurado pela Justiça estrangeira e que ONG Rede 13 não foi criada por filha do presidente nem recebeu dinheiro do governo.

Política

Investigado por: 2023-08-11

Fala antiga de Zé Dirceu é tirada de contexto para alimentar falsa ligação do PT com facada em Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo de entrevista do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT) é tirado de contexto e engana ao sugerir relação do Partido dos Trabalhadores (PT) com a facada recebida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018. Na entrevista, Dirceu fala sobre as eleições daquele ano e sua perspectiva de uma vitória petista, mesmo com a possibilidade de ocorrência de fatos imprevisíveis, como erros do PT ou o atentado a Bolsonaro. O corte realizado, legendas utilizadas e os comentários feitos distorcem o sentido do discurso ao sugerir que o erro do PT teria sido o atentado ao ex-presidente, apontando para uma ligação entre o partido e a facada. Esta ligação não foi identificada nos inquéritos policiais relacionados ao caso.

Conteúdo investigado: Em vídeo publicado nas redes sociais, homem comenta entrevista de José Dirceu (PT) republicada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele afirma que Dirceu assume “erramos quando demos a facada no Bolsonaro”. A legenda da publicação diz: “Zé Dirceu assume facada, Advogados de Adélio em pânico”.

Onde foi publicado: Facebook.

Conclusão do Comprova: Vídeo que circula fora de contexto em rede social usa fala antiga do ex-ministro e ex-presidente do PT, José Dirceu, para incentivar teoria que relaciona o partido a Adélio Bispo, autor da facada contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na publicação enganosa, são apresentadas afirmações com base na entrevista com o político, de 2021, compartilhada por Bolsonaro em 27 de julho de 2023. O ex-presidente não escreve legenda, mas reproduz texto que atribui a uma fala de Dirceu suposta ligação do PT com a facada de 2018.

O vídeo vem sendo explorado nos últimos anos para incitar uma teoria, sem evidências, de que o PT teria algum envolvimento no atentado. A afirmação não procede, de acordo com os fatos apurados pela Polícia Federal (PF) desde o primeiro inquérito do caso. Um segundo inquérito foi concluído em 2020 e atestou que Adélio Bispo agiu sozinho e sem mandantes.

O ex-ministro já veio a público explicar o contexto de sua declaração, quando o conteúdo foi republicado pelo vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente. “Minha fala é uma lista de fatos imprevisíveis na política, que poderiam impedir a eleição do Lula ou do Haddad em 2018. Dentre eles, possíveis erros nossos e a facada em Bolsonaro. Coisas diferentes, compondo a mesma listagem de fatos imprevisíveis”, disse Dirceu na época.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 11 de agosto, o vídeo contava com 44 mil visualizações no Facebook, 3 mil curtidas e 200 comentários. No Youtube, são 21 mil visualizações e 1,8 mil curtidas.

Como verificamos: O primeiro passo foi identificar em qual situação e momento foi feita a declaração de José Dirceu, além de obter a fala completa. Para isso, pesquisamos no Google pelos termos “entrevista Dirceu eleições” e “entrevista Dirceu facada Bolsonaro” na modalidade vídeo. A partir disso, procuramos elementos semelhantes com o vídeo apresentado, como as roupas de Dirceu e sua posição.

Ao identificar o vídeo, assistimos à entrevista completa para encontrar o contexto e o momento em que a declaração foi proferida. Na sequência, buscamos no Google por repercussões sobre a entrevista na época e encontramos reportagens que publicaram a resposta de Dirceu na rede X, antigo Twitter, ao compartilhamento de Carlos Bolsonaro.

Nas contas oficiais de ambos e também de Jair Bolsonaro, verificamos se as publicações ainda estavam ativas. Por fim, tentamos contato com José Dirceu e com o autor da postagem.

Além disso, identificamos o autor do vídeo, a partir da publicação do material disponível no YouTube. Entramos em contato com ele, que não respondeu até o fechamento desta verificação.

Vídeo é de entrevista feita em 2021

A entrevista do ex-ministro José Dirceu repercutida por Jair Bolsonaro e seus apoiadores foi publicada em 11 de maio de 2021, pelo canal do YouTube Tutaméia TV, que faz parte do site Tutaméia, criado e produzido pelos jornalistas gaúchos Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena. O tema da entrevista foi “Enfrentamentos a Bolsonaro e rumos do Brasil”. A resposta de Dirceu que voltou a circular está aos 41 minutos e 35 segundos do vídeo e diz respeito a um questionamento de Eleonora acerca da posição da elite brasileira nas eleições de 2022.

“Muita gente não consegue entender a elite, a burguesia brasileira, tendo essa posição aliada ao Bolsonaro, alimentando o Bolsonaro”, inicia ela, para questionar, ao final: “Como que o senhor vê isso: a elite desembarcando do Bolsonaro ou ficando com o Bolsonaro para o que der e vier? Como que ela vai trabalhar daqui pra diante?”.

O ex-ministro responde: “Veja bem, são os interesses imediatistas dela. Os medos atávicos dela. Porque, de certa maneira, há uma oposição ao bolsonarismo muito dura de direita, que a Globo sintetiza. Mais do que isso, ela está construindo uma agenda progressista liberal, vamos dizer assim”.

Dirceu afirma ainda que a adesão da elite ao bolsonarismo foi para tirar o PT do poder, quando então inicia as frases usadas na repercussão: “Se a Dilma governasse até o final do governo dela e o Lula sendo candidato em 18, nós venceríamos a eleição. Aliás, ele venceria em 18 com tudo que aconteceu ou, em liberdade, elegeria o Haddad. Quer dizer, não há como fazer contra…a história você não pode… mas a possibilidade era grande. Poderia acontecer qualquer fato, como acontece às vezes, que impedisse isso, né, ou erros nossos, ou como foi a facada ao Bolsonaro, como foi a decisão do Fachin, né, essas coisas imprevisíveis da política”.

O ex-ministro, então, volta ao ponto central do questionamento ao falar da suposta ligação entre a elite e Bolsonaro. “Identifico mais o egoísmo, ausência total de pudor, de consciência democrática nas elites brasileiras, e ignorância, porque não percebeu os riscos do fundamentalismo religioso, do obscurantismo, do negacionismo que representa isso, que está embrutecendo uma parcela da população, jogando ela contra outra.” Ao todo, a resposta de Dirceu dura 10 minutos.

Uso de vídeo é recorrente

A repercussão da entrevista de José Dirceu ao Tutaméia no núcleo familiar de Bolsonaro veio três meses depois, em 18 agosto de 2021, às 9h50, em publicação do vereador no Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho de Jair. Carlos posta um vídeo de 40 segundos com parte da resposta de Dirceu ao questionamento sobre a relação da elite brasileira com Bolsonaro. A imagem recortada não mostra os apresentadores e é envolta de tela preta com os dizeres “A facada foi erro nosso”, na parte superior, e “José Dirceu (PT)”, na inferior.

Carlos não escreveu diretamente qualquer palavra na publicação. A resposta de José Dirceu ocorreu no mesmo dia, às 12h26: “Minha fala é uma lista de fatos imprevisíveis na política, que poderiam impedir a eleição do Lula ou do Haddad em 2018. Dentre eles, possíveis erros nossos e a facada em Bolsonaro. Coisas diferentes, compondo a mesma listagem de fatos imprevisíveis.” Ele complementa: “Só não entenderá quem não sabe interpretar frases (ou sabe mas distorce de propósito)”.

O ex-ministro acrescentou, em nova publicação:” Bolsonaro está desesperado. Na falta de um fato novo, para se livrar de debates, seu filho mais parecido tenta girar teorias conspiratórias baratas. Mas agradeço a audiência!”

No mesmo dia, a deputada federal Bia Kicis (PL), aliada a Bolsonaro, também publicou o vídeo. A repercussão recente da entrevista de José Dirceu ocorreu depois que Jair Bolsonaro publicou um vídeo no dia 27 de julho deste ano com publicação que teria sido feita por um site.

O Comprova tentou contato com José Dirceu, diretamente com ele e pelo filho, o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), mas não conseguiu respostas.

Investigação não encontrou ligações com o PT

Desde o atentado sofrido por Bolsonaro em 6 de setembro de 2018, a PF já abriu dois inquéritos para apurar como se deu o crime, especialmente com a tentativa de encontrar o mandante da ação cometida pelo pedreiro Adélio Bispo. O primeiro foi finalizado ainda no fim daquele mês. Para concluir o relatório, foram ouvidas mais de 30 pessoas, e houve quebras de sigilos financeiro, telefônico e telemático do autor. Não foi encontrado nenhum indício de que Adélio tenha agido a mando de outra pessoa ou grupo.

Um novo inquérito foi aberto em seguida, diante de diversos questionamentos a respeito da falta de respostas, como quem seria o mandante do crime e quem estaria pagando os advogados de defesa de Adélio. A segunda investigação também concluiu que o autor da facada agiu sem a participação de “agremiações partidárias, facções criminosas, grupos terroristas ou mesmo paramilitares em qualquer das fases do crime (cogitação, preparação e execução)”.

Adélio foi absolvido pela Justiça do ataque contra Bolsonaro por ser considerado inimputável, ou seja, incapaz de responder pelos atos que praticou, em junho de 2019. O juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal em Juiz de Fora (MG), decidiu ainda que ele deveria ficar internado em um manicômio judiciário por tempo indeterminado. Porém, em razão da periculosidade do acusado, Adélio continua preso no presídio federal de Campo Grande (MS).

Em junho de 2020, o inquérito foi arquivado pela Justiça a pedido do Ministério Público Federal. “Esgotadas todas as diligências investigativas – à exceção da análise do conteúdo do aparelho de celular do principal advogado de defesa de Adélio Bispo de Oliveira, cuja diligência restou sobrestada por força de decisão liminar proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, acolho a promoção de arquivamento apresentada pelo Ministério Público Federal”, decidiu o magistrado, de acordo com a Agência Brasil.

Em abril deste ano, a Folha publicou que a PF investiga uma ligação entre os advogados de defesa de Adélio e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Os questionamentos começaram a partir da defesa de Bolsonaro, que tinha a intenção de saber quem pagou a defesa do autor do atentado. Na época, ainda segundo a Folha, os quatro advogados, Fernando Magalhães, Zanone Oliveira Júnior, Marcelo da Costa e Pedro Possa, afirmaram que aceitaram o caso sem qualquer cobrança, em busca de notoriedade.

Entre os indícios que alimentam essa tese de suposto envolvimento dos advogados com o PCC, está e identificação pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) de pagamentos fracionados de R$ 315 mil, em 2020, à empresa de Magalhães; este valor é próximo à quantia mencionada por Zanone em depoimento à PF em 2018 como pagamento ao caso. Não há indicação de quem pagou o montante, motivo pelo qual a suspeita ganhou força.

Outro indício seria um registro no livro de contabilidade de Zanone com pagamento de R$ 25 mil com a rubrica “caso Adélio”. Também existia um grupo de troca de mensagens de advogados no WeChat com nome “Adélio PCC”, encontradas no celular de Zanone.

A investigação segue em andamento, tendo sido realizada uma operação relacionada ao caso em março deste ano. No entanto, conforme publicação da Folha, a linha de investigação, de uma possível ligação entre os advogados e o PCC, é alvo de questionamentos da Diretoria de Inteligência da corporação, onde o caso está alocado. Uma das inconsistências é que os pagamentos sob suspeita foram realizados dois anos após o atentado.

O que diz o responsável pela publicação: O responsável pelo vídeo que circula na página do Facebook “O Poder é o Povo” não respondeu aos questionamentos enviados pelo Comprova até a conclusão dessa verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: O uso de frases fora do contexto e retiradas de um vídeo mais longo, os chamados cortes, é comum entre pessoas que publicam desinformação. Ao se deparar com essa situação, pesquise sobre o vídeo original para avaliar o contexto.

Além disso, há o uso de um tema que muitas vezes serve a teorias conspiratórias, por mais que já tenha sido elucidado pelas autoridades e partes envolvidas. Ou seja, mesmo que três inquéritos policiais sobre o caso envolvendo o atentado a Bolsonaro não apontem ou sequer citem o PT ou Dirceu, a desinformação se aproveita da ideia de que algo estaria sendo escondido e alimenta a conspiração.

Nesses casos, busque fontes oficiais sobre a apuração do caso citado, como os inquéritos policiais e processos judiciais e a imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O assunto já tinha sido investigado pelo Estadão Verifica em 2022, quando outro usuário republicou o vídeo. A Folha trouxe o contexto da fala do petista em matéria quando o ex-presidente Jair Bolsonaro compartilhou o vídeo nas redes sociais este ano. No ano passado, o Projeto Comprova realizou um Comprova Explica sobre o caso.

José Dirceu já teve outras supostas falas investigadas e desmentidas, como que incitaria ‘caça dos fascistas de direita’ do Brasil, e vídeo que mostraria encontro entre ele e ministros do STF. A Lupa também apurou áudio com a acusação de que funcionários da Petrobras supostamente ligados ao ex-ministro estariam passando informações para governadores sobre os preços dos combustíveis. A informação foi considerada falsa.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-08-10

Autorização da ozonioterapia no país está condicionada à aprovação da Anvisa

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Posts acusam o governo federal de negacionista por ter sancionado uma lei que autoriza a ozonioterapia no país. No entanto, o texto permite a prática somente com o uso de equipamentos para finalidades cuja eficácia e segurança sejam aprovadas pela Anvisa. Até o momento, a técnica foi aprovada pelo órgão somente para fins odontológicos e estéticos.

Conteúdo analisado: Após a sanção da Lei 14.648, de 4 de agosto de 2023, que autoriza a realização da ozonioterapia em território nacional, uma publicação no Telegram questiona “quem é o negacionista agora?”, já que a prática não tem comprovação científica de eficácia para aplicações médicas. A pergunta faz referência às críticas direcionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a condução da pandemia da covid-19. Naquele período, algumas pessoas afirmaram que a covid-19 poderia ser tratada com ozonioterapia, algo sem comprovação científica.

Comprova Explica: A sanção da Lei 14.648 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resultou em uma série de postagens nas redes sociais acusando o governo de negacionista. As alegações se baseiam em manifestações de entidades médicas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), que afirmam não haver comprovação científica suficiente sobre segurança e efetividade da prática em medicina.

Porém, a lei sancionada afirma que “a ozonioterapia somente poderá ser aplicada por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal devidamente regularizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou órgão que a substitua”.

Segundo a Anvisa, até o momento, os únicos equipamentos regularizados pela agência para uso da ozonioterapia são para fins odontológicos e estéticos, cuja segurança e eficácia foram aprovadas. E não para aplicações médicas em pacientes.

Como verificamos: O Comprova consultou o Diário Oficial da União (DOU) do dia 7 de agosto de 2023, a fim de acessar a Lei 14.648, que autoriza a prática da ozonioterapia no país. A partir disso, foram consultados comunicados, notas à imprensa e documentos oficiais por parte do governo federal, do Ministério da Saúde e da Anvisa sobre o procedimento.

Em seguida, para entender a tramitação do projeto de lei no Congresso, foram consultados os sites da Câmara dos Deputados e do Senado. Notas e resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Médica Brasileira (AMB), Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz), Conselho Federal de Odontologia (CFO), Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e Conselho Federal de Farmácia (CFF), que tratam sobre a prática com ozônio, também foram consultadas.

Para entender sobre o uso da ozonioterapia durante a pandemia, buscamos por verificações e reportagens da época relacionadas ao assunto. Por fim, entramos em contato com o Ministério da Saúde e com a Anvisa.

Lei autoriza ozonioterapia somente em casos aprovados pela Anvisa

A Lei 14.648, de 4 de agosto, que autoriza a ozonioterapia no território nacional, foi sancionada pelo presidente Lula com publicação no Diário Oficial da União em 7 de agosto. O texto havia sido enviado para sanção presidencial no dia 17 de julho, após ter sido aprovado pela Câmara e pelo Senado. O documento assinado pelo presidente é o mesmo remetido pelo Senado Federal após tramitação nas duas casas legislativas. Segundo a CNN Brasil, antes de sancionar a lei, o Palácio do Planalto consultou a Anvisa, que não se opôs.

A lei autoriza que a ozonioterapia seja aplicada somente por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal regularizado pela Anvisa. Até o momento, segundo comunicado da agência, os equipamentos aprovados são exclusivamente para fins odontológicos e estéticos, nos seguintes procedimentos:

  • Dentística: tratamento da cárie dental – ação antimicrobiana;
  • Periodontia: prevenção e tratamento dos quadros inflamatórios/infecciosos;
  • Endodontia: potencialização da fase de sanificação do sistema de canais radiculares;
  • Cirurgia odontológica: auxílio no processo de reparação tecidual;
  • Estética: auxílio à limpeza e assepsia de pele.

Na nota técnica de junho de 2022 anexada ao comunicado, a Anvisa informa que tem recebido “diversas submissões de regularização de dispositivos médicos emissores de ozônio cujas indicações de uso visam a aplicação da técnica de ozonioterapia para diversos fins”. No entanto, somente os equipamentos para os procedimentos descritos acima tiveram segurança e eficácia aprovadas pela Anvisa.

A nota técnica ressalta que o uso de equipamentos para aplicação de ozonioterapia para fins diversos daqueles aprovados pelo órgão constitui infração sanitária, sujeita a sanções previstas na Lei 6437/77. E que denúncias podem ser feitas à Ouvidoria da Anvisa (pelo número 0800 642 9782 ou pelo site da Ouvidoria).

A autorização prevista na lei é para aplicação da ozonioterapia em caráter complementar. Segundo o Ministério da Saúde, práticas complementares não substituem o tratamento tradicional: “Elas são um adicional, um complemento no tratamento e indicadas por profissionais específicos conforme as necessidades de cada caso”.

Processo de aprovação na Anvisa

Ao Comprova, a Anvisa esclareceu que os equipamentos emissores de ozônio para aplicação em odontologia e estética foram aprovados gradualmente, à medida que as empresas interessadas em regularizá-los enviavam pleitos para a agência, que avaliou os estudos que embasavam os produtos quanto à eficácia e segurança. Esses estudos, segundo a Anvisa, compõem os dossiês técnicos dos produtos e são informações sob sigilo empresarial.

Ainda de acordo com a agência, foram submetidos nos últimos anos pleitos relacionados a outras aplicações, como para dor lombar, artrite, artrose e diabetes. Porém, conforme o órgão, não houve comprovação de eficácia para essas finalidades.

Em comunicado de 7 de agosto, a Anvisa informa que novas indicações de uso da ozonioterapia poderão ser aprovadas. Para tanto, são necessárias novas submissões de pedidos de regularização de equipamentos emissores de ozônio pelas empresas interessadas, com apresentação dos estudos necessários à comprovação de sua eficácia e segurança.

Projeto de Lei foi apresentado por senador em 2017

O projeto (PL 227/17) que deu origem à lei foi apresentado pelo então senador Valdir Raupp em 2017. O texto original, que foi modificado, previa autorização para a prescrição da ozonioterapia como tratamento médico de caráter complementar. Dentre as justificativas, o senador destacou a aplicação da ozonioterapia como prática reconhecida pelo sistema de saúde de países como Alemanha, China, Rússia, Cuba, Portugal, Espanha, Grécia, Turquia e em 32 estados dos Estados Unidos. E que a técnica pode ser usada no tratamento de patologias de origem inflamatória, infecciosa e isquêmica.

O PL seguiu para a Câmara em novembro de 2017, onde recebeu a numeração PL 9001/2017 e foi modificado. Na redação final, foi retirada a prescrição da ozonioterapia como tratamento médico. O texto não foi para o plenário da casa legislativa por ser de caráter conclusivo. Esse tipo de projeto só precisa ser aprovado pelas duas comissões designadas para análise. O projeto deixa de ter essa característica caso as comissões dêem pareceres divergentes sobre o assunto (uma aprovar e a outra reprovar) ou se 52 deputados (10% da Câmara) assinarem um recurso contra esse rito após a aprovação nas comissões – o que não aconteceu.

Com a aprovação pelas comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição e Justiça e de Cidadania, o texto final, que seguiu de volta para revisão no Senado em maio de 2023, foi o mesmo remetido ao Palácio do Planalto e sancionado pelo presidente Lula em agosto deste ano.

O que é a ozonioterapia?

De acordo com o Conselho Federal de Medicina, a ozonioterapia é um procedimento terapêutico que aplica uma mistura de dois gases nos pacientes: o oxigênio e o ozônio. A aplicação pode ser feita de diferentes formas, como endovenosa, retal, intra-articular, local e intramuscular.

Na nota técnica da Anvisa de junho de 2022, a agência explica que o ozônio é um “gás com forte poder oxidante e bactericida”. Por conta disso, seu uso deverá ser destinado apenas para fins odontológicos e estéticos, com o objetivo de tratar inflamações e infecções nessas áreas, além de limpeza de pele. Em outras aplicações, esse gás costuma ser utilizado para desinfecção de ambientes hospitalares e no tratamento de água.

Em 20 de abril de 2018, o CFM publicou uma resolução que torna a ozonioterapia um procedimento de caráter experimental. Com isso, os tratamentos médicos só poderão utilizar essa abordagem se forem voltados para estudos, e desde que sigam critérios definidos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Dentre as regras, está a concordância dos participantes com as condições da pesquisa, a garantia de sigilo e anonimato, a oferta de suporte médico-hospitalar em caso de efeitos adversos e a não cobrança do tratamento em qualquer uma de suas etapas.

O conselho também pontuou que, a pedido da Associação Brasileira de Ozonioterapia, avaliou até aquele momento mais de 26 mil trabalhos sobre o assunto. A conclusão, no entanto, foi de que o uso medicinal dessa prática ainda precisa de mais estudos, “com metodologia adequada e comparação da ozonioterapia a procedimentos placebos, assim como estudos comprovando as diversas doses e meios de aplicação de ozônio”, conforme consta no site do CFM.

Ozonioterapia foi incorporada ao SUS como prática complementar em odontologia em 2018

Em 2018, o Ministério da Saúde incluiu a ozonioterapia no rol de Práticas Integrativas e Complementares (Pics) do SUS. Em resposta ao Comprova, a pasta informou, por telefone, que a inclusão se referia somente às práticas odontológicas que, à época, já haviam sido autorizadas pela Anvisa.

Em 2015, a Resolução CFO-166 do Conselho Federal de Odontologia reconheceu e regulamentou o uso pelo cirurgião-dentista da prática da ozonioterapia. No anexo da Resolução, o CFO elenca as áreas de aplicação da técnica em odontologia. Estão listadas as quatro com equipamentos de aplicação de ozônio já aprovados pela Anvisa (listada acima), acrescidas de outras duas ainda sem aprovação pela agência:

– Dor e disfunção de ATM: atividade antiálgica e antiinflamatória;

– Necroses dos maxilares: osteomielite, osteorradionecrose e necroses induzidas por medicamentos.

Em 2020, no Parecer Normativo nº 001/2020/COFEN, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) regulamentou a ozonioterapia como prática do enfermeiro. Em um trecho, o parecer determina que a técnica “somente seja aplicada através de equipamento de produção de ozônio medicinal devidamente certificado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.

Determinação semelhante tem a Resolução nº 685, de 30 de janeiro de 2020, do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que regulamenta a atribuição do farmacêutico na prática de ozonioterapia. No artigo 4º, em que são descritas as atribuições do profissional na prática da ozonioterapia, lê-se no inciso IX: “Utilizar equipamentos e materiais apropriados, devidamente registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.

Relação com a pandemia

Após a Organização Mundial de Saúde (OMS) caracterizar o estado de contaminação pelo coronavírus como uma pandemia, o uso da ozonioterapia como tratamento complementar para a doença passou a ser discutido no Congresso Nacional. Em abril de 2020, mês seguinte ao anúncio da OMS, a deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF) apresentou o Projeto de Lei 1.383, que permitia a prática como um tratamento complementar aos infectados pelo SARS-CoV-2.

De acordo com a autora da proposta, apesar de não existirem evidências científicas de que a ozonioterapia teria efetividade na prevenção ou tratamento da covid-19, seria uma forma de possibilitar que “a comunidade médica utilize o tratamento quando julgar necessário”.

Em julho do mesmo ano, o texto do PL foi alvo de debate pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados sobre o tratamento da doença. Os defensores argumentaram que a prática poderia evitar o agravamento do quadro do paciente e reduzir o tempo de internação. Já aqueles que discordavam pontuaram a falta de evidências científicas sobre a eficácia do procedimento, manifestando a necessidade de estudos experimentais para a aplicação.

Em agosto, o prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni (MDB), anunciou em uma transmissão ao vivo que a cidade iria adotar a aplicação de ozônio por via retal como uma medida de tratamento contra a covid-19 em pacientes com confirmação de infecção pelo vírus e com sintomas. O município estaria incluído em um estudo da Associação Brasileira de Ozonioterapia para avaliar a efetividade do procedimento contra a doença. O projeto chegou a ser adiado, mas posteriormente retornou e, até janeiro de 2021, tinha atendido 81 voluntários na rede pública da cidade. No site da Aboz, no entanto, não há informações ou dados sobre a eficácia do tratamento, prometida para abril de 2021.

À época, o Comprova fez uma verificação sobre a declaração feita por Morastoni e concluiu que não existiam evidências científicas que comprovassem a relação entre a ozonioterapia e o tratamento da covid-19.

A Anvisa concluiu, em outubro de 2020, que a ação desinfetante do ozônio não tem efetividade contra o SARS-CoV-2. A agência também ressaltou o caráter perigoso da ação do gás em humanos, podendo gerar lesões na pele, nas vias respiratórias e nos olhos, além de reações alérgicas.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas em discussão nas redes sociais e que são alvos de desinformação. Durante a pandemia da covid-19, conteúdos falsos defendendo a ozonioterapia como forma de tratamento para a doença foram explorados politicamente e disseminados no ambiente digital, gerando dúvidas sobre o procedimento. Assim, a apresentação das práticas em que o uso da ozonioterapia tem comprovação científica e é permitido pelas autoridades sanitárias busca levar compreensão sobre o tema à população em um contexto de desordem informacional.

Outras checagens sobre o tema: Durante a pandemia de covid-19, o Fato ou Fake, do G1, também investigou a prática da ozonioterapia no tratamento da doença e apresentou que não há evidências científicas de que a aplicação do ozônio mate o vírus.

Conteúdos sobre tratamentos e procedimentos médicos costumam ser alvos de desinformação e são verificados pelo Comprova. Recentemente, a iniciativa verificou que a OMS não admitiu que bebês de mães vacinadas estão nascendo com problemas no coração, que as vacinas não têm vírus e fungos ‘do câncer’ e que o Ministério da Saúde não proibiu vacinas contra a covid-19.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-08-09

Entenda as variantes que podem reduzir o valor do Bolsa Família

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Comprova Explica
O Programa Bolsa Família do governo federal costuma ser alvo de desinformação e, recentemente, um vídeo dizendo que o repasse de R$ 600 seria uma “mentira do presidente Lula” viralizou. Diferentemente do que sugere a postagem, o programa permanece com o valor mínimo de R$ 600. Ocorre que ele possui condicionantes que podem aumentar ou diminuir o valor do benefício, a exemplo do empréstimo consignado, algo que acarreta no débito automático da dívida, valor que pode chegar a 50% do repasse mensal. Além disso, as famílias que tiveram um aumento na renda per capita estabelecida para participar do Bolsa Família (R$ 218), mas ainda não têm renda por pessoa superior a R$ 660, entram na regra de proteção do programa, que prevê a permanência da assistência, mas com metade do valor, fixado em R$ 300.

Conteúdo analisado: Em um vídeo publicado no Kwai, uma mulher diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu R$ 600 de Bolsa Família durante a campanha presidencial e afirma que “não é isso o que está acontecendo”. Segundo ela, que fez a gravação em frente a uma lotérica, isso teria gerado a revolta de pessoas que foram sacar o benefício e só receberam metade do valor prometido.

Comprova Explica: O Programa Bolsa Família é recorrentemente alvo de peças de desinformação nas redes sociais. Muitas delas afirmam que o governo federal cortou beneficiários aleatoriamente ou reduziu o valor de maneira deliberada.

O Bolsa Família permanece com o valor inicial de R$ 600, ao contrário do que sugerem algumas postagens virais. No entanto, o programa possui condicionantes, que podem aumentar ou diminuir o valor do benefício. Assim, para sanar dúvidas sobre o assunto, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre os critérios do programa.

Como verificamos: Primeiramente, foi necessário identificar onde a gravação foi realizada. O vídeo fornece elementos que ajudam a identificar o local, como a filmagem da frente da lotérica e outros estabelecimentos ao redor. Assim, com uma busca no Google, o Comprova encontrou alguns resultados e pôde confirmar o local por meio de uma consulta no Street View. A lotérica fica em Fortaleza, capital do Ceará.

A captura de tela do vídeo analisado (à esquerda) permite identificar alguns elementos do local, como o número do estabelecimento

Por meio do Street View (à direita), recurso do Google Maps que oferece vistas panorâmicas, o local da gravação foi encontrado

Para encontrar informações sobre as regras do Bolsa Família, o Comprova pesquisou no Google pelos termos “bolsa família 2023” e “redução do bolsa família”, que resultou em explicações sobre os conceitos de “empréstimo consignado” e “regras de proteção”, os quais podem fazer com que o dinheiro recebido ao mês seja reduzido.

Por fim, o Comprova entrou em contato com a autora do vídeo pelo chat do Instagram e do Facebook, mas não houve retorno até o fechamento deste material.

Bolsa Família

O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado em outubro de 2003, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e tem como objetivo a transferência direta de renda para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza em todo o país. Segundo o governo federal, em junho de 2023, o programa apoiou cerca de 18,5 milhões de famílias na pobreza absoluta.

Em 2021, no governo de Jair Bolsonaro (PL), o programa foi extinto e substituído pelo Auxílio Brasil. Entretanto, neste ano, na terceira gestão Lula, voltou a ser chamado de Bolsa Família.

Conforme informações disponíveis no site do governo federal, a nova estrutura do Bolsa Família prevê R$ 600 para cada família. A reestruturação do programa conta, ainda, com os seguintes benefícios adicionais:

  • benefício Primeira Infância (0 a 6 anos): R$ 150 por criança;
  • benefício Variável Familiar: R$ 50 para gestantes, crianças e adolescentes (7 a 18 anos).

Para receber o suporte financeiro mensalmente, os beneficiários assumem compromissos relacionados à saúde e à educação. A principal regra do governo para conceder o benefício em 2023 prevê que “a família tenha renda mensal de até R$ 218 por pessoa”. Os demais critérios que os beneficiários devem atender são:

  • acompanhamento pré-natal;
  • acompanhamento do calendário de vacinação;
  • acompanhamento do estado nutricional das crianças menores de 7 anos;
  • para as crianças de 4 a 5 anos, frequência escolar mínima de 60%;
  • para os beneficiários de 6 a 18 anos incompletos que não tenham concluído a educação básica, frequência escolar mínima de 75%;
  • ao matricular a criança na escola e ao vaciná-la no posto de saúde, é preciso informar que a família é beneficiária do Bolsa Família.

Regra de Proteção

Em nota, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) disse que não há como afirmar o que ocorreu com os beneficiários que aparecem na gravação analisada, uma vez que, para consultar a situação de cada um, é preciso dados como nome completo, Número de Identificação Social (NIS) e CPF. No entanto, a pasta afirmou que a Regra de Proteção pode ser uma das possibilidades que explicam o ocorrido.

Como já informado, para receber o Bolsa Família, cada integrante da família deve receber menos de R$ 218 por mês. Desde junho, no entanto, o governo começou a aplicar a Regra de Proteção, estabelecida pelo artigo 6º da Lei 14.601/23. A nova regra é válida para famílias que superaram o limite per capita de entrada no Bolsa Família (R$ 218), mas ainda permanecem com a renda abaixo de meio salário-mínimo (R$ 660). Assim, conforme as regras do programa, essas pessoas receberão metade do auxílio (R$ 300).

“A inclusão dessas famílias na Regra de Proteção se deu, principalmente, em razão da medida de integração da base do Cadastro Único para Programas Sociais com a base do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), que concentra registros administrativos referentes à renda, vínculos de emprego formal e benefícios previdenciários e assistenciais pagos pelo INSS”, explicou o MDS, em nota enviada ao Comprova.

De acordo com a pasta, esse cruzamento qualifica a base de dados que é utilizada para selecionar famílias e gerenciar os benefícios após a entrada no programa. Segundo o governo federal, a nova regra é “um reflexo das novas informações de renda das famílias beneficiárias, que tiveram melhora da sua condição financeira”.

Ao Comprova, o ministério informou que mais de 1,48 milhão de famílias foram incluídas na Regra de Proteção no mês de julho – o que afetou o valor médio do benefício. A pasta atesta que as famílias que não estão inclusas na nova regra continuam recebendo o valor de R$ 600.

Empréstimo consignado

Procurada pelo Comprova, a Fortuna Loterias, onde o vídeo viral foi gravado, disse que não houve revolta entre os clientes e que o pagamento foi realizado normalmente. Os valores reduzidos, de acordo com o estabelecimento, ocorreram em razão de descontos de empréstimo.

Em setembro de 2022, o governo federal autorizou o empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil. Nesse tipo de empréstimo, ficou especificado que as parcelas futuras seriam descontadas diretamente do valor do benefício. Em janeiro deste ano, contudo, a linha de crédito consignada foi suspensa para definição de novas regras.

Embora o governo já tenha divulgado as mudanças, a Caixa Econômica ainda não restabeleceu a disponibilidade de novos empréstimos. Os contratos já realizados, no entanto, seguem válidos e as prestações são descontadas mensalmente do benefício. As regras do empréstimo consignado também especificavam que, mesmo que a família deixasse de receber o auxílio, ela deveria arcar com os custos de débito do empréstimo realizado.

Este é mais um dos motivos que podem afetar o valor do benefício repassado a cada família beneficiária do Bolsa Família em 2023, reduzindo-o em até a metade do valor, sem considerar os juros, que podem ser de até 3,5% ao mês.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. Falar sobre as regras do Bolsa Família, bem como sobre as variantes que podem acarretar na redução do valor repassado mensalmente às famílias, é importante diante dos casos de desinformação em torno do tema. Como informado, os casos especificados neste material, em que há redução do benefício, são previstos pelas regras do programa.

Outras checagens sobre o tema: Peças de desinformação associadas ao governo Lula e ao Bolsa Família são frequentemente checadas pelo Comprova, como vídeo que mente ao afirmar que mães chefes de família teriam sido proibidas de receber Bolsa Família.

 

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Investigado por: 2023-08-09

Entenda o caso de Maria da Penha, que originou lei de proteção a mulheres vítimas de violência no Brasil

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Maria da Penha foi vítima de uma tentativa de homicídio enquanto dormia, em maio de 1983, na cidade de Fortaleza (CE). Na época, o marido dela, Marco Antonio Heredia Viveros, que viria a ser condenado pelo crime, contou à polícia que ele e a esposa tinham sofrido um assalto na própria casa. A versão, contudo, caiu por terra ao longo da investigação, sendo rejeitada duas vezes pelo Tribunal do Júri.

Conteúdo analisado: Vídeos publicados nas redes sociais e no YouTube afirmam que Maria da Penha ficou paraplégica depois de ser baleada por criminosos durante um assalto em sua casa, em 1983, e não pelo então marido Marco Antonio Heredia Viveros. As publicações alegam que a Lei Maria da Penha foi fundamentada em cima de uma mentira, uma vez que Viveros teria sido incriminado pela esposa por ciúmes, após ela descobrir uma traição.

Comprova Explica: Em 2022, 18,6 milhões de mulheres brasileiras sofreram algum tipo de agressão, segundo dados divulgados este ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública – destas, 50.962 foram agredidas diariamente. Na maioria dos casos, os agressores foram ex-companheiros (31,3%) ou o parceiro atual (26,7%). Desde 7 de agosto de 2006, as mulheres no Brasil contam com uma lei de proteção contra a violência doméstica, a Lei Maria da Penha. Este ano, a lei completou 17 anos, e dúvidas sobre o caso que deu origem ao dispositivo legal voltaram a movimentar a internet.

Nas redes sociais, vídeos que somam mais de 700 mil visualizações afirmam que a Lei Maria da Penha foi fruto de uma farsa, já que a farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica após ser baleada pelo marido nas costas enquanto dormia em 1983, teria sido, segundo as versões falsas, alvo de assaltantes. O marido, o colombiano naturalizado brasileiro Marco Antonio Heredia Viveros, teria sido incriminado por ela por ciúmes, após descobrir uma traição.

Essa é, na verdade, a versão de Viveros. Os vídeos recentes não trazem nenhum elemento novo ao caso – apenas reciclam o que ele disse à polícia e à Justiça e que não foi aceito pelos tribunais do júri aos quais ele foi submetido nos dois julgamentos que o condenaram por tentativa de homicídio qualificado, em 1991 e em 1996. E não é a primeira vez que ela viraliza na web. Em junho de 2022, a partir de um trecho do programa +1Podcast, da Jovem Pan News, começaram a ganhar força nas redes sociais conteúdos com a falsa alegação de que Maria da Penha tinha sido baleada por assaltantes, e não pelo marido.

Diversas agências de checagem e veículos de comunicação já produziram materiais desmentindo essa tese: Aos Fatos, Fato ou Fake, Estadão, UOL. Na época, o Instituto Maria da Penha (IMP) divulgou uma nota repudiando a divulgação de informações falsas a respeito do caso de violência doméstica.

Superintendente e cofundadora do IMP, Conceição de Maria disse ao Comprova que, mais do que responsabilizar agressores, a Lei Maria da Penha “viabilizou um verdadeiro programa para o Estado brasileiro enfrentar e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres”. Segundo ela, as redes sociais são aliadas, mas infelizmente podem ser usadas “na contramão de boas causas, levando desinformação e deslegitimando o que de melhor conseguimos”.

Conceição declarou que “a violência doméstica e familiar tende a aumentar com a disseminação de discursos de ódio na internet” e acrescentou que “relativizar a violência é uma conduta frequentemente identificada em grupos que atuam tentando fragilizar e deslegitimar a luta das mulheres, o que deve ser combatido tanto pelas instituições quanto pela imprensa e toda a sociedade”.

Em nota, o Ministério Público do Ceará (MPCE) disse que a tese de que Maria da Penha ficou paraplégica após ser atingida por um tiro durante um assalto, e não como decorrência de agressão por tentativa de homicídio perpetrada pelo marido, foi uma estratégia da defesa de Viveros e foi rechaçada. “O processo ocorreu com toda a possibilidade de contraditório e ampla defesa, de ambas as partes. Mediante análise das provas, a Justiça determinou que o ex-marido de Maria da Penha cometeu dupla tentativa de homicídio contra a vítima”, diz a nota.

A defesa de Viveros foi procurada, mas não respondeu até a publicação deste texto.

Diante de tanta desinformação, a seção Comprova Explica decidiu trazer detalhes sobre o caso.

Como verificamos: Para explicar o caso, o Comprova solicitou à 1ª Vara do Júri de Fortaleza a íntegra dos autos do processo. São mais de 1,7 mil páginas, que incluem o inquérito policial, os laudos periciais, depoimentos de testemunhas, denúncia do Ministério Público, toda a fase de instrução do processo, as audiências e dois julgamentos pelo Tribunal do Júri (júri popular), além dos recursos da defesa e mandado de prisão.

Também foi acionado o MPCE, para saber se havia novidades em relação a versões sobre o caso, o Instituto Maria da Penha e o atual advogado de Viveros.

O que foi o caso de Maria da Penha?

Maria da Penha Maia Fernandes nasceu em Fortaleza, em 1º de fevereiro de 1945. Ela é farmacêutica bioquímica, autora do livro “Sobrevivi…posso contar” (1994) e fundadora do Instituto Maria da Penha.

Em 1974, quando cursava o mestrado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Maria da Penha conheceu o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros. À época, Viveros fazia pós-graduação em Economia na mesma instituição.

Eles começaram a namorar e, dois anos depois, em 1976, casaram-se. Após o nascimento da primeira filha e da conclusão do mestrado de Maria da Penha, os dois se mudaram para Fortaleza, onde nasceram as outras duas filhas do casal.

As agressões de Viveros contra a esposa, segundo o site do IMP, começaram quando o colombiano obteve a cidadania brasileira e se estabilizou profissional e economicamente no Brasil. “Agia sempre com intolerância, exaltava-se com facilidade e tinha comportamentos explosivos não só com a esposa, mas também com as próprias filhas”, diz a publicação.

Em maio de 1983, aos 38 anos, Maria da Penha foi vítima de uma tentativa de homicídio (à época, o feminicídio ainda não tinha sido tipificado) por parte de Viveros. Enquanto dormia, foi baleada com um tiro nas costas, que a deixou paraplégica devido a lesões irreversíveis na terceira e quarta vértebras torácicas, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula esquerda.

A denúncia do MPCE, que resultou na condenação de Viveros pelo crime, também aponta que ele tentou eletrocutá-la durante o banho meses depois do tiro, quando ela havia retornado para casa após quatro meses internada, em tratamento médico.

O homem declarou à polícia que o que aconteceu no primeiro caso foi uma tentativa de assalto, versão que não se sustenta a partir de depoimentos de vizinhos e das empregadas domésticas que trabalhavam na casa da família. Mesmo assim, a tese voltou a ser difundida recentemente.

A pedidos de jornalistas do Projeto Comprova, a 1ª Vara do Júri de Fortaleza, onde o crime foi julgado, concedeu acesso à íntegra dos autos do processo criminal a respeito da tentativa de homicídio que deixou Maria da Penha paraplégica. Com base no processo, o Comprova explica o que aconteceu desde o início da manhã de 29 de maio de 1983 até o fim de julho de 2023, quando a defesa de Viveros pediu que o caso fosse desarquivado.

O que aconteceu no início da manhã de 29 de maio de 1983?

Maria da Penha, então com 38 anos, foi baleada com um tiro de espingarda enquanto dormia em sua casa, na Rua Fausto Cabral, nº 116, no bairro Papicu, em Fortaleza. Na casa, além dela, viviam Viveros, então com 36 anos, as três filhas do casal – Viviane, 6 anos; Claudia Fernanda, 4; e Fabíola, 2. Também dormiam no imóvel duas empregadas domésticas, Francisca Olindina Salvador de Abreu e Rita Teles Sousa, em um quarto separado da casa por um portão de ferro, próximo à área de serviço. Além de Maria da Penha, Viveros foi baleado no ombro direito, o que foi atestado pelo exame de corpo de delito feito no dia 6 de junho de 1983, uma semana após o caso, e assinado pelos peritos médicos Marco Fábio Mota Soares e Manoel Paulo da Ponte Neto, do Instituto Médico Legal do Ceará (leia mais abaixo sobre a perícia).

Qual era a tese inicial da polícia?

A primeira tese investigada pela Polícia Civil do Ceará foi a mesma apresentada por Viveros, de que a casa da família tinha sido alvo de um arrombamento. Inicialmente, o delegado à época responsável pela Delegacia de Furtos e Roubos de Fortaleza, José Nival Freire da Silva, tratou tanto ele quanto Maria da Penha como vítimas de um assalto.

O delegado chegou a determinar, no dia seguinte ao crime, que, a partir daquela data, todos os suspeitos ou presos em flagrante por roubo encaminhados àquela delegacia fossem investigados acerca do “assalto à mão armada” na casa de número 116 na Rua Fausto Cabral, onde vivia o casal.

| Fotografia feita e anexada ao processo em 1996 mostra fachada da casa onde viviam Maria da Penha e Marco Antonio.

| Rua Fausto Cabral, bairro Papicu, em Fortaleza, onde aconteceu o crime. Foto feita e anexada ao processo em 1996.

O que Viveros disse em depoimento?

Viveros manteve versões bem parecidas da história em depoimentos à Polícia Civil e à Justiça, embora, no segundo depoimento à polícia, tenha ficado em dúvida sobre o número de tiros disparados. No primeiro, prestado ao delegado José Nival em 7 de junho de 1983, ele disse que, naquela madrugada, por volta das 5h15, estava dormindo em seu quarto junto com sua esposa quando “despertou por ouvir seu cachorro latir, tendo se levantado, ocasião em que ouviu também alguns ruídos no teto da casa”.

Ele acrescentou que esses barulhos eram normais, provocados por gatos, mas que “neste dia, após ouvir estes ruídos, parou um pouco e ficou prestando atenção o que seria aquele barulho”. Viveros então disse que resolveu levantar e pegar um revólver e uma lanterna que estavam perto de sua cama. De lá, foi aos quartos das filhas, onde ligou a lanterna e constatou que tudo estava normal. O próximo passo foi ir até a cozinha e a lavanderia para verificar se havia alguém na casa. Foi quando, segundo ele, a cachorra latiu novamente e ele percebeu uma sombra em uma abertura no teto que dava acesso ao forro da casa.

Viveros afirmou que apontou o revólver para a abertura do teto usando as duas mãos e que, neste momento, ouviu um disparo vindo do interior da casa – seria, em sua versão, o tiro que atingiu a esposa. Também afirmou que, “no momento preciso em que ia disparar a arma em direção ao citado buraco foi agredido de surpresa, pelas costas, sentindo que alguém colocara uma corda em seu pescoço”. À proporção em que essa pessoa apertava seu pescoço, ela tentava lhe tomar a arma com a outra mão e lhe dava porradas com o braço e com o joelho, jogando-o contra a parede.

| Trecho de depoimento de Marco Antonio Heredia Viveros à polícia em 7 de junho de 1983, retirado de autos do processo, cujo acesso foi autorizado pela 1ª Vara do Júri de Fortaleza.

Ainda conforme o relato de Marco Antonio, neste momento, um segundo assaltante tentou lhe tomar a arma, enquanto ele chutava e continuava tentando se livrar do outro oponente, sem conseguir atirar contra o homem caído por conta da posição em que estava durante a luta.

A ata do depoimento descreve o momento em que ele foi atingido: “A luta continuou, tendo o depoente, de repente, sentido que o segundo agressor tomava a arma de sua mão e apontava para sí (depoente), ocasião em que o depoente, de imediato, pegou na mão do segundo agressor, desviando a arma, momento em que ele disparou e atingiu depoente na altura do ombro direito”.

Ele contou à polícia que, após o tiro, ouviu a voz de uma mulher dentro da casa gritar: “Negão, vamos embora”. Os assaltantes, segundo Viveros, fugiram após ele ser baleado e perder os sentidos, levando 375 mil cruzeiros em espécie (aproximadamente R$ 136, em valores atuais) e seu revólver. Ele afirmou que só foi se recordar de alguma coisa no dia seguinte, no Hospital Geral de Fortaleza – embora tenha sido levado para outra unidade, o Instituto José Frota.

Viveros acrescentou que soube por intermédio das empregadas da casa e dos vizinhos que os assaltantes fugiram pela porta principal e pelo portão da garagem, já que os dois acessos foram encontrados abertos pelas trabalhadoras quando elas foram gritar por socorro. Por fim, contou que só soube que Maria da Penha tinha sido baleada no dia 1º de junho, pela equipe médica, e que a polícia contou apenas no quinto dia após o crime que ela tinha sido atingida por um tiro de escopeta (espingarda). Disse ainda que não sabia se ela tinha sido atingida na cama ou andando pela casa, já que ficou inconsciente após levar um tiro no ombro.

O que disse a perícia?

Uma equipe de perícia esteve no local do crime no dia 30 de maio de 1983, ocasião em que ainda se trabalhava com a tese de assalto. No entendimento dos peritos, os assaltantes teriam entrado na garagem da casa escalando um muro; usado, possivelmente, uma chave de fenda para arrombar o porta-malas do carro estacionado; retirado de dentro do veículo um macaco mecânico, do tipo sanfona; e, finalmente, posicionado a ferramenta entre as pérgolas do jardim de inverno, forçando-as na abertura, para conseguir acessar o interior da casa.

Os peritos atestaram que a porta principal da casa tinha características de arrombamento, bem como sinais de luta corporal na sala e no escritório. “No quarto do casal verificou-se sobre o colchão da cama mancha avermelhada que ficou evidenciado ser sangue, além de se constatar sinais de luta na referida dependência”, dizem os autos.

No terreno baldio ao lado da casa, os peritos encontraram um cartucho intacto, calibre 20, de fabricação nacional da C.B.C Cruzeiro e uma luva de tecido de algodão com manchas de óleo diesel, na cor bege clara.

O exame da arma de fogo usada no crime, uma espingarda, foi realizado em 9 de fevereiro de 1991 pelo diretor Francisco Antonio Mendonça Barbosa e pelos peritos Francisco de Assis Oliveira Filho e Ranvier Feitosa Aragão, no Instituto de Criminalística da Secretaria de Segurança Pública, em Fortaleza (CE). Até a conclusão do inquérito, em julho de 1984, a espingarda não havia sido apreendida pela polícia, e os autos do processo não deixam claro quando ou como a arma foi localizada.

Aos peritos, foi apresentada uma arma de fogo classificada como espingarda de pressão de calibre 4,5mm, modelo LL 300, número de série 90740, acabamento oxidado, com empunhadura e coronha de madeira, massa de mira fixa, capacidade para um só tiro, cano raiado com orientação dextrogira (que se volta para a direita). O estado de funcionamento da arma era bom e ela estava apta para realização de disparo.

Entre as observações feitas pelos peritos estava a de que seria impossível ao ser humano “distinguir os calibres nominais das armas (revólver calibre 38 e espingarda calibre 20) pelas intensidades dos sons característicos de suas cargas de propulsão, em qualquer circunstância”. Ou seja, os sons poderiam ser ouvidos, mas não distinguidos em seus calibres. Eles também não conseguiram precisar de que distância o tiro foi disparado.

Por fim, há os exames de corpo de delito feitos em Viveros e Maria da Penha. O dele foi feito no dia 6 de junho, e os peritos médicos Marco Fábio Mota Soares e Manoel Paulo da Ponte Neto confirmaram ferimento por arma de fogo na região do ombro direito. Eles apontaram que o tiro provocou “ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente”, mas negaram que o ferimento tivesse resultado em incapacidade para as ocupações habituais, em perigo de vida ou em debilidade, incapacidade ou deformidade permanente.

| Maria da Penha disse à polícia ter encontrado documentos pessoais seus em pasta no escritório do marido.

Não foi o mesmo para Maria da Penha. O primeiro exame de corpo de delito nela foi feito também em 6 de junho de 1983 pelas peritas médicas Alzira Guerra Saldanha e Maria Solange Nobre Sampaio, ainda no Hospital Geral de Fortaleza. Elas apontaram que a paciente tinha sido atingida com um tiro na região dorsal, que se encontrava paraplégica e se queixava de dores na região torácica. Confirmaram que o tiro provocou “ofensa à integridade corporal ou à saúde da paciente”, que havia resultado em incapacidade para as atividades habituais por mais de 30 dias, em perigo de vida e em debilidade permanente.

Sobre o tiro ter causado “incapacidade permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável ou deformidade permanente”, disseram que era necessário aguardar um novo exame após a conclusão do tratamento, o que acabou confirmado pelo exame de sanidade feito em 10 de fevereiro de 1984 pelos peritos médicos Almir Gomes de Castro e Múcio Roberto Alves Pereira: eles constataram que Maria da Penha teria “paralisia irreversível de membros inferiores”.

O que Maria da Penha disse em seus depoimentos?

Após ser baleada nas costas enquanto dormia, Maria da Penha ficou internada por cerca de dois meses no Hospital Geral de Fortaleza e, depois, viajou a Brasília (DF), onde se submeteu a um tratamento até meados de outubro de 1983, de acordo com os autos do processo. Só em janeiro de 1984 é que ela foi ouvida pelo delegado responsável pelo inquérito, José Nival, da Furtos e Roubos.

No depoimento prestado no dia 10, ela disse que acordou por volta das 6h do dia 29 de maio de 1983 com um barulho de um tiro e que, primeiro, não percebeu que tinha sido atingida, mas que “passou a perder as forças e notou que alguma coisa parecida com sangue borbulhava em suas costas”. Em seguida, ela ouviu barulhos na casa, como se fosse uma luta corporal, e ouviu uma das filhas chorar. O barulho de um segundo disparo de arma de fogo foi percebido na sequência.

| Trecho do depoimento de Maria da Penha à polícia em 10 de janeiro de 1984.

Ela, então, chamou por Rita, uma das empregadas, e pediu a ela que ligasse para duas amigas, já que não queria assustar a mãe, mas soube, em seguida, que a linha telefônica estava cortada. Pediu, então, que a moça telefonasse da casa de um vizinho. Quem chegou primeiro para prestar socorro foi um casal de médicos que morava na rua, que a examinou e disse que o caso era muito grave.

Maria da Penha relatou à polícia que ficou sabendo no hospital que tinha sido atingida por um tiro de espingarda. Acrescentou que soube por uma das empregadas da casa que o marido tinha uma arma como aquela e que, 30 dias após o crime, a funcionária havia conferido se a arma estava no guarda-roupa em que ficava guardada, mas não estava.

No depoimento, ela afirmou que era casada com Viveros há cinco anos e que os dois tiveram três filhas, mas que “seu esposo toda vida foi uma pessoa muito grosseira e agressiva com todos de casa; que devido aos maus-tratos sofridos por parte de seu esposo a declarante diz que já estava resolvida a se separar dele” e que “no dia em que saiu de casa para morar com a mãe (após o crime), descobriu que o seu marido tinha uma amante chamada Auxiliadora, moradora de Natal (RN), com quem trocava cartas”.

| Trecho do depoimento de Maria da Penha à polícia em 10 de janeiro de 1984.

Por fim, ela disse ter estranhado que os assaltantes não tivessem roubado suas joias, que estavam expostas, nem usado o carro do marido na fuga, e disse não entender por que tinha sido baleada dormindo, já que não oferecia qualquer obstáculo à ação dos supostos criminosos.

Em que momento Viveros passou de vítima a suspeito do crime?

Entre janeiro e fevereiro de 1984, o delegado José Nival Freire da Silva ouviu as duas empregadas da casa: primeiro, Francisca, e depois Rita. As duas dormiam em um quarto isolado, separado da casa por um portão de ferro, perto da área de serviço. Ambas acordaram com os gritos de socorro vindos de Viveros, mas nenhuma das duas ouviu os tiros.

Os depoimentos das trabalhadoras foram fundamentais para o avanço da investigação porque elas contaram à polícia sobre a rotina da casa e o comportamento grosseiro de Viveros, tanto com a esposa quanto com as empregadas e as próprias filhas. Disseram que ele costumava aplicar castigos físicos às meninas, que, frequentemente, precisavam ser tratadas com pomadas, dada a força dos golpes.

Também afirmaram categoricamente que Viveros possuía uma espingarda – arma que ele não havia mencionado à polícia e que, depois, negou ter, tanto em um segundo depoimento quanto em duas acareações. Ainda assim, elas mantiveram seus depoimentos. Francisca disse ter visto a espingarda dentro de um guarda-roupa cerca de 30 dias antes do crime:

| Em depoimento à polícia, a empregada doméstica Francisca Olindina disse ter visto espingarda dentro de guarda-roupa quando limpava pares de sapato.

No depoimento prestado ao delegado em fevereiro, Rita confirmou a existência da espingarda e disse ter observado a arma sendo limpa por Viveros:

| Também em depoimento à polícia, a empregada Rita disse ter visto Marco Antonio limando uma espingarda.

Rita confirmou que o patrão “tratava mal” a esposa, as filhas e as empregadas e, assim como Francisca, confirmou que, após o suposto arrombamento, as joias de Maria da Penha e de Viveros, assim como as chaves do carro dele, estavam em locais de fácil acesso. Algumas, inclusive, estavam sobre o mesmo móvel em que o dinheiro levado pelos supostos assaltantes se localizava.

Três dias após o depoimento de Rita, em 9 de fevereiro de 1984, o delegado José Nival Freire da Silva deu sinais de que desconfiava de Viveros: enviou um ofício ao Departamento de Polícia Federal pedindo informações sobre os antecedentes dele, inclusive em seu país de origem, a Colômbia.

O delegado justificou o pedido dizendo que “a pessoa supra qualificada foi vítima de suposto assalto à mão armada juntamente com sua esposa Maria da Penha Maia Fernandes Heredia, resultando ferimentos leves no mesmo, enquanto que sua mulher encontra-se atualmente paraplégica, existindo indícios de que a ação delituosa (assalto) tenha sido simples simulação”.

| Em documento endereçado à PF, delegado fala pela primeira vez nos autos na possibilidade de “simulação”.

A Polícia Federal respondeu ao titular da Delegacia de Furtos e Roubos que nada constava em desfavor de Viveros. Já a Polícia Civil investigava o paradeiro de um carro dele, um Passat (veja mais detalhes abaixo).

Em junho de 1984 foi quando as coisas mudaram de vez. Uma operação de busca e apreensão na casa de Viveros levou policiais a um revólver da marca Taurus, em nome do novo suspeito. Mais tarde, a Justiça apontaria esta arma como a mesma que Viveros disse ter sido levada no dia do crime pelos supostos assaltantes. Em 28 de junho, ele foi interrogado novamente; desta vez, não mais como vítima, mas como suspeito do crime.

Alguém testemunhou o tiro contra Maria da Penha?

Não. Ela estava dormindo no momento do disparo e não viu o atirador, assim como as filhas crianças e as duas empregadas domésticas, que acordaram com os gritos de socorro do então marido. No entanto, os depoimentos de vizinhos ajudaram a apontar incongruências na história relatada por Viveros. Ele disse que acreditava que os supostos assaltantes tinham fugido pela porta da frente da casa e pela garagem, e que não achava que a fuga teria ocorrido pelos fundos por causa da presença da cachorra da família.

No entanto, nenhum dos vizinhos que saiu à rua após ouvir os tiros testemunhou alguém fugindo, tampouco as empregadas da casa. O primeiro vizinho a aparecer foi o engenheiro agrônomo José Osvaldo Araújo, que ouviu um dos disparos e chamou a polícia. Apesar de Marco Antonio ter dito que ficou insconsciente, o vizinho disse tê-lo visto sair de casa e ir andando até a viatura da polícia que o levou ao hospital.

Outro que não aparece entre as testemunhas, mas é citado em muitos depoimentos e no relatório final do inquérito policial, é o vigia José Nilson da Silva. Ele trabalhava em uma casa em construção em frente à residência do casal e afirmou que não viu ninguém sair da casa de Maria da Penha após os tiros.

| Trecho do relatório final do inquérito policial.

Francisco Brasileiro Marques de Sousa é outra testemunha de acusação. Os fundos da casa dele dão para os fundos da casa do casal, e ele contou à polícia que estava acordado quando ouviu os dois tiros, com um intervalo de dois a três minutos entre eles. Ele também ouviu os gritos de socorro e colocou um banco ao lado do muro de sua casa para olhar para o outro lado, mas não viu ninguém fugindo. Também disse que, no terreno baldio ao lado do imóvel, não tinha onde se esconder.

No relatório final do inquérito, o delegado destaca que esse intervalo entre um tiro e outro mencionado por Francisco era “tempo suficiente para o indiciado fingir uma suposta luta e se autolesionar”.

Também vizinho, Helio Teixeira Maia não estava no local no momento dos tiros, mas ouviu do vigia José Nilson que ninguém tinha saído do imovel. Contou que, dias depois, os vizinhos decidiram fazer uma reunião para contratar vigilantes noturnos e que Viveros foi à reunião sem demonstrar trauma, o que causou estranheza.

A última testemunha de acusação, Angelita Barreto Fernandes, também não presenciou o fato, mas era vizinha da mãe de Maria da Penha e, a pedido de uma irmã, foi até o hospital. Sem saber que Maria havia sido atingida, encontrou com Viveros aguardando para fazer um raio-x, usando uma pulseira dourada que havia permanecido em seu braço mesmo após a luta corporal narrada por ele. Marco Antonio lhe perguntou pela esposa e, em seguida, disse que estava “banido”, sem explicar o que significava. Angelita disse ter ouvido de uma irmã de Maria da Penha que Viveros tinha coberto o rosto com um lençol já no hospital e dito que havia sido “muito burro”.

Nenhuma das testemunhas de defesa do então marido presenciou o crime. Todas ouviram falar do caso pelos jornais ou por ele mesmo. Falaram sobre uma campanha para arrecadar dinheiro para que ele fosse a Brasília, onde Maria da Penha estava sendo tratada, e comentaram sobre a relação normal dele com a família.

O que disse Maria da Penha no segundo depoimento à polícia?

No segundo depoimento, de 3 de julho de 1984, após a polícia informar sobre novas linhas de investigação, Maria da Penha disse que, ao perceber que foi atingida, “logo teve o pressentimento de que seu esposo seria o autor o disparo”, e que ouviu barulhos pela casa seguidos de outro disparo, mas que, de onde ela estava, não era possível dizer se a luta acontecia mesmo ou não.

Ela relatou que, um mês após voltar do tratamento médico em Brasília, ela entrou na Justiça com um pedido de separação de corpos – uma medida que antecede o divórcio – motivada pelos maus-tratos dele, que não permitia que ela se relacionasse com os familiares ou que recebesse visitas de vizinhos. Na partilha, Viveros ficou com um carro modelo Chevette, já que havia dito que seu veículo, um Passat, tinha sido perdido em uma batida – mais tarde, a polícia descobriu que o carro tinha sido vendido. Ela também relatou que ele maltratava as filhas, que tentou pressioná-la a fazer um seguro de vida em que ele seria o beneficiário e citou um caso envolvendo um chuveiro.

Segundo Maria da Penha, o marido instalou um chuveiro elétrico para que ela tomasse banho em casa, já de volta a Fortaleza após tratamento na capital federal, mas o chuveiro dava choques e ela o questionou sobre isso. Ele teria dito que era porque faltava um fio-terra, mas que colocaria depois. Ela contou que não usou mais o chuveiro temendo ser eletrocutada e que este temor vinha dos maus-tratos que sofria, o que fez com que ela acreditasse que os choques eram propositais.

No depoimento durante a fase de instrução do processo, ela repetiu a versão. Afirmou que acordou com o barulho de um estampido e uma sensação de queimadura nas costas e que, imediatamente, pensou que o tiro tivesse partido do marido. Acrescentou que ficou imóvel, temendo um segundo disparo. Depois, pensou se não seria mesmo um assalto e se ela não estaria fazendo mau juízo dele. Mais uma vez, confirmou que ele se queixava dos familiares que a visitavam.

Viveros tinha uma amante? Isso influenciou no caso?

Tinha. Em alguns vídeos publicados nas últimas semanas, youtubers e influenciadores apontam que Maria da Penha teria sido mesmo baleada por um assaltante e que, somente após descobrir que o marido tinha uma amante, é que decidiu acusá-lo de tentativa de assassinato. Mas não foi bem assim. Pelos autos do processo, fica claro que o delegado do caso disse à Polícia Federal que suspeitava de Viveros após os depoimentos de Maria da Penha, das duas empregadas da casa e do laudo de sanidade da vítima, que apontava paralisia irreversível.

A existência da amante é mencionada pelo delegado, mas não recebe o mesmo destaque que as contradições sobre a presença de assaltantes – que ninguém viu fugir –, sobre Viveros ter uma espingarda e sobre a gravidade das lesões de Maria da Penha, sobretudo em comparação com as dele.

| Trecho do relatório final do delegado José Nival.

Além disso, a farmacêutica disse mais de uma vez que, à época do crime, já não mantinha relações sexuais com o marido há cerca de seis meses e que, quando descobriu sobre a amante, depois do tratamento em Brasilia, já havia se decidido a deixar a casa onde morava com o marido.

O caso foi evidenciado após Maria da Penha encontrar cartas de uma mulher chamada Auxiliadora, endereçadas ao então marido, em uma pasta no escritório dele, junto com comprovantes de AR (aviso de recebimento) de correspondências dele para Auxiliadora. À polícia, ele confirmou que se correspondia com a mulher e que, inicialmente, ela não sabia que ele era casado, e que só passaram a se envolver mais intimamente após a separação.

O que disse a Justiça? Restou alguma dúvida?

No dia 6 de julho de 1984, o delegado José Nival Freire da Silva concluiu o inquérito policial, indiciando Viveros pelo crime de tentativa de homicídio qualificado contra Maria da Penha. O inquérito foi enviado ao Ministério Público do Ceará, que, por sua vez, denunciou ele à Justiça em 28 de setembro de 1984.

Antes da primeira decisão da Justiça, a defesa de Viveros alegou que a denúncia e o próprio inquérito tinham “cunho meramente indiciário, com presunções, ilações, conjecturas”, sem qualquer testemunha que atestasse que o crime tivesse sido cometido por ele. Também alegou que o relatório da polícia não levava em conta a perícia feita no local do crime e, por isso, pedia que a denúncia fosse julgada improcedente.

Não foi o que entendeu a então juíza titular da 1ª Vara do Júri de Fortaleza, Maria Odele de Paula Pessoa. No dia 31 de outubro de 1986, ela decidiu aceitar a denúncia do Ministério Público e expedir uma sentença de pronúncia, o que significa que vira elementos suficientes para que o réu fosse julgado pelo Tribunal do Júri.

Sobre a argumentação de que a denúncia era baseada em indícios, a juíza disse que, nesses casos, é preciso provar se os indícios estão em harmonia ou desacordo com as demais provas do processo. Em seguida, listou fatos apontados na denúncia e no inquérito, como o réu ser dono de uma espingarda, mesmo que não tenha admitido; nenhuma testemunha ter visto pessoas estranhas fugindo da casa; o réu não viver em harmonia com a esposa, ter um comportamento grosseiro e ter uma amante; e um revólver ter sido encontrado na casa do réu, mesmo ele tendo dito que sua arma tinha sido levada pelos assaltantes.

Para Maria Odele, Viveros não esclareceu completamente os fatos relacionados ao crime e que o apontavam como responsável pela tentativa de homicídio, de modo que ele não podia, apenas negando a autoria, convencer que era inocente:

| Na sentença de pronúncia, a juíza Maria Odele disse que os indícios de autoria do crime eram veementes.

A defesa recorreu da sentença de pronúncia apenas em 1987. O desembargador que julgou o recurso, Carlos Facundo, considerou que a defesa demorou a fazer o pedido e o negou, apontando que, naquele caso, havia “uma verdadeira demora e descaso em se dar prosseguimento ao andamento regular do processo”.

O julgamento finalmente ocorreu, em 4 de maio de 1991, quando os sete jurados que formaram o Conselho de Sentença precisaram responder às seguintes perguntas:

  1. O réu Marco Antonio Heredia Viveros, no dia 29 de maio de 1983, por volta das 5h, no interior do imóvel de nº 116 da Rua Fausto Cabral, bairro Papicu, Fortaleza, munido de instrumento perfuro-contundente, produziu em Maria da Penha Maia Fernandes a lesão descrita no auto de exame de corpo de delito?
  2. O réu, assim agindo, deu início à execução de crime de homicídio que não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade?
  3. O réu cometeu o crime por motivo torpe?
  4. O réu usou de recurso que tornou impossível a defesa da vítima, isto é, efetuando o disparo contra a mesma enquanto ela dormia?
  5. Há atenuantes em favor do réu?

O que os jurados decidiram:

Ao primeiro quesito: Sim, por seis votos.

Ao segundo quesito: Sim, por seis votos.

Ao terceiro quesito: Sim, por cinco votos.

Ao quarto quesito: Sim, por sete votos. (O quesito foi repetido por contradição com a resposta ao primeiro quesito, já que um dos jurados negou a autoria do fato imputado ao réu).

Ao quarto quesito: Sim, por seis votos.

Ao quinto quesito: Não, por quatro votos.

Ou seja, o Tribunal do Júri reconheceu que Viveros foi o autor do disparo efetuado contra a vítima; que o réu, assim agindo, deu início à execução de crime de homicídio contra a vítima, o qual não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade; e que o crime de tentativa de homicídio fora praticado por motivo torpe e com uso de recurso que tornou impossível a defesa da vítima (incisos I, IV do Art.121, § 28, do Código Penal).

Com base na decisão do júri, a juíza Maria Odele de Paula Pessoa estipulou uma pena de 15 anos de reclusão, que foi reduzida para 10 anos porque, de acordo com o parágrafo único do artigo 14 do Código Penal Brasileiro, a pena é diminuída de um a dois terços quando o crime é tentado, mas não consumado.

Por que ele demorou a ser preso?

No dia do julgamento de 1991, a defesa de Viveros pediu que ele aguardasse em liberdade pelo julgamento da apelação da sentença, o que foi concedido pela juíza. Por isso, apesar de condenado a 10 anos de prisão, ele saiu do Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, em liberdade.

Entre o recurso da defesa e um parecer do Tribunal de Justiça do Ceará foram mais quatro anos, incluindo a anulação do primeiro julgamento por falha na formulação das perguntas ao júri, até que a 2ª Câmara Criminal do TJCE decidiu por unanimidade, em abril de 1995, mandar que Marco Antonio fosse novamente julgado. Eles entenderam que não se podia negar que havia indícios de que o réu era o autor do crime e que esses indícios se aliavam às contradições dele próprio, ao fato de ter negado ter uma espingarda, aos depoimentos de vizinhos, que não viram ninguém fugindo, e ao fato de ele ter um péssimo relacionamento conjugal com a esposa, além de ter um caso extraconjugal.

O segundo Tribunal do Júri foi realizado em 14 de março de 1996. Desta vez, os sete jurados foram unânimes em apontar que Viveros tinha sido o autor do tiro contra Maria da Penha. A pena no segundo julgamento foi de 10 anos e seis meses de prisão, mas, novamente, ele saiu livre do tribunal após mais um recurso de apelação, desta vez, a uma instância superior.

A defesa de Viveros alegou que o julgamento tinha ido de encontro às provas dos autos e também questionou a pena estabelecida. Foi a vez do desembargador Francisco Gilson Viana Martins decidir que não haveria um novo julgamento, mas que a pena seria reduzida para oito anos e seis meses de reclusão, já que, ao calcular a punição, a Justiça contou duas vezes a qualificadora de homicídio qualificado, que soma dois anos à pena. Já era 22 de maio de 1998 e, dali a uma semana, o crime completaria 15 anos.

Naquele ano de 1998, Maria da Penha, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) denunciaram o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Após receber quatro ofícios da CIDH/OEA, o Brasil foi responsabilizado, em 2001, por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. Além disso, recebeu quatro recomendações:

  • dar uma resposta rápida e efetiva ao caso de Maria da Penha Fernandes, fazendo cumprir a condenação de seu agressor;
  • fazer “investigação séria, imparcial e exaustiva” a respeito das irregularidades e atrasos no caso;
  • assegurar à Maria da Penha uma reparação simbólica e material por não oferecer recurso rápido e efetivo, por manter o caso na impunidade por mais de 15 anos e por impedir com esse atraso a possibilidade indenização civil;
  • reformar as leis do país de forma a evitar a tolerância e o tratamento discriminatório à violência doméstica contra mulheres no Brasil.

| Notícia do jornal Folha de S. Paulo de 6 de maio de 2001 anexada ao processo pela assistente de acusação em setembro daquele ano.

O relatório 12.051 elaborado pela CIDH/OEA sobre o caso Maria da Penha está disponível para qualquer pessoa que quiser lê-lo.

A despeito da denúncia feita à CIDH/OEA, os advogados de Viveros recorreram novamente, desta vez ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 1999. Enquanto a apelação corria no STJ e o Brasil era responsabilizado internacionalmente pelo caso, o Ministério Público do Ceará pediu, em 2002, ao juiz da 1ª Vara do Júri de Fortaleza, que expedisse o mandado de prisão de Viveros, o que ocorreu em 2 de outubro daquele ano, 19 anos após o crime.

| Mandado de prisão de Marco Antonio Heredia Viveros, em 2002.

Viveros foi preso em 29 de outubro de 2002 em Natal. Em março de 2004, ele conseguiu ir para o regime semiaberto e, em fevereiro de 2007, conseguiu a liberdade condicional. Em março de 2016, o TJCE disponibilizou ao público uma cópia do processo no memorial do Tribunal. O espaço, contudo, passou por um incêndio em setembro de 2021. A cópia que se encontrava lá não foi atingida, mas, segundo o Tribunal, os autos foram digitalizados depois disso e o processo foi arquivado definitivamente.

Recentemente, Viveros concedeu entrevista a um canal no YouTube, em que repetiu sua versão para a história e, em junho de 2023, um de seus advogados pediu o desarquivamento dos autos “para instruir futura revisão criminal”, o que foi negado no dia 20 de julho pelo juiz Antônio Edilberto Oliveira Lima.

 

Como surgiu a Lei Maria da Penha e quais os efeitos dela?

Diante da falta de medidas legais e ações efetivas, como acesso à Justiça, à proteção e à garantia de direitos humanos a vítimas de violência doméstica, foi formado, em 2002, um Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

O Projeto de Lei nº 4.559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei da Câmara nº 37/2006) e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), então em seu primeiro mandato, sancionou a Lei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, em 7 de agosto de 2006.

A lei, conforme o STJ, cumpre determinações estabelecidas pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, da OEA, aprovada em Belém em 1994 e promulgada pelo Brasil em 1996, por meio do Decreto 1.973.

Como uma das recomendações da CIDH foi reparar Maria da Penha tanto material quanto simbolicamente, o estado do Ceará pagou a ela uma indenização de R$ 60 mil, e o governo federal batizou a lei com o seu nome como reconhecimento de sua luta contra as violações dos direitos humanos das mulheres.

Em abril de 2023, Lula sancionou mudanças na Lei Maria da Penha com o objetivo de garantir que medidas protetivas de urgência sejam concedidas no momento em que a mulher fizer a denúncia a uma autoridade policial.

A lei prevê ainda que essas medidas protetivas de urgência sejam concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial e do registro de boletim de ocorrência. De acordo com o Painel de Monitoramento das Medidas Protetivas de Urgência da Lei Maria da Penha, atualizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), só em 2023 foram concedidas 216.985 medidas protetivas de urgência no Brasil.

Por que explicamos: O Comprova Explica esclarece temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. No caso Maria da Penha, a versão do homem condenado por tentativa de homicídio circula de forma isolada e está sendo tomada como verdade, sem que seja considerada a palavra da vítima, a investigação policial, do Ministério Público e dois julgamentos. O discurso compartilhado fora de contexto levanta suspeitas infundadas sobre a vítima e, como consequência, sobre a necessidade de políticas públicas de proteção a mulheres vítimas de violência doméstica no país.

Outras checagens sobre o tema: A alegação de que Maria da Penha teria sido baleada por assaltantes, e não pelo marido, já foi desmentida por diversas agências de checagem e veículos de comunicação, como Aos Fatos, Fato ou Fake, Estadão e UOL.

Anteriormente, na seção Comprova Explica, o projeto mostrou o que é o Real Digital e como irá funcionar a versão eletrônica da moeda brasileira e o que é a teoria da conspiração da Nova Ordem Mundial.

 

Política

Investigado por: 2023-08-07

Mães chefes de família não foram proibidas pelo governo de receber Bolsa Família

  • Falso
Falso
É falsa a alegação de que o ministro Wellington Dias, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), tenha anunciado mudanças no Bolsa Família ou no Cadastro Único no dia 2 de agosto. Apesar de processos de averiguação cadastral serem conduzidos pelo governo Lula, a assessoria de imprensa do MDS nega que mulheres consideradas chefes de família tenham sido cortadas do programa. Ao contrário, destaca o órgão, o governo estimula que elas se declarem desta maneira.

Conteúdo investigado: Em tom de urgência, em vídeo postado no Kwai, uma mulher afirma estar confirmado que “mãe chefe de família está proibido (sic)” no Bolsa Família. Uma legenda sobre o vídeo reforça essa alegação. Segundo ela, o anúncio foi feito às 12 horas do dia 2 de agosto pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Em seguida, a autora do conteúdo explica que o governo está passando um ‘pente fino’ para identificar casos irregulares no Cadastro Único.

Onde foi publicado: Kwai.

Conclusão do Comprova: O conteúdo do vídeo em que uma mulher afirma que há confirmação sobre a proibição do cadastro de mães chefes de família no Cadastro Único (CadÚnico) e Bolsa Família é falso. O ministro Wellington Dias, do MDS, não fez qualquer anúncio relacionado ao Bolsa Família ou ao CadÚnico em 2 de agosto.

A assessoria de imprensa do órgão negou ter havido qualquer alteração em relação ao pagamento do benefício às mulheres consideradas chefes de família. “Pelo contrário, o Cadastro Único estimula que as mulheres se declarem como chefes de família”, informou o ministério, em nota ao Comprova.

Desde que o programa foi relançado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em março deste ano, a pasta conduz processos de averiguação cadastral que impactam na liberação dos benefícios de forma permanente. O objetivo é garantir que famílias que entrem nos critérios de atendimento sejam incluídas todo mês e aquelas que saiam dos critérios deixem o programa.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo aqui verificado teve 29 mil visualizações, 2,4 mil curtidas, 136 comentários e 113 compartilhamentos no Kwai até o dia 7 de agosto.

Como verificamos: Primeiro buscamos via Google notícias sobre eventuais mudanças relacionadas ao Bolsa Família e ao Cadastro Único anunciadas em agosto. Em seguida, procuramos a assessoria de imprensa do MDS. Também foi procurada a agenda oficial de Wellington Dias, para encontrar eventos e declarações dadas pelo ministro na data de 2 de agosto, citada na publicação. Por fim, procuramos a autora do vídeo.

Quais foram as mudanças no Cadastro Único e no Bolsa Família?

De acordo com a nota enviada pelo MDS ao Comprova, não houve qualquer mudança sobre o status das mães como chefes de família no CadÚnico. O programa continua estimulando que as mulheres se declarem desta forma, conforme a pasta.

O que mudou, informou a assessoria de comunicação, é que foram instituídos novos documentos obrigatórios para o Responsável Familiar, como o de identificação com foto e o comprovante de endereço ou a declaração de residência, obrigatórios para todas as famílias. Já para as famílias constituídas por uma única pessoa, é preciso também apresentar um Termo de Responsabilidade em que a pessoa se responsabiliza pelas informações prestadas.

Sobre o ingresso no Programa Bolsa Família, o órgão explica que agora ele é avaliado mensalmente, utilizando as informações do CadÚnico para selecionar novas famílias elegíveis. Para tal, elas precisam estar com as informações no CadÚnico atualizadas há no máximo 2 anos; apresentar informações consistentes sobre a renda familiar (renda mensal por pessoa de até R$ 218); e apresentar informações consistentes no CadÚnico quanto à composição familiar, sem pendências cadastrais dos processos de averiguação.

Atualmente, o Programa Bolsa Família é composto pelos seguintes benefícios:

  • Benefício de Renda de Cidadania: assegura o recebimento de um valor de R$142 por pessoa da família;
  • Benefício Complementar: pago quando a configuração familiar resulte num valor abaixo de R$ 600. É transferido à família o equivalente até que se alcance esse patamar mínimo;
  • Benefício de Primeira Infância: destinado às crianças de 0 a 7 anos incompletos, transferindo às famílias o valor adicional de R$ 150 por cada criança nessa faixa etária na família. Assim, uma família com quatro crianças na primeira infância, por exemplo, receberá R$ 600;
  • Benefício Variável Familiar: adicional de R$ 50 pagos a crianças e adolescentes de 7 a 17 anos, e também a gestantes.

Ministro não anunciou mudanças recentemente

Na alegação, a autora do post diz que a “notícia” publicada por ela saiu no dia 2 de agosto de 2023, ao meio-dia. Ao fazer uma busca avançada no Google pelos termos “Wellington Dias”, “Bolsa Família”, “chefes de família” e “cadastro único”, com o intervalo de tempo definido para “última semana” (entre 28/07 e 04/08), não foi localizada nenhuma informação neste sentido.

Ao buscar pela agenda oficial do ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, citado no vídeo com suposta fala de “que vai ter sim uma vistoria”, não há registro de coletiva ou anúncio envolvendo o Bolsa Família ou o CadÚnico. Dentre os compromissos, está uma entrevista para o Jornal o Globo (publicada no dia 03/08), reuniões e a cerimônia de lançamento do Programa Povos da Pesca Artesanal.

Na entrevista, há duas citações sobre o cadastro de pessoas no Bolsa Família: uma sobre a atualização no cadastro desde o início do governo e outra sobre pessoas beneficiadas ilegalmente pelo Bolsa Família e pessoas fora do programa que deveriam estar incluídas.

Na cerimônia de abertura do programa de pesca artesanal, Dias assinou os documentos “Extrato Artesanal Abastecendo o País” e “Projeto Boa Maré”. Ele não deu declarações oficiais nesse evento.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com a autora da publicação por mensagem pelo Kwai e pelo Instagram. Até a finalização dessa verificação, contudo, não obteve respostas.

O que podemos aprender com esta verificação: A autora do vídeo utiliza um tom alarmante quando afirma que está repassando uma “notícia atualizada, novinha” e uma “notícia bomba” para chamar a atenção dos usuários para a postagem que está compartilhando. Ela também não apresenta fontes para as afirmações que faz, como o suposto anúncio do MDS em 2 de agosto e a proibição das mães chefes de família no Bolsa Família. É importante estar atento a esses sinais como indícios da propagação de desinformação e utilizar canais oficiais para tirar as dúvidas sobre o assunto ou consultar a imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou outras alegações que envolviam o Bolsa Família, identificando, por exemplo, que uma fila de pacientes em unidade de saúde em Natal não tinham relação com o programa, que uma tabela sobre pagamento do benefício foi editada e retirada de contexto para favorecer Bolsonaro e que o Bolsa Família teria 13º, mas não aumento.

Política

Investigado por: 2023-08-05

O que é o Real Digital e como irá funcionar a versão eletrônica da moeda brasileira

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Em agosto de 2020, o Banco Central organizou um grupo de trabalho para estudar a emissão de uma moeda digital brasileira, o chamado Real Digital. O projeto está nos trâmites para iniciar a fase de testes, com experimentação planejada até 2024, mas sem data de lançamento. O ativo é tema recorrente de vídeos que circulam nas redes sociais em canais financeiros que associam o termo ao mercado de criptomoedas e levantam a possibilidade do sequestro de recursos das contas bancárias. Este Comprova Explica esclarece o que é o Real Digital e como ele irá funcionar.

Conteúdo analisado: Postagem em uma rede social afirma que o Banco Central divulgou o código do Real Brasil e que o país terá uma criptomoeda. A publicação diz que o BC poderá “congelar os saldos das contas, aumentar ou diminuir essas contas, movê-las entre como quiserem e destruir dinheiro caso queiram”.

Comprova Explica: Dúvidas sobre o projeto do Banco Central (BC) sobre o Real Digital têm alimentado uma série de teorias na internet. Muitas delas dizem que essa seria uma nova “criptomoeda centralizada”, além de uma suposta tentativa do governo para “controlar” o dinheiro das pessoas e fazer movimentações nas contas sem autorização.

A moeda digital brasileira ainda está entrando na fase de testes e, segundo o BC, seguirá sob experimentação em 2024. Ainda não existe data para seu lançamento. Entretanto, especialistas do mercado financeiro e publicações do próprio banco dão materiais suficientes para esclarecer informações sobre a moeda e auxiliar o leitor na interpretação desses dados.

Atualização: No dia 7 de agosto de 2023, o Banco Central divulgou que a moeda digital brasileira se chamará “Drex”. “A solução, anteriormente referida por Real Digital, propiciará um ambiente seguro e regulado para a geração de novos negócios e o acesso mais democrático aos benefícios da digitalização da economia a cidadãos e empreendedores”, completou a autarquia em nota à imprensa.

Como verificamos: O Comprova consultou o site do próprio Banco Central, com foco na seção de perguntas e respostas sobre o Real Digital. Outras seções, sobre o bloqueio de contas e sobre o funcionamento do SISBAJUD também foram consultadas. A verificação também entrou em contato com a comunicação do Banco Central e consultou José Artur Ribeiro, CEO da Coinext, Denise Cinelli, Country Manager da CryptoMarket, e Antônio Carlos Bertucci, coordenador do curso de pós-graduação em Mercado de Capitais da PUC Minas.

O que é o Real Digital?

O Banco Central explica em seu site oficial que o Real Digital não é um criptoativo, como são o bitcoin e o ethereum. Na verdade, ele pertencerá a uma nova categoria, chamada CBDC (do inglês Central Bank Digital Currencies; a sigla pode ser traduzida para o português como “moedas digitais de banco central”).

Como o nome indica, uma CBDC é a versão digital da moeda soberana de um país, que só pode ser emitida por autoridades monetárias (os bancos centrais). A moeda será produzida e regulada pelo Banco Central seguindo as regras do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e a política monetária brasileira. Um Real Digital irá equivaler a um real físico.

Ainda de acordo com a autarquia, bancos centrais de diferentes países já estão estudando aspectos operacionais e tecnológicos de um possível sistema de CBDC para suas próprias moedas. Aqui vale destacar que não há registro de planos para criação de uma moeda digital “universal”.

Cerca de nove países já lançaram suas CBDC e outros 71 países, incluindo o Brasil, já estão estudando a sua própria moeda digital. Alguns deles, como a Suécia, a China e a Coreia do Sul, estão em fase de execução dos projetos- piloto. Pelo que foi divulgado pelo BC até o momento, a ideia é que a CBDC brasileira seja uma alternativa ao uso de cédulas. A princípio, o Real Digital poderá ser convertido para qualquer outra forma de pagamento hoje disponível, como depósito bancário convencional ou real físico.

O Banco Central explicou também que uma das diretrizes para o desenvolvimento de um Real em formato digital é a “interoperabilidade”, ou seja, a comunicação entre o Real Digital e outros meios de pagamento hoje disponíveis à população.

Será possível, por exemplo, fazer pagamentos em lojas, através do prestador de serviço de pagamentos – banco, IP ou outra instituição que venha a ser autorizada pelo BC, ou mesmo através do Pix. Ainda conforme a instituição, as pessoas poderão também “transferir Reais Digitais para outras pessoas, transformar seus Reais Digitais que estarão em custódia de um banco em depósito bancário convencional, sacar seus Reais Digitais passando para o formato físico, pagar contas, boletos e impostos”. Na prática, o objetivo é que a população possa movimentar seus Reais Digitais da mesma forma que movimentaria os recursos hoje depositados nos bancos.

A autarquia esclarece que o uso do Real Digital pelas pessoas será opcional e que não há perspectiva de obrigatoriedade de seu uso. “Desta forma, nos pagamentos cotidianos as pessoas poderão optar pelos meios convencionais, uma vez que o real físico não deixará de existir”, explicam.

Atualmente, o BC está iniciando a fase de testes com o Real Digital. Em julho, já foi anunciada a colaboração de empresas como Caixa, Microsoft e Elo para a realização de simulações com a CBDC brasileira. De acordo com o E-investidor, a previsão é que, até meados de agosto, empresas, usuários e instituições selecionadas para participarem do projeto-piloto estejam prontos para se conectarem à plataforma de testes. A expectativa é que os primeiros ensaios com o Real Digital comecem só em setembro e continuem em 2024. Segundo o próprio Banco Central, os exercícios da fase piloto acontecerão em ambiente simulado, sem envolver transações ou valores reais.

O que são criptomoedas

Criptomoedas são ativos virtuais que utilizam criptografia para garantir a segurança das transações e controlar a criação de novas unidades. Elas são descentralizadas, ou seja, não são controladas por nenhum governo ou instituição financeira central. É o que explica o CEO da Coinext, José Artur Ribeiro.

Sua análise é que o Real Digital não pode ser considerado uma criptomoeda, por ser uma versão digital da moeda oficial do Brasil, o real, emitida e controlada pelo Banco Central. Diferentemente das criptomoedas, o Real Digital é centralizado.

Ele aponta que há semelhanças entre as duas moedas, como as duas serem digitais e utilizarem tecnologia blockchain para facilitar as transações financeiras, inclusive na utilização de contratos inteligentes para liquidação de transações. Elas, no entanto, apresentam divergências pelo Real Digital ser emitido por uma instituição estatal, assim como a moeda física em circulação.

O próprio Banco Central, por meio de nota, vídeos institucionais e informações alocados em seu site oficial, ressalta que o Real Digital não é uma criptomoeda e sim uma nova representação da moeda brasileira.

O mercado de criptomoedas começou a ganhar esboço com o lançamento da Bitcoin, datada de 2008. A moeda se baseia na chamada Prova de Trabalho, um tipo de algoritmo para gerar Bitcoin, processo que ganhou o nome de mineração.

Denise Cinelli, Country Manager da CryptoMarket, explica que o acesso de brasileiro às compras desse tipo de moeda só se popularizou entre 2011 e 2013: “Costumo dizer que as criptomoedas chegaram para o mundo tudo de uma vez só na verdade, porque a criptomoeda não tem divisa, elas chegaram na internet no momento em que foram lançadas, agora os brasileiros começaram a ter acesso a criptomoedas em 2013”.

O Marco Legal das Criptomoedas entrou em vigor no dia 20 de junho e o BC foi instituído como autoridade responsável por regular as atividades das prestadoras de serviços de ativos virtuais no Brasil. Será aberta uma consulta pública em que as empresas poderão dar sugestões (CNN, EBC).

A Lei 14.478/22 estabeleceu as condições e prazos para a adequação às novas regras por parte das prestadoras de serviços de ativos virtuais, as chamadas “corretoras de criptoativos”. Estas poderão prestar exclusivamente o serviço de ativos virtuais ou acumulá-lo com outras atividades, na forma da regulamentação a ser editada.

Entre as atribuições do órgão regulador estão: autorizar o funcionamento e a transferência de controle das corretoras; supervisionar o funcionamento delas; cancelar, de ofício ou a pedido, as autorizações; e fixar as hipóteses em que as atividades serão incluídas no mercado de câmbio ou deverão se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no País.

Decisão judicial

Ainda não lançado, o projeto é desenvolvido pelo Banco Central, que não tem autonomia para bloquear ou alterar saldos bancários sem uma decisão judicial. Em contato com o Comprova, a instituição explicou que os serviços que serão construídos na plataforma deverão “cumprir todos os requisitos legais aplicáveis ao SFN, inclusive quanto aos aspectos de segurança e privacidade”.

“Os processos relatados no vídeo já ocorrem atualmente no Sistema Financeiro Nacional (SFN)”. Atualmente, o Banco Central comunica ao sistema as determinações do Poder Judiciário de bloqueio/desbloqueio de contas bancárias. O Banco Central afirmou que “poderá ser feita a mesma coisa no ambiente do Real Digital”.

“Nada de novo, portanto. A competência para emitir tais determinações é privativa do Poder Judiciário. Não há hipótese de o Banco Central bloquear/desbloquear ativos ou alterar saldos sem uma determinação da Justiça. Isso seria ilegal”.

Em sua página de perguntas e respostas, o Banco Central ressalta não ter poder para bloquear ou desbloquear contas diretamente. Por determinação judicial, o bloqueio pode ser feito pelo Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (SISBAJUD). Nesses casos, o Poder Judiciário se comunica diretamente com as instituições financeiras com suas ordens judiciais.

A partir de setembro de 2020, o SISBAJUD sucedeu o Bacen Jud como o sistema de comunicação eletrônica entre o Poder Judiciário e instituições financeiras e demais entidades autorizadas a funcionar pelo BC.

A gestão do SISBAJUD é feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a quem compete os assuntos de administração técnica, operacionalização e serviços de suporte.

Antônio Carlos Bertucci, coordenador do curso de pós-graduação em Mercado de Capitais da PUC Minas, aponta que há legislações específicas que limitam o controle do Banco Central nas contas bancárias dos usuários. São elas:

  • O artigo 192 da Constituição Federal, que determina que o Banco Central do Brasil deve ser uma autarquia federal, com autonomia administrativa, patrimonial, financeira e de gestão de recursos humanos.
  • A Lei Complementar nº 101/2000, que estabelece normas para a responsabilidade na gestão fiscal, limitando o endividamento e os gastos públicos, o que, por consequência, limita o poder de controle do Banco Central sobre o dinheiro público.
  • A Lei Complementar nº 179/2021, que estabelece o novo marco legal do Banco Central, define limites para as competências e a atuação do órgão, garantindo a transparência e a prestação de contas.
  • A Lei Complementar nº 105/2001, que assegura o sigilo das informações financeiras dos clientes das instituições financeiras, exceto em casos previstos em lei, o que protege a privacidade dos dados bancários das pessoas.

“O Banco Central não tem como aumentar, diminuir ou congelar ativos das pessoas, como por exemplo contas bancárias, propriedades, investimentos, entre outros. São tratados pelo Poder Judiciário, que é responsável por interpretar e aplicar as leis e, quando necessário, resolver disputas legais entre as partes. Se houver preocupações sobre os ativos das pessoas relacionadas às ações do Banco Central, o Poder Judiciário poderá ser acionado”, explica o especialista.

“A Instituição não pode agir sem justificativa legal e há proteções para se evitar a destruição de ativos em qualquer intervenção”, explica Bertucci. “Essas medidas são tomadas com base na legislação e regulamentação vigentes, e normalmente são aplicadas apenas em situações de emergência”, completa.

Ele avalia que sim, será possível que haja um aumento no controle sobre o dinheiro das pessoas. Isso porque, por ser emitida pelo Banco Central, permite um maior monitoramento e rastreamento das transações financeiras. “Como todas as transações seriam realizadas por meio do Real Digital, o Banco Central teria acesso a informações detalhadas sobre as atividades financeiras das pessoas, como gastos, recebimentos e transferências”, diz.

Como irá seguir todas as regras aplicáveis ao real convencional, o Banco Central ressalta ter a prerrogativa de controlar a quantidade de moeda na economia, assim como na modalidade do valor físico. “Nesse processo é necessário que se crie moeda, nas situações de baixa liquidez do mercado, ou que se destrua moeda, nas situações de elevada liquidez”, afirma em nota.

Por que explicamos: O Comprova Explica esclarece temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. O Real Digital será uma versão da moeda oficial e tem a possibilidade de se popularizar, já que poderá ser usada no cotidiano para pagamentos, transferências e contratos de compra e venda. Por ainda estar em desenvolvimento, a moeda é alvo de boatos que podem gerar medo e incertezas.

Outras checagens sobre o tema: Em 2022, a Agência Lupa produziu conteúdo para explicar o que são criptomoedas e o Bitcoin, uma das versões mais antigas e populares da moeda. Foi mostrado que elas não têm vínculo com governos ou recursos naturais, que costumam garantir o valor das moedas tradicionais. A respeito da possibilidade do Banco Central norte-americano também criar uma versão digital para o dólar, o Estadão Verifica e o Boatos.org já esclareceram que o projeto não tem pretensão de substituir a moeda física.