O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
Filtro:

Política

Investigado por: 2023-06-26

Governo não vai exigir placa e habilitação para skates, bicicletas e patinetes, ao contrário do que diz post

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o vídeo no qual uma mulher afirma que o uso de motos elétricas, patinetes, skates e bicicletas vai exigir emplacamento e habilitação do condutor a partir de julho deste ano. De acordo com o Ministério dos Transportes, destes, apenas condutores de ciclomotores e motocicletas necessitam de habilitação e registro. A resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) em junho de 2023 não traz nenhuma inovação com relação à necessidade de emplacamento ou de autorização para condução, apenas aprimora a definição de cada um dos veículos e reforça as exigências para conduzi-los.

Conteúdo investigado: Vídeo de dois minutos e 30 segundos de duração no qual uma mulher afirma que o uso de motos elétricas, patinetes, skates e bicicletas vai exigir emplacamento e habilitação do condutor a partir de julho deste ano. Na sequência, ela comenta: “Bem que o Lula avisou que iria colocar o pobre no orçamento do rico. Agora, faz o ‘L’ para comemorar”. O post exibe uma reportagem do Jornal da Band sobre o assunto. Sobre o vídeo há a frase: “As motinhas (sic) Scooters agora vão precisar de licenciamento e de placa”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É enganoso vídeo em que uma mulher usa uma reportagem de TV para afirmar que “moto elétrica, bicicleta, patinete, skate e qualquer outro veículo elétrico agora vai precisar de regulamentação e placa” e que condutores desses veículos precisarão ter habilitação. A peça de desinformação cita uma lei “que estará em vigor em julho” e atribui a suposta mudança ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A lei mencionada é uma resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) no dia 15 de junho de 2023, que busca aprimorar a definição de cada veículo (veja o detalhamento abaixo). De acordo com o Ministério dos Transportes, diferentemente do que afirma o vídeo enganoso, condutores de bicicletas normais e elétricas, skates e patinetes não necessitam de qualquer tipo de documentação. A reportagem foi tirada de contexto e não noticiou o que é dito no vídeo aqui checado.

“As declarações no vídeo de que será necessário emplacamento de autopropelidos (aqueles veículos que usam o próprio meio de propulsão para se deslocarem) não procedem”, diz nota enviada pela pasta. “Só necessitam de habilitação e registro os condutores de ciclomotores e de motocicletas.”

O Ministério dos Transportes também destacou que a ACC (Autorização para Conduzir Ciclomotor) ou CNH (Carteira Nacional de Habilitação) na categoria A já eram exigidas desses condutores nas resoluções anteriores. Até então, porém, havia divergências entre o que seria considerado ou não um ciclomotor, justamente pela falta de detalhamento. “O que a resolução inova é na definição de cada um dos veículos, deixando claro quais precisam de emplacamento e habilitação e quais não necessitam.”

Na data da aprovação, o governo fez uma publicação a respeito, em que esclarece que a nova norma tem por objetivo preservar vidas de usuários e garantir segurança jurídica aos proprietários desses veículos.

“Com regras bem definidas, os condutores terão maior clareza e segurança quanto aos procedimentos necessários para a circulação em vias públicas, reduzindo aborrecimentos e os riscos de judicialização”, explicou, na ocasião, o secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão.

O Comprova classifica como enganoso todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 26 de junho, o vídeo havia alcançado 51,7 mil curtidas, 7,2 mil comentários e 940,6 mil visualizações.

Como verificamos: No vídeo investigado, no trecho em que é exibida uma matéria jornalística, é possível ver a logomarca da Band no microfone da repórter. Fazendo uma pesquisa no Google pelas palavras-chave “Contran”, “Scooter” e “Jornal da Band”, encontramos a reportagem original, veiculada em 17 de junho de 2023.

Também reunimos informações sobre o assunto por meio de reportagens (UOL e Folha) e do site do governo federal, e consultamos a resolução do Contran. Por fim, o Comprova entrou em contato com o Ministério dos Transportes e com a responsável pela publicação do conteúdo no TikTok.

A regulamentação do Contran

Em 15 de junho, o Contran aprovou uma resolução que classifica e diferencia meios de transporte como bicicletas elétricas, patinetes e skates. O objetivo da medida é aprimorar a definição desses veículos para facilitar o registro e o licenciamento nos órgãos de trânsito e regulamentar o tráfego.

Os veículos foram definidos em três categorias:

  • Ciclomotores: veículos de duas ou três rodas com motor de até 50 cm³ limitados a uma velocidade máxima de 50km/h;
  • Bicicletas: veículos de propulsão humana, dotado de duas rodas, não sendo, para efeito do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), similar à motocicleta, motoneta e ciclomotor;
  • Equipamentos de mobilidade individual autopropelidos (que se movem através de um meio próprio de propulsão): patinetes, skates e monociclos motorizados.

Para a classificação, além das características de cada veículo, a norma do Contran considera como parâmetros a potência do motor, a velocidade máxima de fabricação, os equipamentos obrigatórios, registro e emplacamento, e habilitação.

Conforme consta no artigo 12 do capítulo IV da resolução, “bicicletas elétricas e os equipamentos de mobilidade individual autopropelidos (patinetes, skates e monociclos motorizados) não são sujeitos ao registro, ao licenciamento e ao emplacamento para circulação nas vias”. Apenas os ciclomotores precisam de emplacamento e habilitação ACC (Autorização para Conduzir Ciclomotor) ou CNH (Carteira Nacional de Habilitação) na categoria A.

Ao Comprova, o Ministério dos Transportes informou que a resolução do Contran “não traz nenhuma inovação com relação à necessidade de emplacamento, de autorização para condução, etc. Apenas reforça o que é cada um dos veículos e as exigências para conduzi-los”.

O Ministério ressaltou que só necessitam de habilitação e registro os condutores de ciclomotores e de motocicletas. Condutores de bicicletas normais e elétricas, skates e patinetes não precisam de qualquer tipo de documentação.

“Ciclomotores já necessitavam de autorização para condução ou carteira nacional de habilitação categoria A, de acordo com as resoluções anteriores. O que a resolução inova é na definição de cada um dos veículos, deixando claro quais precisam de emplacamento e habilitação e quais não necessitam”, disse, em nota.

A partir de 1º de julho, quando a resolução entra em vigor, os condutores desses veículos terão dois anos para fazer registro no Detran, caso não o tenham feito.

Bicicletas elétricas e equipamentos de mobilidade individual autopropelidos, como patinetes, skates e monociclos motorizados, devem circular nas mesmas condições das bicicletas convencionais. A resolução, conforme divulgou a Folha, busca organizar a fiscalização dos veículos em todo o Brasil.

O que diz o responsável pela publicação: Como o TikTok não permite o envio de mensagens entre contas que não se seguem, buscamos o perfil @jessycasalam em outras redes sociais. O Comprova encaminhou uma mensagem pelo Instagram, mas não houve retorno até a publicação desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: A publicação interpreta de forma equivocada uma reportagem veiculada pela Band para distorcer o significado do conteúdo. Ao se deparar com um post como esse, procure sempre a matéria original para verificar se ela foi reproduzida na íntegra, manipulada ou interpretada de forma equivocada. Pesquise sobre o tema junto a fontes confiáveis, como a imprensa profissional ou órgãos oficiais. Quando a publicação citar uma lei ou outro documento oficial, como a resolução, vale ainda tentar buscar o documento original.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo vídeo foi verificado pela Reuters. Em checagens anteriores, o Comprova mostrou que é falso que Lula tenha comprado novo avião presidencial por 400 milhões e que tarifação em Pix para empresas é facultativa e existe desde 2020.

Política

Investigado por: 2023-06-22

É falso que Lula tenha comprado novo avião presidencial por 400 milhões

  • Falso
Falso
É falso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha comprado um avião de “400 milhões”, diferentemente do que afirma homem em vídeo que viralizou. A postagem traz ainda três fotos internas de aeronaves luxuosas dizendo se tratar do novo avião presidencial, o que não é verdade. A primeira foto, que mostra uma sala de estar, é de um avião vendido em 2016 pelo governo da Tunísia. A segunda imagem é de um Boeing 747 modificado em 2017, enquanto a última foto é de uma propaganda da Emirates Airlines.

Conteúdo investigado: Vídeo em que homem diz que o presidente Lula (PT) “acabou de pagar 400 milhões” (não diz qual moeda) na compra de uma nova aeronave de luxo. O autor do post mostra três fotos de cabine de avião – uma de sala de estar, uma de suíte e uma de bar –, dizendo se tratar do modelo comprado pelo governo.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: Não é verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha comprado um avião para uso presidencial de 400 milhões, em qualquer moeda que seja, diferentemente do que diz post viral.

Segundo reportagens, o presidente quer a troca do Aerolula, apelido do avião oficial da Presidência da República, que começou a ser usado em 2005, durante seu primeiro mandato. O modelo da nova aeronave ainda não foi escolhido nem a compra realizada. Ele teria determinado que a Força Aérea Brasileira (FAB) apresentasse opções de aeronaves maiores e com mais autonomia do que a atual.

O post desinformativo mostra três fotos de cabines internas de aviões. A primeira delas, de uma sala de estar, é a mesma imagem usada em reportagem de 2012 da IstoÉ sobre a FAB ter retomado os estudos para a compra de um avião. O texto informa que “o modelo em avaliação custa R$ 400 milhões”.

A imagem da sala de estar, no entanto, é do avião de luxo que pertenceu à Tunísia, usado pelo então presidente Zine El Abidine Ben Ali. Em 2016, segundo reportagem da BBC, a aeronave foi vendida para a Turkish Airlines por US$ 78 milhões, depois de ter ficado cinco anos estacionada em Bordeaux, na França.

Questionada se as fotos mostram aeronave comprada para a Presidência da República, a FAB respondeu ao Comprova que não, e que o avião usado para “transportar com segurança o presidente a diversas localidades do Brasil e do exterior” é o Airbus 319 VC-1, ou seja, o Aerolula.

O vídeo ainda traz outras duas imagens internas de aeronaves. A segunda é uma suíte de luxo que faz parte, na realidade, de um Boeing 747-8 Vip, cujo valor estimado em 2017 era de R$ 1,8 bilhão. A aeronave havia sido reformulada pela empresa Greenpoint Technologies e entregue a um comprador cuja identidade foi mantida em sigilo.

Sobre a última imagem, o homem que aparece no vídeo fala que não poderia faltar um bar no avião. O bar mostrado, no entanto, é de aeronaves da Emirates Airlines e a foto faz parte da propaganda da companhia aérea. As imagens externas do avião presidencial do Brasil são divulgadas pela FAB.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post verificado aqui teve 9,3 mil visualizações, 7,7 mil curtidas e 1,3 mil comentários até 22 de junho.

Como verificamos: O Comprova pesquisou notícias sobre a compra ou intenção de aquisição do governo federal, na atual gestão, de um novo avião para a Presidência da República. Também analisou as imagens mostradas pelo vídeo aqui verificado usando o Google Lens, com o objetivo de identificar a origem das fotos e a veracidade com o conteúdo apresentado.

Houve ainda contato com o Ministério da Defesa, a FAB e com a assessoria de comunicação da Presidência da República para verificar a situação do avião presidencial e o processo de compra de uma nova aeronave. Por fim, entramos em contato com o autor da postagem.

Avião presidencial é o mesmo desde 2005

A aeronave usada por Lula, como informado acima, começou a ser utilizada em 2005, em seu primeiro mandato. Ela substituiu o Boeing 707, comprado da Varig em 1986 e que era apelidado de Sucatão.

O modelo, segundo informou a FAB ao Comprova, é baseado na versão civil do Airbus 319 e tem aproximadamente 34 metros de comprimento e envergadura e cerca de 12 metros de altura. Ainda segundo o órgão, ele pode atingir até 830 quilômetros por hora na velocidade máxima de cruzeiro e voar até 8,5 mil quilômetros.

De acordo com O Globo, a aeronave tem suíte e chuveiro, espaço reservado com duas mesas e oito cadeiras e “se aproxima da metade do ciclo de vida, o que exigirá passar por um processo de reformulação”.

Mas esta não é a primeira vez que um presidente pensa em trocar o avião, batizado oficialmente de Santos Dumont. Em novembro de 2010, no governo de Dilma Rousseff (PT), a Folha noticiou que a FAB estava negociando um avião. “O Aerodilma, caso seja adquirido mesmo com o cenário de contenção de gastos do governo, deverá ser um aparelho europeu da Airbus – um modelo de reabastecimento aéreo A330-MRTT, equipado com área VIP presidencial e assentos normais”, publicou o jornal. A compra, porém, não foi efetivada e Dilma continuou usando o Aerolula.

Em julho de 2017, o então presidente Michel Temer (MDB) optou por viajar à Alemanha no Boeing 767-300ER alugado pela FAB – com mais autonomia, ele não precisaria fazer a escala exigida pelo Airbus 319. À época, o governo federal decidiu que o Boeing seria usado para viagens que exigissem duas ou mais escalas, mas, pouco mais de um mês depois, Temer voou para a China no Airbus 319.

Quando presidente, Jair Bolsonaro (PL) também usou o Aerolula, mas, em 2022, a FAB comprou dois Airbus 330-200, conhecido como KC-30, da companhia aérea Azul. Lula voou no A 330-200 em fevereiro, no trajeto Brasília-Rio e Washington. O modelo é uma das opções da FAB para o pedido de Lula sobre a troca do Santos Dumont.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem tentou contato com o autor do post, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: “Queria que vocês compartilhassem esse vídeo ao máximo.” “Compartilha aí até cair o dedo.” Quando criadores de vídeos fizerem pedidos apelativos como estes do post verificado aqui, desconfie. É comum que desinformadores insistam para que seus seguidores republiquem seus conteúdos, fazendo com que a desinformação se dissemine. Então, ao se deparar com publicações assim, desconfie e procure o que está sendo dito na imprensa profissional.

A mesma sugestão vale ao ver conteúdos que citam grandes gastos de governos. No vídeo, o autor diz que Lula gastou 400 milhões na compra de um novo avião. É um gasto que chamaria a atenção da imprensa e, se fosse verdadeira, tal informação teria sido publicada pela mídia.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A relação de Lula com aeronaves foi objeto de desinformações checadas anteriormente, como na campanha eleitoral de 2022. Em setembro daquele ano, o então candidato foi alvo de um vídeo em que afirmava que ele teria alugado o avião mais caro do mundo para viajar ao Nordeste, o que foi checado como falso pelo Comprova. Em 2018, a Folha desmentiu que Lulinha, o filho do presidente, fosse dono de uma aeronave avaliada em US$ 50 milhões.

Política

Investigado por: 2023-06-22

Vídeo sobre confronto envolvendo manifestantes e Exército venezuelano na fronteira com o Brasil é de 2019

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Enganoso
Postagem que circula nas redes sociais engana ao usar vídeo antigo sobre confronto na fronteira da Venezuela com o Brasil para sugerir que o país está sendo atacado por militares venezuelanos. O confronto entre manifestantes e soldados do país vizinho aconteceu em 2019, ano em que as imagens foram originalmente publicadas.

Conteúdo investigado: Post feito pelo deputado federal José Medeiros (PL) que usa trecho de vídeo da GloboNews sobre confronto envolvendo soldados venezuelanos na fronteira com o Brasil. Em entrevista à emissora, um militar de Pacaraima (RR) cita que o território brasileiro foi atingido por gás lacrimogêneo, balas de borracha e tiros disparados pelo Exército da Venezuela. O deputado acrescenta o seguinte comentário à postagem: “Soldado brasileiro tomando tiro de borracha de exército venezuelano. Acabou!!!”

Onde foi publicado: Twitter e WhatsApp.

Conclusão do Comprova: É enganoso um post que compartilha nas redes sociais um vídeo de 2019 em que um militar brasileiro descreve uma ação das forças venezuelanas sobre o território brasileiro como se fosse atual. A publicação, de 17 de junho de 2023, sugere que o país está sendo invadido pela Venezuela: “Soldado brasileiro tomando tiro de borracha de exército venezuelano. Acabou!!!”.

O Comprova apurou que as imagens foram transmitidas originalmente pelo telejornal “Edição das 18″, da GloboNews. Na entrada ao vivo, que foi ao ar quatro anos atrás, no dia 23 de fevereiro, o repórter Vladimir Netto entrevista o coronel José Jacaúna, em Pacaraima, município de Roraima, sobre um confronto entre manifestantes e soldados venezuelanos na fronteira entre Brasil e Venezuela. O militar afirma que balas de borracha e tiros haviam sido disparados por militares do país vizinho e bombas de gás lacrimogêneo haviam sido arremessadas ao território brasileiro.

O episódio em questão ocorreu num momento de tensão na Venezuela. Naquela data, um sábado, o governo de Jair Bolsonaro (PL) enviaria alimentos, medicamentos e itens de higiene à Venezuela pela cidade de Pacaraima. Afetado pela hiperinflação, o país sofria com escassez de suprimentos. Dias antes, porém, a fronteira foi fechada pela Guarda Nacional Bolivariana (GNB) por ordem do presidente Nicolás Maduro, na intenção de barrar a entrada dos itens fornecidos por países vizinhos e pelos Estados Unidos.

O “Dia D” de ajuda humanitária havia sido convocado pelo líder oposicionista Juan Guaidó e não contava com a anuência de Maduro, que negava situação de “emergência humanitária” e via a operação como uma porta de entrada para uma possível intervenção militar norte-americana. O político chegou a declarar em discurso que não era mendigo e atribuiu a falta de medicamentos e alimentos a uma “guerra econômica” da direita e a duras sanções americanas.

Diante do bloqueio da entrada de suprimentos, houve protestos de civis venezuelanos, tanto na fronteira com o Brasil quanto na fronteira com a Colômbia, que também havia sido fechada. Esse foi o motivo do confronto entre manifestantes venezuelanos, do lado brasileiro, e soldados, do outro lado da fronteira.

Na ocasião, segundo o portal G1, os civis que migraram para Roraima atiraram pedras e coquetéis molotov contra a base militar da Venezuela, enquanto militares venezuelanos reagiram com bombas de gás lacrimogêneo, pedras e tiros, que atingiram o território brasileiro. Um civil venezuelano passou mal e precisou de atendimento no posto militar brasileiro. Não há registro de que soldados brasileiros tenham ficado feridos.

Na entrevista à GloboNews, Jacaúna comenta que “nunca tinha visto nenhum Exército de outro país jogar bomba de gás lacrimogêneo no Brasil” e acrescenta: “Realmente extrapolaram na reação em cima dos venezuelanos que estão aqui no nosso território”.

Conflitos voltaram a acontecer no domingo, 24 de fevereiro. No mesmo dia, militares brasileiros montaram uma barreira de contenção em Pacaraima, perto da fronteira. À AFP, o coronel do Exército brasileiro Georges Feres Kanaan disse, à época, que a barreira não significava que o Brasil tinha fechado a passagem fronteiriça. “Estamos cuidando para que ninguém se machuque, este é um confronto entre civis e militares venezuelanos”, justificou.

Também em resposta às ações das forças venezuelanas em território nacional, o governo federal, por meio do Itamaraty, emitiu uma nota no dia seguinte condenando “os atos de violência perpetrados pelo regime ilegítimo do ditador Nicolás Maduro” e chamando o governo de “criminoso”. “O uso da força contra o povo venezuelano, que anseia por receber a ajuda humanitária internacional, caracteriza, de forma definitiva, o caráter criminoso do regime Maduro.”

A fronteira entre Brasil e Venezuela em Roraima permaneceu fechada por quase três meses. No dia 10 de maio de 2019, após uma série de reuniões e negociações entre os países, ela foi reaberta.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 22 de junho de 2023, o tuíte somava 222,4 mil visualizações, 3,8 mil curtidas, 1,1 mil compartilhamentos e 184 comentários.

Como verificamos: O vídeo usado de forma enganosa nas redes sociais carrega algumas pistas que nos permitem chegar facilmente ao conteúdo original, como a logomarca da GloboNews, o nome do entrevistado –José Jacaúna– e a manchete em referência ao conteúdo exibido.

Buscando no Google por “José Jacaúna”, “GloboNews” e ”Venezuela”, chegamos a reportagem publicada pelo G1 sobre o caso. A matéria, de 2019, contém o vídeo da entrevista com o militar. Clicando com o botão direito do mouse sobre a imagem e, na sequência, em “Pesquisar Imagens com Google”, chegamos ao vídeo original, publicado pela GloboNews.

Também pesquisamos no Google por “manifestantes entram em confronto na fronteira com o Brasil” e “crise na Venezuela”, que retornou outras reportagens de 2019 sobre o fato, bem como checagens atuais sobre o post enganoso feitas por outras agências (Lupa e Aos Fatos).

Por fim, procuramos o político responsável pela publicação do post.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova fez contato, pelo WhatsApp, com o deputado federal José Medeiros (PL), que foi vice-líder do governo Bolsonaro e senador por Mato Grosso. Não houve retorno até a publicação desta checagem.

O que podemos aprender com esta verificação: A tática de desinformação presente no post verificado é o uso de um vídeo antigo fora do contexto original. Ao ser compartilhado anos depois de sua veiculação original, sem data e informações complementares, o vídeo pode parecer atual, o que altera completamente o seu significado.

Ao se deparar com uma publicação como essa, desconfie. Pesquise sobre o tema abordado junto a fontes confiáveis, como órgãos oficiais e veículos jornalísticos. Ao perceber a logomarca de um canal por assinatura conhecido, faça uma busca pelo conteúdo no próprio site do canal ou tente encontrá-lo por busca reversa de imagem. Assim, poderá conferir a data em que foi publicado e o contexto da notícia.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo foi checado pelas agências Lupa e Aos Fatos.

O Comprova já verificou outras peças de desinformação envolvendo a Venezuela. Mostrou ser falso que Joe Biden tenha convocado o Congresso por falas de Lula em apoio à Venezuela e que Exército e Itamaraty tenham identificado ameaças externas na fronteira do Brasil.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-06-22

Tarifação em Pix para empresas é facultativa e existe desde 2020

  • Comprova Explica
Comprova Explica
A Caixa anunciou na segunda-feira, 19 de junho, que passaria a cobrar uma tarifa para transações de Pix feitas por contas de pessoas jurídicas – medida autorizada pelo Banco Central desde 2020. A oposição no Congresso compartilhou postagens em que dizia que “o PT vai taxar o Pix”. A repercussão negativa levou o banco a suspender temporariamente a medida. A politização do tema e o vai e vem do banco geraram dúvidas nas redes sociais e motivaram o compartilhamento de peças de desinformação.

Conteúdo analisado: Postagens nas redes sociais repercutem a notícia de que a Caixa Econômica Federal passará a aplicar uma tarifa sobre contas de empresas que usarem o Pix. As peças afirmam que “o PT taxará o Pix”.

Comprova Explica: Na segunda-feira, 19, a Caixa anunciou que passaria a cobrar uma tarifa sobre transações Pix feitas por clientes pessoa jurídica privada a partir de julho. O banco destacou que pessoas físicas, microempreendedores individuais (MEI) e beneficiários de programas sociais não seriam afetados. Empresas individuais, embora não tenham sido citadas na nota, seguem as mesmas regras das pessoas físicas.

A partir de então, deputados e senadores da oposição ao governo passaram a repercutir a notícia alegando que “o PT vai taxar o Pix”. A repercussão negativa levou o banco público a suspender temporariamente a medida. Em nota, a Caixa afirmou que a suspensão serve “para que os clientes possam se adequar e receber amplo esclarecimento do banco sobre o assunto”. Sites de notícias informaram que a pressão para reverter a implementação da tarifa teria saído do próprio Palácio do Planalto (Estadão, Metrópoles).

O vai e vem do banco, bem como a exploração política do fato, deixaram muitas dúvidas na população. O Comprova decidiu explicar o que de fato aconteceu e o que seria essa “taxa sobre o Pix”.

Como verificamos: É possível consultar as normas referentes ao Pix no site do Banco Central (aqui e aqui). Já as informações sobre o anúncio da cobrança de contas de pessoas jurídicas foram encontradas no site da Caixa (aqui e aqui). Mais informações foram solicitadas por e-mail à assessoria de comunicação do banco. Entrevistamos Mareska Tiveron, especialista em direito bancário e Rafael Gomes Gobbi, especialista em direito tributário.

Quais as regras de tarifação do Pix

Pessoas físicas, MEIs e empresas individuais (EIs) não podem ser tarifadas quando fazem um pagamento via Pix – exceto quando o fazem por canais presenciais ou por telefone. Por isso, há uma ideia equivocada de que o Pix não seria tarifado em nenhuma hipótese.

Pessoas físicas podem ter o Pix tarifado quando:

  • Recebem o dinheiro com fins comerciais, isto é, como pagamento por uma atividade comercial ou serviço.
  • Recebem mais de 30 Pix por mês.
  • Recebem com QR Code dinâmico ou QR Code estático.

Também é possível ser tarifado no recebimento em uma conta definida em contrato como de uso exclusivamente comercial.

Já as contas de pessoas jurídicas podem ser tarifadas tanto no pagamento quanto no recebimento de Pix. Se ela receber o Pix de pessoa física, MEI, EI ou de outra empresa por QR Code, também pode ser tarifada.

Alguns dos maiores bancos do país já cobram a tarifa pelo uso do pagamento Pix por empresas jurídicas (InfoMoney, Estadão): Banco do Brasil, Santander, Bradesco e Itaú. O MercadoPago cobra a depender da modalidade como, por exemplo, por meio de QR Code. Nubank, Inter e C6 não cobram. Na Caixa, antes de ser suspensa, a cobrança seria de 0,89% do valor da operação, com limite de tarifa de R$ 8,50 para modalidade de transferência e de R$ 130 para modalidade de compra.

Qual a diferença entre tarifa e imposto?

Mareska Tiveron, especialista em direito bancário, explica que tarifa é a cobrança pelo uso de serviços não essenciais, feita indiretamente pelo estado por meio de empresas privadas de prestação de serviço em nome do estado. “A empresa pode ou não usar o Pix e, portanto, somente pagará a tarifa se efetivamente usar o serviço ou se o banco escolher cobrar tal valor.”

O imposto, por outro lado, é cobrado diretamente pelo governo sem a intermediação das empresas e sem a possibilidade de dizer que o serviço prestado é facultativo.

Rafael Gomes Gobbi, especialista em direito tributário, concorda que a cobrança anunciada seria uma tarifa, e não um imposto. “Trata-se de um serviço não essencial, cabendo a cada empresa a decisão pela utilização ou não do serviço.”

Por que explicamos: O Comprova Explica esclarece temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. O Pix é uma forma de pagamentos nova que ganhou alta adesão e popularidade. Desde a eleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi alvo de boatos que o acusavam de querer acabar com o Pix.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou ser falso que o plano de governo de Lula, durante a campanha eleitoral, incluiria a tarifação do Pix. Também mostrou que o Pix estava em discussão no Banco Central desde 2018.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-06-20

Entenda o que é e como atua o Foro de São Paulo

  • Comprova Explica
Comprova Explica
A proximidade do 26º encontro do Foro de São Paulo, que será realizado em Brasília no final de junho, tem gerado críticas de políticos de direita e um crescimento da circulação de conteúdos de desinformação nas redes sociais. Este Comprova Explica tem o objetivo de esclarecer o que é o Foro de São Paulo, como atua o grupo formado por partidos de esquerda da América Latina e sua influência política na região.

Conteúdo analisado: O Foro de São Paulo é frequentemente citado em conteúdos de desinformação, principalmente aqueles produzidos por grupos de direita e extrema-direita. O grupo já foi acusado, por exemplo, de ser uma “organização terrorista”, de ser o elo de ligação entre o narcotráfico colombiano e o PT e de causar desestabilização política durante a pandemia de coronavírus. O 26º encontro do Foro, que acontecerá em Brasília, tem sido criticado por cobrar a inscrição dos participantes em dólar, mas também gerado desinformação, como em uma postagem que afirma ser o encontro a prova de que o grupo existe, ao contrário do que teria a “contra-informação petista” e a mídia.

Comprova Explica: Com a proximidade do 26º Encontro do Foro de São Paulo, que ocorrerá em Brasília entre os dias 29 de junho e 2 de julho deste ano, a existência da entidade e sua maneira de atuação foram alvo de críticas e de desinformações. Políticos de direita, como os deputados federais Bia KicisGustavo Gayer e os senadores Flavio Bolsonaro e Eduardo Girão, reforçaram o tom contrário ao evento que volta a ocorrer de forma presencial pela primeira vez desde 2019.

O Foro de São Paulo não é uma entidade política, como um partido. Mas reúne diversos partidos do Brasil e de outros países latino-americanos. Dessa forma, mesmo que indiretamente, o Foro tem alguma influência política. É importante lembrar que, atualmente, o Brasil é governado por um dos fundadores do Foro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O grupo é uma organização de partidos e entidades de esquerda de países da América Latina e do Caribe fundada pelo presidente Lula e pelo ex-presidente de Cuba Fidel Castro, em 1990. O primeiro encontro do grupo aconteceu na cidade de São Paulo, em julho daquele ano, e reuniu 48 partidos e organizações.

Nesse encontro foi formulada a Declaração de São Paulo, que registra alguns dos princípios e objetivos da organização. Entre eles estão a defesa da democracia, defesa da integração e soberania dos países latino-americanos e o combate ao imperialismo e ao neoliberalismo. O Foro se encontra anualmente para debater a atuação do grupo e delibera, ao final e em consenso, uma carta com as diretrizes definidas.

Esse Comprova Explica tem o objetivo de esclarecer o que é o Foro de São Paulo e a sua influência e importância política para a América Latina, sobretudo no Brasil.

Como verificamos: Pesquisamos reportagens, entrevistas, documentos e artigos científicos sobre o Foro de São Paulo, sua criação e atuação. Também encontramos atas dos últimos encontros do grupo, assim como as cartas assinadas pelos membros ao final das reuniões, que ocorriam anualmente até 2019. Os encontros foram suspensos em razão da pandemia de covid-19 e serão retomados neste ano, em Brasília.

Também entrevistamos o professor de economia política internacional Valter Pomar, que já foi secretário-executivo do grupo entre 2005 e 2013, sobre como o Foro se organiza e atua. Por fim, pedimos confirmações aos partidos políticos do Brasil que constam como integrantes do Foro de São Paulo sobre se a situação permanece atual.

Como surgiu o Foro de São Paulo

Em julho de 1990, a partir de uma convocatória de Lula e do ex-presidente de Cuba Fidel Castro (Partido Comunista de Cuba) para o “Encontro de Partidos e Organizações de Esquerda da América Latina”, 48 entidades se reuniram em São Paulo. Nesse encontro foi formulada a Declaração de São Paulo, que registra alguns dos princípios e objetivos da organização ali criada e faz nova convocação para o ano seguinte, no México. Nesse novo encontro foi consagrado o nome do grupo como Foro de São Paulo (FSP).

A declaração com os princípios e objetivos do FSP trata da defesa da democracia, da integração e soberania dos países latino-americanos e do combate ao imperialismo e ao neoliberalismo. Segundo a própria entidade, sua existência se deu em um contexto dos anos 1990 em que os partidos de esquerda buscavam dialogar na América Latina e no Caribe para “resistir às políticas ortodoxas do modelo neoliberal e estabeleceram interlocuções importantes junto aos movimentos sociais, sindicais e populares, no bojo das campanhas contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e de construção do Fórum Social Mundial”.

A dissertação do mestre em Integração da América Latina Ricardo Abreu de Melo, intitulada “O Foro de São Paulo: uma experiência internacionalista de partidos de esquerda latinos-americanos”, ressalta que a entidade surge “em meio ao processo que resultou na dissolução da União Soviética e no fim dos regimes aliados a ela no Leste Europeu, que causou perplexidade e crise na esquerda em todas as partes do mundo”. Melo complementa que nos anos anteriores à criação do FSP muitos países latino-americanos passaram por ditaduras militares de direita e com o insucesso de experiências socialistas.

Havia, na época, conforme o texto de Ricardo Abreu de Melo, a intenção de pluralizar a discussão na esquerda, sem que se tivesse um partido único ou a criação de uma nova Internacional Comunista. O FSP, portanto, correspondia a uma necessidade de unir esforços comuns de reflexão teórica e política e de coordenação de partidos e movimentos de esquerda. Nesta perspectiva, ele se caracteriza como espaço plural e unitário de partidos de “esquerda”, no sentido mais amplo do termo.

Em seu discurso no 17º Encontro do FSP, na Nicarágua, em 2011, Lula afirmou que no surgimento da entidade “ainda não havíamos aprendido uma lição básica que permitiria à esquerda chegar ao poder: é preciso unir as diferenças para derrotar os antagônicos”, citando o pedagogo Paulo Freire. Segundo o site da organização, atualmente são membros do FSP 134 partidos de 28 países. No Brasil, são membros os partidos:

  • Partido Comunista Brasileiro (PCB)
  • Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
  • Partido dos Trabalhadores (PT)

Embora o Partido Popular Socialista (antigo PPS, hoje Cidadania) conste no site como membro do Foro, a sigla esclarece que, desde 2004, não integra mais o grupo. Em comunicado no site do partido, o Cidadania afirma que o afastamento se deu “por discordarem dos rumos que o Foro tomou e que se refletiu na supressão cada vez maior do debate e do pluralismo de ideias no campo das esquerdas latino-americanas com o hegemonismo das concepções bolivarianas antidemocráticas e populistas e com um excessivo, e para nós abusivo, protagonismo do Trio Fidel Castro-Hugo Chavez-Lula”.

O partido diz ainda que já solicitou a formalização de sua saída, inclusive com a retirada do nome do site do Foro, mas o pedido ainda não foi atendido.

O PDT, que também está na lista do site como membro, negou que faça parte do Foro. O Comprova entrou em contato com o PCdoB e com o PCB por email e telefone para confirmar a ligação deles com o grupo, mas não houve retorno.

Atuação

De acordo com o professor de economia política internacional no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Valter Ventura da Rocha Pomar, o FSP realiza reuniões periódicas. “As gerais são os encontros, dos quais participam todos os partidos integrantes. O próximo encontro será no fim de junho, início de julho deste ano, em Brasília”, afirma. Pomar foi secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores (2005-2010) e secretário executivo do Foro de São Paulo (2005-2013).

O professor explica que também há reuniões chamadas de Grupo de Trabalho, nas quais participam um número menor de partidos e que funcionam como uma espécie de coordenação. “Há também reuniões regionais: mesoamérica e caribe, andino amazônica e cone sul. E há a secretaria executiva, sob o encargo do Partido dos Trabalhadores (PT)”, diz. Segundo ele, os gastos do FSP são apenas com suas reuniões, em que “cada partido financia sua participação”.

Pomar ressalta que o FSP funciona por consenso. “E não é uma organização centralizada, ou seja, ninguém é obrigado a cumprir as decisões que constem da Declaração, que tem, portanto uma força moral”, diz. Segundo o mestre em História Yuri Soares Franco, em sua dissertação de mestrado, “A Influência do Foro de São Paulo nas estratégias políticas das esquerdas latino-americanas (1990-2019), o FSP “não centraliza nem se propõe a centralizar o posicionamento interno dos partidos. Portanto, conclui-se que é exagerada a imputação ao Foro das mudanças realizadas nos partidos de esquerda do continente”.

Franco considera que a história do FSP foi marcada por três momentos. O primeiro vai desde a sua fundação até o ciclo de vitórias eleitorais do início do século XXI; o segundo se inicia com as vitórias de seus partidos no início do século XXI; e o terceiro, em que novamente a maioria dos seus partidos integrantes estão na oposição. No entanto, o historiador disserta que isso não alterou os métodos da entidade, que continua agindo sob “os mesmos programas e as mesmas alianças decididas nos anos 1990 e aprofundados nos anos 2000”.

Importância

No final da década de 1990 e no começo dos anos 2000, muitos partidos integrantes do Foro de São Paulo assumiram, pela primeira vez, os governos de países das regiões, como ocorreu, por exemplo, no Brasil, com Lula (2003), na Venezuela, com Hugo Chávez (1999), na Bolívia, com Evo Morales (2006), e Uruguai, com José Mujica (2010). O movimento passou a ser chamado de “Guinada à Esquerda” e, atualmente, com vitórias eleitorais de partidos de esquerda, há discussão sobre uma “Nova Guinada à Esquerda” na América Latina (Open Democracy e Folha de S.Paulo).

A partir dos anos 2000, o Foro passou a ser descrito não só como responsável pela Guinada à Esquerda, mas também como uma “organização criminosa” pelo escritor Olavo de Carvalho, influenciador da direita e do bolsonarismo. Em 2007, em seu livro “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, Carvalho afirmou que o “Foro de São Paulo é a mais vasta organização política que já existiu na América Latina e, sem dúvida, uma das maiores do mundo. Dele participam todos os governantes esquerdistas do continente. Mas não é uma organização de esquerda como outra qualquer”.

Carvalho afirma, sem qualquer documento comprobatório, que o FSP “reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos sequestros, como as Farc e o MIR chileno, todas empenhadas numa articulação estratégica comum e na busca de vantagens mútuas”. O Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR, em espanhol) faz parte do FSP, embora a organização, desde o fim da ditadura militar no Chile, rechaça a continuação da luta armada que ocorreu entre 1973 e 1988.

Com relação às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), nunca houve participação oficial no grupo, que deixou de existir oficialmente em 2016, após acordo de paz com o governo colombiano. Porém, o ex-grupo guerrilheiro ingressou na política partidária, com atuação legal e espaço no congresso nacional, como Força Alternativa Revolucionária do Comum. Em 2021, o grupo mudou novamente de nome, para Comunes, na tentativa de se dissociar da imagem da Farc. O Comunes é integrante do FSP.

Em 2019, chegou a circular uma desinformação na internet de que a agência de inteligência dos Estados Unidos, a CIA, teria colocado o FSP em uma lista de organizações terroristas, o que foi desmentido pelo G1 e UOL Confere. No mesmo ano, a BBC publicou reportagem na tentativa de explicar o motivo da direita dar mais importância ao FSP do que a esquerda.

Nela, o professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e fundador do Instituto Millenium, que atua na defesa de pautas liberais, Denis Rosenfield, afirmou que “o Foro de São Paulo hoje é muito mais uma necessidade da extrema-direita do que da esquerda”. “Olavo de Carvalho e sua turma vão brigar com quem? Com o Rodrigo Maia? O pensamento deles funciona com base nessa conspiração, em que há um grande projeto de dominação das esquerdas cujo centro de comando é o Foro. É contra esse inimigo que essas pessoas se orientam e se unem”, disse.

Para Rosenfield, na ocasião, o FSP serviu para retroalimentar as ideologias dos governos de esquerda, mas que perdeu qualquer importância com a derrota dos mesmos, o que ocorreu no final da década de 2010. O jornalista e escritor Felipe Moura Brasil, que organizou a obra de Olavo de Carvalho, chegou a descrever em 2020 o FSP como o maior inimigo do Brasil. Para Valter Pomar, episódios como esse indicam que “de fato, a extrema-direita brasileira dá muita importância para o Foro. Nem mesmo o Foro se dá tanta importância”.

Pomar explica que o FSP “foi um dos espaços onde se articulou a resistência contra a onda neoliberal que varreu a região na década dos 1990”. Mais recentemente, ele serviu para articulação dos partidos contra a nova onda de governos de direita na América Latina, a partir de 2008. “Agora, cabe ao Foro, na minha opinião, ser um dos espaços para rearticular a integração regional e uma política comum de desenvolvimento”, considera o professor e ex-secretário-geral do FSP.

O historiador Yuri Soares Franco, em sua dissertação de mestrado, estudou a influência do FSP nos governos de esquerda do século XXI. “As fontes aqui pesquisadas indicam que essa influência se deu de forma indireta. O Foro não era o único espaço de troca de opiniões em que as estratégias eram discutidas, tampouco o único lugar no qual as políticas públicas de maior sucesso eram divulgadas. As formulações nestas áreas eram oriundas de cada país, e mesmo quando havia influências externas, ocorria uma adaptação às realidades nacionais antes de sua implementação”, escreveu.

No Brasil, segundo o estudo “O Foro de São Paulo e a Política Externa do Partido dos Trabalhadores: convergências ou divergências nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff”, alguns traços da política externa dos governos petistas se assemelham, pelo menos em discurso, com as resoluções anuais do FSP. “Dentre eles, podemos citar a importância aos processos de integração regional como conditio sine qua non para favorecer a diminuição da desigualdade socioeconômica entre os países e a defesa em uníssono de políticas públicas que refutem o modelo neoliberal.”

“Ao mesmo tempo, a ampla variedade da composição dos partidos políticos integrantes do Foro, somados a distinções gritantes entre os países partícipes, acabou por conferir um caráter muito mais idealizado do que efetivo das resoluções. Ainda que haja uma convergência em torno de temas gerais que podemos caracterizar como progressistas, a realidade de cada país, com suas lutas políticas domésticas singulares, acabaram por conferir um traço muito mais discursivo do que efetivo às decisões”, afirma o trabalho.

26º Encontro do FSP

Entre os dias 29 de junho e 2 de julho acontece em Brasília o 26º encontro do Foro de São Paulo. Segundo o Correio Braziliense, este será um dos maiores encontros desde que o grupo foi criado, em 1990. O jornal apurou que confirmaram presença membros de governo, partidos políticos e organizações de esquerda de 23 países. É possível acessar a programação completa aqui.

O presidente Lula foi convidado a participar, mas ainda não confirmou, oficialmente, participação no evento. Também é esperada a presença de representantes de países de fora da América Latina e do Caribe, como Estados Unidos e Arábia Saudita. Também foi alvo de crítica a suposta contradição do FSP ao cobrar sua inscrição em dólar, moeda dos EUA, visto se tratar de uma entidade anti-imperialista.

Segundo a página do evento, ele tem o objetivo de discutir “a necessidade de construir a integração de nossos países, proteger nossa natureza, povos e soberania, além de lutar contra os efeitos do neoliberalismo em nossa região, convoca forças progressistas, populares e de esquerda a se reunirem novamente para refletir e debater nossos desafios e direções”. Em abril, um Grupo de Trabalho foi realizado na Colômbia como preparação para o 26º Encontro.

O último encontro realizado pelo FSP foi em 2019, em Caracas (Venezuela), e a declaração final foi no sentido de enfrentar o avanço dos governos de direita na América Latina, como o do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL). Outro ponto foi um pedido para a libertação de Lula, que ainda se encontrava preso em decorrência dos processos da Operação Lava Jato. Em anos anteriores, a declaração final já manteve pedidos diversos, como, por exemplo, a independência de Porto Rico em relação aos EUA e a devolução do território de Guantánamo a Cuba.

Por que explicamos: O Comprova Explica tem a função de esclarecer temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. Conhecer a origem e a atuação do Foro de São Paulo, neste caso, permite entender qual a importância do grupo perante as políticas públicas e desdobramentos internacionais com relação às entidades que o compõem. Além disso, tenta evitar que desinformações e conspirações sejam propaladas a partir da existência do Foro.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova e outras iniciativas de checagem verificaram conteúdos sobre o Foro de São Paulo ou que citavam a organização. Um dos conteúdos analisados usava a participação de representantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em algumas reuniões do Foro para supostamente embasar uma ligação do PT com narcotraficantes. Outra checagem do Comprova demonstrou que o Foro não estava na lista de entidades que recebiam financiamento do bilionário George Soros.

Peças de desinformação que citam a organização também já foram checadas pelo Estadão, Aos Fatos, Agência Lupa e AFP (aqui e aqui).

Política

Investigado por: 2023-06-19

Vídeo de pole dance com Jesus crucificado foi gravado nos Estados Unidos, e não no Brasil

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso um post que associa uma performance de pole dance em uma cruz à Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo e ao governo federal. As imagens foram gravadas durante o evento Easter Sunday (Domingo de Páscoa, em tradução livre do inglês), realizado em São Francisco, nos Estados Unidos, em abril deste ano.

Conteúdo investigado: Post no TikTok mostra vídeo no qual um homem aparece representando Jesus crucificado, enquanto outro faz pole dance na cruz com o homem preso a ela. As imagens são apresentadas após o tiktoker afirmar que não concorda com o atual governo e que apoiadores da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “estão brincando com a crença do povo brasileiro, com o evangelho, com nosso Deus, com nosso Jesus”. A publicação foi feita um dia após a realização da 27ª edição da Parada do Orgulho LGBT+, em São Paulo.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É enganoso post que associa uma performance de pole dance em uma cruz registrada em São Francisco, na Califórnia, estado norte-americano, ao governo brasileiro e à Parada do Orgulho LGBT+, realizada em 11 de junho em São Paulo.

As imagens, na verdade, foram gravadas na Páscoa deste ano, em 9 de abril, durante o evento anual Easter Sunday (Domingo de Páscoa, em tradução livre do inglês), quando são realizados os concursos de fantasia Hunky Jesus (Jesus Bonitão, em tradução livre do inglês) e Foxy Mary (Maria Sexy, também em tradução livre do inglês). A ação é organizada desde 1979 pelo grupo Sisters of Perpetual Indulgence, um coletivo composto por pessoas LGBT+.

Uma busca no Google pelas palavras “cruz”, “dança” e “Jesus”, em português e inglês, levou a notícias sobre o evento e a posts contendo vídeos e fotos da mesma apresentação. Estes conteúdos viralizaram e renderam protestos de grupos católicos.

| É possível ver as mesmas pessoas no vídeo utilizado na postagem verificada e em outro, disponível no YouTube desde maio.

Imagens da performance chegaram a ser utilizadas pelo jornal Daily Mail, ao noticiar, em 24 de maio, que a equipe de beisebol LA Dodgers se desculpou com o coletivo Sisters of Perpetual Indulgence por ter desconvidado-o, em 17 de maio, para uma premiação. O time havia desistido da homenagem após a polêmica em decorrência de imagens oriundas do evento realizado na Páscoa. Ao final, voltou atrás e a homenagem aconteceu no último dia 16.

Uma reportagem do noticiário San Francisco Chronicle também apresenta uma foto da performance e informa que ela foi realizada pelos artistas Bob Exothermal e Aurora Rose. Uma busca pelos dois nomes no Instagram levou aos perfis de ambos, onde foram feitas postagens (Bob e Aurora) sobre a apresentação.

Em seu site, o grupo Sisters of Perpetual Indulgence afirma usar de “humor e sagacidade irreverente para expor as forças da intolerância, complacência e culpa que acorrentam o espírito humano”.

No Brasil, a 27ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ ocorreu em 11 de junho, em São Paulo, com o tema “Políticas sociais para LGBT+: Queremos por inteiro, não pela metade”.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post aqui verificado teve 30,8 mil visualizações, além de 2,1 mil curtidas, 205 comentários e 363 compartilhamentos no TikTok até o dia 19 de junho.

Como verificamos: Fizemos uma busca no Google por combinações de palavras-chave, como “cruz”, “dança” e “Jesus”, em português e inglês, que nos levaram a notícias e posts sobre o assunto. Também pesquisamos informações sobre a Parada do Orgulho LGBT+ no Brasil. Foram consultadas verificações de outras agências sobre o fato, que estão citadas ao fim deste texto. Por fim, procuramos o autor do post.

O que diz o responsável pela publicação: Procurado, o perfil @isacfaris não respondeu até a publicação desta checagem. Esta não é a primeira vez que um post feito por ele é alvo de checagem do Comprova. Anteriormente, ele espalhou de forma falsa que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, teria convocado o Congresso norte-americano por falas de Lula em apoio à Venezuela.

O que podemos aprender com esta verificação: Imagens relacionadas ao movimento LGBT+ fora de contexto podem incentivar ataques de ódio contra a comunidade, que já é alvo frequente de condenações morais e violências. Como é comum o aumento de desinformação circulando nas redes sociais durante e após a realização de eventos da comunidade, é importante o usuário estar atento àquilo que é ou não verdadeiro. Imagens podem ser consultadas com o uso de ferramentas de busca reversa, como a que o Google disponibiliza. Também é possível usar o mesmo buscador para combinar palavras-chave e procurar por notícias publicadas pela imprensa sobre o assunto, como foi feito pelo Comprova.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo foi checado por Estadão Verifica, Aos Fatos, Reuters, AFP Checamos e UOL Confere. Já o Comprova demonstrou recentemente ser enganoso um post que associa uma foto de uma criança interagindo com homens com máscara de cachorro, registrada em 2019, no Canadá, à Parada LGBT+ de São Paulo.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-06-19

Entenda a crise humanitária na Terra Indígena Yanomami

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Após o agravamento da crise humanitária na Terra Indígena Yanomami, no Norte do Brasil, durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou ações emergenciais que incluem atendimentos em saúde, distribuição de alimentos e combate ao garimpo ilegal na região. Em relação à saúde dos indígenas, contudo, a recuperação é complexa e lenta devido aos casos severos de desnutrição, que podem necessitar meses de tratamento médico. De acordo com o último informe semanal de saúde do Centro de Operação de Emergências (COE) Yanomami, publicado em 16 de junho, já foram registradas 129 mortes neste ano na terra indígena, a maior parte (43,4%) entre crianças de até quatro anos. A principal causa das mortes são doenças infecciosas, em especial pneumonia, agravadas pelos quadros de desnutrição. O Ministério da Saúde pontua que esses dados ainda estão em processo de revisão.

Conteúdo analisado: Após o informe publicado em 22 de maio pelo Centro de Operação de Emergências (COE) Yanomami relatar a ocorrência de 122 mortes entre os yanomamis nos quatro primeiro meses de 2023 (o número subiu para 129 em junho), um site publicou a informação acrescentando, ao título, a pergunta: “Quem é o genocida?”. O comentário faz uma crítica ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), cuja gestão é alvo de investigação por suspeita de prática de genocídio, por determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), devido à crise na comunidade indígena. Em função disso, o Comprova decidiu explicar a crise humanitária dos yanomamis.

Comprova Explica: Há décadas, as comunidades que vivem na Terra Indígena Yanomami, no Norte do Brasil, sofrem com a interferência de não indígenas na região, principalmente devido ao garimpo ilegal, que aumentou consideravelmente os índices de violência, degradação ambiental – impactando diretamente na alimentação – e doenças.

Contudo, ao término do mandato de Bolsonaro, em dezembro de 2022, o cenário estava agravado pela desestruturação de órgãos de fiscalização e de saúde e pelo desmonte de políticas públicas ambientais e indigenistas, associados à gestão da pandemia de covid-19.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, em janeiro deste ano, que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue suspeitas da prática de genocídio e de outros crimes por parte de autoridades do governo de Bolsonaro, devido à situação enfrentada pela comunidade Yanomami.

No mesmo mês, ao assumir o governo, o presidente Lula anunciou uma série de medidas que visam socorrer os povos que vivem na área Yanomami. Os quadros de subnutrição severos são difíceis de serem revertidos e levam meses de tratamento.

De acordo com o último informe semanal de saúde do Centro de Operação de Emergências (COE) Yanomami, de janeiro a 7 de junho foram registradas 129 mortes na área, a maioria (43,4%) entre crianças de até quatro anos. A principal causa das mortes são doenças infecciosas, principalmente pneumonia.

O Ministério da Saúde pontua que esses dados estão em processo de revisão e que o número de óbitos representa o acumulado de registros, visto que existe um represamento dos dados do território. Dessa forma, não é possível apresentar o cálculo mensal de óbitos.

Esse Comprova Explica tem o objetivo de informar sobre o agravamento da crise Yanomami e quais ações estão sendo tomadas para mudar a realidade dos indígenas.

Como verificamos: Inicialmente, consultamos a base de dados Terras Indígenas no Brasil para realizarmos um resgate histórico sobre como a situação do povo se agravou. Em seguida, buscamos notícias em diferentes veículos que denunciaram o agravamento da crise nos últimos anos. Consultamos, por fim, quais ações foram anunciadas pelo atual governo e o que foi executado até o momento.

O que é o território Yanomami?

Com uma área de mais de 9 milhões de hectares, em um perímetro de 3.370 km, a Terra Indígena Yanomami está localizada na Amazônia Legal e ocupa parte dos estados de Roraima e Amazonas, na região Norte do Brasil, fazendo fronteira com a Venezuela. O território, homologado por decreto presidencial em 1992, sobrepõe três unidades de conservação: o Parque Nacional Pico da Neblina, o Parque Estadual Serra do Aracá e a Floresta Nacional Amazonas.

O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) informou ao Comprova que a população atual é estimada em 27 mil indígenas vivendo do lado brasileiro, segundo dados preliminares do Censo 2023. Há yanomamis também na Venezuela.

A Terra Indígena abriga oito povos diferentes, incluindo indígenas considerados isolados, ou seja, que não mantêm relações permanentes com não indígenas. Ocupam o território os Isolados da Serra da Estrutura, Isolados do Amajari, Isolados do Auaris/Fronteira, Isolados do Baixo Rio Cauaburis, Isolados Parawa u, Isolados Surucucu/Kataroa, Yanomami e Ye’kwana.

Ao longo dee décadas, a invasão das terras, em especial por garimpeiros ilegais, afetou a população yanomami em vários aspectos, principalmente pela escalada da violência no território, o aliciamento dos jovens, a contaminação dos rios e a intoxicação de pessoas, animais e plantios pelos dejetos do garimpo ilegal. Também foi registrado aumento significativo dos casos de malária, infecções sexualmente transmissíveis e outras doenças.

Os primeiros contatos entre os yanomamis e não indígenas ocorreram entre 1910 e 1940, e foram intensificados a partir da instalação permanente de missões religiosas e postos do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Na década de 1970, houve outra fase de contato, com o início dos projetos de desenvolvimento do governo federal no âmbito do Plano de Integração Nacional (PIN), incluindo a abertura da Rodovia Perimetral Norte (BR-210), o que começou a afetar a saúde da população indígena devido ao contato com os trabalhadores da obra.

No mesmo período, o Projeto Radar na Amazônia (Radam) – Brasil revelou a existência de um grande potencial mineral estratégico de cassiterita, nióbio, ouro e outros metais no território Yanomami. Entre 1975 e 1976, garimpeiros invadiram a Serra de Surucucus e, em 1980, ocorreu outra invasão, desta vez no Furo Santa Rosa do Rio Uraricoera.

Na segunda metade da década de 1980, a invasão garimpeira aumentou consideravelmente na área e as rotas dos garimpeiros intensificaram as epidemias, provocando grave degradação sanitária, ambiental e social. Desde então, ocorreram operações para a retirada dos garimpeiros, que sempre acabam retornando.

O agravamento da crise no governo Bolsonaro

Embora a Terra Indígena Yanomami já apresentasse problemas na assistência de saúde e com o avanço do garimpo ilegal, a situação se agravou durante a gestão de Bolsonaro, eleito em 2018. Ele é apontado como responsável pela desestruturação de órgãos de fiscalização e saúde e pelo desmonte de políticas públicas ambientais e indigenistas, que, junto da má gestão da pandemia de covid-19, resultou no aprofundamento da crise. Bolsonaro é investigado por suposta prática de genocídio contra a população.

De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), agravadas ao longo dos últimos cinco anos, as razões da crise humanitária Yanomami são a “desestruturação da assistência à saúde indígena e a invasão garimpeira, responsável por uma série de impactos sanitários, ambientais, socioculturais e econômicos sobre as comunidades”.

A crise humanitária dos yanomamis foi noticiada pela imprensa nacional, sobretudo por Sumaúma, que, em 20 de janeiro de 2023, divulgou que 570 crianças de até cinco anos morreram de doenças evitáveis, entre 2019 e 2022, na terra indígena. Elas foram mortas principalmente pela contaminação por mercúrio, desnutrição e fome. O número é 29% maior do que nos quatro anos anteriores, dos governos de Dilma Rousseff (PT) e de Michel Temer (MDB), conforme informações de Sumaúma.

Garimpo ilegal

Em abril de 2022, a ONG Hutukara Associação Yanomami (HAY) divulgou o relatório “Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”, mostrando que, em 2021, o garimpo ilegal havia avançado 46% em comparação a 2020. Entre 2016 e 2020, a região registrou crescimento de 3.350% da prática. A atividade afeta diretamente 273 comunidades, somando mais de 16 mil pessoas, ou seja, 56% da população total. Conforme o relatório, a malária aumentou em zonas de forte atuação garimpeira, como nas regiões do Uraricoera, Palimiu e Waikás. No Palimiu, em 2020, houve mais de 1.800 casos.

No início do monitoramento, em outubro de 2018, a área total da Terra Indígena Yanomami destruída pelo garimpo somava pouco mais de 1.200 hectares. Em dezembro de 2021, a superfície impactada atingiu 3.272 hectares.

Conforme levantamento do MapBiomas, a área do garimpo no Brasil passou de 99 mil hectares para 196 mil hectares entre 2010 e 2021. A expansão garimpeira na Amazônia foi mais intensa em áreas protegidas, como territórios indígenas e unidades de conservação. No mesmo período, as áreas de garimpo em terras indígenas cresceram 632%, ocupando quase 20 mil hectares em 2021. A mais explorada foi a Kayapó, no Pará, com 11.542 hectares tomados pelo garimpo. Em seguida vem o território Munduruku, no mesmo estado, com 4.743 hectares; a terra Yanomami, com 1.556 hectares; a Tenharim do Igarapé Preto, no Amazonas, com 1.044 hectares; e o território Apyterewa, também no Pará, com 172 hectares.

No final de 2020, somava-se 2,4 mil hectares de área degradada pelo garimpo ilegal na terra Yanomami. Desse total, 500 hectares foram registrados entre janeiro e dezembro daquele ano. Os dados são do relatório “Cicatrizes na floresta: evolução do garimpo ilegal na TI Yanomami em 2020“, da HAY.

Como mostrou o Estadão, o garimpo ilegal na região contaminou afluentes, e garimpeiros impediram o acesso de serviços de saúde às comunidades isoladas. Em dezembro de 2022, um posto de saúde chegou a ser queimado na região do Homoxi, em Roraima.

A atividade garimpeira, inclusive ilegal, é defendida por Bolsonaro desde antes de ter se tornado presidente. Em fevereiro do ano passado, o ex-presidente editou um decreto para instituir o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mapa), para estimular o garimpo e direcionar as ações à região da Amazônia Legal.

Em 2020, o governo Bolsonaro foi informado sobre a destruição de uma comunidade Yanomami por garimpeiros, mas nenhuma ação efetiva foi tomada, conforme noticiou Sumaúma.

Pandemia e desmonte de estruturas de saúde

Em 2022, durante a pandemia de covid-19, o Ministério da Saúde deixou faltar cloroquina para atender os casos de malária entre indígenas da Amazônia. A falta do medicamento, conforme noticiou a Folha, ocorreu depois de Bolsonaro ter colocado em prática o plano de usar o remédio para o combate à covid-19, o que não possui sustentação científica.

Entre 2019 e 2020, a taxa de óbitos evitáveis de crianças com menos de cinco anos no Brasil foi cerca de 165 a cada 100 mil habitantes, de acordo com informações obtidas pela Agência Pública no DataSUS. Na Terra Indígena Yanomami, no mesmo período, a taxa foi de 2.275 mortes a cada 100 mil habitantes. São 13,7 vezes mais crianças que perderam a vida.

A partir de 2020, o governo Bolsonaro passou a ignorar decisões judiciais do STF e da Justiça Federal de Roraima para garantir o atendimento aos indígenas yanomamis na pandemia (como garantir a vacinação e a presença de profissionais da saúde no local, enviar medicamentos, insumos e cestas básicas e implantar barreiras sanitárias). Segundo o The Intercept, foram ignorados, também, 21 ofícios com pedidos de ajuda dos Yanomami em 2021.

Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami, disse nas redes sociais que denuncia a situação há cinco anos e que o governo Bolsonaro ignorou pelo menos 50 ofícios enviados.

Dados publicados em setembro de 2022 por Sumaúma mostram que, desde julho de 2020, os cerca de 20 mil garimpeiros que invadiram o território Yanomami obrigaram polos de saúde que atendem os indígenas a fecharem por 13 vezes.

Desnutrição e malária nas crianças yanomamis

Nos três primeiros anos do governo Bolsonaro (2019-2021), ao menos 14 crianças menores de cinco anos morreram em decorrência de malária, segundo dados obtidos pela Agência Pública junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Considerando apenas 2019 e 2020, os últimos anos em que há dados nacionais disponíveis, foram oito mortes por malária na Terra Indígena Yanomami, o equivalente a dois terços do total de óbitos nessa faixa etária em todo o Brasil, onde 12 crianças faleceram por complicações da doença.

Em 2021, cerca de 56% das crianças da Terra Indígena Yanomami tinham quadro de desnutrição aguda (peso baixo ou baixíssimo para a idade), conforme dados da Sesai fornecidos à Agência Pública.

Em setembro de 2021, a Pública também revelou que o índice de mortes por desnutrição na infância da Terra Indígena Yanomami era o maior do país, com 24 mortes por desnutrição entre 2019 e 2020, na faixa etária de até cinco anos.

Números atualizados mostram um cenário ainda pior: foram 29 óbitos, o que representa 7,7% do total de 374 mortes no país, mesmo com os yanomamis sendo cerca de 30 mil – apenas 0,013% da população brasileira. Quando se considera o índice por 100 mil habitantes, as mortes por desnutrição na infância entre os yanomamis ocorreram 191 vezes mais do que a média nacional. A Terra Indígena Yanomami contabiliza também pelo menos 14 crianças em 2021, ano que ainda não tem dados disponíveis em nível nacional.

No ano seguinte, de acordo com o G1, quase 100 crianças entre um e quatro anos morreram na Terra Indígena Yanomami, segundo dados do MPI divulgados em janeiro de 2023. As causas das mortes são, em sua maioria, desnutrição, pneumonia e diarreia.

Ainda segundo a notícia, foram confirmados 11.530 casos de malária no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, distribuídos entre 37 Polos Base, no ano passado. As faixas etárias mais afetadas são as maiores de 50 anos, seguida pela faixa etária de 18 a 49 e 5 a 11 anos.

Segundo Sumaúma, em 2019, ao menos 2.875 crianças yanomamis de até 5 anos (49% do total) tinham peso abaixo do esperado para a idade – sendo 1.601 delas com peso muito abaixo, a forma mais severa de desnutrição. No mesmo ano, 90% das crianças do território eram monitoradas, e os dados de desnutrição foram os maiores já detectados desde 2015, quando o sistema atual de armazenamento de dados começou a ser usado.

Em 2020, o número de crianças yanomamis acompanhadas passou a diminuir. Em 2022, a proporção de crianças de até 5 anos acompanhadas caiu para 75%.

Entre o primeiro e o último ano da gestão de Bolsonaro, pelo menos 876 crianças a menos foram acompanhadas regularmente. Em 2022, 2.205 dos 5.861 yanomamis de até 5 anos tinham peso abaixo do adequado, sendo 1.239 deles peso muito inferior do ideal. No entanto, pela falta de acompanhamento, o governo não sabe a situação nutricional de 1.494 crianças.

Como explicou reportagem do G1, os buracos que os garimpeiros abrem nos rios para a extração do ouro se tornam focos de água parada, ideais para a proliferação dos mosquitos que transmitem os parasitas causadores da malária.

Em 2022, quase 15 mil casos foram notificados, segundo dados do Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena. Isso num universo de cerca de 30 mil indígenas. Neste ano, até março, já eram mais de 3,4 mil casos, conforme o Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Malária.

Como é a recuperação do quadro de saúde dos yanomamis?

Em entrevista ao Jornal da USP, a professora Primavera Borelli, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP), explica que não só no caso dos yanomamis, mas em toda situação de fome, a recuperação da desnutrição é lenta, principalmente quando considerada crônica e severa, na qual houve restrição total de macronutrientes, como é o caso de muitos indígenas da área.

As complicações disso são a anemia e consequente comprometimento da função dos órgãos e da imunidade, o que aumenta o risco de infecções e a morbidade. Conforme a professora, perde-se gordura e a pessoa emagrece, havendo também a perda de músculos e, em estados mais graves, até de órgãos internos. “Isso, associado às infecções e à anemia, leva ao colapso final, à morte”, diz.

De maneira geral, a desnutrição afeta mais as crianças, principalmente abaixo de cinco anos, idade na qual a taxa de mortalidade é maior, o que aparece nas estatísticas yanomamis.

Conforme a professora, a reversão desses quadros depende da gravidade de cada caso e não é rápida. Nos hospitais é realizada alimentação parenteral, com hidratação, tratamento das comorbidades e recuperação nutricional com proteínas, macro e micronutrientes.

“Esse processo tem etapas que podem levar meses porque a recuperação do organismo leva tempo e as consequências dessas sequelas terão que ser avaliadas, pois podem ser duradouras, como a baixa estatura. Outras, como alterações funcionais, talvez não tão evidentes, podem levar a alterações cognitivas, cardiopatias, nefropatias e alterações de imunidade”, explica a professora, destacando que a diarreia e a pneumonia são as principais causas de mortes entre pessoas desnutridas.

Em relação aos povos originários, destaca, há o agravante de outras infecções porque eles não têm proteção contra doenças comuns entre não indígenas. Como a imunidade está alterada, a resposta desses organismos à vacinação também é menor, o que agrava o quadro no curto, médio e longo prazo.

O que o governo Lula fez até agora a respeito da situação?

Ainda em janeiro, quando foi empossado presidente, Lula esteve em Boa Vista, onde visitou a Casa de Saúde Indígena Yanomami (Casai Yanomami), acompanhado das ministras Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e Nísia Trindade (Saúde). À época, o governo anunciou uma série de medidas de socorro diante da grave crise de desassistência sanitária e nutricional na região.

A primeira medida adotada foi a instalação do Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública. Lula também editou decreto criando o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das populações em território Yanomami e o Ministério da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional diante da necessidade de ação urgente frente à crise. Entre as ações emergenciais, estavam o envio imediato de cestas básicas e suplementos alimentares para crianças de várias idades, bem como medidas de atenção à saúde.

Em abril, Lula assinou a Medida Provisória (MP) que liberou R$ 640 milhões para ações de proteção da vida, da saúde e da segurança das comunidades indígenas, especialmente dos yanomamis. A medida atendeu a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que determinou à União uma série de medidas emergenciais de assistência e proteção a povos indígenas, incluindo os yanomamis.

Os recursos foram repassados à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), vinculada ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), para regularização, demarcação, fiscalização de terras indígenas e proteção de povos isolados; para o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), para distribuição de alimentos a grupos populacionais tradicionais e a famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional temporária; para o Ministério da Defesa para apoiar ações emergenciais em terras indígenas; para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima para ações de fiscalização e de gestão de unidades de conservação em terras indígenas; e para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, para cobrir gastos diversos, incluindo deslocamento de policiais federais e rodoviários federais.

Na área da saúde, conforme o último informe de saúde do COE Yanomami, com dados de janeiro a 7 de junho, foram mobilizados até a data 707 profissionais de saúde, incluindo enfermeiros, médicos, agentes de combate a endemias, microscopistas e nutricionistas. Também foram enviadas à região mais de 3 milhões de unidades de medicamentos e insumos, contendo, entre outros, remédios para malária e influenza.

Em Roraima, a Casai atendeu 1.544 pessoas e concedeu 1.2631 altas. Foram atendidas mais 296 no hospital geral, 1.984 no Hospital de Campanha, que teve atividades encerradas em 21 de abril, 5.769 em polos bases e 6.895 no hospital da criança.

Em abril, foi inaugurado o Centro de Referência de Saúde em Saúde Indígena, na região de Surucucu, para atendimentos de urgência, consultas, exames e o tratamento de malária e desnutrição.

Um relatório da segunda quinzena de maio, fornecido pelo MPI ao Comprova, destaca que, até o início daquele mês, foram recuperadas 78 crianças que se encontravam em grave condição nutricional. Seis crianças continuavam com desnutrição grave e outras 23 estavam em tratamento.

Em relação à expulsão de garimpeiros da região, desde fevereiro são realizadas operações interagências com a participação de militares das Forças Armadas e de agentes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Funai, das polícias civil e federal, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Sesai.

A força-tarefa do governo federal tem o propósito de combater o garimpo ilegal, além do tráfico de drogas e realizar ações de caráter humanitário. Até o início de junho, haviam sido apreendidos 1.644 kg de drogas e inutilizadas oito aeronaves e 122 embarcações, entre dragas e balsas. Também foram transportadas 575 toneladas de material e entregues 23.702 cestas básicas às comunidades indígenas.

Outras ações também são desenvolvidas, como o fortalecimento do fornecimento de energia elétrica nas unidades de saúde do território e realização do censo na área pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com o objetivo de se pensar e propor políticas públicas. Os dados serão anunciados no dia 28 de junho.

Lula pediu, ainda, a retirada de tramitação do Projeto de Lei (PL) 191/2020 da Câmara dos Deputados. De autoria do governo Bolsonaro, o PL pretendia liberar a mineração, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas Terras Indígenas.

No começo de junho, mais de quatro meses depois da declaração do estado de emergência sanitária na reserva indígena, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que a situação melhorou, mas segue sendo preocupante. Conforme ela, houve recuperação nas taxas de desnutrição, mas ainda há grande número de casos de malária: 6.735 neste ano, com oito óbitos.

Por que explicamos: A questão Yanomami é complexa e tem servido para alimentar desinformação. A seção Comprova Explica foi criada para contextualizar e explicar temas complexos que envolvam políticas públicas no âmbito federal e que geram confusão e desinformação. 

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou outras alegações que desinformam sobre a atuação do governo federal em áreas de preservação. Foi demonstrado, por exemplo, que a retirada de produtores de arroz de terras indígenas não foi determinação de Lula, que terras indígenas em Rondônia não foram vendidas a empresa irlandesa e que vídeo engana ao dizer que o presidente vendeu floresta a mineradora em troca de dinheiro para o Fundo Amazônia.

Política

Investigado por: 2023-06-16

Vídeo de plantação destruída na Bahia é de 2019 e não mostra ação do governo federal

  • Enganoso
Enganoso
Não é verdade que um vídeo que mostra uma plantação destruída seja de 2023 e que a destruição tenha acontecido por ordem do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A gravação que viralizou agora é de 2019 e, de fato, mostra um bananal desmatado. A ação foi resultado de uma reintegração de posse nas cidades baianas de Juazeiro e Casa Nova, em área pertencente à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), que havia sido ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em 2012.

Conteúdo investigado: Vídeo que circula nas redes sociais mostra um homem, não identificado, denunciando a destruição, pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), de 1,7 mil hectares de que pertenceriam ao assentamento do MST Abril Vermelho, na Bahia.

Onde foi publicado: Telegram e WhatsApp.

Conclusão do Comprova: Não foi o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que ordenou, juntamente com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), a destruição de plantação no assentamento Abril Vermelho, em Juazeiro, na Bahia. O vídeo em que um homem faz tal afirmação e viralizou agora é de 2019, ou seja, foi gravado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas, circulando em posts nas redes sociais em junho de 2023, sugere ser uma ação do atual governo.

A gravação exibe um homem não identificado caminhando entre bananeiras no chão. “Uma situação dessa, as máquinas passando por cima, derrubando a planta do povo. Isso é uma injustiça, Brasil. Quem mandou fazer isso não tem coração, não é um ser humano. É um bandido”, diz ele.

A destruição não é uma operação do governo federal, mas determinação do Judiciário, em uma ação de reintegração de posse de terras pertencentes à Codevasf, uma empresa pública vinculada ao Ministério da Integração do Desenvolvimento Regional. A área havia sido ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em 2012.

Em contato com o Comprova, a Codevasf afirmou que “as áreas que à época foram objeto de reintegração são destinadas à regular operação de empreendimentos de agricultura irrigada e à reserva legal”.

A reportagem também procurou o MST, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Telegram, ele havia sido visualizado ao menos 3,2 mil vezes até 16 de junho.

Como verificamos: O primeiro passo foi buscar no Google por algumas expressões mencionadas pelo homem que aparece no vídeo, como “assentamento Abril Vermelho” e “Codevasf”. A pesquisa trouxe como resultado reportagens sobre a ação de reintegração de posse e um vídeo publicado na época pela Mídia Ninja.

A partir daí, o Comprova entrou em contato com a Codevasf e com o MST.

O vídeo

O vídeo foi gravado no final de 2019, no acampamento do MST Abril Vermelho, em Juazeiro na Bahia.

De acordo com matéria publicada à época pelo portal G1, foi realizada no local uma reintegração de posse, em 25 de novembro, de terras ocupadas pelo movimento nas cidades de Juazeiro e Casa Nova, no norte da Bahia. Elas eram de propriedade da Codevasf. Os mandados foram cumpridos pela Polícia Federal. Expedida pela Justiça Federal de Juazeiro, a decisão também determinou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) o assentamento das pessoas que ocupavam irregularmente a área.

Segundo o MST, cerca de 700 famílias moravam na área desocupada, de aproximadamente 1,7 mil hectares. Conhecidas como acampamentos Irani I, Irani II e Abril Vermelho, as terras da Codevasf foram ocupadas pelo movimento em 2012, quando a companhia, segundo a PF, já havia decidido destinar o espaço a projetos de irrigação.

Já o MST afirmou, na ocasião, em comunicado, que as terras estavam ocupadas desde 2007, mediante acordo entre os governos federal e estadual, o Incra, a Ouvidoria Agrária, a Codevasf e o Ministério Público.

O que diz o responsável pela publicação: O perfil Selva Brasil, que já disseminou desinformação outras vezes, como verificou o Comprova, não respondeu à tentativa de contato da reportagem.

O que podemos aprender com esta verificação: É tática comum dos desinformadores tirarem conteúdos reais de contexto, como neste caso. O vídeo é verdadeiro, mas, ao ser publicado em 2023, sem a informação de que é antigo, deixa a entender que é atual. Então, é importante sempre buscar informações em outras fontes quando se deparar com posts assim. Neste caso, uma busca rápida por algumas expressões citadas pelo homem que aparece na gravação, como Codevasf e Abril Vermelho, já seriam suficientes para saber que o caso não ocorreu agora.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo foi checado por Aos Fatos e Boatos.org. O Comprova já verificou outros posts enganosos envolvendo o presidente Lula. Recentemente, mostrou que ele não foi hostilizado em visita a polo automotivo de Goiana nem dentro do Bahia Farm Show e quetrecho do Eixo Norte da transposição do São Francisco não foi fechado por seu governo.

Política

Investigado por: 2023-06-16

Ministro Fachin não é dono de prédio em Penha (SC)

  • Falso
Falso
É falso que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin seja dono de empreendimento imobiliário em Santa Catarina. Na verdade, o prédio pertence à construtora Santer Empreendimentos. O STF afirmou que o ministro não tem qualquer relação com o imóvel.

Conteúdo investigado: Vídeo gravado por um homem mostra prédio em Penha (SC), que, segundo o autor do registro, pertenceria ao ministro do STF Edson Fachin.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin não é dono de um prédio na cidade de Penha, em Santa Catarina, como afirma vídeo no TikTok. O imóvel residencial, que ainda está em construção, é de propriedade da empresa Santer Empreendimentos. Tanto a construtora quanto o STF negam a informação divulgada nas redes sociais.

O empreendimento fica na rua Joaquim Antônio Simão, no centro de Penha, a cerca de 30 quilômetros da cidade de Balneário Camboriú.

Na narração do vídeo, um homem diz que Fachin é dono do prédio e ainda afirma que o ministro teria cometido “falcatrua e roubalheira” para bancar o empreendimento.

Em nota publicada no site oficial, o STF afirma: “Trata-se de conteúdo completamente fantasioso e de desinformação sem escrúpulo. A autoria do vídeo já está sob apuração dos órgãos competentes.”

A construtora reitera que a informação de que Fachin é o dono do prédio é falsa e que a empresa é a única responsável pelo empreendimento. Segundo nota enviada pela empresa, com exceção do banco contratado, não há participação de terceiros no investimento, “notadamente nenhuma autoridade federal”.

De acordo com a Receita Federal, o nome do ministro Fachin não consta entre os sócios da Santer Empreendimentos.

Usando a plataforma CruzaGrafos, o Comprova também não encontrou conexões entre os sócios da Santer e Edson Fachin. A ferramenta da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) consegue identificar ligações entre empresas e pessoas e apresenta a relação na forma de uma linha, o que não apareceu quando analisados os nomes dos sócios da construtora e do ministro: Mari Deisi Stringari da Silva, São Miguel Participações, Capri Participações e SS Participações, que aparece com o nome de EMC Participações.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 16 de junho, o vídeo teve 210 mil visualizações, 11,1 mil curtidas e 9,1 mil compartilhamentos.

Como verificamos: Procuramos pelo termo “Fachin”, “prédio” e “Penha” e encontramos checagens feitas sobre o tema pelo G1 e pela Reuters. Pesquisamos o endereço do imóvel no Google Maps e também entramos em contato com o STF e com a Santer Construtora, responsável pelo imóvel. Procuramos junto a Receita Federal quem são os sócios da construtora e cruzamos os nomes deles com o do ministro na plataforma CruzaGrafos. Por fim, entramos em contato com o perfil que publicou o vídeo.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil do TikTok que divulgou a desinformação, mas não obteve retorno até a conclusão dessa checagem.

O que podemos aprender com esta verificação: No conteúdo analisado, o homem que narra o vídeo não fala qual é a origem da suposta informação de que o ministro Fachin seria dono do imóvel. Também não apresenta prova para tal afirmação e nem indica de onde ela teria saído. Assim, quando confrontado com conteúdos sem indicação de fonte ou que não apresentam provas do que estão afirmando, é importante desconfiar. Uma pesquisa no Google usando palavras-chave ajuda a descobrir que se trata de desinformação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo vídeo desinformativo foi checado pelo G1, pela Reuters e pela AFP. O STF e seus ministros são constantemente citados em conteúdos desinformativos. Recentemente, o Comprova desmentiu que uma carta endereçada a um ministro da Corte teria sido escrita por um traficante. O próprio ministro Edson Fachin já foi acusado de ser advogado do MST, o que também não é verdade.

Política

Investigado por: 2023-06-14

Foto de menina interagindo com homens fantasiados de cães é de Parada LGBT+ de Montreal, em 2019

  • Enganoso
Enganoso
Post engana ao sugerir que foto de criança interagindo com homens com máscara de cachorro e sem camisa é da Parada LGBT+ de São Paulo, realizada em 11 de junho. A imagem, que mostra homens praticando "puppy play", um tipo de fetiche em que os participantes se passam por cachorro ou gato, é da Parada de Montreal, no Canadá, em 2019.

Conteúdo investigado: Post publicado pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) em 11 de junho, data da Parada LGBT+ de São Paulo, com foto de uma garota segurando bandeira de arco-íris ao lado de três homens com máscara de cachorro, ajoelhados no chão – dois deles sem camisa. Na legenda, ele escreveu: “Vestir uma criança de policial e levar pro 7 de Setembro é extremismo. Levá-la pra igreja é fundamentalismo religioso. Levar uma criança pra parada LGBT é belo e moral”.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganoso post do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) que usa foto de menina interagindo com homens com máscara de cachorro – dois deles sem camisa e com acessório de fetiche sexual no peito –, sugerindo que a cena ocorreu na Parada LGBT+ de São Paulo. Na publicação, feita em 11 de junho, dia do evento paulistano, ele escreveu: “Vestir uma criança de policial e levar pro 7 de Setembro é extremismo. Levá-la pra igreja é fundamentalismo religioso. Levar uma criança pra parada LGBT é belo e moral”. A foto é, na realidade, da edição de 2019 da Parada LGBT+ de Montreal, em Québec, no Canadá.

O comunicador Felipe Neto tuitou sobre o post de Nikolas e, em resposta, o deputado afirmou não ter mencionado que a foto teria sido tirada na capital paulista. Mas não foi o que muitos de seus seguidores entenderam, como mostram os comentários de pessoas que compartilharam o conteúdo. Veja abaixo a reprodução de duas dessas postagens. 

Em uma busca rápida pela imagem no Google foi possível descobrir tratar-se de outro evento, pois os posts mais antigos usando a mesma foto eram de 2019. Assistindo a vídeos de 2019 da Parada de Montreal, chamada de Fierté Montréal, foi possível ver os mesmos homens que aparecem na foto com máscara de cachorro. Eles praticam “puppy play”, ou “pet play”, um tipo de fetiche em que os participantes se passam por cachorro ou gato.

A reportagem contatou a organização da Fierté Montréal, mas eles responderam que não comentariam o caso.

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O tuíte de Nikolas foi compartilhado mais de 8,1 mil vezes e teve quase 44 mil curtidas até 14 de junho.

Como verificamos: O primeiro passo foi fazer uma busca reversa da foto no Google Imagens. O resultado trouxe um tuíte de 22 de agosto de 2019 em que o usuário refere-se a paradas do Orgulho LGBT+ e diz que a imagem é em Montreal, em 2019, dando a primeira dica para a equipe do Comprova.

A reportagem, então, buscou vídeos do evento no YouTube e assistiu à parada daquele ano, conseguindo identificar os homens-cães. Nesta gravação, eles aparecem a partir dos 28’40”. Uma busca mais detalhada no Google, com termos como “Pride”, “Montreal 2019” e “pups” (cachorrinhos, em inglês), trouxe um outro tuíte, de abril de 2023, em que o autor, @lorgair, faz uma verificação da foto, dizendo não se tratar da Folsom Street, rua famosa de San Francisco, nos Estados Unidos. No fio, ele também diz que a foto foi feita na Parada LGBT+ de Montreal.

A partir daí, a reportagem contatou o perfil Pup Montreal no Facebook e conversou com Sillas Grey, dono da página e um dos membros do grupo que esteve na Parada fazendo “puppy play”. Ele colocou a reportagem em contato com um dos homens que aparecem na foto do post de Nikolas. O Comprova conversou com ele, mas não usou suas declarações pois ele não quis ter seu nome publicado por medo de retaliações.

Lendo a marca d’água de uma foto semelhante à do post de Nikolas publicada na verificação do perfil @lorgair (reprodução abaixo), a reportagem conversou com a fotógrafa Cat Myth – que registrou o momento – por mensagem privada no Instagram.

Cães-humanos

Os homens que aparecem na foto fazem parte do grupo WoofMTL (“woof” é a expressão em inglês para a onomatopeia de latido de cachorro), de Montreal. Eles são praticantes do “puppy play”.

De acordo com Sillas Grey, um dos membros do WoofMTL, o grupo é “uma reunião de seguidores de brincadeiras de cachorrinhos”. Nem ele nem os perfis do grupo cita práticas sexuais, mas, segundo reportagem do The New York Times, os praticantes do “puppy play” “fazem parte de uma comunidade maior que se interessa por bondage, dominação, submissão, sadismo e masoquismo, conhecidos coletivamente como BDSM”.

A prática existe em vários locais do mundo, inclusive em São Paulo, onde, em 2021, um casal de mulheres foi visto fazendo puppy play em um shopping da cidade.

Segundo Grey, atualmente, o puppy play possui diversas definições. “Alguns apreciam o carinho, a brincadeira e a parte carinhosa, o lado mais leve. Alguns buscam o domínio e o controle, o lado mais sombrio. Alguns vão procurar um pouco de ambos”, diz ele, explicando que a teoria mais aceita é a de que a prática surgiu a partir do BDSM.

Puppy play em Montreal

Na Parada LGBT+ de Montreal, o grupo WoofMTL organiza um ponto de encontro para “os adeptos do ‘puppy play’ e de outras brincadeiras antropomórficas e seus amigos para se juntar como um grupo de cachorros”, diz Sillas Grey.

Nos vídeos do evento de 2019 no YouTube, o público que está assistindo recebe o grupo de forma calorosa quando eles desfilam.

“A Parada LGBT+ tem tudo a ver com expressão, aceitação e diversidade”, afirma Grey. “Naquele dia, todos estavam sorrindo e tirando fotos. Do meu ponto de vista, parecia um momento lindo. Uma garotinha que queria acariciar um homem em uma ‘fantasia de cachorro’, pela perspectiva dela. Parecia assim, como uma criança abraçaria um personagem da Disney.”

Cat Myth, fotógrafa canadense que esteve na Parada de Montreal em 2019 e fez clique semelhante ao do post de Nikolas, contou ao Comprova não ter visto nada inapropriado ao ver uma garota brincando com os homens-cães. “Quanto às reações, não houve nada de negativo quando postei a imagem em minhas plataformas de mídia social”, disse.

Conservadorismo

Além do post de Nikolas Ferreira, outros políticos criticaram a presença de crianças na 27ª Parada LGBT+, ligando o fato à esquerda. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tuitou uma foto de uma criança segurando um estandarte com a inscrição “Crianças trans existem”. Na legenda, escreveu: “A esquerda tenta empurrar sua agenda justamente na infância para que o estrago introduzido seja de difícil reversão”. Ele ainda diz que, no futuro, “podem retirar sua autoridade sobre seus próprios filhos e fazerem uma cirurgia ou tratamento hormonal para mudança de sexo”.

Como mostra reportagem do Poder360, a deputada estadual suplente Amanda Vettorazzo (União Brasil-SP) agiu de forma semelhante. Postou um vídeo da passagem do bloco Crianças e Adolescentes Trans Existem e questionou: “Qual a tara dessas pessoas com crianças? Eu não acho certo. E vocês?”.

A ONG Minha Criança Trans, que organizou o bloco, se pronunciou sobre os ataques em seu perfil no Instagram. “Não vamos nos intimidar e tomaremos medidas legais contra a propagação de fake news e crimes de injúria, calúnia, difamação, transfobia e incitação ao ódio e violência”, afirmou a entidade.

Parada do Orgulho LGBT+

A Parada do Orgulho LGBT+, que acontece em diversos países ao redor do mundo, partiu de um confronto entre policiais e manifestantes nos Estados Unidos, em 28 de junho de 1969, em defesa do clube gay Stonewall Inn, de Nova York.

A data do conflito se transformou na ocasião em que se comemora o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. Os desfiles, por sua vez, começaram no mesmo dia em 1970.

O intuito dessas paradas, segundo o site oficial do evento de São Paulo, é de se manifestar socialmente, reivindicar direitos, promover a visibilidade e celebrar a diversidade, com ações políticas e afirmativas.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem tentou contato com Nikolas Ferreira por e-mail e telefone, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: O post checado apela para a sugestão de que a imagem teria sido tirada na Parada do Orgulho LGBT+ em São Paulo e deixa a desinformação, de fato, circular a partir dos posts causados pela própria indignação dos seguidores do perfil.

Com isso, podemos aprender que é sempre importante desconfiar de conteúdos vagos e que apelem para despertar sentimentos fortes no leitor. Dito isso, diante de qualquer assunto na internet, é importante buscar sempre fontes confiáveis (como de veículos de informação profissionais) antes de propagá-lo. Quando isso não é possível, vale sempre a busca por conteúdos similares em mais de uma fonte de informação.

Também vale ressaltar que a foto foi usada por conservadores em outros países, ou seja, uma mesma imagem pode ser usada em diferentes contextos.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A 27ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo foi alvo de várias desinformações. Entre elas, durante essa semana, circulou que um homem vestido de Jesus teria feito pole dance em uma cruz no evento (checado pela Agência Lupa, AFP Checamos e Aos Fatos) e que um outro teria usado uma camiseta com a frase “trans kids are sexy” (crianças trans são sexy, em português) (checado por Aos Fatos e Reuters).