O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.Filtro:
Postagem engana ao sugerir que a projeção da frase "The world needs Lula" (o mundo precisa de Lula, em tradução livre) no Chrysler Building, em Nova York, seja atual. Na verdade, a projeção foi feita em outubro de 2022, antes do segundo turno das eleições para presidente no Brasil, por um grupo de ativistas brasileiros, norte-americanos e ingleses.
Conteúdo investigado: Vídeo mostra o edifício Chrysler, em Nova York, com projeções que dizem “The world needs Lula” (o mundo precisa de Lula, em tradução livre). Sobre as imagens está escrito: “Agora os bolsominions vão pirar” e emojis de risada. Na legenda, o usuário que postou o conteúdo escreveu: “O velhinho tá on”, se referindo ao presidente.
Onde foi publicado: TikTok e X (antigo Twitter).
Conclusão do Comprova: Não é atual o vídeo que mostra a frase “The world needs Lula” projetada em um prédio em Nova York. A imagem foi publicada inicialmente no perfil do portal ClimaInfo na rede X (antigo Twitter) em 29 de outubro do ano passado, um dia antes do segundo turno das eleições presidenciais. Ela não tem relação com a visita de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Nova York nesta semana, onde participa da abertura da 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
No mesmo ano, o ClimaInfo confirmou ao Estadão Verifica que a projeção foi feita no edifício Chrysler, no dia 28 de outubro, e durou cerca de meia hora. Disse ainda que a iniciativa partiu de “ativistas brasileiros, norte-americanos e ingleses, que entenderam a repercussão global da eleição brasileira e, como sabem que seriam afetados pelo resultado, mas não poderiam votar, quiseram dar seu recado”. O portal também informou que os responsáveis pediram para não serem identificados.
O Comprova entrou em contato com o ClimaInfo, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem.
A peça que voltou a circular omite a data e contexto da projeção, dando a entender que a manifestação é atual. Diversos usuários publicaram comentários em apoio ao presidente e enaltecendo o reconhecimento recebido pelo petista.
Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A publicação no TikTok obteve 131,2 mil visualizações, 13,4 mil curtidas e 4,2 mil republicações até o dia 19 de setembro. Já no X, a postagem alcançou 101,8 mil visualizações, 1 mil compartilhamentos e 2,8 mil curtidas.
Como verificamos: O primeiro passo foi buscar no Google pelas palavras-chave “the world needs Lula” e “Nova York”, que resultou em checagens das agências Reuters e Estadão Verifica, e do site Boatos.org. A partir disso, o Comprova encontrou o vídeo em uma publicação de 29 de outubro de 2022, no perfil do X do ClimaInfo. Também fez uma busca reversa no Google Lens com um frame do vídeo, o que resultou em postagens do ano passado nas redes sociais (1, 2, 3).
Por fim, entrou em contato com o ClimaInfo e com o responsável pela postagem no TikTok.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova enviou mensagem pelo Instagram e Facebook do usuário, mas não houve retorno até a publicação desta checagem. Também tentou contato com o perfil no X que compartilhou o vídeo, mas o usuário não permite envio de mensagens diretas.
O que podemos aprender com esta verificação: Conteúdos em vídeo, ainda que não sofram edição nas imagens, podem ter o sentido alterado dependendo do contexto em que são publicados. As personalidades políticas são frequentemente alvo dessas imagens fora de contexto nas redes sociais. Em casos assim, uma busca rápida em portais de notícias de sua confiança pode ajudar a não compartilhar informações enganosas.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
É verídica a nota fiscal que circula nas redes sociais em que uma pessoa que fez a compra de um produto importado de R$ 3,15 terá de pagar R$ 31,45 de imposto. A nota é verdadeira e consta no sistema dos Correios. Parte do valor é referente ao imposto de importação, fixado em 60% e obrigatório para empresas que não participam do programa Remessa Conforme. O cálculo é feito incluindo o valor do frete, o que, neste caso, encarece o imposto pago. O restante corresponde ao valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que incide em produtos importados e varia a cada estado. Em Minas Gerais, para onde o produto foi enviado, a alíquota para importados é de 25%.
Conteúdo investigado: Publicação mostra uma nota fiscal de um produto importado e os valores de impostos de importação e de ICMS cobrados em cima do preço do produto, incluído o valor de frete, a serem pagos pelo importador. A imagem acompanha a legenda “Valor do produto R$ 3,15. Valor do imposto R$ 31,45”.
Onde foi publicado: X (antigo Twitter).
Conclusão do Comprova: Nota fiscal de produto que custou R$ 3,15 e com descrição de impostos no valor de R$ 31,45 usada em uma publicação nas redes sociais é verdadeira. Como verificado pelo Comprova no site dos Correios, o pacote está retido na Receita Federal em Curitiba. Em 1º de setembro, a encomenda foi encaminhada para fiscalização aduaneira e, sete dias depois, foi indicado que estava aguardando pagamento dos impostos. Na manhã de 15 de setembro, o pagamento do valor foi confirmado, de acordo com a plataforma de rastreio dos Correios.
O valor da compra é de R$ 3,15, correspondente a oito unidades de “paper stickers”, conhecidos no Brasil como blocos de anotação autoadesivos. Foi cobrado frete de R$ 24,60 para a entrega dos produtos, valor que é considerado na tabulação dos impostos. Isso porque a Receita Federal realiza os cálculos em cima do “valor aduaneiro”, que é a quantia do produto acrescida do frete e do custo de um possível seguro. Neste caso, por isso, o valor do imposto de importação cobrado aumenta bastante.
Conforme a legislação brasileira, encomendas entre pessoas físicas e empresas (pessoas jurídicas) que não fazem parte do programa Remessa Conforme devem, obrigatoriamente, pagar o imposto de importação de 60% em cima do valor aduaneiro. O programa entrou em vigor no dia 1ª de agosto e institui alíquota zero para remessas enviadas para pessoas físicas de valor até US$ 50, ainda que enviada por pessoas jurídicas.
Sob o produto deve incidir também o ICMS, como autoriza a legislação brasileira. Segundo a Lei Complementar n° 87, o imposto recai sob mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto. Ele é um imposto estadual e, por isso, tem alíquota diferentes para cada estado e tipo de produto. Em Minas Gerais, para onde foram enviados os produtos, o encargo é de 25% para importações. Há a previsão de que as regras mudem na Reforma Tributária, em discussão no Congresso Nacional.
Comprovado, para o Comprova, é ato verdadeiro; evento confirmado; localização comprovada; ou conteúdo original publicado sem edição.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A publicação no X contava com 855,3 mil visualizações, 1,5 mil republicações e 10 mil curtidas até o dia 15 de setembro.
Como verificamos: Pesquisamos o código de postagem internacional, apresentada na nota fiscal, no site de rastreamento dos Correios. No sistema, aparece que a encomenda em questão teve seu pagamento efetuado e confirmado na manhã de 15 de setembro, após ficar uma semana paralisada na Receita Federal em Curitiba e aguardando pagamento.
Ao clicar em gerar boleto, uma nova janela se abriu, de “minhas importações”. Ao pesquisar novamente pelo código internacional, encontra-se a situação atualizada da encomenda. Na opção “Visualizar DIS”, chegamos à nota fiscal apresentada no tuíte.
Pesquisamos no Google sobre informações de taxas de importação, do ICMS em Minas Gerais e do programa Remessa Conforme. Por fim, entramos em contato com a Secretaria da Fazenda do Estado e com o autor da publicação.
Como foi calculado o valor do imposto
Segundo a Receita Federal, a base de cálculo do imposto de importação é o valor aduaneiro da totalidade dos bens contidos na encomenda internacional. O valor aduaneiro corresponde ao valor dos bens, acrescido do frete e do seguro até o local de destino no país, exceto quando já estiverem incluídos.
O valor da compra, no caso da nota, foi de R$ 3,15 e foi cobrado um frete de R$ 24,60. O valor aduaneiro, portanto, foi de R$ 27,25. Em cima desse valor, foi calculado 60% referente ao imposto de importação, obrigatório para produtos vindos de outros países e para as empresas remetentes que não fazem parte do programa Remessa Conforme. O cálculo, assim como consta na nota, resulta no valor de R$16,65, que aparece como “valor do II devido”.
| Como calcular o valor aduaneiro, como explica a Receita Federal. Disponível aqui
Antes da vigência do programa, 1º de agosto, todos os produtos que eram importados por pessoas físicas de pessoas jurídicas tinham que pagar o imposto independentemente do valor. A partir da data, as empresas internacionais com site no Brasil, de forma voluntária, podem se cadastrar para zerar a alíquota e isentar os consumidores da taxa gerada na fiscalização aduaneira.
Sob o produto incide também o ICMS, como autoriza a legislação brasileira. Segundo a Lei Complementar n° 87, o imposto recai com a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica. O fato gerador do imposto é o desembarque no país e o início da fiscalização aduaneira. A Receita Federal aponta que as importações efetuadas por meio do Regime de Tributação Simplificada (RTS) estão sujeitas ao ICMS, conforme legislação específica de cada unidade da federação, cabendo sua cobrança aos Correios (ECT) ou às empresas de entrega.
O ICMS é de competência dos Estados e do Distrito Federal, conforme previsto no art. 155, II, da Constituição de 1988, e apresenta-se como uma das principais fontes de recursos financeiros para a consecução das ações governamentais. Em Minas Gerais, vigoram também a Lei n° 6.763/1975 e o Regulamento do ICMS (RICMS) , aprovado pelo Decreto n° 43.080/2002.
Em Minas Gerais, a alíquota é de 25% para “operações de importação com mercadorias ou bens integrantes de remessa postal ou de encomenda aérea internacional”, como aponta a Tabela de Operações e Prestações Internas, disponível publicamente no site da Secretaria da Fazenda do Estado.
O Comprova refez os cálculos, simplificou abaixo e confirmou o que consta na nota:
Remessa Conforme mudou alíquota de importações
A partir de 1º de agosto, passou a valer o programa Remessa Conforme do governo federal. Entre os benefícios do programa, está a alíquota zero do imposto de importação no envio por pessoas jurídicas. Antes, independente do valor, era cobrada a taxa de importação. Apenas pacotes enviados entre pessoas físicas eram isentos se fossem até US$ 50. Produtos acabados pertencentes às classes de medicamentos no valor de até US$ 10 mil, ou o equivalente em outra moeda, também eram isentos.
Para isso, é necessário que os sites das empresas sejam adequados às exigências do programa. A iniciativa, que é de adesão voluntária, busca alcançar as grandes plataformas de venda digital, com envio das informações relativas às compras do comércio eletrônico transfronteiriço de forma correta e antecipada à chegada da remessa no Brasil.
Essas informações são enviadas aos Correios e às empresas de transporte habilitadas para despacho aduaneiro de remessas, que fazem o registro da declaração aduaneira relativa a esse tipo de importação. Isso dará condições para que a Receita Federal possa tratar as importações, segundo o governo, de forma antecipada e célere, facilitando o fluxo das remessas internacionais ao chegarem ao País.
O pagamento dos impostos devidos é realizado de forma antecipada, o que juntamente com as informações em conformidade com a realidade trarão condições de tais remessas serem liberadas antes mesmo de sua chegada no território nacional.
As remessas chegadas ao país continuarão passando por inspeção não invasiva para confirmação de dados e avaliação de mercadorias proibidas ou entorpecentes. Mas ao fim desse processo, como explica a Receita Federal, as remessas liberadas já poderão seguir para entrega ao destinatário e eventuais problemas nas informações ou pagamentos poderão ser corrigidos pontualmente.
Antes da mudança, a cobrança era feita durante a fiscalização, que acontece por amostragem, quando aleatoriamente, os volumes e embalagens são escolhidos pelo servidor da Receita. Os produtos que, mesmo não seguindo a legislação, não fossem parados na revista não eram cobrados. A partir do novo programa, o valor do imposto do ICMS é cobrado automaticamente na hora da compra e já deve ser embutido no preço final. Há uma cobrança fixa de ICMS, com a alíquota de 17%.
Reforma Tributária vai modificar cálculo do ICMS
A Reforma Tributária, atualmente em discussão no Congresso Nacional, unifica o ICMS e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A Proposta de Emenda à Constituição 45/19, da Reforma Tributária, estabelece parâmetros para sua criação a fim de atingir o objetivo de simplificar o sistema tributário e evitar distorções presentes no regime atual.
O IBS terá uma única legislação válida para todo o país, não integrará sua própria base de cálculo, como é feito atualmente. Como será feito de forma “externa” do preço do produto, o IBS poderá ser identificado mais facilmente e evitará um efeito cascata da tributação.
O imposto também não será objeto de incentivos e benefícios, exceto os regimes diferenciados previstos na PEC. Cada estado e município poderá ter sua própria alíquota, mas uma alíquota de referência fixada pelo Senado será o patamar mínimo para viabilizar a transição de rateio da arrecadação até 2078. Até essa data, nenhum ente federativo poderá fixar alíquota própria em substituição se for menor que a de referência.
O que diz o responsável pela publicação: O perfil no X @sensocrtico1 não aceita o recebimento de mensagens. Ao clicar no link disponível na biografia do perfil, o usuário é direcionado para um agregador de links, em que é apresentado seu canal de YouTube. No canal, há disponível um endereço de e-mail, o qual foi contatado. O Comprova perguntou a quem pertencia a nota e quais seriam as especificidades dos produtos, mas até o momento da publicação dessa verificação, no entanto, não houve resposta.
O que podemos aprender com esta verificação: Em casos como esse, é importante ficar atento a detalhes presentes na imagem. O preço do frete nesse caso, presente na nota fiscal, foi o que elevou o valor final do imposto. A forma de calcular as taxas aparecem na imagem e podem ser reproduzidas e checadas. Além disso, tendo disponível o número de rastreio de qualquer encomenda, é possível encontrar o status daquele pedido e se ele é verídico ou não.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Deputado federal distorce decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que reafirmou a necessidade do cumprimento de função social para que uma propriedade privada, mesmo que produtiva, esteja imune de ser desapropriada para fins de reforma agrária. A condição já estava prevista na legislação sobre o tema, que não foi alterada. Ao contrário do que afirma o deputado, há sim critérios definidos sobre a função social da propriedade, também previstos na legislação. A decisão do STF foi no âmbito de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), e não significa o fim da propriedade privada ou um marco do início oficial da implantação do comunismo no Brasil, como também afirma o deputado.
Conteúdo investigado: Em vídeo publicado no YouTube, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) afirma que um suposto “novo entendimento” do STF põe fim à propriedade privada no Brasil. Ele afirma que a Justiça passará a exigir a função social das propriedades rurais e que, “é algo que não há definição”. “É pela compreensão e entendimento deles que vai determinar se a sua propriedade pode ser desapropriada ou não. Preste bastante atenção. Se você mora numa chácara, se você tem uma casa e o STF decidir que a sua casa, a sua chácara não cumpre função social, o governo agora, o Estado brasileiro poderá tomar de você essa propriedade”, afirmou.
Onde foi publicado: YouTube, Instagram e Twitter.
Conclusão do Comprova: O Supremo Tribunal Federal (STF) não decretou o fim da propriedade privada no Brasil a partir de um “novo entendimento” da corte sobre terras que podem ser desapropriadas para a reforma agrária. Diferentemente do que Gayer afirma em um vídeo, a legislação já exige que a propriedade seja, ao mesmo tempo, produtiva e tenha função social para que não seja passível de desapropriação.
O voto do ministro da Corte Edson Fachin na ADI 3865, que foi seguido por unanimidade em sessão plenária virtual em 1º de setembro deste ano, só reforçou o que já consta tanto no texto constitucional quanto na legislação que regulamenta a desapropriação de terras para fins de reforma agrária. Ou seja, não houve mudança na lei nem no entendimento dela que permita a desapropriação indiscriminada de terras rurais por parte do governo.
O deputado também desinforma ao afirmar que não há definição de “função social”, o que, segundo ele, poderia servir como brecha para que “o governo tome a sua propriedade”. A função social da propriedade rural está descrita no artigo 9º da Lei 8.629/93.
O direito à propriedade é uma cláusula pétrea da Constituição Federal brasileira de 1988, ou seja, não pode ser alterado por decisão judicial, decreto presidencial ou via Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
No artigo 5º, a Constituição estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Como verificamos: Buscamos o vídeo original e fizemos a transcrição dos momentos em que o deputado falava a respeito da decisão do STF. Em seguida, buscamos no site da Corte a notícia da votação do dia 1º de setembro e a íntegra do voto do ministro Fachin. Consultamos os advogados Juliana Maria Raffo e Marcelo Guaritá, que têm conhecimento no tema, e demandamos o STF, que enviou o acórdão completo do julgamento. Por fim, fizemos contato com o deputado Gustavo Gayer.
Para o advogado da confederação, a redação dos dispositivos era conflitante. “Admitir que a propriedade produtiva pode ser desapropriada, se não cumprir sua função social, é dar-lhe tratamento idêntico ao dispensado às propriedades improdutivas, tornando letra morta o inciso II do artigo 185”.
É incontestável, para a confederação, a impossibilidade de exigência simultânea dos dois requisitos, “seja para a conceituação da propriedade produtiva, seja para a caracterização da função social”.
O ministro Fachin indeferiu, ou seja, negou o pedido, mantendo a redação atual. A decisão dele foi seguida unanimemente pelos demais membros do STF.
STF não alterou lei a partir de um ‘novo entendimento’
A decisão do STF não produziu novo entendimento que alterasse a legislação referente à desapropriação de terras para fins de reforma agrária. Tanto a Constituição Federal de 1988, ao tratar do tema nos artigos 184, 185 e 186, quanto a Lei 8.629/93, que regulamentou esses dispositivos, já preveem a necessidade do cumprimento da função social para que uma propriedade, mesmo que produtiva, seja imune da possibilidade de desapropriação.
Na Constituição Federal, a previsão legal está expressa no artigo 184, que diz: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”. Nos artigos seguintes, 185 e 186, consta a necessidade de lei complementar para regulamentar os critérios de função social, como se destaca abaixo:
Artigo 185 – Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.
Artigo 186 – A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei.
Critérios de função social de uma propriedade são definidos
Diferentemente do que é afirmado no vídeo, há sim critérios que definem a função social de uma propriedade. Eles foram estabelecidos na Lei 8.629/93, que regulamentou os dispositivos da Constituição Federal relativos à reforma agrária. No artigo 2º, é dito que “a propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais”.
O artigo 9º, por sua vez, define os critérios da função social:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Em seguida, no texto, são listados os detalhamentos de cada um dos quatro critérios definidos.
Consultada pelo Comprova, a advogada Juliana Maria Raffo, coordenadora da área Cível e de Contratos do Briganti Advogados, confirma o entendimento de que tanto a Constituição Federal de 1988 quanto a Lei 8.629/93 preveem a necessidade de cumprimento da função social da propriedade como critério para que ela esteja imune à desapropriação para fins de reforma agrária.
“Os artigos da Constituição e a Lei da Reforma Agrária [8.629/93] trazem a possibilidade de desapropriação de imóveis que não cumpram a função social”, diz a advogada, acrescentando que “o comumente identificado em uma propriedade produtiva é o atendimento à função social”.
No entanto, há casos em que uma propriedade mesmo que produtiva possa ser desapropriada se não cumprir a função social.
“Por exemplo, uma terra produtiva que usa mão de obra análoga à escrava, que pratica desmatamento ilegal ou o uso ilegal e indiscriminado de recursos naturais disponíveis em sua área não atendem a uma finalidade social. Sendo assim, podem sofrer o pedido de desapropriação. A avaliação se dará no respectivo processo, pois o pedido de desapropriação, nesses casos, deveria indicar e provar que a produção ali existente não atende aos requisitos de função social, especialmente nos aspectos trabalhistas e ambientais”.
Discussão se dará no âmbito de cada processo
O advogado Marcelo Guaritá, membro do Comitê de Leis e Regulamentos da Sociedade Rural Brasileira (SRB), também confirma que a legislação nunca garantiu que o critério da terra ser produtiva por si só fosse garantia de que a propriedade não fosse passível de desapropriação. No entanto, ele afirma que “havia uma crença que isso seria sufiente”.
“O STF agora explicitou que não”, diz o advogado, sócio do escritório PSG Advogados. Assim como a advogada Juliana Maria Raffo, ele concorda que a discussão se dará no âmbito de cada processo.
“O STF fez uma interpretação conjunta dos dois artigos (185 e 186 da Constituição Federal). O problema é a abertura existente sobre os critérios para que se cumpra os requisitos. Qualquer infração, por menor que seja, pode ensejar desapropriação de uma propriedade produtiva? Um descuido sobre as inúmeras normas ambientais e trabalhistas que existem pode levar a esse desfecho? Esse é um risco que atenta contra a segurança jurídica”, avalia o advogado, que acrescenta que esse risco sempre existiu.
Pequenas e médias propriedades não podem ser desapropriadas
No voto, o ministro Fachin apontou que a obrigatoriedade de ser produtiva e ter função social não vale para as pequenas e médias propriedades. A Constituição diz expressamente que elas não podem ser desapropriadas para fins de reforma agrária, contanto que aquela seja a única terra do proprietário.
“Registre-se que essa condicionalidade não é prevista para o caso da pequena e média propriedade rural, ante a expressa linha de precedentes desta Corte, ainda que, pessoalmente, guarde reservas em relação a ela. Na esteira dessa compreensão pretoriana, porque não se pode interpretar um direito restritivamente sem que haja uma finalidade constitucionalmente admitida, não parece possível admitir a desapropriação da pequena e média propriedade rural”, escreveu o ministro.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o deputado Gustavo Gayer, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem. O espaço segue aberto à manifestação.
O que podemos aprender com esta verificação: Fazendo alegações enganosas a partir de frases de impacto como a de que “O STF acabou com a propriedade privada”, o desinformador, além de gerar uma interpretação errada sobre um fato concreto, provoca medo no leitor. A desinformação é agravada pelo fato de que decisões judiciais muitas vezes são escritas de maneira pouco acessível à população. Assim, o desinformador, ao comentá-las, pode transmitir uma versão distorcida dos fatos.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
É falso que a entrega de doações em Lajeado, no Rio Grande do Sul, tenha sido paralisada para esperar a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). A alegação feita em vídeo por uma mulher que se identifica como voluntária e presidente de uma ONG não foi corroborada por nenhum órgão envolvido na distribuição e arrecadação das doações, nem por outros voluntários que trabalham na cidade. Não há evidências de que a entrega dos donativos tenha sido interrompida em algum momento. A comitiva do governo federal que visitou a região sequer passou por centros de doações.
Conteúdo investigado: Vídeo em que mulher afirma que o centro de distribuição de doações de Lajeado (RS) deu ordens de segurar doações para a população para aguardar a chegada do presidente Lula para fazer fotos e vídeos. Posteriormente, a mulher gravou e divulgou um segundo vídeo, dizendo que confundiu Lula com Alckmin, mas sustentou a acusação anterior, de que as doações foram paralisadas, aguardando o presidente em exercício.
Onde foi publicado: X (antigo Twitter), Telegram e WhatsApp.
Conclusão do Comprova: É falso o conteúdo do vídeo em que uma mulher, que se apresenta como presidente de uma ONG de proteção animal, alega não ter conseguido retirar doações aos atingidos pela enchente em Lajeado, no Rio Grande do Sul, porque os mantimentos estavam retidos até a chegada do presidente Lula ou do vice-presidente Geraldo Alckmin. A Prefeitura de Lajeado, a Defesa Civil do Rio Grande do Sul e o governo federal negam a acusação.
Em nota, a prefeitura informou que não houve suspensão de entrega de doações e classificou as informações do vídeo como “inverídicas”. De acordo com o tenente-coronel Daniel Silva, chefe da Divisão de Assistência às Comunidades Atingidas da Defesa Civil, as bases de doações do estado montadas em Lajeado não realizam entregas diretamente a voluntários ou vítimas da enchente. Os mantimentos são repassados às prefeituras, que então realizam a distribuição aos que necessitam.
Ao Comprova, a assessoria de Alckmin informou que, durante sua passagem pelo Rio Grande do Sul, o então presidente em exercício sequer esteve em algum dos pontos de distribuição de doações e visitou outros locais.
O Comprova buscou voluntários que trabalharam nos centros de distribuição no dia em que o vídeo foi gravado e nenhum deles corroborou a versão apresentada pela mulher. O Comprova também entrou em contato com um veículo jornalístico local, o Grupo A Hora, e, segundo a jornalista Júlia Amaral, o jornal da cidade não recebeu nenhuma denúncia igual ou similar à do vídeo.
A Unidos Pelos Animais (UPA), ONG do município gaúcho de Sarandi, comunicou o afastamento da autora do vídeo da função de presidente, por iniciativa própria. Ainda segundo a ONG, o vídeo contém somente a opinião da, agora, ex-presidente da instituição. Nenhuma das outras voluntárias estava presente em Lajeado no dia da gravação do vídeo, “tampouco tiveram oportunidade de deliberação sobre o seu conteúdo antes de ser publicado nas redes sociais”.
Em seu Instagram, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, chamou o vídeo de “fake” e afirmou que buscará a responsabilização pela divulgação do conteúdo. “Isso é crime! Isso é uma conduta de pessoas sem escrúpulos que se aproveitam de uma tragédia para tentar construir uma narrativa criminosa, falta, típica dessa conduta que o Brasil não suporta mais”, disse o ministro.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, informou pelo X, já ter acionado a Polícia Federal para investigar os fatos. “Reitero que fake news é crime, não é ‘piada’ ou instrumento legítimo de luta política”, afirmou Dino.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, até 14 de setembro, foram 101 mil visualizações, 1,7 mil retuítes e 3,3 mil curtidas. No Telegram, foram 6,7 mil visualizações até a mesma data.
Como verificamos: O Comprova tentou contato por telefone, WhatsApp e e-mail com a mulher que aparece na gravação. Também procurou a ONG Unidos Pelos Animais de Sarandi.
Em seguida, buscou esclarecimentos junto à Prefeitura de Lajeado, à Defesa Civil do Rio Grande do Sul e ao governo federal.
Por fim, entrevistou cinco voluntários que atuavam na cidade, a coordenadora do centro de distribuição de Lajeado, Bárbara Ecke, o tenente-coronel Daniel Silva, chefe da Divisão de Assistência às Comunidades Atingidas da Defesa Civil, além da jornalista Júlia Amaral, do Grupo A Hora.
O vídeo
A mulher que aparece no vídeo investigado é Samara Luzia Baum. Ela se apresenta como presidente da ONG Unidos Pelos Animaisde Sarandi, município da região norte do Rio Grande do Sul. Na gravação, ela alega que está em Lajeado para prestar apoio às ONGs do Vale do Taquari, recolhendo donativos trazidos para a região.
“Chegamos agora no centro de distribuição de Lajeado e recebemos a informação de que não vai ser liberado alimentos para ser feita a doação, esse trabalho que os voluntários estão fazendo. Eles têm que aguardar o presidente Lula chegar em Lajeado para fazer foto e vídeo e publicação em cima das doações”, afirma a mulher.
Em seguida, ela pede que as pessoas compartilhem a gravação. “Que seja divulgada aí para o pessoal, para a gente ver como funcionam as coisas. As pessoas passando fome, passando necessidade, e estão esperando vim fazer politicagem em cima da tragédia alheia. Então só para repassar a informação para vocês.”
O vídeo viralizou. Após reação da prefeitura e do governo federal, Samara divulgou outro vídeo, em que diz ter se confundido ao citar Lula e que, na verdade, estaria se referindo ao então presidente em exercício Geraldo Alckmin. “Me expressei errado pela raiva.”
Apesar de admitir a confusão com os nomes, sustentou que esteve no centro em Lajeado e que “não conseguiu distribuição de ração”. Ainda assim, ressaltou ter repassado o vídeo somente ao grupo da ONG e acrescentou que “não era para ter vazado”. “Eu gravei na raiva e disse para as gurias: ‘Esperem, deixem eu buscar mais informações'”, afirma na segunda gravação. “Não era para ter sido postado.”
O Comprova não conseguiu contato com a mulher para esclarecer em qual endereço ela teria recebido tal negativa, a que horas e por parte de quem.
A distribuição das doações em Lajeado
O centro de distribuição de doações de Lajeado foi montado no Parque do Imigrante e é coordenado pela prefeitura da cidade do Vale do Taquari. Ao Comprova, a assessoria de imprensa do município detalhou como o espaço está organizado. As doações concentradas no Parque do Imigrante são destinadas apenas a moradores da cidade vítimas da enchente.
A entrega das doações aos atingidos é centralizada em um dos pavilhões do parque e, conforme a prefeitura, para retirar os itens necessários “pessoas afetadas pela enchente devem se cadastrar na Assistência Social”. Há um ponto de atendimento no próprio local.
| Foto: Laura Mallmann / Prefeitura de Lajeado
No ato do cadastro, a pessoa que representa a família atingida informa de quais itens precisa e, em seguida, é encaminhada a outro pavilhão, onde é recebida por um servidor, que a acompanha na retirada das doações. “Além disso, equipes da prefeitura transitam por locais atingidos e oferecem itens de necessidade básica para auxiliar na volta para casa”, diz nota enviada pela prefeitura ao Comprova.
Coordenadora do espaço, Bárbara Ecke explica que os voluntários de outras cidades que procuram o centro para retirar mantimentos e levar a uma família atingida, por exemplo, precisam passar algumas informações básicas para controle da prefeitura sobre a destinação das doações, como o endereço da família vítima da cheia e o número de moradores da casa.
“A gente com certeza não nega ajuda. A gente só busca essas informações justamente para não ter esse problema de ter a mesma família sendo ajudada várias vezes e deixando desassistidas, muitas vezes, outras”, explica.
Além do centro organizado pelo município, existem ainda dois pontos em Lajeado que concentram doações. Estes são de responsabilidade do governo estadual e não atendem particulares. As doações ali agrupadas são destinadas exclusivamente às prefeituras para que os governos municipais repassem esses mantimentos aos necessitados. Os portões dessas duas bases montadas na cidade permanecem fechados à comunidade, pois não são pontos de distribuição de doações às vítimas.
A visita de Alckmin ao Rio Grande do Sul
No fim de semana seguinte às enchentes, Alckmin visitou as cidades mais atingidas no Vale do Taquari, mas não esteve em nenhum desses endereços de centros de doações. Ele desembarcou em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, na manhã de domingo, 10 de setembro.
Conforme sua assessoria, de lá, ele seguiu até a Universidade do Vale do Taquari (Univates), em Lajeado, onde chegou por volta das 9h20 acompanhado de uma comitiva de ministros. O local serviu de ponto de encontro da comitiva com as demais autoridades que já estavam no Rio Grande do Sul.
O grupo então partiu para Roca Sales, onde Alckmin visitou o hospital de campanha e percorreu os locais mais afetados pelas chuvas. Na sequência, o presidente em exercício esteve em Muçum para, já no fim da manhã, voltar à Univates, em Lajeado, onde participou de reuniões com empresários locais e prefeitos, além de conceder entrevistas a jornalistas. Os compromissos se encerraram por volta das 15 horas, quando a comitiva retornou a Brasília.
Ao Comprova, a assessoria de imprensa de Alckmin ressaltou que o vice-presidente não visitou qualquer centro de distribuição de doações no estado. Lula tampouco. No dia da visita, ele estava na Índia para participar da 18ª edição da cúpula de chefes de Estado e governo do G20. O encontro ocorreu nos dias 9 e 10 de setembro em Nova Délhi, capital indiana.
Prefeitura e Defesa Civil estadual negam interrupção ou desassistência
Em nota divulgada nas redes sociais, a administração municipal desmentiu a alegação feita pela mulher. “A Prefeitura de Lajeado informa que não houve suspensão de entrega de doações, conforme informações inverídicas que circularam em vídeo. As doações continuam sendo recebidas e entregues a quem está cadastrado.”
O prefeito de Lajeado, Marcelo Caumo (PP), também negou o boato em publicação no Instagram. “Não recebemos nenhuma orientação de nenhum governo, nem tampouco cumpriríamos tal absurda determinação se viesse.”
O Comprova conseguiu o contato de cinco voluntários que ajudavam no centro de distribuição da prefeitura no dia em que o vídeo foi divulgado. Todos negaram ter testemunhado qualquer tipo de interrupção na distribuição das doações.
“Por mim não passou essa situação ou algo similar”, afirmou o voluntário Jean Carlos Schneider, que trabalhou no Parque do Imigrante no fim de semana.
Procurada pelo Comprova, a jornalista Júlia Amaral, do Grupo A Hora, de Lajeado, disse que o jornal também não soube de outros voluntários que tenham denunciado essa suposta retenção de doações. Segundo ela, ninguém procurou o jornal para fazer a mesma denúncia ou similar.
Em relação às bases de responsabilidade do governo estadual montadas na cidade, a assessoria de imprensa da Defesa Civil do RS esclareceu que o fluxo de destinação das doações recebidas passa, necessariamente, pelas prefeituras.
“As defesas civis dos municípios e as secretarias de assistência social dos municípios atingidos estão fazendo essa triagem. Então, toda e qualquer pessoa que precise de algum item deve procurar a assistência social do seu município, que está fazendo esse cadastro e centralizando as demandas.”
Responsável pelas bases de Lajeado, o tenente-coronel Daniel Silva, chefe da Divisão de Assistência às Comunidades Atingidas da Defesa Civil, reforça que ninguém pode retirar doações nesses endereços além das prefeituras. “Ninguém retira, a gente leva, de regra, ou a prefeitura pode vir, mas tem toda uma comunicação via Defesa Civil”, esclarece.
Sobre o vídeo, especificamente, ele acrescenta que a região tem recebido cestas de alimentos enviadas pelo governo federal aos atingidos pelas enchentes, via Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), mas que Alckmin e a comitiva de ministros não passaram pelos centros de doações. “Não entrou nem na agenda do presidente eles irem até lá tirar foto, isso aí não aconteceu”, afirma.
A Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência divulgou nota, ressaltando que “a gestão das doações é realizada pelos próprios municípios e pelo governo estadual, sem interferência alguma do governo federal”.
ONG divulga nota sobre afastamento da presidente
No dia 12 de setembro, a ONG UPA – Unidos Pelos Animais, da qual Samara Baum era presidente, divulgou uma nota referente à repercussão do vídeo pelo seu Instagram. De acordo com a organização, Samara solicitou seu desligamento do cargo de presidente e responsável técnica veterinária de um dos projetos da ONG.
Ainda segundo a nota, o vídeo contém somente a opinião da, agora, ex-presidente da instituição, visto que nenhuma das outras voluntárias estava presente em Lajeado no dia da gravação do vídeo, “tampouco tiveram oportunidade de deliberação sobre o seu conteúdo antes de ser publicado nas redes sociais”.
Ademais, a nota afirma que todas as doações recebidas em Sarandi foram “devidamente encaminhadas para a região atingida pelas enchentes e distribuídas aos necessitados”.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com Samara Baum por ligação telefônica e por mensagem no WhatsApp, mas não obteve retorno. Após a viralização do vídeo, a médica veterinária privou seus perfis nas redes sociais, impedindo envio de mensagem por parte de pessoas que não são suas seguidoras.
O que podemos aprender com esta verificação: A autora do vídeo utiliza um tom alarmante associado a uma denúncia grave sobre um tema sensível, porém sem apresentar detalhes, como o nome do centro de distribuição onde isso teria ocorrido ou quem teria informado que as doações não estavam sendo distribuídas, nem outras provas que corroborem a denúncia. É importante estar atento a esses sinais como indícios da propagação de desinformação e utilizar canais oficiais para tirar as dúvidas sobre o assunto ou consultar veículos de comunicação de sua confiança.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
São falsos os posts que alegam que as barragens do Rio Taquari, que cruza a região mais afetada pelas enchentes dos dias 4 e 5 de setembro no Rio Grande do Sul, se romperam ou tiveram suas comportas abertas. As estruturas sequer têm comportas capazes de controlar o fluxo de água e, segundo a empresa que administra as hidrelétricas, elas se mantiveram íntegras durante a passagem do ciclone extratropical que atingiu a região. Autoridades estaduais, federais e meteorologistas afirmam que o grande volume de água que alagou as cidades do Vale do Taquari foi causado por eventos climáticos naturais.
Conteúdo investigado: Vídeos e publicações em texto que circulam nas redes sociais trazem pessoas afirmando que as enchentes em municípios do Rio Grande do Sul, que deixaram dezenas de mortos, foram provocadas pela abertura de comportas em represas dos rios das Antas e Taquari.
Onde foi publicado: TikTok, X (antigo Twitter), Instagram e WhatsApp.
Conclusão do Comprova: As enchentes que devastaram cidades no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, entre os dias 4 e 5 de setembro não foram causadas ou agravadas pela abertura de comportas de barragens da região, diferentemente do que apontam falsamente vídeos e postagens em texto nas redes sociais e distribuídas em aplicativos de mensagem.
Segundo a Companhia Energética Rio das Antas (Ceran), que administra três hidrelétricas do rio das Antas e do rio Taquari, as barragens sequer possuem comportas capazes de “segurar” a água represada. A Usina de Castro Alves, que fica na área mais afetada, não tem comporta nenhuma. Todas elas utilizam a força da correnteza do rio e a gravidade para gerar energia.
Ao Estadão Verifica, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável pela fiscalização de geração hidrelétrica, reforçou que as cheias não poderiam ser agravadas por conta da estrutura das barragens. A Agência Nacional de Águas (ANA) também confirmou ao veículo que a produção de energia é feita apenas com a força da correnteza, sem uso de comportas.
Além de negar ter aberto as supostas comportas, a Ceran ressaltou ainda que não foi registrado nenhum rompimento. “Durante as cheias monitoramos em tempo real todas as estruturas, que em nenhum momento, apresentaram anomalias que indicassem risco de rompimento, o que não levou ao acionamento das sirenes de emergência”, diz nota no site.
Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 12 de setembro, a publicação no Instagram alcançava 21,8 mil curtidas e 1,4 mil comentários. Os posts no X somavam 210 mil visualizações, 10,5 mil curtidas e 4,2 mil compartilhamentos. No TikTok, até o dia 11 de setembro, o vídeo tinha 228 mil visualizações. O conteúdo foi excluído posteriormente da plataforma.
Como verificamos: O primeiro passo foi reunir informações sobre as enchentes no Rio Grande do Sul e fatores que causaram a tragédia. O Comprova também buscou posicionamentos oficiais de órgãos como o MPF, a Advocacia-Geral da União (AGU), a Aneel e a ANA. Por fim, entrou em contato com os responsáveis pelas publicações dos conteúdos nas redes sociais.
Tragédia foi resultado de ciclone extratropical e massa de ar quente
As enchentes na região do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, foram resultado de um ciclone extratropical. O fenômeno, que provocou enchentes, destelhamento de casas, queda de árvores e mortes, é causado por sistemas de baixa pressão atmosférica.
“Quanto mais baixa a pressão atmosférica, mais intensos são os ventos e maior é o potencial para formação de nuvens carregadas, que podem provocar chuva intensa”, disse o Climatempo ao Estadão.
Em entrevista à CNN, a meteorologista Maria Clara Sassaki afirmou que a frequência de formação dos ciclones extratropicais no Sul do Brasil não está maior, mas que eles estão surgindo com mais intensidade.
“As águas dos oceanos estão mais quentes do que o normal e isso aumenta a intensidade dos ciclones extratropicais, por isso a gente tem chamado a atenção para esses sistemas que vêm com rajadas de vento acima do normal, tempestades muito próximas umas das outras. A água mais quente serve de combustível para que essas áreas de baixa pressão ganhem intensidade”, explicou.
O Climatempo informou ainda que essa é a segunda maior enchente já registrada no rio Taquari, que alcançou 29,45 metros no primeiro fim de semana de setembro no ponto de medição da cidade de Lajeado. A maior cheia foi registrada em 1941, quando o rio chegou a 29,92 metros.
Segundo o pesquisador Manoel Alonso Gan, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nem todo ciclone é intenso e provoca ventos fortes o suficiente para provocar destruição, mas os mais intensos costumam ocorrer na costa da região Sul entre maio e setembro. Isso decorre da diferença de temperatura e umidade entre o continente e as águas do mar próximas à costa, ou seja, o deslocamento do ciclone do continente mais frio e seco em direção ao oceano mais quente contribui para que haja transferência de calor e umidade do oceano para a atmosfera.
Conforme Gan, a tragédia no Rio Grande do Sul não pode ser atribuída exclusivamente a um ciclone extratropical. Ele explica que, concomitantemente, podem ter ocorrido o estacionamento de uma frente com ar quente e úmido vindo da região Amazônica e a formação de baixa pressão. Uma análise detalhada desse evento será feita pelo Inpe para avaliar todos os fenômenos e fatores que contribuíram para a situação.
O Ministério Público Federal (MPF) está apurando as providências adotadas em relação às enchentes. Em 7 de setembro, o órgão instaurou um inquérito civil público para identificar eventuais irregularidades e seus responsáveis, e possíveis ações preventivas que poderiam ser adotadas no enfrentamento de situações climáticas extremas.
Não houve rompimento de barragens ou abertura de comportas
A Ceran, que administra três barragens hidrelétricas no rio das Antas/Taquari, afirmou que não houve nenhuma anormalidade na operação das estruturas, nem rompimento acidental, nem abertura de comportas.
Sobre um possível rompimento, a Ceran emitiu nota no site negando essa possibilidade, o que explica por que as sirenes de alerta não foram acionadas. “Durante as cheias monitoramos em tempo real todas as estruturas, que em nenhum momento, apresentaram anomalias que indicassem risco de rompimento, o que não levou ao acionamento das sirenes de emergência. Reforçamos que todos os protocolos de segurança de barragem foram cumpridos durante o evento, incluindo as comunicações com as Defesas Civis dos municípios, que atuaram junto à população.”
Ao jornal GZH, a companhia reforçou que também não houve abertura de comportas para liberação da água porque as estruturas, em especial a de Castro Alves – mais atingida pela chuva – não têm comportas que retenham água.
“Infelizmente, as barragens não conseguem reduzir altas afluências e mitigar os impactos no entorno do rio, pois as barragens da Ceran possuem vertedouro do tipo soleira livre e têm a característica ‘a fio d’água’, ou seja, não têm capacidade de armazenamento e nem de regular o fluxo do rio.” Nesse modelo, em caso de volume maior do que capacidade da represa, a água simplesmente passa por cima da barragem.
| Barragem de Castro Alves não tem comportas. Água saindo no canto direito é constante e mantém a fauna e o uso no rio abaixo da barragem (Foto: Ceran)
As outras duas barragens, de Monte Claro e 14 de Julho, por serem maiores que a Castro Alves, têm duas comportas de vertedouro. Segundo a empresa, elas são abertas somente quando a água já está passando sobre a crista da barragem, para não sobrecarregar as estruturas. Dessa forma, não há alteração da vazão do rio.
| Quando há muita água na barragem, ela escoa pela crista, ou seja, passa por cima do barramento. (Foto: Ceran)
Em entrevista à Rádio Independente na tarde do dia 10 de setembro, a secretária de Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, Marjorie Kauffmann, disse que não há evidências de que as barragens tenham tido influência sobre os danos causados pela enchente.
Ao Estadão Verifica, a Aneel, responsável pela fiscalização de geração hidrelétrica, afirmou que as cheias não poderiam ser agravadas por conta da estrutura das barragens. A Agência Nacional de Águas (ANA) também confirmou ao veículo que a produção de energia é feita apenas com a força da correnteza, sem uso de comportas.
Em 11 de setembro, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal também desmentiu a alegação de que as barragens teriam causado os alagamentos. “As barragens no Rio das Antas, controladas por empresa privada, possuem vertedouros do tipo soleira livre, ou seja, não possuem estruturas que possibilitem o controle da vazão do rio e tem a característica ‘a fio d’água’, que não tem capacidade de armazenamento e todo o excedente de água passa por cima da barragem.”
Investigação por divulgação de informações falsas
Conforme mostrou a agência Aos Fatos, as alegações falsas de que as enchentes teriam sido causadas por conta da abertura de comportas das barragens viralizaram após terem sido replicadas pelo apresentador Alexandre Garcia, em 8 de setembro.
Assim como no caso dos conteúdos investigados aqui, Garcia afirmou que não teriam sido só as fortes chuvas as responsáveis pelos estragos. Em um programa da Revista Oeste, o jornalista disse, sem apresentar provas, que três represas construídas no “governo do PT” tiveram as comportas abertas junto com as tempestades, o que aumentou o volume de água e causou as enxurradas. Segundo ele, seria preciso investigar as causas da tragédia
No mesmo dia, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), disse, em rede social, que a Polícia Federal tem conhecimento das fake news referentes à crise humanitária no Rio Grande do Sul e que “adotará providências previstas em lei”.
Em vídeo publicado em 11 de setembro no YouTube, o apresentador afirma que a determinação do advogado-geral da União “ajuda a pôr luz em busca da transparência sobre as três barragens”. Garcia diz ainda que a resposta que deu no programa da Revista Oeste durou quase 4 minutos e que as publicações nas redes sociais omitem parte da declaração.
O apresentador diz que se baseou em informações divulgadas até aquele momento sobre o ofício da prefeitura de Bento Gonçalves e sobre o questionamento feito por um grupo de prefeitos de municípios da região acerca do quanto o funcionamento do Complexo Energético Rio das Antas poderia ter influenciado nas enchentes.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com os responsáveis pelas publicações no Instagram (@adalexgois) e no X (@CarinaBelome), e também buscou a mulher que gravou originalmente os vídeos compartilhados (@bioyinluz) por e-mail e WhatsApp. A outra conta que postou o vídeo no X (@damadanoite14) não permite o envio de mensagens e o Comprova não encontrou perfis correspondentes em outras redes sociais. Já o responsável pela publicação no TikTok (@fabioaquino47) excluiu tanto a postagem quanto o perfil da plataforma.
O único usuário que respondeu, até a publicação desta checagem, foi o que postou o conteúdo no Instagram. Segundo ele, o vídeo é “autoexplicativo” e em nenhum momento a publicação teria afirmado que a abertura das comportas foi responsável pelo alagamento. Ele também encaminhou o link para um “conteúdo opinativo” por meio do qual é possível “encontrar informações sobre minhas consultas com minhas fontes”.
O que podemos aprender com esta verificação: O Rio Grande do Sul enfrentou o maior desastre natural dos últimos 40 anos no estado, que deixou dezenas de mortos, desaparecidos e milhares de pessoas desabrigadas. Em momentos de grandes catástrofes, é comum que informações truncadas, incompletas ou mesmo totalmente falsas circulem com o objetivo de gerar pânico, atacar grupos específicos ou tentar apontar culpados pelo ocorrido.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O site Boatos.org e agências como Estadão Verifica e Aos Fatos já checaram conteúdos sobre comportas de barragens no Rio Grande do Sul.
São sátiras as postagens que mostram um grupo de pessoas com trajes militares simulando uma luta durante um desfile público. O vídeo foi gravado em Cuiabá, no Mato Grosso, na ocasião das comemorações do Dia da Independência do Brasil, em 7 de setembro deste ano. Os agentes em questão são policiais do Sistema Penitenciário estadual e, durante a apresentação, demonstravam técnicas aprendidas durante um curso de operador tático de tonfa, equipamento utilizado para defesa pessoal e pelas forças de segurança.
Conteúdo investigado: Publicação utiliza um vídeo de pessoas com trajes militares simulando uma luta durante desfile de 7 de setembro, apenas com a legenda “olha o nível…”. Um outro post afirma que a cena seria entre “dois soldados representando o Exército” e foi uma “forma de tentar chamar o público”. Nos dois casos, os vídeos trazem como trilha sonora uma música de um seriado japonês dos anos 1980.
Onde foi publicado: X (antigo Twitter).
Conclusão do Comprova: São sátiras as publicações que mostram a cena de duas pessoas com trajes militares simulando uma luta durante um desfile público. Um dos posts foi compartilhado por um perfil que se descreve como parodista e já foi objeto de verificações anteriores do Comprova. As respostas ao conteúdo indicam que há pessoas acreditando tratar-se de militares das Forças Armadas.
O vídeo foi, de fato, gravado durante o desfile em comemoração ao Dia da Independência do Brasil, em 7 de setembro deste ano, em Cuiabá. No entanto, de acordo com a Secretaria do Estado de Segurança Pública do Mato Grosso, os servidores que aparecem no vídeo são policiais penais que frequentam um curso de operador tático de tonfa, equipamento de defesa pessoal utilizado em diversas modalidades de artes marciais e também em atividades de segurança e vigilância. Durante o desfile, os alunos demonstraram algumas técnicas aprendidas no treinamento.
Ambos os posts investigados aqui trazem o vídeo editado, com uma música sobreposta às imagens. Trata-se de uma canção utilizada na série japonesa Kyojuu Tokusou Juspion, produzida entre 1985 e 1986 e que no Brasil recebeu o nome de “O Fantástico Jaspion”.
Sátiras são memes, paródias e imitações publicadas com intuito de fazer humor. O Comprova verifica conteúdos satíricos quando percebe que há pessoas tomando-os por verdadeiros.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X (antigo Twitter), até 13 de setembro, foram 113 mil visualizações, 3.3 mil curtidas e 780 retuítes, somadas as duas publicações.
Como verificamos: Para descobrir onde se passava a cena, o Comprova fez uma busca reversa no Google Imagens com uma captura de tela do vídeo. A ação se passa em frente a um restaurante da rede Subway. Os elementos destacados ajudaram na identificação do local: a fachada do estabelecimento, uma placa verde posicionada ao lado, uma árvore e um prédio atrás.
A busca levou a uma imagem, que indica ser de um Subway localizado na Avenida Presidente Getúlio Vargas, em Cuiabá. A foto foi publicada em 4 de agosto de 2023 e apresenta elementos que coincidem com os do vídeo: fachada do restaurante, placa verde e a árvore.
O Comprova fez uma busca pelo endereço no Google Street View e confirmou o local da gravação. A imagem da plataforma é de fevereiro de 2020, mas traz os mesmos elementos que aparecem no vídeo.
Com a confirmação do local, buscamos notícias e imagens do desfile de 7 de setembro realizado em Cuiabá e chegamos a um vídeo, postado no YouTube, no qual foi possível reconhecer as pessoas do post checado em outro momento do desfile. O mesmo número de integrantes, uniforme e bandeira estão presentes em ambas filmagens.
Em seguida, o Comprova entrou em contato com a Secretaria Segurança Pública do Estado de Mato Grosso (SESP-MT) para confirmar o contexto da gravação. Por fim, buscamos os responsáveis pelas publicações.
O que dizem as publicações
O vídeo passou a ser compartilhado por perfis associados à direita nas redes sociais logo após os desfiles de 7 de setembro. As publicações fazem referência ao número de pessoas, que teria sido inferior às comemorações do ano passado, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). É o caso de uma das postagens verificadas, que afirma que a performance dos agentes foi “a forma de tentar chamar o público”.
O outro post investigado, apesar de não fazer menção direta às Forças Armadas ou aos desfiles, satiriza a demonstração feita pelos policiais, usando a legenda “olha o nível…”.
Nas respostas às publicações, é possível ver que parte dos usuários associaram o vídeo a uma atuação das Forças Armadas e direcionaram as críticas aos militares.
Contexto do vídeo
A SESP-MT confirmou ao Comprova que o vídeo foi gravado durante o desfile de 7 de Setembro deste ano, realizado na Avenida Presidente Getúlio Vargas, em Cuiabá. O órgão também esclareceu que os agentes que aparecem na gravação são policiais do Sistema Penitenciário de Mato Grosso, alunos do 1º Curso Avançado Operador Tático Tonfa.
O bastão tonfa é um equipamento de defesa pessoal utilizado em diversas modalidades das artes marciais e também em atividades de segurança e vigilância
De acordo com a Academia de Polícia do estado, o treinamento se iniciou em 4 de setembro e seguirá até 19 de setembro. A secretaria informou ainda que o ato, durante o desfile, “foi uma demonstração das técnicas aprendidas no curso”.
O desfile cívico-militar em comemoração ao Dia da Independência teve a participação de estudantes de escolas públicas estaduais, de militares do Exército, Marinha, Força Aérea, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, além de agentes das polícias Civil, Penal e do Sistema Socioeducativo.
Os perfis que publicaram o conteúdo
A conta, denominada Pavão Misterious, publica conteúdos relacionados à política. De acordo com a descrição no X, trata-se de um perfil de paródia.
As publicações, em geral, trazem críticas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e são apresentadas em tom de memes e piadas. Há também posts de apoio a Jair Bolsonaro. O perfil tem cerca de 135 mil seguidores na plataforma
Recentemente, o Comprova verificou uma outra postagem feita pela mesma conta que enganava ao comparar dados de empregos das gestões de Lula e Dilma Rousseff (PT) aos do governo Bolsonaro.
O outro perfil pertence ao jornalista e advogado Junior Melo, fundador do site Terra Brasil Notícias. O portal também já foi objeto de verificações realizadas pelo Comprova (1 e 2) e outras agências de checagem, a exemplo da Aos Fatos e da Lupa.
O que diz o responsável pela publicação: O perfil @misteriouspavao no X não aceita receber mensagens privadas. O Comprova entrou em contato com Junior Melo, mas não obteve resposta.
O que podemos aprender com esta verificação: Utilizar vídeos e imagens fora de contexto e em baixa qualidade, que dificultam a identificação do local e pessoas presentes, é uma estratégia usada por perfis que disseminam desinformação nas redes sociais.
A tática do humor, sobretudo no ambiente digital, também é utilizada por essas contas como uma justificativa para fugir da responsabilização sobre as informações publicadas.
Por isso, é importante checar se o conteúdo de fato corresponde às circunstâncias reais. Uma busca na internet por notícias em meios de comunicação de sua confiança pode dar indícios sobre a veracidade daquela informação. Observe detalhes, como símbolos em roupas, bandeiras e outros objetos e desconfie caso certos elementos não façam sentido dentro do contexto apresentado.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Em 30 de agosto, prefeituras de 16 estados aderiram à mobilização “Sem FPM Não Dá”. Na ocasião, algumas gestões decretaram ponto facultativo e suspenderam serviços não essenciais, enquanto outras realizaram protestos. Os atos ocorreram diante da redução no repasse, em julho e agosto, do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e em razão de dificuldades de gestões municipais de arcar com as despesas. Diferentemente do que alegam publicações nas redes sociais, a mobilização não foi organizada contra o governo Lula (PT).
Conteúdo analisado: Publicações que circulam nas redes sociais atribuem a “greve” de prefeitos, ocorrida em 30 de agosto, à gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A paralisação seria pela queda de 30% no repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Um dos posts diz: “Greve de Prefeituras! Dessa vez Lula se superou viu”. Outro cita: “Frustrados com mentiras de Lula, prefeitos entram em greve por falta de verbas destinadas aos municípios”.
Comprova Explica: Em 30 de agosto, prefeituras de diversas cidades do Nordeste e de alguns municípios de Santa Catarina, Paraná, Tocantins, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul anunciaram uma mobilização como forma de protesto contra a queda nos valores repassados pelo governo federal por meio do Fundo de Participações dos Municípios (FPM), entre outros fatores. O ato motivou a paralisação de serviços administrativos por um dia. Serviços essenciais, como limpeza e saúde, funcionaram normalmente.
Semanas antes da movimentação, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) havia chamado atenção para quedas acentuadas em duas parcelas específicas do fundo: a de 10 de julho, que teve recuo de 34,5% em comparação com a mesma data do ano passado, e a de 10 de agosto, que caiu 23,56%. A redução, no entanto, é pontual. O acumulado dos repasses em 2023 está no mesmo patamar dos anos anteriores.
Além do FPM, gestores municipais envolvidos no protesto também demonstraram preocupação com mudanças na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), com o aumento de despesas com funcionários, com o pagamento do piso da enfermagem e dos professores, e com a demora no repasse de emendas parlamentares.
Contra a desinformação, a seção Comprova Explica traz detalhes sobre a mobilização dos prefeitos e a motivação por trás do protesto.
Como verificamos: Pesquisamos no Google sobre a mobilização, com termos como “greve prefeitos” e “Sem FPM Não Dá”. Consultamos o portal Tesouro Transparente e o site da Confederação Nacional de Municípios, com quem fizemos contato por e-mail e telefone. Associações que representam as prefeituras do Ceará (Aprece) e da Bahia (UPB) também foram demandadas sobre os atos. Por fim, foram enviados questionamentos ao Ministério da Fazenda e à Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom).
Por que os prefeitos fizeram “greve”?
Associações municipalistas do Nordeste foram as responsáveis pela organização da mobilização do dia 30 de agosto, conforme explicou a União dos Municípios da Bahia (UPB). Após diálogos entre as entidades, atos foram marcados e, posteriormente, contaram com a adesão de municípios de outras regiões e com o apoio da CNM. Não há como saber a quantidade exata de municípios envolvidos, porque isso ficou a cargo de cada associação municipal.
Há a confirmação, tanto por parte das entidades quanto por parte da CNM, que 16 estados tiveram municípios que participaram da mobilização. São eles: Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Tocantins.
Na ocasião, algumas prefeituras decretaram ponto facultativo e suspenderam serviços não essenciais. Em outros casos, os prefeitos convocaram coletivas de imprensa ou conduziram manifestação em pontos estratégicos de suas cidades.
Em carta aberta, o presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Júnior Castro (sem partido), afirmou que apresentava, na data, “as principais dificuldades das gestões municipais” e “pautas prioritárias para o enfrentamento da crise”. O “estopim” seria a queda nos repasses do FPM, mas o protesto teria sido motivado por outras demandas.
Um dos principais pontos seria a dificuldade de “fechar as contas”, com irregularidades nos repasses do FPM para os municípios, com quedas bruscas em julho e agosto; a necessidade de compensação das perdas com a arrecadação com as mudanças no ICMS; e a cobrança para liberação, em caráter de urgência, das emendas parlamentares.
O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, explicou que as dificuldades enfrentadas pelos municípios não são fruto de ação direta do governo Lula e sim “de um problema estrutural”. “Não se trata de governo A ou B. A crise nos Municípios é um problema estrutural, que perpassa por muitos anos, sendo urgente a revisão do Pacto Federativo com uma justa repartição do bolo tributário. A situação tem sido agravada quando se soma isso ao excesso de obrigações que são repassadas aos Entes locais por meio de medidas aprovadas em Brasília sem a devida contrapartida de recursos necessários para que os Municípios possam garantir a eficiência no atendimento à população”, afirmou.
Segundo ele, a dificuldade enfrentada é fruto de uma soma de fatores. “O movimento municipalista encabeçado pela CNM luta pela inclusão dessa pauta nas discussões e pelo avanço de demandas dos entes locais que possibilitem uma melhor prestação de serviços à população”, disse ainda.
Diminuição do FPM em julho e agosto
De acordo com a Constituição Federal, no artigo 159, a União precisa transferir aos municípios uma parcela de 22,5% dos recursos arrecadados pelo Imposto de Renda (IR) e pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Isso é feito por meio do FPM. Trata-se de uma transferência constitucional, ou seja, o valor e a data do depósito não são determinados pelo governo federal.
A Lei Complementar 62/1989 estabelece que os recursos do FPM sejam transferidos nos dias 10, 20 e 30 de cada mês, sempre sobre a arrecadação do IR e IPI do decêndio (período de dez dias) anterior ao repasse.
Segundo a cartilha do FPM, não há uma vinculação específica para a aplicação desses recursos e eles também não podem ser contingenciados, ou seja, a União não pode deixar de transferir esses valores para as prefeituras. A União pode, no entanto, condicionar a entrega dos recursos à regularização de débitos do ente federativo junto ao governo federal e suas autarquias (por exemplo, dívidas com o INSS, inscrição na dívida ativa pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN), assim como ao atendimento do gasto mínimo em ações e serviços públicos de saúde.
A divisão desses recursos é feita com base em um cálculo que considera a população de cada município e a renda per capita de cada estado. O coeficiente é feito com base em informações prestadas ao Tribunal de Contas da União (TCU) até o dia 31 de outubro de cada ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para obter o coeficiente de cada município é feita a multiplicação do “fator população” pelo “fator renda per capita”, respeitando as proporções quantitativas de cada cidade. A explicação detalhada sobre o cálculo pode ser consultada neste link. Na prática, são fixadas faixas populacionais, e o montante recebido por cada prefeitura depende do seu coeficiente individual.
A CNM divulgou estudo, durante outra manifestação ocorrida nos dias 15 e 16 de agosto, que aponta queda no FPM e em outras receitas relevantes, como no ICMS, “além de atrasos no pagamento de emendas parlamentares federais; e do aumento das despesas de pessoal, custeio e investimentos”, conforme afirma nota da entidade.
O FPM, que seria, segundo a CNM, a principal receita de quase sete em cada dez municípios, apresentou queda nos dois primeiros decêndios, ou seja, no repasse dos dias 10 de julho (-34,5%) e de agosto (-23,56%) em comparação com o mesmo período do ano passado, em valores nominais – que não consideram a inflação. A entidade aponta dois fatores para a redução do montante repassado aos municípios: redução na arrecadação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e o aumento de restituições do IR.
De acordo com os dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), o primeiro decêndio de setembro de 2023, comparado com mesmo decêndio do ano anterior, apresentou uma queda de 28,22% em termos nominais.
| Levantamento da CNM sobre os repasses do FPM por mês. Os dados foram validados pelo Governo Federal. Disponível aqui
O governo federal, por meio do Ministério da Fazenda, confirmou os números ao Comprova. Apesar das quedas pontuais em julho e agosto, destacou o aumento quando considerados todos os repasses feitos no ano. “No acumulado, observa-se um crescimento de 4,3% em termos nominais, e a projeção atualizada para o ano indica um crescimento de 5,2%. Durante o ano, há uma sazonalidade na arrecadação das receitas que gera movimentos atípicos”, ressaltou em nota. Os dados podem ser consultados no portal Tesouro Transparente.
Em complemento, a Fazenda recuperou uma declaração do ministro da pasta, Fernando Haddad, do dia 29 de agosto, em que ele afirma que o governo está aberto a sentar com os municípios para conversar. “Eu mesmo trouxe a público que julho preocupou muito a área econômica. O comportamento de julho demonstrou uma forte desaceleração da economia”, reconheceu o ministro na ocasião.
No dia 12 de setembro, Lula anunciou que o governo federal enviou ao Congresso Nacional uma medida para garantir que nenhuma prefeitura receba, em 2023, menos recursos via FPM do que em 2022. Trata-se de uma emenda ao Projeto de Lei Complementar 136/23, que prevê compensação de R$ 27 bilhões da União aos estados e ao Distrito Federal em razão da queda na arrecadação do ICMS. O plenário da Câmara deve votar o PLP 136/23 ainda nesta quarta-feira (13).
Aumento das despesas e demora nas emendas parlamentares
As prefeituras alegam também aumento de despesas com funcionários. A Lei Complementar 173/2020, que institui o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, vedou para os entes da federação a admissão e o reajuste salarial entre 2020 e 2021 no setor público. O contexto de contração de pessoal começou a ser revertido em 2022 e toma continuidade neste semestre, com reajustes salariais e admissões no setor público.
As gestões elencam o reajuste do piso do magistério, a principal carreira do funcionalismo municipal, como outra causa para o aumento. De todo o gasto de pessoal das prefeituras, a folha do magistério corresponde entre 23% a 25% do total, segundo a CNM, o que indica que qualquer reajuste salarial tem um impacto importante nas despesas de pessoal.
Em janeiro, o Ministério da Educação anunciou o reajuste de 14,95% do piso salarial dos professores da educação básica. O valor passou de R$ 3.845,63 para R$ 4.420,55. O piso foi instituído pela Lei nº 11.738 de 2008, que regulamenta uma disposição já prevista na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB). O piso da enfermagem também foi citado por aumentar as despesas nos municípios.
As prefeituras alegam também haver atraso no pagamento de emendas parlamentares no primeiro semestre do ano. Conforme dados do Siga Brasil, plataforma mantida pelo Senado Federal, até junho de 2023, houve uma redução, em torno de 48.84%, se comparado ao mesmo período de 2022.
Este ano, cerca de R$ 6,6 bilhões tinham sido pagos até junho. R$ 5,7 bilhões por meio de emendas parlamentares individuais, R$ 717 milhões por emenda de bancadas (de autoria das bancadas estaduais no Congresso Nacional e relativas a matérias de interesse de cada estado ou do Distrito Federal), R$ 142 milhões por emendas do relator (de autoria de deputado ou senador que, naquele determinado ano, foi escolhido para produzir o parecer final sobre o Orçamento) e R$ 10,4 milhões por comissão (apresentadas pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado ou propostas pelas Mesas Diretoras das duas Casas).
No mesmo período de 2022, R$ 12,9 bilhões foram repassados. A maior parte (R$ 5,6 bilhões) foi por meio de emendas do relator, atualmente de uso limitado. Em dezembro de 2022, por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as emendas de relator só poderiam ser usadas para recompor o Orçamento.
| Emendas pagas em 2022 e 2023, nos meses de janeiro a junho, conforme levantamento do Siga Brasil, disponível aqui:
Desde 2019, o dinheiro era repassado pelo relator a parlamentares e diretamente para prefeituras ou entidades. Apesar da aprovação de novas regras de repasses, os magistrados apontaram a falta de transparência e de critérios como problemas para a atualização.
Os demais repasses pagos nos seis meses iniciais de 2022 foram: R$ 4,8 bilhões em emendas individuais, R$ 2,44 bilhões para bancadas e R$ 500 mil por comissão.
O governo é obrigado a destinar os recursos obedecendo a escolha do parlamentar, mas o momento da liberação fica sob controle do Executivo. Os dados no sistema são voláteis, justamente porque todos os dias o governo pode fazer o empenho ou pagamento das emendas.
Em consulta até o mês de setembro, os valores ainda apresentam queda, mas de forma menos acentuada, com repasses de R$ 16,2 bilhões em 2022 contra R$ 14,88 bilhões no mesmo período de 2023. Procurado pelo Comprova, o Ministério da Fazenda não quis comentar esses pontos.
Por que explicamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
O Brasil não ocupa posição baixa no ranking internacional de democracias do Instituto V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, porque haveria censura e presos políticos no país depois da eleição de 2022 como alegam publicações nas redes sociais. O relatório citado nas postagens não menciona essas questões quando trata da democracia brasileira entre 2012 e 2022. Na realidade, o estudo aponta que a instabilidade e a polarização política no período, aliadas a ataques aos princípios democráticos levaram à queda nesse índice. A pior pontuação do país ocorreu em 2019, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O relatório ainda apresenta que, desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022, houve leve melhora no índice.
Conteúdo investigado: Publicações nas redes sociais que comentam um estudo do Instituto V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia. Uma dessas publicações, por exemplo, alega que a entidade classifica o Brasil apenas como uma “democracia eleitoral” porque haveria censura e presos políticos no país e que “nestas democracias, após as eleições, o povo não apita mais nada”.
Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e Instagram.
Contextualizando: O índice V-Dem (Varieties of Democracy, variedades de democracia, em português), produzido pelo instituto de mesmo nome, sediado na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, não classificou o Brasil como uma “democracia apenas eleitoral” por causa da suposta existência de censura e de presos políticos no país, como republicado nas redes sociais. Na verdade, segundo o relatório do Instituto V-Dem de 2023, que analisou os índices democráticos mundiais entre 2012 e 2022, a 58ª colocação do Brasil no ranking de democracias, de um total de 179 países, é resultado da polarização política e do que chamam de mobilização de “autocratização”.
Segundo a instituição, a autocratização ocorre quando um governo ou um país se afasta dos princípios democráticos, aproximando-se de autocracias. O relatório mais recente do V-Dem, de março deste ano, aponta que o Brasil cai no Índice de Democracia Liberal (LDI, na sigla em inglês) desde 2015, acentuado a partir do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. Mostra ainda que o declínio atingiu seu nível máximo em 2019, após a eleição de Jair Bolsonaro.
O relatório destaca, porém, que, embora a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva tenha sido seguida de violência pós-eleitoral – citando a invasão em Brasília em 8 de janeiro – o LDI teve leve alta em 2023. “O Presidente Lula continuará a enfrentar desafios para unificar o país, mas tem um histórico de respeito às instituições democráticas durante sua gestão anterior no cargo”, aponta o relatório.
Os mal-entendidos sobre o índice, manifestados em postagens e comentários nas redes sociais, levaram o Comprova a contextualizar o relatório e seus resultados.
Como a publicação pode ser interpretada: Ao republicar um vídeo com informações descontextualizadas sobre o relatório V-Dem, muitos podem acreditar que os dados de declínio nos índices democráticos teriam sido causados por causa do resultado da última eleição, o que não é verdade. Segundo o relatório, essa queda é resultado da polarização e do processo de autocratização que o país sofreu nos últimos sete anos.
O que diz o responsável pela publicação: O autor da publicação que obteve maior alcance não aceita mensagens através do perfil no X. Buscando pelo nome no Google, encontramos outras redes do usuário, como o TikTok e o Facebook. Encontramos também sua conta no Instagram, por onde entramos em contato, mas, até o momento da publicação dessa verificação, não obtivemos respostas.
O que é o V-Dem
O V-Dem (Varieties of Democracy) é um projeto que mede e analisa o estágio das democracias pelo mundo. O projeto seleciona, a cada ano, cinco especialistas de cada país, retirados de um conjunto de mais de 3,7 mil pesquisadores, que respondem a um questionário extenso a respeito das diversas manifestações democráticas naquele país, não apenas o voto direto. Entre os mais de 480 indicadores pesquisados há, por exemplo, representatividade feminina em cargos eletivos, liberdade de associação, liberdade de estudos acadêmicos, nível da polarização política e existência de violência política.
O Instituto V-Dem, sediado no Departamento de Ciência Política da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, é o responsável pela execução e produção desse projeto. É um instituto independente e coordenado pelo Professor Staffan I. Lindberg. Anualmente, em março, é publicado um relatório em que são contabilizados e apresentados os resultados dos doze meses anteriores em relação a um avanço ou retrocesso dos índices democráticos nacionais.
A medição da democracia
A partir da análise dos dados, os países são ranqueados dentro de uma escala de 0 a 1, no chamado Índice de Democracia Liberal (LDI). Nesse ranking, as autocracias fechadas estão localizadas em um extremo e as democracias liberais no outro. No último relatório, publicado em março de 2023, que analisou o período entre 2012 e 2022, 42 nações foram inseridas no processo de autocratização – ou seja, que estão indo de estágios democráticos para autocráticos –, enquanto outras 14 estão fazendo o caminho inverso e estão em democratização. Os demais países estão estagnados em um dos quatro estágios democráticos analisados, sem avançar ou retroagir. As nações em autocratização somam 43% da população mundial; já os em democratização registram apenas 2% do todo.
| Processo de autocratização analisado pelos relatório V-Dem. O espectro dos governos vão de democracias liberais até autocracias fechadas. Recriação do Comprova para gráfico do Projeto V-Dem.
De acordo com o conceito utilizado pelo V-Dem, países com democracia liberal, considerado pelo instituto como o mais alto na escala democrática, “são caracterizados por um conjunto adicional dos direitos individuais e das minorias para além do âmbito eleitoral, que protege contra a ‘tirania da maioria’”. Dentre os componentes que caracterizam esse estágio da democracia está a supervisão do Poder Executivo pelo Legislativo e pelo Judiciário, a proteção das liberdades individuais e a igualdade perante às leis. Segundo o relatório de março de 2023, 32 países estão nessa etapa. A Escandinávia – formada por Dinamarca, Suécia e Noruega – ocupa os três primeiros lugares do ranking, respectivamente. O Chile é o único representante sul-americano nesse estágio.
Democracias eleitorais, grupo do qual o Brasil faz parte, são as mais numerosas no relatório do V-Dem, totalizando 58 nações na mais recente análise. Esse tipo de governo, como o próprio nome sugere, mantém a ideia de um processo eleitoral livre, válido e multipartidário. No entanto, o componente de leis e de liberdades individuais respeitadas e a plena supervisão entre os poderes não é totalmente desenvolvida. Animosidade a respeito de polarização política também é um fator influente para o estágio de democracia eleitoral. Argentina, Canadá e Portugal também são representantes deste grupo.
No espectro das autocracias, são considerados os regimes que não prestam contas à população. Em primeiro lugar, temos as eleitorais, em que as eleições são multipartidárias – podendo ser tanto em um regime presidencialista, parlamentarista ou misto –, mas uma série de garantias e direitos não são respeitados ou oferecidos aos cidadãos. Ao todo, o instituto contabilizou 56 países funcionando nesse formato, como El Salvador, Egito, Rússia e Ucrânia.
O último estágio da autocratização são as autocracias fechadas. Os 33 países que se estruturam a partir desse modelo, além da falta de leis igualitárias e da proteção de liberdades individuais, também não possuem eleições livres e com múltiplas opções. Nesse caso, o chefe do executivo e os congressistas ou não são escolhidos pelo voto ou, nos locais em que há votação, só há uma escolha partidária. Estão inseridos como uma autocracia fechada a China, a Coreia do Norte e o Qatar.
| Índice de democracia liberal ao redor do mundo. A graduação vai de 0 (Autocracias fechadas) a 1 (Democracia liberal). Recriação do Comprova para gráfico do Projeto V-Dem.
A posição do Brasil
O Brasil, segundo os dados analisados pelo V-Dem, é classificado como uma democracia eleitoral. De acordo com o relatório publicado neste ano, o LDI brasileiro é de 0,528, colocando-se na 58ª do ranqueamento, de um total de 179 países.
Nos últimos quatro relatórios do projeto, o país aparece entre os dez com um processo de “autocratização” mais avançado. No entanto, segundo a análise mais recente, o Brasil registrou uma estagnação desse índice antes da queda da democracia – processo que também aconteceu com a Polônia. Nesse caso, a tendência brasileira de “autocratização” foi encerrada antes que os princípios da democracia eleitoral, como a prestação de contas ao cidadão ou a falta de eleições livres e multipartidárias, fossem totalmente interrompidos.
Na página 23 da pesquisa deste ano, o cenário de polarização política e “autocratização” pelo qual o país passou e está passando é destacado. No recorte dos últimos dez anos, o relatório mostra que, desde 2015, os índices democráticos brasileiros caíram. A partir de 2016, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o índice de democracia liberal sofreu uma grande queda, indo de 0,555 para 0,508 em 2019, ano seguinte à eleição de Jair Bolsonaro e de grande disputa política e partidária. De acordo com os pesquisadores, a mobilização da extrema-direita a favor dos processos “autocratizantes” foram fundamentais para esse declínio nos índices.
Além disso, o relatório afirma que ações de protesto contra o governo Bolsonaro, como de movimentos feministas e ambientalistas e manifestações contra a resposta governamental à pandemia de covid-19, foram ações que evitaram uma queda maior no LDI.
Apesar do clima eleitoral tenso e da queda dos indicadores de eleições limpas no Brasil, de acordo com os pesquisadores, “a pontuação do LDI registrou uma melhora nos dados deste ano, após a vitória de Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva sobre Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022”. O índice de democracia liberal brasileiro foi de 0,51, no relatório publicado em 2022, para 0,528. Mesmo com os ataques do 8 de janeiro às sedes dos Três Poderes, em Brasília, e com a manutenção dos altos índices de polarização, os pesquisadores do V-Dem entendem que o terceiro mandato de Lula pode recolocar o Brasil em “bons níveis democráticos”.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 12 de setembro, uma das publicações no X contava com 246,6 mil visualizações, 4,6 mil republicações e 13,3 mil curtidas. No Instagram, uma postagem analisada alcançou 36,5 mil visualizações, 5,2 mil curtidas e 115 comentários.
Como verificamos: Em primeiro lugar, buscamos a versão integral de um vídeo que foi usado em publicações nas redes sociais. Em seguida, pesquisamos pelo Instituto V-Dem no Google, encontrando os relatórios da evolução da democracia nos países.
Por fim, entramos em contato com o Instituto V-Dem e com o autor da publicação.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
São enganosos posts que divulgam conteúdos com críticas a supostos empréstimos que o Brasil iria fazer à Argentina. Um dos conteúdos relaciona os empréstimos à situação precária de um posto de saúde no Brasil e outro aos contingenciamentos do Orçamento. Na verdade, segundo o Ministério da Fazenda, o Brasil não vai fazer empréstimo e o que existe é uma proposta de financiamento de exportações de US$ 600 milhões, mas com exigência de oferta de garantias. Além disso, o bloqueio do Orçamento Geral da União (OGU) de R$ 3,2 bilhões previsto visa o cumprimento do teto de gastos, que ainda incide sobre o Orçamento deste ano.
Conteúdo investigado: Posts nas redes sociais criticam suposto empréstimo de R$ 3 bilhões do Brasil à Argentina e dizem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) bloqueou 3,2 bilhões dos brasileiros afetando as áreas de saúde e educação.
Onde foi publicado: Instagram e TikTok.
Conclusão do Comprova: São enganosos posts que divulgam supostos empréstimos do Brasil à Argentina. As publicações também informam que o bloqueio de verbas no país teria relação com problemas em áreas como saúde e educação, algo que não ocorreu.
Ao Comprova, o Ministério da Fazenda classificou a informação como “mentirosa” e disse que não há empréstimo previsto para a Argentina. A pasta afirmou que o governo brasileiro fez uma proposta de financiamento para exportações de US$ 140 milhões (R$ 700 milhões) exigindo oferta de garantias no mesmo valor.
Dessa forma, segundo o ministério, a operação não oferece riscos ao país. No final de agosto, a Argentina apresentou outra proposta, de financiamentos no valor de US$ 600 milhões (ou R$ 3 bilhões). A negociação envolve acordo de parceria com a Cooperação Andina de Fomento (CAF), um banco de desenvolvimento da América Latina e Caribe, para que a instituição seja contraparte na proposta, fazendo a oferta de garantias da operação. A análise da CAF ocorrerá ainda em setembro.
Quanto ao bloqueio de verbas do Orçamento Geral da União (OGU), o governo federal confirma que R$ 3,2 bilhões estão bloqueados para que o teto de gastos seja cumprido. O bloqueio de despesas é legal e existe no país como regra aprovada pelo Congresso em 2016. A ação permite que não haja descontrole das contas públicas, como já mostrou o Comprova.
Em entrevista no fim de julho, o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, informou que o bloqueio de R$ 3,2 bilhões representa 0,17% do limite total do teto de gastos deste ano e 1,66% do total das despesas discricionárias do Poder Executivo. A despesa discricionária tem como característica a execução a partir da avaliação de oportunidade por um gestor. Nesse caso, o governo tem liberdade para decidir o momento mais oportuno para a realização de um gasto.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, a postagem tem 260,7 mil visualizações até o dia 11 de setembro, 41,2 mil curtidas, 6,9 mil compartilhamentos e 2,3 mil comentários. No Instagram, o post foi excluído e até o dia 5 de setembro tinha 4,1 mil curtidas.
Como verificamos: Primeiramente, fizemos pesquisas no Google para identificar notícias sobre o assunto e como ele estava sendo repercutido. Para isso, buscamos os termos “empréstimo Brasil a Argentina”, “relação econômica entre Brasil e Argentina”, “Brasil tira dinheiro do SUS e educação para emprestar à Argentina”. Como resultados, acessamos notícias explicando que o Brasil não emprestou dinheiro ao país vizinho, mas que havia sido firmado um acordo de cooperação.
O Comprova também entrou em contato com o Ministério da Fazenda.
Negócios entre Brasil e Argentina
Segundo o Ministério da Fazenda, não houve empréstimo à Argentina e a “informação da imagem é mentirosa”. De fato, em agosto de 2023, o Brasil recebeu a proposta de financiamentos de exportações ao país vizinho que envolvem a Cooperação Andina de Fomento (CAF), no montante de US$ 600 milhões.
Ao Comprova, o ministério confirmou a informação sobre a negociação, destacando que a proposta foi realizada com base na exigência de garantias por parte do governo argentino. “O Brasil fez uma proposta de financiar exportações brasileiras à Argentina”, informou em nota. Por fim, acrescentou que, com o acordo, a Argentina fica obrigada a cumprir a “oferta de garantia no mesmo valor”. “Deste modo, o Brasil não teria qualquer risco na operação ao passo em que as exportações brasileiras à Argentina teriam financiamento e, assim, vazão comercial”, disse a Fazenda.
É importante destacar que a confirmação do acordo de cooperação não estabelece relação de empréstimo entre os países.
Segundo o economista Francisco Américo Cassano (registro Corecon SP 11273), que também é pesquisador e consultor de relações econômicas internacionais, a diferença de empréstimo e financiamento entre países não diverge do conceito que envolve a relação entre banco e cidadão comum.
“O empréstimo concedido poderá ser utilizado a critério do tomador, ou seja, os recursos poderão ser aplicados naquilo que for necessário para o país; enquanto que o financiamento será concedido para atividade ou finalidade específica e de acordo com o que foi autorizado pelo agente financiador”, destaca Cassano.
De acordo com o governo brasileiro, peças de desinformação na internet têm colaborado para disseminar informações falsas sobre possíveis acordos com a Argentina. Uma delas envolve também a cadeia leiteira do Sul do país. Há estudo de um programa de desoneração da cadeia produtiva, internamente, para quem produz e não para quem importa o produto. Algumas medidas já tomadas para o enfrentamento desse quadro no setor são a liberação de R$ 200 milhões para a aquisição de leite em pó pelo governo federal, a taxação de alguns produtos lácteos importados e o intenso trabalho de fiscalização realizado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
A 1ª proposta e os riscos
O Brasil fez a primeira proposta de financiamento de exportações brasileiras à Argentina exigindo oferta de garantias no mesmo valor, ou seja, cerca de US$ 140 milhões (R$ 700 milhões).
Dessa forma, o governo brasileiro explicou que o país não teria risco na operação, pelo fato de as exportações brasileiras à Argentina terem financiamento e vazão comercial. A linha seria ofertada pelo Programa de Financiamento às Exportações (Proex), programa de fomento às exportações brasileiras que existe desde 1991.
Com a escassez de dólares enfrentada pela Argentina no atual momento, o Brasil propôs aceitar a apresentação de garantias pela Argentina em reais e em espécie. Para chegar aos reais que daria como garantia, a Argentina poderia fazer o câmbio de yuans chineses por reais brasileiros, ofertando assim as garantias em reais em espécie ao Brasil, no exato montante da linha de financiamento, R$ 700 milhões. É por causa disso que o governo diz não haver qualquer risco ao Brasil na proposta.
A 2ª proposta
No final de agosto, a Argentina fez outra proposta de estrutura de financiamento às exportações brasileiras, que vai passar por negociações técnicas e políticas. A oferta de garantias ao Brasil do valor de US$ 600 milhões (R$ 3 bilhões) seria articulada com o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe. Isso garantiria o financiamento das exportações brasileiras à Argentina em setores-chave do comércio bilateral entre os dois países. Apenas os primeiros esboços dessa estrutura foram conversados com o Brasil, não tendo ainda o lado argentino ou a CAF apresentado nenhum documento formal com a proposta em sua versão final.
Os financiamentos
O acordo de financiamento de exportações à Argentina no valor de US$ 600 milhões envolve uma cooperação entre Banco do Brasil (BB), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe . A proposta ainda precisa de aprovação do conselho gestor do CAF, que se reunirá no próximo dia 14 de setembro.
Em depoimento divulgado no portal do Planalto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o BB deve garantir as exportações das empresas brasileiras e a previsão é que o CAF entre com uma contragarantia para o Banco do Brasil. Haddad explicou ainda que existe a possibilidade de o Brasil não acionar o Fundo Garantidor de Exportação. Seria uma operação nova que restabeleceria o fluxo de comércio bilateral.
O ministro declarou que, inicialmente, a equipe da Fazenda tinha estruturado uma operação menor do que os US$ 600 milhões, algo em torno de US$ 140 milhões, que tinha como fundamento a garantia em yuans de exportações brasileiras. A Argentina, com apoio do CAF, não precisará abrir mão dessas reservas para garantir as exportações, segundo Haddad, após a reunião em 28 de agosto.
Como funciona o bloqueio do orçamento
Conforme verificação publicada em agosto pelo Comprova, o contingenciamento de despesas para adequar o orçamento federal ao teto de gastos é uma regra aprovada pelo Congresso em 2016, que procura evitar o descontrole das contas públicas. Ao aprovar o orçamento anual, o limite para as despesas primárias (obrigatórias e discricionárias) são delimitadas.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que, ao final de cada bimestre, caso a receita delimitada no orçamento federal para o pagamento de despesas obrigatórias não seja suficiente, é necessária a “limitação de empenho e movimentação financeira” do orçamento de despesas primárias. A análise é feita, atualmente, por meio do Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, de responsabilidade da Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), em conjunto com a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda (STN/MF).
De acordo com a assessoria do Ministério do Planejamento e Orçamento, esse relatório avalia como está o desempenho das receitas e despesas até aquele momento. Três relatórios já foram divulgados pelo MPO em 2023. Em março, a análise concluiu que não era necessário o contingenciamento de recursos.
Nessa estimativa, o valor das despesas diminuíram, o que geraria um espaço no limite orçamentário. Já em maio, a projeção foi revisada e indicou a necessidade de bloquear R$ 1,7 bilhão de despesas discricionárias de seis ministérios (Fazenda, Transportes, Planejamento e Orçamento, Integração e Desenvolvimento Social, Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, e Cidades). Em julho houve necessidade de um segundo contingenciamento, totalizando R$ 3,2 bilhões de despesas bloqueadas para o cumprimento do Teto de Gastos.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova enviou mensagem via WhatsApp a um responsável pelo veículo que publicou o conteúdo enganoso, mas não recebeu resposta. Não conseguimos contato com a responsável pela publicação no TikTok.
O que podemos aprender com esta verificação: Temas relacionados a governos sempre são alvos de informações mentirosas na internet. Diante disso, o leitor pode melhorar a percepção desses conteúdos pesquisando em fontes de informação, como sites de veículos de comunicação, de sua confiança.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Publicações na internet confundem ao sugerir que a empresa de turismo 123 Milhas entrou com pedido de recuperação judicial devido a políticas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De acordo com a empresa, a medida foi necessária para renegociar uma dívida de R$ 2,3 bilhões ocasionada por fatores como alta nos preços das passagens e do combustível de aviação, além de milhares de ações judiciais ingressadas contra a companhia, após o cancelamento de uma promoção que vendia passagens aéreas e pacotes de viagem com datas flexíveis a um preço menor.
Conteúdo investigado: Texto associa o pedido de recuperação judicial da empresa de turismo 123 Milhas a políticas econômicas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A publicação afirma que a medida é “tendência” no país devido “ao desgoverno que comanda o Palácio do Planalto” e cita uma pesquisa do Serasa que indica um aumento de 82,1% nos pedidos de recuperações judiciais. O conteúdo foi compartilhado com a legenda: “Gigante do turismo não suporta o cerco e pede recuperação judicial. Sem alternativa”.
Onde foi publicado: Website, X (antigo Twitter) e Telegram.
Contextualizando: Uma publicação feita pelo site Jornal da Cidade Online associa o pedido de recuperação judicial da empresa de turismo 123 Milhas a políticas econômicas do governo Lula (PT), mas a própria empresa admite que a crise foi provocada pela alta nos preços das passagens e do combustível de aviação, além de outros fatores, como as mudanças feitas pelas companhias aéreas para restringir a negociação de passagens por meio de milhas.
O pedido de recuperação da empresa foi acatado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) em 31 de agosto de 2023. Em nenhum momento o nome de Lula ou qualquer política do governo federal é mencionada no requerimento.
Ao Comprova, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirmou que “não possui qualquer relação com o pedido de recuperação judicial apresentado pela empresa 123 Milhas ao Poder Judiciário”.
Como a publicação pode ser interpretada: A inserção de personagens estranhos ao contexto em uma determinada situação pode levar ao entendimento de que há uma correlação entre ambos. É o caso de comentários feitos no X e que responsabilizam o governo atual pela situação que levou a empresa a pedir a recuperação judicial.
O que diz o responsável pela publicação: Por e-mail, a administração do site em que o texto foi publicado disse que o “Jornal da Cidade Online em momento algum diz que a 123 Milhas pediu recuperação judicial por conta de um ‘cerco’ do governo Lula”. “O que fizemos foi a constatação de que no ano de 2023 houve um aumento exponencial de pedidos de recuperação judicial. A fonte é o Serasa”, complementa.
Como é o modelo de negócio da 123 Milhas
Fundada em 2016, em Belo Horizonte (MG), pelos irmãos Ramiro Julio Soares Madureira e Augusto Julio Soares Madureira, a 123 Milhas atua como intermediadora na emissão de passagens aéreas e pacotes de viagens nacionais e internacionais. O negócio é baseado na compra de milhas que não serão utilizadas por clientes de programas de fidelidade e, posteriormente, na emissão das passagens por meio desses programas.
A empresa é conhecida por oferecer bilhetes por preços abaixo dos praticados pelo mercado. Isso é possível porque a companhia, com a aquisição das milhas, consegue comprar passagens e serviços em grandes quantidades, o que possibilita negociar os produtos a preços menores.
Em 2021, a empresa criou o programa Promo123, que vendia passagens aéreas e pacotes de viagem com datas flexíveis. Nessa modalidade, o cliente indicava o período em que pretendia viajar e adquiria a passagem por um valor abaixo do oferecido pelas companhias aéreas e demais agências de viagens.
No entanto, a emissão do bilhete ocorreria somente após a compra. Segundo a empresa, o modelo permitiria escolher “o melhor momento” para adquirir os serviços por um preço mais vantajoso.
Desde que comunicou aos clientes que não cumpriria com as emissões de passagens, a 123 Milhas passou a ser alvo de ações judiciais cíveis e coletivas, bem como de notificações e investigações por parte da Senacon, do Ministério Público Federal (MPF), do Procon-SP e outros órgãos de defesa do consumidor.
Em nota divulgada à imprensa, a companhia afirmou que a medida tem como objetivo “assegurar o cumprimento dos compromissos assumidos com clientes, ex-colaboradores e fornecedores”.
“A Recuperação Judicial permitirá concentrar em um só juízo todos os valores devidos. A empresa avalia que, desta forma, chegará mais rápido a soluções com todos os credores para, progressivamente, reequilibrar sua situação financeira”, diz a nota.
Em 30 de agosto, as empresas do grupo — composto pela 123 Milhas, Novum e Art Viagens — enviaram à Justiça uma lista de credores com uma dívida que totaliza mais de R$ 2,29 bilhões. O documento inclui pessoas físicas, dívidas trabalhistas e empresas de todos os portes, incluindo instituições financeiras, empresas de tecnologia e de turismo.
O pedido de recuperação judicial da 123 Milhas acompanha um requerimento de tutela para suspensão das cobranças das dívidas (que prevê o não pagamento aos credores por 180 dias). Este seria o prazo para que a empresa formulasse um plano de pagamento gradual.
No dia 31 de agosto, o TJ-MG aceitou o pedido do grupo. A juíza da 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, Cláudia Helena Batista, determinou um prazo improrrogável de 60 dias para as empresas apresentarem um plano de recuperação, sob pena de decretação de falência.
A magistrada também definiu que sejam apresentadas as contas demonstrativas mensais, enquanto a medida estiver em vigor.
Pedido não tem relação com políticas do governo Lula
Na petição que fundamenta o pedido de recuperação judicial, as empresas do grupo afirmam que estão “enfrentando a pior crise financeira” desde suas respectivas fundações, decorrente da “cumulação de fatores internos e externos” que impuseram um aumento considerável dos passivos das companhias nos últimos anos.
Entre as razões que levaram à crise elencadas estão fatores como o aumento dos preços das passagens após a pandemia de covid-19, acompanhado da alta no combustível de aviação, o que impossibilitou a emissão das passagens já adquiridas pelos clientes.
A dificuldade de cumprir com os serviços prometidos no programa Promo123 e a alta taxa de juros sobre as suas dívidas também são apontadas como razões que desencadearam o pedido de recuperação.
“Por exemplo, se acreditava que para cada voo vendido, o cliente também adquiriria outros produtos atrelados à viagem (reservas de hospedagem, passeios etc.), mas isso acabou não ocorrendo na prática”, argumenta o grupo.
O documento enviado à Justiça explica que a 123 Milhas estimava uma redução do preço das passagens diante de um esperado aumento na oferta de voos pelas companhias aéreas após o período de restrições impostas pela pandemia.
“Isso, contudo, infelizmente não se concretizou, havendo, na verdade, um aumento significativo da demanda (muito maior do que a oferta) por voos nacionais e internacionais, o que, aliado ao aumento do preço do combustível de aviação, ocasionado pela queda do real em relação ao dólar e a alta da inflação, fez com que o preço das passagens e pacotes se elevasse, fazendo com que a 123 Milhas não conseguisse adquirir tais produtos nos termos contratados com seus clientes”.
Segundo o Poder360, a empresa ainda cita a Azul Linhas Aéreas na lista de razões da crise econômico-financeira. De acordo com a agência de viagens, a Azul rescindiu um contrato que lhe dava vantagens competitivas aos preços das passagens e isso “inviabilizou o cumprimento de suas obrigações”.
Por fim, as empresas alegam que o modelo de aquisição das passagens, por meio de pontos e milhas, deixou de ser vantajoso diante de fatores como: “(i) precificação das passagens pelas companhias aéreas, que passaram a exigir maior quantidade de pontos/milhas para se emitirem passagens; e (ii) criação de novas regras pelas companhias aéreas em seus programas de fidelidade, que restringiram de forma drástica a utilização de pontos/milhas pelos seus participantes”.
Ainda segundo a petição, todos esses elementos afetaram as operações da companhia e resultaram na suspensão dos pacotes promocionais já adquiridos, decisão que desencadeou uma enxurrada de reclamações e processos.
Não há, no decorrer do documento, qualquer menção a políticas do governo Lula que poderiam ter influenciado no cenário de crise.
O Comprova procurou a Secretaria de Comunicação da Presidência, que encaminhou a demanda ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Por meio da Senacon, o órgão informou que não possui relação com o pedido de recuperação judicial apresentado pela empresa.
“O pedido de recuperação judicial é uma medida prevista na legislação brasileira, que permite a uma empresa em situação financeira delicada buscar a reestruturação de suas atividades e dívidas com o objetivo de garantir a sua continuidade. Este procedimento é solicitado pela própria empresa ao Poder Judiciário, visando encontrar soluções para os desafios econômicos enfrentados”, disse.
“Neste contexto, a Senacon monitora e fiscaliza o cumprimento das normas de defesa do consumidor pelas empresas, mas não interfere nos processos de recuperação judicial, que são da alçada do Poder Judiciário”.
O Comprova também entrou em contato com a 123 Milhas por e-mail, mas não obteve resposta até o fechamento desta verificação.
A agência de viagens entrou na mira dos parlamentares depois que anunciou a suspensão na emissão de passagens e de pacotes promocionais até o fim do ano por conta de dificuldades financeiras.
No depoimento à CPI, Madureira pediu desculpas pelos prejuízos causados e disse que o mercado se comportou de forma diferente do esperado. Segundo ele, isso impossibilitou a viabilidade da linha promocional da empresa. O sócio da 123 Milhas também negou que o seu modelo de negócio seja uma pirâmide financeira.
A CPI ainda deve ouvir os depoimentos do outro sócio da empresa, Augusto Júlio Soares Madureira, e de outras oito pessoas envolvidas no caso.
Dados de pedidos de recuperação judicial
O texto que associa o requerimento da 123 Milhas à gestão do presidente Lula traz dados de uma pesquisa que aponta um aumento de 82,1% nos pedidos de recuperações judiciais no Brasil.
A informação é verdadeira e se baseia em um levantamento da Serasa Experian referente a julho de 2023, quando 102 empresas solicitaram a medida. Em julho de 2022, foram 56 pedidos.
A pesquisa também indica que esse foi o terceiro número mais alto registrado no ano, atrás apenas dos meses de maio e fevereiro. Veja a comparação mês a mês:
Conforme o levantamento, “Micro e Pequena Empresa” foi o porte que liderou os pedidos de recuperação judicial, registrando 62 requerimentos. Em seguida aparece “Média Empresa”, com 30 pedidos, e “Grande Empresa”, com 10.
Na divisão por setores, o ranking é liderado pelas empresas de “Serviço” (41), “Comércio” (38), “Indústria” (20) e “Primário” (1).
A pesquisa é realizada a partir do levantamento mensal das estatísticas de falências (requeridas e decretadas) e das recuperações judiciais e extrajudiciais registradas mensalmente na base de dados da Serasa Experian, provenientes dos fóruns, varas de falências e dos Diários Oficiais e da Justiça dos estados brasileiros.
Ao Comprova, a Serasa Experian informou que “realiza levantamentos econômicos sem qualquer relação ou comentários a respeito do governo ou políticas econômicas”.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 6 de setembro, a publicação alcançava 3,8 mil visualizações no Telegram e 7,5 mil visualizações no X.
Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar notícias sobre o pedido de recuperação judicial da 123 Milhas (G1, Folha, CNN Brasil). Em seguida, encontramos o pedido da empresa na íntegra e a decisão da Justiça. Também entramos em contato com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a 123 Milhas, a Serasa e o responsável pela publicação do conteúdo.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.