O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.Filtro:
É falso post com foto de faixa em posto de combustível com os dizeres "Caros clientes, o preço do combustível subiu por causa dos impostos do governo. Vocês que fizeram o ‘L’: reclamem com o PT”. O governo de Lula, a quem o "faz o L" se refere, realmente subiu as alíquotas sobre combustíveis, mas a imagem é de 2015, período da gestão Dilma Rousseff (PT). Além disso, a imagem foi adulterada – a expressão "faz o L" foi adicionada digitalmente.
Conteúdo investigado: Postagem que viralizou no Twitter mostra um posto de gasolina com uma placa onde se lê “Caros clientes, o preço do combustível subiu por causa dos impostos do governo. Vocês que fizeram o ‘L’: reclamem com o PT”, em referência aos eleitores de Lula. O autor do post escreveu “Este aviso deveria ser obrigatório”.
Onde foi publicado: Twitter, LinkedIn e Instagram.
Conclusão do Comprova: É falsa a imagem que viralizou nas redes sociais que mostra uma faixa em um posto de gasolina com os dizeres “Caros clientes, o preço do combustível subiu por causa dos impostos do governo. Vocês que fizeram o ‘L’: reclamem com o PT”.
“Faz o L” refere-se à expressão usada durante a campanha eleitoral do ano passado por apoiadores do então candidato Lula, que se elegeu presidente. Mas a foto verificada aqui é antiga, de 2015, e o texto foi digitalmente modificado. Originalmente, a faixa dizia “Caros clientes, o preço do combustível subiu por causa dos impostos do governo. Reclamem com a Dilma”.
A imagem foi feita em um posto na cidade de Ponta Grossa, no Paraná, segundo uma reportagem do site A Rede disponível no YouTube, Em fevereiro de 2015, a gasolina custava R$ 3,35 no estabelecimento em questão e tinha subido de preço devido ao aumento nos impostos PIS e Cofins, anunciados em janeiro daquele ano pelo então ministro da Fazenda do governo Dilma Rousseff, Joaquim Levy. O conteúdo do A Rede foi replicado por outros sites, como o Correio.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) postou a mesma imagem falsa em sua conta no Instagram no dia 3 de março de 2023, como divulgado por O Globo e pela Carta Capital. A foto já foi apagada pelo parlamentar.
Tanto o post verificado pelo Comprova quanto o feito pelo deputado Eduardo Bolsonaro têm o objetivo de responsabilizar o PT pelo aumento do preço dos combustíveis em consequência da reoneração aplicada pelo governo federal desde o último dia 1º de março.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Twitter, a postagem verificada teve 556 mil visualizações, 28,9 mil curtidas e 4,7 mil retweets.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com Luiz Galeazzo, responsável pelo perfil OiLuiz, via Instagram, mas não houve retorno até a publicação deste conteúdo.
Como verificamos: Primeiramente, foi usada a busca reversa do Google para identificar onde essa imagem e outras similares foram publicadas. Dessa forma, foi possível ver que a foto, tanto a original quanto a versão adulterada, já havia circulado na internet em diversos períodos.
A primeira publicação ocorreu em 2015, quando houve um aumento nos impostos PIS e Cofins durante o governo Dilma Rousseff. Uma matéria em vídeo do site A Rede, que cobre a região de Ponta Grossa, no Paraná, mostra o local e a faixa, além de uma entrevista com o gerente do estabelecimento. As imagens foram ao ar em 4 de fevereiro de 2015. Na época, as mesmas informações do vídeo foram replicadas em outros sites.
Também pesquisamos reportagens sobre o aumento e redução do preço dos combustíveis.
Alta dos preços
Em 28 de fevereiro, o governo Lula (PT) anunciou que iria retomar a cobrança de tributos federais sobre gasolina e etanol a partir de 1º de março. As alíquotas haviam sido zeradas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em junho de 2022, “na tentativa de derrubar o preço nas bombas às vésperas da eleição”, como informou a Folha.
Com a decisão da gestão petista, a alíquota de PIS/Cofins sobre a gasolina subiu para R$ 0,47 e, sobre o etanol, R$ 0,02.
Ainda segundo a Folha, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), justificou o aumento dizendo ser importante para recompor o Orçamento Federal. “Desde antes da posse, estamos com um objetivo claro, que é basicamente recompor o Orçamento público, do ponto de vista da despesa e do ponto de vista das receitas. A PEC [proposta de emenda à Constituição] da Transição foi aprovada justamente para garantir os compromissos firmados no ano passado [do lado das despesas]”, disse.
O que podemos aprender com esta verificação: Em primeiro lugar, a foto adulterada ataca diretamente os eleitores de Lula, não o governo petista, e posts que viralizam com mensagens de ódio devem gerar dúvida em nós. A partir dessa dúvida, devemos tentar fazer uma investigação rápida sobre o conteúdo, que, neste caso, começaria com uma análise da foto. Ao olhar com mais atenção à imagem é possível ver, sem a necessidade de nenhuma ferramenta, que ela foi adulterada na parte inferior, com partes borradas. São dois passos simples – duvidar de ataques que viralizam e analisar a foto com mais cuidado – que evitam que a desinformação se dissemine.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp 11 97045-4984.
É falso vídeo que mostra casamento entre dois homens afirmando que seria a cerimônia de união do futuro diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF). A gravação original exibe o matrimônio de um casal na Espanha. Além disso, não foi confirmado quem será o profissional que ocupará o cargo no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Conteúdo investigado: Vídeo do TikTok mostra cenas de um casamento de dois homens publicadas com a legenda e um emoji de coração: “Casamento do nosso futuro diretor-geral da PRF. Lindo demais!!!”.
Onde foi publicado: TikTok e YouTube.
Conclusão do Comprova: Vídeo que mostra o casamento de dois homens dizendo que um deles é o futuro diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) é falso. Como verificado pelo Projeto Comprova a partir de busca reversa, a gravação foi feita na Espanha e mostra dois homens que vivem lá.
O vídeo original foi publicado no TikTok em 25 de outubro deste ano, mas, como foi possível verificar no Instagram, o primeiro post com imagens do casamento foi publicado em 24 de setembro. A data aparece em um painel comemorativo da cerimônia, sugerindo que seja o dia da união. Além disso, postagens de ambos os noivos fazem menção a Barcelona, na Espanha, e a bandeira do país também surge em diversas imagens nas redes sociais do casal.
Publicado por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), o post também mente ao afirmar que já é sabido quem será o diretor-geral da PRF no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O único nome que já apareceu como possível cotado para o cargo é o de Fabrício Rosa, policial rodoviário federal goiano e filiado ao PT, como publicado pelo O Povo. Gay, ele é um dos diretores da Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTQI+, formado por policiais que combatem a LGBTFobia no ambiente institucional. Fabrício Rosa também é a favor da descriminalização das drogas e faz parte do movimento de policiais antifascistas. Comentários no mesmo vídeo publicado no YouTube sugerem, falsamente, se tratar de Rosa nas imagens.
O Comprova considera falso qualquer conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 29 de novembro, no TikTok, a postagem falsa alcançou 9,2 mil curtidas, 22,2 mil compartilhamentos e 1,2 milhão de visualizações.
O que diz o responsável pela publicação: O post foi publicado por um perfil que apoia o presidente Jair Bolsonaro. O dono da conta tem postado gravações nos atos antidemocráticos no Rio de Janeiro. A reportagem tentou contatá-lo por meio de comentário no post no TikTok, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Como verificamos: Por meio de busca reversa por imagens, encontramos o vídeo original publicado no TikTok. A reportagem também pesquisou quem poderia ser o “futuro diretor-geral da PRF” e encontrou links de matérias (O Povo, Antagonista e O Popular) que falam de Rosa como “nome cotado para assumir a direção-geral” do órgão no governo Lula.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e peças que questionam o resultado das eleições presidenciais. Além de o post verificado apresentar conteúdo homofóbico, publicações com intenção de ofender eventuais ocupantes de cargos no próximo governo podem manipular a opinião pública e gerar danos à democracia.
Outras checagens sobre o tema: O Boatos.org verificou o mesmo conteúdo e conclui ser falsa a alegação que aponta que um dos noivos que aparecem no vídeo de um casamento gay que viralizou seja do futuro diretor-geral da PRF.
São enganosas as informações veiculadas em um vídeo do TikTok em que um homem afirma que o governo federal “está devendo” aos brasileiros o valor do abono salarial do PIS em 2021, e que o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) teria redirecionado esses recursos para pagar benefícios a caminhoneiros e motoristas. Em março de 2021, uma decisão de um órgão vinculado ao Ministério do Trabalho modificou o calendário de pagamento do PIS/PASEP. Assim, quem trabalhou em 2021 com carteira assinada receberá o benefício em 2023. As benesses aos caminhoneiros e taxistas de fato existem, e resultam da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº1/2022 aprovada em 14 de julho de 2022, sem vínculo com a alteração nos calendários de pagamento do PIS/PASEP.
Conteúdo investigado: Vídeo publicado no TikTok no qual um homem caminha por uma rodovia enquanto fala sobre o abono salarial do Programa de Integração Social (PIS). Apoiador do candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), o homem afirma que o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro não pagou o abono salarial referente ao ano de 2021 e que os valores foram usados para criação de outros benefícios, como o auxílio para caminhoneiros sancionado na chamada PEC Kamikaze, aprovada em julho no Congresso Nacional.
Onde foi publicado: TikTok.
Conclusão do Comprova: Não é verdade que o pagamento do abono salarial do PIS em 2022 esteja atrasado ou que o presidente Jair Bolsonaro tenha propositalmente usado os recursos desse benefício para pagar vouchers a caminhoneiros e motoristas de táxi neste ano, como afirma um vídeo publicado no TikTok.
Até 2020 o pagamento do PIS/PASEP era feito a partir do segundo semestre do ano seguinte ao ano-base de referência. Por exemplo, trabalhadores que tiveram vínculo com carteira assinada durante o ano de 2019 podiam receber o pagamento do benefício a partir de julho de 2020. No entanto, esse entendimento foi alterado em março de 2021, quando o pagamento do abono PIS/PASEP não foi feito, e o calendário passou a determinar que o benefício deveria ser pago no início do ano: trabalhadores que tiveram vínculo com carteira assinada em 2020 passaram a ter direito ao saque do benefício só em 2022. Assim, os valores do PIS/PASEP de quem trabalhou com carteira assinada ao longo de 2021 estão previstos para serem pagos em 2023.
Não é possível afirmar que a medida teve relação com a criação de benefícios para taxistas e caminhoneiros, como afirma o vídeo, já que esses benefícios foram viabilizados apenas em julho de 2022, com a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que turbinou recursos destinados ao programa Auxílio Brasil.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: Até o dia 13 de setembro, o conteúdo no TikTok tinha cerca de 137,3 mil visualizações, 5.386 curtidas e 622 comentários.
O que diz o autor da publicação: O Comprova tentou contato com o autor do vídeo, mas o TikTok não permite o envio de mensagens para contas que não se seguem mutuamente. Também não foram encontrados perfis do mesmo usuário em outras redes.
Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar no Google sobre “abono salarial 2021” e “atrasos”. Resultados de reportagens publicadas em sites como Jornal do Commercio explicavam que o abono salarial do PIS/PASEP do ano-base 2021 seria pago em 2023.
Em seguida, fizemos buscas no Google por notícias sobre os calendários de pagamento do PIS/PASEP nos últimos anos. As pesquisas foram feitas para retornarem resultados de acordo com o filtro de data selecionado no buscador.
Por fim, também acionamos a assessoria de imprensa do Ministério do Trabalho e Previdência.
O que é PIS
O Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio Público (PASEP) foram criados em 1970 e são contribuições sociais pagas pela iniciativa privada e órgãos da administração pública, respectivamente. Desde 1988 esses recursos eram direcionados para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), administrado pelo Ministério do Trabalho, Emprego e Previdência. Em 2020, o governo federal extinguiu o fundo PIS/PASEP e transferiu os valores para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Os valores que compunham o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT (agora no FGTS) têm como principal fonte de receita as contribuições do PIS/PASEP. Esses valores também seguem custeando programas como o seguro-desemprego e o chamado “abono salarial”. O vídeo aqui analisado faz referência ao pagamento do abono salarial do PIS, que ocorre anualmente e é direcionado aos trabalhadores com carteira assinada do setor privado que recebem até dois salários mínimos por mês.
Para receber o benefício, o trabalhador precisa ter exercido atividade remunerada com carteira assinada por pelo menos 30 dias no ano-base do pagamento. É preciso estar inscrito no sistema PIS/PASEP há pelo menos cinco anos e ter dados atualizados pelo seu empregador na Relação Anual de Informações Sociais (Rais). O calendário de pagamento do PIS leva sempre em consideração o mês de nascimento dos trabalhadores da iniciativa privada. Já os saques do PASEP, voltados para trabalhadores do serviço público, são liberados de acordo com os dígitos finais do número de inscrição no sistema.
O valor do abono do PIS corresponde ao valor do salário-mínimo dividido por 12 e multiplicado pela quantidade de meses trabalhados. Ou seja, o valor do abono pode variar entre 1/12 do salário mínimo e um salário mínimo inteiro. Considerando o valor atual do salário mínimo de R$ 1.212, uma pessoa que trabalhou os 12 meses com carteira assinada no ano-base de pagamento do PIS receberá um abono de R$ 1.212. Se o trabalhador teve apenas um mês de carteira assinada no ano-base, receberá um abono no valor de R$ 101 (1.212/12), e assim sucessivamente, conforme detalha o site do governo federal.
Mudanças no calendário de pagamento
O pagamento dos valores do PIS/PASEP costumava acontecer a partir do segundo semestre de cada ano com valores referentes ao ano anterior. Por exemplo, no início do segundo semestre de 2019 começaram a ser pagos os valores do PIS/PASEP para quem trabalhou com carteira assinada durante o ano de 2018. Assim, o calendário de pagamentos do PIS/PASEP referente ao ano-base de 2018 começou em julho de 2019 e foi até junho de 2020.
Em março de 2021, contudo, foi anunciado que o pagamento do PIS/PASEP referente ao ano-base de 2020 seria feito apenas em 2022, conforme noticiaram o UOL e a CNN Brasil. A decisão partiu do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) após acordo com o governo federal, empresas e trabalhadores. O Codefat é composto por representantes dos trabalhadores, empregadores e do governo federal. As mudanças foram estabelecidas por meio da resolução nº 896 de 23 de março de 2021 do Codefat, disponível aqui.
Com o adiamento do abono determinado em 2021, os pagamentos do PIS/PASEP começaram a ser anuais: os pagamentos referentes ao ano-base de 2020 iniciaram em fevereiro de 2022 e estarão liberados até 29 de dezembro deste ano, conforme noticiaram o G1 e o Jornal Agora. Assim, o pagamento do PIS para quem trabalhou em 2021, de fato, ainda não foi realizado, conforme afirma o vídeo aqui analisado, e deverá ser feito só em 2023. O calendário para os saques dos valores do PIS 2023 ainda não foi divulgado.
De acordo com o UOL e o Jornal Extra, o adiamento dos pagamentos do PIS/PASEP em 2021 representou uma economia de cerca de R$ 7,6 bilhões ao governo federal naquele ano. Também de acordo com essas publicações, representantes da Central de Trabalhadores do Brasil (CTB), que participaram das reuniões do Codefat sobre o adiamento do pagamento do PIS/PASEP, afirmaram que o governo federal colocou a mudança como condição para a recriação de outro programa, o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm). O BEm foi criado pelo governo federal no início da pandemia de covid-19, em abril de 2020, para garantir pagamentos aos trabalhadores formais que tiveram seus contratos suspensos ou jornadas de trabalho reduzidas quando começaram a ser tomadas medidas de isolamento social. O benefício emergencial permaneceu até o fim do ano de 2020 e foi recriado pelo governo em abril de 2021, ou seja, após a resolução do Codefat.
Embora as alterações no PIS/PASEP tenham sido feitas em um cenário em que o governo buscava formas de viabilizar recursos para a manutenção ou criação de programas sociais no contexto da pandemia, a assessoria de imprensa do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) informou ao Comprova que a decisão “não se referiu a um adiamento do pagamento do ano-base 2020, mas a uma mudança no fluxo de processamento do abono salarial, para evitar pagamentos indevidos e casos de não-pagamento”, que, segundo o órgão, ocorriam com o sistema anterior.
A assessoria da pasta ainda informou que os calendários antigos de pagamento, em que valores já empenhados tinham pagamentos realizados durante dois exercícios fiscais diferentes, ou seja, durante dois anos diferentes, eram questionados pela Controladoria-Geral da União (CGU). Com a mudança, os procedimentos operacionais para identificação dos trabalhadores com direito ao abono passaram a ser realizados pela pasta entre o mês de outubro do ano anterior ao pagamento e janeiro do ano de pagamento, o que, segundo o ministério, “evita equívocos na identificação dos pagamentos ou no cálculo dos valores a serem recebidos”.
Por fim, em relação aos recursos não pagos em 2021, o ministério afirmou que “nenhum real deixou de ser gasto com o pagamento do abono salarial, em nenhuma de suas modalidades”, e que os valores já empenhados naquele ano foram apenas anualizados para o exercício fiscal seguinte. Quanto aos valores que já estavam empenhados para o abono salarial em 2021, mas que não foram gastos no ano passado, o MTP disse que “não faz gestão orçamentária” e que as realocações “são de competência do Congresso Nacional”.
Recursos do PIS não têm relação com pagamento de auxílio para motoristas
No vídeo aqui analisado, o autor afirma que o presidente Bolsonaro “alegou na imprensa que não tinha dinheiro em caixa para fazer o pagamento do PIS em 2022”. Em pesquisas no Google e nas redes sociais do presidente, no entanto, o Comprova não encontrou falas como esse teor. Em seguida, o autor do vídeo ainda diz que, mesmo não tendo esse dinheiro em caixa, o governo teria conseguido viabilizar benefícios financeiros para caminhoneiros e motoristas, fazendo referência à aprovação de uma PEC que turbinou recursos do Auxílio Brasil válidos até dezembro de 2022.
Entre outras coisas, a PEC 1/2022 garantiu o aumento do valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600; a criação de um “voucher” de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos e taxistas e o aumento do valor do auxílio-gás para R$ 53. Todas essas medidas têm validade até 31 de dezembro deste ano. No total, o custo estimado para bancar esses benefícios é de R$ 41,2 bilhões, que não estavam previstos no orçamento deste ano, o que fez com que a medida fosse chamada de “PEC Kamikaze”.
O Tribunal de Contas da União (TCU) pediu explicações ao ministro da Economia, Paulo Guedes, para entender de onde virão esses valores. No final de julho, conforme a coluna Radar Econômico, da Revista Veja, o governo federal ainda pediu que as estatais Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) antecipassem “o pagamento de dividendos neste ano” e modificassem “a periodicidade dos repasses de semestral para bimestral para aumentar seu caixa em ano eleitoral e cobrir o rombo causado pela PEC Kamikaze que estoura o teto de gastos em 41 bilhões de reais”. O Banco do Brasil, segundo a coluna, alegou que não seria possível operacionalizar a antecipação, enquanto as outras estatais ainda não tinham se pronunciado.
Não é possível apontar ligação entre os valores da chamada PEC Kamikaze e o abono salarial. Isso porque os valores do abono foram transferidos para o FGTS quando o governo extinguiu o FAT, ainda em 2020. E também porque o governo ainda não explicou como e de onde virão os valores para cobrir os gastos da PEC Kamikaze, aprovada apenas em julho deste ano.
Vídeo foi gravado em rodovia da Bahia
O Comprova procurou também o local onde o vídeo foi gravado. Enquanto caminha pela rodovia, o homem passa por placas de trânsito, visíveis no fundo da imagem. Uma destas placas indica que um aeroporto e a localização de Lauro de Freitas estão um quilômetro distantes. Pesquisamos no Google a combinação das palavras “aeroporto” + “Lauro de Freitas”.
O principal resultado remete ao Aeroporto Internacional de Salvador – Dep. Luís Eduardo Magalhães e ao município de Lauro de Freitas, na Bahia. Por meio da visualização de satélite do Google Maps, olhamos rodovias no raio de um quilômetro do aeroporto com as mesmas características do vídeo: via duplicada, com duas pistas em cada sentido e dividida por peças de concreto. A maior semelhança era da rodovia estadual BA-526.
Com auxílio do Google Street View, rodamos pela pista e logo foi possível encontrar o trecho onde o vídeo foi gravado, com as mesmas placas de trânsito ao fundo e também outros elementos iguais no vídeo e na imagem do Google, como prédios, casas e árvores.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam na internet relacionados às eleições presidenciais deste ano, à pandemia da covid-19 e a políticas públicas do governo federal. Conteúdos fora de contexto ou com dados imprecisos sobre as eleições podem influenciar na concepção do eleitor sobre determinado candidato, atrapalhando o livre exercício do voto e do sistema democrático brasileiro como um todo.
São enganosas as informações disseminadas por um vídeo publicado no TikTok e no Instagram, que credita à empresa JBS o monopólio da comercialização de carne em Mato Grosso (MT), a partir da compra e fechamento de frigoríficos no estado. E é falsa a alegação de existência de um suposto esquema entre a empresa de alimentos e o Partido dos Trabalhadores (PT), que teria garantido empréstimo a juro zero junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durante os governos petistas. Diferentemente do que diz o autor do vídeo, o frigorífico da JBS na cidade de Brasnorte (MT) continua em funcionamento, apesar de operar abaixo da capacidade produtiva da unidade.
Conteúdo investigado: Um vídeo no qual um homem, identificado como Josemar Formigoni, aparece em frente a um frigorífico na cidade de Brasnorte (MT) e o apresenta como exemplo de um suposto esquema da JBS. Segundo o autor do vídeo, a empresa teria comprado – e depois fechado – todos os frigoríficos do estado de Mato Grosso, com a finalidade de ter o monopólio da comercialização de carne. Para o autor, é este o motivo do aumento nos preços da carne no Brasil. Formigoni também alega que a JBS “pegou” dinheiro do BNDES a juro zero em “complô com o PT”.
Onde foi publicado: TikTok e Instagram.
Conclusão do Comprova: É enganoso o conteúdo de vídeo, compartilhado no Instagram e no TikTok, que afirma que a empresa JBS teria comprado todos os frigoríficos do estado de Mato Grosso, com a finalidade de ter o monopólio da comercialização de carne. O autor aparece nas imagens em frente a um frigorífico na cidade de Brasnorte (MT) e o apresenta como exemplo de um suposto esquema. Ele alega que a JBS “pegou” dinheiro do BNDES a juro zero em “complô com o PT” e que toda a situação causa a alta no preço da carne no Brasil.
Procurado pelo Comprova, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão federal vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, informou que não há monopólio no setor de carne bovina in natura. Além disso, dados do Ministério da Agricultura indicam um total de 43 frigoríficos em Mato Grosso, sendo que a JBS aparece como dona de 12 deles, o que representa 27,9% dos estabelecimentos no estado.
Diferentemente do que diz o autor do vídeo investigado, a unidade da JBS em Brasnorte não está fechada. Funciona atualmente com o total de 200 empregados e abate entre 108 e 150 cabeças de gado semanalmente. A unidade entrou em operação no dia 9 de janeiro de 2020. Em comunicado divulgado à época, a empresa alegava ter investido R$ 70 milhões na aquisição e construção da planta. O frigorífico entrou em funcionamento com o total de 300 funcionários.
De acordo com o BNDES, entre os anos de 2003 e 2017, foram investidos R$ 17,6 bilhões no Grupo J&F, que inclui as empresas JBS e Eldorado Celulose, entre outras. Do total, R$ 9,5 bilhões foram em empréstimos e R$ 8,1 bilhões de investimento em ações da JBS e da Bertin, que posteriormente passaram a fazer parte do grupo. Em relação aos pagamentos, o banco informa que os empréstimos estão sendo pagos e está recebendo a remuneração contratual destas operações.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: No TikTok, plataforma na qual viralizou, até o dia 9 de setembro, o conteúdo obteve 333,7 mil visualizações, 12,5 mil curtidas, 762 comentários e 15,9 mil compartilhamentos via WhatsApp. Já no Instagram, a postagem obteve 61 curtidas até a mesma data.
O que diz o autor da publicação: Ao Comprova, o autor do vídeo ratificou as afirmações feitas no vídeo investigado, citando, inclusive, outros municípios onde frigoríficos também estariam com a produção parada ou abaixo da capacidade, porém sem apresentar provas. Sobre a citação de empréstimos obtidos pela JBS durante os governos petistas, orientou a equipe a “pesquisar” matérias sobre o assunto ou verificar conteúdo de delação premiada.
Dias depois, o autor da publicação voltou a fazer contato com a equipe, e encaminhou a seguinte mensagem: “Parabéns censuraram meu video, vcs comunistas nunca vencerão, Deus trará o que vcs merecem, vcs da imprensa marrom rezam pela volta do PT para continuar os roubos no Brasil.” (sic)
Apesar de o autor da publicação utilizar o termo “censura” em sua resposta, o vídeo investigado continua disponível para acesso nas plataformas.
Como verificamos: Após assistir ao vídeo e identificar os pontos centrais da informação veiculada, a equipe fez buscas no Google utilizando termos como “frigorífico”, “brasnorte” e “JBS”. A partir de então, confirmou a existência e localização do frigorífico citado pelo autor do vídeo em guia online. As buscas também geraram como resposta publicações do jornal Valor Econômico (aqui e aqui), que ajudaram a contextualizar o assunto. Dada a pouca quantidade de informações disponíveis, a equipe iniciou de imediato a etapa de contato com a própria JBS (que confirmou que a unidade citada no vídeo pertence à empresa), com o governo de Mato Grosso, com a prefeitura do município de Brasnorte e, por fim, com o autor do vídeo verificado.
Foram procurados ainda o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o Ministério da Agricultura para obter informações sobre os frigoríficos no estado de Mato Grosso.
Funcionamento do frigorífico em Brasnorte está abaixo da capacidade
A unidade da JBS em Brasnorte entrou em operação no dia 9 de janeiro de 2020. Em comunicado divulgado à época, a empresa diz ter investido R$ 70 milhões na aquisição e construção da planta. O frigorífico entrou em funcionamento com o total de 300 funcionários. Segundo a empresa, o objetivo inicial da operação era atender o mercado interno. A previsão para a unidade era de mais investimento na planta e geração de outras 900 vagas de trabalho no município.
Diferentemente do que diz o autor do vídeo investigado, a unidade não está fechada. Funciona atualmente com 200 empregados.
A JBS é a terceira empresa responsável pelo frigorífico em Brasnorte e figura como titular do imóvel desde 2015. No entanto, o imbróglio sobre o funcionamento da unidade de abatimento e beneficiamento de carne na cidade se arrasta desde 2008, quando a gestão municipal fez a doação da área a uma empresa de nome Brasfrigo.
À época, a Brasfrigro se comprometeu a construir a unidade e garantir o funcionamento do frigorífico até julho de 2009, com a obrigação de gerar mil empregos diretos e outros três mil indiretos até 2010. Sem cumprir os termos acordados com a gestão, a Brasfrigo celebrou, em 2013, um contrato com outra empresa, a RF Participações, que, posteriormente, realizou negociações com a JBS. A previsão da capacidade produtiva da RF Participações era de abate mínimo de 500 cabeças de gado por dia.
Essa média foi incorporada pela JBS no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que a companhia assinou com a gestão municipal de Brasnorte após a abertura de uma Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MT) em 2018.
Em 18 de janeiro de 2022, dois anos após o início da operação do frigorífico, o prefeito de Brasnorte, Edelo Ferrari (União Brasil), utilizou seu perfil pessoal no Instagram para comunicar uma ação do município junto ao Poder Judiciário requerendo a revogação e reversão da “doação” do imóvel onde funciona o frigorífico. A ação judicial movida pela prefeitura local tem como principal argumento o descumprimento de obrigações listadas no TAC. Escreveu o atual prefeito:
“Em 28 de junho de 2018, foi celebrado novo acordo, com a empresa JBS, onde ficou estipulado que deveria estar em pleno funcionamento na data de 20.12.2019, inclusive com o abatimento de bovinos e a contratação de funcionários.
Ocorre que nesta Gestão foi constatado através de informações obtidas pelo INDEA [Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso] e o MAPA [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento], que o frigorífico não tem cumprido com os encargos.
É perceptível que até hoje essa situação causa constrangimento aos cidadãos brasnortenses bem como causa uma imagem de impunidade aos que atentam contra a moralidade pública.
Diante disso, o Município de Brasnorte pleiteou na Justiça a reversão do imóvel e sua cessão, como também multa no valor de R$ 10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil reais).”
Em fevereiro de 2022, conforme decisão da juíza Daiane Marilyn Vaz, da Vara Única de Brasnorte, a qual o Comprova teve acesso, a Justiça de Mato Grosso aceitou o pedido de reversão do imóvel. Entre os argumentos apresentados, está o reduzido abate de bovinos na unidade. De acordo com o documento, o frigorífico conta atualmente com 200 funcionários. A juíza negou o pedido de indenização de RS 10 milhões a título de danos morais coletivos.
A JBS recorreu da decisão, alegando dificuldades em razão da pandemia da covid-19. O pedido de suspensão da reversão feito pela empresa foi atendido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso em 24 de fevereiro, assinado pelo desembargador Márcio Vidal. “Ademais, é de se considerar que a empresa, ora recorrente, se mantém ativa, cumprindo, em tese, sua função social, gerando emprego e tributos do Município de Brasnorte, pelo que, o fechamento do empreendimento frigorífico, de forma precipitada, poderia causar maiores problemas de ordem econômica”, argumenta. A unidade, portanto, continua em funcionamento, mesmo com o nível reduzido em relação à capacidade produtiva.
Em 31 de agosto, o Comprova tentou contato com a JBS, por e-mail, via assessoria de imprensa, mas não teve resposta. No mesmo dia, o gerente de comunicação da JBS fez contato via WhatsApp. Ele confirmou apenas que a unidade citada no vídeo era mesmo da empresa. Informou ainda que os demais questionamentos seriam respondidos. Com a falta de retorno, um novo contato, via WhatsApp, foi feito na sexta-feira (2) com o mesmo gerente de comunicação. Desta vez, ele pediu desculpas pela falta de respostas e disse que cobraria a equipe – ação que não gerou resposta. Outras tentativas de contato com o mesmo gerente foram feitas pela equipe, mas sem sucesso até 9 de setembro.
Relação entre JBS e BNDES
Também não é verdadeira a informação de que as relações financeiras entre o BNDES e a JBS tenham ocorrido sem a incidência de juros – ou “juro zero”, como diz o autor do vídeo investigado.
De acordo com informações disponíveis no site oficial da instituição financeira, entre os anos de 2003 e 2017, foram investidos RS 17,6 bilhões no Grupo J&F, que inclui as empresas JBS e Eldorado Celulose, entre outras. Do total, R$ 9,5 bilhões foram em empréstimos e R$ 8,1 bilhões de investimento em ações da JBS e da Bertin, que posteriormente passaram a fazer parte do grupo.
Ao contato feito pela equipe do Comprova, a assessoria do banco respondeu que os pagamentos dos empréstimos estão sendo feitos de acordo com a remuneração contratual destas operações. Garantiu ainda que “as operações de crédito para o grupo previam juros”, no entanto, não especificou a taxa.
Essas operações fazem parte de uma política de empréstimos do BNDES originada nos governo do PT e desenvolvida entre 2006 e 2017. Conhecida como a política das “campeãs nacionais”, já foi objeto de intenso debate por oferecer a determinadas companhias, entre elas a JBS, juros subsidiados pelo Tesouro Nacional. Como detalhou esta análise do portal UOL, o Banco Central emitia títulos de dívida pública pagando juros médios de 11% ao ano e repassava o dinheiro a empresas que, por sua vez, pagavam cerca de metade dessa taxa em juros ao Estado brasileiro, que na prática subsidiaram o crescimento de tais companhias. Os juros, portanto, não estavam zerados, como afirmou o autor do vídeo investigado aqui.
Quanto ao investimento em ações, o BNDES disponibiliza no próprio site os retornos financeiros. No curto prazo (de 30 de junho de 2020 a 30 de junho de 2022) é de R $9,1 milhões, com uma taxa de retorno de 35,7% ao ano. Em um prazo considerado médio (de 30 de junho de 2012 a 30 de junho de 2022), o rendimento é de R$ 20,2 milhões, a uma taxa de 22,5% ao ano. Por fim, considerando os rendimentos numa avaliação de longo prazo (de 31 de dezembro de 2001 a 30 de junho de 2022), o resultado financeiro é de R$ 18,7 milhões, a uma taxa de 11,5% ao ano. Veja tabela abaixo:
| Tabela apresenta a rentabilidade das principais companhias abertas da carteira de ações do Sistema BNDES. (06/09/2022) l Link.
Suposto monopólio da JBS em Mato Grosso
Procurado pelo Comprova, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão federal vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, informou que não há monopólio no setor de carne bovina in natura.
“Para considerar um mercado como monopolista, deve-se observar uma única empresa dominando o mercado inteiro (com market share de 100%), e não é isso que se verifica nesse setor”, explicou a autarquia. Além disso, foi assegurado que também não há denúncias junto ao Cade acerca do suposto monopólio da JBS em Mato Grosso, ao contrário do que afirma o autor do vídeo, que diz que a empresa “comprou todos os frigoríficos do estado e os manteve fechados”.
Dados disponíveis no Sistema de Informações Gerenciais do Serviço de Inspeção Federal, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mostram informações oficiais sobre os estabelecimentos classificados como abatedouros frigoríficos em Mato Grosso. As empresas são divididas entre o tipo de carne produzida (bovina, suína e aves) e a capacidade de produção diária. Os dados não mostram a produção exata de cada frigorífico, apenas a qual classe, dividida pela capacidade de produção, eles pertencem.
A pesquisa indica um total geral de 43 estabelecimentos do tipo no estado. A JBS aparece como dona de 12 deles, o que representa 27,9% dos frigoríficos de Mato Grosso. Todos são de carne bovina, com diferentes níveis de produção e estocagem. O frigorífico da empresa em Brasnorte está no relatório. Outras multinacionais também possuem estabelecimentos na unidade federativa, como a Marfrig Global Foods S.A e a Minerva S.A.
Em nível nacional, o sistema do Ministério da Agricultura informa que existem 480 frigoríficos no país, sendo 46 diretamente da JBS, o equivalente a 9,58% dos estabelecimentos. A reportagem também entrou em contato com o governo estadual de Mato Grosso, mas não houve retorno até a publicação desta verificação.
Estudo realizado por Gabriel da Silva Medina, professor de Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da UnB, utilizando dados de 2020 e 2019, indicou que a JBS foi responsável por 51% do market share dos frigoríficos que atuaram no abate, processamento e comercialização de gado no Brasil em 2019. Empresas como Marfrig e Minerva aparecem com 19,5% e 16,2%, respectivamente.
Preço da carne
O aumento do valor carne no Brasil já foi tema de investigação do Comprova. Na ocasião, César Augusto Bergo, professor do Departamento de Economia da UnB e especialista em mercado financeiro, explicou que o aumento da procura da carne brasileira no exterior e as consequências da guerra na Ucrânia são fatores cruciais para o cenário de aumento.
“O desempenho das exportações de carne brasileira no mercado internacional tem sido crescente. Houve uma queda em 2021 em função da China, mas agora está retornando e, se a gente analisar o preço da carne nos últimos 12 meses, ela se elevou a mais de 20%. Isso acaba de alguma forma pontuando o preço.”
Outro fator que influencia o valor do produto é o preço das commodities, sobretudo aquelas que são utilizadas para preparação do farelo do gado, que tiveram um encarecimento por conta da guerra na Ucrânia. Além disso, aponta o professor, estiagens prejudicaram a pastagem para os animais: “Tudo isso acabou prejudicando e demandando mais investimentos na alimentação do gado. Dessa forma, acabou ocasionando uma baixa oferta de animais para abate porque o produtor espera engordar para poder vender e, em função dessas questões ligadas à alimentação do gado, houve essa retração na oferta de animais”.
A alta no valor da carne está inserida em um contexto geral de inflação no Brasil. Conforme apontou reportagem da Folha, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), principal indicador da inflação brasileira, ficou em 10,4% no acumulado dos últimos 12 meses, sem considerar setembro de 2022, pois os dados deste mês ainda não estão disponíveis. A taxa deixa o Brasil em 4º lugar no ranking de nações com maiores taxas de inflação entre as principais economias mundiais.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Neste caso, o Comprova entende que a disseminação de conteúdos falsos e/ou enganosos associados a determinados candidatos ou ideologia política é nociva ao processo de escolha democrática, além de contribuir para o contexto de polarização associado ao avanço da violência na internet ou mesmo nas interações físicas.
A retirada de agricultores das regiões de Raposa Serra do Sol, em Roraima, e Suiá Missú, no Mato Grosso, não foi determinação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à presidência, como afirma vídeo enganoso postado no Kwai, e sim da Justiça Federal, em 2006 e em 2012. A demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por população indígena é prevista no Artigo 231 da Constituição de 1988, que reconhece o direito dos indígenas sobre territórios que originariamente ocupam, competindo à União demarcá-las. O processo de demarcação das duas regiões teve início em 1993, antes do governo Lula.
Conteúdo investigado: Vídeo em que homem acusa o ex-presidente Lula de ter acabado com a produção agrícola nas regiões da Raposa Serra do Sol, em Roraima, e de Suiá Missú, no Mato Grosso, “simplesmente ao bel prazer para demarcar terras indígenas”.
Onde foi publicado: Kwai.
Conclusão do Comprova: As determinações para a retirada de produtores rurais das regiões de Raposa Serra do Sol, em Roraima, e Suiá Missú, no Mato Grosso, em 2006 e 2012, respectivamente, partiram da Justiça Federal, após a Fundação Nacional do Índio (Funai) ter reconhecido as áreas como sendo de ocupação tradicional pelos povos indígenas e a demarcação das reservas ter sido homologada pelo governo federal. As decisões foram resultado de uma longa briga judicial.
A demarcação de Terras Indígenas (TI) é prevista no Artigo 231 da Constituição de 1988, que afirma que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. O dispositivo legal reconhece o direito dos povos indígenas sobre as terras que originariamente ocupam, “competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
O processo de demarcação das regiões de Raposa Serra do Sol e Suiá Missú, citadas no vídeo verificado, começou em 1993, antes da gestão de Lula (2003-2010).
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: Até 2 de setembro, o vídeo no Kwai tinha 61,7 mil curtidas, 8.161 comentários e 23 mil compartilhamentos
O que diz o autor da publicação: O Comprova mandou mensagem para o autor da postagem do vídeo enganoso no Kwai, mas não houve resposta até o fechamento desta verificação.
Como verificamos: O Comprova fez pesquisas na internet para esclarecer o contexto da demarcação e homologação de terras indígenas nas regiões de Raposa Serra do Sol, em Roraima, e Suiá Missú, no Mato Grosso. Também foram consultados a Constituição de 1988, os decretos presidenciais que homologaram as terras indígenas e as decisões da Justiça Federal para a garantia do usufruto da área pelos povos originários. O Comprova ainda consultou reportagens na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional e entrevistou Rafael Modesto, consultor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Raposa Serra do Sol: apesar de homologada por Lula, demarcação teve início em 1993
A determinação para que os produtores de arroz saíssem da Terra Índigena Raposa Serra do Sol, em Roraima, foi do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009, após finalizado o processo de demarcação da reserva (G1, Gazeta do Povo, Folha, O Tempo). Com isso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) deu início ao reassentamento dos não indígenas que tradicionalmente viviam na região.
Apesar de ter sido homologada durante o governo Lula, em 2005, a demarcação da Terra Índigena Raposa Serra do Sol aconteceu após anos de uma briga judicial que teve início em 1998, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Além disso, desde 1993, o local já era reconhecido como Terra Indígena pela Funai.
Mesmo com a demarcação homologada em 2005, o processo se arrastou até 2009, devido a ações judiciais movidas por produtores que alegavam ter direito às terras.
Em 2009, de acordo com matéria da Folha de S.Paulo, o então ministro da Agricultura de Lula, Reinhold Stephanes, saiu em defesa da produção de arroz na reserva. “A produção está concentrada na região norte do Estado, coincidente com a recém-demarcada área indígena”, disse.
Antes da demarcação, Roraima tinha uma área de 22,5 mil hectares para a produção de arroz, segundo dados do IBGE. Hoje, são 8.628 hectares de área plantada. Apesar da diminuição, dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam que na última safra (2021/2022), Roraima foi responsável pela produção de 88,8 toneladas de arroz, o que equivale a 9% da produção da região Norte. No ranking nacional, o estado ocupa a 11ª posição.
Terra indígena na região de Suiá Missú foi homologada no governo FHC
A demarcação da Terra Indígena Marãiwatsédé, na região conhecida como Suiá Missú, foi feita pela Funai em 1993, e homologada por decreto presidencial de Fernando Henrique Cardoso (FHC) em 11 de dezembro de 1998. Ela ocupa 165.241 hectares nos municípios de Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia, no Mato Grosso. Atualmente, segundo dados do site Terras Indígenas do Brasil, 781 indígenas da etnia Xavante vivem no local.
O processo de demarcação e homologação teve início na conferência ECO-92, quando a petrolífera estatal italiana Agip do Brasil, então proprietária das terras, anunciou a devolução da área à etnia Xavante, que havia sido expulsa em 1966 para a implantação da fazenda de gado Suiá Missú. A propriedade chegou a ser considerada o maior latifúndio do Brasil. À época, uma reportagem do Jornal do Brasil repercutiu o anúncio (o texto pode ser acessado na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional).
No entanto, mesmo após a demarcação e homologação, a ocupação da terra por não indígenas, que passou a ser ilegal no território, persistiu, o que motivou o início do processo de desintrusão da região em 2012, ou seja, da retirada da população não indígena da localidade. A determinação partiu do STF, que tornou sem efeito, naquele ano, uma liminar do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que suspendia a desintrusão.
Em 2014, diante de ameaças de nova invasão da Terra Indígena Marãiwatsédé, a Justiça Federal de Mato Grosso determinou nova ação de desintrusão para impedir o estabelecimento de não indígenas na localidade. Nos dois casos, em 2012 e 2014, as ações de desintrusão foram propostas pelo Ministério Público Federal (MPF).
Demarcação de terras indígenas é dever da União previsto na Constituição de 1988
A demarcação de terras indígenas compete ao governo federal, como está previsto no Artigo 231 da Constituição. Segundo Rafael Modesto, assessor jurídico do Cimi, trata-se de um dever da União, que independe da vontade do presidente da República.
“Não se trata de um ato discricionário do presidente que estiver em exercício, mas é uma obrigação estabelecida na Constituição brasileira. Se houver laudo antropológico, científico, que prove que determinada região é tradicionalmente ocupada por povos indígenas, a Constituição obriga que ela seja demarcada e homologada, passando a pertencer à União, mas para usufruto exclusivo da população indígena”, diz Rafael Modesto.
Segundo dados do Cimi, Lula foi o terceiro presidente da República que mais homologou terras indígenas, depois de FHC e Fernando Collor de Mello. Embora a demarcação independa da vontade do presidente da República, há políticas que podem agilizar ou atrasar essas demarcações. Reportagem do UOL publicada em 2021 mostrou que o governo de Jair Bolsonaro atuou para frear as demarcações de Terras Indígenas. Lula, por sua vez, já se manifestou favorável às demarcações durante a pré-campanha. “Temos que ter coragem de dizer que vamos não só demarcar as terras que têm que ser demarcadas como a gente vai acabar com essa história de garimpo ilegal ou com madeireiros ilegais em terras indígenas”, disse, em maio. Em junho, Lula disse que terá “imenso prazer” em “demarcar todas as terras que precisarem ser demarcadas”.
Arroz orgânico do MST
No vídeo, o autor da publicação ainda responde ao ex-presidente Lula sobre a afirmação dele de que o Movimento Sem Terra (MST) seria o maior produtor de arroz orgânico do Brasil. “Isso é mentira, quem produz são os assentados do Incra, se eles pertencem ou não ao MST problema deles”, diz no vídeo. Lula disse a afirmação durante sabatina no Jornal Nacional, da TV Globo, no dia 25 de agosto.
De fato, a produção do arroz orgânico é de assentados do Incra que fazem parte do MST. Eles são responsáveis pela maior produção da América Latina, de acordo com dados do Instituto Riograndense do Arroz (Irga). Segundo a instituição, dos 5 mil hectares de produção de arroz orgânico previstos para a próxima safra no Brasil, quatro mil estão ligados ao MST.
Os assentamentos do Incra são um conjunto de unidades agrícolas destinadas a famílias de agricultores ou trabalhadores rurais que não têm condições econômicas de adquirir um imóvel rural. No MST, são 450 mil famílias que já conquistaram terras. Porém, de acordo com a organização, elas permanecem organizadas pois acreditam que a “conquista da terra é apenas o primeiro passo para a realização da Reforma Agrária.”
Por que investigamos: O Comprova investiga postagens virais na internet que envolvam as eleições presidenciais deste ano, a pandemia da covid-19 e a realização de obras públicas. O vídeo analisado nesta verificação traz afirmações enganosas sobre o tratamento dado por Lula a produtores rurais. Conteúdos desse tipo são danosos ao processo eleitoral, pois podem influenciar a população a votar em determinado candidato com base em informações que não procedem.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por conta de sua declaração associando as vacinas contra a covid-19 ao risco de contaminação pelo vírus da Aids, feita durante uma live em 2021. Para justificar a declaração, Bolsonaro disse que se baseou em conteúdo publicado pela revista Exame em 2020, afirmação que é replicada por seus apoiadores em postagens nas redes sociais. Após a fala de Bolsonaro, a matéria publicada pela Exame foi alterada. No entanto, mesmo antes de passar por edições, a revista deixava claro no texto que a relação entre as vacinas contra a covid-19 e a infecção pelo HIV era uma preocupação de alguns pesquisadores britânicos com base em um estudo realizado em 2007, no contexto da fabricação de uma vacina contra a Aids, e que, até então, nenhum teste realizado com as vacinas contra a covid-19 havia chegado ao mesmo resultado do experimento de 2007. A preocupação dos pesquisadores se referia às vacinas contra a covid-19 Sputnik V e CanSino (nenhuma aplicada no Brasil), que, em sua composição, trazem o adenovírus 5 (Ad5), a mesma substância que constava no imunizante em teste contra a Aids e que, segundo eles, poderia ter sido responsável pelo desenvolvimento da Aids em pessoas expostas ao HIV. Especialistas explicaram ao Comprova que o Ad5 funciona como uma tecnologia para a entrega de proteínas do vírus que se quer combater com a vacina.
Conteúdo analisado: Post no Twitter do diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-brasileira da Fundação Palmares, Marcos Petrucelli, em que ele justifica a fala do presidente Jair Bolsonaro associando vacinas contra a covid-19 à Aids com uma reportagem da revista Exame sobre o tema. Na postagem, Petrucelli ainda ataca a revista e chama de “perseguição” a investigação da Polícia Federal sobre a declaração de Bolsonaro.
Comprova explica: Durante uma de suas lives semanais, em 2021, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que pessoas completamente vacinadas contra a covid-19 teriam risco de infecção pelo HIV, que causa Aids, o que não é verdade. Para justificar sua declaração, Bolsonaro disse, dias depois, que havia se baseado em uma matéria da revista Exame. Apoiadores do presidente também sustentaram esse argumento.
No entanto, além de não ter citado a revista Exame em nenhum momento durante a live, ao falar sobre a relação entre vacinas e Aids, Bolsonaro segurava um papel com uma notícia impressa do site negacionista Before It’s News, que havia publicado conteúdo com o mesmo teor de sua fala seis dias antes da live. O papel com a logomarca do portal estava virado para a câmera e não é possível saber exatamente o que Bolsonaro estava lendo.
Durante a live, Bolsonaro não se referiu nominalmente à vacina contra o coronavírus, mas diante do contexto de sua fala e a justificativa posterior envolvendo a Exame, é possível constatar que este era o alvo de sua declaração.
Em outubro de 2020 (ainda no contexto dos estudos para a fabricação dos imunizantes contra a covid-19 e mais de um ano antes da live de Bolsonaro), a Exame de fato publicou um conteúdo que fazia relação entre as vacinas e o risco de infecção pelo HIV ao repercutir uma carta de pesquisadores publicada pela revista científica britânica The Lancet. O conteúdo da matéria da Exame, que se referiu à carta como um “estudo”, dizia que os pesquisadores estavam preocupados com o fato de que um dos elementos que compunham a fórmula das vacinas Sputnik V e CanSino pudesse ser um facilitador para o risco de exposição ao HIV.
A preocupação era baseada em um estudo realizado em 2007, no âmbito da elaboração de uma vacina contra a Aids, e que tinha em sua fórmula o mesmo elemento das vacinas Sputnik V e CanSino: o adenovírus 5, usado como tecnologia para a entrega de proteínas do vírus que se quer combater com um imunizante. O texto da Exame ressalta que nenhum teste realizado com as vacinas contra o novo coronavírus até então havia demonstrado resultado semelhante ao observado em 2007 com a vacina contra a Aids. Após a repercussão da fala de Bolsonaro, o conteúdo passou por alterações, feitas pela própria revista Exame no título e no corpo do texto, com o objetivo de esclarecer que se tratava de conteúdo antigo e sem relação com as vacinas aplicadas no Brasil.
A live em que Bolsonaro fez as declarações foi excluída pelo YouTube e pelo Facebook, e o presidente passou a ser investigado pela Polícia Federal (PF) a pedido do STF por conta da afirmação. No último dia 17 de agosto, a delegada da PF responsável pelo caso recomendou ao STF o indiciamento de Bolsonaro por ter associado a vacinação contra a covid-19 ao risco de desenvolvimento de Aids. Como o tema voltou a circular em postagens nas redes sociais por conta do andamento das investigações, o Comprova decidiu explicar o que exatamente Bolsonaro disse durante a live, o que dizia a matéria da revista Exame, por quais alterações esse conteúdo passou e que não há relação entre as vacinas contra a covid-19 e o HIV.
A afirmação de Bolsonaro durante a live
O presidente Jair Bolsonaro relacionou a vacinação contra a covid-19 com o desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids) durante uma live realizada em 21 de outubro de 2021 e publicada em seus perfis oficiais no YouTube e no Facebook.
Nos minutos iniciais da transmissão ao vivo, Bolsonaro faz críticas ao trabalho da imprensa e da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 no Senado, que, à época, investigava a atuação do governo federal durante a pandemia. Depois disso, a partir dos 16 minutos e 55 segundos da live, Bolsonaro diz: “Outra coisa grave aqui, só vou dar a notícia aqui, não vou comentar. Já falei sobre isso no passado, apanhei muito. Vamos lá: relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados… Quem são os totalmente vacinados? Aqueles que depois da segunda dose, né… 15 dias depois… 15 dias após a segunda dose, totalmente vacinados, estão desenvolvendo a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida muito mais rápido que o previsto. Recomendo ler a matéria, não vou ler para vocês aqui porque posso ter problema com a minha live aqui, não quero que caia a live aqui, eu quero dar informações concretas. Vou deixar bem claro aqui, talvez eu tenha sido o único chefe de Estado do mundo que tenha tido coragem de colocar a cara à tapa nessa questão.”
O áudio original da live foi consultado pelo Comprova em uma pasta organizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e disponibilizada na ferramenta Pinpoint, do Google, que reúne a transcrição de todas as lives semanais do presidente.
O vídeo original da live não está mais disponível nas redes sociais, mas reportagens do Poder 360 e do Estadão Verifica mostraram que, ao fazer essa fala, Bolsonaro segurava papéis com textos publicados pelo site norte-americano Before It’s News. O site é conhecido por propagar informações falsas sobre vacinas e teorias da conspiração e, no dia 15 de outubro de 2021(seis dias antes da live), havia publicado um texto relacionando a vacinação contra a covid-19 a um maior risco de desenvolvimento de Aids no Reino Unido. O portal argumenta que vacinas contra covid-19 causam problemas imunológicos nas pessoas e chegou a relacionar o conteúdo a um relatório do governo (sem indicar em qual parte do documento), mas o Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido classificou a publicação do site como “fake news”.
Em nenhum momento da live, Bolsonaro fala que está fazendo referência a qualquer conteúdo veiculado pela revista Exame, nem do site conspiratório. Mas a declaração do presidente corresponde à tradução da manchete do conteúdo publicado pelo Before It’s News em inglês (“Uma comparação de relatórios oficiais do governo sugere que os Totalmente Vacinados estão desenvolvendo a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida muito mais rápido do que o previsto”). Vale destacar que o papel com a logomarca do portal britânico está virado para a câmera, mas não é possível visualizar o que Bolsonaro está de fato lendo.
| Print da live do dia 21 de outubro de 2021, no momento em que Bolsonaro faz a referência infundada entre vacinas e Aids. Fonte da imagem: Estadão
| Captura de tela do site Before It’s News reproduzindo o detalhe que aparece impresso no verso da folha que Bolsonaro aparece lendo na live de 21 de outubro de 2021.
Após ter a fala contestada por autoridades sanitárias e o vídeo da live ter sido excluído do YouTube, em entrevista concedida a uma rádio do Mato Grosso do Sul, Bolsonaro afirmou ter baseado sua fala em conteúdo publicado pela revista Exame. A partir de 56 minutos e 59 segundos no vídeo da entrevista à rádio, ele diz: “A revista Exame fez uma matéria sobre vacina e Aids. Eu repeti essa matéria na minha live (…). Foi a própria Exame que falou da relação de HIV com a vacina, eu apenas falei sobre a matéria da revista Exame”.
Na matéria da Exame não há qualquer menção a relatórios do governo do Reino Unido com referência às vacinas contra covid-19 e HIV. A existência deste tipo de documento foi desmentida pelo governo britânico, como mostra verificação do Fato ou Fake, do site G1, publicada no contexto da polêmica da live de Bolsonaro.
Reportagem da Exame era de 2020 e passou por modificações após declaração de Bolsonaro
Em 20 de outubro de 2020, a revista Exame publicou uma reportagem que falava sobre a possibilidade da vacina contra a covid-19 (na época ainda em fase de desenvolvimento em todo o mundo) aumentar o risco de infecção por HIV. A reportagem mencionava um conteúdo publicado pela revista científica The Lancet, do Reino Unido, em 19 de outubro de 2020. Após a live de Bolsonaro (um ano depois da publicação original da Exame), a revista alterou o título da reportagem e acrescentou algumas frases no corpo do texto da matéria. As versões antigas do texto foram recuperadas pelo Comprova por meio da ferramenta WayBack Machine, que coleta versões de URLs na Internet.
A primeira versão da reportagem da Exame (abaixo) tinha o título de: “Algumas vacinas contra a covid-19 podem aumentar o risco de HIV” e na chamada “linha-fina”, abaixo do título, estava escrito: “Adenovírus utilizado na produção de vacinas contra o novo coronavírus pode ser um facilitador para que o paciente contrair o vírus da Aids”.
No texto, a revista afirmava que os pesquisadores que assinam o conteúdo publicado na TheLancet pontuam que algumas vacinas que se utilizam de um vetor viral específico (o adenovírus 5, também conhecido como Ad5) para combater o novo coronavírus poderiam aumentar o risco de contaminação por HIV.
Os cientistas baseiam-se em estudos de 2007 sobre o uso do Ad5 na elaboração de um imunizante contra a Aids que aumentava o risco de infecção pelo HIV em voluntários. Na ocasião, conforme relatado pela Exame, a pesquisa para o desenvolvimento dessa vacina foi interrompida justamente porque o próprio imunizante parecia aumentar o risco de voluntários contraírem a doença.
Na sequência, a reportagem da Exame afirma que: “nenhum teste realizado com as vacinas que estão sendo desenvolvidas contra o novo coronavírus mostraram resultados semelhantes. Mesmo assim, os pesquisadores resolveram alertar sobre o risco presente neste vetor, principalmente em regiões onde o HIV ainda está longe de ser controlado, como na África”. No texto publicado na Exame, não há qualquer menção a algum “relatório oficial do governo do Reino Unido” sobre o tema, como disse Bolsonaro em sua declaração durante a live.
Pela ferramenta WayBack Machine, é possível ver que o texto da revista começou a ser alterado no dia 24 de outubro de 2021 (abaixo), três dias depois da live de Bolsonaro. Nessa segunda versão, a expressão “Out/2020” foi acrescida ao título, antes de “Algumas vacinas contra a covid-19 podem aumentar o risco de HIV”. A linha fina também foi modificada para: “Cientistas se basearam em análises feitas em 2007. Por ora, nenhum teste realizado com as vacinas da covid mostrou resultado semelhante”.
Além disso, no final do primeiro parágrafo do texto, foi acrescentada a frase: “- para isso a pessoa precisa ser exposta ao vírus”. Nessa segunda versão, a revista Exame também acrescentou, entre o primeiro e o segundo parágrafo, a seguinte informação: “Até agora, não se comprovou que alguma vacina contra a covid-19 reduza a imunidade a ponto de facilitar a infecção em caso de exposição ao vírus”.
| Em vermelho as frases adicionadas no corpo do texto após a primeira alteração.
Por fim, no dia 25 de outubro, uma nova alteração foi feita pela revista Exame (abaixo), que acrescentou um sinal de interrogação ao final do título: “Out/2020: Algumas vacinas contra a covid-19 podem aumentar o risco de HIV?”.
Ainda no dia 23 de outubro (ou seja, antes da declaração de Bolsonaro sobre ter baseado sua fala em reportagem da Exame), a revista publicou outro conteúdo com o título “Cientistas reagem à mentira de Bolsonaro sobre vacinas e Aids” (abaixo). É um print desse título publicado pela revista que aparece na postagem de Marcos Petrucelli para justificar a fala de Bolsonaro e atacar a Exame.
Essa matéria publicada pela Exame é a reprodução de um conteúdo da Agência Estado, do Estadão, cujo título original era: “Cientistas e políticos reagem à fake news replicada por Bolsonaro sobre vacinas e aids”. A publicação desse conteúdo (com o termo “mentira” no título) foi excluída pela revista Exame no mesmo dia, mas o Comprova conseguiu consultá-lo por meio da ferramenta WayBack Machine.
Uma nova versão do material, com o mesmo conteúdo, foi publicada pela Exame ainda no dia 23 de outubro (abaixo), porém com a palavra “declaração” no lugar de “mentira” no título: “Cientistas reagem à declaração de Bolsonaro sobre vacinas e aids”, versão que permanecia disponível no site da revista até a data de publicação deste Comprova Explica.
Já no dia 27 de outubro, após Bolsonaro ter atribuído sua fala à reportagem da Exame, a revista publicou outra matéria para esclarecer que não havia qualquer relação entre HIV e as vacinas contra a covid-19. Nesse texto, a revista reiterou que os cientistas que publicaram o material na The Lancet “se baseavam não em vacinas contra a covid-19 que ainda estavam em desenvolvimento na época, mas em análises feitas em 2007 na busca por uma vacina contra o HIV que usavam o Ad5 em sua composição”. Em seguida, a Exame ainda pontuou que algumas vacinas, como a Sputnik V, utilizam o Ad5 em sua composição, o que não ocorreu com os imunizantes aplicados no Brasil.
O material publicado pela The Lancet
A revista de medicina britânica The Lancet é uma das mais antigas e prestigiadas do mundo. Quatro pesquisadores (Susan Buchbinder, Juliana McElrath, Carl Dieffenbach e Lawrence Corey) assinaram uma carta, publicada em outubro de 2020, visando a alertar sobre o uso do Ad5 na fabricação de vacinas contra o coronavírus. O conteúdo foi publicado em uma seção do site da revista chamada “Correspondence” (correspondência, em tradução livre).
Sobre essa seção, a Lancet explica tratar-se de um espaço para “reflexões de nossos leitores sobre conteúdos publicados nas revistas Lancet ou sobre outros temas de interesse geral para nossos leitores”. A revista ainda pontua que “essas cartas normalmente não são revisadas externamente por pares”. Não trata-se, portanto, de um estudo científico.
Na carta, os pesquisadores afirmaram que estavam apenas expressando preocupação com o desenvolvimento de vacinas contra a covid-19 que utilizavam a técnica de vetor viral em sua fórmula por meio do adenovírus Ad5. Isso porque os pesquisadores haviam avaliado, em 2007, que uma vacina em desenvolvimento contra o HIV, e que utilizava o Ad5, resultava em uma maior possibilidade dos vacinados desenvolverem a doença, desde que fossem expostos ao vírus.
Em entrevista à Folha de São Paulo em outubro de 2021, Carl Dieffenbach, um dos pesquisadores que assina a carta, afirmou que a relação entre Aids e as vacinas contra a covid-19 era uma “notícia antiga” e que a relação está restrita a imunizantes que utilizam o Ad5 em sua composição. “O perigo é fazer essa ligação entre todas as vacinas e um efeito visto apenas quando o vírus Ad5 é usado como vetor da imunização”, explicou Dieffenbach, que é diretor da Divisão de Aids do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos. “Não há evidências de que outros vírus usados como vetores nas vacinas contra covid-19 tenham o mesmo efeito”.
Susan Buchbinder, outra pesquisadora que assinou a carta e que é diretora de Pesquisa de Prevenção ao HIV no Departamento de Saúde Pública de San Francisco, afirmou ao AFP Checamos tratar-se “apenas de um risco teórico” e que ela e os colegas não foram “capazes de encontrar o mecanismo exato pelo qual isso ocorreu” (em relação ao estudo sobre adenovírus 5 e HIV). “Nossa recomendação se aplica apenas às vacinas Ad5 contra a covid-19 [como Sputnik V e CanSinoBio], e é apenas um risco teórico de que se uma pessoa recebesse essa vacina e depois fosse exposta ao HIV, ela poderia ter o risco de infecção pelo HIV aumentado. Isso não se aplica à grande maioria das vacinas que estão sendo usadas internacionalmente contra a covid-19”.
Em outra checagem do mesmo veículo, Buchbinder ainda disse: “Há mais de uma década, realizamos dois estudos de uma vacina contra o HIV (usando o adenovírus tipo 5) que parecia aumentar o risco de infecção por HIV em pessoas que foram expostas através de práticas sexuais. Esse aumento de risco era transitório. Não fomos capazes de encontrar o mecanismo exato pelo qual isso ocorreu”.
Não há relação entre vacinas contra a covid-19 e o vírus HIV
O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) emitiu uma nota de esclarecimento em 24 de outubro de 2021 na qual afirma que todas as vacinas autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) são eficazes na contenção da pandemia. Também informa que não há evidências científicas de que, ao receber duas doses do imunizante, a infecção por Aids seja facilitada.
Em contato com o Comprova, a professora do Departamento de Imunologia da Universidade Federal de Goiás (UFG) Ana Paula Junqueira Kipnis reforçou que, entre todas as vacinas contra a covid-19, não foi observada qualquer relação com maior chance de infecção por HIV. “Todos os estudos mostram que as vacinas contra a covid-19 são eficazes e seguras e não resultaram no aumento da incidência de nenhuma doença”.
Sobre o estudo de 2007 que relacionou a maior chance de contaminação por HIV a vacinas que utilizam o adenovírus 5, Kipnis ressalta dois pontos. O primeiro é que os estudos foram feitos em um ensaio único, a partir da observação de um grupo pequeno e cujo perfil era de pessoas com maior risco de contrair o HIV. “Ou seja, o uso do Ad5 foi uma das hipóteses levantadas para o não funcionamento da vacina contra o HIV, mas que partiu de um estudo feito com um grupo exclusivo, que não avaliou os diferentes perfis populacionais”.
O segundo aspecto pontuado pela especialista é que, mesmo que a técnica seja a mesma (a utilização do adenovírus 5), a comparação entre a vacina contra o HIV e a contra a covid-19 não pode necessariamente ser feita, uma vez que se tratam de vírus diferentes. “Vacinas contra o HIV que utilizaram o Ad5 tinham nele uma proteína do ‘envelope’ do HIV. Nas vacinas para a covid, não existem essas proteínas de HIV, só existem proteínas que estão relacionadas à covid, por exemplo a proteína spike. Onde tem proteína spike no vírus HIV? Em lugar nenhum, então é uma situação completamente diferente uma vacina da outra, que irão induzir respostas imunes distintas”.
Ao Comprova, o imunologista Rafael Larocca, especialista em vacinas do Centro de Virologia e Vacinas da Universidade de Harvard, explicou que o adenovírus é um vírus respiratório que infecta as vias aéreas superiores e causa sintomas leves, como o resfriado. Ele não tem relação nenhuma com o vírus do HIV, que é de outra família – um lentivírus.
Sobre a carta enviada à revista The Lancet, o especialista reafirma que o conteúdo se trata de uma especulação. “É importante ressaltar que a vacina em si não infecta ninguém com o HIV. O grupo que escreveu a carta tentou alertar para uma possibilidade de maior suscetibilidade dos vacinados com adenovírus 5 se infectarem com HIV, mas caso sejam expostos ao vírus”.
O imunologista explica que, no caso das duas vacinas, a de HIV e a de covid-19, o adenovírus funciona como uma tecnologia para a entrega de proteínas do vírus que se quer combater com a vacina: “O que é importante ressaltar é que o adenovírus 5 nesse caso serve apenas como um vetor viral. O vírus não consegue se replicar. Ele apenas carrega o gene de interesse para determinada vacina. O que significa isso? Que o material genético que tem dentro do adenovírus 5 para uma determinada plataforma vacinal é diferente entre a vacina que você vai fazer para HIV ou para covid-19”.
Larocca reforça que nenhuma vacina em uso no Brasil utiliza a tecnologia do adenovírus 5.
PF vê indício de crime em fala de Bolsonaro
Atendendo a pedido protocolado pela CPI da Covid-19 no Senado, o STF abriu inquérito em dezembro de 2021 para apurar se Bolsonaro pode responder criminalmente pela declaração relacionando a Aids às vacinas contra a covid-19. Em relatório enviado ao STF no dia 17 de agosto, a Polícia Federal disse que há indícios de que Bolsonaro cometeu crime durante a live. Foi após essa manifestação da PF que o diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-brasileira da Fundação Palmares, Marcos Petrucelli, fez a postagem no Twitter que é objeto deste Comprova Explica.
No relatório parcial enviado ao STF, a delegada Lorena Lima Nascimento, responsável pelo caso, afirmou que as declarações de Bolsonaro levaram os espectadores da live a descumprirem normas sanitárias estabelecidas pelo próprio governo. No documento, a PF pede autorização do STF para indiciar Bolsonaro e o tenente Mauro Cid, ajudante de ordens do presidente, que teria auxiliado a produzir o material lido por Bolsonaro durante a transmissão.
O pedido de indiciamento diz que, ao propagar a desinformação que relaciona a vacina da covid-19 ao HIV/Aids, o presidente Jair Bolsonaro cometeu os crimes: causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos (art. 267 do Código Penal); infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa (art. 268); e de incitar, publicamente, a prática de crime (art. 286).
Procurada pelo Comprova, a Polícia Federal disse que “não fornece informações sobre investigações em andamento”.
Tentamos contato com Marcos Petrucelli e com a Fundação Palmares, porém, até a publicação deste Comprova Explica, não obtivemos retorno.
Por que explicamos: Em seu escopo usual, o Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. Já o Comprova Explica é uma ferramenta utilizada para que os leitores entendam um conteúdo que está viralizando e causando confusão. Como a Polícia Federal pediu, no dia 17 de agosto, o indiciamento de Bolsonaro por conta de sua declaração relacionando vacinas contra a covid-19 a Aids, é importante que a população compreenda qual o contexto da fala do presidente, o que dizia a reportagem da revista Exame, citada por Bolsonaro como a fonte para a sua afirmação, e no que a revista se baseou para publicar o conteúdo.
É enganoso vídeo com o discurso de um pastor de Fortaleza afirmando que somente o Brasil terá um cenário econômico positivo em 2022, enquanto a perspectiva para a economia dos demais países é sombria e incerta. Ele cita um relatório divulgado em julho pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O texto realmente existe, no entanto, prevê dados positivos não só para o Brasil, mas também para outros países da América Latina e do Caribe e para a Arábia Saudita. Para o Brasil, a estimativa de crescimento econômico é de 1,7% em 2022. A projeção para o México, por exemplo, é maior, chegando a 2,4%.
Conteúdo investigado: Vídeo em que o pastor Jecer Goes afirma que o FMI anunciou em julho deste ano que as perspectivas são sombrias para toda a economia mundial, menos para o Brasil.
Onde foi publicado: Facebook, TikTok e YouTube.
Conclusão do Comprova: É enganoso vídeo em que um pastor afirma que somente o Brasil terá um cenário econômico positivo em 2022, enquanto a perspectiva para a economia dos demais países é sombria.
Na gravação, de 31 de julho de 2022, Jecer Goes, um dos fundadores do Ministério Canaã, de Fortaleza, cita um relatório recente do Fundo Monetário Internacional (FMI). O pastor diz que o órgão “trouxe uma notícia que abala o mundo” e segue: “A notícia é que as perspectivas para a economia mundial são sombrias. Agora, preste atenção ao restante da notícia. O FMI informa que somente o Brasil está fora dessa perspectiva negativa”.
No entanto, o documento, chamado “World Economic Outlook” e publicado em 26 de julho deste ano, prevê dados positivos não apenas para o Brasil, mas para outros países da América Latina e do Caribe, além da Arábia Saudita.
Para o Brasil, a estimativa de crescimento econômico é de 1,7% em 2022. Colômbia e Chile também foram citados no relatório (sem as respectivas projeções) como economias que tiveram recuperação robusta e impulsionaram uma revisão do Produto Interno Bruto (PIB) para cima. A projeção para o México é maior que a brasileira, de 2,4%, assim como a da Arábia Saudita (7,6%).
Procurada, a igreja respondeu que o pastor se baseou em “reportagem publicada por diversos portais de notícias do país”. No entanto, a matéria a que se referem diz que Brasil e México estão entre as exceções, o que difere do que foi declarado pelo pastor, que usou apenas a informação do título.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: Publicado em 2 de agosto de 2022, o vídeo viralizou poucos dias depois. No TikTok, em 12 de agosto, somava 389 mil visualizações. Na mesma data, a publicação no perfil do Facebook investigado contava com 4,7 mil compartilhamentos e 110 mil visualizações. O vídeo na íntegra foi publicado, no dia 31 de julho, no canal do YouTube do religioso, que tem 83,3 mil inscritos.
O que diz o autor da publicação: Procurado, o Ministério Canaã respondeu que Goes reproduziu reportagens publicadas em portais de notícias sobre o relatório. Questionada sobre o conteúdo da reportagem, a igreja respondeu que “o pastor leu apenas o título da matéria” e que, “caso exista mais algum país incluso nesse rol de exceção, a matéria jornalística deveria ter citado no título”. E completou, com ameaça: “qualquer dúvida, passaremos o assunto ao Jurídico sobre qualquer matéria indevida que envolva o nome do pastor”.
Como verificamos: No vídeo, o pastor Goes menciona que os dados citados por ele foram obtidos em documento do FMI. Assim, a reportagem buscou no site do Fundo o relatório mais recente sobre as perspectivas para a economia mundial. Foi feita, então, a leitura do documento para entender se o conteúdo do vídeo era verdadeiro. Também foi feita uma busca no YouTube pelo canal de Jecer Goes, onde consta o vídeo do culto na íntegra.
Por fim, a equipe tentou contato com Goes por telefone, e-mail e WhatsApp da igreja e por mensagem privada no perfil do pastor no Facebook, Instagram e no seu e-mail pessoal divulgado na página de Facebook.
O relatório
O relatório “World Economic Outlook” (Perspectiva Econômica Global, em tradução livre), publicado pelo FMI em 26 de julho deste ano, aponta, de fato, para um cenário “sombrio e mais incerto” da economia mundial no período entre 2022 e 2023. O texto é uma pesquisa do corpo técnico do FMI para avaliar o desenvolvimento da economia global a curto e médio prazo. O estudo é publicado duas vezes por ano.
De acordo com as previsões dos técnicos do FMI, o PIB global, após alta de 6,1% em 2021, vai desacelerar para 3,2% em 2022. “Isso reflete a estagnação nas três maiores economias do mundo — Estados Unidos, China e a zona do euro — com importantes consequências para as perspectivas mundiais”, afirma o texto.
Entretanto, para América Latina e Caribe, a análise foi positiva. A estimativa é crescimento de 3% para toda a região. Além disso, o FMI calcula recuperação mais robusta nas economias do Brasil, México, Colômbia e Chile.
Para o Brasil, a estimativa é de alta de 1,7%. O México, porém, deve ter um crescimento ainda maior, chegando a 2,4%. O relatório não detalha os dados da Colômbia e do Chile. O FMI justifica a melhoria no Brasil e no México em razão da elevação nos preços “dos combustíveis fósseis e dos metais” exportados por estes países.
Outro destaque do FMI é com relação à Arábia Saudita, na Ásia, cujo PIB deve registar alta de 7,6% este ano.
Culto religioso no Ceará
O discurso do pastor Jecer Goes foi proferido durante o culto do dia 31 de julho de 2022, na Assembleia de Deus Canaã, no Ceará. Na gravação, antes de iniciar uma oração, ele diz à plateia: “Hoje, o Fundo Monetário Internacional, conhecido pela sigla de FMI, trouxe uma notícia que abala o mundo. A notícia é que as perspectivas para a economia mundial são sombrias. Agora, preste atenção ao restante da notícia. O FMI informa que somente o Brasil está fora dessa perspectiva negativa”.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Ao trazer afirmações enganosas sobre a economia em um ano eleitoral no Brasil, o vídeo verificado faz com que pessoas possam escolher seu candidato com base em informações imprecisas, o que é danoso para a democracia brasileira.
É enganoso um tuíte do deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) dizendo que as estatais brasileiras tiveram lucro de R$ 1 trilhão em 2021, na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL). Na verdade, esse valor se refere ao faturamento, não ao lucro, das 47 companhias sob o controle do governo federal. Segundo o Ministério da Economia, o resultado líquido das estatais foi de R$ 187,7 bilhões no ano passado.
Conteúdo investigado: Publicação no Twitter feita pelo deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) afirma que as estatais brasileiras sob a administração Bolsonaro geraram lucro de R$ 1 trilhão em 2021. Ele então sugere que essa informação deve tirar o sono do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.
Onde foi publicado: Twitter
Conclusão do Comprova: Um post no Twitter do deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) engana ao afirmar que as empresas estatais brasileiras geraram lucro de R$ 1 trilhão em 2021, sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL). Esse foi o valor aproximado (R$ 999,8 bilhões) do faturamento total, não o lucro, das estatais controladas pelo governo federal no ano passado.
O faturamento representa o valor total das receitas obtidas pelas empresas com suas atividades no ano. Para obter o lucro líquido, subtraem-se das receitas os custos das empresas com operações, impostos, entre outras despesas. Em 2021, segundo relatório do Ministério da Economia, o lucro líquido das estatais federais foi de R$ 187,7 bilhões, valor mais de cinco vezes menor do que o faturamento.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: Até o dia 15 de julho, o post do deputado reunia 4.799 curtidas e 1.016 compartilhamentos no Twitter.
O que diz o autor da publicação: O Comprova entrou em contato com Marco Feliciano pelo WhatsApp para questioná-lo sobre o erro no post. O parlamentar respondeu: “Meu tuíte falava do anseio dos bandidos do PT em voltar a roubar as estatais. E ladrão de dinheiro público não rouba do lucro, rouba do faturamento mesmo! Aliás, como bem visto no BNDES, rouba até do empréstimo!”.
A equipe então perguntou se Feliciano havia confundido lucro por faturamento ao redigir o tuíte. “Estou dizendo que o sentido do que falei não é alterado em um milímetro caso a informação que você me passa seja correta”, disse o deputado. Por fim, o Comprova perguntou se o parlamentar gostaria de fazer algum esclarecimento sobre o post para corrigir a informação, mas desta vez não houve resposta.
Como verificamos: Inicialmente, fizemos uma busca no Google com as palavras-chave “lucro estatais 2021”. A pesquisa retornou diversas notícias de veículos jornalísticos, entre eles CNN Brasil e Folha de S.Paulo, que citam um relatório publicado pelo Ministério da Economia em 1º de julho. Procuramos, então, pelas palavras-chave “balanço estatais ministério economia” e encontramos os boletins de 2021 e 2020.
O Ministério da Economia foi procurado por e-mail para obter dados de lucro e faturamento das estatais entre os anos de 2003 e 2010, durante os mandatos presidenciais de Lula, citado no tuíte do deputado Feliciano. Por meio da pasta, a reportagem também buscou as informações de 2019, primeiro ano da gestão de Bolsonaro.
Os dados foram atualizados pela inflação do período com auxílio da calculadora do IPCA do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Feliciano também foi procurado para fornecer esclarecimentos sobre a postagem.
Estatais federais não lucraram R$ 1 trilhão
Segundo relatório publicado pelo Ministério da Economia, as 47 estatais brasileiras sob controle do governo federal tiveram, juntas, um lucro ou resultado líquido de R$ 187,7 bilhões em 2021. O valor, ainda segundo o balanço, é o triplo do apurado em 2020 e o maior desde 2018. Os melhores resultados foram obtidos pela Petrobras (R$ 107,3 bilhões), BNDES (R$ 34,1 bilhões), Banco do Brasil (R$ 19,7 bilhões), Caixa (R$ 17,3 bilhões) e Eletrobras (R$ 5,7 bilhões).
Em 2020, ainda de acordo com o Ministério da Economia, o lucro das estatais federais totalizou R$ 67 bilhões. O faturamento das companhias somou R$ 815,9 bilhões no período. Em 2019, as estatais lucraram R$ 114 bilhões, e o faturamento foi de R$ 950,6 bilhões.
Resultados das estatais na gestão Lula
Nos anos de 2003, 2004 e 2005, os três primeiros da gestão de Lula, as estatais brasileiras registraram resultado líquido (lucro) de R$ 53,2 bilhões, R$ 59,3 bilhões e R$ 83,8 bilhões, respectivamente. Durante o governo do petista, o melhor resultado foi verificado em 2008: R$ 129,8 bilhões.
Já o faturamento das empresas públicas ficou em R$ 627,6 bilhões (2003), R$ 623,1 bilhões (2004) e R$ 677,5 bilhões (2005) nos três primeiros anos de Lula na presidência da República. Entre os oitos anos de governo do petista, o maior montante foi registrado em 2010, com R$ 885,8 bilhões.
Os valores nominais de 2020 e 2021 foram pesquisados pela reportagem nas edições de cada ano do Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais, publicado pelo Ministério da Economia. Já os dados nominais de 2003 a 2010 e de 2019 foram enviados ao Comprova pela assessoria de imprensa da pasta.
O valor nominal é aquele calculado no momento da publicação dos números. Para uma comparação justa, todos os dados anteriores a 2021 foram atualizados pela reportagem segundo a inflação do período, com auxílio da calculadora do IPCA do IBGE.
Autor do post
Marco Feliciano está em seu terceiro mandato como deputado federal. É pastor e presidente da igreja Assembleia de Deus Ministério Catedral do Avivamento. Feliciano já foi filiado a partidos como PSC, Podemos e Republicanos. Atualmente é membro do PL, sigla do presidente Jair Bolsonaro.
Por que investigamos: A cerca de três meses da eleição, o tuíte do deputado engana sobre o lucro de empresas federais, que têm suas gestões sob responsabilidade do chefe do Executivo, Jair Bolsonaro, pré-candidato à reeleição. O eleitor tem direito de escolher em quem votar, e essa decisão deve ser tomada levando em consideração informações verdadeiras sobre a administração pública.
É enganoso o post no Facebook segundo o qual a “Petrobras não é mais do Brasil”. O conteúdo, que tem como base uma notícia de 2008 sobre a compra de ações por parte do investidor húngaro-americano George Soros, está fora de contexto e com números desatualizados, sem explicar que a companhia de capital aberto é controlada pelo governo brasileiro, que detém mais de 50% das ações ordinárias. A publicação também tenta enganar o leitor ao associar a compra de ações aos aumentos sucessivos nos preços de combustíveis no país.
Conteúdo investigado: Post no Facebook afirma que “Petrobras não é mais do Brasil” e usa como argumento uma notícia afirmando que o investidor George Soros comprou ações da estatal. O conteúdo tenta associar tal informação ao aumento de preços pagos pelo brasileiro nos postos de combustíveis.
Onde foi publicado: Facebook.
Conclusão do Comprova: É enganoso o post no Facebook que destaca título de reportagem informando que o bilionário George Soros comprou mais de R$ 1 bilhão em ações da Petrobras e que a companhia “não é mais do Brasil”. O conteúdo está fora de contexto e tenta fazer o leitor acreditar que a compra de ações é responsável pela política de preços da companhia.
A publicação também não explica que Soros vendeu, após negociações ao longo de oito anos, todas suas ações da Petrobras em 2016. De qualquer forma, mesmo que o investidor continuasse com os papéis, isso não faria dele controlador da empresa brasileira. O controle da petrolífera pertence ao governo federal, que detém mais de 50% das ações ordinárias da companhia.
A Petrobras é uma empresa de capital aberto e seu estatuto social a define como uma sociedade de economia mista, sob controle da União com prazo de duração indeterminado.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O post foi compartilhado 1,4 mil vezes no Facebook e teve mais de 1,1 comentários e curtidas até 29 de junho.
O que diz o autor da publicação: A autora da publicação não respondeu ao questionamento do Comprova até o fechamento desta checagem.
Como verificamos: Por meio de análises em sites especializados no mercado de ações no Brasil e no exterior, e também no Google, foi possível acessar informações sobre a situação atual da Petrobras, bem como a posição de George Soros no mercado. O Comprova também buscou a assessoria da Petrobras.
Petrobras
De acordo com informações no site oficial da Petrobras, a empresa é de capital aberto e o seu capital social é formado por ações ou cotas que podem ser adquiridas no mercado. O estatuto social da empresa a define como uma sociedade de economia mista, sob controle da União com prazo de duração indeterminado. O controle da União é exercido mediante a propriedade e posse de, no mínimo, 50%, mais uma ação, do capital votante da Companhia. É possível ser acionista da empresa como investidor pessoa física ou jurídica, brasileiro ou estrangeiro, residente ou não no país.
As ações da Petrobras são negociadas no Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores brasileira. Os acionistas podem receber uma parcela do lucro da empresa em forma de dividendos. Quem negocia ações da Petrobras tem conta em corretora de valores credenciada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Fora do Brasil, também é possível adquirir ações por meio da intermediação de uma corretora em operações de compra e venda.
No mercado, as ações da Petrobras são representadas por siglas como a PETR. Usualmente, as ações da companhia são comercializadas em lotes. É comum que um investidor compre de 100 em 100 ações (tamanho de um lote).
Há também possibilidade da compra de papéis unitários (de 1 a 99 ações) por meio do mercado fracionário. Para isso, deve ser adicionado um F ao final do código da ação para configurar o investimento dessa forma. No caso da Petrobras, seria PETR3F (ações ordinárias com direito a voto no Conselho) ou PETR4F (ações preferenciais e com recebimento de proventos, mas sem direito a voto).
A imagem abaixo do portal Stockcircle.com, site que detalha o portfólio de investidores, mostra os períodos de compra e venda e a quantidade de papéis da empresa brasileira nas mãos do fundo de investimento de Soros a partir de 2009.
Ao buscar pelo nome da empresa de Soros é possível acessar informações sobre datas e ações negociadas. O Comprova não localizou neste portal a negociação de 2008, que deu origem ao post investigado, mas é possível verificar que, em junho de 2022, George Soros não possui mais ações da Petrobras.
O site da StockCircle indica que as últimas negociações do magnata envolvendo papéis da companhia brasileira ocorreram no penúltimo e último trimestre de 2016. Naquela época, Soros adquiriu 987 mil ações ao preço unitário de US$ 7,52 e vendeu todas no final do mesmo ano pelo valor de US$ 9,5, cada uma.
O Comprova também buscou informações em outros sites estrangeiros especializados em ações, inclusive no portal da SEC (Securities and Exchange Commission), a reguladora do mercado de capitais dos EUA. Lá, tentamos verificar se era possível obter a íntegra da lista de papéis de Soros, atualmente. A SEC informou que não teria como atender ao pedido.
As decisões da Petrobras são de responsabilidade do conselho de administração da companhia, que tem o governo federal como controlador. A aprovação de nomes ou da política de preços de combustíveis, por exemplo, é definida pelos membros dele. Os ajustes nos valores dos combustíveis nas refinarias são de responsabilidade do Grupo Executivo de Mercados e Preços, formado pelo presidente da empresa, o diretor de refino e gás natural e o diretor financeiro e de relacionamento com investidores.
Isso significa que o fato de George Soros ter comprado mais de R$ 1,5 bilhão em ações preferenciais da Petrobras em 2008 não o credenciava como voz principal no destino da empresa. Ainda que ele comprasse hoje todas as ações ordinárias possíveis, com direito a voto no Conselho, não estaria acima da União, pois teria menos de 50% da companhia.
Política de preços
A atual política de preços da Petrobras foi adotada pela companhia em 2016, período do governo de Michel Temer (MDB). Naquela época, a diretoria executiva definiu que não praticaria preços abaixo de algumas paridades internacionais.
Tratava-se de uma resposta à política de represamento dos preços praticada pela estatal durante o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), de 2011 a 2014. Tal política permitia à empresa segurar os preços no Brasil quando havia elevações grandes no mercado internacional, mas em determinadas ocasiões podia reduzir o lucro da empresa ou provocar prejuízos.
A partir de 2016, os valores do diesel e da gasolina passaram a levar em consideração dois fatores:
1 – O Preço de Paridade Internacional (PPI), que vincula os valores praticados no Brasil aos existentes no mercado internacional, calculados em dólar, e que inclui custos como frete de navios, custos internos de transporte e taxas portuárias;
2 – A margem praticada para remunerar riscos inerentes à operação. Nesse caso, engloba a volatilidade da taxa de câmbio e dos preços sobre estadias em portos e lucro, além de tributos.
Com a mudança, o prazo para a realização de ajustes em relação ao mercado internacional mudou. A política adotada em 2016 prevê avaliações para revisões de preços pelo menos uma vez por mês.
Com a recente alta, a política de preços passou a ser criticada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro e também pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Desde 2021, a companhia está em seu quarto presidente. Após Roberto Castello Branco, Joaquim Silva e Luna e José Mauro Ferreira Coelho saírem, está no cargo desde o dia 28 de junho Caio Mário Paes de Andrade.
Em 28 de junho, o valor era de R$ 7,39, composto da seguinte forma:
R$ 1,03 (13,9%): distribuição e revenda
R$ 0,96 (13,0%): custo etanol anidro
R$ 1,75 (23,7): imposto estadual
R$ 0,69 (9,3%): impostos federais
R$ 2,96 (40,1%): parcela Petrobras
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos sobre pandemia, eleições e políticas públicas que atinjam alto grau de viralização nas redes sociais. Com a proximidade do período eleitoral, também cresce o número de conteúdos divulgados nas redes sociais que tentam confundir ou enganar o público. O preço dos combustíveis, além de ser uma importante questão no âmbito federal, se tornou pauta eleitoral. Informações enganosas como a investigada aqui podem induzir o leitor a análises equivocadas sobre o assunto.
É enganosa a sequência de tuítes que alega que o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips estavam na Amazônia realizando atividades extremistas e ilegais. Pereira tinha autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Phillips não entrou em terras indígenas. O indigenista realizava um trabalho de proteção da área e orientação de sustentabilidade ambiental com o povo do Vale do Javari, e o jornalista fazia uma reportagem sobre o uso de tecnologia pelos indígenas para vigiar e denunciar invasões aos territórios.
Conteúdo investigado: Sequência de tuítes afirmando que após uma pesquisa sobre Bruno Pereira e Dom Phillips, assassinados no Vale do Javari, na Amazônia, chegou-se à conclusão que eles realizavam atividades extremistas e ilegais.
Onde foi publicado: Twitter.
Conclusão do Comprova: É enganosa a publicação que afirma que Bruno Pereira e Dom Phillips, cujos assassinatos foram confirmados pela Polícia Federal em 17 e 18 de junho, realizavam atividades extremistas e ilegais na Amazônia. Pereira foi à região, com autorização, para participar de reuniões em aldeias na área da calha do rio Curuçá, enquanto Phillips estava escrevendo sobre uma equipe de vigilância criada pelos povos originários para documentar e denunciar as invasões e crimes em seu território. A atuação do jornalista, no entanto, foi fora da área indígena.
O conteúdo questiona a credibilidade do trabalho dos dois profissionais, dando a entender que eles realizavam atividades ilegais. “Tinha vários inimigos na região, não só por questões legais, mas também por questões pessoais”, diz um trecho em referência ao indigenista, sem apresentar provas.
Para o Comprova, enganoso é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações, que induz a uma interpretação equivocada e confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 22 de junho, o tuíte teve mais de 8 mil curtidas e 3,1 mil compartilhamentos.
O que diz o autor da publicação: A autora do post verificado é apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (PL) e costuma publicar conteúdos enaltecendo pautas defendidas por ele. O Comprova entrou em contato com a autora via mensagem no Twitter, mas não obteve resposta até o fechamento desta verificação.
Como verificamos: O primeiro passo foi buscar informações a respeito do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, do trabalho que estavam desenvolvendo no Vale do Javari (AM) e se eles teriam autorização para estar no local.
Para isso, foram consultadas reportagens jornalísticas (BBC News Brasil, G1, Estado de Minas, CNN Brasil, UOL Notícias, Globo) e entidades como a Funai, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
O Comprova também procurou por notícias sobre a destruição de balsas citada pelo post aqui verificado (Folha, Estadão, UOL, Veja) e contactou a assessoria da Polícia Federal (PF) no Amazonas para esclarecimentos acerca do episódio.
Bruno Pereira tinha autorização para atuar no Vale do Javari
Em 8 de junho, três dias depois do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, disse em entrevista à Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que os homens não teriam comunicado aos órgãos sobre a viagem ao Vale do Javari. No entanto, documentos oficiais obtidos pela TV Globo apontam que o indigenista cumpriu os protocolos legais e que Phillips não entrou em terras indígenas.
Conforme o documento emitido pela Funai, Bruno Pereira foi autorizado a entrar no Vale do Javari e participar de reuniões em cinco aldeias na região da calha do rio Curuçá para conversar sobre o território e estratégias para protegê-lo entre os dias 17 e 30 de maio. Ele entrou no dia 21, mas não estava acompanhado do jornalista Dom Phillips.
A família do jornalista disse ao Jornal Nacional que ele só encontrou o indigenista no dia 1º de junho, em Atalaia do Norte, após Pereira ter visitado as aldeias indígenas.
Apesar de a autorização possuir vigência apenas até o dia 30 de maio, o local em que o indigenista e o jornalista foram vistos pela última vez, no dia 5 de junho, não exigia qualquer documentação para acesso, como noticiou o jornal CNN Brasil.
Além disso, Bruno Pereira e Dom Phillips poderiam ter entrado no Vale do Javari a convite dos indígenas, mesmo sem autorização da Funai, de acordo com a assessora jurídica da Univaja e do Observatório dos Povos Isolados, Carolina Santana.
“A lei brasileira garante sobretudo a autonomia dos povos indígenas sobre seus territórios. As leis e normativas internacionais também. O Brasil é signatário das normativas que garantem a autonomia. O próprio regulamento da Funai coloca a autonomia indígena como condição sine qua non para autorização do ingresso”, disse Santana ao Jornal Nacional.
A Funai foi procurada a respeito da autorização, mas não respondeu até o fechamento da verificação.
Dom Phillips fazia reportagem fora de terras indígenas
Ao contrário do que alega a postagem, Dom Phillips não fazia reportagem sem autorização da Funai e do Ibama, e sem o conhecimento dos governos estadual e federal. Na realidade, o jornalista estava escrevendo sobre uma equipe de vigilância criada pelos povos originários para documentar e denunciar as invasões e crimes em seu território. Tudo fora da área indígena.
Em entrevista ao UOL Notícias, o indigenista Leonardo Lennin, do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, disse que, com a viagem, Phillips queria entender como a Univaja estava usando tecnologia, como drones e imagens de satélite, para documentar invasões e denunciá-las às autoridades.
Além do trabalho como jornalista, Dom Phillips estava escrevendo um livro sobre a floresta amazônica. Como noticiaram o G1 e o jornal britânico The Guardian, do qual Phillips era um colaborador de longa data, o projeto teria apoio da Fundação Alicia Patterson, instituição sem fins lucrativos que concede bolsas a jornalistas que trabalham para a realização de projetos independentes.
Queima de balsas no Amazonas
O conteúdo investigado acusa especificamente Bruno Pereira de atividades “extremistas” e cita “o episódio da queima das balsas”. Ao contrário do que sugere a autora do post, de que a ação teria sido irregular, as balsas foram destruídas por autoridades brasileiras com amparo na legislação, uma vez que eram estruturas utilizadas para o cometimento de crimes ambientais na região.
Em novembro de 2021, centenas de balsas de dragagem operadas por garimpeiros empreenderam uma corrida por ouro no rio Madeira, importante afluente do rio Amazonas. A ação ilegal deflagrou a operação Uiara, realizada pela Polícia Federal, Ibama e Forças Armadas.
Na primeira fase da intervenção foram presas três pessoas e destruídas 131 balsas apreendidas.
Ao UOL, o superintendente da PF no Amazonas, Leandro Almada, disse que não houve nenhum registro de violência, uso de força ou disparo de arma de fogo.
O que se pretendia com a destruição dos equipamentos era inviabilizar o maquinário utilizado para a prática do crime ambiental. A ação tem previsão legal e é regulamentada pelas Leis 9605/98 (Lei de Crimes Ambientais), e 8176/91 (Usurpação de bens da União).
Ainda conforme a matéria do UOL, a queima é feita com o próprio combustível encontrado nas estruturas, que normalmente carregam grandes tanques de plástico com centenas de litros de gasolina.
De acordo com matéria da Veja, em setembro de 2019, Bruno Pereira teria conduzido a operação Korubo, que terminou na destruição de 60 balsas usadas por garimpeiros ilegais no Vale do Javari. Por este motivo teria sido exonerado do cargo de coordenador de povos isolados da Funai.
O indigenista foi demitido do cargo 15 dias após a operação, que envolveu cerca de 60 agentes da Funai, da Polícia Federal e do Ibama. Segundo o UOL, após a Korubo, os garimpeiros teriam aumentado a pressão sobre a Funai pedindo pela demissão de servidores que estavam comandando ações desse porte na Amazônia – o que incluía Bruno Pereira.
Conforme o G1, a exoneração do indigenista veio “após pressão de setores ruralistas ligados ao governo do presidente Jair Bolsonaro”.
Desde a operação Korubo, a Funai não realizou mais nenhuma grande ação na região, que sofre também com a invasão de caçadores e pescadores ilegais.
Depois disso, em janeiro de 2020, Pereira pediu licença para atuar na proteção de indígenas fora do órgão e passou a atuar junto da Univaja para ensinar os povos originários a monitorar suas terras com o uso de tecnologias como drones.
Ao Comprova, a assessoria da PF no Amazonas informou que “as informações solicitadas fazem parte de investigação policial que tem o andamento totalmente sigiloso.”
A Funai, a Univaja e o Ibama foram procurados, mas não houve retorno.
O jornalista Dom Phillips colaborava com diversos jornais no exterior, como o The New York Times, The Guardian e The Washington Post. Ele realizou diversas viagens para a Amazônia, onde fez reportagens sobre desmatamento e crimes. Ele vivia no Brasil há 15 anos e era casado com uma brasileira.
Phillips e Pereira já haviam viajado juntos para a Amazônia e, nesta ocasião, o jornalista estava acompanhado do indigenista brasileiro para coletar dados para um livro que estava escrevendo sobre como salvar a floresta.
No dia 5 de junho, o indigenista e o jornalista desapareceram a poucos quilômetros do Vale do Javari, que é a segunda maior reserva indígena do Brasil. Na última vez que foram vistos, eles pararam na comunidade de São Rafael, às 6h, onde tinham uma reunião marcada com o líder pescador Manoel Vitor Sabino da Costa, conhecido como “Churrasco”.
A dupla deveria ter chegado à Atalaia do Norte duas horas depois, mas isso nunca aconteceu. Os indígenas da Univaja foram os primeiros a alertar sobre o desaparecimento e começaram as buscas às 14h.
De acordo com a perícia, eles foram assassinados com armas de caça. Bruno Pereira foi atingido por três tiros, enquanto Dom Phillips foi morto com um tiro.
Até o momento, a PF do Amazonas identificou oito suspeitos de terem ajudado a ocultar os corpos de Pereira e Phillips. Três suspeitos foram presos: Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como “Pelado”; Oseney da Costa de Oliveira, o “Dos Santos”; e Jeferson da Silva Lima, chamado de “Pelado da Dinha”.
No dia seguinte ao desaparecimento, o Comando Militar da Amazônia, do Exército, emitiu nota afirmando que estava “em condições de cumprir missão humanitária de busca”, mas que a ação só seria tomada “mediante acionamento por parte do Escalão Superior”.
No dia 10 de junho, a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos criticou a lentidão das buscas e pediu que o governo brasileiro redobrasse os recursos e esforços disponibilizados nas buscas.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A peça de desinformação checada tenta desqualificar a atuação de dois profissionais que lutavam pelos direitos e proteção dos povos originários do Brasil enquanto ainda se investiga os assassinatos. O crime se tornou pauta eleitoral uma vez que colocou em evidência as políticas públicas do governo Bolsonaro para a região amazônica.
Outras checagens sobre o tema: Em 14 de junho, o site Boatos.org checou a mesma peça de desinformação verificada pelo Comprova e concluiu que Bruno Pereira e Dom Phillips tinham autorização para estar no Vale do Javari.