O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2021-09-10

Post compara de forma enganosa valores do gás de cozinha com o salário mínimo

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma postagem que compara o preço do gás de cozinha com o salário mínimo para afirmar que o produto sempre foi caro e, portanto, o preço atual não seria culpa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A imagem usa dados de meses diferentes para fazer a comparação e desconsidera que, proporcionalmente ao salário mínimo, o valor do botijão é atualmente o mais caro desde 2007.
  • Conteúdo verificado: Tabela escrita à mão compara o preço do botijão de gás com o valor do salário mínimo entre 2001 e 2021. Na imagem, o texto diz “nunca tivemos gás barato no Brasil” e pergunta “mas a culpa é do Bolsonaro?”.

É enganosa uma tabela que circula pelas redes sociais e traz uma comparação, escrita à mão em uma folha de papel, entre o preço do botijão de gás e o valor do salário mínimo entre 2001 e 2021. A imagem tem alguns dados imprecisos e compara o preço médio do gás de cozinha em meses diferentes dependendo do ano, o que distorce a avaliação, segundo economistas ouvidos pelo Comprova. Além disso, o conteúdo, que circula há alguns meses, traz valores desatualizados para o caso de 2021.

A tabela, postada em páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, em uma aparente tentativa de defendê-lo diante da alta de preços do produto, também não leva em consideração o contexto econômico, no Brasil e no exterior, que resultou nos preços do gás. Segundo os analistas ouvidos pelo Comprova, nisso estão incluídos desde o preço internacional do petróleo, do qual o gás é um derivado (Gás Liquefeito de Petróleo, ou GLP), até a política de valorização do salário mínimo brasileiro nas duas primeiras décadas dos anos 2000.

O Comprova procurou a página Direita Alagoas, que publicou o conteúdo no Instagram, mas não teve retorno. A imagem, porém, já circula na internet, pelo menos, desde fevereiro deste ano.

A publicação foi classificada como enganosa nesta checagem porque usa dados imprecisos e confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Inicialmente, o Comprova buscou informações sobre a evolução dos valores estipulados para o salário mínimo na tabela disponível no site do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Na sequência, checamos o preço dos combustíveis por mês desde o ano de 2001, consultando a tabela da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), órgão responsável pela fiscalização de combustíveis.

Com essas informações, o Comprova levantou os valores médios do salário mínimo e do GLP de uso doméstico nos últimos 21 anos para montar uma tabela no mesmo esquema da publicação. Também foi realizada uma comparação simples entre o preço médio do botijão nos meses de agosto de cada ano, corrigindo os valores pela inflação com o auxílio da calculadora do Banco Central.

Para verificar a origem da tabela compartilhada na publicação do Instagram, o Comprova entrou em contato com o perfil Direita Alagoas, mas não houve retorno.

A partir de buscas reversas da imagem nas redes sociais e da busca dos termos “refrescando a memória”, vistos no canto superior da imagem, conseguimos encontrar no Facebook uma publicação que teria originado a captura de tela compartilhada pelo Direita Alagoas.

O objetivo era verificar se a origem da publicação teria vindo da rede. Entre as últimas imagens que aparecem mediante a busca está a publicação que viralizou. Descobrimos que a postagem foi feita originalmente em 15 de junho de 2021, mas que a imagem utilizada nela circulava há cerca de sete meses na internet. Esse perfil também não retornou ao contato do Comprova.

Por fim, entrevistamos Ecio Costa, professor de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e consultor da Cedes Consultoria e Planejamento, e Ademilson Saraiva, assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Pernambuco (Fecomércio-PE).

Verificação

O preço do gás e o salário mínimo

Entre julho de 2001 (começo da série histórica de preços dos combustíveis da ANP) e agosto de 2021, a relação entre o preço do gás de cozinha e o salário mínimo variou entre 5,67% e 14,67%. A mínima aparece em janeiro de 2015, enquanto a máxima diz respeito a janeiro de 2003. Atualmente, o percentual de participação de 8,50% do salário mínimo é o mais desfavorável desde fevereiro de 2008.

Ao alegar que “nunca tivemos gás barato no Brasil” independentemente do governo, o post ignora a evolução desse dado no período. Depois de cair continuamente entre 2004 e 2012, o percentual ficou estável até 2017. Em 2018, houve uma subida acentuada. Os primeiros dois anos do governo de Jair Bolsonaro tiveram uma leve tendência de queda, que é revertida e agora chega aos patamares de 2007.

Como aponta uma reportagem recente do UOL, essa análise desconsidera a inflação geral no Brasil, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Outra forma de avaliar se o preço do botijão está caro ou não em relação a outros anos é pela simples cotação média do produto — mas, nesse caso, é preciso corrigir os valores pela inflação para que a comparação seja justa.

Em julho de 2001, por exemplo, o botijão custava R$ 17,19 em média para os brasileiros, mas representa R$ 58,28 atualmente em valores corrigidos, porque o poder de compra é diferente daquela época. O Comprova levantou os valores médios para o mês de agosto dos últimos 21 anos, e os dados aparecem no gráfico a seguir. A correção monetária pelo IPCA foi feita por meio da calculadora do Banco Central. A cotação atual está 29,6% acima da média entre os valores.

Valores imprecisos

A tabela que circula nas redes sociais apresenta dados imprecisos. O salário mínimo, por exemplo, é informado incorretamente nos anos de 2012 e 2019. Já o comparativo anual do preço do gás de cozinha não segue uma lógica de acordo com os dados oficiais da ANP.

Cinco dos valores sequer aparecem na série histórica, enquanto os demais se referem a diferentes meses a depender do ano analisado — abril (duas vezes), maio, junho, julho (duas vezes), outubro (quatro vezes), novembro e dezembro (cinco vezes). Três foram arredondados incorretamente para baixo.

O caso mais fora da curva é 2016, em que é mencionado um preço de R$ 63,21, quando a média mensal mais alta daquele ano havia sido de R$ 55,61. Já o preço médio para 2021 é apontado como sendo R$ 85, o que reflete o fato de que o conteúdo viral circula há meses na internet. Em agosto, a ANP constatou uma cotação média de R$ 93,48 no Brasil.

O professor de Economia da UFPE Ecio Costa disse ao Comprova que é possível comparar a proporção entre o custo do gás de cozinha e o valor do salário mínimo, desde que se use sempre o mesmo período de comparação. Como o salário mínimo é reajustado anualmente, seria necessário pegar o valor do GLP sempre do mesmo mês (acompanhando o reajuste a cada 12 meses), para que a comparação seja mais precisa.

“Se você colocar o recorte com mais tempo, você vai ter uma elevação percentual em relação ao salário mínimo que provavelmente ficará muito alta. Tudo é uma questão de recorte de tempo e como você olha para lhe mostrar o que interessa mostrar”, adverte.

De acordo com os dados do Ipea, o salário mínimo foi reajustado em momentos diferentes ao longo dos últimos 21 anos, mas sempre no primeiro semestre. Desde 2010, o reajuste é aplicado em janeiro. O Comprova comparou os números relativos a agosto porque esse é o dado mais recente disponível no levantamento de preços da ANP. Nesse período, o salário mínimo já estava ajustado em todos os anos.

Vale lembrar que a cotação do produto ainda varia entre as localidades consultadas pela ANP, que reúne dados de mais de 15 mil postos atualmente. Em agosto, por exemplo, o preço do produto variou entre R$ 66 e R$ 130 em todo o Brasil. A agência governamental oferece um levantamento semanal por estado e município em seu site para acompanhamento da população.

O que dizem os economistas?

Dois economistas ouvidos pelo Comprova afirmaram que, além da comparação percentual, a análise sobre o impacto do preço do botijão de gás no salário mínimo precisa levar em consideração o contexto que levou a esses valores, incluindo aí medidas de política econômica interna e externa.

“Lá atrás, alguns índices, como combustível e energia elétrica, eram represados pelo governo federal, e isso prejudicou muitas empresas do setor. Quando houve a mudança para adoção de preços internacionais, aí é que a gente começou a ter variações mais altas desses preços nos combustíveis, o que inclui o gás”, lembra Ecio Costa. “Não necessariamente é uma culpa de Bolsonaro. Você tem uma elevação de preços dos combustíveis e do gás natural que vem do cenário internacional. O câmbio pode trazer influência sobre esses preços”, explica.

Para ele, como os combustíveis como a gasolina e o gás são negociados internacionalmente, a disparada do dólar traz impactos sobre o preço que é pago no Brasil. “O que ajudaria a melhorar muito? Mais concorrência. Maior abertura para que se tenha mais empresas querendo investir aqui. Também mais certeza jurídica, menos conturbação política como essas que estamos vivendo”, diz. Além disso, ele entende que uma reforma tributária poderia ajudar a reduzir os impostos sobre os combustíveis, tornando-os mais baratos para o consumidor final.

Ademilson Saraiva, economista da Fecomércio-PE, afirma que o preço do botijão de gás é um dos custos mais relevantes no orçamento familiar e, portanto, afeta imediatamente a percepção das famílias quanto ao poder de compra da renda domiciliar. “Entretanto, fatores diversos impactam, e alguns peculiares, esses dois preços no mercado. No caso do preço do botijão, além do aumento dos custos ao produtor, das margens de distribuição e revenda, pesam as oscilações do preço internacional do petróleo (do qual o GLP é um derivado), atreladas à alta do dólar”, ressalta.

“Apesar de o preço médio do GLP como proporção do salário mínimo estar substancialmente menor hoje quando comparado ao início dos anos 2000, é importante considerar que nesse mesmo período as políticas de valorização do salário mínimo, realizadas em governos passados, foram essenciais para manutenção do poder de compra”, ele afirma. Segundo Saraiva, se compararmos o preço médio do gás de cozinha e o valor do salário mínimo entre julho de 2002 e de 2021, corrigindo esses valores pela inflação, as variações serão de 13,2% e 78,3%, respectivamente.

Composição do preço do gás

Como o Comprova mostrou em outra checagem, o preço do gás de cozinha — como é popularmente conhecido o GLP de uso doméstico, comercializado em botijões de 13 quilos — varia conforme diversos fatores presentes na sua composição. A cotação depende da produção, do transporte, da comercialização e dos impostos que incidem sobre a cadeia.

A Petrobras mantém uma página atualizada com informações sobre a composição do preço médio do gás no Brasil. De acordo com a empresa, ela responde por 50,1% do valor do produto, enquanto 34,3% se referem ao segmento de distribuição e revenda e 15,6% é o custo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um tributo estadual. Os impostos federais — PIS/Pasep, Cofins e Cide — estão zerados atualmente. Os dados foram coletados entre 29 de agosto e 4 de setembro.

A ANP também disponibiliza um levantamento consolidado, detalhando os números pela média praticada em cada estado, em formato de tabela. A data de apuração mais recente é julho deste ano, portanto, antes da medição da Petrobras. A composição do preço médio no Brasil naquele momento era a seguinte: 49,9% da Petrobras, 14,2% de ICMS, 11,4% em margens de distribuição e 24,5% em margens de revenda.

Desde o começo do ano, o produto acumula alta de 16,96% — passando de uma média nacional de R$ 74,75 em dezembro de 2020 para R$ 87,43 em julho de 2021, segundo dados da ANP. O principal motivo da alta é o preço de refinaria, com a Petrobras cobrando R$ 9,80 a mais no período, crescimento equivalente a 28,9%. A empresa justificou os reajustes por conta da variação no preço do petróleo no mercado internacional e pela taxa de câmbio.

O ICMS, que é cobrado de acordo com um percentual sobre uma estimativa do preço final ao consumidor, acompanhou a alta no preço do botijão. A arrecadação sobre o produto era 16,94% maior, em média, no mês de julho. As alíquotas variam entre os estados. No segmento de distribuição e revenda, o preço médio subiu 3,3% e 16%, respectivamente. Já o corte do imposto federal decretado por Bolsonaro em março desonerou a cadeia em exatos R$ 2,18, porque o PIS/Cofins era fixo.

Conteúdo viraliza há sete meses

O Comprova entrou em contato com o perfil do Instagram Direita Alagoas, página que compartilhou o conteúdo verificado, e questionou a origem da publicação e dos números apresentados na imagem. A página não respondeu até a publicação desta checagem.

Não conseguimos localizar a origem da imagem, que mostra uma tabela escrita à caneta numa folha de caderno. A mesma imagem já havia circulado no Facebook, em junho, e no Reddit, em fevereiro deste ano.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova checa conteúdos de redes sociais sobre políticas públicas do governo federal, eleições e pandemia que alcancem uma grande repercussão.

A publicação compartilhada no Instagram a partir de uma reprodução original do Facebook desinforma ao fazer uma comparação com dados imprecisos e valores incoerentes tanto para o valor do salário mínimo — como nos anos de 2012 e 2019 que aparecem na imagem — quanto para o preço do gás.

Além disso, mesmo que a peça esteja circulando há mais de sete meses na internet, perfis nas redes sociais compartilham como se mostrasse o cenário atual de preços, o que não é verdade.

Outros veículos e agências de notícias realizaram levantamentos no mesmo sentido, como o UOL, que comparou o salário mínimo e o preço do gás e a AFP, que classificou como enganoso o conteúdo de um meme que relacionava o valor do gás entre 2001 e 2021.

O Comprova também havia feito uma primeira checagem sobre uma postagem que enganava ao afirmar que o preço do gás só não caiu de forma significativa por conta dos governadores.

O presidente Jair Bolsonaro tem recebido críticas quanto ao processo inflacionário do País. Em agosto, ele reconheceu que o acumulado em 12 meses era um “número grande”, mas atribuiu a culpa ao isolamento social praticado durante a pandemia de covid-19, o que é contestado por economistas.

Sobre a alta no preço dos combustíveis, costuma atacar os governadores por conta da cobrança de ICMS. Recentemente, Bolsonaro entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Congresso edite uma lei obrigando os estados a adotarem alíquota única do imposto sobre esse tipo de produto.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2021-09-03

Minirreforma não tiraria direitos de todos os trabalhadores como dá a entender vídeo no TikTok

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso vídeo no TikTok afirmando que a medida provisória sobre a minirreforma trabalhista, derrotada nesta semana no Senado, tiraria direitos de todos os trabalhadores. Segundo texto aprovado na Câmara, ela eliminaria benefícios nos três formatos de trabalho que cria e de empregados via CLT em casos específicos.
  • Conteúdo verificado: Vídeo no TikTok afirma que a minirreforma trabalhista proposta pelo governo Bolsonaro e derrubada no dia 1º de setembro pelo Senado retiraria direitos dos trabalhadores.

Um vídeo no TikTok engana ao sugerir que direitos trabalhistas seriam eliminados em todos os tipos de contratações caso a minirreforma trabalhista fosse aprovada no Senado – na última quarta-feira (1), o texto foi derrubado pela Casa.

Originalmente, a medida provisória número 1.045, enviada ao Congresso pelo Palácio do Planalto, previa ações como pagamento do benefício emergencial e redução proporcional de jornada de trabalho e de salários por conta da pandemia, mas a medida recebeu propostas de emendas feitas por deputados. Nelas, eles criavam formas de contratação e alteravam pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Um dos modelos propostos era, por exemplo, o Requip (Regime de Qualificação Profissional). Voltado para jovens, desempregados e pessoas carentes, o programa previa recesso remunerado de 30 dias após um ano de trabalho, mas não incluía pagamento de 13º salário nem de FGTS.

Dessa forma, a medida eliminaria benefícios nos três formatos de trabalho que criava, em casos específicos, não retirando todos os direitos trabalhistas. Além disso, ela valeria apenas para novas contratações. Em casos de contratos via CLT normais, a MP reduziria o valor da hora extra paga para algumas profissões, como bancários, operadores de telemarketing e jornalistas.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) havia considerado as mudanças propostas na MP como inconstitucionais – a mesma crítica foi feita por advogados ouvidos pelo Comprova.

A reportagem procurou o autor do vídeo, mas não recebeu retorno até a publicação desta checagem. Para o Comprova, enganoso é conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Como verificamos?

O Comprova buscou informações sobre a minirreforma trabalhista nos sites oficiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e também consultou matérias jornalísticas sobre o tema.

Além disso, conversou com dois especialistas em direito trabalhista: a advogada Fabíola Marques, doutora em direito do trabalho e professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, e com o presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP), o advogado Horácio Conde.

Por mensagem privada no TikTok, a equipe tentou contatar o autor do vídeo, mas não recebeu retorno.

Verificação

Minirreforma trabalhista

A Câmara concluiu no dia 12 de agosto a votação do projeto que ficou conhecido como minirreforma trabalhista. O texto criava modalidades de contratações e mudava normas da CLT. A medida prorrogava o programa de redução de jornada e de suspensão de contratos, alterava regras trabalhistas e criava três novas formas de acesso ao mercado de trabalho.

A origem do projeto é a medida provisória número 1045, de 2021, enviada pelo Palácio do Planalto e que previa, segundo a emenda: “pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm); redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e a suspensão temporária do contrato de trabalho”. Essas seriam “medidas complementares para o enfrentamento das consequências da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus no âmbito das relações de trabalho”.

Dessa forma, originalmente, a MP criou uma rodada do programa emergencial de redução de jornadas e salários durante a pandemia, o BEm, em abril. No entanto, na votação na Câmara para sua renovação, a medida recebeu uma dezena de adendos dos deputados que instruíram novas formas de contratação e alteraram pontos da CLT.

Reportagem do Correio Braziliense afirma que a Câmara aprovou, “a toque de caixa, uma minirreforma trabalhista, contrabandeada na medida provisória enviada pelo governo para prorrogar o Benefício Emergencial (BEm) e reduzir salários e jornada de trabalho. Mas o texto saiu do Planalto com 35 artigos. Engordou na Câmara dos Deputados para 95, recheado de emendas. Nelas, foram inseridos jabutis que criaram vários regimes de contratação em que as empresas se livram de pagar o FGTS e o INSS”.

Os acréscimos ao texto original – chamados de “jabutis” – foram feitos pelo relator, o deputado federal Christino Aureo (PP-RJ). Entre as principais mudanças estavam: a criação do Requip, modalidade de trabalho sem carteira assinada, sem direitos trabalhistas e previdenciários, apenas com recebimento de bolsa e vale-transporte; criação de uma modalidade de trabalho sem direito a férias, 13º salário e FGTS; redução do pagamento de horas extras para algumas categorias com jornada reduzida, como bancários, jornalistas e operadores de telemarketing e a inclusão de condições que dificultavam a fiscalização, inclusive em casos de infrações graves, como a do trabalho análogo à escravidão.

No vídeo verificado aqui, postado no dia 23 de agosto, portanto, antes de a MP ser derrotada, o autor insinua que os direitos trabalhistas de todos os trabalhadores seriam retirados se a proposta fosse aprovada. No entanto, isso é enganoso, pois, como explicitado acima, ela eliminaria benefícios nos três formatos de trabalho que cria e de empregados via CLT em casos específicos. Além disso, ela valeria apenas para as novas contratações. Dessa forma, não atingiria aqueles que já estão prestando serviços.

Parte das medidas incluídas foi tentada pelo governo nos primeiros meses de 2020, na medida provisória do “Contrato de Trabalho Verde Amarelo”. Como ela não seria aprovada a tempo pelo Congresso e perderia validade, o governo revogou a MP em abril de 2020. Desde então, o governo trabalhava para recriar as medidas. O texto do relator teve apoio da base do governo.

Derrotada no Senado

O Senado votou na quarta-feira (1) a MP 1.045 e rejeitou o projeto que criaria novos programas trabalhistas e impôs uma derrota aos ministros Paulo Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência). O texto chegou ao Senado há duas semanas e recebeu quase 200 emendas.

O relator, o senador Confúcio Moura (MDB-RO), que recebeu a função na sexta-feira (27) e passou o fim de semana trabalhando no tema, chegou a retirar alterações na CLT, mantendo os novos programas de emprego. Mas a estratégia não foi suficiente. Por 47 a 27, o plenário do Senado derrubou o pacote trabalhista defendido pelos ministros.

Com a rejeição e o arquivamento da MP, segundo técnicos da Secretaria-Geral da Mesa do Senado, o Congresso deve elaborar um projeto de decreto legislativo para “modular” as relações que já foram firmadas.

Neste caso, o projeto de decreto serviria para dar segurança jurídica aos acordos já celebrados na nova fase do programa de redução de jornadas e salários ou suspensão temporária do contrato de trabalho (BEm).

Com a rejeição, o governo não poderá editar medida provisória com o mesmo teor neste ano.

Críticas

O texto votado nesta semana no Senado recebeu críticas por promover, sem discussão, mudanças permanentes na CLT. A MP divide opiniões de advogados.

Para a advogada Fabíola Marques, doutora em direito do trabalho, a medida é inconstitucional, porque viola direitos mínimos previstos constitucionalmente. “A Constituição Federal de 1988 garantiu que todos os trabalhadores urbanos e rurais tinham direitos, como salário mínimo, FGTS e 13º. Também previu que todos devem ser tratados de forma igualitária, não pode haver distinção em função do tipo de atividade. Quando essa MP cria uma classe de trabalhadores, reduzindo os direitos, ela viola um dos princípios básicos da república que é o princípio da igualdade”, explica.

De acordo com Marques, toda a sociedade seria afetada pela MP. “Por exemplo, a fiscalização do Ministério do Trabalho seria flexibilizada e permitiria muito mais possibilidade de descumprimento das regras estabelecidas, como de saúde e segurança do trabalho, porque haveria uma redução nessas observações.”

Horácio Conde, presidente da AATSP, acrescenta que “o texto criaria modelos de trabalho que, supostamente, fariam com que as empresas contratassem mais pessoas, mas que, na essência, retirariam os direitos desses trabalhadores”. “O que temos criticado é que a medida criaria subcategorias de trabalhadores com menos direitos, e que isso não traz, de fato, emprego. Grosso modo, o que cria emprego é a estabilidade política somada à estabilidade econômica.”

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos enviados por leitores que falem da pandemia, de políticas públicas ou eleições. Só checamos conteúdos que tenham atingido um alto grau de viralização. O vídeo que foi verificado teve mais de 284 mil visualizações.

O conteúdo é prejudicial por levar a interpretações erradas sobre a minirreforma que foi discutida no Congresso.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2021-08-26

Vídeo de acampamento em Brasília mostra mobilização indígena, não preparação para 7 de Setembro

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso vídeo que mostra acampamento na Esplanada dos Ministérios como sendo de manifestantes reunidos para os protestos de 7 de Setembro. Na verdade, as barracas mostradas no vídeo são do Acampamento Luta pela Vida, uma manifestação de indígenas que começou no domingo (22) e vai até o próximo sábado (28).
  • Conteúdo verificado: Post compartilhado no Facebook mostra um vídeo de um acampamento na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com a legenda: “7 de Setembro já começou e vai ser inesquecível”, dando a entender que as pessoas estão reunidas ali para manifestação em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

É enganoso um post no Facebook, compartilhado pelo advogado e suplente de deputado federal João Barros (PSL-BA), que relaciona um acampamento na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com uma suposta mobilização de manifestantes pró-governo que estariam reunidos para ato do dia 7 de Setembro. O vídeo, na verdade, é do acampamento indígena Luta pela Vida, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que visa fazer pressão contra o que classifica como “agenda anti-indígena” do governo federal e do Congresso Nacional.

Procurado por telefone, o autor da postagem enganosa, apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), afirmou que o material não é de sua autoria, e que compartilhou um vídeo que está circulando nas redes sociais. Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações, e que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Como verificamos?

Buscamos no Google pelo local exato em que foi gravado o vídeo. Isso nos levou ao mesmo ponto em que está concentrado o acampamento indígena Luta pela Vida, que terá atividades até o próximo sábado (28). O ato é organizado pela Apib. Também analisamos as imagens do vídeo e fotos divulgadas pelo movimento indígena.

Para entender o que é o acampamento, entramos em contato com a associação e consultamos notícias na mídia. Por fim, falamos com o autor do post.

Verificação

Vídeo mostra acampamento indígena

O vídeo compartilhado nas redes sociais mostra o acampamento Luta pela Vida. Os indígenas começaram a chegar a Brasília no domingo (22) e devem permanecer na capital até sábado (28). Os manifestantes estão instalados na Praça da Cidadania, na Esplanada dos Ministérios. No vídeo, é possível ver que a filmagem foi feita exatamente no mesmo local do acampamento indígena. No fundo, aparecem prédios compatíveis com a localização, como o Teatro Nacional Cláudio Santoro e a sede da CNN Brasil em Brasília (imagens abaixo). Além disso, é possível ver um ônibus, nas cores verde e branco, similar a um que aparece em imagens divulgadas pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI), porém, de outro ângulo.

O acampamento Luta pela Vida

Povos indígenas de todo o país estão reunidos em Brasília desde domingo (22). A movimentação acontece na semana do julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a demarcação de terras indígenas (RE 1017365). O Supremo vai se debruçar sobre a tese do “marco temporal” que, se referendada, só permitiria aos indígenas reivindicar terras que ocupavam antes da promulgação da Constituição de 1988. A tese é considerada um golpe contra o movimento indígena, o que gerou a mobilização.

De acordo com informações da Apib, aproximadamente 6 mil indígenas, de 170 etnias, estão acampados em Brasília. Para a entidade, esta é a maior mobilização deste grupo desde os atos realizados na época da elaboração da Constituição Federal.

Ao Comprova, a entidade afirmou que “esse vídeo é mais uma mentira que está circulando sobre a mobilização indígena em Brasília. O movimento também disse não ter informações sobre as manifestações do dia 7 de Setembro. “As declarações são mentirosas e devem ser desconsideradas por não possuir qualquer credibilidade.”

Atos de 7 de Setembro

Apoiadores de Bolsonaro têm convocado a população para atos a favor do governo em várias cidades do país no dia 7 de Setembro. O próprio presidente confirmou que irá discursar nos atos em Brasília e em São Paulo. As convocatórias para o 7 de setembro ganharam força nos últimos dias, especialmente depois da tensão entre os Poderes. Também foi um fator para as movimentações a prisão do presidente do PTB, Roberto Jefferson, e os mandados de busca e apreensão contra o cantor Sérgio Reis, o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ), e outras oito pessoas – alvos do STF em uma ação que investiga a convocação de atos violentos contra a Corte.

Quem é João Barros

Advogado e suplente de deputado federal pelo Partido Social Liberal da Bahia (PSL-BA), em 2020, Barros se candidatou a prefeito de Ilhéus, na Bahia, pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), mas não venceu a eleição. Atualmente, a cidade baiana é governada por Mário Alexandre Correa de Sousa, do Partido Social Democrático (PSD). Conhecido como “João Bolsonaro”, por ser um forte apoiador do presidente, o deputado realizou sua campanha para ocupar o cargo na prefeitura baseado em alguém que “luta contra bandeiras defendidas por partidos de esquerda, como o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] e falsos índios”.

Em entrevista por telefone ao Comprova, Barros disse que não gravou o vídeo e somente compartilhou o conteúdo. Está circulando e recebi em vários grupos do Whatsapp. Eu vi esse vídeo em várias outras páginas também.” O advogado também afirmou que, quando falou em mobilização para o 7 de Setembro, foi uma forma de expressão. “O 7 de Setembro não especificamente, mas o que ele significa de independência.”

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos enviados por leitores que falem da pandemia de covid-19, de políticas públicas ou eleições. Só checamos conteúdos que tenham atingido um alto grau de viralização. O vídeo aqui verificado teve mais de 895 mil visualizações e 38 mil compartilhamentos até esta quinta-feira (26).

Este conteúdo também foi checado pela Agência Lupa e foi marcado como falso pelo Facebook.

O Comprova também já mostrou que é enganoso que o voto impresso já estaria previsto em lei e que é falso que urnas brasileiras teriam sido hackeadas nos Estados Unidos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2021-08-17

Generais não foram promovidos a marechais, mas recebem salários correspondentes ao cargo

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a afirmação de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenha promovido cerca de 100 oficiais-generais aos postos de marechais. Os militares recebem proventos pelo cargo, mas não há portarias promovendo-os, e a nomenclatura não retrata os postos exercidos por eles na ativa.
  • Conteúdo verificado: Postagem em site, compartilhada no Facebook, afirma que Bolsonaro nomeou 100 marechais e que os nomes estão no Portal da Transparência.

Não é verdade que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nomeou 100 novos marechais, posto máximo da escala hierárquica do Exército Brasileiro, entre eles o falecido coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (ex-chefe do DOI-CODI) e os generais Augusto Heleno (ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional- GSI), Eduardo Villas Boas (ex-comandante do Exército), Edson Pujol (ex-comandante do Exército), Joaquim Silva e Luna (presidente da Petrobras) e Sérgio Westphalen Etchegoyen (ex-ministro do GSI).

A afirmação consta em uma publicação de um site. Todos os nomes aparecem no Portal da Transparência recebendo salários compatíveis com o cargo, mas este não está relacionado ao posto ocupado por eles na ativa e nenhum recebeu promoção, conforme esclareceu o Ministério da Defesa ao Comprova. Além disso, a reportagem não localizou qualquer documento assinado pelo presidente ou por Braga Netto, ministro da Defesa, promovendo militares à patente.

No Facebook, o autor do conteúdo o compartilhou com legenda questionando “sabia que marechais são nomeados em tempos de guerra?”, dando a entender que Bolsonaro estaria se preparando para um confronto, conforme interpretaram vários usuários no grupo de apoio à reeleição onde foi feita a postagem. Nos comentários, grande parte apoiou uma intervenção militar contra o Supremo Tribunal Federal (STF).

O autor modificou a legenda após ser procurado pelo Comprova e afirmou acreditar na existência de uma guerra institucional e em uma tensão entre as instituições, “mas não no sentido do cargo”, justificando ter informado que marechais são promovidos em tempos de guerra apenas como um complemento do texto publicado por ele.

O Comprova considera enganosos conteúdos retirados do contexto original e usados em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

Como verificamos?

O Comprova buscou pelo termo “marechal” no Portal da Transparência do governo federal, localizando uma lista com 101 nomes que apresentavam o cargo. Em seguida, buscou especificamente nomes que aparecem na publicação aqui verificada.

Utilizando o Google, pesquisou diferentes termos combinados para tentar identificar nomeações realizadas por Jair Bolsonaro, associando o nome do presidente à palavra marechal e a nomes que aparecem na lista.

A ação foi repetida utilizando o nome do ministro da Defesa Walter Souza Braga Netto e o mesmo método foi utilizado no campo de busca do Diário Oficial da União e na plataforma de Acesso à Informação. Nenhum documento neste sentido foi localizado. Publicações na imprensa também foram consultadas.

A reportagem entrou em contato, via email, com o Ministério da Defesa e analisou leis que tratam da hierarquia e das pensões militares, além de informações sobre o cargo de marechal. Por fim, conversou com o responsável pela publicação.

Verificação

Em pesquisa ao Portal da Transparência, o Comprova identificou 101 nomes de militares (Página 1 – PDF, Página 2 – PDF) reformados e reservistas com o cargo de marechal, um cargo especial criado em caso de guerra e que tem como atribuição liderar o Exército no conflito, respondendo diretamente ao presidente da República. Dentre eles, estavam os nomes citados na publicação. Entretanto, não foi localizado no Diário Oficial da União nenhum documento assinado por Bolsonaro ou pelo ministro da Defesa em relação às nomeações.

Dessa forma, o Comprova questionou ao Ministério da Defesa como elas ocorreram e o que significa o fato de essas pessoas aparecerem como marechais no Portal da Transparência. Em resposta, o órgão afirmou não ter havido qualquer promoção de oficiais-generais aos postos de marechal (Exército), almirante (Marinha) ou marechal-do-ar (Aeronáutica).

“O Estatuto dos Militares previa o direito ao militar, com mais de trinta anos de serviço, de perceber os proventos de nível hierárquico superior, ao ser transferido para a inatividade. Cabe ressaltar que essa prerrogativa do posto acima terminou com a MP n° 2215-10/2001. No entanto, todos os militares que à época já contavam com 30 anos de serviço militar ganharam o direito”, informou.

A medida provisória citada pelo ministério dispõe sobre a reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas, alterando duas leis – 3.765/1960, que trata sobre as pensões militares, e 6.880/1980, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares.

O texto revoga o artigo 6º da lei das pensões que, até 2001, facultou aos militares com mais de 30 e 35 anos de serviço, contribuírem, respectivamente, para a pensão correspondente a um ou dois postos, ou graduações acima.

| Fonte: Lei nº 3.765/1960

Ainda conforme a resposta do Ministério da Defesa, os postos de almirante, marechal e marechal-do-ar são previstos no Estatuto dos Militares e serão providos em tempo de guerra.

Esta previsão consta no artigo 16 da lei, que fixa os círculos hierárquicos e a escala hierárquica nas Forças Armadas, bem como a correspondência entre os postos e as graduações da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

O parágrafo 1° define que o posto é conferido por ato do Presidente da República ou do Ministro de Força Singular, sendo confirmado em Carta Patente. O parágrafo 2º, por sua vez, deixa claro que os postos de almirante, marechal e marechal-do-ar somente serão providos em tempo de guerra.

| Fonte: Lei nº 6.880/1980

Nesse contexto, em relação aos nomes que constam no Portal da Transparência, o Ministério da Defesa diz que o posto corresponde ao pagamento recebido pelos militares, não retratando os postos exercidos por eles na ativa.

Até 1967, quando houve a Reforma do Exército, os generais-de-Exército, ao passarem para a reserva, sofriam promoção automática. Foi o caso, por exemplo, de Waldemar Levy Cardoso, que morreu em 2009, aos 108 anos, o último marechal promovido no país.

Levy Cardoso participou da Revolução Liberal de 1924, em São Paulo, da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas à Presidência do Brasil, e da Intentona Comunista de 1935. Em 1944, como tenente-coronel, comandou o 1º Grupo de Artilharia Expedicionário na Segunda Guerra Mundial. Chegou ao posto de general-de-Exército em 1964 e dois anos depois foi para a reserva.

Já o último marechal brasileiro na ativa foi Mascarenhas de Moraes, comandante da Força Expedicionária Brasileira, que atuou na Segunda Guerra Mundial. Por um decreto do Congresso Nacional, foi mantido honorificamente de forma vitalícia na tropa ativa, até o falecimento, em 1968.

Nomes na lista

As nomeações que constam no Portal da Transparência foram divulgadas pela imprensa na última semana e políticos de oposição e entidades batizaram o assunto de “Farra dos Marechais”. Uma reportagem publicada pelo Poder 360 leva a uma lista de nomes citados no post aqui verificado e informa que o Portal da Transparência identifica cerca de 100 generais reservistas ou reformados do Exército como marechais.

Essa mesma lista foi citada pelo conteúdo aqui verificado, assim como alguns dos nomes, verificados pelo Comprova. Todos constam no Portal da Transparência recebendo gratificações pelo cargo de marechal.

Dentre eles, está o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que aparece duas vezes enquanto servidor do governo federal: como marechal e reservista do Exército, com salário bruto de R$ 32.153,77, e como ministro, cuja remuneração bruta é de R$ 30.934,70.

O mesmo ocorre com o ex-comandante do Exército Eduardo Dias da Costa Villas Boas, que recebe remuneração bruta de R$ 32.180,43 como marechal e de R$ 13.623,39 como assessor especial da presidência da República. Outros três citados – Edson Pujol, Joaquim Silva e Luna e Sérgio Westphalen Etchegoyen – também recebem como marechais.

A reportagem do Poder 360 afirma ter apurado que a nomenclatura foi incluída neste ano no portal, após reestruturação de divulgação de informações conduzida pela CGU (Controladoria Geral da União), pelo Ministério da Defesa e pelas Forças Armadas. O veículo afirma que os órgãos avaliam, inclusive, alterar ou retirar a especificação do cargo de marechal da página, após diferentes interpretações terem sido divulgadas sobre o assunto.

A busca livre feita pelo Comprova no Portal da Transparência só contabiliza os valores e cargos a partir de abril deste ano. O site disponibiliza, porém, o download de dados de inativos e pensionistas desde janeiro de 2020. Naquele mês, usando o nome de Eduardo Villas Boas como exemplo, a reportagem identificou que ele já recebia remuneração básica bruta acima de R$ 30 mil (R$ 30.496,83). A lista não apresenta, contudo, a informação sobre o cargo ao qual se referia o pagamento.

A postagem cita, ainda, Carlos Alberto Brilhante Ustra, cujo nome não consta na lista que apresenta os 101 militares com o cargo de marechal. Ao buscar pelo nome dele, entretanto, o Comprova localizou duas pensões pagas para as filhas, ambas associadas ao cargo de marechal. A remuneração bruta recebida por cada uma é de R$ 15.307,90.

Na resposta do Ministério da Defesa ao Comprova não foi citada a situação específica do coronel, que não alcançou o posto de general enquanto esteve na ativa. Um email solicitando uma explicação para o caso foi encaminhado à assessoria de comunicação e a reportagem aguarda retorno. 

Os dados referentes às pensões a militares só foram disponibilizados no Portal da Transparência recentemente, após a Fiquem Sabendo, agência de dados especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI), protocolar denúncias junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Autor

O conteúdo foi publicado no site “Boletim do Brasil”, que se apresenta no Facebook como site de notícias e mídia e em um link para financiamento coletivo como um espaço de “boletins diários de notícias rápidas e opinião, boletins cativantes mostrando o que a mídia tradicional tenta esconder de você”.

É mantido por Fernando Takeshi Nascimento, que compartilhou o link no grupo Bolsonaro 2022 BR, de apoio à reeleição do presidente. Procurado pelo Comprova, Fernando afirmou acreditar, “sem dúvidas”, que exista “uma guerra institucional ou uma tensão nas instituições, mas não no sentido do cargo”.

Ele disse , ainda, que o conteúdo publicado por ele revela que a promoção é referente a proventos. “A informação de que marechais são nomeados em nome (sic) de Guerra é um complemento, que não deixa de ser verdade, segundo o próprio estatuto dos militares”, diz, linkando a explicação para “marechal” na Wikipedia.

Declarou também ter modificado a legenda que utilizou no Facebook ao compartilhar o link. Antes do contato, questionava “sabia que marechais são nomeados em tempos de guerra?”. Depois, a legenda passou a ser outra pergunta: “Eai (sic), o que acharam?”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal, pandemia e eleições que tenham atingido alto grau de viralização. Conforme a ferramenta Crowdtangle, o conteúdo aqui verificado, que envolve o nome do presidenciável Jair Bolsonaro, teve 21.526 interações no Facebook.

Bolsonaro tem criticado frequentemente o sistema eleitoral brasileiro e feito recorrentes ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF). No âmbito militar, tem se aproximado de atividades junto às Forças Armadas. Nesta semana, assistiu à demonstração de manobras táticas da Operação Formosa 2021, que contou com a participação das três forças, e seis dias antes de um desfile do comboio com veículos blindados e armamentos da Marinha, no Planalto.

Desta forma, a aparição do cargo de marechal junto aos nomes dos militares acendeu o alerta de que estes estariam sendo promovidos em preparação para uma guerra, o que não é o caso, já que a nomeação se dá apenas para fins de remuneração. Conteúdos enganosos e falsos sobre o assunto deslegitimam o debate acerca das ações do presidente.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2021-08-13

Vídeo de veículos militares tombados é retirado de contexto para desqualificar desfile da Marinha em Brasília

  • Falso
Falso
Post no Instagram usa um vídeo de 2018, de um guincho tombado ao socorrer blindado do Exército, para fazer crer que o acidente ocorreu em 10 de agosto deste ano, quando houve desfile de tanques em Brasília.
  • Conteúdo verificado: Vídeo mostra um blindado do Exército sendo socorrido por um guincho e, em seguida, o veículo de socorro tomba. Na legenda do post viral, está a descrição: “Este é o exército do capetão Bolsonaro a caminho do desfile para pressionar a aprovação do voto impresso hoje”, dando a entender que se trata de uma gravação feita no último dia 10 de agosto, quando houve um desfile de blindados em Brasília.

É falso o conteúdo de uma postagem viral no Instagram que apresenta um vídeo de um blindado do Exército tombado à margem de uma rodovia e um outro veículo militar que, ao socorrê-lo, também vira. No texto que acompanha a imagem, o autor afirma que se trata do “Exército do capetão Bolsonaro a caminho do desfile para pressionar a aprovação do voto impresso.”

O desfile de blindados e a votação mencionados no post ocorreram na terça-feira (10), porém, o acidente com o veículo militar foi registrado três anos antes, em 2018, numa estrada de Bela Vista, em Mato Grosso do Sul, como mostra reportagem do G1.

O Exército e o perfil que divulgou o vídeo foram procurados, mas não se manifestaram até a publicação deste texto. O Comprova classificou o conteúdo como falso porque se trata de teor inventado para disseminar uma mentira.

Como verificamos?

Como o conteúdo verificado apresenta um vídeo, o primeiro passo foi conferir se a imagem já havia sido publicada anteriormente. Para tanto, o Comprova fez uma pesquisa reversa pelo Google Imagens e também usando a ferramenta TinEye. Os dois recursos levaram a páginas que já haviam divulgado o vídeo, algumas delas em 2018, e, portanto, antes do desfile de blindados registrado esta semana em Brasília.

Na pesquisa sobre o assunto, a reportagem chegou a outra verificação relacionada ao vídeo, feita pelo G1, que também classificou o conteúdo como falso.

O Exército foi consultado sobre o episódio, mas não respondeu aos contatos da reportagem, por e-mail e telefone. A reportagem também enviou mensagem privada via Instagram para o perfil @esquerdavalente, que publicou o conteúdo aqui verificado, mas não obteve retorno.

Verificação

O acidente

O vídeo apresentado na postagem é de um acidente registrado em 13 de agosto de 2018 na rodovia MS-384, em Bela Vista, no Mato Grosso do Sul. Reportagem da época feita pelo G1 aponta que dois veículos militares se envolveram na ocorrência. O primeiro tombou na estrada e um guincho foi acionado para desvirar a viatura, mas acabou tombando também.

Segundo o site da Globo, os dois veículos eram do 10° Regimento de Cavalaria Blindada e “um militar teve ferimentos leves e recebeu atendimento médico de imediato”.

O desfile

Embora também integrante das Forças Armadas, o Exército não promoveu o desfile com blindados da última terça-feira (10), mas, sim, a Marinha. A parada militar ainda apresentou armamentos e foi realizada na Esplanada dos Ministérios, com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acompanhando o evento da rampa do Palácio do Planalto.

Não há registro de que algum veículo tenha se envolvido em acidente a caminho ou na saída da apresentação, como sugere o conteúdo verificado.

O desfile militar foi bastante criticado por opositores do governo, que viram na manifestação uma tentativa de intimidação, sobretudo porque foi realizado na mesma data em que a Câmara Federal apreciou a PEC do voto impresso, uma proposta de emenda constitucional defendida pelo presidente, que previa a impressão de cédulas que pudessem ser conferidas pelo eleitor, independentemente do meio empregado para o registro dos votos.

Voto impresso

A PEC do voto impresso já havia sido rejeitada por comissão especial na Câmara, mas, na última terça-feira, foi levada a plenário para apreciação de todos os parlamentares. Como se tratava de emenda constitucional, precisaria dos votos de ⅗ dos 513 deputados para ser aprovada, ou seja, pelo menos 308 a favor.

Contudo, a proposta defendida por Bolsonaro não obteve a votação necessária e foi arquivada, impondo uma derrota política ao presidente. Após o resultado, ele voltou a criticar o sistema eleitoral brasileiro e a lançar dúvidas sobre a segurança da urna eletrônica.

Bolsonaro e seus seguidores constantemente atacam as instituições, como a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal (STF), e o presidente ainda usa boatos para alegar fraude nas urnas e até para ameaçar a realização das eleições em 2022. Essa conduta o colocou no centro de investigações da Justiça sobre fake news.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal, eleições e pandemia que tenham atingido alto grau de viralização. O conteúdo verificado aqui foi visualizado mais de 11,4 mil vezes no Instagram até 13 de agosto.

Bolsonaro tem feito manifestações que são consideradas golpistas por opositores e entidades, como a insistência em criticar o sistema eleitoral brasileiro. O desfile militar desta semana foi visto como mais uma tentativa de pressionar outros poderes e politizar o Exército. Conteúdos falsos sobre o ocorrido, entretanto, deslegitimam o debate acerca dos movimentos do presidente.

O conteúdo também foi verificado pela plataforma Fato ou Fake, do G1 e, recentemente, o Comprova verificou outros conteúdos envolvendo o voto impresso, como o que enganava ao afirmar que a opção já é lei e o que afirmava, também de forma enganosa, que o resultado de uma enquete sobre o pleito em papel reflete a opinião da sociedade.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2021-08-03

Vídeo engana ao atribuir obra no RN apenas à gestão de Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
São enganosas as afirmações feitas por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em um vídeo publicado no TikTok sobre obras executadas na Reta Tabajara, trecho da Rodovia BR-304, no Rio Grande do Norte. Ele parabeniza a gestão e afirma que governos anteriores nada fizeram no local. A obra, entretanto, teve início na administração de Dilma Rousseff (PT) e continuou no governo de Michel Temer (MDB). Ele ainda faz comparação infundada sobre pavimentos usados nas obras atuais e nas anteriores. Conteúdo semelhante foi compartilhado no Twitter.
  • Conteúdo verificado: Apoiador do governo federal, em vídeo gravado no que seria a Reta Tabajara, na BR-304, no Rio Grande do Norte, elogia uma obra e afirma que “o governo do PT, os governos anteriores, não fizeram nada, só prometeram e não arrumaram nada”. Ele mostra uma estrutura de concreto e elogia o atual ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e o presidente Jair Bolsonaro.

As obras de duplicação e outros serviços na Reta Tabajara, entre os quilômetros 281 e 308 da Rodovia BR-304, na zona metropolitana de Natal (RN), não são fruto apenas da gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do atual ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, conforme afirma apoiador do governo federal em vídeo publicado no TikTok e no Twitter.

Os serviços foram iniciados ainda em 2014, no governo de Dilma Rousseff (PT), e ocorreram também durante a gestão Michel Temer (MDB). As obras se arrastam há sete anos e chegaram a ser paralisadas totalmente por quatro meses pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e tendo liberação parcial por quase dois anos até retornar à execução realizada atualmente.

Na publicação, o apoiador também elogia a obra, comparando a estrutura de concreto “mais grossa”, que atribui ao atual governo, ao asfalto do lado, ao qual atribui pior qualidade por ter sido feito por gestões anteriores.

Não foi possível provar de qual governo é cada estrutura porque o Comprova não localizou o ponto exato onde o vídeo foi gravado, contudo, também não se pode afirmar qual pavimento é o mais adequado apenas visualmente. A escolha, inclusive, deve levar em conta tipos de solo, situações climáticas, carga e custos.

A reportagem procurou o responsável pelas publicações, mas não obteve retorno.

Como verificamos?

Como se trata de uma obra em rodovia federal, o ponto de partida foi entrar em contato com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) – órgão responsável por intervenções nessas vias – para saber o que foi executado no trecho citado na verificação, o período de realização e os valores aplicados.

O Comprova também pesquisou conteúdos publicados em sites do governo e na imprensa sobre a rodovia, e constatou que a obra foi iniciada no governo Dilma. A informação foi confirmada por meio de consulta ao Painel do Orçamento Federal.

A reportagem tentou identificar o ponto exato da gravação, utilizando de forma combinada as ferramentas InVid e Google Street View, o que não foi possível devido aos ângulos fechados do vídeo e à paisagem com características uniformes ao longo do trecho. Além disso, as imagens captadas pelo serviço do Google são de 2019.

Foram consultadas as engenheiras civis Lidiane Santana Silveira e Fernanda Gadler para falar sobre o material utilizado na pavimentação e explicar a diferença dos pavimentos adotados nas obras da BR-304. A mesma demanda foi solicitada à Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP). Por fim, a equipe fez contato com o autor da postagem, por mensagem enviada no Instagram, uma vez que não havia canal de comunicação aberto nas redes que usou para divulgar o conteúdo verificado. Ele não respondeu até a publicação da verificação.

Verificação

Governos anteriores realizaram obras na Reta Tabajara

O DNIT informou ao Comprova que as obras no trecho conhecido como Reta Tabajara, entre os quilômetros 281 e 308 da BR-304, foram iniciadas em fevereiro de 2014, no governo Dilma, e compreendem terraplenagem, soluções especiais de aterro, drenagem, pavimentação rígida e flexível, restauração de revestimento asfáltico, sinalização vertical e horizontal, obras de arte correntes, obras de arte especiais, obras complementares, iluminação pública, desapropriação e um novo posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

O órgão afirma que desde quando foram iniciadas existiram “impedimentos construtivos e outros fatores que impediram o bom andamento das obras”, acrescentando ter ocorrido paralisação dos serviços e, consequentemente, a rescisão do contrato da primeira construtora, em dezembro de 2015.

A obra foi retomada em janeiro de 2016, ainda no governo petista, desta vez com a segunda colocada na licitação. De acordo com o DNIT, pouco mais de um ano depois, em abril de 2017, quando Michel Temer era o presidente, os serviços foram novamente suspensos por determinação do TCU, fundamentado por indícios de irregularidades constatados em relatório de auditoria.

Na época, o órgão identificou a apresentação de projeto executivo deficiente, com adoção de pavimento rígido em área de solo mole e utilização de base de brita de custo elevado. O DNIT explica que, em junho de 2019, no governo Bolsonaro, foi aprovada a 2º Revisão de Projetos em Fase de Obras (RPFO) e os serviços suspensos foram liberados para execução, permanecendo as atividades até a presente data.

O departamento informou que a execução da obra é da ordem de 47,67% até o momento. A vigência do contrato é até março de 2022 e o custo da obra atualmente está em R$160,5 milhões, somando os valores pagos às duas empresas que atuaram. A previsão até a entrega é de aplicação de R$ 349 milhões.

Publicações na página do DNIT e na imprensa também comprovam que o trecho recebe obras desde o governo de Dilma, passando pelo governo Temer e tendo continuidade no governo Bolsonaro.

Uma consulta do Comprova ao Painel do Orçamento Federal demonstra que desde 2014 a adequação do trecho rodoviário da BR-304 recebe recursos. Nos últimos sete anos foram empenhados R$ 413.576.446 para as obras, conforme o sistema.

Comparação entre pavimentos é inadequada

No vídeo, o rapaz diz “olha o tamanho desse concreto, irmão” e “olha a grossura disso aqui”, comparando com o outro pavimento por onde os carros passam: “olha a diferença do asfalto aqui, construído na época dos outros governos”.

De acordo com Lidiane Santana Silveira, engenheira civil e pesquisadora colaboradora na Escola Politécnica da USP, a estrutura a que ele se refere no vídeo, elogiando e dizendo ser “mais grossa”, é um tipo de pavimento chamado de pavimento rígido em concreto armado. Já o que ele insinua ser de menor qualidade e construído nos governos anteriores é o pavimento flexível feito com asfalto. Entretanto, o edital de licitação para a contratação de empresas para a execução das obras na Reta Tabajara já previa, em 2013, no governo de Dilma Rousseff, a construção do pavimento rígido em placa de concreto de cimento portland.

A engenheira explicou ao Comprova que o pavimento flexível é o tipo mais comum executado no Brasil e utiliza material asfáltico/betuminoso na camada de revestimento, sendo composto por uma mistura de ligante asfáltico e agregados.

Já o pavimento rígido, menos usado no Brasil por ter um custo maior, utiliza concreto como revestimento, sendo que este concreto pode ser armado (conter armações feitas de barras de aço – vergalhões) ou não (concreto simples ou com outro tipo de reforço, como fibras). “A espessura da camada de revestimento irá depender do dimensionamento do projeto, da carga que será recebida”, explica.

Um documento da CNT (Confederação Nacional de Transporte) traz a informação de que 99% da malha rodoviária brasileira pavimentada é de pavimento flexível. A imagem abaixo traz uma ilustração da diferença entre os dois:

 

Lidiane ressalta que a insinuação feita no vídeo sobre a qualidade do asfalto não leva em conta as características desse tipo de pavimento. “A decisão sobre qual tipo de pavimento deverá ser projetado e executado depende de uma série de fatores, como custo, vida útil, manutenção e tráfego”, afirma.

Uma apresentação feita em um evento realizado pelo Instituto Brasileiro do Concreto (Ibracon) traz um estudo comparativo entre os pavimentos. A conclusão é de que “os dois tipos de pavimentos atendem às características de segurança, de conforto e de economia (manutenção, operação e segurança)” e “num país tão grande e com condições adversas, como os diferentes tipos de solo e situações climáticas, além de cargas que passam pelas estradas de formas diferentes, é muito difícil dar uma única solução”.

Fernanda Gadler, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP e mestre em Engenharia de Construção Civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), aponta que comparar uma estrutura de pavimento flexível e uma rígida sem saber dados importantes e particularidades do projeto, como período de projeto, carga a que o pavimento estará submetido, local de aplicação — principalmente no que diz respeito à necessidade e facilidade de manutenção periódica — e até mesmo de limitações orçamentárias, pode gerar conclusões equivocadas.

“Além disso, como não sabemos as espessuras de cada uma das estruturas, essa comparação se torna ainda mais inadequada. O pavimento flexível e o pavimento rígido são duas estruturas muito diferentes, que possuem vantagens e desvantagens, e a adoção de um ou de outro deve levar em conta muitos fatores como necessidade de manutenção, período de projeto, tipo de carga solicitante, investimento inicial disponível, entre outros”, reforça.

Segundo ela, o pavimento de concreto, por exemplo, suporta maiores solicitações de carga sem se deformar, tem maior vida útil com menor necessidade de manutenção periódica, além de boa refletividade devido à cor clara, minimizando a formação de ilhas de calor urbano. No entanto, esse tipo de pavimento tem um custo inicial muito superior ao do pavimento asfáltico e também necessita de uma mão de obra especializada para aplicação.

Sendo assim, ele é indicado para locais onde essas vantagens sejam primordiais, como em vias com altas solicitações de carga de tráfego, em corredores de ônibus — onde as deformações são excessivas — e em praças de pedágio, onde a necessidade de maior frequência de manutenções periódicas, mais comuns no pavimento flexível, pode trazer problemas para a concessionária, como longas filas e prejuízo financeiro.

Fernanda explica que, no caso do pavimento asfáltico, a flexibilidade traz vantagens, além da facilidade de aplicação e do custo inferior. O revestimento asfáltico permite muitas combinações com outros materiais, como borracha de pneus moídos, polímeros e até a reutilização do próprio material fresado das pistas, o que torna esse tipo de material muito versátil.

“A decisão do projetista em adotar uma solução ou outra deve levar em conta muitos fatores e particularidades da obra em questão, sendo que existem aplicações mais apropriadas para pavimento rígido e outras onde o pavimento flexível é mais adequado”, completa.

A ABCP disse ao Comprova que o Brasil possui 6,8 mil quilômetros de vias pavimentadas com concreto, sendo que sua presença duplicou na última década, passando de 2% para 4% da malha viária brasileira. ”No que diz respeito ao pavimento de concreto, houve um barateamento relativo de custos das matérias-primas. Os preços do cimento e do concreto, ao contrário do preço do asfalto, são formados em mercados com maior nível de concorrência entre fabricantes. No caso do cimento, o preço também sofre alguma influência dos preços externos, visto que é possível a importação do produto em grandes lotes”, afirmou por meio de nota.

Segundo a Associação, entre 2007 e 2014, houve um crescimento nos preços do cimento e do concreto em torno de 6% ao ano. No entanto, as quedas de demanda observadas a partir de 2014 levaram a uma acomodação dos preços.

Quem é o autor do vídeo?

Maicon Sulivan é um ativista de direita que nas redes sociais se diz cristão, evangelista, armamentista e “anti-mimimi”. Além disso, se identifica como “Black Power do Bolsonaro”, fazendo menção ao episódio pelo qual o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizaram ação civil pública contra a União e contra o presidente por prática de racismo.

Em 6 de maio, durante uma conversa do presidente com simpatizantes na saída do Palácio do Planalto, ele cumprimenta o apoiador chamando-o de “cabeludo” e fala sobre “piolho” e “barata”, referindo-se ao cabelo black power do homem, que não aparece no vídeo. No mesmo dia, Maicon publicou vídeo no Instagram defendendo o presidente, afirmando se tratar de brincadeira e que processaria uma emissora de televisão por reportagem apontando racismo.

Pouco mais de dois meses depois, em 8 de julho, Bolsonaro convidou Maicon para participar de uma transmissão nas redes sociais. Na ocasião, negou ter sido racista e voltou a associar o cabelo de Maicon a um criadouro de baratas, além de dizer que ele possui piolhos. O presidente declarou se tratar de brincadeira e o apoiador negou ter se sentido ofendido pelo comentário.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas e pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. Em julho de 2021, os participantes decidiram também iniciar a verificação da desinformação envolvendo possíveis candidatos à presidência da República. Desde então, o projeto tem monitorado nomes que vêm sendo incluídos em pesquisas dos principais institutos.

É o caso deste conteúdo, considerando que o autor cita Jair Bolsonaro, possível candidato à reeleição, e também refere-se a uma obra pública. E não é a primeira vez que o Comprova verifica publicações enganosas para exaltar o presidente, como o vídeo que ignorava que a transposição do rio São Francisco é obra de diversos governos; ou as postagens que fizeram comparações enganosas sobre o mesmo projeto de transposição; e ainda site que omite que pesquisa com vantagem de Bolsonaro foi feita apenas em Santa Catarina.

O conteúdo verificado teve mais de 5,4 mil curtidas no Twitter e pelo menos 866 retuítes até o dia 3 de agosto e, no TikTok, outras 602 curtidas.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2021-07-30

É falso que Italo Ferreira tenha pedido prisão de Lula na entrega da medalha em Tóquio

  • Falso
Falso
É falso que o surfista brasileiro Italo Ferreira, medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio, tenha pedido a prisão do ex-presidente Lula (PT) em uma entrevista ao The New York Times. A assessoria do atleta negou qualquer fala nesse sentido, e o jornal americano não publicou nenhuma matéria com essa declaração.
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook tem foto do surfista Italo Ferreira e a inscrição “Fico feliz pela medalha mais (sic) fico triste pela corrupção em nosso país. Meu maior prêmio seria ver Lula na cadeia”. Segundo o post, a declaração teria sido dada ao jornal The New York Times.

É falso que o surfista Italo Ferreira, campeão olímpico nos Jogos de Tóquio, tenha pedido a prisão do ex-presidente Lula (PT) em uma entrevista ao jornal The New York Times.

Uma postagem no Facebook, com a foto do medalhista de ouro, atribui a ele uma declaração falsa, que menciona a corrupção no Brasil e o petista, dizendo que a prisão de Lula seria um “prêmio” maior do que a conquista olímpica.

O Comprova procurou a assessoria do atleta, que disse que a frase não foi dita por Italo e que nenhuma publicação do tipo foi feita pelo jornal norte-americano.

O The New York Times mencionou a vitória do surfista em duas matérias publicadas no site, mas nenhuma delas trata de qualquer posicionamento político dele.

Na comemoração da vitória, o surfista fez um símbolo com uma das mãos, que foi entendido por alguns usuários do Twitter como um “L”, em homenagem ao ex-presidente petista. A assessoria de Italo, porém, disse ao Comprova que se trata do número 1.

Nós entramos em contato com o autor da postagem falsa, mas não tivemos resposta até a publicação desta checagem.

Como verificamos?

Primeiramente, entramos em contato com a IF15 Sports, descrita na conta oficial do atleta no Twitter como “o canal oficial do campeão Italo Ferreira”. Tivemos resposta por e-mail.

Buscamos, no Google, pelas palavras-chave “New York Times” e “Italo Ferreira”, e encontramos, além de outras verificações sobre o tema, duas reportagens do jornal americano que mencionam o campeão brasileiro. Procuramos também por entrevistas concedidas por Italo a outros veículos, após a conquista da medalha de ouro.

Por fim, buscamos, no Twitter e outras redes sociais, postagens que relacionam o medalhista olímpico ao ex-presidente Lula, ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ou a qualquer outra declaração de cunho político-partidário.

O Comprova ainda entrou em contato com o responsável pela postagem no Facebook, mas não recebeu resposta.

Verificação

Declarações após o título

A assessoria de Italo negou que ele tenha feito qualquer declaração sobre corrupção ou o ex-presidente Lula em entrevista ao The New York Times. “Trata-se de fake news. O atleta não deu essa declaração e nem o NYT fez a publicação”, afirmou

Nas reportagens e vídeos de veículos brasileiros, publicados após a conquista do ouro olímpico, há menção a uma entrevista coletiva e a outras conversas que o atleta teve com jornalistas, mas nenhuma delas menciona qualquer declaração política feita pelo surfista.

Italo Ferreira no NYT

Desde o início das Olimpíadas, há duas matérias do jornal americano The New York Times que citam Italo, ambas publicadas no dia 27 de julho, data da vitória do potiguar no surfe.

A primeira é assinada pelo jornalista John Branch, que reporta as medalhas de ouro de Italo e da americana Carissa Moore. Nela, só há uma fala do surfista brasileiro: “For me, that was a long day. But it was a dream come true.” (“Para mim, foi um dia longo. Mas um sonho virando realidade”, em tradução livre). A publicação americana deu muito mais destaque ao japonês nascido nos Estados Unidos, Kanoa Igarashi, que levou a prata.

A outra matéria em que Italo é citado consiste apenas em um resumo do que aconteceu de mais importante naquele dia nos jogos olímpicos. Não há falas do atleta, apenas a notícia de seu ouro. Nenhuma das duas publicações faz referência a posicionamentos políticos do surfista.

Símbolo em comemoração

No dia da conquista da medalha de ouro, Italo saiu da água, após a prova final, e fez um sinal com a mão, que foi interpretado por várias pessoas na internet como um “L”. A assessoria do atleta, porém, disse ao Comprova que não foi isso. “Ele não fez um L. E sim um sinal de número 1, de comemoração”, afirma.

Foto: Miriam Jeske/COB
Italo Ferreira. Foto: Miriam Jeske/COB

O símbolo do “L”, também é usado por torcedores do Vasco da Gama, em homenagem ao atacante Germán Cano. O jogador costuma comemorar os gols dessa forma, em homenagem ao filho, Lorenzo. O Vasco, inclusive, parabenizou Italo pela conquista da medalha, no Twitter, mencionando a forma de comemoração.

No Twitter de Italo não há qualquer postagem que mencione o ex-presidente Lula ou o presidente Bolsonaro, mas há um tuíte, de janeiro, que relaciona a corrupção nos estados brasileiros à pandemia do novo coronavírus – em discurso parecido com o adotado pelo atual chefe do executivo: “Corrupção nos estados, (sic) mata mais que qualquer vírus. Triste realidade”. 

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições e pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. Em julho de 2021, os participantes decidiram também iniciar a verificação da desinformação envolvendo possíveis candidatos à presidência da República. Desde então, o projeto tem monitorado nomes que vêm sendo incluídos em pesquisas dos principais institutos.

É o caso deste conteúdo, que alega que um atleta campeão olímpico teria se posicionado contra o pré-candidato Lula em meio à realização dos Jogos Olímpicos, que recebem a atenção dos brasileiros no momento. O Comprova já checou outras publicações nesse mesmo sentido, como uma postagem falsa que afirmava que a trilha sonora usada por Rebeca Andrade, ginasta medalhista de prata, era uma homenagem a Bolsonaro; e o tuíte enganoso que dizia que o presidente vai acabar com o programa Bolsa-Atleta.

A postagem soma quase 10 mil curtidas e 2,7 mil compartilhamentos até 30 de julho apenas no Facebook. Também verificaram o conteúdo as publicações Aos Fatos, Lupa, Boatos.org e E-Farsas.

Falso, para o Comprova, é conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2021-07-29

É enganoso o tuíte que acusa Bolsonaro de acabar com o Bolsa Atleta

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa postagem que aponta para o fim do programa Bolsa Atleta no governo Bolsonaro em 2020. No ano passado, não foi lançado edital para seleção de novos atletas para receber o benefício – segundo o governo, por conta da pandemia –, mas o programa está vigente. Tanto que a mesma postagem afirma, corretamente, que 80% dos atletas na Olimpíada usufruíram da bolsa criada na gestão de Lula.
  • Conteúdo verificado: Post publicado no Twitter afirma que o governo Bolsonaro acabou com o Bolsa Atleta e que a maioria dos atletas que estão em Tóquio usufruíram do programa.

É enganosa a postagem sugerindo que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) acabou com o Bolsa Atleta, um programa de apoio à prática esportiva de alto rendimento. No ano passado, não foi lançado o edital para seleção de novos atletas para receber o benefício, porém o auxílio não deixou de existir para quem já havia sido selecionado no programa de 2019. Segundo o governo federal, a decisão de não lançar edital em 2020 se deu por conta da pandemia e da suspensão de campeonatos em decorrência da covid-19.

No mesmo post publicado no Twitter, o autor ressalta, de maneira correta, que 80% dos atletas que participam das Olimpíadas de Tóquio são beneficiados pelo programa, criado em 2004, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era o presidente.

O benefício alcança hoje 7.531 atletas em seis categorias, segundo o Ministério da Cidadania, ao qual está vinculada a Secretaria Especial do Esporte e, portanto, o Bolsa Atleta. Do grupo de 302 esportistas convocados para os Jogos Olímpicos no Japão, 242 (80%) são atendidos atualmente pelo programa.

O atual orçamento para o programa é de R$ 145,2 milhões e contempla 7.531 atletas. Dados obtidos através da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo Estadão revelam uma redução de 17% no orçamento total do ciclo olímpico (2017/2021).

A informação sobre o suposto encerramento do Bolsa Atleta por Bolsonaro foi publicada pela primeira vez pelo perfil @ThiagoResiste no Twitter. A reportagem o procurou, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

Para saber se o Bolsa Atleta havia acabado, o Comprova fez pesquisas em sites do governo federal e logo foi possível constatar, na página do Ministério da Cidadania, que o programa está ativo.

Também pesquisamos publicações sobre o assunto e descobrimos que, em 2020, o governo não lançou edital para seleção de novos atletas, justificando a medida com a pandemia da covid-19.

Foram consultados dados orçamentários sobre o programa, disponíveis publicamente no Siga Brasil (na ação orçamentária 09HW – Concessão de Bolsa a Atletas) e também publicados pelo Estadão.

Entramos em contato com o Ministério da Cidadania, por e-mail, para saber se o programa havia passado por reformulações no governo Bolsonaro, se houve cortes e por que não havia sido lançado o edital no ano passado.

Para a checagem, ainda foi feito contato, por e-mail, com o Comitê Olímpico Brasileiro (COB). O autor do tuíte também foi procurado, em mensagem direta no Twitter, mas não se manifestou.

Verificação

O Bolsa Atleta é um programa, na definição do Ministério da Cidadania, que visa garantir a manutenção pessoal aos atletas de alto rendimento que não têm patrocínio.

O programa é dividido em seis categorias: Atleta de Base (R$ 370); Estudantil (R$ 370); Nacional (R$ 925); Internacional (R$ 1.850); Olímpico/Paralímpico (R$ 3.100) e Pódio (R$ 5 mil a R$ 15 mil). Os valores pagos são mensais.

Para as cinco primeiras, a seleção é feita por chamada pública e é preciso atender a uma série de pré-requisitos, como idade e vinculação a entidade desportiva.

O Ministério da Cidadania aponta que na categoria Pódio, a mais alta do programa, são apoiados os atletas que estão entre os 20 primeiros do ranking mundial de sua modalidade ou prova específica e que atendam aos critérios estabelecidos pela legislação. “Os atletas elegíveis nessa categoria de bolsa são avaliados por um grupo de trabalho composto por representantes da Secretaria Especial do Esporte, das Entidades Nacionais de Administração do Desporto e dos Comitês Olímpico e Paralímpico”, afirma o órgão federal, em nota.

Suspensão do edital

O autor da postagem no Twitter afirma que o governo federal acabou com o Bolsa Atleta em 2020. No ano passado, entretanto, houve a suspensão do edital do programa. O lançamento foi adiado para 2021, segundo o Ministério da Cidadania, devido ao período de excepcionalidade imposto pela pandemia da covid-19.

O órgão federal assegura que não houve interrupção do pagamento do benefício aos atletas que haviam sido contemplados no edital de 2019. Entre os desportistas da categoria Pódio, houve renovação automática dos 274 que continuaram atendendo aos critérios para receber a bolsa.

Em janeiro deste ano, foi lançado o edital para seleção de esportistas para o Bolsa Atleta e, em maio, publicada a lista com os contemplados nas cinco categorias da chamada pública.

O COB foi questionado sobre a execução do programa, mas, em e-mail da assessoria de comunicação, informou que não tem porta-voz para falar do assunto.

Redução da verba

O atual orçamento para o programa é de R$ 145,2 milhões e contempla 7.531 atletas, dos quais 334 são da categoria Pódio. Apesar de o governo não admitir cortes e afirmar que o valor é o maior desde 2014, dados obtidos através da Lei de Acesso à Informação (LAI) do Ministério da Cidadania pelo Estadão revelam uma redução de 17% no orçamento total do ciclo olímpico (2017/2021) – maior parte do período sob a gestão de Jair Bolsonaro na presidência.

Conforme os dados disponibilizados pela LAI, o ciclo olímpico de Tóquio – com um ano a mais devido ao adiamento dos jogos – teve R$ 530,4 milhões destinados ao programa, enquanto o ciclo do Rio recebeu R$ 641,1 milhões.

Segundo dados do Siga Brasil – ferramenta do Senado para análise do Orçamento Federal –, o governo Bolsonaro desembolsou, em média, R$ 124,1 milhões por ano entre 2019 e 2020 com o pagamento de bolsas a atletas, em números já atualizados pela inflação. O valor é 5,4% superior à média registrada entre 2016 e 2018, durante o governo de Michel Temer.

Atletas em Tóquio

Entre os 302 atletas convocados para a Olimpíada, 242 integram o Bolsa Atleta. Nos Jogos Paralímpicos, 222 dos 232 convocados são contemplados pelo programa.

O governo federal mantém uma página na internet para divulgação do desempenho dos brasileiros nas competições.

Até o dia 28 de julho, dos cinco primeiros medalhistas no Brasil, apenas a skatista Rayssa Leal não é beneficiada – ela não tem a idade mínima, de 14 anos, para se candidatar ao programa.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições e pandemia que tenham atingido alto grau de viralização. Em julho de 2021, os participantes decidiram também iniciar a verificação da desinformação envolvendo possíveis candidatos à presidência da República. Desde então, o projeto tem monitorado nomes que vêm sendo incluídos em pesquisas dos principais institutos.

Nesta verificação, o nome de Jair Bolsonaro, que é provável candidato à reeleição, foi associado à suspensão de um programa federal, bastante em evidência no momento devido aos Jogos Olímpicos de Tóquio. O evento, inclusive, já foi pauta de outra checagem do Comprova ao relacionar falsamente a trilha sonora da ginasta Rebeca Andrade a uma homenagem ao presidente.

Somente no Twitter, até o dia 29 de julho, a postagem sobre o Bolsa Atleta já havia recebido 1,4 mil curtidas e outros 418 retuítes.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2021-07-27

É falso que trilha sonora da ginasta Rebeca Andrade na Olimpíada seja homenagem a Bolsonaro

  • Falso
Falso
São falsas postagens afirmando que a música utilizada pela ginasta Rebeca Andrade na classificatória da ginástica artística da Olimpíada de Tóquio, na modalidade solo, seja o “Funk do Bolsonaro”. Na verdade, a trilha mistura "Toccata and Fugue", de Johann Sebastian Bach, com "Baile de Favela", do MC João.
  • Conteúdo verificado: Postagens em site e em contas do Instagram e do YouTube afirmam que a ginasta olímpica Rebeca Andrade utilizou o “Funk do Bolsonaro”, uma paródia de “Baile de Favela”, como trilha para a apresentação.

É falso que a trilha sonora da apresentação da ginasta brasileira Rebeca Andrade durante os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, no Japão, seja uma homenagem ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), conforme afirmam postagens de apoiadores do presidente no Instagram, no YouTube e em um site.

A trilha sonora tem como base o funk “Baile de Favela”, composto por MC João, e não uma paródia feita em 2018, pelo MC Reaça, que ficou conhecida como “Funk de Bolsonaro”. Um vídeo com a paródia chegou a ser publicado no dia 11 de abril daquele ano no Facebook do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), um dos filhos do presidente.

Responsável por fazer a trilha usada pela atleta desde 2018, o músico Misael Passos Junior negou ao Comprova que haja motivação política na escolha da base. Ele também postou em sua conta oficial no Instagram o áudio completo da trilha e informou, na legenda, se tratar de uma mistura da música “Baile de Favela” com o compositor alemão Johann Sebastian Bach, cuja peça utilizada foi “Toccata and Fugue”.

Ao ser procurado pela reportagem, Misael disse desconhecer “qualquer motivação política na escolha das músicas”. “O foco sempre foi o resultado musical oferecer o que a atleta precisa para uma boa performance, nada mais”, falou por meio de mensagem no Instagram.

O responsável pelas relações públicas da atleta, Felipe Paulino, respondeu ao Comprova por e-mail que a música e a série de solo de Rebeca “fazem referência unicamente à cultura do funk brasileiro”.

Em entrevista após a classificação para três finais nos Jogos Olímpicos de Tóquio, Rebeca afirmou que a música tinha sido uma escolha do coreógrafo, Rhony Ferreira. Procurado, ele também negou politização da apresentação. “É um absurdo isso que as pessoas ficam falando, não tem nada a ver com Bolsonaro”. Em 2018, ela comentou sobre a escolha de “Baile de Favela” para a nova coreografia: “Vou botar os japoneses para dançar funk”. Ela também agradeceu em um post feito pelo compositor do funk, MC João, no qual ele afirma que a ginasta fez um baile de favela em Tóquio.

O Comprova procurou cinco contas que postaram o conteúdo falso, mas apenas o site Terra Notícias Brasil respondeu, afirmando ter mudado o título da postagem após o contato. Sustentou, ainda, que a música foi apresentada de forma instrumental, cabendo“ à atleta atestar para qual versão ela se apresentou”, e afirmou que “cada um interpreta a música como conhece”.

Atualização: Esta verificação foi atualizada em 3o de julho para incorporar uma resposta do coreógrafo Rhony Ferreira recebida após a primeira publicação.

Como verificamos?

Inicialmente, buscamos no Google pelo termo “Funk de Bolsonaro”. Os resultados levaram a vídeos em diversas plataformas de uma paródia feita pelo MC Reaça da música “Baile de Favela”, de autoria do MC João. A postagem mais antiga encontrada foi do dia 11 de abril de 2018, no Facebook do senador Flávio Bolsonaro.

Em seguida, procuramos por notícias que relacionassem a trilha sonora da apresentação da ginasta Rebeca Andrade nas Olimpíadas de Tóquio com a paródia, mas os resultados faziam referência direta à escolha pelo funk “Baile de Favela”, sem mencionar o presidente.

Algumas delas falavam sobre o fato de o autor da música, MC João, estar comemorando o funk nas Olimpíadas. Buscamos por postagens no Instagram oficial do artista e encontramos um vídeo da apresentação de Rebeca com uma legenda a parabenizando e exaltando o uso da música nos jogos, enquanto ela o agradece.

Uma publicação no site do jornal Lance! incluiu um vídeo de uma entrevista de Rebeca na qual ela afirmava que a escolha tinha sido feita pelo coreógrafo dela.

Então, passamos a pesquisar quem era o coreógrafo da atleta e chegamos ao nome de Rhony Ferreira. Em sua conta pessoal do Instagram, há duas postagens feitas no dia 25 de julho de 2021 (aqui e aqui), uma delas ao lado de Rebeca, na qual ele afirma que a atleta está fazendo história. Uma busca no feed do coreógrafo levou a uma postagem, também ao lado de Rebeca, no dia 7 de abril de 2018, em que ele afirma ter finalizado a nova coreografia dela.

Também acessamos os stories de Rhony, onde encontramos a repostagem de uma publicação do músico Misael Passos Junior, responsável pela trilha. Na legenda da postagem, Misael afirma que a trilha é uma mistura de (Johann Sebastian) Bach com “Baile de Favela”. Então, o procuramos por mensagem direta e ele disse não haver qualquer motivação política na escolha da música.

Procuramos, ainda, os responsáveis pela comunicação oficial de Rebeca Andrade, além dos autores das publicações que ligam a apresentação dela a Bolsonaro.

Verificação

Trilha é mistura de “Baile de Favela” com Johann Sebastian Bach

A apresentação de Rebeca nas Olimpíadas reacendeu a empolgação pela escolha da trilha sonora, baseada no funk “Baile de Favela”, do MC João. Mas esta não é necessariamente uma novidade, já que a coreografia foi montada em 2018, mesma época da escolha da trilha.

Em entrevista após a apresentação em Tóquio, Rebeca afirmou que o “Baile de Favela” foi uma surpresa do coreógrafo, Rhony Ferreira. Antes, em 2016, a ginasta se apresentava ao som de Beyoncé. “Ele chegou com essa música, no começo eu até estranhei um pouco, porque eu estava saindo da Beyoncé para ir para um funk, mas depois, gente… a música é a minha cara, né? Não tem como… é a cara do Brasil. Então, eu fiquei muito empolgada e depois eu comecei a amar a música”, disse. A entrevista em vídeo aparece numa matéria sobre a repercussão do uso da música, feita pelo Lance!.

Rebeca já fala sobre a escolha do funk desde 2018. No dia 7 de abril daquele ano, o coreógrafo Rhony Ferreira postou uma foto no Instagram ao lado da ginasta. Na legenda, dizia que havia acabado de finalizar a nova coreografia dela. Ele não fez menção ao nome da música. O Comprova o procurou, mas ele não respondeu até a publicação dessa verificação.

O Comprova o procurou pelo Instagram e, em áudio, o coreógrafo esclareceu que a música é Toccata and Fugue, de Bach, com Baile de Favela, além de classificar como absurdas e mentirosas as associações feitas com o presidente. “Não tem nada a ver com Bolsonaro, inclusive, quando eu descobri essa música, em 2016, eu nem conhecia o Bolsonaro, nem sabia quem era e que viria a ser presidente da República”, declarou.

Ele acrescenta ter escolhido a música pelo ritmo ao ver as pessoas a cantarem nas arquibancadas durante a Olimpíada do Rio, em 2016. “Não tem nada a ver com Bolsonaro e com partido político nenhum. É uma mentira e só escolhi a música pela música, pela batida, pelo ritmo, pela vibração que ela faz e porque combinava com Tocatta and Fugue, de Bach”.

Já o produtor e músico Misael Passos Junior, responsável pela trilha, confirmou ao Comprova que a trilha é mesmo do início de abril de 2018. Em novembro daquele ano, uma nota do jornal O Globo já trazia uma fala de Rebeca sobre o uso do funk e a expectativa de levá-lo à Olimpíada: “Vou botar os japoneses para dançar funk”, disse.

A trilha também foi usada no mês passado, no Pan-Americano de Ginástica, no Rio de Janeiro, onde Rebeca se classificou para a Olimpíada. No dia 8 de junho, a cantora Margareth Menezes fez um post no Instagram mencionando o uso do funk.

Sem motivação política

Misael Passos Junior foi questionado pelo Comprova se havia alguma motivação política ou homenagem a Bolsonaro. Em resposta, o músico afirmou que desconhece qualquer motivação política na escolha.

“Trabalhei no arranjo para a trilha da Rebeca sob a direção do coreógrafo Rhony e a diretora Angela Monteni. Desconheço qualquer motivação política na escolha das músicas. Ficamos muito tempo juntos em estúdio produzindo, pois trabalhamos juntos em trilhas para ginastas desde o Brasileirinho da Daiane dos Santos, e o foco sempre foi o resultado musical oferecer o que a atleta precisa para uma boa performance, nada mais”, escreveu.

Também questionado sobre uma eventual intenção de homenagear Bolsonaro, o responsável pelas relações públicas da atleta, Felipe Paulino, declarou por e-mail que a trilha e a série de Rebeca no solo da Olimpíada “fazem referência unicamente à cultura do funk brasileiro”.

Autor do funk comemorou

O autor de “Baile de Favela”, MC João, comemorou o fato de a música ter sido ouvida nos Jogos Olímpicos de Tóquio e parabenizou Rebeca Andrade. Ele postou em sua conta no Instagram um vídeo da apresentação da ginasta ao som de sua composição. “Parabéns pela conquista @rebecaandrade vc vem ostentando superação e hoje fez um baile de favela em tokio… Que apresentação foda só luz… pra mim você já é uma vencedora (sic)”, diz a legenda.

Nos comentários do post de MC João há um agradecimento de Rebeca: “Gratidão!”.

Quem disseminou o conteúdo falso?

O conteúdo falso começou a circular ainda no domingo, dia 25 de julho, quando a ginasta se classificou na prova. Na data, a conta bolsonaroraiz postou no Instagram vídeo da apresentação com uma inscrição sobre as imagens: “Bolsonaro capitão da reserva”.

A mesma montagem foi postada pelo deputado estadual Anderson Moraes (PSL-RJ), com a legenda “ginasta usa rap do Bolsonaro em competição! A esquerdalha vai a loucura, chora mais que tá pouco (sic)”, e pela página direita.conservadora.oficial, que já foi alvo de verificação anterior do Comprova. Esta página retornou o contato feito pelos verificadores, dizendo apenas “repórter de” e marcando outra conta do Instagram que também postou o conteúdo, dando a entender que compartilhou de lá.

Ainda no dia 25, mas no YouTube, o “Canal ponto de ignição” postou um vídeo no qual o responsável pela conta, Junior Almeida, diz que a trilha utilizada por Rebeca Andrade parece ser o som utilizado na paródia a favor de Bolsonaro. Em seguida, ele toca a paródia.

Na segunda-feira, dia 26, a conta bolsonaroraiz voltou a tratar do assunto, postando vídeo da apresentação da ginasta afirmando que ela dançou ao som da música que ficou conhecida como “Funk de Bolsonaro”. O vídeo tem uma inscrição na qual se lê “ginasta brasileira se apresenta com música de apoio a bolsonaro e TV Globo é obrigada a transmitir”.

No mesmo dia, o site “Terra Notícias Brasil”, que também já foi alvo de verificações anteriores, publicou texto sustentando a mesma afirmação: “A música em questão é a versão pró-Bolsonaro que fez enorme sucesso durante as eleições de 2018, feita como paródia à canção ‘Baile de Favela’”, afirma o texto.

Até o Comprova entrar em contato com o site, o título afirmava que a ginasta brasileira se apresentou com música de apoio a Bolsonaro. A chamada, entretanto, foi modificada.

Em resposta à reportagem, o responsável pela publicação, que não se identificou, afirmou acreditar que o título tenha sido o único equívoco, alegando ter informado no corpo tratar-se de uma paródia. Sustentou, ainda, que a música foi apresentada de forma apenas instrumental e que “cabe à atleta atestar para qual versão ela se apresentou”, acrescentando que “cada um interpreta a música como conhece”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições e pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. Em julho de 2021, os participantes decidiram também iniciar a verificação da desinformação envolvendo possíveis candidatos à presidência da República. Desde então, o projeto tem monitorado nomes que vêm sendo incluídos em pesquisas dos principais institutos.

O conteúdo em questão foi compartilhado no momento em que a atenção dos brasileiros está voltada para a Olimpíada e envolve uma atleta de destaque na modalidade em que compete. A associação da ginasta ao presidente pode induzir as pessoas a crerem que ela está se posicionando a favor do atual governo ou que a apresentação tenha motivação política.

Apenas no Instagram as postagens somaram 144.404 visualizações até 27 de julho, dois dias após a apresentação da ginasta. No YouTube foram mais 23.691. A partir do site, o conteúdo falso foi compartilhado também em contas do Facebook e do Twitter.

Falso, para o Comprova, é conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2021-07-23

Fragmento de arroz não é ‘resto’ e é vendido desde antes do governo Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
Os fragmentos de arroz são um subproduto apto para o consumo humano. Eles não são restos de comida e apresentam o mesmo valor nutricional que os grãos inteiros. Além disso, eles já eram comercializados antes do governo do presidente Jair Bolsonaro, e a marca que aparece na foto de uma das postagens não detectou nenhum aumento de produção ou vendas em 2020 ou 2021.
  • Conteúdo verificado: Posts no Instagram e Twitter mostram sacos de arroz com um rótulo indicando que são fragmentos de arroz. Os posts dizem que esses grãos quebrados seriam “restos de comida”, com “valor nutricional reduzido”, usados para “compor rações de animais e fazer farinha de arroz” e que teriam começado a ser comercializados no governo de Jair Bolsonaro com um preço maior, devido à “miséria” e “fome” do país.

Não é verdade que os “fragmentos de arroz” sejam restos de comida e tenham começado a ser vendidos nos supermercados recentemente, já durante o governo Bolsonaro, como sugerem alguns posts que viralizaram.

Esse subproduto do arroz, formado por grãos que quebraram durante a etapa de polimento e que são separados dos inteiros, está regulamentado como apropriado para o consumo humano desde a Instrução Normativa de 2009, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e tem valor nutricional similar ao do arroz inteiro, segundo especialistas ouvidos pelo Comprova.

Além disso, segundo a fabricante da marca que aparece na foto que acompanha um dos tuítes, Rampinelli Alimentos, os fragmentos são comercializados desde 2016 e indicados para receitas de sopas e caldos.

A empresa também afirmou que não foi percebido nenhum aumento recente no volume produzido de fragmentos de arroz no governo Bolsonaro e, portanto, nem no consumo.

O Comprova entrou em contato com os responsáveis pelas postagens, e um deles, @diogotapuio, nos respondeu, dizendo que o tuíte se refere ao aumento da fome e da pobreza no Brasil.

Como verificamos?

O Comprova consultou documentos oficiais do MAPA que regulamentam sobre o consumo humano de fragmentos de arroz e conversou com especialistas em alimentação e agricultura.

Fizemos contato também com a Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), para saber mais sobre a venda desse subproduto no país, com a Apas (Associação Paulista de Supermercados) e Abras ( Associação Brasileira de Supermercados).

Além disso, a equipe procurou a empresa Rampinelli – que aparece nas postagens em uma foto que mostra vários sacos de fragmentos comercializados pela marca.

Pelas redes sociais, fizemos contato com os responsáveis pelas postagens verificadas, mas só um deles nos respondeu.

Verificação

O que são fragmentos de arroz

Os conteúdos enganosos indicam que os fragmentos de arroz seriam “restos de comida”.

A Instrução Normativa 6/2009 do MAPA – que define o padrão oficial de classificação do arroz, com os requisitos de identidade e qualidade –, prevê a comercialização dos fragmentos de arroz.

Ele é definido como “o produto constituído de, no mínimo, 90% de grãos quebrados e quirera”, sendo que os grãos quebrados são “o pedaço de grão de arroz descascado e polido que apresentar comprimento inferior às (três quartas) partes do comprimento mínimo da classe que predomina e que ficar retido na peneira de furos circulares de 1,6 mm de diâmetro” e quirera (menor parte do grão quebrado) que é “o fragmento de arroz que vazar na peneira de furos circulares de 1,6 mm de diâmetro”.

Dessa forma, o fragmento de arroz beneficiado é classificado em 4 subgrupos – integral, polido, parboilizado integral e parboilizado polido – e nas 2 categorias: grão quebrado e quirera, como mostra a imagem abaixo, retirada do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal, do MAPA:

 

A pesquisadora em Ciência de Alimentos da Embrapa Arroz & Feijão Priscila Zaczuk Bassinello reforça que os fragmentos de arroz não podem ser considerados “restos” nem “sobras”. “Restos são alimentos que já não podem ser reaproveitados. Quando a gente fala de sobras limpas são os alimentos prontos que não foram distribuídos e dependendo da quantidade podem ser também uma forma de desperdício. Não é o caso de fragmentos de arroz”, explica.

Segundo ela, a ocorrência dos fragmentos é algo normal e ocorre sempre, já que o grão tende a quebrar no processo até chegar na embalagem que vai ao mercado. “Dependendo do tipo de amido que tem no grão ele pode ser mais frágil, depende do manejo, da genética da cultura. Então, essa quebra faz parte de grande parte dos cultivares que temos no mercado e sempre você tem uma porcentagem de quebra. Já se espera, pelo menos, de 30 a 40% de perda com grãos quebrados em qualquer cultivo”, explica.

Carlos Magri Ferreira, agrônomo e analista da Embrapa Arroz e Feijão, afirma que o fragmento de arroz é um subproduto e a origem dele pode ser em função da forma de cultivo, condições climáticas durante o ciclo da cultura, ação física no grão, problemas na secagem ou no beneficiamento. “O grão quebrado reduz o preço do arroz. Dessa forma, pesquisas na área são realizadas para reduzir o aparecimento deste”, explicou.

Os fragmentos são menos lucrativos para os produtores. Priscila afirma que a indústria que compra o arroz e vai empacotar paga o preço em função do rendimento industrial. “Quanto mais quebrados, menos eles pagam por aquele material. No mercado se define a porcentagem aceitável de grãos inteiros, eles falam em, no mínimo, 65% de inteiros do arroz.”

A Rampinelli Alimentos ressaltou que o produto vendido como “fragmento de arroz” é classificado pelo MAPA na categoria “quebrado”, tipo 1 – informações que estão na embalagem.

Segundo a Abiarroz, “a quantidade de fragmento de arroz produzida no Brasil não chega a 10% do total da produção (cerca de 1 milhão de toneladas)”.

Consumo humano

Os posts que estão viralizando indicam que os fragmentos de arroz seriam usados “para compor rações e fazer farinha de arroz” e estariam ligados à “miséria” e à “fome”.

Apesar de serem usados para ração animal e para fazer farinha de arroz, Priscila destaca que não dá para confundir fragmentos com aquilo que é abaixo do padrão e desclassificado para consumo humano.

“Não é apto para consumo humano quando o arroz está em mau estado de conservação, com presença de mofo, odor estranho ou com substâncias nocivas à saúde. Isso tudo não tem relação com o fato de eles serem quebrados. A quebra pode acontecer com qualquer um dos tipos, qualquer classe, porque isso depende de manejo pós-colheita. Não há problema nenhum em se comercializar e consumir um grão de arroz quebrado. Não é considerado um defeito”, explica.

Ferreira destaca que a preferência do consumidor é definida por questões sociais, religiosas, econômicas e culturais e que o brasileiro é exigente e, normalmente, não aceita comprar arroz quebrado. “O padrão médio desejado pelo consumidor brasileiro é pelo arroz longo fino, polido, que, após o cozimento, fique macio, seco e solto. A marca comercial e tipo 1 são fatores predominantes na decisão de compra. Talvez seja o produto que o brasileiro mostre-se mais exigente para servir seja para a família ou convidados”, explica.

Para Priscila, deve-se levar em consideração o mercado para o qual o arroz será vendido. Alguns países valorizam o arroz fragmentado, principalmente na África, em que já é hábito consumir os grãos quebrados. Segundo ela, países africanos têm receitas específicas para esse arroz. Em contraposição, outros mercados só toleram menos de 10% de teor de quebrados no pacote. “A preferência varia e a qualidade pode ser boa para alguns e ruim para outros, depende dos hábitos alimentares daquela cultura. Os fragmentos também podem ser misturados com porcentagens de arroz inteiro em alguns países que aceitam esse tipo de mistura, principalmente importadores de baixa renda”, afirma.

O arroz especial e os fragmentos de arroz representam cerca de 1% do consumo total da cultura no Brasil, segundo a Abiarroz. De acordo com a associação, a maior parte da produção brasileira desse tipo de grão é comercializada para países africanos, onde há o hábito de consumo do arroz quebrado.

Em resposta ao Comprova, a Rampinelli Alimentos disse que o produto chamado de “fragmento de arroz” é indicado para receitas de sopas, minestras e caldos e não é vendido para consumo animal. A empresa fabrica outro produto para a alimentação de cães, comercializado com o nome “Arroz Luppy”, que é feito à base de arroz.

Valor nutricional

Um dos conteúdos enganosos afirma que os fragmentos de arroz tem “valor nutricional reduzido”.

Segundo a nutricionista, professora da área de Tecnologia de Alimentos da Federal de Pernambuco (UFPE) e consultora da Associação Brasileira de Nutrição(Asbran), Viviane Lansky Xavier, os fragmentos de arroz têm o mesmo valor nutricional que os grãos inteiros, sendo que a diferença está na estrutura física.

Na entrevista ao Comprova, para exemplificar, ela disse que comparou os dados dos produtos da marca Rampinelli: o fragmento de arroz polido apresenta 80g de carboidratos e 6g de proteínas por 100g de produto. Já o arroz polido inteiro apresenta o mesmo teor de carboidratos (80g) e 6,6g de proteína por 100g de produto. Ou seja, a variação no teor de proteínas não chega nem a 1g por 100g de produto.

“Há pequenas variações nesses valores entre uma marca e outra, depende de como a empresa fez a informação nutricional que está no rótulo, mas, na comparação, não há tanta diferença assim. Temos que lembrar também que, quando pensamos numa alimentação saudável, o arroz está no grupo de alimentos energéticos, ou seja, aqueles que são as fontes de carboidratos. Quanto ao teor deste nutriente, não há diferença entre os produtos”, explica.

Ela ressalta que é hábito alimentar de se consumir o arroz inteiro, enquanto que o fragmento, historicamente, é destinado a alimentação animal, pois o valor comercial sempre foi menor. “A própria embalagem do fragmento de arroz geralmente indica a forma de consumo: ideal para sopas, canjas etc. É a mesma coisa do milho, tem o inteiro e o quebrado, chamado de quirera também, ou xerém. É usado na alimentação animal, mas também na alimentação humana”, afirma.

Priscila destaca que como o arroz só foi quebrado ele preserva a mesma constituição nutricional do grão que lhe deu origem, mudando apenas a estrutura física. “Ele preserva as mesmas propriedades nutritivas do arroz inteiro. O que pode alterar é a qualidade culinária, que pode tender a empapar mais do que o grão inteiro”, comenta.

Comercialização e governo Bolsonaro

Uma das postagens afirma que “no Brasil de 2021, fragmento de arroz é vendido nos mercados”, como se o produto nunca tivesse sido comercializado antes. A outra diz “eu não sei se vocês tem noção, mas fragmento de arroz não era comercializado”, e afirma que, antes desse ano, o quilo do produto custava R$1. Os dois tuítes são acompanhados de uma foto, que mostra o pacote de 5kg dos “fragmentos de arroz” da marca Rampinelli, sendo vendido a R$15,99 em um supermercado.

As afirmações não procedem. A norma do MAPA sobre a classificação desse subtipo de arroz é de 2009, como já mencionado. “Existe essa classificação normatizada no Ministério da Agricultura. Sempre existiu no Brasil e a classificação existe de longa data, desde a década de 80”, diz Priscila Zaczuk Bassinello.

Já o produto da Rampinelli começou a ser vendido em 2016, bem antes de Jair Bolsonaro se tornar presidente do Brasil. Ao Comprova, a empresa disse que a ideia foi criar um produto voltado para o preparo de caldos e sopas: “o fragmento entra no catálogo de produtos da Rampinelli para agregar ainda mais a diversidade de receitas. Sendo assim, ele NÃO é um substituto dos demais produtos”.

De lá pra cá, as vendas nunca corresponderam a mais de 1,2% das vendas totais da empresa, como mostra a tabela abaixo, enviada ao Comprova:

Além disso, segundo a Rampinelli, não foi percebido nenhum aumento recente nesse volume – e, portanto, nem no consumo.

A Abiarroz disse que, por causa da falta de costume dos brasileiros em consumir o arroz quebrado, ele não é encontrado com facilidade em todos os supermercados. “Nos estados do Sul do país, onde se tem costume de comer caldo, sopa, canja, minestra, especialmente com clima mais frio, é mais facilmente encontrado. A percepção de indústrias que comercializam fragmento de arroz é de que houve queda no consumo deste produto, desde 2016”, afirma a associação.

O Comprova não conseguiu localizar uma média de preços do fragmento de arroz nos últimos anos. A Rampinelli disse que, em comparação com outros produtos, o fragmento realmente é comercializado a um preço mais baixo, mas que “não é responsável pela formação do preço de venda ao varejo, este é o próprio supermercado/atacadista que faz”.

O Comprova também procurou a Apas que disse que possui uma base de dados provenientes de parceiros, como a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), com cerca de 200 produtos. No entanto, o arroz fragmentado não existe nas análises, pois há uma representação ínfima no setor supermercadista do estado de São Paulo. Dessa forma, não há uma base de dados para comparar os preços deste produto.

Procuramos a Associação Brasileira de Supermercados, que disse que não conseguiria atender nossa solicitação.

Já a Abiarroz afirma que o preço do fardo de arroz quebrado geralmente equivale a 24% do valor do arroz polido – que é mais consumido no país. “A alteração de preço é proporcional ao preço do arroz Tipo 1, uma vez que, muitas vezes, sequer se tem a matéria-prima para fragmento de arroz em função da qualidade do arroz brasileiro, que apresenta grande percentual de grãos inteiros”, diz a nota enviada ao Comprova.

O preço médio do arroz mais comumente usado nos lares brasileiros subiu 61% no país, entre maio de 2020 e maio de 2021, durante a pandemia, segundo dados da Fundação Getulio Vargas (FGV).

O que diz quem publicou o conteúdo

O conteúdo enganoso foi publicado no Twitter pelos usuários @diogotapuio e @astrafito. O post de Diogo ainda foi compartilhado no Instagram pela página “Esquerda Pensante”.

O Comprova tentou contato com os três, mas só Diogo Cabral nos respondeu, dizendo que a postagem está relacionada aos níveis alarmantes de insegurança alimentar no Brasil.

“O tuíte ilustra uma grave situação que temos atravessado no país: a fome”, nos escreveu ele, por mensagem no Instagram. Diogo mencionou ainda os dados de aumento da insegurança alimentar e da desigualdade no país. Não informou, porém, se sabia quando o fragmento de arroz começou a ser comercializado.

De fato, o Brasil uma pesquisa de abril da organização humanitária Oxfam, que atua em todo o mundo, apontou que mais de 19 milhões de brasileiros passaram fome durante a pandemia da covid-19.

Também é verdade, segundo uma pesquisa da FGV, que o número de brasileiros em situação considerada de extrema pobreza — ou seja, vivendo com menos de R$246 mensais — aumentou desde o começo de 2020. Antes da pandemia, em 2019, o índice chegava a 10,97%, mas, com o pagamento do auxílio emergencial mais amplo no ano passado, havia caído, em agosto, para 4,25%. Em fevereiro, com as mudanças no pagamento do benefício, o índice voltou a subir e ultrapassou o período pré-pandêmico, chegando a 12,83% — o que corresponde a 27,2 milhões de pessoas.

Apesar disso, os números não estão relacionados à venda dos fragmentos de arroz em supermercados.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal ou a pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. Em julho de 2021, os participantes decidiram também iniciar a verificação da desinformação envolvendo possíveis candidatos à presidência da República. Desde então, o projeto tem monitorado nomes que vêm sendo incluídos em pesquisas dos principais institutos.

Os posts verificados nessa checagem atingiram mais de 57 mil interações no Twitter e Instagram e, ainda que a intenção dos autores tenha como base informações verdadeiras – aumento da fome e da pobreza no país –, a venda do fragmento de arroz não tem relação com esse cenário.

Além disso, o conteúdo engana ao indicar que esses produtos não seriam apropriados para consumo humano e ao relacionar a comercialização dos fragmentos como consequência do governo Bolsonaro.

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