O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2023-10-17

Post de deputado engana sobre eficácia de vacinas ao usar dados imprecisos e fora de contexto

  • Enganoso
Enganoso
Post de deputado usa dados incompletos e imprecisos para sugerir de maneira enganosa que as vacinas contra a covid-19 não são eficazes. O número de mortes pela doença, isoladamente, não mostra a eficácia dos imunizantes. Seria indicado, conforme especialista consultado pelo Comprova, analisar quantos eram vacinados e não vacinados entre os mortos no período, método adotado por diversos estudos. Além disso, é preciso avaliar a taxa de letalidade, que é a quantidade de mortos entre os infectados.

Conteúdo investigado: Em post no X, deputado federal contesta a eficácia das vacinas contra a covid-19 ao fazer uso de números de mortes na pandemia em Taiwan, Austrália e Japão. Ele alega que, na ocasião em que os três países atingiram, respectivamente, uma cobertura vacinal de 78%, 77% e 81% da população, a quantidade subsequente de mortes pela doença foi muito maior do que o volume do período anterior àquelas taxas de vacinação. Em Taiwan, por exemplo, teriam ocorrido 21 vezes mais óbitos. “Aguardamos as explicações da OMS ou dos nossos ‘especialistas’ da grande mídia…”, escreve o parlamentar.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: Os dados de mortes por covid-19 no Japão, Taiwan e Austrália não mostram a ineficácia da vacinação contra o vírus que causa a doença, diferentemente do que afirma o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) em postagem.

Além de haver inconsistências nos dados apresentados pelo parlamentar, a comparação direta entre número de mortes e percentual geral de vacinados em intervalos diferentes de tempo não indica a eficácia, ou não, das vacinas. Isso porque não é possível saber pelas informações do post se os mortos por covid-19 pertenciam ao grupo de pessoas vacinadas ou que não receberam o imunizante.

Ao Comprova, o médico epidemiologista Sérgio de Andrade Nishioka, consultor da Fiocruz e da Organização Mundial de Saúde (OMS) para avaliação clínica de vacinas e professor aposentado da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), afirma que um método adequado para análise, ao menos no período citado por Terra, seria comparar as taxas de letalidade de vacinados e não vacinados.

Um estudo sobre a pandemia na Austrália, um dos países citados por Terra, utilizou o método indicado por Nishioka e mostrou que a vacinação de idosos reduziu o risco de morte em 93% em comparação com idosos não vacinados. Entre a população geral, aqueles que não foram vacinados representaram apenas 4,6% dos casos de covid-19, mas 22,8% das mortes ocorreram entre pessoas que não receberam dose alguma.

um estudo publicado no The Lancet em agosto de 2022 mostrou que a vacinação reduziu em 67% as mortes por covid no Japão e em 33% o número de casos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 17 de outubro, a postagem tinha cerca de 101,1 mil visualizações, mil compartilhamentos e 3 mil likes.

Como verificamos: O Comprova encontrou a fonte dos gráficos citados pelo deputado federal Osmar Terra ao fazer a busca no Google pela frase “Total Coronavirus Deaths In Australia”, que dá título a um deles. Trata-se do site de estatísticas Worldometer. Não constam no mesmo portal, no entanto, os percentuais de vacinação mencionados pelo parlamentar, que também não descreveu a origem deles.

No site do Worldometer, há uma página dedicada a explicar as fontes e métodos do painel sobre covid-19. Ela não detalha, no entanto, a origem dos números sobre Taiwan e Japão. Há uma explicação genérica sobre ser feito uso de fontes governamentais e o monitoramento de relatórios de saúde.

A reportagem buscou então checar os números citados pelo deputado a partir dos painéis sobre covid-19 do Our World in Data e do Coronavirus Resource Center, este segundo da universidade norte-americana Johns Hopkins, que tornam explícitas com links as fontes dos dados reunidos por cada um.

O Comprova também fez uso de dados mencionados por fontes primárias para informações sobre covid-19 nos três países: o Centro de Controle de Doenças de Taiwan, o Departamento de Saúde e Envelhecimento da Austrália e o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão.

Dados reais são diferentes do que alega post

O deputado Osmar Terra afirma que, 24 meses após o início da pandemia, a Austrália tinha 3.114 mortes por covid-19 e 77% da população completamente vacinada.

A data aludida por ele seria 11 de março de 2022, dois anos depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter declarado a pandemia de covid-19 (11 de março de 2020).

A Austrália ultrapassou o número de óbitos citado por Terra, no entanto, em 24 de janeiro de 2022, e não em 11 de março daquele mesmo ano, quando a pandemia faria 24 meses. Já o percentual da população vacinada com o esquema primário completo passou de ao menos 77% em 27 de janeiro de 2022.

O parlamentar também alega que o Japão chegou a 20.701 mortes por covid-19 e a 81% da população completamente vacinada em fevereiro de 2022, data que trata erroneamente como 24 meses após o início da pandemia (esse período só estaria completo em 11 de março daquele ano).

O Japão ultrapassou o número de óbitos citado por Terra em 15 de fevereiro de 2022. O país ainda passou a ter ao menos 81% da população vacinada com o esquema primário completo em 28 de fevereiro daquele mesmo ano.

O deputado federal ainda afirma que Taiwan contabilizou 873 mortes por covid-19 em 27 meses de pandemia, quando também alcançou 78% da população completamente vacinada.

Diferentemente do que alega o deputado, Taiwan passou desse número de mortes em 3 de maio de 2022, e não em 11 de junho daquele ano, quando fez 27 meses do início da pandemia. Além disso, o país passou a ter ao menos 78% da população com o esquema vacinal primário completo em 1º de maio de 2022.

O deputado federal Osmar Terra ainda faz menção a outros números de maneira confusa. Ele cita, por exemplo, que, nos 22 meses seguintes à data em que a pandemia completou 24 meses (ou seja, 11 de março de 2022), o número de mortes por covid-19 na Austrália teria saltado para 22.754.

No entanto, o período de 22 meses após a data de 11 de março de 2022 só estará completo em 11 de janeiro de 2024. Portanto, o intervalo citado por ele sequer está consolidado.

Comparação feita por deputado não permite contestar eficácia de vacina

O deputado também cita que, se as vacinas fossem eficazes, “deveriam diminuir as internações e mortes, mas aconteceu o contrário”. Ele não detalha, contudo, dados das internações às quais faz menção.

Além disso, os números efetivamente citados por ele não têm, isoladamente, significância estatística alguma para se chegar a uma conclusão sobre as vacinas serem eficazes ou não contra a covid-19.

O método adotado para isso por diferentes estudos é o de comparação das taxas de mortalidade (número de mortes em relação ao de pessoas) e de letalidade (número de mortes em relação ao de casos identificados) durante um mesmo período entre os não vacinados e as pessoas imunizadas, conforme explica o médico epidemiologista Sérgio de Andrade Nishioka ao Comprova.

“Começou a morrer mais, mas quem que estava morrendo? Ele [autor da postagem sobre as vacinas] não fala sobre esses dados, não dá essa informação, só diz que morreu, não diz se quem morreu foi vacinado ou não vacinado”, afirma o especialista, que reforça a necessidade da comparação: “Você só pode medir a efetividade de uma vacina se você comparar quem foi vacinado com quem não foi vacinado, senão não tem como você fazer essa comparação de uma maneira considerada válida”.

Nishioka ainda pondera que estudos mais recentes passaram a fazer comparações entre pessoas imunizadas com um primeiro esquema vacinal e as que já receberam alguma dose de reforço.

“A questão agora é que é muito difícil você ter pessoas que não foram vacinadas ou que não se infectaram naturalmente pelo Sars-Cov-2. Então, o que tem acontecido é que esses novos estudos têm utilizado o que se chama de eficácia relativa. Então você compara o vacinado com a nova vacina com o vacinado que recebeu a vacina anterior”, acrescenta o especialista.

Número de casos também aumentou, e não só o de mortes

O médico epidemiologista consultado pelo Comprova lembra ainda que Taiwan, Austrália e Japão são arquipélagos, o que permitiu a esses países um controle mais rigoroso na entrada de pessoas e, consequentemente, do coronavírus em um primeiro momento da pandemia, quando a cobertura vacinal da população ainda tinha percentuais baixos.

Taiwan, por exemplo, é reconhecida por ter tido uma resposta bem-sucedida à covid-19 durante os primeiros anos de pandemia. Foram adotadas fortes medidas de prevenção como fechamento de escolas sempre que haviam dois casos confirmados da doença, e quarentena de 15 dias para estrangeiros que chegavam ao país. No entanto, em abril de 2022, as autoridades passaram a adotar a estratégia de conviver com o vírus.

Já a Austrália ficou quase dois anos sem receber turistas internacionais. Em fevereiro de 2022, reabriu os aeroportos apenas para os viajantes vacinados. Naquele ano, o país também passou a adotar uma estratégia de convivência com o vírus, relaxando medidas de prevenção. Ambos os países citados tiveram picos de casos de covid-19 ao adotar políticas menos restritivas a respeito da pandemia.

Nishioka afirma ser necessário se atentar, portanto, ao fato de que não apenas o número absoluto de mortes, mas também o de casos em geral subiu nos intervalos de tempo comparados pela postagem do deputado federal Osmar Terra.

Isso ajuda a explicar a maior quantidade de óbitos subsequente ao alcance dos índices de cobertura vacinal destacados pelo parlamentar, embora a taxa de letalidade (relação entre mortes e número de casos identificados), não citada por ele, tenha apresentado queda junto do avanço da vacinação.

O gráfico abaixo mostra que, no Japão e na Austrália (dois dos países citados pelo deputado), a taxa de letalidade cai ao longo do tempo. O primeiro deles iniciou a aplicação de vacinas em 17 de fevereiro de 2021. Já o segundo começou o programa de vacinação no dia 21 daquele mesmo mês.

Ao analisar a taxa de letalidade, é preciso considerar ainda que, em períodos de maior pressão sobre o sistema de saúde, quando nem todas as pessoas infectadas conseguem acesso à testagem e diagnóstico, o número de casos pode estar subnotificado e, portanto, ser ainda maior.

“Além disso, foi a época em que começaram a surgir as primeiras variantes de preocupação, as que têm maior escape e que infectam mesmo as pessoas já vacinadas ou que já foram infectadas previamente”, completa o médico epidemiologista, referindo-se às ondas de covid-19 causadas, por exemplo, pela Ômicron, surgida em novembro de 2021 e contra a qual não havia imunizante específico no início de 2022.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova contatou o deputado Osmar Terra por email. Sua assessoria pediu número de telefone para que o deputado fizesse contato, mas ele não o fez até a conclusão desta checagem.

O que podemos aprender com esta verificação: Dados reais são frequentemente usados fora do contexto ou de maneira intencional para enganar e levar a uma interpretação diferente da verdadeira. No caso checado, o autor da publicação utiliza dados parciais e informações incompletas para inferir que as vacinas contra a covid-19 não são eficazes. Informações corretas a respeito das vacinas podem ser encontradas junto aos órgãos sanitários, sites de governos e junto à imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Desde o início da pandemia, Osmar Terra é autor recorrente de peças de desinformação sobre a eficácia de vacinas e as estratégias de combate à transmissão do coronavírus reconhecidas como efetivas pela comunidade científica, como o distanciamento social.

Em 2020, o Comprova mostrou que ele misturou, em um tuíte, dados corretos com outros imprecisos, exagerados ou não consolidados para criticar medidas de isolamento adotadas pelos estados brasileiros. Ainda naquele primeiro ano de pandemia, o deputado federal fez uso dos números de um único hospital em Porto Alegre para dizer que a covid-19 estava reduzindo em todo o Rio Grande do Sul.

Ele também já alegou enganosamente que expor a população ao vírus seria melhor que a imunização, sugeriu com dados descontextualizados que, no Rio Grande do Sul, haveria mais mortes de pessoas imunizadas e afirmou que as vacinas não tiveram impacto sobre a redução de óbitos, atribuindo isso à imunidade natural de infectados.

Recentemente, o Comprova mostrou, ao checar alegações de outros autores, que é falso que um estudo tenha provado que vacina da Pfizer modifica o código genético e que o Canadá não admitiu que as pessoas triplamente vacinadas contra a covid-19 tenham desenvolvido Aids.

Política

Investigado por: 2023-10-17

Protesto de garimpeiros na Bahia não foi motivado por falta de água, nem tem relação com governo Lula

  • Falso
Falso
É falso um vídeo compartilhado nas redes sociais mostrando, supostamente, um protesto no Nordeste do Brasil por conta da falta de água na região. O conteúdo falso sugere que o problema teria passado a ocorrer após a vitória de Lula (PT) nas eleições presidenciais de 2022. As imagens mostram, na verdade, uma manifestação realizada por garimpeiros em Santaluz, no interior da Bahia, em setembro de 2022, contra o fechamento de garimpos próximos a uma mineradora.

Conteúdo investigado: Vídeo mostra o que seria um protesto por falta d’água no Nordeste. Sobre o conteúdo, aparecem as inscrições: “Nordeste pede socorro” e “hoje só resta pedir desculpas a todos Patriota (sic)”. Um homem narra o conteúdo e, logo em seguida, aparece afirmando que a população da região não soube “agradecer os benefícios” alcançados à época do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele ainda afirma que hoje resta o “sentimento de revolta”, dando a entender que o problema da falta d’água estaria ocorrendo por conta da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022.

Onde foi publicado: TikTok e Twitter.

Conclusão do Comprova: É falso que moradores da região Nordeste do Brasil tenham fechado uma estrada de terra em protesto contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por conta da falta de água. Um vídeo que viralizou nas redes sociais usa imagens de uma manifestação ocorrida no interior da Bahia em 1º de setembro de 2022. Na ocasião, garimpeiros em Santaluz, cidade do interior da Bahia, fecharam o acesso à sede de uma mineradora em protesto contra o fechamento de garimpos ilegais na região, onde é feita a exploração de ouro.

O homem que narra as imagens iniciais do vídeo e que depois aparece falando para a câmera fala como se fosse um eleitor de Lula arrependido porque o presidente teria “zombado da cara dos patriotas”. Ele também passa a falsa impressão de que estaria participando do protesto, já que usa, por diversas vezes, o termo “nós”. Como foi possível verificar, os vídeos de viés político publicados por ele em sua conta no TikTok são de apoio a Jair Bolsonaro (PL) – muitos deles, inclusive, inflando a participação do ex-presidente no Projeto de Integração do rio São Francisco, obra constantemente alvo de desinformação.

No vídeo aqui investigado, ele afirma que os nordestinos foram “ingratos” com Bolsonaro e que não souberam dar valor quando tinham água no governo passado, já que agora não têm mais, o que é falso. Embora não cite diretamente o Projeto de Integração do São Francisco (PISF), também chamado de transposição do São Francisco, o argumento de que Bolsonaro levou água ao Nordeste – e que Lula a cortou – vem aparecendo em dezenas de vídeos nas redes sociais.

O Ministério da Integração Nacional e Desenvolvimento Regional (MIDR) informou que “não há nenhuma paralisação na oferta de água bruta nos estados do CE, PB, PE e RN, que são beneficiados pelo Projeto de Integração do Rio São Francisco”. Entretanto, 495 cidades de nove estados da região Nordeste tiveram situação de emergência por conta da seca ou estiagem reconhecida pelo governo federal.

O MIDR avalia a situação de cada um deles e libera recursos, de acordo com a necessidade, para “reconstrução de estruturas danificadas, socorro e assistência humanitária, restabelecimento de serviços essenciais e ações de recuperação/reconstrução”. Além disso, o órgão e o Exército realizam juntos a Operação Carro-Pipa, que atende atualmente mais de 1,5 milhão de pessoas em 416 municípios do Nordeste.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 17 de outubro de 2023, o conteúdo investigado tinha 134,4 mil visualizações no TikTok. Ele foi republicado no Twitter, onde apenas uma postagem acumulava mais de 184,5 mil visualizações até o mesmo dia.

Como verificamos: Primeiramente, foi feita uma busca reversa de imagens usando ferramentas como Yandex, Google Imagens e TinEye para tentar localizar registros originais do vídeo usado na publicação, sem sucesso. Em seguida, foram selecionados elementos na imagem que pudessem ajudar a identificar o local onde o vídeo havia sido gravado, a exemplo de placas de carro.

Em um trecho do vídeo, foi possível identificar um veículo de cor prata, com a placa JRO-8J27 e, com a ajuda do sistema Sinesp Cidadão, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, descobriu-se que o carro era da cidade de Santaluz, no interior da Bahia

Depois, foram feitas pesquisas sobre protestos que pudessem ter ocorrido na mesma região onde o carro foi registrado, e assim o Comprova descobriu um protesto de garimpeiros, em setembro de 2022, em Santaluz. As imagens publicadas em matérias na imprensa local mostravam um lugar parecido com o do vídeo investigado, e elementos no vídeo também apareciam nas fotos publicadas na época.

Foi feito contato com o repórter fotográfico Raimundo Mascarenhas, do site Calila Notícias, na Bahia, que cobriu a manifestação dos garimpeiros em setembro de 2022, autor de diversas fotos do protesto, publicadas em vários sites da região.

O Comprova ainda acionou a Defesa Civil Nacional, vinculada ao MIDR, para obter informações sobre locais no Nordeste em situação de emergência por seca, estiagem ou que estejam sofrendo com problemas de abastecimento de água.

Vídeo mostra protesto de garimpeiros em 2022

Diferentemente do que diz a narração, o vídeo não mostra nordestinos arrependidos por votar em Lula protestando pelo direito à água, e, sim, garimpeiros que culpavam a mineradora Equinox Gold por uma operação da Polícia Federal ocorrida em 30 de agosto de 2022 – ou seja, antes da eleição do petista. Para eles, a empresa havia motivado a operação da PF que agiu para desarticular um garimpo ilegal que atuava há anos na região dos municípios de Santaluz, Cansanção, Monte Santo, Queimadas, Quijingue e Nordestina, todos na Bahia. Na ocasião, a PF cumpriu 12 mandados de busca em Cansanção e Monte Santo.

O local onde o protesto aconteceu, uma estrada de terra onde há diversos carros estacionados, além de pessoas bloqueando a passagem com pneus, é a via que dá acesso à sede da mineradora Equinox Gold, em Santaluz. A Equinox Gold iniciou a extração de ouro na mina de Santaluz em junho de 2021. A manifestação aconteceu a partir de 1º de setembro de 2022 e teve cobertura do site local Calila Notícias.

Em um trecho do vídeo investigado, é possível ver um Fiat Palio prata estacionado no sentido oposto no fluxo de veículos da estrada. A placa do carro é JRO-8J27, de Santaluz (BA). Foi a partir da imagem dele que o Comprova suspeitou que o protesto tivesse acontecido naquela cidade, ou naquela região. A partir da busca de notícias sobre protestos em Santaluz, os resultados foram de matérias publicadas a respeito do ato dos garimpeiros.

Além do Calila Notícias, outros sites do interior da Bahia noticiaram o protesto, incluindo o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Extração, Pesquisa e Benefício de Ferro, Metais Básicos e Preciosos de Serrinha e Região (Sindimina), que também publicou fotos do episódio.

Embora o local fosse parecido, o Comprova não localizou exatamente o mesmo vídeo. Apesar disso, havia uma imagem mostrando outro carro no mesmo lugar, com placa de PKS-1732, um Jeep Compass branco de Quijingue (BA), cidade a apenas 71 quilômetros de Santaluz.

| ​​Crédito: Reprodução/Sinesp Cidadão

O Comprova conseguiu confirmar que o vídeo aqui investigado era mesmo do protesto de garimpeiros ao identificar uma árvore e uma barraca, em ângulos diferentes, tanto em uma imagem feito pelo fotógrafo Raimundo Mascarenhas, do Calila Notícia, quanto no vídeo investigado:

| Garimpeiros fecharam a estrada de acesso à mineradora Equinox Gold, em Santaluz (BA), a partir de 1º de setembro de 2022. Crédito: Raimundo Mascarenhas/Calila Notícias/Reprodução

| Vídeo publicado em conta no TikTok como sendo de protesto contra falta d’água no governo Lula mostra mesma árvore e barraca.

O repórter Raimundo Mascarenhas, do Calila Notícias, confirmou ao Comprova que o vídeo foi mesmo feito durante o protesto de garimpeiros em setembro de 2022 na estrada que dá acesso à Equinox Gold, e que um áudio falso foi inserido sobre a imagem. Ele afirmou ter acompanhado o protesto, durante todo o dia 1º de setembro do ano passado, e confirmou que não se tratava de um protesto contra o presidente Lula nem sobre acesso a água e, sim, contra o fechamento de garimpos na região.

Em 5 de setembro de 2022, o site Voz do Campo publicou o posicionamento oficial da Equinox Gold sobre a manifestação. A empresa negou que tivesse relação com a operação da PF que fechou garimpos ilegais. Na manifestação, garimpeiros diziam que não eram bandidos e pediam a legalização dos garimpos onde atuavam.

Nordeste tem 495 municípios em situação de emergência pela seca ou estiagem

Ao ser feita referência à falta de chuva, sobretudo na região Nordeste brasileira, é comum o uso das palavras seca e estiagem como sinônimos. Tecnicamente, no entanto, esses dois eventos climáticos têm características distintas.

Segundo definição da Secretaria de Defesa Civil (Sedec) do Ministério da Integração, a estiagem configura-se por um período extenso com poucas ou nenhuma chuva, que gera perda da umidade do solo maior do que a reposição. Há também, uma redução drástica ou atraso das chuvas em uma época em que foram previstas, de forma a comprometer a reserva de água da localidade. Está relacionada a dois fatores, quais sejam, o atraso superior a quinze dias do início da temporada de chuvas e a média mensal do volume de chuvas inferior a 60% das médias de longo período.

Já a seca, também segundo a Sedec, é a estiagem crônica que se prolonga. Para ser definido como seca, o fenômeno precisa trazer consequências não só ecológicas e econômicas, mas também sociais e culturais. Além da ausência de chuvas, as secas e as estiagens podem ser causadas por intervenção humana quando se maneja de modo inadequado corpos hídricos e bacias hidrográficas.

Dados do Sistema Integrado de Informações Sobre Desastres (S2ID), do Governo Federal, contabilizados até segunda-feira, 16 de outubro de 2023, revelam que 495 municípios da região Nordeste brasileira têm situação de emergência reconhecida pelo governo federal, sendo 19 em razão da seca e outros 476 por conta da estiagem.

Na Bahia, estado onde ocorreu o protesto dos garimpeiros, são 60 municípios em situação de emergência, todos por estiagem.

Após reconhecer a situação de emergência, o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional avalia pedidos de recursos e, conforme a necessidade, faz a liberação de valores para a reconstrução de estruturas danificadas, socorro e assistência humanitária, restabelecimento de serviços essenciais e ações de recuperação/reconstrução.

Os ministérios da Defesa e da Integração e Desenvolvimento Regional ainda mantêm uma cooperação técnica e financeira, denominada Operação Carro-Pipa, para realizar ações complementares de apoio às atividades de distribuição de água potável às populações atingidas por estiagem e seca. Isso ocorre tanto na região do semiárido nordestino, como na porção norte dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Nesse contexto, o Exército Brasileiro atua como Órgão de Execução para planejamento e operacionalização das ações de apoio à distribuição de água potável.

No Nordeste, já foram utilizados 3.145 carros-pipa, que atenderam mais de 1,5 milhão de pessoas. Esta é uma das estratégias usadas para a convivência com o semiárido, assim como o Projeto de Integração do São Francisco também o é. Na região, os estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte recebem águas do Rio São Francisco por meio do PISF, e não há, segundo o MIDR, nenhuma paralisação na oferta de água bruta em nenhum desses estados.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o autor do vídeo, identificado como “@joao.pires.ofic”, mas não há a possibilidade de enviar mensagem pelo TikTok, a menos que os usuários se sigam mutuamente.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma das táticas utilizadas por desinformadores é o uso de episódios reais, mas propagados fora de seu contexto original, para fazer alegações enganosas e falsas a respeito de um assunto de interesse público. Os vídeos acabam gerando uma suposta credibilidade. Nesses casos, é importante buscar fontes confiáveis e seguras para entender o que, de fato, está sendo informado, além de verificar se a alegação é verdadeira ou não.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O fornecimento de água no Nordeste é tema recorrente de desinformação em posts compartilhados nas redes sociais. O Comprova já realizou verificações relacionadas ao andamento das obras da transposição do Rio São Francisco, explicou o funcionamento do processo de captação e bombeamento de água para estados do Brasil e mostrou que o governo federal não bloqueou água na região. Também mostrou que a polarização intensifica a desinformação sobre o tema.

Política

Investigado por: 2023-10-13

Brasil doou R$ 25 milhões à Autoridade Palestina para ajuda humanitária, e não ao Hamas

  • Falso
Falso
Não é verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) doou R$ 25 milhões ao grupo terrorista palestino Hamas, em 2010, durante seu segundo mandato como presidente da República. O valor foi autorizado pela Lei nº 12.292 de 2010, que prevê a doação de recursos à Autoridade Nacional Palestina, comandada pelo partido Fatah — oposição ao Hamas —, para a reconstrução da Faixa de Gaza após os conflitos entre Israel e o grupo fundamentalista islâmico.

Conteúdo investigado: Publicações afirmam que Lula doou R$ 25 milhões ao Hamas por meio de um decreto em 2010. Os posts vêm acompanhados de uma notícia publicada pela Câmara dos Deputados com o título: “Câmara aprova doação de R$ 25 milhões para a Palestina” e da captura de tela da Lei nº 12.292/2010, que autoriza o auxílio. Algumas das postagens citam antigas checagens sobre o tema, mas as categorizam como “mentiras”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter), TikTok e WhatsApp.

Conclusão do Comprova: Publicações afirmam, de forma enganosa, que, em 2010, o presidente Lula doou R$ 25 milhões ao grupo terrorista palestino Hamas, autor dos massacres a Israel em 7 de outubro. Os conteúdos investigados aqui têm como base uma lei, sancionada em 20 de julho de 2010, que autorizava a doação do recurso à Autoridade Nacional Palestina, órgão liderado pelo Fatah, e não para o Hamas. A verba era para auxiliar na reconstrução de Gaza, cidade inserida na região da Faixa de Gaza, após o conflito entre Israel e Hamas, entre o final de 2008 e início de 2009.

As publicações tratam a ANP e o Hamas como se fossem a mesma coisa, o que não é verdade. A Autoridade Palestina é um órgão de governo autônomo, criado para administrar territórios reivindicados por palestinos até o desenrolar das negociações de paz entre Israel e Palestina. Atualmente, o órgão controla a Cisjordânia, enquanto a Faixa de Gaza está sob domínio do Hamas.

Na época da doação, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez um apelo para que a comunidade internacional fornecesse recursos para financiar a ajuda humanitária às vítimas. A entidade estimou que seriam necessários US$ 613 milhões para atender às demandas mais urgentes de compra de alimentos, água, abrigos, fornecimento de cuidados médicos e educação.

A desinformação já foi desmentida por agências de checagem e voltou a circular após os atentados terroristas do Hamas contra Israel, em 7 de outubro. O governo federal também publicou uma nota negando o financiamento ao grupo.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, são dezenas de posts que disseminam essa desinformação. O Comprova compilou quatro, que chegaram a 101,5 mil visualizações em conjunto.

Como verificamos: O Comprova procurou informações sobre a doação citadas pelas publicações nos sites do Governo Federal e Câmara Legislativa, além de buscar a Lei nº 12.292, que trata da doação. Com buscas no Google, foi possível encontrar outras checagens sobre o tema (Estadão Verifica, Aos Fatos, UOL Confere e Fato ou Fake). O Comprova também tentou contato com os responsáveis pelas publicações.

Qual o contexto da doação?

Entre 2009 e 2010 o Congresso Nacional discutiu e aprovou um projeto de lei, de autoria do Poder Executivo, que autorizava a doação de R$ 25 milhões à Autoridade Nacional Palestina para auxiliar na reconstrução da Faixa de Gaza. A ajuda se deu no contexto do acirramento do conflito entre Israel e o grupo Hamas no território palestino, entre o final de 2008 e início de 2009, durante o segundo mandato de Lula. O confronto durou cerca de 20 dias e deixou mais de 1,3 mil mortos.

A lei foi sancionada em 2010. Na justificativa da proposta aprovada, o governo citou a estimativa da ONU de que seriam necessários US$ 613 milhões para prestar assistência nas áreas de alimentação, educação e saúde às vítimas na Palestina, além da reconstrução da estrutura da Cidade de Gaza, a maior do território.

À época, o então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou que o recurso seria enviado a um fundo administrado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). “É dinheiro para um fundo que vai trabalhar na reconstrução de Gaza. Não é dar dinheiro para um grupo ou outro, mas para um fundo administrado pelas Nações Unidas”, disse.

Ao contrário do que afirmam os posts, o valor não foi direcionado ao Hamas. Apesar de controlar a Faixa de Gaza desde 2007, o grupo negou qualquer interferência na gestão das doações para a reconstrução da área. Na realidade, a própria lei afirma que os recursos seriam doados à Autoridade Nacional Palestina, organização controlada pelo Fatah, partido contrário ao Hamas.

Autoridade Palestina não é comandada pelo Hamas

A Autoridade Palestina surgiu em 1994, como consequência dos Acordos de Oslo firmados entre Israel e palestinos. O órgão foi criado com o intuito de funcionar como um governo autônomo enquanto as negociações pela paz entre as nações se desenvolviam. Apesar de ter sido estabelecido que o órgão seria provisório (por um período de cinco anos), a Autoridade Palestina permanece ativa até hoje. Atualmente, ela é comandada pelo presidente Mahmoud Abbas, do Fatah, considerado um partido mais moderado e que historicamente possui divergências com o Hamas.

Em 2006, o grupo fundamentalista chegou a vencer o Fatah durante as eleições legislativas para a ANP. No entanto, os dois entraram em um conflito, que terminou com o Fatah expulso da Faixa de Gaza. O partido, por sua vez, assumiu o controle da Cisjordânia e rejeitou a administração Hamas, mantendo o domínio sobre a Autoridade Palestina. Portanto, na contramão do que os posts levam a crer, a ANP e o Hamas não são a mesma coisa.

O grupo fundamentalista islâmico Hamas é considerado terrorista por países como Estados Unidos, Japão e as nações vinculadas à União Europeia. Já o Brasil, seguindo a classificação da ONU, não reconhece o Hamas como uma organização terrorista. Apesar do posicionamento neutro do país sobre o tema, Lula classificou os ataques recentes do grupo a Israel como “terroristas”.

O texto do projeto de lei alvo de desinformação é categórico ao classificar a ANP como “único representante legítimo do povo palestino”: “O principal destinatário dos recursos doados será a Autoridade Nacional Palestina, na qualidade de único representante legítimo do povo palestino”.

Os conteúdos investigados já foram desmentidos por agências de checagem ao menos desde 2021 e voltaram a circular nesta semana, após a ofensiva do Hamas a Israel, no último dia 7 de outubro. O conflito já deixou mais de 3 mil mortos até a sexta-feira (13). O governo brasileiro condenou a ação e convocou uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, presidido pelo Brasil, para discutir soluções.

O que diz o responsável pela publicação: Os perfis que publicaram conteúdos desinformativos sobre o tema costumam não aceitar receber mensagens pelo X. O Comprova conseguiu entrar em contato via e-mail com um dos responsáveis pela publicação. Ele seguiu afirmando, sem provas, que o recurso foi doado ao Hamas, e que a Palestina é comandada pelo grupo, o que não é verdade.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma das táticas mais utilizadas por desinformadores é o uso de informações reais de forma distorcida para corroborar uma informação falsa. A citação da Lei nº 12.292/2010 gera uma suposta credibilidade. A menção de checagens já feitas sobre o tema, e a rejeição de que exponham a verdade, serve para desencorajar que o público busque esse trabalho para se informar.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A suposta doação já foi verificada por G1, UOL Confere, Aos Fatos e Estadão Verifica. O envio de recursos do Brasil para o exterior é constantemente alvo de desinformação. O Comprova já checou que o país não enviou US$ 600 milhões para o agronegócio argentino e que é enganoso que o Brasil fará empréstimo à Argentina enquanto Lula bloqueia recursos da saúde e educação.

 

 

Saúde

Investigado por: 2023-10-11

Estudo não mostra que vacina da Pfizer modifica o código genético e que causará epidemias

  • Falso
Falso
É falsa a alegação de um médico de que um estudo sueco feito com a vacina da Pfizer tenha revelado que o imunizante modifica o código genético e que isso possa causar futuras epidemias de doenças autoimunes, câncer e infertilidade. Na verdade, a pesquisa mediu o efeito do imunizante em linhagens de células do fígado em laboratório, em condições experimentais, e não em humanos ou qualquer outro ser vivo, o que é apontado como limitador da pesquisa pelos próprios autores. Especialistas ouvidos pelo Comprova destacam que outros estudos atestam que não há a inoculação do DNA pela vacina. As doenças citadas pelo médico sequer aparecem no estudo.

Conteúdo investigado: Em um vídeo, o médico Alessandro Loiola afirma, citando um estudo, que vacinas vão causar, no futuro, “epidemia de doença cardiovascular, epidemia de doença autoimune, epidemia de câncer, e isso se daqui a uma ou duas gerações a gente não tiver uma epidemia de infertilidade junto, entre outras coisas” ao mudar o código genético das pessoas. Ele lista problemas de saúde que dizem estarem sendo causados pela vacina atualmente: trombofilia, trombocitopenia, AVC isquêmica, AVC hemorrágico, trombose arterial periférica, amputação de membros, mal cardíaco súbito e morte súbita. Afirma ainda que 99,9993% das crianças não apresentam qualquer sintoma ao pegarem covid-19.

Onde foi publicado: Facebook e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso que um estudo sueco feito com a vacina da Pfizer contra a covid-19 tenha revelado que o imunizante modifica o código genético e que isso vá causar epidemias de “doenças autoimunes, câncer e infertilidade”, como afirma médico em vídeo.

Os autores decidiram realizar uma pesquisa com células hepáticas após estudos pré-clínicos mostrarem efeitos hepáticos reversíveis em animais que receberam a injeção da Pfizer e por uma análise ter apontado que o RNA do SARS-CoV-2 pode ser transcrito reversamente e integrado no genoma das células humanas. O estudo aqui citado mede o efeito da vacina da Pfizer em linhagens de células do fígado em laboratório, em condições experimentais, e não em humanos ou qualquer outro ser vivo, o que é apontado como limitador da pesquisa pelos próprios autores. Além disso, não faz previsões a respeito de nenhuma doença.

Eles concluíram que a vacina entra nas células do fígado em meio de cultura seis horas após a administração e que surge DNA convertido a partir do RNA mensageiro em células hospedeiras, mas apontam não saber se o DNA convertido está integrado ao DNA das células, ou seja, se ele compromete o genoma. Especialistas ouvidos pelo Comprova destacam que outros estudos atestam que não há a modificação do DNA pela vacina.

Ao Comprova, a Pfizer afirmou que, até o dia 5 de outubro, distribuiu mais de 4,6 bilhões de doses da vacina ComiRNAty em mais de 181 países. Segundo a empresa, não há, até o momento, qualquer alerta de segurança ou preocupação, de modo que o benefício da vacinação segue se sobrepondo a qualquer risco.

O Ministério da Saúde reforçou que as vacinas passam por um rígido processo de avaliação de qualidade pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fundação Oswaldo Cruz, instituição responsável pela análise de qualidade dos imunobiológicos adquiridos e distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo aqui verificado teve 16,3 mil visualizações no Telegram. No Facebook, foram 31 mil compartilhamentos e 34 mil reações até 10 de outubro.

Como verificamos: Primeiro, localizamos e consultamos o estudo sobre o qual o médico se refere no vídeo. Em seguida, buscamos explicações dos autores da pesquisa sobre os resultados e de especialistas que pudessem comentá-los. Revisitamos também checagens anteriores do Comprova sobre a segurança da vacina da Pfizer e dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde, além de procurarmos a própria farmacêutica e analisarmos a bula do imunizante.

Estudo não prova mudança no código genético

No vídeo verificado, o médico cita o estudo “Transcrição reversa intracelular da vacina de mRNA BNT162b2 da Pfizer BioNTech COVID-19 in vitro em linhagem de células de fígado humano”, publicado em fevereiro de 2022, por pesquisadores da Universidade de Lund, da Suécia. O médico alega que a pesquisa demonstrou que a vacina modificou a expressão genética de uma linhagem de células, surgindo um novo padrão de DNA, e que essas alterações passaram para as células-filhas. A partir disso, o médico conclui que a vacina modifica o código genético e que isso seria transmissível à geração posterior da pessoa imunizada

Os autores investigaram o efeito do imunizante mRNA BNT162b2, fabricado pela Pfizer e BioNTech, na linhagem celular do fígado humano. Para tal, células Huh7, de uma linha originalmente retirada de um tumor de fígado, foram expostas à vacina in vitro e foi feita PCR quantitativa no RNA extraído das células. A Huh7 é uma célula imortal, capaz de se dividir indefinidamente e frequentemente utilizada como modelo para investigar cânceres e hepatite C. Já a PCR é uma proteína produzida no fígado, cuja concentração se eleva quando há um processo inflamatório em curso.

No ano passado, após o estudo ter sido acessado massivamente e discutido nas redes sociais, muitas vezes mal interpretado, a Universidade de Lund publicou uma página com explicações de dois dos autores, os professores Yang de Marinis e Magnus Rasmussen.

Conforme De Marinis, o estudo mostra que a vacina entra nas células do fígado seis horas após a administração e que surge DNA convertido a partir do RNA mensageiro em células hospedeiras, mas Rasmussen destaca que estas descobertas foram observadas em placas de Petri e em condições experimentais, portanto, não se sabe se o DNA convertido está integrado ao DNA das células, o que, sim, poderia trazer alguma consequência caso se comprovasse.

Eles ressaltam, também, as limitações do estudo. De acordo com Rasmussen, as linhagens celulares são diferentes das células dos organismos vivos, portanto, é importante que investigações semelhantes sejam feitas em humanos. “É importante ter em mente que as células do fígado neste estudo são geneticamente mais instáveis ​​do que as nossas próprias células do fígado”.

De Marinis acrescenta que não se sabe se o que foi observado nesta linhagem celular também poderia acontecer em células de outros tecidos. Por fim, eles afirmam não haver qualquer razão para alguém mudar a decisão de se vacinar com base na pesquisa e defendem a realização de mais pesquisas sobre o assunto.

Assim como os autores pontuam, Patrícia Almeida, hepatologista do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, destaca se tratar de um estudo in vitro, ou seja, em que é utilizada uma linhagem de célula carcinogênica (retirada de um tumor) e isso foge do que acontece normalmente no corpo humano. “O hepatócito tem um ciclo de replicação completamente diferente de um ciclo de uma célula carcinogênica, que é bem mais ativa em multiplicação”, explica.

Segundo ela, o estudo demonstra que ocorre uma penetração de RNA mensageiro no tecido hepático, mas que isso já é esperado porque o fígado é quem faz a metabolização do que entra no corpo, inclusive a vacina da covid-19. Conforme ela, a pesquisa não demonstra que ocorreu uma modificação do código genético. “É encontrado RNA mensageiro na célula, mas não é comprovada a transcrição e incorporação dessa informação genética do vírus no nosso genoma, no nosso código genético, então se o estudo não traz essa informação, quiçá afirma que isso vai passar para nossa descendência”, afirma.

A hepatologista explica que o DNA está no núcleo da célula, então para o RNA mensageiro se ligar a ele, teria que passar pela membrana nuclear e, em seguida, através de um sistema de chave e fechadura, conseguir acessar o núcleo, o que não existe na vacina. “O RNA mensageiro não tem toda a informação genética viral e, mesmo que ele entrasse, haveria necessidade de tradução dessa linguagem para DNA, para que ele fosse inoculado. Ou seja, mesmo que existisse a transcrição reversa, ainda teria que ser integrado esse material genético ao DNA, para isso é necessária outra enzima, a integrase, que também não está presente na vacina. Assim, a probabilidade do RNA mensageiro alterar o DNA do paciente é nula”, diz.

O médico Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), também ressalta que não há a possibilidade de uma vacina que usa RNA mensageiro, como a da Pfizer, alterar o DNA de uma pessoa, que fica guardado no núcleo da célula. “O número de estudos é gigantesco mostrando que não há nenhuma possibilidade de incorporação de material genético no genoma de ninguém. Não modifica a expressão genética e não interfere no longo prazo”, disse.

O Comprova já esclareceu, anteriormente, que as vacinas contra a covid-19 não causam danos ao DNA de quem é vacinado.

Possibilidade de haver epidemias não é citada na pesquisa

Após afirmar que a vacina modifica o código genético, o médico cuja fala aqui é verificada declara aguardar pra ver “a desgraça que isso vai fazer no sistema linfocitário, no sistema macrofágico e no ‘sistema natural killer’”, referindo-se às células NK, que fazem parte do sistema imune e têm como função reconhecer o patógeno invasor e destruí-lo. Ele alega, com base do estudo sueco, que devem surgir epidemias de doença cardiovascular, doença autoimune e de câncer. Também especula que, em “uma ou duas gerações”, poderá haver uma epidemia de infertilidade.

Nenhuma dessas doenças ou previsões é citada no estudo. Renato Kfouri afirma que não há “plausibilidade biológica” na ideia de que a vacina poderia trazer algum transtorno no futuro, como os citados no vídeo, porque a proteína de RNA mensageiro da vacina se desintegra rapidamente.

Patrícia Almeida destaca que é impossível definir qualquer risco da vacina a partir do estudo apresentado, assim como seria impossível um estudo desta natureza apontar que existirão epidemias de outras doenças em decorrência do imunizante. A médica destaca que existem vários questionamentos em relação à genotoxicidade desde o surgimento das primeiras vacinas feitas de RNA mensageiro, mas que a inoculação do DNA é algo improvável cientificamente.

Efeitos colaterais graves e covid em crianças

Os efeitos colaterais provocados pelas vacinas podem ser encontrados nas bulas dos imunizantes, que estão disponíveis no site da Anvisa.

No caso da Pfizer, as reações mais comuns (ocorrem em 10% dos pacientes) são consideradas leves, como dor e inchaço no local de injeção, cansaço, dor de cabeça, diarreia e dor muscular, dor nas articulações, calafrios e febre. Já a miocardite (infecção das fibras do coração) e a pericardite (inflamação do revestimento externo do coração), consideradas reações graves, são tidas como muito raras, ocorrendo em menos de 0,01% dos pacientes.

Procurada pelo Comprova, a Pfizer afirma que, normalmente, os casos de pericardite e miocardite ocorreram com mais frequência em homens mais jovens, após a segunda dose da vacina e em até 14 dias após a vacinação. Reações foram menos relatadas em crianças com 5 a menos de 12 anos de idade do que em adolescentes de 12 a 17 anos. Sobre o problema, a empresa declara ainda que geralmente os casos são leves e os indivíduos tendem a se recuperar dentro de um curto período de tempo, embora não informe qual, após o tratamento padrão, que pode incluir compressa fria se houver dor no local da aplicação e ingestão de analgésico em caso de febre e dores na cabeça e no corpo, além de repouso. A Pfizer solicita que após a vacinação, a pessoa deve ficar alerta para sinais de miocardite e pericardite, como falta de ar, palpitações e dores no peito, e procurar atendimento médico imediato, caso ocorram.

A empresa disponibilizou um portal para comunicação de informações relacionadas a relatos de eventos adversos para facilitar o contato com a empresa e o monitoramento de farmacovigilância.

Diferentemente do que afirma o médico, crianças podem desenvolver doenças graves associadas à covid-19, principalmente a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P).

O Instituto Butantan ressalta que ela atinge majoritariamente crianças não vacinadas. Um estudo internacional também mostrou que crianças não vacinadas são mais propensas a desenvolver sintomas graves de covid-19, representando 90% dos casos moderados a graves da doença entre o público pediátrico.

Pfizer diz que não há alerta de preocupação

Sobre os comentários do médico, o Comprova procurou a Pfizer para que a empresa comentasse as acusações. A Pfizer informou que não comenta estudos que não sejam de autoria dela e declarou que já distribuiu, até o dia 5 de outubro, mais de 4,6 bilhões de doses da vacina ComiRNAty em mais de 181 países. Segundo a empresa, não há, até o momento, qualquer alerta de segurança ou preocupação, de modo que o benefício da vacinação segue se sobrepondo a qualquer risco.

A empresa ressalta que agências regulatórias pelo mundo como a Federal Drug Administration (FDA), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizaram o uso da vacina contra a Covid-19, baseadas em avaliações robustas e independentes de dados científicos sobre qualidade, segurança e eficácia, incluindo o estudo clínico da fase 3. Esse estudo procedeu com a administração da vacina a milhares de pessoas, para que fosse demonstrada a sua eficácia e segurança, ou seja, que a vacina é capaz de proteger os indivíduos com o mínimo possível de reações adversas.

A empresa também informou que dados de estudos de mundo real complementam as informações dos estudos clínicos e proporcionam evidência adicional de que a vacina fornece proteção eficaz contra formas graves da doença.

Na mesma linha, segue o Ministério da Saúde, que também considera que os benefícios do uso da vacina superam os seus possíveis riscos.

De acordo com a pasta, a probabilidade de eventos adversos graves causados pelas vacinas é muito menor do que o risco das doenças e suas complicações. O ministério salienta que, como qualquer outro medicamento, as vacinas não estão livres de provocar eventos adversos e, por isso, está atento e acompanhando todos os casos notificados como Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização, para rápida resposta à população.

Sobre reações oriundas da vacina, a Pfizer disse ao Comprova que realiza habitualmente o acompanhamento de relatos de potenciais eventos adversos de seus produtos, mantendo sempre informadas as autoridades, de acordo com a regulamentação vigente nos países onde é aplicada. A empresa disponibilizou um portal para comunicação de informações relacionadas a relatos de eventos adversos para facilitar o contato com a empresa e o monitoramento de farmacovigilância.

Ministério da Saúde reforça segurança das vacinas

Ao Comprova, o Ministério da Saúde informou que todas as vacinas ofertadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) são seguras e possuem autorização de uso pela Anvisa, após terem demonstrado eficácia e segurança favoráveis em estudos clínicos. O órgão também afirma que as vacinas passam por um rígido processo de avaliação de qualidade pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fundação Oswaldo Cruz, instituição responsável pela análise de qualidade dos imunobiológicos adquiridos e distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Sobre os possíveis efeitos colaterais provocados pela ComiRNAty, a pasta declarou que a Anvisa é o órgão responsável pelo recebimento de relatórios de segurança das vacinas. Além dela, o PNI coordena o Sistema Nacional de Vigilância (SNV) de Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (ESAVI), cuja fonte de dados são as notificações de casos suspeitos que são realizadas por qualquer profissional de saúde do Brasil, por meio do sistema de informações e-SUS Notifica. Dessa forma, o PNI realiza o monitoramento da ocorrência de ESAVI de forma contínua e sistemática, permitindo a detecção de sinais de segurança e a avaliação do benefício-risco das vacinas recomendadas e em uso no país.

O Ministério da Saúde reforça que para a avaliação e investigação de ESAVI graves, raros ou inusitados foi criado um Comitê Interinstitucional de Farmacovigilância de Vacinas e outros Imunobiológicos (Cifavi) com participação da Anvisa, Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) e especialistas de diversas modalidades médicas e de saúde pública, coordenado pela pasta ministerial.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova enviou um pedido de posicionamento ao número de WhatsApp controlado pela equipe do médico Alessandro Loiola, que faz as alegações aqui verificadas, mas não teve resposta até o momento.

O que podemos aprender com esta verificação: O post verificado lança dúvidas sobre a segurança das vacinas contra a covid-19, que são alvo frequente de desinformação. Para passar um ar de seriedade e comprovação sobre o que está dizendo, o autor cita um estudo real, mas omitindo considerações importantes dos pesquisadores sobre o assunto, além de acrescentar informações que não estão na pesquisa. As pesquisas científicas ficam disponíveis para consulta online e, como no caso aqui verificado, frequentemente são abordadas em entrevistas e reportagens de veículos profissionais de imprensa ou de instituições, como universidades, que buscam traduzir as informações para o público leigo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Alegações semelhantes sobre o estudo sueco foram checadas no ano passado por Reuters e AP News. Anteriormente, o Comprova demonstrou que vacinas não injetam “DNA alienígena” nas pessoas, que é falso que elas causem danos irreversíveis ao DNA e que Bill Gates tenha comprado ações da Coca-Cola para inserir vacinas com mRNA na bebida.

Saúde

Investigado por: 2023-10-10

É falso que Canadá tenha admitido que triplamente vacinados contra a covid-19 tenham desenvolvido Aids

  • Falso
Falso
É falso que o governo canadense tenha admitido que pessoas que já tomaram três doses da vacina de covid-19 tenham desenvolvido Aids. Não há relação entre os imunizantes e a doença, que é causada pela infecção do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Dados do governo canadense mostram apenas as taxas de casos de covid-19 entre vacinados e não imunizados, sem qualquer relação com casos de infecções por HIV.

Conteúdo investigado: Publicação compartilha link de matéria e print de uma manchete do site Tribuna Nacional que diz “Governo canadense admite que 74% dos triplamente vacinados tem Aids”. A legenda afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria avisado sobre a relação entre a covid-19 e a Aids e questiona: “será que daria pra lascar um processo naqueles comunistas e genocidas da cpmi do circo?”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e site.

Conclusão do Comprova: É falso que o governo canadense tenha admitido que pessoas que foram vacinadas contra a covid-19 tenham desenvolvido quadro de Aids. A Agência de Saúde Pública do Canadá (PHAC, em inglês) confirmou que a notícia é falsa e apresentou links de agências de checagem internacionais que desmentem a correlação.

Uma publicação no X distorce dados epidemiológicos do governo do Canadá. Nestes relatórios, não há qualquer menção ao HIV. Há somente informações referentes ao resumo dos casos, mortes, testes e variantes preocupantes de covid-19 em todo o Canadá ao longo do tempo.

Os dados destacados no conteúdo investigado são inadequados e as comparações propostas ali não fazem sentido. Em uma delas, o texto afirma que a população não vacinada teve menos casos de covid-19. Porém, a população não vacinada é muito menor do que a que foi vacinada.

Por exemplo, na segunda semana epidemiológica citada no artigo, terminada em 13 de fevereiro de 2022, os dados oficiais do governo canadense mostram que a população vacinada com duas doses era de 13,72 milhões de habitantes. Os triplamente vacinados eram 16,84 milhões e os não vacinados eram 5,75 milhões. Esses dados foram obtidos na plataforma Wayback Machine, que compila páginas antigas da Internet. No conteúdo investigado, a população por status de vacinação foi subestimada no casos dos vacinados (11,50 e 11,70 milhões, respectivamente), e superestimada para os não vacinados (13,21 milhões).

Para efeitos de comparação, desde o início da vacinação, em dezembro de 2020, 40% dos casos confirmados de covid foram de não vacinados, contra 32,3% de vacinados com esquema inicial e 18,7% com uma dose de reforço. Esses números são de 14 de outubro de 2022, data da última atualização do portal da Agência de Saúde Pública do Canadá.

Além disso, o conteúdo investigado usa dados de dezembro de 2020 a 2022, quando a proporção de vacinados e não vacinados oscilou drasticamente com o avanço da imunização. O Canadá demorou para iniciar o processo, mas teve uma alta busca por vacinação, além de ter adotado medidas mais rígidas para conter a disseminação do vírus.

Alguns dos gráficos usados no material de desinformação apresentam dados corretos sobre vacinados no Canadá. Os números mostrados não revelam qualquer relação com casos de Aids ou imunodeficiência adquirida.

Consultado pelo Comprova, o médico imunologista e especialista em doenças parasitárias e infecciosas José David Urbáez Brito, que também é presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, reforça que a ideia de que vacinados perdem imunidade e desenvolvem Aids não se sustenta.

“Primeiro que a Aids é uma doença causada por um vírus. É o vírus da imunodeficiência humana, HIV. Então essa vacina (de covid-19) não tem nenhum componente vivo, nada que possa lembrar um vírus. Portanto, não teria nem maneira (de causar a infecção). Mesmo que a intenção fosse de uma conspiração internacional completamente à margem da ética, não há maneira”, afirma o especialista.

Ele avalia ainda que a metodologia, de comparar eficácia da vacina com base no número de casos de vacinados e não vacinados, é utilizada apenas em fase de testes ou nos estágios iniciais da criação de uma vacina. “O cálculo você faz quando a vacina é criada, neste momento você vai comparar o número de casos entre pessoas vacinadas com o número de casos entre pessoas não vacinadas. Você calcula a eficácia porque você vai ver que entre os vacinados teve um caso, entre os não vacinados teve 100 casos. Então, aí a vacina evitou 99 casos”, explicou.

Falso: Conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post foi excluído antes da finalização desta verificação, mas até o dia 3 de outubro, a publicação no X contava com 97 mil visualizações.

Como verificamos: Inicialmente, procuramos informações sobre a covid-19 no Canadá no site oficial do governo local. Também buscamos no Google pelas palavras-chave “Canadá covid aids”, para saber se houve algum pronunciamento relacionando a vacinação com a doença. Buscamos pelo site britânico The Exposé, para encontrar o conteúdo original, traduzido pelo Tribuna Nacional. Pesquisamos no Google por explicações oficiais e médicas sobre o vírus da Aids, além de outros momentos em que peças de desinformação envolvendo vacinas de covid-19 e Aids viralizaram. Em seguida, buscamos pelo site da Agência de Saúde Pública do Canadá no Wayback Machine, para tentar encontrar os dados apresentados na matéria.

Por fim, entramos em contato com José David Urbáez Brito, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal e com a Agência de Saúde Pública do Canadá. Buscamos pelo autor em outras redes sociais e no Google, mas não encontramos nenhuma informação que nos permitisse entrar em contato com ele. Na rede social X não há possibilidade de pessoas que não se seguem mutuamente enviarem mensagens.

Vacina da covid não causa Aids

Além de usar dados de forma incorreta, a publicação investigada compara a Aids a uma suposta redução da resposta do sistema imunológico após a aplicação da vacina de covid-19. O artigo cita até mesmo que os imunizantes contra a doença causariam a “síndrome de imunodeficiência adquirida por vacina” (vaids), uma espécie de Aids. As alegações são infundadas, como também mostram outras verificações, aqui, aqui e aqui.

A Aids é o estágio mais avançado da infecção por HIV e ocorre se o paciente não utilizar medicamentos antirretrovirais e recusar acompanhamento médico. Conforme a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o HIV tem como alvo o sistema imunológico e enfraquece os sistemas de defesa das pessoas contra infecções e alguns tipos de câncer.

Como o vírus destrói e prejudica a função das células imunes, os pacientes vivendo com o vírus se tornam gradualmente imunodeficientes. A função imunológica é medida pela contagem de células CD4, um tipo de linfócito que atua na identificação, no ataque e na destruição de bactérias, fungos e vírus que invadem o corpo.

A imunodeficiência resulta em um aumento da suscetibilidade a várias infecções e doenças que pessoas com um sistema imune saudável podem combater. Com o avanço da medicina, o uso de medicamentos antirretrovirais permitiu que pessoas vivendo com HIV não desenvolvessem Aids e pudessem viver com qualidade. Pessoas com HIV em tratamento antes do avanço da doença podem ter expectativa de vida quase igual à de pessoas não infectadas.

O efeito imunossupressor causado tanto por medicamentos como pela manifestação da Aids não tem qualquer relação com a resposta do sistema imunológico após a aplicação de vacinas. Conforme o médico José David Urbáez Brito, a publicação investigada tenta associar erroneamente a vacina à diminuição da imunidade.

Medicamentos imunossupressores são geralmente usados por pessoas que fazem tratamento para doenças autoimunes como lúpus, artrite reumatoide, doença de Crohn e anemia hemolítica. Pessoas que estão em tratamento pós-transplante de órgãos ou células tronco ou ainda que façam quimioterapia também são consideradas imunossuprimidas.

“Nesse paciente, o tratamento passa por modificar a imunidade do indivíduo por conta da própria natureza agressiva do tratamento. Então, uma leucemia aguda, para você combater, você usa tratamentos agressivos que acabam destruindo a medula óssea e você fica imunossuprimido, você fica sem as células de defesa. Então, o que eles estão tentando combinar nesse texto é que a vacina agiria modificando o sistema imunológico para ele ficar fraco, como se fosse um imunossupressor. Isso não existe”, ressalta o infectologista.

Ao Comprova, a Agência de Saúde Pública do Canadá negou a informação de que as vacinas contra covid tenham causado Aids e apresentou links de agências de checagem internacionais que desmentem a correlação entre a vacinação contra covid-19 e a Aids, como esta da AP News. Ao site de verificação de fatos Lead Stories, a agência enviou uma resposta ressaltando o caráter falso do artigo.

“Com bilhões de doses de vacinas contra a covid-19 administradas a indivíduos em todo o mundo, os dados do mundo real sugerem fortemente que os indivíduos vacinados contra a covid-19 não ficam imunocomprometidos após a vacinação. A eficácia protetora destas vacinas contra a casos graves de covid-19 é inequivocamente conhecida por ser mediada pela atividade do sistema imunitário do indivíduo vacinado”, explicou em nota.

A agência destacou que, até a data de fechamento deste material, ainda não haviam sido apresentadas à PHAC quaisquer notificações de Aids após a vacinação contra a covid-19. Além disso, a nota ressalta ainda que as autoridades de saúde canadenses monitoram “continuamente” os dados sobre a vacinação no país.

“A vacinação continua a ser uma das formas mais eficazes de proteger as nossas famílias, comunidades e nós próprios contra a covid-19. As evidências mostram que as vacinas utilizadas no Canadá são muito eficazes na prevenção de casos graves, hospitalização e morte por covid-19”, concluiu a agência.

Níveis de vacinação e casos confirmados de covid no Canadá

Segundo dados oficiais do governo canadense, o país administrou mais de 99 milhões de doses de vacina contra a covid-19 de 14 de dezembro de 2020 até 10 de setembro de 2023, última atualização da plataforma. Do total da população, 83,2% receberam pelo menos uma dose – o equivalente a 32.372.771 habitantes –, enquanto 80,5% do total completaram o esquema primário de vacinação. A terceira dose foi aplicada em 62,2% dos mais de 24 milhões que já tomaram duas doses.

Com a vacinação alcançando mais de três quartos da população canandense, os números de casos e mortes caíram drasticamente. Depois de ter ultrapassado os 300 mil casos e beirado as 900 mortes em uma semana epidemiológica de janeiro de 2022, a semana terminada em 4 de outubro de 2023 registrou 7.901 novos casos e 65 mortes pela doença.

A publicação analisada apresenta dados verídicos, mas compara o número de casos entre vacinados, com até três doses tomadas, e não vacinados. A metodologia, conforme o médico José David Urbáez Brito, é considerada em fases iniciais da vacina. Com a aplicação em massa na população, é feita a análise da onda de contágio do contingente total de habitantes de um país.

“Quando faz o ensaio da vacina, você tem esse interesse (de comparar vacinados e não vacinados), mas depois você vai ver como se comportava a população toda. E aí o que você viu foi a queda vertiginosa, a ausência de casos graves e de óbito. A eficácia você calcula lá atrás. Para você, com isso, fazer a incorporação aos programas de vacinação”, pontuou.

Suposta relação entre vacinação contra covid e Aids teve início em 2021

Em um material explicativo publicado pelo Comprova em 25 de agosto de 2022, foi mostrado que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por associar a vacinação contra a covid-19 com o desenvolvimento da Aids.

Em uma de suas lives semanais, em 21 de outubro de 2021, Bolsonaro leu uma notícia que afirmava que relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugeriam que pessoas totalmente vacinadas contra a covid-19 – a época, com três doses – estariam desenvolvendo a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids) de maneira muito mais rápida do que o previsto.

“Recomendo ler a matéria, não vou ler para vocês aqui porque posso ter problema com a minha live aqui, não quero que caia a live aqui, eu quero dar informações concretas. Vou deixar bem claro aqui, talvez eu tenha sido o único chefe de Estado do mundo que tenha tido coragem de colocar a cara à tapa nessa questão”, disse o ex-presidente. A transcrição do áudio original desta live está em uma pasta organizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e disponibilizada na ferramenta Pinpoint, do Google, que reúne a transcrição de todas as lives semanais do presidente.

A matéria lida por Bolsonaro era do site norte-americano Before It’s News, conhecido por propagar informações falsas sobre vacinas. À época, em resposta ao Fato ou Fake, do g1, o Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido afirmou que a publicação é de um site que propaga “fake news” e teorias da conspiração e diz que a história não é verdadeira.

A suposta relação entre a vacina e a doença teve uma sobrevida em fevereiro de 2023, quando peças de desinformação começaram a circular dizendo que o governo alemão teria anunciado que “um número alarmante” de vacinados contra a covid-19 estariam desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida. Agências de verificação como a Lupa e a AFP Checamos mostraram que esses conteúdos eram falsos.

O que diz o responsável pela publicação: Não é possível enviar mensagens diretas por meio de contas que não se seguem mutuamente no X (antigo Twitter). O nome do autor da publicação foi procurado em outras redes sociais, mas as contas não eram do mesmo usuário.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma das táticas mais comuns de peças de desinformação é a utilização de dados reais utilizados de forma distorcida para corroborar uma informação falsa. A série de estatísticas reais sobre a situação de casos de covid-19 e vacinação no Canadá poderiam gerar uma espécie de credibilidade dos subsequentes cálculos e o suposto desenvolvimento de Aids.

Além disso, caso o governo canadense realmente tivesse admitido ou afirmado algo nesse sentido, tal informação seria amplamente divulgada pelos próprios canais oficiais e em diversos veículos de comunicação

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As agências Aos Fatos, boatos.org e Reuters também verificaram o mesmo conteúdo e concluíram que a alegação é falsa.

A temática da vacinação costuma ser alvo de desinformadores e peças sobre o assunto já foram verificadas pelo Comprova. Recentemente, o projeto mostrou que CDC não falsificou dados nem admitiu que 99% das mortes por Covid nos EUA foram por outras causas, que governo da Flórida não declarou vacina contra a covid-19 uma arma biológica, ao contrário do que diz post e que OMS não admitiu que bebês de mães vacinadas estão nascendo com problemas no coração.

Política

Investigado por: 2023-10-10

Brasil não enviou US$ 600 milhões para agronegócio da Argentina

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha enviado US$ 600 milhões para o agronegócio da Argentina, dos quais seriam US$ 100 milhões para produtores de leite, para que vendessem a mercadoria ao Brasil. O deputado que faz a alegação distorce os termos de um acordo ainda em discussão entre os dois países para viabilizar exportações brasileiras de alimentos e peças de carro aos argentinos. O parlamentar também afirma que o setor do agronegócio está em recessão, o que não é verdade, conforme indicam os dados mais recentes do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Conteúdo investigado: Vídeo em que um homem afirma que Lula vai mandar US$ 600 milhões “para o agro” na Argentina. Na sequência, o homem reproduz vídeo do deputado federal Rodolfo Nogueira (PL-MS), em que ele afirma que “Lula destinou US$ 600 milhões ao agronegócio da Argentina” sendo que US$ 100 milhões seriam para “produtores de leite da Argentina para vender ao Brasil”. Ele diz que isso levaria o mercado leiteiro brasileiro, já em crise, à falência. O parlamentar ainda argumenta que o agronegócio estaria em recessão, o que iria se espalhar para outros setores da economia: “Vai chegar na cidade, senhor Lula, a recessão do agro chega na cidade já, já”.

Onde foi publicado: TikTok, WhatsApp e Instagram.

Conclusão do Comprova: É enganoso que o governo Lula (PT) tenha enviado US$ 600 milhões para o agronegócio da Argentina e que parte do valor seria destinado à compra de leite de produtores argentinos. O deputado que faz a alegação distorce os termos de um acordo que ainda está sendo discutido pelos países. O acordo busca viabilizar exportações brasileiras ao país vizinho. A negociação trataria da venda de alimentos e peças de carro para a Argentina, e não da compra de leite pelo Brasil.

O governo brasileiro anunciou, em 28 de agosto, que os dois países chegaram a um acordo para financiar US$ 600 milhões de exportações do Brasil à Argentina, após reunião entre o presidente Lula, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o ministro da Economia argentino, Sergio Massa, que reforçou o anúncio.

A previsão, naquele momento, era de que o Banco do Brasil (BB) pagaria cada exportador brasileiro e teria o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) como garantidor do financiamento à Argentina. Ao Comprova, o Ministério da Fazenda comunicou, porém, que o acordo ainda não está fechado, pois resta ser apresentada uma proposta detalhada sobre as garantias do financiamento por parte da Argentina e do CAF.

Já a alegação do parlamentar de que o agronegócio estaria em recessão não encontra sustentação ao ser confrontada com os dados mais recentes do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Economistas classificam como recessão técnica a ocorrência de dois trimestres seguidos de queda do PIB, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dividido entre os setores de agropecuária, serviços e indústria. O PIB agropecuário teve queda de 0,9% no segundo trimestre deste ano, mas vinha de uma alta de 21% no trimestre anterior. A retração mais recente, conforme análise do IBGE, se deve, principalmente, à base elevada de comparação do primeiro trimestre de 2023.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, uma publicação que repercute a fala do deputado teve 19,9 mil curtidas e 17,8 mil compartilhamentos até 9 de outubro.

Como verificamos: O Comprova reconheceu, no vídeo investigado, o deputado federal Maurício Souza (PL-MG), o Mauricio do Vôlei, ao lado da pessoa que faz as alegações sobre o suposto acordo comercial. Nas redes sociais do deputado, foi possível confirmar que ele estava em um evento de lançamento da Frente Parlamentar em Defesa das Cooperativas e Pequenos Laticínios do Brasil com Leite Nacional e da Pecuária Leiteira Brasileira (FPDCPLB), da Câmara dos Deputados, ocorrido em 20 de setembro de 2023.

Um vídeo de todo o evento está disponível no canal da Câmara no YouTube. O registro permite identificar que o autor da fala é o deputado federal Rodolfo Nogueira (PL-MS). Em sua conta no Instagram, o parlamentar publicou vídeo com alegação semelhante à que fez no Plenário da Câmara.

A reportagem tentou contato com o deputado Rodolfo Nogueira via WhatsApp por seu telefone pessoal e pelo e-mail funcional do gabinete, mas não obteve retorno.

Financiamento à Argentina já foi alvo de desinformação

Essa não foi a primeira vez que as negociações entre Brasil e Argentina se tornaram objeto de desinformação. No início de setembro, o Estadão Verifica fez uma checagem sobre um conteúdo enganoso semelhante, que havia sido divulgado pelo deputado estadual pelo Rio Grande do Sul Gustavo Victorino (Republicanos).

Ao Estadão Verifica, Victorino confirmou que o suposto acordo mencionado por ele, sobre o Brasil enviar US$ 600 milhões ao agronegócio da Argentina, dos quais US$ 100 milhões iriam para produtores de leite, fazia alusão a um financiamento em negociação entre os dois países, também na casa dos U$ 600 milhões, mas para viabilizar exportações brasileiras ao país vizinho, sem relação com o mercado de leite.

Na ocasião em que a alegação viralizou a partir de falas de Victorino, a presidência da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite) divulgou ter feito contato com o Banco do Brasil para confirmar o suposto repasse milionário ao mercado leiteiro argentino, o que foi desmentido pela instituição financeira, que ressaltou a possibilidade de ter ocorrido uma possível confusão por parte do deputado. O BB reconheceu haver apenas uma negociação para viabilizar exportações brasileiras à Argentina.

Acordo em discussão não tem relação com produtores argentinos de leite

A negociação entre os dois países versa sobre um financiamento para assegurar a continuidade de exportações de alimentos e peças de carros do Brasil para a Argentina.

Em 4 de setembro, o governo federal fez uma publicação sobre o tema, afirmando que, em uma primeira rodada das negociações, o Brasil havia proposto um financiamento de R$ 700 milhões (cerca de US$ 140 milhões), que seria viabilizado pelo Programa de Financiamento às Exportações (Proex), um mecanismo existente desde 1991 para apoiar exportações brasileiras a outros países, não só à Argentina.

Essa mesma publicação do governo federal informa que a Argentina fez uma contraproposta que elevaria o financiamento para US$ 500 milhões, ao contar com garantias do CAF. Não foi apresentado, no entanto, um documento formal com a proposta final ao Brasil, também segundo divulgou a gestão Lula.

A nota ainda afirma que peças de desinformação têm atribuído ao acordo um falso fomento do Brasil para empresas argentinas. Na realidade, a intenção é fomentar a exportação de produtos brasileiros para o exterior.

Em contato com o Comprova, o Ministério da Fazenda reforçou que o acordo não foi fechado e que em momento algum foi sugerido um aporte brasileiro de US$ 100 milhões a produtores de leite da Argentina.

“Nas negociações iniciais, a delegação argentina sugeriu que o financiamento se direcionasse a peças automotivas, um dos principais produtos de exportação do Brasil ao país vizinho. Porém, a negociação não avançou além das intenções sobre este ponto em específico”, escreveu, em nota.

Ainda ao Comprova, o Banco do Brasil, agente exclusivo da União para negociações do Proex, também negou fazer parte de acordo que viabilizaria exportações do mercado de leite da Argentina ao Brasil.

“O Banco do Brasil tem atuado em trabalho conduzido pelo Ministério da Fazenda, envolvendo diversos Ministérios, no sentido de construir alternativa de financiamento às exportações brasileiras para a Argentina. Cabe ressaltar que se alguma solução técnica for viabilizada, é condição indispensável que ela não traga qualquer tipo de risco ou impacto em balanço tanto do BB quanto da União”, escreveu.

Por que o mercado do leite está em crise

O setor leiteiro no Brasil tem vivido crise devido ao preço de venda não cobrir os custos de produção. O mercado reclama, entre outras coisas, que produtores de países vizinhos, caso da Argentina, contam com políticas públicas de fomento, como subsídios, a ponto de conseguirem exportar leite a consumidores brasileiros a preços menores do que os valores ofertados por produtores locais.

De acordo com a Abraleite, produtores têm sofrido com o que chama de “importações predatórias”, vindo especialmente de países parceiros do Mercosul, como a Argentina e o Uruguai. A associação estima que as importações representam mais de 11% do que é consumido tradicionalmente no país. Historicamente, esse percentual era de 3%.

Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) apontam que, de janeiro a setembro deste ano, consumidores brasileiros importaram o equivalente a US$ 652,02 milhões de leite, creme de leite e laticínios, uma variação de 105,5% em comparação com o mesmo período do ano passado.

No último dia 2 de outubro, o governo federal anunciou que editaria uma medida tributária para desincentivar a importação de leite de países vizinhos pelo mercado brasileiro. Anteriormente, foi anunciada a destinação de R$ 100 milhões para a compra de leite em pó de agricultores familiares brasileiros como forma de incentivar o setor produtivo nacional.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o deputado Rodolfo Nogueira via WhatsApp por seu telefone pessoal e pelo e-mail funcional de seu gabinete, mas não obteve retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: Tirar notícias verdadeiras de seu contexto original para fazer alegações enganosas e falsas a respeito de um assunto de interesse público é uma tática utilizada com frequência por desinformadores. Nesses casos, é importante buscar fontes confiáveis e seguras para entender o que, de fato, está sendo informado, além de verificar se a alegação é verdadeira ou não.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Como informado acima, o suposto envio de US$ 600 milhões pelo governo federal para o agronegócio da Argentina, dos quais US$ 100 milhões iriam a produtores argentinos de leite, havia sido desmentido pelo Estadão Verifica ao ser alegado por um outro deputado. O acordo de fato em discussão ainda foi alvo de uma outra peça de desinformação checada pelo Comprova, que mostrou ser enganoso que o Brasil fará empréstimo à Argentina enquanto Lula bloqueia recursos da saúde e educação. Foi feita também verificação sobre um tuíte que engana ao responsabilizar o governo federal pela importação de laticínios.

Eleições

Investigado por: 2023-10-06

Eleição para conselheiros tutelares em Diadema foi interrompida em razão de problemas nas urnas eletrônicas

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a publicação com afirmação de que o “PT está fazendo trambique” nas eleições do Conselho Tutelar da cidade de Diadema, em São Paulo. De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), a eleição foi adiada por erro na configuração das urnas. Uma nova eleição foi remarcada para o dia 29 de outubro.

Conteúdo investigado: Publicação com a legenda “PT fazendo trambique nas eleições do Conselho Tutelar”. No vídeo, um homem critica o cancelamento das eleições para o Conselho Tutelar de Diadema e menciona o PT, partido do prefeito da cidade, e afirma que ocorreram irregularidades em outros municípios da região.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: É enganosa a publicação com afirmação de que o “PT está fazendo trambique” nas eleições do Conselho Tutelar da cidade de Diadema, em São Paulo. O autor do post faz tal declaração após se deparar com o anúncio de que a eleição no local em que ele foi havia sido cancelada.

De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), a eleição foi adiada por um erro na definição das regras das eleições do Conselho Tutelar do município. As urnas foram configuradas para que os eleitores fizessem 15 escolhas. Entretanto, o correto seria apenas uma.

Além de Diadema, outras 12 cidades registraram problemas nas urnas eletrônicas, que foram identificados durante a votação. O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Diadema anunciou no dia 5 de outubro que as eleições para cargos de conselheiro tutelar irão acontecer em 29 de outubro no município.

Nos municípios em que as eleições foram canceladas, os respectivos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente serão responsáveis por agendar uma nova data para o pleito, recebendo o auxílio da Justiça Eleitoral.

As eleições do Conselho Tutelar estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desde 1990, e acontecem no ano seguinte à votação presidencial. Os candidatos eleitos atuam na garantia de proteção e defesa dos direitos previstos na legislação brasileira. O voto é facultativo para pessoas acima de 16 anos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: A publicação no X somou 3,1 mil visualizações, 143 curtidas e 46 compartilhamentos até 5 de outubro.

Como verificamos: Ao pesquisar no Google termos-chave como “eleições canceladas conselho tutelar Diadema”, rapidamente foi possível encontrar links para os sites oficiais da Prefeitura da cidade e do TRE-SP – duas fontes com autoridade para explicarem o assunto do vídeo. A partir daí, o Comprova filtrou quais eram as notícias mais recentes sobre o acontecido.

Para identificar o local onde o vídeo foi gravado, bastou digitar no Google o nome “Escola Municipal Anita Catarina Malfatti” que aparece brevemente nos primeiros segundos da gravação, seguido da palavra “Diadema”. Foi importante conferir se essa escola de fato constava na lista de locais de votação divulgada pela Prefeitura. Em seguida, foi utilizado o recurso Google Street View do Google Maps para confirmar que o local que aparece no vídeo era mesmo a Escola Municipal Anita Catarina Malfatti de Diadema. O Comprova verificou que as construções que apareciam à direita e à esquerda da instituição eram as mesmas da gravação. Para tentar chegar até a origem do vídeo, foram utilizadas a extensão Invid e o site PimEyes. O InVid permitiu a separação do vídeo em ‘frames’, recurso que serve para facilitar a busca reversa de imagens. Já o PimEyes identificou mais vídeos na internet da mesma pessoa que aparece no vídeo. Entretanto, não foi encontrado o nome ou o perfil das redes sociais para contato. Por fim, mais detalhes sobre o adiamento das eleições para conselheiro tutelar na cidade foram solicitados diretamente às assessorias de comunicação da Prefeitura de Diadema e do TRE-SP.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu identificar o homem que aparece no vídeo até a publicação desta verificação. Já o responsável pela postagem no X permite que apenas usuários com contas verificadas enviem mensagens.

O que podemos aprender com esta verificação: A veiculação de informações incompletas e fora de contexto, além de publicar alegações falsas, passou a ser uma tática frequentemente utilizada por desinformadores nas plataformas digitais. Antes de compartilhar conteúdos, é importante verificar – por meio de fontes oficiais ou veículos de comunicação – se as afirmações correspondem à realidade.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Conteúdos foram criados para espalhar desinformação a respeito das eleições para o Conselho Tutelar. O Comprova verificou que é enganosa a alegação de que o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, quer anular parte das eleições no país porque a “direita venceu em muitos lugares”.

Contextualizando

Investigado por: 2023-10-06

Mudança de metodologia de repasse é confundida com falta de recursos para o Plano Safra

  • Contextualizando
Contextualizando
Vídeo que circula no Instagram afirma que não há recursos para empréstimos ao produtor rural no Plano Safra 2023/2024 e que os repasses feitos em julho foram inferiores ao verificado no mesmo mês de 2022, apesar do valor recorde previsto neste ano. A autora cita dados não consolidados à época e tira informações de seu contexto. Na comparação entre os meses citados por ela, houve, na verdade, aumento de repasse para a agricultura empresarial e perda em menor grau à produção familiar. Além disso, operando sob nova metodologia, os recursos do Plano Safra passaram a ser liberados de forma trimestral e, diante da alta demanda por crédito, os valores previstos para o primeiro trimestre foram, de fato, rapidamente absorvidos, gerando interrupção de algumas linhas de crédito. No entanto, houve antecipação de valores e retomada das linhas de crédito.

Conteúdo investigado: Publicação no Instagram afirma que não há dinheiro para o Plano Safra 2023/24. Ela alega que, embora tenha sido anunciado um valor recorde à iniciativa pelo governo federal, a concessão de crédito pelas instituições bancárias que operam as linhas do plano está travada por falta de recursos. A autora do conteúdo afirma também que a agricultura familiar perdeu, na comparação de julho de 2023 com o mesmo mês de 2022, 47% dos recursos do Plano Safra, enquanto os médios e os grandes produtores teriam 36,8% a menos, o que estaria travando a cadeia produtiva do agronegócio no país. No fim do vídeo, ela questiona: “Onde vamos parar? Onde estão os recursos do Plano Safra?”.

Onde foi publicado: Instagram.

Contextualizando: Lançado no fim de junho, o Plano Safra 2023/2024 teve recorde de recursos previstos para empréstimos a produtores rurais – R$ 435,82 bilhões (R$ 364,22 bilhões para agricultura e pecuária empresarial e R$ 71,6 bilhões para a produção familiar).

Nesta edição, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) alterou a metodologia para repasse dos recursos aos agentes financiadores, que são bancos e cooperativas de créditos. Agora, os valores são repassados a cada trimestre mediante o planejamento informado pelas instituições ao governo, e não mais por livre demanda dos produtores.

Esse contingenciamento, aliado à forte demanda por crédito no mês de julho, fez com que os recursos previstos para o primeiro trimestre fossem rapidamente consumidos nos primeiros trinta dias do programa, o que interrompeu algumas linhas de financiamento. Como resultado, o mês de julho de 2023, comparado com o mesmo mês de 2022, registrou queda de 8% no número total de contratos. O montante de recursos disponibilizados, no entanto, teve alta de 15%.

Se considerarmos apenas a produção empresarial (médios e grandes produtores), houve alta de 12% no número de contratos e de 21% no volume de recursos concedidos, e não queda de 36,8% do dinheiro. Já em relação somente à produção familiar, cujo crédito é repassado via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o mês de julho registrou quedas de 15% no volume de contratos e de 10% dos recursos concedidos, e não um montante 47% menor de verba.

Os percentuais, portanto, diferem dos apresentados no vídeo verificado. Isso porque, na época em que ele foi divulgado, os dados de julho ainda não haviam sido consolidados, informação que não é mencionada no conteúdo.

A informação divulgada – “não tem dinheiro para o Plano Safra” – também carece de contextualização. Após a interrupção de algumas linhas de financiamento, o governo federal antecipou recursos que estavam previstos para o trimestre seguinte.

Considerando-se os dois primeiros meses com dados consolidados (julho e agosto), o Plano Safra 2023/2024 registra aumento de 2,5% no número de contratos, de 21% no valor contratado e de 18% no valor médio por contrato. Já no Pronaf, há aumento de 1,2% no número de contratos e queda de 9,8% no valor do crédito concedido. Os dados de setembro ainda não foram fechados.

Como o conteúdo pode ser interpretado: Da forma como os dados foram divulgados, há margem para a interpretação de que há irregularidades no repasse dos recursos do Plano Safra 2023/2024.

O que é o Plano Safra?

O Plano Safra oferece linhas de crédito para o financiamento das atividades de pequenos, médios e grandes produtores rurais no Brasil. Criado pelo governo federal em 2003, ele começa a valer no dia 1º de julho de cada ano, com validade até junho do ano seguinte, acompanhando o calendário das principais safras do país.

O programa oferece diferentes linhas de crédito, com taxas de juros subsidiadas, destinadas aos distintos tipos de produtores rurais. A intenção é estimular o aumento da produção agropecuária. Cada grupo de produtores (pequenos, médios e grandes) recebe um volume diferente de recursos e taxas de juros de financiamento distintas.

Repasses passaram a ser trimestrais

O Plano Safra 23/24 trouxe como novidade a liberação de recursos para as linhas de crédito de forma trimestral. A intenção por trás da nova metodologia é poder realizar uma avaliação das aplicações das instituições financeiras a cada trimestre, e remanejar o crédito onde for necessário. “Na medida que uma instituição fale que vai gastar determinada quantidade e não gaste, a gente não precisa esperar até o fim da safra para poder saber isso”, explica Guilherme Rios, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Entretanto, a demanda pelos recursos do Plano Safra não é linear, ou seja, a necessidade por crédito é mais alta em alguns meses do que em outros. A liberação de crédito de maneira trimestral teve por consequência o rápido esgotamento dos recursos que haviam sido previstos para o 1º trimestre. De acordo com Rios, a demanda é maior nos meses de julho e agosto, levando ao esgotamento temporário de algumas linhas de crédito no início de agosto. As linhas foram retomadas com a antecipação dos recursos do 2º trimestre, a partir do dia 25 do mesmo mês.

“Os bancos informam ao governo o que eles pretendem gastar a cada trimestre e o governo faz o repasse. A demanda foi tão alta que os bancos não esperavam. Então, o recurso que eles planejaram por trimestre acabou logo ali no fim de julho e começo de agosto, e a gente ficou algumas semanas sem algumas linhas de crédito. O que o governo fez? Ele teve que adiantar os recursos do segundo trimestre do plano safra para poder cobrir”, esclarece Rios.

Percentuais reais são diferentes do que autora citou

Em contato com o Comprova via WhatsApp, a autora da publicação no Instagram afirmou que os percentuais citados por ela sobre a queda de recursos do Plano Safra, na comparação de julho de 2023 com o mesmo mês de 2022, haviam sido divulgados por Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em entrevista à jornalista Kellen Severo no programa Hora H do Agro, da Jovem Pan News, em edição exibida em 26 de agosto de 2023.

Lucchi faz de fato menção aos percentuais, mas tratando de queda no número de contratos, e não de recursos disponibilizados. O Banco Central, que faz o levantamento dos dados do Plano Safra, faz uma separação entre as duas coisas, uma vez que cada contrato tem valores diferentes cedidos.

No dia anterior, em 25 de agosto de 2023, a jornalista Kellen Severo já havia mencionado os mesmos percentuais durante um comentário no Jornal da Manhã, também da Jovem Pan News, que foi transcrito em um artigo para o portal do veículo. Foram exibidas sobre sua fala duas cartelas com infográficos, com dados que teriam como fonte o Banco Central (BC) e a CNA.

A primeira delas trata de números de contratos e do volume de crédito concedido para a agricultura familiar com o Plano Safra, o que ocorre por meio da linha de crédito do Pronaf.

Captura de tela da edição de 25 de agosto de 2023 do Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, feita em 4 de outubro de 2023 (Crédito: Jovem Pan News/Reprodução)

Já a segunda cartela exibe dados do crédito cedido a médios e grandes produtores, excluindo os agricultores familiares.

Captura de tela da edição de 25 de agosto de 2023 do Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, feita em 4 de outubro de 2023 (Crédito: Jovem Pan News/Reprodução)

Na altura em que os gráficos foram veiculados, no entanto, os dados do Plano Safra referentes ao mês de julho de 2023 não estavam consolidados na Matriz de Dados do Crédito Rural, página do Banco Central dedicada a essa divulgação. Conforme o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) informou ao Comprova, a consolidação dos dados só é realizada a partir do terceiro dia útil do mês posterior ao mês subsequente. Ou seja, os números de julho de 2023 só teriam um retrato fiel a partir de 5 de setembro de 2023. Antes disso, segundo o Mapa, os dados consultados no BC variam diariamente, “levando a incorreções se a comparação for realizada, antes do fechamento, com o mesmo período do ano anterior”.

O Mapa também cedeu ao Comprova um balanço consolidado do Plano Safra nos dois meses comparados, a partir de dados do Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (Sicor), do Banco Central. O documento está disponível no site do governo federal.

Em julho de 2022, o Pronaf teve 144.753 contratos e concedeu R$ 6,939 bilhões em crédito, números que batem com os dados brutos da agricultura familiar divulgados pela Jovem Pan News para aquele mês. No entanto, em julho de 2023, foram assinados 123.291 contratos, e não cerca de 76,2 mil, e concedidos R$ 6,247 bilhões em crédito, e não cerca de R$ 5,04 bilhões.

Assim, de um período a outro, houve quedas de 15% no volume de contratos e de 10% dos recursos concedidos à agricultura familiar pelo Plano Safra, percentuais menores dos que foram divulgados pelo veículo e em parte replicados pela autora no post no Instagram.

Também em julho de 2022, foram fechados 190.990 contratos pelo Plano Safra, mas referentes a todas as linhas de crédito dele, incluindo o Pronaf, e não apenas às que atendem médios e grandes produtores, como apontou a Jovem Pan News. Eles totalizaram R$ 37,662 bilhões em recursos naquele mês.

Já em julho de 2023, foram assinados 175.168 contratos, e não cerca de 120,4 mil, que somaram R$ 43,382 bilhões, e não cerca de R$ 36,39 bilhões apresentados pelo veículo. Houve, portanto, na comparação entre os dois períodos, queda de 8% no número total de contratos e alta de 15% no montante de recursos disponibilizados.

Por fim, se considerada apenas a agricultura empresarial (médios e grandes produtores), ou seja, todas as linhas de crédito com exceção do Pronaf, houve alta de 12% no número de contratos, que foram de 46.237 para 51.877, e de 21% no volume de recursos concedidos, que passou de cerca de R$ 30,723 bilhões para R$ 37,135 bilhões de julho de 2022 em comparação com o mesmo mês de 2023.

Razão para a queda no Pronaf: taxa de juros

Apesar do valor recorde de financiamento no Plano Safra 2023/2024, o número de contratos e o volume de crédito liberado registraram queda no segmento da agricultura familiar, ao considerarmos apenas o mês de julho. Segundo o assessor técnico da CNA e o professor Omar Jorge Sabbag, do curso de Engenharia Agronômica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), um dos fatores que explicam a queda nos números é a alta taxa de juros que, quando não subsidiada pelo governo, se torna desvantajosa para o produtor familiar. Com isso, ele acaba deixando de contratar o crédito.

Rios explica que essa é a maior dificuldade para que os empréstimos do Plano Safra cheguem até o produtor. Para isso, é necessário que haja verba disponível para que o governo subsidie parte dos juros praticados pelo agente financiador para que a taxa seja menor para o produtor – a esta operação dá-se o nome de juros equalizáveis. Caso contrário, o produtor da agricultura familiar, que depende desse subsídio, deixa de contratar o empréstimo. Ou seja, como diz Omar Sabbag, o crédito “trava”: está disponível, mas não em execução.

“Por mais que seja anunciado um volume de R$ 435 bilhões, não necessariamente todo o montante vai estar disponível”, diz Guilherme Rios. “Eu dependo dos recursos de subvenção para equalização das taxas do Pronaf, do custeio e do investimento. Neste ano, o volume que foi anunciado para essas subvenções dentro da Lei Orçamentária Anual já acabou. A gente espera do governo uma suplementação da parte equalizada, para que não falte recursos para o produtor.”

O patamar de juros equalizáveis previsto no Pronaf do Plano Safra 2023/24 é de 4% ao ano. Portanto, para que essa taxa seja atingida, é necessária a subvenção do governo. O professor dá um exemplo hipotético: “Vamos fazer uma analogia: eu vou lhe emprestar R$ 10 mil, e digo: ‘lhe cobro 15% de juros’. Aí vem, digamos, um parente seu e se predispõe a cobrir metade desses juros. Só que chega um determinado momento que esse seu parente não consegue mais subsidiar. O dinheiro permanece disponível comigo, mas, se o seu parente não subsidiar a metade, você vai ter que me pagar 15% de juros. Aí eu lhe pergunto: você vai conseguir bancar? O mais provável é que você desista do empréstimo”.

Outros fatores para redução de contratos no Pronaf

Além da dificuldade na obtenção de juros subsidiados, Sabbag cita outros obstáculos que atingem principalmente o produtor da agricultura familiar. Um deles é a dificuldade de comprovar junto ao agente financiador a capacidade de pagamento do crédito que se pretende contratar:

“É preciso apresentar um projeto técnico que demonstre a capacidade de pagamento para aderência ao crédito. Nele, constam diversas informações, como o croqui da área e a descrição das principais atividades. Enfim, não é algo simples. O médio e grande produtor tem uma assessoria mais robusta para produzir esse projeto técnico. Já o pequeno produtor está mais vulnerável”.

Há, ainda, o problema do endividamento, como mostrou matéria do Brasil de Fato.

“Muitas das vezes o produtor familiar não consegue ter um controle adequado da produção. Ele pode chegar ao final de uma safra com um lucro abaixo do esperado e ter prejuízo diante das taxas de juros que precisa pagar. Assim, ele chega endividado na safra seguinte e, automaticamente, o banco o classifica como restrito a crédito. Aí o financiamento do Plano Safra ‘trava’ para ele.”

O professor ainda cita outros empecilhos de ordem burocrática para acesso ao financiamento, como dificuldade em obter licenças ambientais, específicas para cada tipo de produção, e o Cadastro Ambiental Rural (CAR): “O CAR é uma espécie de RG do produtor e é um dos documentos exigidos para a contratação do crédito. Em relação a ele, há uma assimetria informacional. O produtor sabe que tem direito, mas muitas das vezes não sabe como obtê-lo, que órgão deve procurar”.

Dados do acumulado julho/agosto em 2022 e 2023

De acordo com a Matriz de Dados do Crédito Rural do Banco Central, no acumulado de julho e agosto de 2023 em comparação com o mesmo período de 2022, houve aumento de 2,5% no número de contratos, de 21% no valor contratado e de 18% no valor médio por contrato. Os dados brutos podem ser conferidos nas tabelas abaixo:

Considerando-se apenas os dados do Pronaf, os números registram, na comparação entre julho e agosto de 2022 com o mesmo período de 2023, aumento de 1,2% no número de contratos. Porém, há queda de 9,8% no valor do crédito concedido.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Instagram, foram 91.5 mil visualizações, 4.1 mil likes e 181 comentários.

Como verificamos: O Comprova consultou dados referentes ao Plano Safra no site do governo federal, em matérias publicadas na imprensa e em portais de entidades do setor como a CNA. Foram consultados o professor Omar Jorge Sabbag, do curso de Engenharia Agronômica da Unesp, e o assessor técnico da CNA, Guilherme Rios. O Comprova ainda fez contato com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e analisou dados sobre o crédito rural no site do Banco Central. Além disso, entramos em contato com a autora da publicação original para questionar onde os dados por ela divulgados haviam sido consultados.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já checou outros conteúdos relacionados ao agronegócio. Em julho, foi verificado que o Brasil se comprometeu a diminuir a emissão de gás metano e não a reduzir produção agropecuária, como afirma post. Anteriormente, também verificamos que vídeo engana ao atribuir ao PT proibição de plantio de soja em Mato Grosso e que não há registro público de declaração de Lula nem do MST sobre eliminar agronegócio da Terra.

Eleições

Investigado por: 2023-10-06

Abertura do código-fonte das urnas é padrão e não tem relação com escolha de conselhos tutelares

  • Enganoso
Enganoso
Não é verdade que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenha mandado abrir o código-fonte das urnas eletrônicas por causa das eleições do Conselho Tutelar, conforme afirma uma publicação no Telegram. Na realidade, o procedimento é padrão e acontece um ano antes das eleições municipais de 2024 para que entidades fiscalizadoras possam atestar o funcionamento do sistema de votação. Tal prática não possui relação com o pleito realizado em 1º de outubro, em que conselheiros tutelares foram eleitos em todo o país.

Conteúdo investigado: Post no Telegram expõe a notícia “TSE promete abrir código-fonte das urnas eletrônicas nesta semana” e questiona se a ação é um efeito das eleições para o Conselho Tutelar. “Precisa abrir não, eu confio no sistema eleitoral e nas urnas eletrônicas”, diz a legenda da postagem.

Onde foi publicado: Telegram.

Conclusão do Comprova: Uma publicação engana ao dizer que a abertura do código-fonte das urnas eletrônicas tenha sido motivada pelo resultado da eleição dos conselhos tutelares, ocorrida em 1º de outubro. A inspeção pública ocorre regularmente cerca de um ano antes de cada eleição para cargos políticos no Brasil e é voltada às entidades fiscalizadoras. Desta vez, a ação visou as eleições municipais de 2024.

Na última quarta-feira (4), o TSE abriu o “Ciclo de Transparência – Eleições 2024“, em uma solenidade conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente da Corte Eleitoral. O evento integra as atividades de transparência coordenadas pelo TSE referentes às eleições municipais do próximo ano, quando serão eleitos prefeitos e vereadores nos municípios brasileiros.

A abertura do código-fonte das urnas eletrônicas foi uma das ações do ciclo. Em 4 de outubro de 2021, o TSE havia feito um evento parecido, mas visando as eleições gerais de 2022.

O procedimento, portanto, nada tem a ver com as eleições para o Conselho Tutelar, que não é responsabilidade da Justiça Eleitoral, que apenas oferece apoio. A eleição de conselheiros e conselheiras é organizada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de cada município e fiscalizada pelo Ministério Público (MP). Além disso, nem todas as cidades usam urnas eletrônicas para isso. Parte delas utilizou urnas de lona com votação em cédula de papel. A escolha do método não cabe à Justiça Eleitoral, mas a cada município.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 5 de outubro, a postagem no Telegram teve 3 mil visualizações.

Como verificamos: Primeiramente, o Comprova buscou notícias sobre a abertura do código-fonte das urnas eletrônicas. Posteriormente, pesquisou sobre as especificidades do procedimento de inspeção realizado pela Corte Eleitoral e apurou se há alguma relação da abertura do código-fonte com a eleição para o Conselho Tutelar. Por fim, também buscou identificar e contatar o autor da publicação.

A postagem foi feita em um canal do Telegram. Pelas regras da plataforma, os inscritos não têm acesso à lista de outros inscritos, aos nomes dos administradores nem à identificação do dono de um canal.

Além disso, o canal em que a publicação foi feita, de nome Selva Brasil Oficial, não permite o envio de mensagens nem cede endereços para contato em sua descrição. A postagem indica, no entanto, o nome do administrador que fez a publicação, sem que haja um link para a conta deste usuário.

A partir de uma busca no Google pelo nome do autor da publicação acompanhado da expressão “Selva Brasil”, o Comprova encontrou um usuário do Facebook de mesmo nome e que já havia divulgado um fórum de palestras promovido pelo canal do Telegram em que a peça de desinformação sobre o código-fonte foi agora disseminada.

A reportagem encontrou também a possível conta no Instagram desse mesmo usuário, com postagens semelhantes ao perfil do Facebook. O Comprova tentou então contato pelas duas redes sociais, a fim de confirmar se trata-se da mesma pessoa que fez a publicação no Telegram, mas não obteve retorno.

A reportagem ainda tentou contato com a conta do Selva Brasil Oficial no Instagram, mas também não obteve retorno até esta publicação.

Abertura do código-fonte

Na manhã da última quarta-feira (4), o TSE abriu o código-fonte de urna eletrônica para inspeção. O procedimento ocorre um ano antes das eleições municipais de 2024, para possibilitar que entidades fiscalizadoras atestem o funcionamento do sistema eletrônico de votação.

O procedimento dá início ao ciclo de transparência das eleições de 2024. Entidades poderão fiscalizar o sistema de votação em 40 oportunidades de auditoria. Antes das eleições de 2022, o código ficava disponível para inspeção por seis meses antes do período eleitoral. No pleito do ano passado, o período de fiscalização aumentou para um ano.

Conforme já explicado pelo Comprova, o código-fonte é um conjunto de linhas de programação que contém todas as instruções necessárias para que um software funcione. A abertura do código é regulamentada pela Resolução TSE n° 23.673/2021, a qual dispõe sobre as ações de fiscalização e auditoria do sistema eletrônico de votação.

As entidades fiscalizadoras legitimadas a participar das etapas do processo de fiscalização e auditoria do sistema eletrônico de votação estão dispostas no Artigo 6º da resolução mencionada anteriormente. A Polícia Federal (PF), o Tribunal de Contas da União (TCU), o Congresso Nacional e o Ministério Público, por exemplo, são entidades consideradas fiscalizadoras.

Nas últimas eleições gerais, em 2022, o equipamento foi alvo constante de desinformação nas redes sociais. Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) alegaram, sem provas, que o código-fonte do sistema de votação não foi fornecido às Forças Armadas. Na realidade, à época, os militares já tinham acesso ao código desde 2021 e o inspecionaram em agosto de 2022.

A supervisão dos militares sobre o sistema eleitoral era cobrada à época também pelo então presidente Bolsonaro, que recorrentemente fez ataques às urnas eletrônicas. Na ocasião em que o código-fonte delas foi aberto pelo TSE para as eleições gerais de 2022, o partido de Bolsonaro, o PL, ignorou a possibilidade de inspecioná-lo, convite que foi estendido pela Justiça Eleitoral a outras siglas e entidades fiscalizadoras.

Eleição para o Conselho Tutelar

As eleições para os Conselhos Tutelares ocorreram no último domingo (1º). O pleito é organizado pelo CMDCA de cada município brasileiro, com a fiscalização do Ministério Público, conforme prevê o artigo 139 da Lei nº 8.069/1990 — Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

De acordo com a Resolução TSE nº 23.719/2023, a Justiça Eleitoral não é responsável pela eleição para o Conselho Tutelar. Na realidade, a Justiça Eleitoral apenas fornece apoio às Comissões Especiais, mediante solicitação dos municípios. A resolução regulamenta, por exemplo, que o apoio da Justiça Eleitoral consiste, dentre outras atribuições, no empréstimo e na preparação das urnas eletrônicas.

As atribuições de cada parte são também expressas pela resolução 231 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), de 28 de dezembro de 2022, com texto disponível para consulta no site do governo federal. No inciso I do Art. 5º, fica estabelecido que cada eleição deve ficar “sob a responsabilidade do Conselho Municipal ou do Distrito Federal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que deve buscar o apoio da Justiça Eleitoral”.

A mesma resolução prevê, ainda, no Art. 9º, que fica a cargo de cada município fazer o empréstimo das urnas eletrônicas para isso. Parte deles optou por urnas de lona com votação em cédula de papel nas eleições para conselhos tutelares, caso ocorrido, por exemplo, em Santa Catarina.

O pleito para a escolha de conselheiros e conselheiras foi alvo de polarização entre progressistas e conservadores. O Ministério Público Federal (MPF), inclusive, solicitou que o Conanda garantisse medidas para prevenir a prática de abuso de poder religioso, a fim de atestar a lisura do pleito e garantir princípios constitucionais, como a laicidade do Estado.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) também orientou, a partir da 2ª edição do Guia de Atuação do Ministério Público, ser “adequado que o CMDCA [de cada município] expeça Resolução com o escopo de evitar a vinculação político-partidária das candidaturas, bem como a utilização dos partidos políticos para favorecer candidatos ao Conselho Tutelar.”

A orientação do CNMP atendeu à resolução 231 do Conanda, que inibe vinculações político-partidárias nas eleições para o Conselho Tutelar. O regramento não proíbe um candidato de ser filiado a um partido político ou de declarar sua orientação ideológica, mas veta o uso da estrutura e do financiamento de partidos políticos nas candidaturas, o que configura abuso do poder político-partidário, com sanções previstas pelo inciso V do parágrafo 7º do Art. 8º da resolução.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o possível autor da publicação no Telegram via Facebook e Instagram, mas não obteve retorno. Além disso, buscou no Instagram a conta do canal de Telegram em que a peça de desinformação foi publicada, mas também não teve resposta.

O que podemos aprender com esta verificação: Tirar notícias verdadeiras de seu contexto original para fazer alegações enganosas e falsas a respeito de um assunto de interesse público é uma tática utilizada com frequência por desinformadores. Nesses casos, é importante buscar fontes confiáveis e seguras para entender o que, de fato, está sendo informado. Assim, é possível verificar se a alegação é verdadeira ou não.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O código-fonte das urnas eletrônicas se tornou tema frequente de checagens do Comprova, caso de publicação que explica o que é e como funciona a fiscalização dele. As eleições para o Conselho Tutelar também apareceram recentemente em conteúdo verificado, sobre o ministro Silvio Almeida não ter pedido a anulação do pleito porque supostamente “a direita venceu”.

Política

Investigado por: 2023-10-04

Ministro não pediu anulação de eleições para conselhos tutelares porque “a direita venceu”

  • Enganoso
Enganoso
Não é verdade que o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, queira anular parte das eleições para o Conselho Tutelar no país porque a “direita venceu em muitos lugares", como sugerem postagens nas redes sociais. O ministro irá acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público (MP) contra as eleições indiretas realizadas em três cidades, onde a escolha não foi aberta à população local, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Conteúdo investigado: Post do deputado federal Mario Frias (PL-SP) com foto do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e, sobre a imagem, as frases: “Ministro de Lula quer anular parte das eleições dos conselhos tutelares: ‘Vamos acionar MP e TCU'”, creditada ao site Terra Brasil Notícias, e “Motivo: direita venceu em muitos lugares”.

Onde foi publicado: Instagram, Facebook e Telegram.

Conclusão do Comprova: É enganosa a alegação feita pelo deputado federal Mario Frias (PL-SP) de que o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, quer anular parte das eleições para o Conselho Tutelar no país porque a “direita venceu em muitos lugares”. O ministro sinalizou, conforme mostrou o G1, que irá, de fato, acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público para contestar parte dos resultados do pleito, mas isso não tem relação com a suposta vitória de candidatos de direita e, sim, com irregularidades na votação.

Almeida anunciou que vai contestar as eleições indiretas para o Conselho Tutelar realizadas nas cidades de Uberlândia (MG), Rio Largo (AL) e Santana do Ipanema (AL), onde a escolha dos conselheiros aconteceu a partir de um colegiado, e não pelo voto direto da população.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê, desde 2012, que a escolha dos membros de cada Conselho Tutelar seja feita pela população local de cada município, o que é reiterado pela Resolução nº 231 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), do ano passado. Essa informação foi destacada pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania em nota publicada à imprensa na segunda-feira (2). O comunicado emitido pela pasta não menciona que Almeida irá acionar o Tribunal de Contas da União, como alegam as postagens.

Ao Comprova, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania afirmou que não há qualquer levantamento oficial sobre o perfil político e/ou religioso dos candidatos escolhidos para cada Conselho Tutelar. Na eleição, é proibido o uso da estrutura e do financiamento de partidos políticos.

A Comissão da Infância e Juventude da Comissão da Infância, Juventude e Educação (CIJE) do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que orienta as promotorias na fiscalização da eleições, informou à reportagem que não possui informações sobre eventual inclinação político-partidária dos candidatos eleitos para os Conselhos Tutelares e desconhece qualquer levantamento nesse sentido. Além disso, comunicou não ter identificado a anulação de qualquer pleito em razão do perfil ideológico dos eleitos.

Embora os órgãos oficiais não contem com informações sobre o perfil político-partidário dos eleitos para o Conselho Tutelar de cada cidade, a imprensa noticiou que grupos conservadores se mobilizaram para levar mais eleitores às urnas. Uma reportagem do jornal O Globo desta quarta-feira (4) mostra que nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo a direita conseguiu eleger mais representantes do que a esquerda nas eleições para os conselhos tutelares. A reportagem não realizou o mesmo levantamento em outras cidades do Brasil.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Antes de ser excluída do perfil do deputado Mario Frias no Instagram, a publicação aqui verificada recebeu mais de 500 mil curtidas e contava com 9,1 mil comentários até 3 de outubro. A mesma imagem foi publicada no Facebook do parlamentar e, até o fechamento dessa verificação, contava com mais 500 curtidas, 74 comentários e 226 compartilhamentos.

No Telegram, uma postagem que menciona a publicação do deputado tinha 3 mil visualizações até dia 4 de outubro.

Como verificamos: Em uma busca no Google pelos termos “governo quer anular eleições do Conselho Tutelar”, o Comprova encontrou publicações da Secretaria de Comunicação Social e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) que explicam a alegação de que o ministro Silvio Almeida teria pedido a anulação de parte das eleições para os conselhos tutelares no país, realizadas no último domingo (1º).

Em seguida, o Comprova entrou em contato com o MDHC e com o CNMP para questioná-los sobre as vinculações político-partidárias dos candidatos eleitos para os conselhos tutelares. A verificação também procurou o deputado federal Mario Frias, que não respondeu ao contato.

O Comprova também buscou a publicação original do Terra Brasil à qual o post do deputado fazia menção. O texto é praticamente o mesmo de uma nota do colunista Lauro Jardim no jornal O Globo, mas com um título diferente, que faz menção a uma suposta fala do ministro Silvio Almeida. A publicação do Terra Brasil ainda cita no fim “O Globo”, o que indicaria a fonte das informações.

Pedido de anulação não tem relação com o resultado

No último domingo, cerca de 1,6 milhão de brasileiros compareceram às urnas para escolher os representantes dos conselhos tutelares pelos próximos quatro anos. Na maioria dos municípios, a votação ocorreu com participação direta da população. No entanto, as cidades de Uberlândia, Rio Largo e Santana do Ipanema usaram o modelo indireto, no qual um colegiado elege os nomes que estarão à frente do órgão, o que contraria o ECA e uma resolução do Conanda.

O ECA define, pelo Art. 132, que os membros do Conselho Tutelar de cada cidade sejam “escolhidos pela população local”. Essa redação foi incorporada ao texto por uma lei sancionada em 25 de julho de 2012. Desde então, os municípios adequaram as eleições para serem diretas.

Já a resolução 231 do Conanda, de 28 de dezembro de 2022, com texto disponível para consulta no site do governo federal, estabelece no inciso I do Art. 5º que os membros de cada Conselho Tutelar devem ser eleitos por “processo de escolha mediante sufrágio universal e direto, pelo voto uninominal facultativo e secreto dos eleitores do respectivo município”.

O ministro Silvio Almeida informou então que vai acionar a AGU e o MP para que os municípios realizem eleições diretas para a escolha dos representantes, reforçando que o modelo indireto contraria o ordenamento jurídico vigente.

“O povo, nessas regiões, não foi convocado a comparecer às urnas para votar e escolher seus conselheiros e conselheiras tutelares. Nestes casos, um colegiado é formado para decidir o pleito. Tal forma de votação contraria totalmente o ECA e a Resolução nº 231 do Conanda”, informou o ministério por meio de nota.

Em Uberlândia, 15 conselheiros tutelares foram eleitos por meio do voto de representantes de 156 entidades credenciadas pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). O pleito é regido pela Lei Ordinária Municipal 9903/2008, que prevê que “somente as entidades credenciadas no CMDCA, que trabalham em ações destinadas à criança e ao adolescente” poderão participar do processo de escolha. À TV Integração, a promotora de Justiça da Infância e da Juventude de Uberlândia, Aluísia Beraldo Ribeiro, afirmou que acompanhou o processo de votação e não observou irregularidades.

Já nas cidades que optaram pelas eleições indiretas em Alagoas, o Ministério Público do estado questiona a falta de participação popular. Assim como em Uberlândia, os municípios de Rio Largo e Santana do Ipanema se baseiam em leis municipais para estabelecer a votação indireta. O MP, no entanto, argumenta que uma lei municipal não pode se sobrepor à lei federal.

Não há dados sobre perfil político de eleitos

A publicação do deputado federal afirma que o suposto pedido de anulação teria ocorrido porque “direita venceu em muitos lugares”, mas não há dados que sustentem tal afirmação.

A eleição de cada Conselho Tutelar é de responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de cada município do país, conforme prevê o Art. 139 do ECA. Esses conselhos organizadores dispõem de autonomia entre si e não têm um levantamento integrado do perfil dos vencedores de cada eleição.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, ao qual o Conanda está vinculado, reforçou, em nota ao Comprova, que não há qualquer levantamento oficial sobre o perfil político e/ou religioso dos candidatos escolhidos como membros de cada Conselho Tutelar do país.

A resolução 231 do Conanda ainda inibe vinculações político-partidárias nas eleições para o Conselho Tutelar. O regramento não proíbe um candidato de ser filiado a um partido político ou de declarar sua orientação política, mas veta o uso da estrutura e do financiamento de partidos políticos nas candidaturas, o que configura abuso do poder político-partidário, com sanções previstas pelo inciso V do parágrafo 7º do Art. 8º.

Em agosto, o CNMP reforçou isso em uma publicação que orienta o Ministério Público de cada estado a fiscalizar as eleições de Conselho Tutelar, responsabilidade também prevista pelo Art.139 do ECA.

A 2ª edição do Guia de Atuação do Ministério Público menciona, na página 52, ser “adequado que o CMDCA [de cada município] expeça Resolução com o escopo de evitar a vinculação político-partidária das candidaturas, bem como a utilização dos partidos políticos para favorecer candidatos ao Conselho Tutelar.”

Ao Comprova, a Comissão da Infância, Juventude e Educação (CIJE) do CNMP informou, em nota, desconhecer qualquer levantamento sobre a eventual inclinação político-partidária dos candidatos eleitos e não ter ciência sobre a anulação da eleição, em qualquer município, em razão da orientação ideológica dos candidatos.

Um eventual caráter político-partidário formal das eleições para Conselho Tutelar, que permitiria sustentar uma afirmação sobre qual espectro político saiu vencedor, também é refutado pela Justiça Eleitoral, que presta apoio às eleições com a cessão de urnas, mas não totaliza votos nem conduz o processo.

Uma das publicações no Telegram com alegações falsas sobre o tema traz a imagem do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e ironiza o ministro Silvio Almeida ao dizer que ele quer anular parte das eleições de Conselho Tutelar: “Será que o ministro não confia nas urnas eletrônicas e no sistema eleitoral?”. Nem todos os municípios do país adotaram, no entanto, urna eletrônica. Parte deles optou por urnas de lona com votação em cédula de papel, caso ocorrido ao menos em Santa Catarina. A escolha do método não cabe à Justiça Eleitoral, mas a cada município.

Apesar da ausência de dados oficiais sobre o tema, uma reportagem publicada pelo O Globo mostra que no Rio de Janeiro e em São Paulo a direita elegeu mais representantes aos conselhos do que a esquerda. Segundo o levantamento feito pelo jornal, entre os 95 eleitos no Rio e os 260 na capital paulista, 14% defendem pautas conservadoras, ante 4,7% titulares mais alinhados à esquerda. O estudo não traz dados acerca da situação em outras cidades.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o deputado Mario Frias por meio de sua assessoria, email e contato pessoal, mas não obteve retorno até o fechamento desta verificação. A imagem publicada no Instagram foi deletada.

O que podemos aprender com esta verificação: Tirar notícias verdadeiras de seu contexto original para fazer alegações falsas a respeito de um assunto de interesse público é uma tática utilizada com frequência por desinformadores. Nesses casos, é importante pesquisar o mesmo assunto em fontes de informações seguras para garantir que a alegação está correta. Tratando-se da publicação aqui verificada, uma pesquisa no Google seria suficiente para comprovar que a publicação não é verdadeira.

Caso o ministro dos Direitos Humanos tivesse pedido a anulação de parte das eleições para o Conselho Tutelar sem que a ação fosse motivada por irregularidades, isso seria amplamente noticiado na imprensa e teria sido comunicado pelo próprio ministério.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A Agência Lupa verificou e classificou o mesmo conteúdo como falso. O governo federal é alvo frequente de checagens do Comprova, como a de que Lula não instituiu banheiro unissex nas escolas e que Alckmin não sugeriu acabar com Bolsa Família.