O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2023-06-05

Não há indícios de que Amish tenham tido menos mortes por covid-19

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Falso
É falso que a comunidade Amish, nos Estados Unidos, tenha registrado “30 vezes menos” mortes por covid-19 mesmo não seguindo recomendações das autoridades sanitárias, como a vacinação. Pesquisa feita com uma das comunidades indica que a tendência de morte por covid entre os Amish foi a mesma do resto dos Estados Unidos. Apesar de avessos à imunização, os Amish seguiram outras recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), como o distanciamento social.

Conteúdo investigado: Tuíte dizendo que os Amish “rejeitaram vacinas, bloqueios e máscaras da covid” e que teriam sofrido “30 vezes menos mortes” pela doença acompanha link para site desinformativo com o mesmo conteúdo.

Onde foi publicado: Twitter e site.

Conclusão do Comprova: Não há indícios de que comunidades Amish tenham tido “30 vezes menos” mortes por covid-19 do que o restante da população por não seguir as recomendações das autoridades sanitárias, como o distanciamento social, o uso de máscara e a vacinação contra a doença.

As comunidades Amish são avessas à vacinação e também à tecnologia de forma geral, o que significa que foram menos testadas para a doença. Por conta disso, não há dados conclusivos a respeito da pandemia entre integrantes desse grupo. Contudo, estudo do Center for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos confirmou que o vírus chegou e se espalhou nessa população, deixando pessoas doentes.

Como não existem dados de mortalidade por covid-19 agregados por grupo religioso, não há como saber exatamente quantos Amish morreram nos Estados Unidos. Um estudo feito com base em obituários publicados na imprensa, no entanto, indica que a mortalidade em algumas comunidades desse tipo seguiu a mesma tendência que o resto do país.

Embora não tenham procurado a vacina, reportagens publicadas na imprensa tradicional mostram que, no período mais crítico da pandemia, os Amish seguiram outras medidas de prevenção, como o distanciamento social.

Além disso, o post, aqui analisado, fala que os Amish teriam registrado 30 vezes menos mortes por covid-19 do que o resto dos Estados Unidos. No entanto, há um problema matemático nesta construção, uma vez que um objeto uma vez menor do que ele próprio já significa zero.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 5 de junho, o tuíte analisado já tinha mais de 112 mil visualizações, 6 mil curtidas e 1,8 mil compartilhamentos.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar por notícias relacionadas aos Amish e à pandemia de covid-19. O site do CDC também foi consultado para saber se existiam dados específicos sobre os Amish e o coronavírus. Por fim, a autora do tuíte e o site Tribuna Nacional foram procurados.

Verificação

Os Amish são um grupo cristão que busca viver isolado da sociedade moderna. A ideia é recriar o modo de vida do século 17, quando a Igreja Menonita foi criada pelo suíço Jakob Amman. Dessa forma, eles evitam o uso de tecnologias, inclusive de smartphones, televisões e carros. Os Amish vivem, principalmente, em comunidades isoladas nos Estados Unidos e no Canadá.

Estima-se que haja cerca de 360 mil pessoas vivendo em comunidades Amish nos Estados Unidos, a maior parte está nos estados da Pensilvânia, Ohio e Indiana.

Os Amish e a covid-19

Não há dados estatísticos oficiais sobre casos e mortes por covid-19 em comunidades religiosas. Da mesma forma, não há dados oficiais sobre a vacinação desses grupos.

Mas, de acordo com um estudo feito pelo Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de West Virgínia, revisado por pares e publicado na revista Journal of Religion and Health, mortes nas comunidades Amish por covid-19 seguiram as mesmas tendências que o resto dos Estados Unidos. Os pesquisadores apontam que, como os grupos Amish são avessos à tecnologia, a tendência é que eles tenham sido menos testados para a covid-19. No entanto, usando obituários publicados em jornais, o estudo foi capaz de detectar um aumento de 125% no número médio de mortes entre os Amish durante a pandemia. A tendência é similar à do resto dos Estados Unidos.

Em maio de 2022, a Al-Jazeera fez uma matéria sobre uma comunidade Amish que fica em Ohio. De acordo com a reportagem, as autoridades do distrito de saúde do condado de Holmes se recusaram a falar com a publicação, porém, o número total de mortes relatadas em 2020 e 2021 no condado aumentou quase um terço em comparação com 2019. Segundo a matéria, como em outras comunidades, esse aumento provavelmente é atribuído ao covid-19.

Já de acordo com matéria de junho de 2021 da Associated Press, durante os primeiros meses da pandemia, os Amish seguiram as diretrizes de distanciamento social e pararam de se reunir em igrejas e funerais.

Ainda segundo o mesmo texto, em 2021, os casos caíram. “Contar com a possível imunidade coletiva quando poucos testes foram realizados entre os Amish é arriscado”, disse Esther Chernak, diretora do Centro de Prontidão e Comunicação em Saúde Pública da Universidade Drexel, na Filadélfia.

No entanto, a comunidade enfrenta resistência para se vacinar contra a doença. A maioria diz que já teve o vírus e não vê necessidade de ser vacinado, disse Mark Raber, que é Amish e membro de um assentamento no condado de Daviess, Indiana, que tem uma das taxas de vacinação mais baixas do estado.

Em abril de 2020, uma pesquisa foi feita avaliando padrões e crenças de vacinação em famílias Amish. O questionário foi enviado a 1 mil famílias Amish.

A taxa de resposta foi de 39%. Entre 391 entrevistados, 59% não vacinaram seus filhos. Os amish ultraconservadores rejeitaram as vacinas com mais frequência. Pesquisa feita uma década antes na mesma comunidade havia revelado que 14% recusavam todas as vacinas.

A pesquisa feita em 2020 também constatou que crianças Amish com alguma deficiência eram mais propensas a receber vacinas do que crianças Amish sem deficiência. Entre os entrevistados, 75% responderam que rejeitariam uma vacina covid-19. O medo de efeitos adversos foi o motivo mais comum para a rejeição.

Famílias que aceitavam vacinas eram mais propensas a citar um profissional de saúde como a principal influência para se vacinar. As esposas eram mais propensas a citar o cônjuge como a principal razão para se imunizar.

De acordo com dados atuais do CDC, 65% da população de Ohio, onde essa comunidade Amish está, recebeu pelo menos uma dose da vacina contra a covid-19 e 60% se vacinou com duas doses.

Vacinas são a melhor forma de proteção

De acordo com a OMS, é preferível se vacinar contra a covid-19 do que se infectar com a doença. Isso porque “as vacinas constroem imunidade sem os efeitos prejudiciais que a doença pode ter, incluindo os efeitos a longo prazo e a morte. Permitir que a doença se propague poderia causar milhões de mortes e ainda mais pessoas vivendo com os efeitos a longo prazo do vírus”.

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), nas quatro semanas após a infecção, entre 90% e 99% dos indivíduos infectados pelo vírus SARS-CoV-2 desenvolvem anticorpos neutralizantes detectáveis. No entanto, a duração desta resposta imune pode variar de três meses a cinco anos, ou seja, há possibilidade de reinfecção ou de o paciente contrair outra cepa do vírus contra a qual ainda não desenvolveu imunidade.

O que diz o responsável pela publicação: A autora do tuíte foi procurada por mensagem privada e o site Tribuna Nacional por e-mail. Nenhum dos dois respondeu até a publicação dessa verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: Conteúdos como este visam descredibilizar governos, organizações de saúde pública e pesquisadores insinuando que os esforços de prevenção contra a covid-19 e de imunização teriam sido em vão, o que não é verdade.

Neste caso, busca-se utilizar um dado inventado (“30 vezes menos mortes”) de uma população isolada e sobre a qual não se tem muita informação (os Amish) para dar ar de legitimidade ao argumento de que teria havido um “pânico fabricado” a respeito da pandemia. Como em muitas outras teorias conspiracionistas, essa suposta trama enganosa seria promovida por empresas farmacêuticas e governantes para controlar a população.

Ao se deparar com conteúdos suspeitos sobre a pandemia ou sobre vacinação de modo geral, é importante conferir a veracidade das afirmações junto aos órgãos sanitários e de Saúde, como a OMS, a Opas e o Ministério da Saúde.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já checou diversas informações falsas ou enganosas a respeito da covid-19 e das vacinas utilizadas para combater o vírus. Já foi comprovado que a pandemia não foi inventada, que expor a população ao risco de contrair o vírus não é melhor do que promover a vacinação, que o FBI não confirmou a origem do coronavírus e que o Parlamento Europeu não classificou os imunizantes contra a covid-19 como armas biológicas.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-06-02

Entenda por que o nome de George Soros aparece em diversas teorias da conspiração

  • Comprova Explica
Comprova Explica
George Soros, 92 anos, é um bilionário norte-americano de origem húngara que fez fortuna no mercado de capitais. Ele é o criador da Fundação Open Society, que financia causas ligadas ao meio ambiente, direitos humanos e manutenção da democracia. Em 2021, a organização diz ter fornecido US$ 1,5 bilhão em doações para grupos ligados a essas causas. Soros é, ainda, um dos principais financiadores do Partido Democrata dos Estados Unidos.

Conteúdo analisado: O bilionário George Soros tem o nome frequentemente envolvido em teorias conspiracionistas, principalmente produzidas pela extrema-direita. Ele já foi acusado de ser um ex-nazista, de liderar o movimento Black Lives Matter, de financiar o Psol, de promover a crise migratória na Europa e nos Estados Unidos e de “odiar a humanidade”.

Comprova Explica: Um dos homens mais ricos do mundo, o megainvestidor húngaro-americano George Soros tem com frequência seu nome envolvido em casos de desinformação. Muitos dos conteúdos são teorias conspiratórias e têm fundo antissemita.

Posts já mentiram afirmando que ele foi preso nos Estados Unidos, acusado de interferir nas eleições presidenciais, que ele seria um ex-nazista e que ele seria o líder por trás de movimentos sociais como o Black Lives Matter. A teoria mais recente é a de que ele comanda decisões do governo brasileiro relacionadas à Amazônia.

Este Comprova Explica esclarece sobre a vida e o trabalho de George Soros, assim como os investimentos que o bilionário faz em organizações e causas diversas.

Quem é George Soros

Bilionário de 92 anos, Soros nasceu em 1930 em Budapeste, capital da Hungria. De família judia, sobreviveu à ocupação nazista no seu país de origem. Aos 17 anos, mudou-se para a Inglaterra, onde fez faculdade e, depois, pós-graduação, na London School of Economics.

Emigrou para os Estados Unidos em 1956 e, em 1970, criou um fundo de investimentos que ficou conhecido por suas especulações de curto prazo no mercado financeiro. O fundo de investimentos fez de Soros um dos homens mais ricos do mundo. Ele figura atualmente na lista dos bilionários da Forbes, com fortuna estimada em US$ 6,7 bilhões.

Soros ficou conhecido em 1992 como o “homem que quebrou o banco da Inglaterra.” Naquele ano, ele apostou contra a libra esterlina, uma das moedas mais importantes do mundo. Ele pegou um empréstimo de US$ 5 bilhões na divisa e vendeu. Depois, recomprou a mesma quantidade da moeda, já desvalorizada, lucrando US$ 1 bilhão com a operação.

Soros é acusado ainda de provocar uma crise financeira na Ásia em 1997 ao vender as moedas tailandesa e malaia, sinalizando ao mercado que elas estariam supervalorizadas. As repercussões da crise tiveram consequências no Brasil.

Foi por conta desse fato que o mecanismo de circuit breaker, que interrompe as negociações na bolsa de valores quando há queda de 10% no índice acionário, foi implementado pela Bovespa (atual B3).

Soros e a Fundação Open Society

O trabalho de filantropia de George Soros é principalmente feito através da Fundação Open Society, criada por ele no fim da década de 1970. Segundo o site da organização, a fundação é “o maior financiador privado do mundo de grupos independentes que trabalham pela justiça, governança democrática e direitos humanos”.

Os primeiros trabalhos da organização consistiam em financiar bolsas de estudo para estudantes negros durante o período do apartheid na África do Sul. Após o fim da Guerra Fria, o trabalho da Open Society foi expandido para outros continentes e chega hoje a 120 países, incluindo o Brasil.

A fundação critica a guerra contra as drogas como “indiscutivelmente mais prejudicial do que o próprio problema das drogas” e ajudou a dar o pontapé no movimento pró-maconha medicinal nos Estados Unidos. No início dos anos 2000, defendeu o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Em 2021, dado mais recente disponível no site da instituição, a Open Society afirma ter investido US$ 1,5 bilhão em causas diversas pelo mundo. Ao todo, diz já ter distribuído US$ 18 bilhões em doações e financiamentos.

Em que empresas e organizações Soros investe

Soros fez fortuna com especulação financeira e muito se fala sobre seus investimentos, mas a maioria de suas ações não está em empresas muito conhecidas, como afirma o Valor Econômico. Entre os megainvestimentos mais recentes do fundo de George Soros estão as empresas Horizon Therapeutics, da área biofarmacêutica, e First Horizon National Corporation, uma holding de bancos, segundo a Reuters. Só do primeiro grupo foram comprados 2,9 milhões de ações, o equivalente a US$ 325,3 milhões em valores atualizados, de fevereiro deste ano.

O documento 13F, protocolado pelo investidor na Securities and Exchange Commission (SEC, o órgão regulador do mercado financeiro norte-americano), mostra os investimentos de Soros em 31 de março deste ano. Uma das empresas onde ele mais tem ações é a montadora de veículos elétricos Rivian Automotive, conhecida por fornecer vans elétricas à Amazon.

Em alguns conteúdos de desinformação, seu nome aparece ligado à Petrobras, mas, como o Comprova já verificou, afirmar que ele tem controle sobre a companhia é enganoso. De fato, Soros possuía ações da Petrobras, mas ele as vendeu e não tem mais nenhuma desde 2016.

Com sua rede internacional de filantropia, Soros é um dos principais financiadores do Partido Democrata norte-americano. Nas eleições de 2022, ele transferiu de sua fortuna pessoal US$ 170 milhões para candidatos democratas, segundo apurou o jornal estadunidense CNBC através do imposto de renda do magnata. De acordo com a mesma publicação, ele fez outras doações para organizações não-governamentais que promovem o cadastramento de eleitores, principalmente oriundos de minorias, para as eleições, o que é uma bandeira do partido Democrata. No Brasil, apoia projetos como a Agência Pública e o Instituto Sou da Paz. No site da organização, é possível acessar a lista completa de instituições e iniciativas beneficiadas com doações.

As teorias conspiracionistas associadas a Soros

O bilionário tem o nome frequentemente associado a teorias conspiracionistas em todo o mundo, principalmente promovidas pela extrema-direita e, em geral, de cunho antissemita. Soros já foi acusado incorretamente de promover a “crise” migratória na Europa e nos Estados Unidos, de ser um ex-combatente nazista e de participar de grupos como os Maçons e os Illuminati.

No Brasil, circulou um boato de que Soros financiaria o Psol. A peça de desinformação foi compartilhada pelo ex-ministro Ciro Gomes (PDT), na época candidato à presidência, durante um debate em 2022. Após decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ciro foi obrigado a apagar o vídeo em que ele fazia tal afirmação.

Em 2018, também durante a campanha presidencial, circulou a informação falsa de que Soros estaria financiando o movimento #EleNão, contrário ao então candidato Jair Bolsonaro (PL), através da Mídia Ninja. O Comprova demonstrou que a informação era falsa.

Em maio deste ano, Soros foi atacado por Elon Musk dias depois de vender sua participação na Tesla. Musk comparou Soros ao vilão Magneto (da Marvel), que sobreviveu ao Holocausto, segundo os quadrinhos. “Ele quer corroer o próprio tecido da civilização. Soros odeia a humanidade”, respondeu Musk a um usuário no Twitter.

Pontos de atenção

Pesquisadora na área de desinformação e doutora em Comunicação, a professora da Unisinos Taís Seibt explica que é uma característica de algumas teorias conspiracionistas mencionar supostos planos secretos financiados por pessoas com muito dinheiro.

No caso de Soros, assim como o de Bill Gates, a execução do projeto “secreto” seria possível porque eles são bilionários. “As duas figuras representam esse poder econômico que seria capaz, usando um termo bem conspiratório, de comprar o sistema para ter o resultado que quiserem”, diz ela. Durante sua campanha presidencial em 2016, Donald Trump e seus apoiadores denunciaram múltiplas vezes o “globalismo”, suposta união sombria entre poderosos, imprensa, bancos e governos contra o povo e em proveito próprio.

Seibt esclarece que um dos perigos das teorias conspiratórias é que elas mexem com paixões e sensações, como o medo de alguma ameaça desconhecida. “Elas trazem uma questão polarizada, que faz com que os conteúdos sejam impulsionados nas redes sociais dentro das chamadas bolhas. Quanto mais se frequenta aquele espaço, mais vão sendo recomendados conteúdos daquele tipo, fazendo com que haja, além da viralização, uma reverberação que acaba fortalecendo grupos mais afeitos a certos pensamentos.”

Uma dica da pesquisadora para não cair em teorias conspiratórias é desconfiar de conteúdos muito alarmistas. “Há uma armadilha aqui, porque essas teorias se apoiam em descredibilizar a imprensa e as instituições, dizendo que tem algo acontecendo e não estão mostrando isso. Mas comece por aí: se a publicação vai por esse caminho, de que a imprensa manipula, desconfie”, orienta.

Como verificamos: Buscamos em sites da imprensa profissional do Brasil e do exterior a respeito da vida e da trajetória de George Soros. Também buscamos informações no site do empresário e da fundação criada por ele. Entrevistamos ainda a doutora em Comunicação Taís Seibt, que é pesquisadora na agência Fiquem Sabendo.

Por que explicamos: George Soros está constantemente no centro de teorias conspiratórias, notadamente divulgadas por grupos de extrema direita e com características antissemitas. O desconhecimento sobre a vida e a atuação de Soros e da Fundação Open Society leva a falsos julgamentos, e, independentemente do que a pessoa acredita, as opiniões devem ser emitidas com base em informações corretas, e não em desinformação.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já fez checagens diversas relacionadas ao nome de George Soros. Uma delas desmentiu que o bilionário fosse responsável por financiar o movimento #EleNão, contra a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018, e que tenha conspirado com outros candidatos para derrubá-lo da corrida eleitoral. Soros também não emprega o ex-presidente do Partido Novo, João Amoêdo, nem é acionista majoritário da Petrobras.

Saúde

Investigado por: 2023-06-02

Vacinas contra a covid-19 não foram proibidas, ao contrário do que diz post

  • Falso
Falso
Não é verdade que o Ministério da Saúde tenha proibido a aplicação de vacinas contra a covid-19 nem que tenha alertado sobre perigos envolvendo-as. Posts usam trecho de vídeo em que o jornalista Alexandre Garcia faz tais afirmações, mas o órgão apenas alterou a indicação da Astrazeneca para pessoas a partir dos 40 anos. A mudança foi por conta de novas evidências científicas que relacionam o imunizante a casos raros de trombose. Em nenhum momento o ministério parou de recomendar que as pessoas se vacinem – pelo contrário, em seus comunicados, a entidade sempre reforça a segurança e eficácia das vacinas.

Conteúdo investigado: Vídeo que alega que as vacinas foram proibidas. A gravação mostra Alexandre Garcia afirmando que somente agora o Ministério da Saúde estaria avisando sobre riscos de trombose decorrentes das vacinas da Janssen e Astrazeneca e que esta última teria tido a produção suspensa no Brasil. Sobre o vídeo foi colocada a mensagem alarmista: “Proibiram as vacinas, e agora? E quem já tomou?”.

Onde foi publicado: TikTok e Kwai.

Conclusão do Comprova: É falso post com um trecho de vídeo em que o jornalista Alexandre Garcia afirma que o Ministério da Saúde “está avisando agora que há perigo de trombose em vacinas Janssen e Astrazeneca” e que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) parou de produzir esta última. Uma das publicações que circula com a gravação usa a legenda “Proibiram as vacinas agora? E quem já tomou?”. Nem mesmo Garcia fala sobre uma suposta “proibição”, como fez o autor do post.

O jornalista tira informação de contexto ao dizer que o ministério alertou tardiamente sobre o “perigo” de os imunizantes causarem trombose. O órgão sempre defendeu o uso das vacinas e nunca as relacionou com “perigo”. O que ocorreu foi que, já em abril de 2021 – e não agora –, o ministério publicou nota técnica sobre possíveis casos de Síndrome de Trombose e Trombocitopenia (STT) associados à vacina. Mais recentemente, em dezembro do ano passado, considerando raros casos da doença no exterior, o Ministério da Saúde alterou a recomendação da Astrazeneca, produzida pela Fiocruz, e da Janssen, passando a indicá-las para pessoas a partir dos 40 anos. De acordo com o documento, a incidência de ocorrência da STT é bastante variável entre os diferentes países, com estimativas entre 0,2 até 3,8 casos por 100 mil doses aplicadas

A mudança não significa que a vacina não seja segura, o que o órgão reforçou em nota de abril deste ano, em que garante a segurança e eficácia da Astrazeneca e destaca que ela foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Um usuário do TikTok que compartilhou o vídeo no dia 29 de maio obteve, em 24 horas, 18,7 mil curtidas e 16,7 mil compartilhamentos. No Kwai, não há publicações recentes do vídeo, mas uma delas, feita no dia 14 de abril, tinha sido assistida, até 2 de junho, 91,5 mil vezes.

Como verificamos: O Comprova fez uma busca no Google por informações sobre a suposta proibição das vacinas e encontrou uma nota da Anvisa explicando que nenhum dos imunizantes aprovados pela agência teve o uso desautorizado.

Por meio das Notas Técnicas e Boletins Epidemiológicos emitidos pelo Ministério da Saúde checamos as informações sobre eventos supostamente atribuídos às vacinas.

Também consultamos matérias que saíram em veículos de imprensa profissional e em agências de checagem sobre a mudança da recomendação do uso das vacinas Astrazeneca e Janssen.

Verificação

 

O vídeo

Conteúdos semelhantes ao investigado aqui já haviam circulado em abril. Os posts de agora usam trecho de um vídeo publicado no canal do YouTube de Alexandre Garcia no dia 13 de abril, quando o Ministério da Saúde publicou recomendação garantindo a segurança e eficácia da Astrazeneca e reforçando que ela foi aprovada pela Anvisa e pela OMS.

Intitulado “Lula não sabe por que dólar é moeda padrão”, o vídeo, de 14 minutos e 16 segundos, trata de outros assuntos, como economia, Bolsa Família e o julgamento de André do Rap. A partir de 12 minutos e 17 segundos, desinforma sobre as vacinas contra a covid.

Vacinas não foram proibidas

A Anvisa explicou em nota, publicada no dia 13 de abril, que nenhuma das vacinas contra a covid-19 aprovadas pela autarquia foi proibida ou desautorizada.

O documento informa que a agência é “responsável por analisar os pedidos apresentados pelas empresas farmacêuticas a fim de verificar se os dados e informações técnicas garantem a eficácia, segurança e qualidade das vacinas”.

A Anvisa aprovou os imunizantes produzidos pela Pfizer, Butantan, Janssen e Fiocruz/AstraZeneca e concedeu autorização para exportação excepcional do imunizante da Sputnik. Ou seja, a mensagem inserida no vídeo (“Proibiram as vacinas, e agora? E quem já tomou?”) não é verdadeira.

A Fiocruz não parou de produzir as vacinas

No dia 14 de abril, a Fiocruz, responsável pela produção do imunizante da Astrazeneca no país, emitiu uma nota explicando que a fabricação não tinha sido paralisada, que a vacina é segura e eficaz e que os “possíveis efeitos adversos graves, como a síndrome de trombose com trombocitopenia, são extremamente raros”.

De acordo com Boletim Epidemiológico, publicado pelo Ministério da Saúde, do dia 18 de janeiro de 2021 a 18 de junho de 2022 foram registrados 16 óbitos decorrentes de Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (ESAVI) cuja causa foi a vacina aplicada (12 pela Astrazeneca/Fiocruz e 4 pela Janssen). “Ressalta-se que os 16 óbitos com relação causal confirmada correspondem a 1 caso a cada 20 milhões de doses aplicadas”, explica o documento.

Mesmo com o registro desses casos raros, a Anvisa manteve a recomendação da continuidade da vacinação com as vacinas da Astrazeneca e da Janssen, por compreender que os benefícios dos produtos superam seus riscos.

Houve, porém, em dezembro de 2022, uma sugestão do Ministério da Saúde para que tais imunizantes fossem aplicados preferencialmente em pessoas acima de 40 anos.

Ministério da Saúde acompanha casos adversos de pós-vacina

No vídeo alvo desta checagem, Alexandre Garcia acusa o Ministério da Saúde de estar avisando somente agora (referindo-se a abril de 2023) que as vacinas supostamente causaram trombose. Isso não é verdade. Pelo menos desde abril de 2021, o Ministério da Saúde orienta sobre a identificação, investigação e manejo da Síndrome de Trombose e Trombocitopenia (TTS) no contexto da vacinação contra a covid-19 no Brasil.

Em 22 de abril de 2021, a pasta emitiu a Nota Técnica nº 441/2021 sobre o assunto. As recomendações foram atualizadas em 4 de agosto de 2021 com a publicação da Nota Técnica nº 933.

Mais recentemente, em 31 de dezembro de 2022, considerando os raros eventos em países da Europa e na Austrália e nos Estados Unidos da TTS após a vacinação, o Ministério da Saúde atualizou as recomendações de uso da Astrazeneca e Janssen. As duas são fabricadas a partir de uma tecnologia conhecida como vetor viral e, de acordo com o documento, o indicado seria que elas fossem aplicadas para uma determinada faixa etária.

No item 3.7 da nota está escrito: “As vacinas de vetor viral estão indicadas para uso na população a partir de 40 anos de idade e; em pessoas de 18 a 39 anos de idade, devem ser administradas preferencialmente vacinas COVID-19 da plataforma de RNAm, entretanto, nos locais de difícil acesso ou na indisponibilidade do imunizante dessa plataforma, poderão ser utilizadas as vacinas de vetor viral (Astrazeneca e Janssen)”.

Ainda sobre os monitoramentos feitos pelo Ministério da Saúde, cabe destacar que em fevereiro de 2021, a Anvisa, órgão responsável por monitorar os eventos relacionados ao uso das vacinas e medicamentos, publicou o painel de Farmacovigilância sobre eventos adversos. Os Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (ESAVI) são monitorados pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI). O sistema de informação utilizado pelo PNI para o monitoramento de eventos pós-vacinação é o e-SUS notifica.

Vacinas não são experimentais

Alexandre Garcia diz que as vacinas contra covid-19 estavam em teste quando foram aplicadas na população. Alegações semelhantes que buscavam disseminar medo sobre os imunizantes foram frequentemente desmentidas ao longo da pandemia.

Em agosto de 2021, por exemplo, o Comprova mostrou que uma médica enganava ao dizer que vacinas contra covid eram experimentais. A matéria explica que todas as substâncias utilizadas no Brasil foram autorizadas pela Anvisa após terem eficácia e segurança comprovadas ao serem aplicadas em milhares de voluntários durante os testes.

As vacinas usadas para combater o coronavírus passaram por todas as etapas de testes necessárias.

O que diz o responsável pela publicação: Não foi possível conversar com o responsável pela publicação, porque o conteúdo alvo desta checagem foi postado no TikTok e Kwai por usuários que não permitem o envio de mensagem privada de quem eles não eram seguidores. A reportagem tentou contato, via Instagram, com Alexandre Garcia, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma das táticas dos desinformadores é se comunicar de forma alarmista para chamar a atenção de quem os vê. E é isso o que fazem os autores dos posts ao acrescentarem sobre o vídeo, que em si já era enganoso, a afirmação de que as vacinas foram proibidas. Eles sugerem que os imunizantes poderiam causar problemas de saúde ao disseminar o medo.

Ao se deparar com conteúdos assim, reflita. Órgãos de saúde do mundo todo recomendam os imunizantes; após o início da campanha, os casos de óbitos começaram a cair e foi graças à vacinação que a OMS pôde declarar o fim da emergência de saúde da pandemia. Considerando isso, fazem sentido conteúdos antivacina?

Também é importante buscar em sites da imprensa profissional reportagens sobre o assunto. Ao pesquisar, seria possível perceber se tratar de desinformação, já que o Ministério da Saúde defende a vacina, garantindo sua segurança e eficácia.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova publicou na seção Comprova Explica uma reportagem em que detalha a nota do Ministério da Saúde e o motivo pelo qual a recomendação de uso da vacina Astrazeneca ter mudado. A Lupa mostrou que, desde 2021, a pasta acompanha supostos casos de trombose em pessoas que tomaram as vacinas da Janssen e Astrazeneca. O UOL Confere mostrou que é falso que a Fiocruz tenha parado de produzir o imunizante.

Política

Investigado por: 2023-06-02

Fila de pacientes em unidade de saúde em Natal não tem relação com Bolsa Família

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso post que associa imagens de pessoas enfileiradas na rua a um suposto cancelamento do Auxílio Brasil pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O vídeo mostra pacientes aguardando atendimento em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) administrada pela prefeitura de Natal (RN), não pelo governo federal. A fila não tem relação com o benefício social.

Conteúdo investigado: Vídeo de pessoas em uma fila na calçada acompanhado da seguinte frase: “Que maldade que o governo Lula está fazendo, deixando o povo em grandes filas pegando sol e cancelando o Auxílio Brasil. Você acha que o governo está agindo correto (sic) com a população?”

Onde foi publicado: Telegram e Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganoso o post que associa imagens de uma fila na rua ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao cancelamento de programa social. A publicação, que tira vídeo de contexto, cita que a atual administração federal estaria “deixando o povo em grandes filas pegando sol e cancelando o Auxílio Brasil”.

O vídeo original, gravado em maio deste ano e exibido pela Inter TV, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Norte, mostra pacientes aguardando atendimento em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) da cidade de Natal, capital potiguar. A fila foi gerada pela demora na emissão de senhas e, segundo nota da prefeitura enviada ao telejornal, por uma redução no número de médicos em atuação naquele dia na unidade. O espaço é de responsabilidade do município — administrado por Álvaro Dias (Republicanos) —, não da União.

O atual governo de fato bloqueou o pagamento do Bolsa Família (que substitui o Auxílio Brasil) de parte dos beneficiários por indícios de irregularidades e provocou filas ao exigir o recadastramento de outra parte. Mas isso não tem relação com a fila registrada em frente à UBS, como sugere o post enganoso.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 1º de junho, o post no Twitter acumulava 159,5 mil visualizações, 4,4 mil curtidas, mais de 900 compartilhamentos e 179 comentários.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos pistas no próprio vídeo. Nas imagens, é possível ler nos letreiros instalados na fachada do prédio que se trata de uma UBS. Como recentemente houve uma greve na cidade de Natal, buscamos por imagens de unidades de saúde da capital potiguar e encontramos uma edificação compatível.

| Print do vídeo usado no post enganoso / Print do Google Maps da fachada da UBS Bela Vista, em Natal

Ao identificar a UBS em frente à qual o vídeo foi gravado, procuramos no Google por denúncias de problemas no local, envolvendo fila ou demora no atendimento. A pesquisa retornou reportagens jornalísticas, sendo que uma delas usava, no contexto original, o vídeo que ganhou outro sentido no post enganoso. Fizemos contato com a emissora para obter mais informações sobre a origem das imagens.

Também pesquisamos por palavras-chave no Google como “Auxílio Brasil”, “Bolsa Família” e “governo Lula”.

Enviamos questionamentos à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Natal, onde fica a UBS, e ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Por fim, contatamos o perfil no Twitter que fez a publicação enganosa.

Vídeo foi gravado em frente a UBS

A fila na calçada que aparece no post enganoso foi registrada na manhã de 18 de maio em frente à UBS Bela Vista, no bairro de Igapó, zona norte de Natal. A gestão do espaço é feita pela prefeitura, comandada por Álvaro Dias (Republicanos). As imagens foram exibidas pelo telejornal RN TV 1ª Edição, da Inter TV RN, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Norte.

O programa informa ter recebido diversos vídeos de pacientes que reclamavam da demora no atendimento no local. Neles, moradores relatam que chegaram à unidade de madrugada e que o posto informou que as fichas para atendimento seriam distribuídas somente a partir das 9 horas. “Todos os postos de saúde entregam às 7 horas, menos aqui”, reclama uma senhora. “Muitos idosos, teve uma que já passou mal e foi para casa. E aí?”, questiona outra. A demora para o início da distribuição das fichas fez com que uma longa fila se formasse.

Quando, finalmente, as senhas foram entregues, parte do grupo que aguardava ficou sem atendimento. Ao RN TV, a Secretaria Municipal de Saúde de Natal informou que a escala médica desta unidade é composta por três médicos clínicos, um pediatra e um ginecologista, mas que um clínico estava de licença em virtude de uma cirurgia e, por isso, houve redução de atendimentos médicos.

Ainda ao RN TV, a SMS informou, na ocasião, que foram realizadas 150 marcações de consultas e acrescentou que ainda existem 59 UBSs na capital potiguar, onde os usuários podem procurar atendimento sem a necessidade de chegar antes do horário de funcionamento, que se inicia às 8 horas.

Bolsa Família: cancelamento e recadastramento

O post enganoso também cita o cancelamento do Auxílio Brasil. O benefício social, que no atual governo voltou a se chamar Bolsa Família, concede valor mínimo de R$ 600 a famílias de baixa renda. De fato, o governo Lula cancelou o pagamento da bolsa a parte dos beneficiários por indícios de irregularidades. Conforme disse o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, em março deste ano, 1,4 milhão de famílias foram excluídas do programa. Em contrapartida, outras 700 mil famílias foram incluídas.

Em abril, por suspeita de fraude, houve bloqueio do Bolsa Família para 1,2 milhão de “famílias de uma pessoa só”, o que provocou longas filas nos postos de atendimento de prefeituras. O aumento na procura por recadastramento após a suspensão foi registrado em capitais como Rio de Janeiro e Salvador. O grupo tinha 60 dias para demonstrar que, de fato, atendia os requisitos para acessar o benefício.

O objetivo da medida é combater fraudes e conceder a bolsa a quem realmente precisa, de acordo com o governo. Em maio deste ano, segundo dados do governo, 21,2 milhões de famílias foram beneficiadas.

O Bolsa Família é voltado para pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social. Para serem contempladas, elas precisam apresentar renda classificada como situação de pobreza ou de extrema pobreza. Com a nova legislação, têm acesso ao programa as famílias com renda de até R$ 218 por pessoa. Os dados precisam estar atualizados junto ao Cadastro Único (CADÚnico).

A seleção considera a estimativa de pobreza, a quantidade de famílias atendidas em cada município e o limite orçamentário.

Bolsa Família e UBS

Segundo as regras do Bolsa Família, alguns beneficiários devem comparecer duas vezes ao ano, sendo uma a cada semestre, às UBSs de seus municípios para comprovar ao governo federal que fazem o acompanhamento de saúde. No entanto, essa necessidade atinge apenas as pessoas grávidas, puérperas e crianças menores de 7 anos.

A ida à UBS consiste em realizar o monitoramento da situação vacinal das crianças e a medição de peso e altura, além do pré-natal das gestantes. Cada município deve nomear um responsável técnico pelo programa Bolsa Família na secretaria de saúde municipal. Ele deve acessar uma plataforma online e verificar quais famílias beneficiadas precisam do acompanhamento de saúde e se ele está sendo realizado.

Há risco de perder o benefício em caso de não realização do acompanhamento. Em abril, uma portaria do governo federal definiu que a repercussão pelo acompanhamento das condicionalidades será retomada a partir de julho, com aplicação de advertência aos beneficiários que descumprirem qualquer critério. Neste caso, o benefício ainda é mantido, mas trata-se de um sinal de alerta.

Regra semelhante existe na educação, em que é necessário ter frequência escolar mensal mínima de 60% para os beneficiários de 4 a 6 anos incompletos de idade; e frequência escolar mensal mínima de 75% para os beneficiários de 6 a 18 anos incompletos que não tenham concluído a educação básica.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato pelo Twitter com a conta @mspbra, responsável pelo post verificado. Na bio, o perfil se apresenta como um espaço de “notícias, humor, paródia, ironia e sátira”. Não houve retorno até a publicação desta checagem.

O que podemos aprender com esta verificação: Ao se deparar com uma publicação que usa imagens sem mencionar data, local, ou mesmo crédito, desconfie. Olhe o vídeo com atenção e busque pistas que ajudem na contextualização. Neste caso, o letreiro, por exemplo, e a própria estrutura do prédio, indicava se tratar de uma unidade de saúde.

Antes de compartilhar um post, pesquise sobre o tema abordado e procure fazer questionamentos. Em relação à publicação em questão, houve mesmo cancelamento de auxílio? Quando, em qual contexto e por qual motivo? Esse cancelamento tem gerado filas? Qual a eventual relação do benefício social com uma UBS? Notícias provavelmente o ajudarão a compreender o cenário.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já desmentiu outras peças de desinformação envolvendo Lula. Recentemente, mostrou ser falso que ele tenha reconduzido Nestor Cerveró a cargo na Petrobras e que o petista esteja implementando banheiros unissex no país.

Política

Investigado por: 2023-06-01

É falso que Biden tenha convocado Congresso por falas de Lula em apoio à Venezuela

  • Falso
Falso
É falso que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tenha convocado o Congresso para discutir sanções ao Brasil após falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em apoio à Venezuela. Até o momento, não há nenhum registro de um posicionamento oficial da Casa Branca em relação às declarações do petista.

Conteúdo investigado: Postagens segundo as quais o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, convocou o Congresso para impor sanções ao Brasil após as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a situação da Venezuela.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É falso que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tenha convocado o Congresso para discutir a imposição de sanções ao Brasil após as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o cenário político venezuelano.

Nesta segunda-feira (29), Lula recebeu o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto. Em um pronunciamento, Lula disse que o autoritarismo no país vizinho seria apenas uma “narrativa” e atribuiu os problemas socioeconômicos da Venezuela apenas às sanções impostas pelos Estados Unidos, cuja existência seria “inexplicável”, segundo ele.

“É culpa dos Estados Unidos, que fizeram um bloqueio extremamente exagerado. Eu sempre acho que bloqueio é pior do que a guerra, porque a guerra mata soldados em batalha. O bloqueio mata crianças, mulheres, pessoas que não têm nada a ver com a disputa ideológica em jogo”, afirmou Lula.

Os comentários do brasileiro foram rebatidos pelos presidentes do Uruguai e do Chile, mas não há no noticiário, seja no Brasil ou nos Estados Unidos, qualquer registro de um posicionamento oficial da Casa Branca ou do Congresso norte-americano em relação às declarações de Lula.

Se houvesse, este seria um fato de extrema importância e estaria estampado nos noticiários tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos, o que não é o caso. Um dos vídeos investigados chega a inventar uma declaração de Biden, segundo a qual ele teria dito que “não perdoaria” as declarações de Lula. Não há nenhum registro dessa suposta afirmação.

O Comprova entrou em contato com a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, mas não obteve resposta até o encerramento desta verificação.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e tenha sido divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 1º de junho, os vídeos publicados no TikTok já somavam mais de 500 mil visualizações e 22 mil curtidas.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos notícias sobre o discurso de Lula após o encontro com Maduro no Palácio do Planalto, em Brasília. A pesquisa retornou reportagens que noticiaram o evento e as declarações feitas pelo presidente brasileiro em relação às sanções internacionais ao regime ditatorial do país vizinho.

Em sequência, entramos em contato com a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e buscamos o posicionamento da Casa Branca sobre as falas de Lula. Por meio das palavras-chave “Biden”, “Congresso”, “Brasil” e “Venezuela”, pesquisamos por notícias que informassem uma suposta convocação do Congresso norte-americano para impor sanções ao Brasil. A pesquisa também foi feita inglês, com intuito de buscar informações em noticiários locais. No entanto, não encontramos nenhum registro em veículos de imprensa nacionais e/ou internacionais.

Declarações de Lula sobre a Venezuela

Nicolás Maduro chegou ao Brasil na noite de domingo (28) para participar da cúpula dos países sul-americanos, realizada nesta terça-feira (30), em Brasília. Maduro não vinha ao Brasil desde 2015, quando a presidente era Dilma Rousseff (PT).

Na segunda-feira (29), Lula recebeu Maduro no Palácio do Planalto, onde tiveram uma reunião privada. Em sequência, os líderes realizaram um encontro ampliado com membros da comitiva venezuelana e do governo brasileiro. Em discurso, o petista condenou as sanções contra o país vizinho e afirmou que a Venezuela precisa divulgar sua própria “narrativa” como contraponto ao que ele chamou de “narrativas” construídas por opositores no cenário internacional.

Lula ainda disse que os “adversários” terão que “pedir desculpa pelo estrago que fizeram na Venezuela”. O chefe do Executivo também criticou o preconceito contra o país vizinho e afirmou que o distanciamento entre as duas nações ocorreu por “ignorância, contingências políticas e equívocos”.

Durante a reunião, Maduro reclamou de perseguição e afirmou que o país sofreu ameaças de invasão militar dos Estados Unidos. O chavista também disse que pediria aos demais presidentes sul-americanos “a suspensão de todas as sanções e todas as medidas coercitivas contra a Venezuela e contra os países que sofrem esse tipo de sanção” no continente.

Sanções ao governo de Nicolás Maduro

Em 2017, o governo dos Estados Unidos impôs sanções econômicas diretas contra Maduro, entre elas o congelamento de ativos sob jurisdição americana. A medida foi anunciada pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos um dia após a eleição da Assembleia Nacional Constituinte na Venezuela. Já em 2018, o Departamento anunciou novas sanções contra a cúpula do regime chavista. A punição incluía Cilia Flores, primeira-dama do país, e a vice-presidente Delcy Rodríguez.

Desde que Biden assumiu a presidência do país, Washington vem sinalizando uma possibilidade de reaproximação com a Venezuela em troca de uma abertura democrática. Em maio deste ano, em entrevista exclusiva ao Estadão, o secretário do Departamento de Estado, Brian A. Nichols, afirmou que a Casa Branca está disposta a rever a política de sanções se o chavista normalizar o processo eleitoral no país.

Em 2022, os Estados Unidos retiraram parcialmente sanções ao país latino-americano para promover um diálogo político. O governo norte-americano voltou a permitir, por exemplo, que a petroleira americana Chevron negociasse com a estatal venezuelana PDVSA. De acordo com a imprensa local, os Estados Unidos também afirmaram que iriam retirar de sua lista de sanções Carlos Erik Malpica Flores, sobrinho da primeira-dama da Venezuela e ex-funcionário do alto escalão da PDVSA.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil @isac.faris por meio do Instagram no dia 31 de maio. Até a conclusão desta checagem, não recebeu retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: A peça de desinformação utiliza um fato recente e amplamente noticiado – o encontro de Lula com Nicolás Maduro – para inventar uma alegação alarmante e sem base factual.

Sempre desconfie quando o responsável pela autoria do conteúdo fizer uma acusação sem citar fontes. Faça uma busca no Google por palavras-chave relacionadas ao tema e procure resultados em veículos de comunicação profissionais. Se o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, realmente tivesse convocado o Congresso para discutir sanções ao Brasil, a informação certamente seria destacada em diversos jornais do país.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em 2022, o Comprova checou uma suposta notícia do G1 sobre uma fala de Lula em apoio à Venezuela durante a campanha presidencial.

Recentemente, também verificou conteúdos falsos relacionados ao presidente da República, como o boato de que Lula reconduziu Nestor Cerveró ao cargo que ocupava na diretoria da Petrobras e o suposto projeto do governo federal para implementação de banheiros unissex no país.

Política

Investigado por: 2023-05-30

É falso que Lula tenha reconduzido Nestor Cerveró a cargo na Petrobras

  • Falso
Falso
É falso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha reconduzido o ex-diretor da Área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró ao mesmo posto na empresa. O cargo em questão foi extinto em 2014, e a petroleira negou que haja qualquer vínculo de Cerveró com a estatal atualmente.

Conteúdo investigado: Publicações afirmam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em seu terceiro mandato, reconduziu Nestor Cerveró ao cargo que ocupava na diretoria da Petrobras, na Área Internacional da estatal.

Onde foi publicado: Twitter e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso que o engenheiro químico Nestor Cuñat Cerveró, 71 anos, tenha sido reconduzido ao cargo de diretor da Área Internacional da Petrobras pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Isso não seria possível a começar pelo fato de que o cargo que ele ocupava foi extinto do quadro da estatal.

Além de condenado em 2016 pela Justiça Federal em segunda instância, Cerveró também foi responsabilizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no ano seguinte, pela compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, pela Petrobras em 2006, o que o impede de exercer cargo público em comissão por oito anos.

Em 14 de maio, o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo informou que o advogado e ex-sócio de Cerveró em uma empresa offshore, Marcelo de Oliveira Mello, foi nomeado para chefiar o departamento jurídico da Petrobras. A matéria não diz nada, no entanto, a respeito da suposta nomeação de Cerveró para a petroleira.

A Petrobras, em nota ao Comprova, informou que Nestor Cerveró não possui vínculo com a empresa.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 29 de maio, a publicação no Twitter tinha 376 compartilhamentos, 2,5 mil curtidas e 117 mil visualizações. No Telegram, até esta mesma data, o conteúdo havia sido visualizado 7,1 mil vezes.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar na imprensa notícias sobre a indicação de Nestor Cerveró à Petrobras e, depois, sobre a composição atual da diretoria da empresa e o modelo de contratação dos diretores. Também pesquisamos qual a relação de Cerveró com a empresa, quais cargos assumiu, como foi sua carreira e como se deu a saída da estatal.

Contatamos a Petrobras para saber se Cerveró faz parte do quadro de diretores ou foi indicado recentemente para compor a diretoria. Também questionamos qual seria o atual envolvimento dele com a empresa.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e a Justiça Federal do Paraná também foram contatados sobre a situação dos processos a que ele responde em decorrência da Operação Lava Jato. O Comprova ainda buscou a defesa do ex-diretor da Petrobras para esclarecer a atual situação jurídica de Cerveró. Entretanto, não obteve retorno até a publicação desta checagem.

Diretoria foi extinta em 2014

Em decorrência dos casos de corrupção investigados a partir de 2014 na Operação Lava Jato, a Petrobras realizou uma mudança no organograma da empresa e extinguiu a então diretoria da Área Internacional, substituindo-a, em novembro daquele ano, pela diretoria de Governança, Risco e Conformidade. O primeiro diretor nomeado foi João Adalberto Elek Júnior, em janeiro de 2015, após um processo seletivo conduzido pela empresa Korn Ferry. Hoje, o posto é ocupado por Mário Spinelli.

Em 2020, o Conselho Administrativo da Petrobras aprovou outra alteração no organograma, com a criação da diretoria de Logística e a extinção da diretoria de Assuntos Corporativos, que teve suas atividades realocadas para outras diretorias da empresa. Neste ano, em abril, uma nova mudança organizacional foi aprovada, mas manteve o quantitativo de oito diretorias, além da presidência.

Atualmente, o corpo diretivo da Petrobras é composto por:

  • Jean Paul Terra Prates – Presidente;
  • Carlos José do Nascimento Travassos – Diretor Executivo de Engenharia, Tecnologia e Inovação;
  • Clarice Coppetti – Diretora Executiva de Assuntos Corporativos;
  • Claudio Romeo Schlosser – Diretor Executivo de Logística, Comercialização e Mercados;
  • Joelson Falcão Mendes – Diretor Executivo de Exploração e Produção;
  • Mário Spinelli – Diretor Executivo de Governança e Conformidade;
  • Mauricio Tolmasquim – Diretor Executivo de Transição Energética e Sustentabilidade;
  • Sergio Caetano Leite – Diretor Executivo Financeiro e de Relacionamento com Investidores; e
  • William França da Silva – Diretor Executivo de Processos Industriais e Produtos.

Além disso, a diretoria da Petrobras é formada em um processo de eleição definido pelo Conselho de Administração da companhia. O Conselho é formado atualmente por 11 membros eleitos em Assembleia Geral de Acionistas para um mandato de até dois anos, admitidas três reeleições consecutivas. Seis dos membros são indicados pelo acionista controlador (governo federal), quatro pelos acionistas minoritários e um eleito pelos empregados.

Entre os membros da Diretoria Executiva, somente o presidente da companhia pode integrar o Conselho de Administração. No entanto, o presidente, atualmente Jean Paul Prates, não pode exercer a presidência do Conselho, comandada por Pietro Adamo Sampaio Mendes. É possível, porém, que se tenha indicações políticas para a composição da diretoria, mesmo que seja necessária a aprovação do Conselho para o exercício do cargo.

Quem é Nestor Cerveró

Nestor Cuñat Cerveró, de 71 anos, é um engenheiro químico que atuou como diretor da Área Internacional na Petrobras entre 2003 e 2008. Ele era funcionário de carreira da petroleira desde 1975.

Ainda em 2008, passou a ser diretor financeiro da BR Distribuidora, que era uma subsidiária da estatal até 2017, quando começou a ser privatizada em um processo finalizado em 2021, passando a se chamar Vibra Energia. Cerveró esteve no cargo indicado pelo então presidente Lula e permaneceu até 2014.

O ex-diretor se tornou conhecido ao virar alvo das investigações da Operação Lava Jato, com o objetivo de desvendar casos de corrupção envolvendo a Petrobras, que culminou em sua exoneração do cargo na BR Distribuidora. Ele foi preso em janeiro de 2015 assim que pousou no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, ao voltar de Londres (Inglaterra) por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro. Por esses crimes, o ex-diretor foi condenado a cinco anos de prisão em regime fechado meses depois.

Cerveró também é conhecido por ter sido o responsável pelo relatório, em 2006, sobre a compra da refinaria de petróleo de Pasadena, nos Estados Unidos, que gerou prejuízo para a Petrobras. Na época, a estatal pagou US$ 360 milhões por 50% da refinaria, valor muito superior ao que foi pago um ano antes pela belga Astra Oil pela refinaria inteira (US$ 42,5 milhões).

A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) era a presidente do Conselho de Administração da Petrobras na ocasião da compra da refinaria e afirmou, em depoimento à Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2014, que foi a favor da aquisição por não saber os detalhes do contrato que seria firmado.

Em 2016, Cerveró fechou um acordo de delação premiada em que disse que a ex-presidente teria conhecimento de detalhes da negociação relativas à compra de Pasadena.

Em 2017, o Tribunal de Contas da União condenou o ex-diretor e o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli pelo envolvimento no negócio que envolveu a refinaria, enquanto Dilma e o Conselho foram inocentados. Cerveró e Gabrielli também ficaram inabilitados de exercer qualquer cargo público em comissão por oito anos.

A delação de Cerveró foi alvo de outras polêmicas, pois houve a acusação de que ele teria sido parte passiva em um processo de obstrução de Justiça, de modo que um grupo teria tentado comprar o seu silêncio. Na denúncia, eram apontados como integrantes desse grupo o presidente Lula e o ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS).

A ação se baseou também em depoimento de Bernardo Cerveró, ator e filho de Nestor, que gravou um encontro com o ex-senador, no qual ele teria lhe prometido ajuda financeira. Eles foram absolvidos no processo em 2018.

Processos

Pelo crime de lavagem de dinheiro, Nestor Cerveró foi condenado à prisão, em regime inicialmente fechado, por cinco anos em decisão do então juiz federal, hoje senador, Sergio Moro (União Brasil-PR), em maio de 2015.

A decisão se refere à compra de um apartamento de luxo no bairro de Ipanema, Rio de Janeiro, para uso próprio, mas em nome de uma empresa, com dinheiro que recebeu como propina da Petrobras. Essa foi a primeira condenação do ex-diretor da empresa estatal, que ficou preso em Curitiba (PR).

Em agosto do mesmo ano, a partir de um processo penal, Cerveró foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a 12 anos e 3 meses de prisão, além de ter de devolver R$ 17 milhões à Petrobras. O processo se referia à contratação pela Petrobras da Samsung Heavy Industries para o fornecimento dos navios-sonda para perfuração de águas profundas.

Em junho de 2016, após acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF) e homologado pelo STF, ele passou a cumprir prisão domiciliar na casa da família em Itaipava (RJ), monitorado por tornozeleira eletrônica e sem poder sair do país.

No final daquele ano, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) aumentou a pena de Cerveró para 27 anos e quatro meses de reclusão.

Em 2022, em maio, Cerveró retomou o direito de sair do país. Ofício da 12ª Vara Federal de Curitiba informou que ele já cumpriu “as penas privativas de liberdade e restritivas de direitos previstas no seu Acordo de Colaboração Premiada“.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil @mspbra por meio do Facebook e de e-mail em 30 de maio. Até a conclusão desta checagem, não recebeu retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: O conteúdo de desinformação em questão resgata um nome envolvido em processos judiciais e famoso por casos de corrupção e o vincula a uma nomeação a uma estatal. Neste caso, uma pesquisa junto à imprensa seria eficaz para verificar que não houve a nomeação de Nestor Cerveró a uma diretoria da Petrobras, visto que se trata de um personagem conhecido e seu retorno a um cargo público seria amplamente noticiado.

É preciso estar atento aos alardes provocados por desinformadores ao citar esses nomes. Ao se deparar com mensagens sobre a vinculação de uma pessoa a um cargo nos governos, busque notícias e também acesse canais oficiais, como o Diário Oficial da União (DOU), dos estados ou municípios, ou mesmo os sites das empresas estatais ou ministérios, onde estão os organogramas dos órgãos ou entidades.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A Petrobras e a Operação Lava Jato frequentemente são alvos de desinformação. O Comprova já realizou verificações como a que classifica como falso vídeo que tenta ligar filho de Lula a Petrobras e a aumento de combustíveis, além de ter produzido o conteúdo explicativo O que foi a Operação Lava Jato.

Política

Investigado por: 2023-05-29

É falso que Lula esteja implementando banheiros unissex no país

  • Falso
Falso
É falso que o presidente Lula (PT) esteja colocando em prática plano de instalação de banheiros unissex no país. A Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ desmentiu peça de desinformação e informou que “não há nenhuma iniciativa nesse sentido em curso”.

Conteúdo investigado: Post que circula nas redes sociais usando imagens de homens e mulheres dividindo banheiro coletivo. O conteúdo afirma que “Lula já colocou seu plano em prática”, insinuando que há interesse do governo federal em implantar banheiros unissex. A trilha sonora que acompanha o vídeo cita: “Faz o ‘L’ agora e vem, vem se lascar você também”.

Onde foi publicado: Kwai, TikTok e Twitter.

Conclusão do Comprova: É falso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteja colocando em prática plano de implementação de banheiros unissex no país, diferentemente do que sugere vídeo que viralizou nas redes sociais. A peça de desinformação usa imagens de homens e mulheres dividindo um banheiro coletivo para passar a mensagem de que o governo Lula transformará todos os banheiros do Brasil em unissex.

Não há informações sobre a origem do vídeo, nem sobre o local e a data em que foi gravado, mas a alegação não é verdadeira. Ao Comprova, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), por meio da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, comunicou “que não há nenhuma iniciativa nesse sentido em curso”. Também não há nenhuma informação a respeito no noticiário de veículos de imprensa dedicados a acompanhar políticas públicas do governo federal.

Esta não é a primeira vez que o tema vem à tona. Durante o período que antecedeu as eleições de 2022, Lula foi fortemente atacado por opositores que buscavam associá-lo a banheiros unissex. No dia 19 de outubro do ano passado, no evento de lançamento da carta aos eleitores evangélicos, o político, à época candidato, comentou as acusações contra ele.

“Agora inventaram a história do banheiro unissex. Gente, eu tenho família, eu tenho filha, eu tenho netas, eu tenho bisneta. Só pode ter saído da cabeça de Satanás a história de banheiro unissex”, disse, na ocasião, o petista. A acusação também foi negada por Lula em entrevista concedida ao Flow Podcast.

Iniciativas de checagem, como a UOL Confere, desmentiram que o programa de governo do petista previa banheiro unissex em escolas.

Ainda em meio ao período eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a remoção de trechos de um live do então presidente Jair Bolsonaro (PL) no YouTube, em que ele afirmava que o adversário político e o PT seriam a favor da liberação das drogas, do aborto e da implantação de banheiros sem gênero em instituições de ensino. A liminar também ordenou a exclusão de post no Twitter feito pelo cantor Roberto de Souza Rocha, o Latino, com insinuações similares.

Lula já havia firmado posição sobre o tema. Em agosto do mesmo ano, lançou uma nota devido à circulação de conteúdos falsos a respeito: “Cuidado com mentiras para assustar adultos. Banheiro unissex é fake news! Lula é a favor de banheiros separados e educação sem cortes.”

Também em 2022, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgou comunicado no qual informa que “esta não é uma demanda real de pessoas trans ou NB (não binárias)” e que “a falsa polêmica em torno de banheiros unissex atende aos anseios de gente que a todo instante atua contra os direitos LGBTQIA+”.

No posicionamento, a Antra ressalta ainda que, depois de casos de desinformação relacionados a “kit gay”, “ideologia de gênero” e “mamadeiras eróticas” – assuntos que foram tema de verificações do Comprova –, mais uma vez cria-se um inimigo comum no intuito de criminalizar, especialmente, pessoas trans e NB.

“As propostas, de cunho meramente eleitoreiro, que usam do pânico antitrans para ganhar notoriedade, continuam aparecendo e sendo defendidas como se fossem verdade.”

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 29 de maio de 2023, o post no Kwai somava 1,1 mil visualizações e circulava também pelo WhatsApp, aplicativo no qual não é possível identificar a viralização. No Twitter, publicação similar, com o mesmo vídeo, acumulava 57,7 mil views.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos pelas palavras-chave “Lula”, “vídeo”, “banheiro unissex”. A pesquisa retornou reportagens que desmentiam a afirmação feita no post verificado e citavam a posição contrária de Lula em relação à suposta medida (O Globo, UOL, Metrópoles, UOL Confere, Jota).

Na sequência, fizemos uma busca reversa de imagens pelo InVID e encontramos outras publicações do mesmo conteúdo no Twitter, mas não conseguimos chegar ao vídeo original.

Pela @ que consta no vídeo como marca d’água, acompanhada da logomarca do TikTok, chegamos ao perfil de um usuário que aparentemente seria o responsável por divulgar o conteúdo pela primeira vez. No feed desse usuário, porém, o vídeo não foi localizado. Ele também não respondeu o contato feito pelo Comprova por mensagem privada.

Também fizemos pesquisas por palavras-chave dentro das próprias redes sociais, mas não foram encontrados resultados relevantes.

Por fim, entramos em contato com a assessoria do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e com o autor do post que viralizou.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova enviou mensagens privadas ao autor do post no Kwai (Canal-2021) e ao perfil @vadypereira no TikTok, que assina o conteúdo. Não houve retorno até a publicação desta checagem. Após o contato, o perfil de @vadypereira passou a estar indisponível.

O que podemos aprender com esta verificação: A peça de desinformação usa vídeo fora de contexto para sugerir que o governo estaria implementando banheiros unissex. Em nenhum momento, porém, o post informa em que local ou data as imagens em questão foram feitas.

Sempre desconfie quando o autor do conteúdo fizer uma acusação sem informar o contexto ou citar fontes. Faça uma busca no Google por palavras-chave relacionadas ao tema e procure se informar sobre as questões abordadas junto a veículos de comunicação profissionais.

Se houvesse, de fato, implementação de banheiros unissex no país como política de governo, isso estaria sendo noticiado pela imprensa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Temas que envolvem questões de gênero já foram alvo de outras checagens do Comprova. Recentemente, o projeto mostrou que vídeo em que Fernando Haddad anuncia programa de auxílio a pessoas trans é de 2015 e que portaria citada em tuíte enganoso não aborda cirurgias de mudança de sexo.

Em 2020, constatou-se que não é verdade que vacina contra a covid-19 cause câncer, danos genéticos ou “homossexualismo” e, em 2018, que Haddad não afirmou que governo deve decidir o gênero das crianças.

Política

Investigado por: 2023-05-26

Matança de bois na Bahia não tem relação com MST

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo com imagens de bois mortos em curral foi tirado de contexto ao ser publicado com legenda que associa o esquartejamento dos animais ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O crime foi cometido por uma quadrilha que tentou roubar a carne do gado, mas não conseguiu porque o veículo em que estava atolou, como mostrou reportagem do programa "Bahia no Ar", da RecordTV Itapoan.

Conteúdo investigado: Vídeo em que homem mostra bois mortos em um curral. Ele diz que “a coisa foi feia” e que há cerca de 17 animais abatidos. Em texto, as publicações afirmam que o responsável pelo esquartejamento é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), “com apoio do governo Lula”.

Onde foi publicado: Twitter, Rumble e Kwai.

Conclusão do Comprova: É enganosa postagem segundo a qual o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teria esquartejado gado em ocupação em área rural. “Bois vivos foram cortados ao meio por criminosos do MST, apoio do desgoverno Lula”, desinforma um dos posts, no Twitter.

O vídeo é real, mas não mostra resultado de ação do MST. Reportagem do programa “Bahia no Ar“, da RecordTV Itapoan, que mostra a mesma gravação, informa que os bois foram mortos por oito bandidos, segundo a polícia, em uma fazenda no município de Conde (BA) – e não em Santa Catarina, como desinformam posts que viralizaram. O crime ocorreu na madrugada de 18 de abril. A repórter conta que a quadrilha tentou levar a carne para vendê-la no mercado ilegal, mas teve que abandoná-la porque o caminhão atolou.

Sites locais da Bahia também registraram o assalto (Esplanada News, Informe Baiano).

Os posts também afirmam que o MST é apoiado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O chefe do Executivo tem, de fato, uma relação histórica com o MST, mas a história entre eles também é cheia de atritos, vindo dos dois lados, como informa a Folha.

Ao Comprova, a assessoria de imprensa do MST disse se tratar de mais um caso de desinformação contra o grupo, em uma “clara tentativa de criminalizar e disseminar ódio contra o movimento”.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Kwai, posts com o vídeo enganoso haviam sido visualizados cerca de 2 mil vezes até 25 de maio e, no Twitter, aproximadamente 600 vezes.

Como verificamos: O primeiro passo foi a busca pelo contexto da gravação do vídeo e se ele era real, ou seja, não havia sofrido qualquer adulteração de imagem ou som. Foram feitas pesquisas em sites de busca por notícias sobre ataques a bois no Brasil em 2023 e se as imagens contidas nas matérias eram semelhantes ao vídeo verificado.

Foi analisado o áudio existente no vídeo para identificar alguma fala que pudesse indicar a localização e a data do ocorrido. Pelo sotaque e vocabulário utilizado pelo homem que narra o vídeo, foi possível perceber que se tratava de alguém do Nordeste do Brasil.

Essa constatação levou à restrição das pesquisas a crimes que ocorreram na região. A pesquisa também foi feita nas redes sociais. Pelo TikTok, foi encontrada uma publicação em que um usuário assiste a uma reportagem da RecordTV Itapoan sobre um crime de matança de boi em Conde, na Bahia, com as mesmas imagens do vídeo aqui verificado.

Ao pesquisar sobre o caso de abril de 2023, as imagens nas notícias eram as mesmas, assim como as falas utilizadas na narração do vídeo. O Comprova pediu o envio da reportagem completa para a RecordTV Itapoan, mas não obteve resposta.

Também foi procurada a Polícia Civil da Bahia para mais detalhes do caso, mas também não houve retorno, e a assessoria de imprensa do MST.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem tentou contato com perfis que publicaram o conteúdo, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação: Os posts usam um vídeo verdadeiro, mas tiram as imagens de contexto, uma tática comum entre os desinformadores. As cenas são chocantes e, ao ver um conteúdo assim, sendo associado a um grupo social conhecido do Brasil, o MST, desconfie. Se fosse verdade, veículos da imprensa profissional não teriam noticiado o caso? O alerta já começaria aí, pois, ao buscar na internet palavras como “MST” e “bois mortos”, os resultados não mostram nada parecido com o que é mostrado no vídeo.

Outro ponto de atenção é o final da legenda que aparece sobre o vídeo. Ela diz “Viralizar é obrigação de todos”. Desinformadores costumam usar esta técnica para disseminar conteúdos duvidosos. Então, ao se deparar com publicações com mensagens que pedem compartilhamento imediato, também desconfie.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O MST é alvo frequente de conteúdos de desinformação. Recentemente, por exemplo, o Comprova verificou ser enganoso post de deputado que associa ocupação em bairro nobre de São Paulo ao movimento, a Boulos e a Lula. No ano passado, o Projeto classificou como falso título usado em publicação dizendo: “Agronegócio deve ser eliminado da terra, diz Lula e MST”.

Política

Investigado por: 2023-05-25

Vídeo engana ao afirmar que Justiça autorizou invasões de domicílio no Brasil

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o conteúdo de um vídeo que afirma que “comunistas travestidos de juízes” autorizaram a invasão de domicílios, mesmo com uso de arma de fogo, sem que isso configure crime. O comentário feito por uma influenciadora de direita distorce o sentido de uma decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomada em 2021. Na ocasião, os ministros julgaram um recurso do Ministério Público do Tocantins e decidiram que, no caso específico, a quebra de um cadeado e o arrombamento de uma fechadura não configuravam tentativa de roubo, e sim atos preparatórios. Embora não tenha sido condenado por tentativa de roubo, um dos acusados à época foi condenado por porte ilegal de arma de fogo.

Conteúdo investigado: Vídeo em que mulher diz que “comunistas travestidos de juízes” autorizaram a invasão de domicílios. Segundo ela, uma decisão do STJ definiu que não é crime invadir a casa de outra pessoa armado.

Onde foi publicado: Instagram, WhatsApp, TikTok e Facebook.

Conclusão do Comprova: É enganoso conteúdo de vídeo publicado no Instagram, e que viralizou em outras plataformas, no qual uma mulher afirma que o Poder Judiciário brasileiro autorizou a invasão de domicílios. No comentário, divulgado em 18 de maio deste ano, a autora, que se identifica como criadora de conteúdo digital e conservadora, afirma que a Justiça não irá mais condenar tentativas de invasão e que “a comunização, invasão preparatória da propriedade” não será mais passível de punição ou pena. Isso não é verdade.

Na realidade, a mulher desinforma ao distorcer uma decisão de outubro de 2021, da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na ocasião, os ministros julgaram um recurso do Ministério Público do Tocantins (MP-TO), que pedia a condenação de dois homens por tentativa de roubo após terem arrombado o cadeado e a fechadura de uma casa. Na primeira instância, o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJ-TO) absolveu um dos réus por falta de provas e condenou o outro apenas por porte ilegal de arma de fogo. O STJ manteve a decisão e negou o recurso apresentado pelo MP-TO.

O argumento da acusação era de que os homens deveriam ser condenados por tentativa de roubo porque chegaram a arrombar o cadeado e a fechadura da residência, sendo flagrados por policiais militares na porta da casa da vítima e presos em seguida. O entendimento da 5ª Turma do STJ, contudo, foi de que a ação da dupla não configurou tentativa de roubo porque não houve início da execução do crime, ou seja, os dois não chegaram a iniciar o roubo de objetos da propriedade.

Conforme a decisão, que olha para o caso específico, o arrombamento do cadeado e da fechadura da casa corresponderam “a meros atos preparatórios impuníveis, por não iniciar o núcleo do verbo subtrair”. Isso não significa que o mesmo entendimento será aplicado de forma geral para qualquer decisão futura, já que não há jurisprudência dominante sobre o que configura ato preparatório e em que momento ele passa a ser uma tentativa de consumar um crime.

Também não significa que a invasão de propriedade está autorizada, e em momento algum a decisão sugere tal interpretação. Especialistas ouvidos pelo Comprova refutam as afirmações contidas na peça de desinformação e explicam que, a depender do caso, os réus poderiam ser punidos por crimes residuais, como destruição de obstáculo, dano e porte ilegal de arma – como, de fato, aconteceu com um dos réus, que estava armado.

O vídeo original foi republicado por outros usuários junto com a expressão “Faz o L” e menções ao PT, sugerindo que a decisão judicial tem relação com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o que é mentira: a decisão do Poder Judiciário não tem ligação com o Executivo e aconteceu em 2021, antes da eleição de Lula para o terceiro mandato. Ainda que tivesse ocorrido durante o mandato do petista, não haveria relação entre o julgamento do STJ e a Presidência, já que o Judiciário é um poder independente e eventuais mudanças na tipificação de crimes cabem ao Legislativo, e não ao Executivo.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 24 de maio de 2023, somente no TikTok, o post somava 209,8 mil visualizações, 10,2 mil curtidas e mais de 1 mil comentários. Além disso, o post original da autora do vídeo, no Instagram, somava 53,4 mil curtidas até a mesma data.

Como verificamos: O primeiro passo foi identificar o tema sobre o qual a autora falava no vídeo. O Comprova buscou no Google pelas palavras-chave “ato preparatório” e “tentativa de roubo” e localizou publicações em sites jurídicos – como o Conjur – a respeito de uma decisão do STJ de outubro de 2021. Também foi encontrada uma publicação no próprio site do Tribunal a respeito da decisão tomada pela 5ª Turma sobre um caso ocorrido no Tocantins.

Em seguida, foi feito contato com o STJ, a fim de esclarecer os termos da decisão. Também foram entrevistados dois especialistas no assunto: Aury Lopes Jr., advogado criminalista, doutor em Direito Processual Penal e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS, e Hélio Soares Júnior, defensor público da Bahia que atua na unidade que a Defensoria do Estado mantém em Brasília para acompanhar casos que são levados aos tribunais superiores, como STJ e Supremo Tribunal Federal (STF).

O Comprova acessou ainda o conteúdo na íntegra da decisão do STJ, que inclui parte da sentença do primeiro julgamento do caso pelo Tribunal de Justiça do Tocantins, e acionou o Ministério Público do Estado a fim de obter informações sobre o andamento e o desfecho do caso.

Por fim, foram enviadas mensagens à responsável pela publicação e ao perfil que compartilhou o conteúdo cujo post viralizou.

Decisão do STJ não autoriza invasão de domicílio

Por meio de nota enviada ao Comprova, o STJ ressalta que “a decisão em momento algum autoriza a invasão de domicílio” e que a peça de desinformação faz uma “distorção sensacionalista do conteúdo jurídico do julgamento”.

Consultado sobre o conteúdo da decisão, o advogado criminalista Aury Lopes Jr. foi taxativo: “Que fique claro: o STJ nunca disse que está liberado entrar na sua casa, ou que está liberado quebrar o cadeado da casa dos outros”.

Sobre o vídeo, acrescentou: “Isso é uma distorção, uma manipulação absurda da notícia para criar alarmismo sem nenhum fundamento. Está fazendo uma conversa de bar sobre um tema complexo que demanda conhecimento científico”.

Ele explica que esta se trata de uma decisão técnica sobre um tema do direito penal debatido no meio acadêmico há décadas, em que a discussão se concentra nas circunstâncias em que se pode punir alguém por tentativa de roubo. Há divergências dentro do próprio meio jurídico. Por isso, cabe aos tribunais fazer uma avaliação caso a caso e adotar uma teoria, o que foi feito pela 5ª Turma do STJ.

“A decisão adota teoria que tem fundamentação jurídica. Há divergência, e o relator seguiu uma linha. Você pode não concordar, porque segue outra teoria, isso é normal no direito penal”, completa.

STJ decide sobre ato que dá início à tentativa de roubo

Diferentemente do que afirma a autora do vídeo, a decisão do STJ não diz respeito à invasão de domicílio, e sim ao que configura a tentativa de roubo – mais especificamente ao momento em que o ato começa a ser considerado um crime tentado. O artigo 14 do Código Penal Brasileiro define que um crime é considerado tentado quando “iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”.

Na decisão, o relator do caso no STJ, ministro Ribeiro Dantas, aponta que o texto da lei é muito aberto e não traz “maior clareza ou precisão a respeito de algo que concretamente possa indicar quando a execução de um crime é iniciada”.

Para o defensor público Hélio Soares Júnior, o tema é mesmo controverso no campo do Direito Penal, e há várias teorias que buscam estabelecer uma delimitação segura entre atos preparatórios e início de execução. “Há, em realidade, uma sensível e quase invisível diferença entre os atos preparatórios e o início da execução”, diz o defensor público.

Segundo ele, ao tomar a decisão, a 5ª Turma do STJ adotou a teoria objetivo-formal, que entende que os atos executórios são aqueles que iniciam a execução da ação. Ou seja, para considerar que houve uma tentativa de roubo, essa teoria entende que é preciso que os acusados tenham de fato começado a roubar algo, e que a ação tenha sido interrompida por alguma circunstância alheia à vontade deles.

Esse entendimento, porém, não é pacífico. “Parte da doutrina critica essa teoria, pois o Estado só puniria o sujeito quando estivesse muito próximo da consumação”, explica Hélio Soares Júnior. Em nota, o STJ disse que não há jurisprudência dominante a respeito dessa questão, mas que a 5ª Turma apontou um precedente do próprio STJ, em um julgamento da Terceira Seção: em julgamento anterior, o colegiado entendeu que “não se poderia imputar aos réus a prática de roubo circunstanciado tentado, pois em nenhum momento ocorreu o início da conduta tipificada no artigo 157 [roubo] do Código Penal”.

Especialistas ouvidos pelo Comprova explicaram que, em regra, esse tipo de decisão se esgota no STJ, que é o Tribunal que discute o alcance de uma lei – ao STF cabe julgar violações à Constituição. No caso aqui tratado, segundo o MP-TO, não houve apresentação de recurso ao STF e o processo transitou em julgado no dia 26 de outubro de 2021.

Isso não significa, contudo, que todas as decisões judiciais sobre tentativa de roubo seguirão a mesma decisão. “Essa decisão não significa que em outros casos não seja considerado tentativa, e que as pessoas não possam ser punidas por crimes residuais, ou seja, por outros crimes”, aponta o advogado Aury Lopes Jr. No caso analisado pelo STJ, inclusive, houve condenação de um dos réus.

Em nota, o STJ também disse que a decisão de 2021 não significa um entendimento definitivo sobre o tema. “O STJ é um tribunal de precedentes, o que significa que seus ministros tendem a seguir as posições já firmadas na Corte. No entanto, o julgamento em questão se deu em uma das Turmas de Direito Penal, sendo que há também a Sexta Turma que forma a Terceira Seção, responsável pela uniformização de teses neste ramo do Direito. Assim, não é seguro afirmar que se trate um entendimento definitivo”.

Arrombar um cadeado ou fechadura não é crime?

É, sim, e se enquadra como crime de dano, previsto no artigo 163 do Código Penal. Além de enganar sobre o teor da decisão do STJ, a autora do vídeo ainda sugere que pessoas que tentarem invadir uma residência sairiam totalmente impunes, o que não é verdade. O defensor público Hélio Soares Júnior explica que as ações consideradas como atos preparatórios só costumam ser punidas quando se configuram um tipo penal autônomo. No entanto, mesmo que o ato preparatório não seja considerado uma tentativa de roubo, os réus podem sim ser condenados pelos chamados crimes residuais.

O professor Aury Lopes Jr. cita que, após arrombar o cadeado, os reús poderiam vir a ser punidos, por exemplo, por “destruição de obstáculo, dano ou por porte ilegal de arma”. De fato, um dos réus no caso, que estava armado, foi condenado por isso – ele foi enquadrado no artigo 14 da Lei 10.826, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. A pena é de reclusão de dois a quatro anos e multa.

O que explica, então, que o Ministério Público não tenha pedido a condenação dos dois por crime de dano? Hélio Soares Júnior afirma que, diferentemente do porte ilegal de arma, do roubo e da tentiva de roubo, o dano é considerado um tipo de crime de ação penal privada, ou seja, o pedido de condenação não caberia ao Ministério Público, mas ao dono da residência, que acionaria um advogado. De acordo com o Código Penal brasileiro, a pena para o crime de dano varia de um a seis meses de detenção, ou multa, podendo chegar a três anos, se o crime for de dano qualificado – com emprego de violência.

Legítima defesa

A autora do vídeo ainda engana sobre o direito de legítima defesa do dono de uma residência invadida. Ao usar o caso julgado em 2021 pelo STJ, ela afirma que o dono de uma casa invadida estaria cometendo um crime, caso reagisse à invasão, uma vez que “o meliante não é um criminoso”, mas isso não é verdade. A legislação brasileira assegura ao dono do imóvel o direito de legítima defesa, desde que o ato seja proporcional à agressão, como define o artigo 25 do Código Penal.

“A decisão [do STJ] nunca disse isso. Se alguém tentar invadir uma casa, e a pessoa reagir, desde que ela esteja se defendendo de uma maneira adequada, proporcional, é legítima defesa”, observa o advogado Aury Lopes Jr. Ele atenta, contudo, que há limites para a legítima defesa. “Você tem que reagir a uma agressão atual ou iminente, usando moderadamente dos meios necessários. Então, se estiverem invadindo a tua casa e você realmente se defender, a tua conduta está protegida e você não comete crime algum”, afirma.

O defensor público Hélio Soares Júnior exemplifica: “Se [os acusados] tivessem entrado armados na residência, o morador estaria vivendo numa situação de agressão iminente que daria ensejo à legítima defesa. O morador poderia usar os meios necessários para repelir a injusta agressão”, explica.

Já Aury Lopes Jr. fala de uma situação hipotética que, diferentemente da anterior, não se enquadraria em legítima defesa, poderia ser considerada um excesso, o que faria com que o dono da casa respondesse por seus atos. “Por exemplo, você tem alguém encostado na tua porta, e você, por medo, resolve atirar e matar alguém que está encostado na tua porta, você pode ter problemas, porque isso é um excesso, não é uma legítima defesa real, a pessoa não está te agredindo, não está fazendo nada”, explica.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com a autora do vídeo, identificada como Eliane Benatti (@ebenatti), através do Instagram e com o perfil que compartilhou o conteúdo no TikTok.

A responsável pela gravação respondeu: “Prove que estou errada. Gostaria de se manifestar a respeito?” O Comprova, então, elencou as informações obtidas junto ao próprio Tribunal e a especialistas. Ela agradeceu, mas não informou se iria se retratar ou excluir a publicação enganosa.

Não houve retorno por parte do perfil procurado via TikTok.

O que podemos aprender com esta verificação: Apesar de citar a turma específica de um tribunal para conferir credibilidade ao conteúdo, a autora do vídeo não apresenta data, fontes ou links para notícia sobre a suposta autorização de invasão a domicílios por parte do Poder Judiciário. Se isso fosse verdade, dificilmente teria sido ignorado pela imprensa.

Ao se deparar com um conteúdo como esse, desconfie. Busque saber qual a data da decisão e o que exatamente ela estabelece. É comum que produtores de desinformação usem decisões ou fatos antigos como atuais para associá-los com o atual governo, por exemplo, ou façam interpretações equivocadas e simplistas de temas técnicos e complexos.

Pesquise por palavras-chave em buscadores e se informe por meio de veículos de comunicação profissionais sobre a pauta abordada. Neste caso, uma alternativa seria buscar informações divulgadas pelo próprio site do Tribunal, onde está disponível a decisão na íntegra para leitura.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo foi checado pela agência Aos Fatos.

O Comprova já checou outros conteúdos em que decisões do judiciário foram distorcidas ou atribuídas ao Poder Executivo e vice-versa. Já mostrou que um post enganava ao atribuir à esquerda decisões que cabiam ao Judiciário e ao Congresso Nacional, que era enganosa uma publicação que dizia que o governo havia liberado R$ 12 milhões para tratamento de uma criança e que um post enganava ao sugerir que o STF não quis agir contra João Doria sobre doses interditadas da CoronaVac, quando, na verdade, isso não era atribuição da Corte.

Política

Investigado por: 2023-05-24

Decisão da Suprema Corte americana não torna ilegal o PL 2630

  • Falso
Falso
A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos que isenta as plataformas Twitter e Google de responsabilidade por conteúdos terroristas compartilhados por usuários das redes sociais não se aplica ao Brasil. Diferentemente do que diz o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) em vídeo publicado nas redes sociais, o entendimento da Justiça norte-americana não torna ilegais projetos de regulação das big techs, como o Projeto de Lei 2630/2020, porque o órgão não tem jurisdição em outros países. O entendimento também não se estende ao Supremo Tribunal Federal, que julga ações sobre o Marco Civil da Internet. É falso, ainda, que a mídia brasileira não tenha noticiado a decisão do judiciário estadunidense.

Conteúdo investigado: Um post no TikTok reproduz vídeo no qual o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) afirma que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a tentativa brasileira de aprovar o texto que ficou conhecido como “PL das Fake News” é ilegal. O político declara que a imprensa brasileira não divulgaria a decisão do Judiciário norte-americano. Uma legenda inserida pelo usuário do TikTok afirma que, na gravação, o deputado está comentando a “intervenção dos EUA no Brasil”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É falso que uma decisão da Suprema Corte dos EUA em relação à moderação de conteúdo no Google e no Twitter possa interferir na tramitação no Congresso Nacional de projeto para regulamentar big techs no Brasil.

Da mesma forma, o entendimento não tem poder sobre o julgamento, pelo STF, de ações sobre o Marco Civil da Internet, previsto para a segunda quinzena de junho. Dois processos abordam o artigo 19, que estabelece que as empresas só podem ser responsabilizadas por conteúdos de usuários se não tomarem providências após ordem judicial. As outras duas ações questionam se aplicativos de mensagens – como Telegram e WhatsApp – podem ser suspensos caso não cumpram uma decisão da Justiça.

A decisão da Suprema Corte estadunidense, citada pelo deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) em vídeo, define que as vítimas de ataques terroristas não podem responsabilizar o Twitter e o Google por postagens de incentivo ao Estado Islâmico feitas em suas plataformas, ainda que tenham impulsionado o conteúdo. O processo foi movido por familiares de americanos vítimas de ataques terroristas na Turquia em 2017 e na França em 2015.

Essa decisão, contudo, não é válida no Brasil porque a Suprema Corte americana não tem jurisdição aqui. Ademais, as leis e demais regramentos que regulam as redes sociais nos Estados Unidos são diferentes daquelas que versam sobre o tema no Brasil.

Por isso, diferentemente do que diz o deputado no vídeo, uma decisão judicial americana, ainda que proferida pela Suprema Corte daquele país, não torna ilegal um projeto de lei no Brasil.

Também não é verdadeiro que a mídia brasileira tenha, deliberadamente, deixado de noticiar o fato. A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos foi divulgada por diversos veículos brasileiros, como Folha de S.Paulo, Jornal Nacional, Exame, UOL, O Tempo, Poder 360,

Além disso, não existe qualquer declaração do governo norte-americano sobre a intenção de intervir no Brasil por causa do projeto.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, o post verificado somou, até 24 de maio, 63,2 mil curtidas, 2,2 mil comentários e 11,2 mil compartilhamentos.

Como verificamos: O primeiro passo foi buscar informações sobre a decisão da Suprema Corte americana citada no vídeo, se ela foi divulgada no Brasil e sobre a regulamentação de redes sociais em outros países.

Em seguida, entrevistamos uma especialista em Direito Constitucional. Pesquisamos, ainda, no noticiário brasileiro e dos Estados Unidos, se houve posicionamento deste país sobre intervenção no Brasil. Por fim, tentamos contato com os autores do vídeo e do post no TikTok.

Decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos não interferem no Brasil

No dia 18 de maio, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu por unanimidade que as vítimas de ataques terroristas no país não poderiam responsabilizar o Twitter e o Google por postagens de incentivo ao Estado Islâmico que circulam nas plataformas.

Conforme explica o UOL, foram julgados dois casos de responsabilidade relacionados a vítimas de terrorismo em ataques na Turquia, em 2017, e em Paris, em 2015.

A Corte decidiu manter a Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações (Communications Decency Act, CDA na sigla em inglês), de 1996, na qual se baseia a regulação das redes sociais no país. Conforme a legislação, o Estado está isento de influência em atividades de empresas consideradas provedoras de serviços. Desta forma, as redes sociais podem ter regras próprias de moderação de conteúdo. As regras de uso do Twitter e do Google estão disponíveis nas plataformas.

A partir da decisão judicial, será mais difícil naquele país as empresas responderem a processos por conteúdos postados por usuários das plataformas. O caso foi divulgado pelos principais jornais dos Estados Unidos, como Washington Post e New York Times.

Ao Projeto Comprova, a professora adjunta de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carolina Cyrillo, explicou que a decisão tomada nos EUA em nada interfere na aprovação ou não do Projeto de Lei 2630/2020, em discussão na Câmara dos Deputados brasileira, isso porque a Suprema Corte dos EUA tem jurisdição exclusiva no país norte-americano.

“No Brasil exercem jurisdição em caráter nacional os tribunais superiores brasileiros. No caso de discussão sobre o PL 2630, se aprovado, poderá vir a ser eventualmente questionado na sua constitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal)”, exemplifica.

Ela acrescenta que o texto não propõe a violação de nenhum direito fundamental e, por isso, não há ilegalidade. “O debate público e político faz parte de uma democracia deliberativa”, conclui.

O Brasil não é o primeiro país a regulamentar as redes sociais. No ano passado, 27 países da União Europeia adotaram a Lei de Serviços Digitais. O texto aborda o comércio e troca de bens ilegais, serviços e conteúdo online, além de sistemas algorítmicos que amplificam a disseminação da desinformação.

O Parlamento Europeu explicou que o objetivo é dar às pessoas maior controle sobre aquilo que consomem online. Desta forma, os usuários são informados, por exemplo, sobre os motivos pelos quais um determinado conteúdo é recomendado. Além disso, a publicidade dirigida aos menores é proibida, assim como a utilização de dados sensíveis, como a orientação sexual, a religião ou a etnia.

Ao afirmar que a imprensa brasileira não divulgaria a decisão da corte americana, Gayer também desinformou. O assunto foi noticiado no Brasil por diversos veículos, como Folha de S.Paulo, Jornal Nacional, Exame, Uol, O Tempo e Poder 360.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou Gustavo Gayer por meio do gabinete dele na Câmara dos Deputados, mas não recebeu resposta. Não foi possível entrar em contato com o usuário @eltonsilva7, do TikTok, que afirmou se tratar de um vídeo comentando a intervenção dos Estados Unidos no Brasil. A plataforma só permite envio de mensagens entre contatos. Também não foi localizada nenhuma outra rede social em que ele tenha perfil.

O que podemos aprender com esta verificação: No vídeo aqui checado, o autor utilizou uma notícia internacional, cujo tema se aproxima daquilo que está em discussão no cenário político local, para desinformar e, desta forma, tentar ganhar a simpatia dos usuários de redes sociais para o ponto de vista defendido por ele.

O político também tenta alarmar ao sustentar que o país “se tornou um pária internacional” e que se tenta “instaurar o regime da censura no Brasil”. Essa abordagem pode assustar quem consome o conteúdo e a dica é sempre acender o alerta para publicações em tons alarmistas e de urgência, pesquisando sobre o assunto junto à imprensa profissional, institutos reconhecidos e órgãos de governo.

Neste caso, apesar de o deputado alegar que a mídia brasileira não noticiaria a decisão norte-americana, ela foi sim publicada por veículos do país que têm credibilidade. As reportagens em nenhum momento afirmam que a decisão em outra localidade tornaria ilegal a discussão nacional.

Por fim, caso os Estados Unidos ameaçassem uma intervenção no Brasil, dada a gravidade do assunto, ele estaria sendo amplamente divulgado pelo noticiário não só dos dois países, mas do mundo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O deputado Gustavo Gayer já foi desmentido em verificações anteriores do Comprova que demonstraram que, ao contrário do que ele afirmou, Lula não disse que vai implantar ditadura no Brasil, que vídeo dele engana ao mostrar resultado parcial de enquete com intenção de voto para presidente, que um documento não prova fraude nas eleições 2018, e que uma pesquisa brasileira não usou doses letais para matar pacientes e desacreditar o uso da cloroquina.