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Investigado por: 2022-08-26

TSE não admitiu ligação entre PT e PCC, diferentemente do que sugere vídeo

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Enganoso
É enganoso o vídeo em que um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) afirma que o "TSE admite que o PCC tem ligação com o PT de Lula". Uma decisão da Corte, publicada no dia 20 de agosto de 2022, negou um pedido do Partido dos Trabalhadores para que Bolsonaro apagasse de suas redes sociais postagens que acusam Lula e o PT de manter relação com o grupo criminoso. Bolsonaro reproduz trecho de reportagem da TV Record, veiculada no dia 9 de agosto de 2019, na qual consta áudio de interceptação telefônica feita pela Polícia Federal (PF), no contexto da Operação Cravada (2019). Responsável pela decisão, a ministra Maria Claudia Bucchianeri afirmou não ter feito juízo de valor sobre o conteúdo do áudio ao decidir.

Conteúdo investigado: Em vídeo no YouTube intitulado “TSE admite que o PCC tem sim uma ligação com o PT de LULA”, candidato a deputado federal pelo PL em Goiás afirma que a ministra do Tribunal Superior Eleitoral Maria Claudia Bucchianeri “percebeu que falar isso não é fake news” em referência a uma suposta ligação entre o Partido dos Trabalhadores e o PCC.

Onde foi publicado: YouTube

Conclusão do Comprova: É enganoso um vídeo que afirma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) admitiu que o PT tem ligação com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). A ministra da corte Maria Claudia Bucchianeri somente negou um pedido do PT para obrigar o presidente Jair Bolsonaro (PL) a excluir algumas postagens no Twitter em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT são associados ao PCC. Porém, na decisão, não há julgamento se a associação é verdadeira ou falsa.

As postagens de Bolsonaro citam uma interceptação telefônica feita pela Polícia Federal em 2019. A ministra confirmou que o trecho é autêntico, tendo sido, inclusive, divulgado em diversos veículos de comunicação à época. Acrescentou, no entanto, não ter feito juízo de valor sobre o conteúdo ao decidir. Segundo ela, o áudio compartilhado por Bolsonaro tem como substância a replicação de matéria jornalística, cujo conteúdo, à época (2019), fora massivamente divulgado por veículos de reconhecida credibilidade.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O vídeo, publicado no YouTube no dia 20 de agosto de 2022, conta com mais de 279 mil visualizações e mais de 3,3 mil comentários, até o dia 26 de agosto de 2022.

O que diz o autor da publicação: A equipe do Comprova fez contato com o autor da publicação por dois diferentes endereços de e-mail disponíveis em suas redes, assim como pelo seu perfil no Instagram, mas não obteve resposta.

Como verificamos: A primeira ação foi certificar se, de fato, a reportagem da CNN Brasil citada pelo autor do vídeo era verídica e se o trecho utilizado no vídeo coincidia com o publicado no site da emissora. A partir de então, avaliamos as publicações de outros veículos de imprensa que também pautaram o assunto (Agência Brasil, Consultor Jurídico, Folha, Poder360). Buscamos, então, a íntegra da decisão publicada no dia 20 de agosto, disponível no site Poder360, para comparar o conteúdo original com os argumentos utilizados pelo autor do vídeo.

Ministra do TSE não avaliou o teor do conteúdo

Na decisão divulgada no dia 20 de agosto, em nenhum momento a ministra Maria Claudia Bucchianeri sugere ou reconhece ligação do PT com a organização criminosa PCC, diferentemente do que afirma o autor do vídeo analisado.

A negativa em relação ao pedido de retirada do ar de posts feitos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua conta do Twitter é sustentada pelo entendimento de que o vídeo compartilhado na rede social tem como substância a replicação de matéria jornalística, cujo o conteúdo, à época (2019), fora massivamente pautado por veículos de reconhecida credibilidade. Ressalta ainda que os conteúdos continuam disponíveis para acesso na internet.

O trecho da interceptação telefônica compartilhada por Bolsonaro é parte de um relatório de 2019 da PF, no âmbito da “Operação Cravada”. A ação teve como objetivo desarticular o núcleo financeiro de uma facção criminosa com atuação nos estados do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Acre e Roraima. Na interceptação, um dos integrantes do PCC diz que tinha diálogos com membros do PT. Porém, a investigação não comprovou se tais conversas teriam acontecido.

A ministra também é enfática ao afirmar – destacando em negrito – que a decisão “não significa, insisto, que estou a chancelar a veracidade ou não daquilo o quanto foi dito pela pessoa interceptada”.

E acrescenta: “Significa, apenas, que a interceptação aconteceu e gerou inúmeras matérias jornalísticas, todas ainda no ar, o que torna lícita, segundo entendo, a criação de narrativas políticas que devem ser neutralizadas e rebatidas dentro do diálogo político”.

De acordo com a juíza, diferente seria, “se a narrativa política estivesse sendo construída a partir de fato inverídico ou gravemente descontextualizado”. Neste caso, afirma ela, a Justiça Eleitoral deveria intervir “de forma de evitar a indução do eleitor em erro, a partir de críticas políticas fundadas na mentira”.

Representação cita “narrativa maliciosa” e “propaganda antecipada”

A representação contra Bolsonaro feita pelo PT tem como pressuposto que o presidente, por meio do seu perfil no Twitter, “compartilhou e promoveu a desinformação” ao relacionar o partido e Lula ao PCC.

Para o PT, trata-se de “narrativa maliciosa e desinformativa” e “propaganda antecipada negativa”, com o intuito de atacar, por consequência, a imagem do candidato. A legenda pede à Justiça que determine a retirada do conteúdo do ar, além do alerta ao representado sobre a possibilidade de multa, a ser definida pela própria Corte, caso outras publicações de mesmo teor sejam feitas.

O conteúdo das publicações de Bolsonaro

O pedido relaciona três postagens feitas pelo presidente da República no dia 19 de julho de 2022, dois dias após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinar a remoção de posts por dezenas de páginas, perfis e canais que faziam uma falsa associação entre o ex-presidente Lula, o PT e o PCC. A decisão de Moraes, na ocasião, atingiu conteúdos específicos publicados por aliados do presidente, como os deputados Hélio Lopes (PL-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP), além do senador e filho do chefe do Executivo, Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

1ª publicação – Bolsonaro compartilha trecho de uma matéria veiculada pela TV Record em 2019, que cita trecho de uma interceptação feita pela PF, e que consta no relatório da Operação Cravada. Neste, um integrante da facção criminosa fala que “com o PT nois tinha diálogo. O PT tinha com nois diálogo cabuloso”. A afirmação foi feita em uma declaração do criminoso em que ele contestava a rigidez das medidas do governo federal contra o crime organizado, especialmente a transferência de lideranças de facções para presídios federais. O conteúdo postado pelo presidente é seguido da legenda: “Líder de facção criminosa (irraaa) reclama de Jair Bolsonaro e revela que o Partido dos (iirrruuuuu) o diálogo com o crime organizado era ‘cabuloso’”.

2ª publicação – O perfil de Bolsonaro acrescenta um novo comentário ao conteúdo anterior: “É o grupo praticante de atividades ilícitas coordenadas denominado pela décima sexta e terceira letra do alfabeto com saudades do grupo do animal invertebrado cefalópode pertencente ao filo dos moluscos”.

3ª publicação – Bolsonaro fez ainda outra postagem dizendo: “Em 2018, o apontado de Lula venceu disparado nos presídios; Em 2019, um líder do PCC reclamou de nossa postura para com o grupo e disse que com o PT o diálogo era bem melhor. Não sou eu, mas o próprio crime organizado que demonstra tê-lo como aliado e a mim como inimigo”.

As postagens do presidente, à época, foram registradas em diversos veículos jornalísticos, com conteúdos quase sempre intitulados “Bolsonaro ignora Moraes e associa PT ao PCC nas redes” ou alguma variação – Carta Capital, O Antagonista, GZH, Núcleo, O Estado de S. Paulo.

A associação entre o PT, Lula e o PCC tem como uma das bases a delação premiada do ex-tesoureiro do partido, o publicitário Marcos Valério. O depoimento de Valério aconteceu em 2017, em Minas Gerais. O assunto voltou a ganhar visibilidade em 1º de julho de 2022, após uma reportagem da Veja publicar trechos de depoimento em que o publicitário afirma ter ouvido de um dirigente petista como funcionava suposta relação entre o partido e a facção criminosa.

No trecho divulgado pela revista, Valério afirma que o ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira lhe disse que o empresário Ronan Maria Pinto ameaçava revelar que o PT recebia dinheiro de empresas de ônibus, de operadores de transporte clandestino e de bingos, que lavavam dinheiro para o PCC. O dinheiro estaria financiando campanhas do PT.

No dia 17 de julho, Moraes determinou a remoção de notícias consideradas falsas que relacionam a facção criminosa PCC ao PT e ao assassinato do então prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel (PT), em 2002.

Na decisão, Moraes menciona que “como é de conhecimento público e notório, o assassinato do ex-prefeito Celso Daniel se trata de caso encerrado perante o Poder Judiciário, com os responsáveis devidamente processados e julgados, estando cumprindo pena”.

O ministro também cita que o Ministério Público de São Paulo encerrou definitivamente as apurações, não havendo notícia do envolvimento do Partido dos Trabalhadores ou de seus membros.

O autor da publicação

Gustavo Gayer Machado de Araújo, conhecido nas redes sociais como Gustavo Gayer (PL), é candidato a deputado federal pelo estado de Goiás e apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com informações registradas no divulgacand2022, é empresário e tem 41 anos. Em 2020, disputou a prefeitura de Goiânia, quando obteve 45.928 votos.

Além do canal no YouTube, criado em 2016, Gayer estende a atuação nas redes sociais ao Instagram (343 mil seguidores), ao Facebook (271 mil seguidores) e ao Twitter, onde atualmente está com a conta bloqueada por violar as regras da plataforma.

Neste mês, o Projeto Comprova desmentiu outro vídeo de Gayer, no qual ele falava que Lula teria dito que vai implantar uma ditadura no Brasil se eleito.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. No caso aqui abordado, a publicação cita uma informação enganosa que pode levar o eleitor a um entendimento equivocado na disputa eleitoral. Peças de desinformação como esta atrapalham o processo pois enganam a população, que deve fazer sua escolha a partir de dados verdadeiros e confiáveis.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já realizou diferentes checagens envolvendo o TSE. Em uma delas, ficou comprovado que empresa contratada pelo tribunal não tinha ligação com PT. Em outra, a análise do Comprova concluiu que era falso conteúdo afirmando que o TSE tem 32 mil urnas grampeadas. Recentemente, também foi checado que a contagem de votos é feita pelo próprio órgão e não por empresa terceirizada, como dizia post. Checagem sobre a suposta associação PT e PCC também foi realizada pelo Aos Fatos, que também comprou ser falsa a informação.