Política

Investigado por: 2023-10-04

Ministro não pediu anulação de eleições para conselhos tutelares porque “a direita venceu”

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Enganoso
Não é verdade que o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, queira anular parte das eleições para o Conselho Tutelar no país porque a “direita venceu em muitos lugares", como sugerem postagens nas redes sociais. O ministro irá acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público (MP) contra as eleições indiretas realizadas em três cidades, onde a escolha não foi aberta à população local, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Conteúdo investigado: Post do deputado federal Mario Frias (PL-SP) com foto do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e, sobre a imagem, as frases: “Ministro de Lula quer anular parte das eleições dos conselhos tutelares: ‘Vamos acionar MP e TCU'”, creditada ao site Terra Brasil Notícias, e “Motivo: direita venceu em muitos lugares”.

Onde foi publicado: Instagram, Facebook e Telegram.

Conclusão do Comprova: É enganosa a alegação feita pelo deputado federal Mario Frias (PL-SP) de que o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, quer anular parte das eleições para o Conselho Tutelar no país porque a “direita venceu em muitos lugares”. O ministro sinalizou, conforme mostrou o G1, que irá, de fato, acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público para contestar parte dos resultados do pleito, mas isso não tem relação com a suposta vitória de candidatos de direita e, sim, com irregularidades na votação.

Almeida anunciou que vai contestar as eleições indiretas para o Conselho Tutelar realizadas nas cidades de Uberlândia (MG), Rio Largo (AL) e Santana do Ipanema (AL), onde a escolha dos conselheiros aconteceu a partir de um colegiado, e não pelo voto direto da população.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê, desde 2012, que a escolha dos membros de cada Conselho Tutelar seja feita pela população local de cada município, o que é reiterado pela Resolução nº 231 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), do ano passado. Essa informação foi destacada pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania em nota publicada à imprensa na segunda-feira (2). O comunicado emitido pela pasta não menciona que Almeida irá acionar o Tribunal de Contas da União, como alegam as postagens.

Ao Comprova, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania afirmou que não há qualquer levantamento oficial sobre o perfil político e/ou religioso dos candidatos escolhidos para cada Conselho Tutelar. Na eleição, é proibido o uso da estrutura e do financiamento de partidos políticos.

A Comissão da Infância e Juventude da Comissão da Infância, Juventude e Educação (CIJE) do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que orienta as promotorias na fiscalização da eleições, informou à reportagem que não possui informações sobre eventual inclinação político-partidária dos candidatos eleitos para os Conselhos Tutelares e desconhece qualquer levantamento nesse sentido. Além disso, comunicou não ter identificado a anulação de qualquer pleito em razão do perfil ideológico dos eleitos.

Embora os órgãos oficiais não contem com informações sobre o perfil político-partidário dos eleitos para o Conselho Tutelar de cada cidade, a imprensa noticiou que grupos conservadores se mobilizaram para levar mais eleitores às urnas. Uma reportagem do jornal O Globo desta quarta-feira (4) mostra que nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo a direita conseguiu eleger mais representantes do que a esquerda nas eleições para os conselhos tutelares. A reportagem não realizou o mesmo levantamento em outras cidades do Brasil.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Antes de ser excluída do perfil do deputado Mario Frias no Instagram, a publicação aqui verificada recebeu mais de 500 mil curtidas e contava com 9,1 mil comentários até 3 de outubro. A mesma imagem foi publicada no Facebook do parlamentar e, até o fechamento dessa verificação, contava com mais 500 curtidas, 74 comentários e 226 compartilhamentos.

No Telegram, uma postagem que menciona a publicação do deputado tinha 3 mil visualizações até dia 4 de outubro.

Como verificamos: Em uma busca no Google pelos termos “governo quer anular eleições do Conselho Tutelar”, o Comprova encontrou publicações da Secretaria de Comunicação Social e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) que explicam a alegação de que o ministro Silvio Almeida teria pedido a anulação de parte das eleições para os conselhos tutelares no país, realizadas no último domingo (1º).

Em seguida, o Comprova entrou em contato com o MDHC e com o CNMP para questioná-los sobre as vinculações político-partidárias dos candidatos eleitos para os conselhos tutelares. A verificação também procurou o deputado federal Mario Frias, que não respondeu ao contato.

O Comprova também buscou a publicação original do Terra Brasil à qual o post do deputado fazia menção. O texto é praticamente o mesmo de uma nota do colunista Lauro Jardim no jornal O Globo, mas com um título diferente, que faz menção a uma suposta fala do ministro Silvio Almeida. A publicação do Terra Brasil ainda cita no fim “O Globo”, o que indicaria a fonte das informações.

Pedido de anulação não tem relação com o resultado

No último domingo, cerca de 1,6 milhão de brasileiros compareceram às urnas para escolher os representantes dos conselhos tutelares pelos próximos quatro anos. Na maioria dos municípios, a votação ocorreu com participação direta da população. No entanto, as cidades de Uberlândia, Rio Largo e Santana do Ipanema usaram o modelo indireto, no qual um colegiado elege os nomes que estarão à frente do órgão, o que contraria o ECA e uma resolução do Conanda.

O ECA define, pelo Art. 132, que os membros do Conselho Tutelar de cada cidade sejam “escolhidos pela população local”. Essa redação foi incorporada ao texto por uma lei sancionada em 25 de julho de 2012. Desde então, os municípios adequaram as eleições para serem diretas.

Já a resolução 231 do Conanda, de 28 de dezembro de 2022, com texto disponível para consulta no site do governo federal, estabelece no inciso I do Art. 5º que os membros de cada Conselho Tutelar devem ser eleitos por “processo de escolha mediante sufrágio universal e direto, pelo voto uninominal facultativo e secreto dos eleitores do respectivo município”.

O ministro Silvio Almeida informou então que vai acionar a AGU e o MP para que os municípios realizem eleições diretas para a escolha dos representantes, reforçando que o modelo indireto contraria o ordenamento jurídico vigente.

“O povo, nessas regiões, não foi convocado a comparecer às urnas para votar e escolher seus conselheiros e conselheiras tutelares. Nestes casos, um colegiado é formado para decidir o pleito. Tal forma de votação contraria totalmente o ECA e a Resolução nº 231 do Conanda”, informou o ministério por meio de nota.

Em Uberlândia, 15 conselheiros tutelares foram eleitos por meio do voto de representantes de 156 entidades credenciadas pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). O pleito é regido pela Lei Ordinária Municipal 9903/2008, que prevê que “somente as entidades credenciadas no CMDCA, que trabalham em ações destinadas à criança e ao adolescente” poderão participar do processo de escolha. À TV Integração, a promotora de Justiça da Infância e da Juventude de Uberlândia, Aluísia Beraldo Ribeiro, afirmou que acompanhou o processo de votação e não observou irregularidades.

Já nas cidades que optaram pelas eleições indiretas em Alagoas, o Ministério Público do estado questiona a falta de participação popular. Assim como em Uberlândia, os municípios de Rio Largo e Santana do Ipanema se baseiam em leis municipais para estabelecer a votação indireta. O MP, no entanto, argumenta que uma lei municipal não pode se sobrepor à lei federal.

Não há dados sobre perfil político de eleitos

A publicação do deputado federal afirma que o suposto pedido de anulação teria ocorrido porque “direita venceu em muitos lugares”, mas não há dados que sustentem tal afirmação.

A eleição de cada Conselho Tutelar é de responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de cada município do país, conforme prevê o Art. 139 do ECA. Esses conselhos organizadores dispõem de autonomia entre si e não têm um levantamento integrado do perfil dos vencedores de cada eleição.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, ao qual o Conanda está vinculado, reforçou, em nota ao Comprova, que não há qualquer levantamento oficial sobre o perfil político e/ou religioso dos candidatos escolhidos como membros de cada Conselho Tutelar do país.

A resolução 231 do Conanda ainda inibe vinculações político-partidárias nas eleições para o Conselho Tutelar. O regramento não proíbe um candidato de ser filiado a um partido político ou de declarar sua orientação política, mas veta o uso da estrutura e do financiamento de partidos políticos nas candidaturas, o que configura abuso do poder político-partidário, com sanções previstas pelo inciso V do parágrafo 7º do Art. 8º.

Em agosto, o CNMP reforçou isso em uma publicação que orienta o Ministério Público de cada estado a fiscalizar as eleições de Conselho Tutelar, responsabilidade também prevista pelo Art.139 do ECA.

A 2ª edição do Guia de Atuação do Ministério Público menciona, na página 52, ser “adequado que o CMDCA [de cada município] expeça Resolução com o escopo de evitar a vinculação político-partidária das candidaturas, bem como a utilização dos partidos políticos para favorecer candidatos ao Conselho Tutelar.”

Ao Comprova, a Comissão da Infância, Juventude e Educação (CIJE) do CNMP informou, em nota, desconhecer qualquer levantamento sobre a eventual inclinação político-partidária dos candidatos eleitos e não ter ciência sobre a anulação da eleição, em qualquer município, em razão da orientação ideológica dos candidatos.

Um eventual caráter político-partidário formal das eleições para Conselho Tutelar, que permitiria sustentar uma afirmação sobre qual espectro político saiu vencedor, também é refutado pela Justiça Eleitoral, que presta apoio às eleições com a cessão de urnas, mas não totaliza votos nem conduz o processo.

Uma das publicações no Telegram com alegações falsas sobre o tema traz a imagem do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e ironiza o ministro Silvio Almeida ao dizer que ele quer anular parte das eleições de Conselho Tutelar: “Será que o ministro não confia nas urnas eletrônicas e no sistema eleitoral?”. Nem todos os municípios do país adotaram, no entanto, urna eletrônica. Parte deles optou por urnas de lona com votação em cédula de papel, caso ocorrido ao menos em Santa Catarina. A escolha do método não cabe à Justiça Eleitoral, mas a cada município.

Apesar da ausência de dados oficiais sobre o tema, uma reportagem publicada pelo O Globo mostra que no Rio de Janeiro e em São Paulo a direita elegeu mais representantes aos conselhos do que a esquerda. Segundo o levantamento feito pelo jornal, entre os 95 eleitos no Rio e os 260 na capital paulista, 14% defendem pautas conservadoras, ante 4,7% titulares mais alinhados à esquerda. O estudo não traz dados acerca da situação em outras cidades.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o deputado Mario Frias por meio de sua assessoria, email e contato pessoal, mas não obteve retorno até o fechamento desta verificação. A imagem publicada no Instagram foi deletada.

O que podemos aprender com esta verificação: Tirar notícias verdadeiras de seu contexto original para fazer alegações falsas a respeito de um assunto de interesse público é uma tática utilizada com frequência por desinformadores. Nesses casos, é importante pesquisar o mesmo assunto em fontes de informações seguras para garantir que a alegação está correta. Tratando-se da publicação aqui verificada, uma pesquisa no Google seria suficiente para comprovar que a publicação não é verdadeira.

Caso o ministro dos Direitos Humanos tivesse pedido a anulação de parte das eleições para o Conselho Tutelar sem que a ação fosse motivada por irregularidades, isso seria amplamente noticiado na imprensa e teria sido comunicado pelo próprio ministério.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A Agência Lupa verificou e classificou o mesmo conteúdo como falso. O governo federal é alvo frequente de checagens do Comprova, como a de que Lula não instituiu banheiro unissex nas escolas e que Alckmin não sugeriu acabar com Bolsa Família.