O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2023-08-07

Mães chefes de família não foram proibidas pelo governo de receber Bolsa Família

  • Falso
Falso
É falsa a alegação de que o ministro Wellington Dias, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), tenha anunciado mudanças no Bolsa Família ou no Cadastro Único no dia 2 de agosto. Apesar de processos de averiguação cadastral serem conduzidos pelo governo Lula, a assessoria de imprensa do MDS nega que mulheres consideradas chefes de família tenham sido cortadas do programa. Ao contrário, destaca o órgão, o governo estimula que elas se declarem desta maneira.

Conteúdo investigado: Em tom de urgência, em vídeo postado no Kwai, uma mulher afirma estar confirmado que “mãe chefe de família está proibido (sic)” no Bolsa Família. Uma legenda sobre o vídeo reforça essa alegação. Segundo ela, o anúncio foi feito às 12 horas do dia 2 de agosto pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Em seguida, a autora do conteúdo explica que o governo está passando um ‘pente fino’ para identificar casos irregulares no Cadastro Único.

Onde foi publicado: Kwai.

Conclusão do Comprova: O conteúdo do vídeo em que uma mulher afirma que há confirmação sobre a proibição do cadastro de mães chefes de família no Cadastro Único (CadÚnico) e Bolsa Família é falso. O ministro Wellington Dias, do MDS, não fez qualquer anúncio relacionado ao Bolsa Família ou ao CadÚnico em 2 de agosto.

A assessoria de imprensa do órgão negou ter havido qualquer alteração em relação ao pagamento do benefício às mulheres consideradas chefes de família. “Pelo contrário, o Cadastro Único estimula que as mulheres se declarem como chefes de família”, informou o ministério, em nota ao Comprova.

Desde que o programa foi relançado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em março deste ano, a pasta conduz processos de averiguação cadastral que impactam na liberação dos benefícios de forma permanente. O objetivo é garantir que famílias que entrem nos critérios de atendimento sejam incluídas todo mês e aquelas que saiam dos critérios deixem o programa.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo aqui verificado teve 29 mil visualizações, 2,4 mil curtidas, 136 comentários e 113 compartilhamentos no Kwai até o dia 7 de agosto.

Como verificamos: Primeiro buscamos via Google notícias sobre eventuais mudanças relacionadas ao Bolsa Família e ao Cadastro Único anunciadas em agosto. Em seguida, procuramos a assessoria de imprensa do MDS. Também foi procurada a agenda oficial de Wellington Dias, para encontrar eventos e declarações dadas pelo ministro na data de 2 de agosto, citada na publicação. Por fim, procuramos a autora do vídeo.

Quais foram as mudanças no Cadastro Único e no Bolsa Família?

De acordo com a nota enviada pelo MDS ao Comprova, não houve qualquer mudança sobre o status das mães como chefes de família no CadÚnico. O programa continua estimulando que as mulheres se declarem desta forma, conforme a pasta.

O que mudou, informou a assessoria de comunicação, é que foram instituídos novos documentos obrigatórios para o Responsável Familiar, como o de identificação com foto e o comprovante de endereço ou a declaração de residência, obrigatórios para todas as famílias. Já para as famílias constituídas por uma única pessoa, é preciso também apresentar um Termo de Responsabilidade em que a pessoa se responsabiliza pelas informações prestadas.

Sobre o ingresso no Programa Bolsa Família, o órgão explica que agora ele é avaliado mensalmente, utilizando as informações do CadÚnico para selecionar novas famílias elegíveis. Para tal, elas precisam estar com as informações no CadÚnico atualizadas há no máximo 2 anos; apresentar informações consistentes sobre a renda familiar (renda mensal por pessoa de até R$ 218); e apresentar informações consistentes no CadÚnico quanto à composição familiar, sem pendências cadastrais dos processos de averiguação.

Atualmente, o Programa Bolsa Família é composto pelos seguintes benefícios:

  • Benefício de Renda de Cidadania: assegura o recebimento de um valor de R$142 por pessoa da família;
  • Benefício Complementar: pago quando a configuração familiar resulte num valor abaixo de R$ 600. É transferido à família o equivalente até que se alcance esse patamar mínimo;
  • Benefício de Primeira Infância: destinado às crianças de 0 a 7 anos incompletos, transferindo às famílias o valor adicional de R$ 150 por cada criança nessa faixa etária na família. Assim, uma família com quatro crianças na primeira infância, por exemplo, receberá R$ 600;
  • Benefício Variável Familiar: adicional de R$ 50 pagos a crianças e adolescentes de 7 a 17 anos, e também a gestantes.

Ministro não anunciou mudanças recentemente

Na alegação, a autora do post diz que a “notícia” publicada por ela saiu no dia 2 de agosto de 2023, ao meio-dia. Ao fazer uma busca avançada no Google pelos termos “Wellington Dias”, “Bolsa Família”, “chefes de família” e “cadastro único”, com o intervalo de tempo definido para “última semana” (entre 28/07 e 04/08), não foi localizada nenhuma informação neste sentido.

Ao buscar pela agenda oficial do ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, citado no vídeo com suposta fala de “que vai ter sim uma vistoria”, não há registro de coletiva ou anúncio envolvendo o Bolsa Família ou o CadÚnico. Dentre os compromissos, está uma entrevista para o Jornal o Globo (publicada no dia 03/08), reuniões e a cerimônia de lançamento do Programa Povos da Pesca Artesanal.

Na entrevista, há duas citações sobre o cadastro de pessoas no Bolsa Família: uma sobre a atualização no cadastro desde o início do governo e outra sobre pessoas beneficiadas ilegalmente pelo Bolsa Família e pessoas fora do programa que deveriam estar incluídas.

Na cerimônia de abertura do programa de pesca artesanal, Dias assinou os documentos “Extrato Artesanal Abastecendo o País” e “Projeto Boa Maré”. Ele não deu declarações oficiais nesse evento.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com a autora da publicação por mensagem pelo Kwai e pelo Instagram. Até a finalização dessa verificação, contudo, não obteve respostas.

O que podemos aprender com esta verificação: A autora do vídeo utiliza um tom alarmante quando afirma que está repassando uma “notícia atualizada, novinha” e uma “notícia bomba” para chamar a atenção dos usuários para a postagem que está compartilhando. Ela também não apresenta fontes para as afirmações que faz, como o suposto anúncio do MDS em 2 de agosto e a proibição das mães chefes de família no Bolsa Família. É importante estar atento a esses sinais como indícios da propagação de desinformação e utilizar canais oficiais para tirar as dúvidas sobre o assunto ou consultar a imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou outras alegações que envolviam o Bolsa Família, identificando, por exemplo, que uma fila de pacientes em unidade de saúde em Natal não tinham relação com o programa, que uma tabela sobre pagamento do benefício foi editada e retirada de contexto para favorecer Bolsonaro e que o Bolsa Família teria 13º, mas não aumento.

Política

Investigado por: 2023-08-05

O que é o Real Digital e como irá funcionar a versão eletrônica da moeda brasileira

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Em agosto de 2020, o Banco Central organizou um grupo de trabalho para estudar a emissão de uma moeda digital brasileira, o chamado Real Digital. O projeto está nos trâmites para iniciar a fase de testes, com experimentação planejada até 2024, mas sem data de lançamento. O ativo é tema recorrente de vídeos que circulam nas redes sociais em canais financeiros que associam o termo ao mercado de criptomoedas e levantam a possibilidade do sequestro de recursos das contas bancárias. Este Comprova Explica esclarece o que é o Real Digital e como ele irá funcionar.

Conteúdo analisado: Postagem em uma rede social afirma que o Banco Central divulgou o código do Real Brasil e que o país terá uma criptomoeda. A publicação diz que o BC poderá “congelar os saldos das contas, aumentar ou diminuir essas contas, movê-las entre como quiserem e destruir dinheiro caso queiram”.

Comprova Explica: Dúvidas sobre o projeto do Banco Central (BC) sobre o Real Digital têm alimentado uma série de teorias na internet. Muitas delas dizem que essa seria uma nova “criptomoeda centralizada”, além de uma suposta tentativa do governo para “controlar” o dinheiro das pessoas e fazer movimentações nas contas sem autorização.

A moeda digital brasileira ainda está entrando na fase de testes e, segundo o BC, seguirá sob experimentação em 2024. Ainda não existe data para seu lançamento. Entretanto, especialistas do mercado financeiro e publicações do próprio banco dão materiais suficientes para esclarecer informações sobre a moeda e auxiliar o leitor na interpretação desses dados.

Atualização: No dia 7 de agosto de 2023, o Banco Central divulgou que a moeda digital brasileira se chamará “Drex”. “A solução, anteriormente referida por Real Digital, propiciará um ambiente seguro e regulado para a geração de novos negócios e o acesso mais democrático aos benefícios da digitalização da economia a cidadãos e empreendedores”, completou a autarquia em nota à imprensa.

Como verificamos: O Comprova consultou o site do próprio Banco Central, com foco na seção de perguntas e respostas sobre o Real Digital. Outras seções, sobre o bloqueio de contas e sobre o funcionamento do SISBAJUD também foram consultadas. A verificação também entrou em contato com a comunicação do Banco Central e consultou José Artur Ribeiro, CEO da Coinext, Denise Cinelli, Country Manager da CryptoMarket, e Antônio Carlos Bertucci, coordenador do curso de pós-graduação em Mercado de Capitais da PUC Minas.

O que é o Real Digital?

O Banco Central explica em seu site oficial que o Real Digital não é um criptoativo, como são o bitcoin e o ethereum. Na verdade, ele pertencerá a uma nova categoria, chamada CBDC (do inglês Central Bank Digital Currencies; a sigla pode ser traduzida para o português como “moedas digitais de banco central”).

Como o nome indica, uma CBDC é a versão digital da moeda soberana de um país, que só pode ser emitida por autoridades monetárias (os bancos centrais). A moeda será produzida e regulada pelo Banco Central seguindo as regras do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e a política monetária brasileira. Um Real Digital irá equivaler a um real físico.

Ainda de acordo com a autarquia, bancos centrais de diferentes países já estão estudando aspectos operacionais e tecnológicos de um possível sistema de CBDC para suas próprias moedas. Aqui vale destacar que não há registro de planos para criação de uma moeda digital “universal”.

Cerca de nove países já lançaram suas CBDC e outros 71 países, incluindo o Brasil, já estão estudando a sua própria moeda digital. Alguns deles, como a Suécia, a China e a Coreia do Sul, estão em fase de execução dos projetos- piloto. Pelo que foi divulgado pelo BC até o momento, a ideia é que a CBDC brasileira seja uma alternativa ao uso de cédulas. A princípio, o Real Digital poderá ser convertido para qualquer outra forma de pagamento hoje disponível, como depósito bancário convencional ou real físico.

O Banco Central explicou também que uma das diretrizes para o desenvolvimento de um Real em formato digital é a “interoperabilidade”, ou seja, a comunicação entre o Real Digital e outros meios de pagamento hoje disponíveis à população.

Será possível, por exemplo, fazer pagamentos em lojas, através do prestador de serviço de pagamentos – banco, IP ou outra instituição que venha a ser autorizada pelo BC, ou mesmo através do Pix. Ainda conforme a instituição, as pessoas poderão também “transferir Reais Digitais para outras pessoas, transformar seus Reais Digitais que estarão em custódia de um banco em depósito bancário convencional, sacar seus Reais Digitais passando para o formato físico, pagar contas, boletos e impostos”. Na prática, o objetivo é que a população possa movimentar seus Reais Digitais da mesma forma que movimentaria os recursos hoje depositados nos bancos.

A autarquia esclarece que o uso do Real Digital pelas pessoas será opcional e que não há perspectiva de obrigatoriedade de seu uso. “Desta forma, nos pagamentos cotidianos as pessoas poderão optar pelos meios convencionais, uma vez que o real físico não deixará de existir”, explicam.

Atualmente, o BC está iniciando a fase de testes com o Real Digital. Em julho, já foi anunciada a colaboração de empresas como Caixa, Microsoft e Elo para a realização de simulações com a CBDC brasileira. De acordo com o E-investidor, a previsão é que, até meados de agosto, empresas, usuários e instituições selecionadas para participarem do projeto-piloto estejam prontos para se conectarem à plataforma de testes. A expectativa é que os primeiros ensaios com o Real Digital comecem só em setembro e continuem em 2024. Segundo o próprio Banco Central, os exercícios da fase piloto acontecerão em ambiente simulado, sem envolver transações ou valores reais.

O que são criptomoedas

Criptomoedas são ativos virtuais que utilizam criptografia para garantir a segurança das transações e controlar a criação de novas unidades. Elas são descentralizadas, ou seja, não são controladas por nenhum governo ou instituição financeira central. É o que explica o CEO da Coinext, José Artur Ribeiro.

Sua análise é que o Real Digital não pode ser considerado uma criptomoeda, por ser uma versão digital da moeda oficial do Brasil, o real, emitida e controlada pelo Banco Central. Diferentemente das criptomoedas, o Real Digital é centralizado.

Ele aponta que há semelhanças entre as duas moedas, como as duas serem digitais e utilizarem tecnologia blockchain para facilitar as transações financeiras, inclusive na utilização de contratos inteligentes para liquidação de transações. Elas, no entanto, apresentam divergências pelo Real Digital ser emitido por uma instituição estatal, assim como a moeda física em circulação.

O próprio Banco Central, por meio de nota, vídeos institucionais e informações alocados em seu site oficial, ressalta que o Real Digital não é uma criptomoeda e sim uma nova representação da moeda brasileira.

O mercado de criptomoedas começou a ganhar esboço com o lançamento da Bitcoin, datada de 2008. A moeda se baseia na chamada Prova de Trabalho, um tipo de algoritmo para gerar Bitcoin, processo que ganhou o nome de mineração.

Denise Cinelli, Country Manager da CryptoMarket, explica que o acesso de brasileiro às compras desse tipo de moeda só se popularizou entre 2011 e 2013: “Costumo dizer que as criptomoedas chegaram para o mundo tudo de uma vez só na verdade, porque a criptomoeda não tem divisa, elas chegaram na internet no momento em que foram lançadas, agora os brasileiros começaram a ter acesso a criptomoedas em 2013”.

O Marco Legal das Criptomoedas entrou em vigor no dia 20 de junho e o BC foi instituído como autoridade responsável por regular as atividades das prestadoras de serviços de ativos virtuais no Brasil. Será aberta uma consulta pública em que as empresas poderão dar sugestões (CNN, EBC).

A Lei 14.478/22 estabeleceu as condições e prazos para a adequação às novas regras por parte das prestadoras de serviços de ativos virtuais, as chamadas “corretoras de criptoativos”. Estas poderão prestar exclusivamente o serviço de ativos virtuais ou acumulá-lo com outras atividades, na forma da regulamentação a ser editada.

Entre as atribuições do órgão regulador estão: autorizar o funcionamento e a transferência de controle das corretoras; supervisionar o funcionamento delas; cancelar, de ofício ou a pedido, as autorizações; e fixar as hipóteses em que as atividades serão incluídas no mercado de câmbio ou deverão se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no País.

Decisão judicial

Ainda não lançado, o projeto é desenvolvido pelo Banco Central, que não tem autonomia para bloquear ou alterar saldos bancários sem uma decisão judicial. Em contato com o Comprova, a instituição explicou que os serviços que serão construídos na plataforma deverão “cumprir todos os requisitos legais aplicáveis ao SFN, inclusive quanto aos aspectos de segurança e privacidade”.

“Os processos relatados no vídeo já ocorrem atualmente no Sistema Financeiro Nacional (SFN)”. Atualmente, o Banco Central comunica ao sistema as determinações do Poder Judiciário de bloqueio/desbloqueio de contas bancárias. O Banco Central afirmou que “poderá ser feita a mesma coisa no ambiente do Real Digital”.

“Nada de novo, portanto. A competência para emitir tais determinações é privativa do Poder Judiciário. Não há hipótese de o Banco Central bloquear/desbloquear ativos ou alterar saldos sem uma determinação da Justiça. Isso seria ilegal”.

Em sua página de perguntas e respostas, o Banco Central ressalta não ter poder para bloquear ou desbloquear contas diretamente. Por determinação judicial, o bloqueio pode ser feito pelo Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (SISBAJUD). Nesses casos, o Poder Judiciário se comunica diretamente com as instituições financeiras com suas ordens judiciais.

A partir de setembro de 2020, o SISBAJUD sucedeu o Bacen Jud como o sistema de comunicação eletrônica entre o Poder Judiciário e instituições financeiras e demais entidades autorizadas a funcionar pelo BC.

A gestão do SISBAJUD é feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a quem compete os assuntos de administração técnica, operacionalização e serviços de suporte.

Antônio Carlos Bertucci, coordenador do curso de pós-graduação em Mercado de Capitais da PUC Minas, aponta que há legislações específicas que limitam o controle do Banco Central nas contas bancárias dos usuários. São elas:

  • O artigo 192 da Constituição Federal, que determina que o Banco Central do Brasil deve ser uma autarquia federal, com autonomia administrativa, patrimonial, financeira e de gestão de recursos humanos.
  • A Lei Complementar nº 101/2000, que estabelece normas para a responsabilidade na gestão fiscal, limitando o endividamento e os gastos públicos, o que, por consequência, limita o poder de controle do Banco Central sobre o dinheiro público.
  • A Lei Complementar nº 179/2021, que estabelece o novo marco legal do Banco Central, define limites para as competências e a atuação do órgão, garantindo a transparência e a prestação de contas.
  • A Lei Complementar nº 105/2001, que assegura o sigilo das informações financeiras dos clientes das instituições financeiras, exceto em casos previstos em lei, o que protege a privacidade dos dados bancários das pessoas.

“O Banco Central não tem como aumentar, diminuir ou congelar ativos das pessoas, como por exemplo contas bancárias, propriedades, investimentos, entre outros. São tratados pelo Poder Judiciário, que é responsável por interpretar e aplicar as leis e, quando necessário, resolver disputas legais entre as partes. Se houver preocupações sobre os ativos das pessoas relacionadas às ações do Banco Central, o Poder Judiciário poderá ser acionado”, explica o especialista.

“A Instituição não pode agir sem justificativa legal e há proteções para se evitar a destruição de ativos em qualquer intervenção”, explica Bertucci. “Essas medidas são tomadas com base na legislação e regulamentação vigentes, e normalmente são aplicadas apenas em situações de emergência”, completa.

Ele avalia que sim, será possível que haja um aumento no controle sobre o dinheiro das pessoas. Isso porque, por ser emitida pelo Banco Central, permite um maior monitoramento e rastreamento das transações financeiras. “Como todas as transações seriam realizadas por meio do Real Digital, o Banco Central teria acesso a informações detalhadas sobre as atividades financeiras das pessoas, como gastos, recebimentos e transferências”, diz.

Como irá seguir todas as regras aplicáveis ao real convencional, o Banco Central ressalta ter a prerrogativa de controlar a quantidade de moeda na economia, assim como na modalidade do valor físico. “Nesse processo é necessário que se crie moeda, nas situações de baixa liquidez do mercado, ou que se destrua moeda, nas situações de elevada liquidez”, afirma em nota.

Por que explicamos: O Comprova Explica esclarece temas importantes para que a população compreenda assuntos em discussão nas redes sociais que podem gerar desinformação. O Real Digital será uma versão da moeda oficial e tem a possibilidade de se popularizar, já que poderá ser usada no cotidiano para pagamentos, transferências e contratos de compra e venda. Por ainda estar em desenvolvimento, a moeda é alvo de boatos que podem gerar medo e incertezas.

Outras checagens sobre o tema: Em 2022, a Agência Lupa produziu conteúdo para explicar o que são criptomoedas e o Bitcoin, uma das versões mais antigas e populares da moeda. Foi mostrado que elas não têm vínculo com governos ou recursos naturais, que costumam garantir o valor das moedas tradicionais. A respeito da possibilidade do Banco Central norte-americano também criar uma versão digital para o dólar, o Estadão Verifica e o Boatos.org já esclareceram que o projeto não tem pretensão de substituir a moeda física.

Política

Investigado por: 2023-08-04

Cacique Raoni mora em Mato Grosso e não há evidências de que ele tenha imóvel em Paris

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o post que cita que o cacique Raoni tem um apartamento em Paris. A desinformação foi publicada como reação a críticas feitas por ele à política indigenista de Jair Bolsonaro (PL) e é disseminada desde o final de 2019, quando um vídeo sobre venda de ouro em Gana foi distorcido para acusar Raoni de negociar terras por meio de uma ONG para construir mansão. Um neto do cacique e integrante da Fundação Raoni disse que o indígena de mais de 90 anos vive em Mato Grosso. Não há evidências de que ele tenha imóvel em Paris. Atualmente, Raoni mora em uma aldeia e se desloca até imóvel alugado, em Peixoto de Azevedo (MT), quando necessita cumprir rotina médica para cuidar da saúde debilitada.

Conteúdo investigado: Mensagem de uma apoiadora de Jair Bolsonaro reagindo a críticas de Raoni à política ambiental do ex-presidente com a frase “Disse o índio militante que tem apartamento em Paris”.

Onde foi publicado: Na rede social X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: É enganoso post que acusa o cacique Raoni de ser proprietário de apartamento em Paris. A publicação reage a uma notícia com críticas de Raoni à política indigenista de Jair Bolsonaro (PL) e reforça uma sequência de boatos sobre o assunto publicadas desde 2019 na internet.

O Comprova não conseguiu realizar buscas em órgãos franceses apenas com o nome de Raoni como proprietário de imóvel.

Questionado sobre a publicação, Beptuk Hokrit Metuktire, um dos netos do líder indígena, demonstrou indignação ao acessar o post. “Essa gente não tem noção, e não tem vergonha na cara sobre as mentiras que eles inventam”, reclamou.

Hokrit afirma que o avô mora em Mato Grosso, não tem imóvel na Europa nem nunca deu declaração sobre isso. Ele diz que, atualmente, a saúde de Raoni atravessa momentos ruins e que, por conta disso, necessita se deslocar da aldeia até o município de Peixoto de Azevedo. Nesta cidade, eles alugam imóvel para que o cacique se hospede e cumpra bateria de exames e tratamento.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 4 de agosto, a publicação tinha 73,2 mil visualizações, 3,7 mil curtidas e 543 compartilhamentos.

Como verificamos: Usamos o Google para checar reportagens publicadas sobre o assunto. Também pesquisamos sites nacionais e internacionais relacionados ao tema. Em redes sociais, buscamos parentes do líder indígena e conseguimos contato com um de seus netos.

Boato circula desde 2019

A alegação de que Raoni seria dono de um imóvel em Paris começou a ganhar força na internet em 2019. Vídeo de uma inspeção de compra de ouro em Gana passou a circular nas redes sociais como se mostrasse o líder indígena negociando terras da Amazônia por meio de ONGs da região. Alguns posts alegavam ainda que o objetivo seria a compra de uma mansão na capital francesa.

Na época, agências de checagem como Estadão Verifica e Lupa já mostravam que a suposta ligação de Raoni à filmagem em Gana era explorada em peças de desinformação.

O Les Observateurs, serviço de checagem do France 24, descobriu que um dos homens que aparece nas imagens é o advogado italiano René Verrecchia. Ao portal francês, Verrecchia afirmou que “tudo isso foi uma deturpação grosseira de uma inspeção executada durante uma venda de metal” em Acra, a capital de Gana, que acabou não recomendada aos potenciais compradores.

Os ataques contra o líder indígena foram feitos em meio a críticas disparadas pelo então presidente Jair Bolsonaro, que dizia a seus apoiadores que o representante kayapó teria sido “cooptado por chefes de Estado”. Raoni criticou em diversos momentos a política ambiental de Bolsonaro e havia encontrado, poucos dias antes, o presidente da França, Emmanuel Macron, em uma campanha contra o desmatamento.

Em 4 de junho deste ano, Raoni esteve mais uma vez na França e se encontrou novamente com Macron. Ele também concedeu uma entrevista, para o jornal O Globo, em que acusa Bolsonaro de incentivar o ódio contra os indígenas. Diante desse cenário é que o boato voltou a circular entre bolsonaristas.

Fato é que a própria entrevista de O Globo mencionada na publicação checada pelo Comprova mostra que Raoni Metuktire reside em uma aldeia no Mato Grosso. Um vídeo foi gravado na aldeia Piaraçu, localizada na Terra Indígena Capoto-Jarina, a quase mil quilômetros de Cuiabá — onde centenas de lideranças indígenas se reuniram em um “Chamado do Raoni” para fortalecer a luta indígena, como na posição contrária à tese do marco temporal de demarcação de terras.

A localização exata da aldeia aparece em um mapa produzido por jornalistas do G1.

Quem é o cacique Raoni

O cacique Kayapó Raoni tem o nome indígena Ropni Metyktire e não se sabe a data exata em que nasceu. O instituto com seu nome informa que provavelmente ele tenha nascido no início da década de 1930, em uma antiga aldeia Mebêngôkre (Kayapó) denominada Kraimopry-yaka, no nordeste do estado de Mato Grosso.

Ao longo da vida, ele foi protagonista de diversas lutas em favor dos povos indígenas e da Amazônia, passando a ser reconhecido internacionalmente como liderança e porta-voz da preservação do meio ambiente.

Desde jovem, sempre se envolveu em causas para defesa do seu povo. Por volta de 1954, ele conheceu os irmãos Villas-Boas – foi quando passou a ser o principal interlocutor entre os kayapós e o mundo.

O encontro com o cantor Sting em 1987 ampliou sua notoriedade internacional. O indígena também teve atuação na Assembleia Constituinte em 1987 e 1988, quando colaborou para a inclusão de direitos fundamentais dos povos indígenas na Constituição Federal de 1988.

Na década de 1990 e a partir do ano 2000, Raoni realizou inúmeras viagens pelo mundo e conquistou o apoio de importantes lideranças internacionais. Em 2019, início do governo Bolsonaro, Raoni voltou a pedir apoio pelos direitos dos povos indígenas e pela defesa da Amazônia. O cacique alertou o mundo sobre o crescimento do desmatamento e as ameaças do agronegócio, garimpos e madeireiras que exploram a floresta.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com o responsável pela publicação. A conta no X não permite o envio de mensagens diretas e informa apenas o seu primeiro nome.

O que podemos aprender com esta verificação: Representantes indígenas e ambientalistas costumam ser alvos frequentes de desinformação, como forma de rebater suas críticas sobre a política de combate aos crimes ambientais e outros fatores que prejudicam os povos indígenas e seus territórios. O post, no entanto, faz uma acusação sem fornecer qualquer detalhe ou prova de que aquilo seja verdade. Nesse caso, o leitor deve se perguntar se aquela fonte de informação é confiável e pesquisar mais sobre o assunto. Uma simples pesquisa no Google seria suficiente para encontrar verificações jornalísticas de agências independentes desmentindo o boato.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em 2019, boatos semelhantes foram desmentidos por Estadão Verifica, Lupa e Boatos.org. Recentemente, o Comprova também apurou vídeo que enganava ao dizer que Lula vendeu Amazônia a mineradora em troca de dinheiro para o Fundo Amazônia. Também foi apurado conteúdo sobre retirada de produtores de arroz de terras indígenas que não ocorreu por determinação de Lula.

Contextualizando

Investigado por: 2023-08-03

Decreto com contingenciamento de recursos federais não determina corte de verbas

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Contextualizando
Está fora de contexto um post no TikTok que mostra imagem com uma relação de ministérios do governo federal e respectivos valores para cada pasta, com a informação de que se tratam de cortes. Os recursos foram bloqueados em julho no cumprimento do teto de gastos, o que, tecnicamente, é chamado de contingenciamento. Não é possível afirmar que são cortes, pois a medida ainda pode ser revertida, caso haja espaço abaixo do teto para o provimento dos recursos. Em outras palavras, o termo corte se refere a uma retirada definitiva das verbas, enquanto a ação foi um bloqueio, que pode ser temporário ou não.

Conteúdo investigado: Publicação apresenta uma lista do que seriam cortes realizados no orçamento federal, acompanhada da frase “Esses são os cortes no orçamento do desgoverno. Parabéns a todos que votaram nesse lixo de desgoverno”.

Onde foi publicado: TikTok.

Contextualizando: Uma publicação no TikTok lista ministérios do governo federal e recursos bloqueados, afirmando que trata-se de um corte no orçamento. O que a tabela mostra é o contingenciamento de recursos orçamentários, uma prática que se tornou comum desde a promulgação da emenda constitucional 95 de 2016, o chamado Teto de Gastos.

A cada bimestre, o governo federal publica um relatório em que se “projeta as receitas e despesas para o resto do ano e estabelece o cronograma de desembolso mensal, efetuando bloqueios ou desbloqueios, caso precise reajustar ou tenha margem para ampliar”, conforme explica Pedro Souza, analista da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal. Assim, no momento, não é possível dizer que as verbas foram cortadas.

A lista apresentada no conteúdo verificado corresponde com a realidade, de acordo com o decreto 11.621/2023, ao informar a verba contingenciada de cinco pastas do governo federal. Na publicação, foi utilizada uma cartela apresentada em uma reportagem do JP News, da Jovem Pan. A emissora destacou na reportagem que os ministérios da Saúde e da Educação foram os mais afetados pelo bloqueio – e não corte.

Porém, como a medida ainda pode ser modificada, não é possível dizer que foi feito um corte, como afirma o conteúdo investigado. O Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) confirma que o bloqueio não é definitivo. “Ele pode ser revisto em algum bimestre seguinte, inclusive ser totalmente eliminado, caso despesas que estavam inicialmente previstas deixem de ocorrer, abrindo assim espaço dentro do teto de gastos”, informou a pasta.

Atualização: em uma primeira versão deste texto, citamos o nº 55 como sendo da emenda constitucional que estipulou o Teto de Gastos. Esse, na verdade é o número da PEC – Proposta de Emenda Constitucional que deu origem à emenda constitucional (EC) 95.

Como o post pode ser interpretado fora do contexto original: A utilização do termo corte se refere a uma ação definitiva, ou seja, em que os recursos federais não poderiam ser empenhados futuramente. No caso, para o cumprimento do teto de gastos, é feito um remanejamento das verbas, com o bloqueio do que constava primeiramente no planejamento do orçamento federal, mas que pode ser liberado posteriormente, em caso de melhora na arrecadação ou na redução do gasto público. Fora deste contexto, a publicação sugere que essa verba foi perdida em definitivo.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil @assimnaoda51 pelo TikTok, mas não obteve respostas. Também buscou correspondência pelo perfil em outras redes sociais, mas não encontrou resultados.

Contingenciamento de despesas

A lista apresentada conta com os cinco ministérios que mais foram afetados pelo contingenciamento de despesas presente no decreto 11.621, publicado em edição extra do Diário Oficial da União na sexta-feira (28). O bloqueio foi direcionado para as despesas discricionárias de dez pastas.

Despesas discricionárias são gastos não obrigatórios, a serem realizados pelo governo dependendo da disponibilidade de recursos. Esse tipo de despesa está relacionado, por exemplo, a investimentos e gastos cotidianos de manutenção. Ao todo, R$ 1,5 bilhão foi bloqueado dos seguintes ministérios:

• Saúde: R$ 452 milhões;

• Educação: R$ 333 milhões;

• Transportes: R$ 217 milhões;

• Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome: R$ 144 milhões;

• Cidades: R$ 144 milhões;

• Meio Ambiente: R$ 97,5 milhões;

• Integração e Desenvolvimento Regional: R$ 60 milhões;

• Defesa: R$ 35 milhões;

• Cultura: R$ 27 milhões;

• Desenvolvimento Agrário: R$ 24 milhões.

O contingenciamento de despesas discricionárias é uma prática comum para adequar o orçamento federal ao teto de gastos, regra aprovada pelo Congresso em 2016, durante a gestão do então presidente Michel Temer, que procura evitar o descontrole das contas públicas. Ao aprovar o orçamento anual, o limite para as despesas primárias (obrigatórias e discricionárias) são delimitadas.

Ao final de cada bimestre, como determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), se for identificado que a receita delimitada no orçamento federal para o pagamento de despesas obrigatórias não será suficiente, é necessária a “limitação de empenho e movimentação financeira” do orçamento de despesas primárias. A análise é feita, atualmente, por meio do Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, responsabilidade da Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento e Orçamento, em conjunto com a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda (STN/MF).

De acordo com a assessoria do MPO, esse relatório avalia como está o desempenho das receitas e despesas até aquele momento. “Elas [as secretarias] também projetam as receitas e despesas primárias para todo o ano, com base em um conjunto de informações recebidas dos ministérios e na grade de parâmetros macroeconômicos produzida pela Secretaria de Política Econômica do MF”, explicou o MP.

Outros dois relatórios já foram divulgados pelo MPO em 2023. Em março, a análise concluiu que não era necessário o contingenciamento de recursos. Nessa estimativa, o valor das despesas diminuíram, o que geraria um espaço no limite orçamentário. Já em maio, a projeção foi revisada e indicou a necessidade de bloquear R$ 1,7 bilhão de reais de despesas discricionárias de seis ministérios (Fazenda, Transportes, Planejamento e Orçamento, Integração e Desenvolvimento Social, Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, e Cidades).

Com o contingenciamento de julho, totaliza-se R$ 3,2 bilhões de despesas bloqueadas para o cumprimento do Teto de Gastos.

Medida pode ser revertida

Segundo o MPO, o decreto 11.621/2023 “trata-se de bloqueio e não de um corte, e é temporário, pois poderá ser revisto tão logo apareça espaço abaixo do teto para acomodar as despesas”. Ou seja, é uma medida que pode ser revista no caso de haver sobra no orçamento nos meses seguintes, caso não, o bloqueio das verbas é permanente e pode inclusive ter volume maior no trimestre seguinte.

O analista da IFI, do Senado Federal, Pedro Souza, explica que a diferença entre o contingenciamento e o corte é temporal. “Neste caso, o contingenciamento é um bloqueio de dotações, que impede que o governo possa empenhar esse montante de despesas. Se não houver reversão futura, pode-se dizer que houve sim um corte”, afirma. Ou seja, no momento, não é possível afirmar, como faz a publicação aqui verificada, que os recursos foram cortados.

O economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da entidade Contas Abertas, afirma que o decreto significa “um bloqueio que poderá ou não ser revertido quando de novas avaliações de receitas e despesas”. Consultor de orçamento e pesquisador da FGV Direito Rio, Dayson Almeida, esclarece que o cancelamento de despesas, chamado popularmente de corte, “é uma redução definitiva da dotação de determinada ação orçamentária para o exercício, e ocorre para dar lugar a outra despesa, mediante créditos adicionais”.

Sendo assim, Almeida resume que no corte o recurso é excluído do orçamento, enquanto que no contingenciamento, a despesa é bloqueada temporariamente, podendo ser desbloqueada posteriormente. “Vale lembrar que, não ocorrendo o desbloqueio até o final do exercício, o efeito prático é o mesmo de um corte”, diz.

Bloqueio não indica irregularidade

Dayson Almeida, pesquisador da FGV Direito Rio, afirma que o bloqueio não tem relação com uso regular dos recursos. Trata-se, no entanto, de um cumprimento às disposições da LRF e da Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO).

“Se verificado, ao final de um bimestre, que as receitas e despesas projetadas poderão não comportar o cumprimento das metas de resultado primário fixadas na LDO (por exemplo, em razão de frustração de receitas ou aumento não previsto de despesas), os Poderes devem promover limitação de empenho e movimentação financeira (contingenciamento), segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”, diz Almeida.

O analista Pedro Souza afirma que as razões para os bloqueios são diversas. “Desde frustrações de expectativas de arrecadação, bem como fatores não previstos (ou não formalizados legalmente) ou que tiveram seu impacto subestimado pelo governo nas despesas.” Castello Branco esclarece que a análise do orçamento feita a cada bimestre gerou, conforme o decreto de julho, a necessidade de limitação de despesas do Poder Executivo.

“Descumprir o teto de gastos enseja crime de responsabilidade, que pode, inclusive, suscitar o impeachment do presidente da República”, diz. Segundo ele, o bloqueio “decorre da defasagem entre as previsões de receitas e despesas e as novas estimativas baseadas em valores efetivamente realizados”.

No ano passado, ainda na gestão Jair Bolsonaro (PL), o último relatório sobre os gastos federais foi publicado em novembro, com o bloqueio de R$ 5,7 bilhões, somando um total de R$ 15,4 bilhões contingenciados ao longo do ano. Na ocasião, as áreas de saúde e educação também foram as mais atingidas, sendo R$ 1,396 bilhão e R$ 1,435 bilhão, respectivamente.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 3 de agosto, a publicação tinha 276,4 mil visualizações, 15,3 mil curtidas e 13,8 mil compartilhamentos.

Como verificamos: Ao observar a lista de ministérios e valores exibida no vídeo, o Comprova identificou que, pela tipografia e as cores utilizadas (vermelho e preto), a imagem poderia ser de algum telejornal da Jovem Pan. Ao pesquisar no Google pelas palavras-chave “Jovem Pan”, “orçamento” e “cortes”, foi encontrada uma reportagem da JP News, de 29 de julho de 2023, em que a mesma lista exibida no TikTok é apresentada.

Em um segundo momento, foram buscados no Google os termos “cortes no orçamento 2023”, que levou a uma matéria da Agência Brasil. Esta reportagem levou à edição extra do Diário Oficial da União, publicação em que está contida o decreto nº 11.621, de 28 de julho de 2023, em que os ministérios e os valores bloqueados estão delimitados.

O Comprova também entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério do Planejamento e Orçamento, com o economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da entidade Contas Abertas, com o analista Pedro Souza, da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, e com Dayson Almeida, consultor de orçamento e pesquisador da FGV Direito Rio. Por fim, tentou entrar em contato com o autor da publicação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: No dia 2 de agosto, o coletivo Bereia publicou uma verificação sobre o contingenciamento de despesas do orçamento federal a partir de uma publicação do deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ).

Conteúdos sobre a economia brasileira são frequentemente checados pelo Comprova. Recentemente, a iniciativa constatou que Lula não anunciou confisco da poupança dos brasileiros e explicou porque não se deve analisar a taxa Selic a partir de valores médios em cada governo.

Política

Investigado por: 2023-08-01

Post faz falsa equivalência entre decisões de Moraes para sugerir preferência por Lula

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a montagem que usa duas manchetes da CNN Brasil para levantar suspeitas sobre prazos distintos fixados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em decisões envolvendo os governos Lula (PT) e Bolsonaro (PL). Os objetos das decisões são diferentes e, portanto, não cabe comparação entre elas. O prazo de cinco dias estabelecido em 2022 era para que o governo federal se manifestasse sobre as condições oferecidas à população de rua. Já a liminar deste ano, que fixa prazo de 120 dias, prevê que o Executivo formule um plano de ação para a implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua.

Conteúdo investigado: Publicação nas redes sociais com montagem de duas manchetes do portal CNN Brasil. A primeira, de junho de 2022, afirma que “Moraes dá 5 dias para Bolsonaro e governantes se manifestarem sobre população de rua”, enquanto a segunda, de julho de 2023, diz que “Moraes dá 120 dias para governo federal fazer diagnóstico da população em situação de rua”. O post é acompanhado por um emoji de um rosto pensativo.

Onde foi publicado: Twitter e Telegram.

Conclusão do Comprova: É enganoso post que compara decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e levanta dúvidas sobre a diferença de prazos determinados pelo magistrado. A publicação faz uma montagem com duas manchetes da CNN Brasil. A primeira diz que Moraes deu cinco dias para Jair Bolsonaro (PL) e governantes se manifestarem sobre população de rua, enquanto a segunda cita que ministro deu 120 dias para o governo, já sob o comando de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fazer um diagnóstico da população em situação de rua. O tuíte acrescenta um emoji pensativo à legenda.

O despacho e a liminar em questão são de junho de 2022 e julho de 2023, respectivamente. Ao Comprova, o STF procurou diferenciar as decisões. Afirmou que, no caso de 2022, “trata-se de abertura de prazo para manifestação (que é previsto em lei)”, já no mais recente “trata-se de uma determinação para adoção de previdências”.

Ambas as decisões foram tomadas dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, da qual Moraes é relator, proposta em 22 de maio de 2022 pelos partidos Rede Sustentabilidade, Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Na ação, as siglas e o movimento buscam garantir a adoção de providências em relação às condições desumanas de vida da população em situação de rua no Brasil.

Em 2022, o ministro solicitou informações sobre o atendimento à população de rua ao presidente da República, à época Bolsonaro, aos governadores e aos prefeitos das capitais de cada estado. Todas as partes tinham cinco dias para enviar manifestação.

Já em julho deste ano, Moraes fez uma série de exigências à União, estados e municípios, que vão além de uma manifestação sobre o assunto. Ao poder Executivo federal, Moraes determina que, no prazo de 120 dias, seja formulado o Plano de Ação e Monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua.

Diversos usuários comentaram na publicação investigada com questionamentos e críticas à suposta diferença de tratamento dada pelo ministro aos presidentes.

A pedido do Comprova, o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e doutor em Direito Processual Penal Aury Lopes Júnior analisou as decisões. Ele classificou o conteúdo verificado como uma “distorção” de situações diferentes “para que, aparentemente, tenham uma equivalência, quando na verdade não têm”.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 1º de agosto, a publicação somava 7,8 mil visualizações no Telegram. No Twitter, antes de ser excluído, o post alcançou 41 mil visualizações e 2,2 mil curtidas até 28 de julho.

Como verificamos: O primeiro passo foi conferir as duas reportagens da CNN Brasil citadas pela peça de desinformação (1 e 2). Depois, com a informação de que ambas as decisões de Moraes foram tomadas no âmbito da ADPF 976, o Comprova consultou a jurisprudência e entrou em contato com o STF e com o autor da publicação. Por fim, conversou com o doutor em Direito Processual Penal e professor de Direito da PUCRS Aury Lopes Júnior.

As decisões de 2022 e 2023

As decisões de Moraes foram tomadas no âmbito da ADPF 976, que trata sobre a adoção de providências em relação às condições desumanas de vida da população em situação de rua no país.

No despacho assinado por Moraes em 25 de maio de 2022 e publicado no dia 1º do mês seguinte, o ministro cita que “diante da relevância da matéria constitucional suscitada, mostra-se adequada a adoção do rito do art. 5º, § 2º, da Lei 9.882/99, para que as autoridades responsáveis pelo ato possam se pronunciar”. É com base nesse parágrafo da lei, que o prazo de cinco dias é fixado.

Assim, foram solicitadas informações sobre o atendimento à população de rua ao presidente da República, à época Bolsonaro, aos governadores e aos prefeitos das capitais de cada estado. Todas as partes tinham cinco dias para enviar manifestação.

Já na decisão liminar de julho deste ano, o ministro relator da ADPF faz uma série de exigências à União, estados e municípios, que vão além de uma manifestação sobre o assunto. Ao poder Executivo federal, Moraes determina que, no prazo de 120 dias, seja formulado o Plano de Ação e Monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Esse documento deve contemplar, no mínimo, 15 tópicos, resumidos abaixo:

  • A elaboração de um diagnóstico atual da população em situação de rua;
  • a criação de instrumentos de diagnóstico permanente dessa população;
  • o desenvolvimento de mecanismos para mapear a população em situação de rua no censo do IBGE;
  • o estabelecimento de meios de fiscalização de processos de despejo e de reintegração de posse;
  • a elaboração de diretrizes para a intervenção do Poder Público, pautadas no tratamento humanizado e não violento da população em situação de rua;
  • a elaboração de programas de capacitação de agentes públicos para atuarem junto à população em situação de rua;
  • a incorporação das demandas da população em situação de rua na Política Nacional de Habitação;
  • a análise de programas de transferência de renda e sua capilaridade em relação à essa população;
  • a previsão de um canal direto de denúncias contra violência;
  • a elaboração de medidas para garantir padrões mínimos de qualidade nos centros de acolhimento;
  • o desenvolvimento de programas de prevenção de suicídio;
  • a elaboração de programas educacionais e de conscientização pública sobre a aporofobia e sobre a população em situação de rua;
  • a formulação de políticas para fomentar a saída da rua através de programas de emprego e de formação para o mercado de trabalho;
  • a elaboração de medidas para o fortalecimento de políticas públicas voltadas à moradia, trabalho, renda, educação e cultura de pessoas em situação de rua;
  • a indicação de possíveis incentivos fiscais para a contratação de trabalhadores em situação de rua.

A decisão do relator que fixa os 120 dias para a elaboração do plano ainda é provisória. A partir de 11 de agosto, deve ser analisada pelo plenário do STF. No julgamento, os ministros vão decidir se confirmam ou não o entendimento de Moraes.

A Política Nacional para a População em Situação de Rua foi instituída pelo Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, e apresenta uma série de medidas para preservar a saúde e a vida das pessoas em situação de rua. À CNN, Moraes afirmou que somente cinco estados e 15 municípios aderiram à política nacional. “Portanto, em 12 anos, a política ainda não conta com a adesão da grande maioria dos entes federativos descentralizados”, declarou o magistrado.

Falsa equivalência

Ao Comprova, o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e doutor em Direito Processual Penal Aury Lopes Júnior explicou que os objetos de cada decisão são completamente distintos. “Aqui [na decisão mais recente] é infinitamente mais complexo, já é uma decisão determinando que se elabore um plano, que se aponte qual é o diagnóstico, quais são os órgãos”, detalha.

“Lá atrás, era só uma informação. É simplesmente o seguinte: entraram com uma ação, me digam, vocês, se isso que eles estão falando aqui tem algum fundamento. Cinco dias até pela urgência, o que é normal.”

Para o professor, o que se tenta fazer, no caso do post verificado, é uma falsa equivalência, ou seja, comparar uma situação com outra sem que exista uma correlação. “Existe uma imensa distorção maldosa de situações diferentes para que, aparentemente, tenham uma equivalência, quando na verdade não tem essa igualdade de situações.”

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou o perfil @mspbra por e-mail e mensagens no Twitter e Facebook, mas não houve retorno até a publicação desta checagem. Conteúdos publicados pelo perfil já foram alvo de checagem do Comprova em outras ocasiões, como quando o projeto mostrou ser falso que Lula tenha reconduzido Nestor Cerveró a cargo na Petrobras e que fila de pacientes em unidade de saúde em Natal não tem relação com o Bolsa Família.

O que podemos aprender com esta verificação: Muitas vezes, desinformadores utilizam informações técnicas e restritas a uma área específica, como a jurídica, para tentar confundir o público. Nesses casos, procure entender qual o contexto da situação apresentada e qual a opinião de especialistas sobre o assunto. Em casos como o desta verificação, que utiliza manchetes de matérias jornalísticas, é possível fazer uma pesquisa pelas reportagens para ler a notícia completa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Os ministros do STF, assim como decisões do órgão, são alvos frequentes de peças de desinformação. O Comprova mostrou recentemente, por exemplo, que vídeo de Randolfe Rodrigues pedindo impeachment de ministros do STF é de 2019 e que não há evidências de que denúncia contra desembargador mineiro e grampo envolvendo Moraes tenham beneficiado Lula.

Política

Investigado por: 2023-07-31

Brasil se comprometeu a diminuir a emissão de gás metano e não a reduzir produção agropecuária, como afirma post

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte de deputado engana ao afirmar que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concordou em assinar documento que compromete o Brasil a cortar sua produção agropecuária nos próximos anos. A declaração citada na publicação é sobre a redução de emissões de gás metano e não sobre redução de produção. Além disso, o compromisso foi firmado durante a COP26, em novembro de 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Conteúdo investigado: Tuíte em que o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) afirma: “Representantes do governo Lula concordaram em assinar um documento que compromete o país a cortar sua produção agropecuária nos próximos anos”. No post, há link para um texto intitulado “Globalistas convencem Brasil a reduzir produção de carne para combater aquecimento”.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganoso tuíte que afirma que “representantes do governo Lula concordaram em assinar um documento que compromete o país a cortar sua produção agropecuária nos próximos anos”. A postagem no Twitter também compartilha o link para uma publicação que cita um termo de compromisso assinado pelo Brasil e outros 12 países. A nota faz referência a um outro site, da ONG The Global Methane Hub, onde o leitor pode se informar sobre o termo de compromisso. Diferentemente do que diz o post e o texto para o qual o tuíte conduz o leitor, o governo federal não se comprometeu a cortar sua produção agropecuária.

O documento assinado pelo Brasil em abril deste ano reforça o compromisso do país, firmado dois anos antes, de reduzir a produção de gás metano, mas, em nenhum momento, há menção sobre diminuir a produção agropecuária. A ideia, segundo o texto, é que novas tecnologias sejam usadas para que a agropecuária, responsável por um grande volume de emissão de metano, minimize esse impacto ao meio ambiente.

Como diz o documento, o chamado para que países tomassem “ações voluntárias para contribuir com o objetivo coletivo de reduzir as emissões de metano em pelo menos 30% até 2030” foi feito em novembro de 2021, durante a COP26. Foi quando o Brasil, ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), assinou o Compromisso Global sobre Metano.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 31 de julho de 2023, a publicação no Twitter somava 207 mil visualizações, 6,4 mil curtidas, 2,3 mil compartilhamentos e 290 comentários.

Como verificamos: O link da ONG The Global Methane Hub, inserido no conteúdo enganoso, deu informações para que a reportagem iniciasse a busca pelas considerações corretas. Publicado em 17 de maio, o texto cita que o Brasil e mais 12 nações assinaram anteriormente um termo de compromisso. Entre os países, está Burkina Faso. Ao buscar por termos como “acordo”, “Brasil e Burkina Faso” no Google, o resultado mostrou o termo de compromisso, de 14 de abril.

A partir daí, a equipe pesquisou sobre redução de gás metano e o Brasil em reportagens e sites oficiais e tentou contato com o Ministério da Agricultura e com o autor do tuíte, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

O termo assinado pelo Brasil em abril

Em 13 e 14 de abril deste ano ocorreu em Santiago, no Chile, o evento First Ministerial Conference on Low Emission Food Systems (Primeira Conferência Ministerial sobre Sistemas Alimentares de Baixa Emissão, em tradução livre). O Brasil foi um dos 23 países participantes e um dos 13 que assinaram a declaração “Enfrentando o desafio de reduzir o metano na agricultura”.

O documento fala sobre as mudanças climáticas e o papel da agricultura sustentável, “fundamental para o desenvolvimento e a segurança alimentar em um planeta onde 10% da população global enfrenta a fome”. Nele, os signatários se comprometem com dez ações, mas em nenhuma delas há menção ao corte da produção agropecuária ou algo semelhante.

Entre as ações propostas, estão “avaliar o estado atual das políticas públicas e investimentos no setor e, quando apropriado, redirecionar esforços para aprimorar a inovação e apoiar agricultura, considerando elementos de economia circular, transição justa e tomando uma decisão” e “facilitar e promover as condições favoráveis ​​para a implantação de programas baseados na ciência prática, inovação e tecnologias em linha com a produção sustentável de alimentos e agricultura através do desenho e implementação de programas de adaptação às mudanças climáticas e políticas de mitigação”.

O texto, inclusive, destaca que a declaração “não implicará na adoção de medidas restritivas unilaterais ao comércio, coerentes com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC)”.

Compromisso do Brasil na COP26

A declaração assinada pelo Brasil em abril menciona outro documento que o país também referendou, o Compromisso Global sobre Metano.

Em novembro 2021, durante a COP26, em Glasgow, na Escócia, foi lançada a iniciativa Global Methane Pledge (GMP; Compromisso Global sobre Metano, em tradução livre), convidando os países a tomarem ações voluntárias para contribuir com o objetivo coletivo de reduzir as emissões de metano em pelo menos 30% até 2030, em comparação com os níveis de 2020.

Nesta ocasião, o Brasil, ainda no governo Bolsonaro, assumiu outros compromissos. O primeiro, de reduzir 50% de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030, usando como linha de base o ano de 2005 e como referência o Quarto Inventário Nacional de Emissões. O outro, em relação à Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, que estabeleceu o objetivo principal de acabar com o desmatamento até 2030.

O terceiro compromisso, e o que mais nos interessa nesta verificação, é o já citado acima Compromisso Global sobre Metano, estabelecendo o objetivo de reduzir as emissões de gás metano em 30% até 2030.

O gás metano

Uma avaliação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e da Coalizão Clima e Ar Limpo, divulgada em 2021, mostra que o metano é o principal contribuinte para a formação do ozônio ao nível do solo, sendo um poluente perigoso do ar e gás de efeito estufa. Conforme a pesquisa, a agricultura é fonte predominante do gás metano, principalmente em razão das emissões de animais, como o esterco, responsável por 32% do metano liberado no meio ambiente.

O gás metano também surge por meio de outras fontes, como o processo de produção de combustíveis fósseis (gás e carvão). Entretanto, o impacto é muito inferior em comparação ao que é gerado pela agropecuária.

Ainda conforme a pesquisa, um dos principais motivos para a preocupação em relação ao metano é o fato de ele ser o responsável por cerca de 30% do aquecimento global desde a época pré-industrial.

O metano (CH4) é o segundo gás que mais impacta o aquecimento global, perdendo para o CO2. Uma pesquisa do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), a Análise das Emissões Brasileiras de Gases De Efeito Estufa 2020, mostra que a emissão global de CO2 em 2020 foi de 52 bilhões de toneladas e a de metano, 364 milhões.

Os dados reforçam que o setor que mais emite metano no Brasil é a agropecuária, com 72% das emissões, por meio de processos como a digestão do gado, ou o “arroto do boi”, que responde por metade das emissões do país.

Brasil não se comprometeu a reduzir produção agropecuária

O assunto sobre a importância de reduzir a produção do metano como forma de combater o aquecimento global, escancarando, sobretudo, o impacto causado pela agropecuária, tem sido amplamente divulgado e repercutido na mídia nacional e internacional. Desse modo, o acúmulo dessas informações constrói uma narrativa que permite realizar a seguinte interpretação: se houver redução da produção agropecuária, pode-se reduzir o gás metano.

Entretanto, destaca-se que o Brasil não se comprometeu em reduzir a produção agropecuária. Além disso, o estudo da PNUMA aponta para outras possibilidades de soluções, como a mudança de alimentação dos animais, o uso de tecnologias inovadoras para a produção e, até mesmo, a identificação de novas formas de administrar o esterco, usando-o para outras finalidades.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o autor do tuíte, mas não houve retorno até o fechamento desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que peças de desinformação, para somar evidências verossímeis as suas alegações, direcionem os leitores a publicações na internet que se parecem com sites de notícias. Ao se deparar com esse tipo de publicação, sobretudo em casos de veículos desconhecidos, busque informações sobre a propriedade e localização do site, verifique se o site segue padrões de transparência como a publicação de seu expediente, endereço e telefone, se os autores dos artigos são nomeados ou se é possível consultar seus princípios editoriais e política de correção de erros. Nem todos os sites oferecem essas informações, mas a presença delas é um indicador que pode reforçar a confiança.

Ainda assim, tente fazer uma busca rápida na internet para encontrar informações que refutem ou confirmem a veracidade dos fatos em sites de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou outros conteúdos de desinformação afirmando que Lula quer prejudicar o agronegócio, como a publicação que afirma falsamente que ele teria dito que o agronegócio deveria ser eliminado da terra e o vídeo engana ao atribuir ao PT proibição de plantio de soja em Mato Grosso.

Contextualizando

Investigado por: 2023-07-28

Declaração de Élcio de Queiroz sobre ter sido “assessor do PT” em Nova Iguaçu é tirada de contexto nas redes sociais

  • Contextualizando
Contextualizando
Publicação no Twitter afirma que o ex-policial militar Élcio de Queiroz, um dos presos acusados pelo assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, trabalhou para o deputado federal Lindbergh Farias (PT) e que o PT não quer tocar no assunto. A investigação do Comprova mostra que Queiroz foi funcionário da prefeitura de Nova Iguaçu, entre 2008 e 2010, quando Lindbergh era prefeito. A afirmação foi feita pelo próprio Queiroz ao alegar não ter nada contra partidos de esquerda. O deputado reconhece que o ex-PM integrou o quadro de servidores da prefeitura, mas nega conhecê-lo pessoalmente. Em delação premiada, Queiroz não cita o nome de Lindbergh Farias e nem o PT. O nome do deputado federal não aparece nas investigações sobre os assassinatos.

Conteúdo investigado: Posts nas redes sociais afirmam que Élcio Vieira de Queiroz, que confessou participação nas mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, trabalhava para o deputado federal Lindbergh Farias (PT).

Onde foi publicado: Twitter e Facebook.

Contextualizando: Élcio Vieira de Queiroz afirmou em 2019, ao prestar depoimento para o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que havia sido “assessor do PT” em Nova Iguaçu (RJ) durante a gestão de Lindbergh Farias (PT), atualmente deputado federal.

A declaração foi feita enquanto ele alegava não ter nada contra partidos de esquerda, ao ser questionado sobre ter feito pesquisas online envolvendo colegas de partido de Marielle Franco (PSOL). A afirmação tem sido usada recentemente em posts que insinuam participação do político e do PT no crime investigado.

Queiroz foi funcionário da prefeitura de Nova Iguaçu, onde ocupou cargo em comissão de gerente de divisão na antiga Secretaria Municipal da Cidade (SEMCID), entre novembro de 2008 e fevereiro de 2010. O deputado reconhece que o ex-PM fez parte do quadro de servidores da prefeitura, mas nega conhecê-lo pessoalmente, argumentando que havia mais de 8 mil funcionários no município.

Em delação premiada firmada recentemente por Queiroz com a Polícia Federal (PF) e com o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), o ex-policial não cita o nome de Lindbergh Farias e nem o PT. Ao Comprova, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) informou que o deputado-federal não aparece nas investigações sobre os assassinatos.

Como o post pode ser interpretado fora do contexto original: O trecho do depoimento de Élcio de Queiroz, no qual ele cita Lindbergh Farias, vem sendo utilizado desde 2019 fora de contexto em posts que têm o intuito de associar o nome do deputado federal e o PT ao crime, embora nenhum deles apareça nas investigações. Uma nova onda de conteúdos desta natureza surgiu a partir das notícias da prisão do ex-sargento do Corpo de Bombeiros Maxwell Simões Corrêa, o Suel, e da delação premiada de Queiroz, em 25 de julho. Os posts desinformam ao compartilharem a informação do depoimento de Queiroz sem contextualizá-la no momento em que novidades sobre o caso estão sendo noticiadas.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com o perfil @Rpereir63156988 pelo Twitter e também não encontrou correspondência da conta em outras redes sociais.

Queiroz trabalhou na Prefeitura de Nova Iguaçu, mas deputado nega conhecê-lo

Em 2019, ao prestar depoimento ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Élcio de Queiroz afirmou não ter antipatia por governos de esquerda, informando ter sido, inclusive, “assessor do PT em Nova Iguaçu, quando o prefeito era Lindbergh”. Em seguida, ele elogiou o político. “Foi o melhor patrão que já tive, pagava muito bem seus funcionários, não tem nada que falar da esquerda.”

Conforme o Estadão, a fala de Queiroz sobre Lindbergh Farias é uma resposta a um questionamento do Ministério Público sobre os motivos que o levaram a pesquisar, com frequência, sobre colegas de partido de Marielle na internet. O acusado argumenta que era pelo fato de eles serem políticos no Rio de Janeiro e alega que também fazia buscas por representantes de outros partidos, acrescentando concordar com algumas pautas da esquerda.

Ainda em 2019, quando divulgado o teor do depoimento, Lindbergh Farias afirmou em sua conta no Twitter que Élcio de Queiroz nunca foi seu assessor e que não lembrava dele, acrescentando que iria verificar se o acusado havia trabalhado na prefeitura, mas adiantando que, de qualquer forma, a resposta seria irrelevante. O deputado apontou, ainda, que Queiroz teria postura direitista.

A prefeitura de Nova Iguaçu informou à reportagem que Elcio Vieira de Queiroz ocupou cargo em comissão de gerente de divisão na antiga Secretaria Municipal da Cidade (SEMCID), entre novembro de 2008 e fevereiro de 2010, quando Lindbergh Farias era prefeito, com salário bruto de R$ 1.276,99.

No dia 26 de abril, ao discutir com o deputado bolsonarista André Fernandes (PL-CE) durante a sessão que criou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) de 8 de janeiro, o deputado reconheceu que Queiroz foi funcionário na administração dele em Nova Iguaçu, mas alegou nunca tê-lo visto.

Ao Comprova, o deputado informou que Queiroz trabalhou na prefeitura, e não para o PT, em decorrência de um programa que fazia a contratação direta de policiais, em seus horários de folga, para fazerem policiamento no centro da cidade. “Nunca conversei com esse cara, não conheço ele (…). Nova Iguaçu tem mais de 8 mil funcionários, é uma cidade de 1 milhão de habitantes”, declarou.

O Comprova questionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a Polícia Federal e a Polícia Civil do Rio de Janeiro se o político é ou foi considerado suspeito no caso em algum momento. A assessoria de imprensa do MJSP informou que o nome de Lindbergh Farias não aparece nas investigações. Os demais órgãos não responderam.

Em 18 de abril, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os familiares das vítimas deveriam ter acesso ao inquérito sigiloso que tenta chegar aos mandantes do crime. A reportagem procurou advogados que acompanham a família de Anderson, questionando se eles já acessaram o conteúdo e, caso sim, se há qualquer menção a Lindbergh entre os investigados, mas eles não retornaram.

O mesmo foi feito junto à assessoria da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que representa a família de Marielle. O órgão informou ao Comprova não poder passar esse tipo de informação por se tratar de um processo que corre em sigilo.

Também foram procurados os advogados que fizeram a defesa de Queiroz, mas eles não responderam às mensagens. No último dia 24, o escritório que o representava emitiu uma nota informando ter deixado o caso após o ex-PM firmar delação premiada com a Justiça, ato que os advogados desconheciam.

O que se sabe sobre as mortes de Marielle e Anderson até agora?

No início de 2023, cinco anos após o crime, apenas Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz estavam presos, apontados como executor do crime e o motorista, respectivamente. Ainda sem respostas sobre a motivação e quem seria o mandante, o ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino requisitou que a Polícia Federal no Rio abrisse um inquérito para dar continuidade às investigações, que eram até então de responsabilidade da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

No dia 24 de julho, a PF e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) prenderam o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, na Operação Élpis. Esta foi a primeira operação desde quando a PF assumiu a investigação.

No mesmo dia, foi noticiada a delação premiada firmada entre Queiroz e o Ministério Público, homologada pela Justiça. Negando envolvimento no crime desde 2019, ele decidiu confessar a participação na execução da ex-vereadora e do motorista dela. Queiroz informou que dirigia o veículo usado no duplo homicídio, além de ter participado do planejamento do ato.

Segundo o ex-PM, no dia do crime, ele recebeu uma mensagem de Lessa ao meio-dia dizendo que precisaria que dirigisse para o policial reformado à noite.

Depois, os dois se encontraram na casa de Lessa às 17h e saíram em seguida, no carro do amigo, seguindo até uma rua sem saída, onde entraram em um Chevrolet Cobalt prata.

Com esse veículo eles seguiram para o Centro e passaram a acompanhar os passos de Marielle. Entre 21h09 e 21h12, diz a confissão, eles emparelharam o carro junto ao que estava a vereadora e Ronnie disparou os tiros.

Segundo a delação, a submetralhadora MP5 utilizada no crime supostamente foi extraviada de um incêndio no Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, nos anos 1980.

Quem é Élcio de Queiroz

Élcio Queiroz é um ex-sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Ele foi expulso em 2015 por fazer segurança ilegal em uma casa de jogos de azar na capital fluminense. O ex-PM foi preso em março de 2019, um ano após os assassinatos da vereadora do Rio Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

De acordo com o Estadão, o ex-sargento tem um histórico de envolvimento com grupos paramilitares, conhecidos como milícias, no Estado. Foi um dos 45 integrantes das Polícias Civil e Militar do Rio presos na Operação Guilhotina por envolvimento em corrupção, participação em milícias, desvio de armas e venda de proteção a bicheiros, narcotraficantes e contrabandistas. Na época, Queiroz atuava no 16º BPM, em Olaria, na Zona Norte.

Antes de ser preso pela PF na primeira vez, cerca de sete anos antes da execução de Marielle, Queiroz já era monitorado pelo setor de inteligência da Polícia Civil do Rio. Setores da polícia chegaram a informações, repassadas por uma fonte protegida, de que o ex-policial faria parte de um grupo de extermínio e atuaria como miliciano desde 1998, na região de Quitungo, Brás de Pina, Vila da Penha e Cordovil, bairros da Zona Norte.

Queiroz é amigo de Ronnie Lessa. Segundo a PF, os dois se conhecem há mais de 30 anos. Durante a infância e adolescência, Queiroz morava na mesma rua que a esposa de Lessa. Eles se conheceram quando Lessa começou a namorar a atual esposa e passou a frequentar o local. Desde então, a relação entre os dois só se fortaleceu. Eles voltaram a se encontrar nos quadros da PM.

Atualmente, o ex-policial militar está preso em uma unidade de segurança máxima do Complexo Penitenciário da Papuda. Ele foi transferido da Penitenciária Federal de Brasília na noite de 25 de julho. Antes disso, ele esteve preso em Porto Velho, em Rondônia.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 28 de julho, a publicação somava 42,8 mil visualizações e mais de 2 mil curtidas no Twitter.

Como verificamos: A partir da cobertura da imprensa e buscas nas redes sociais, o Comprova reuniu informações sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, a delação de Queiroz (Estadão, G1 e O Globo), além da relação do ex-PM com o deputado federal Lindbergh Farias (Estadão, O Globo e Twitter).

Também entrou em contato com as assessorias de imprensa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPE-RJ), que representa Marielle Franco, da prefeitura de Nova Iguaçu, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Por fim, o Comprova tentou conversar com o escritório que fazia a defesa de Élcio Queiroz e falou com o deputado Lindbergh Farias.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em 25 de julho, a agência Aos Fatos publicou um material explicando as principais novidades sobre o caso de Marielle e Anderson Gomes desde a delação de Queiroz.

Recentemente, o Comprova divulgou um conteúdo contextualizando um vídeo de 2019 do senador Randolfe Rodrigues pedindo impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e outro mostrando que fala de Ciro sobre fraude nas eleições de 2022 era crítica a Lula e Bolsonaro, e não denúncia contra sistema eleitoral.

Política

Investigado por: 2023-07-28

Mulher que beija cantor em vídeo não é Janja; primeira-dama estava na Bélgica

  • Sátira
Sátira
É uma sátira o post de um humorista que associa a primeira-dama Rosângela Lula da SIlva, a Janja, a um vídeo de duas pessoas se beijando em uma festa. As imagens foram gravadas em um evento realizado no dia 18 de julho, em São Paulo, quando ela cumpria agenda na Bélgica.

Conteúdo investigado: Post usa vídeo de mulher e homem se beijando acompanhado do texto “que isso primeira dama??”, sugerindo que a mulher que aparece na gravação seria a primeira-dama Janja Lula da Silva.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É uma sátira o post que circula nas redes sociais sugerindo que a primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, seja a mulher que aparece em um vídeo beijando um homem em uma festa. A cena foi gravada em um evento da produtora Love Funk, no espaço Villaggio Europeo, no bairro Mooca, em São Paulo, realizado em 18 de julho. Nessa data, Janja sequer estava no país.

De acordo com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), entre 16 e 19 de julho deste ano, a primeira-dama cumpria agenda na Bélgica, integrando a comitiva oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por ocasião da III Cúpula CELAC-União Europeia, realizada em Bruxelas. A confirmação consta no decreto publicado no Diário Oficial da União, em 25 de julho:

Em nota enviada ao Comprova, a Secom acrescentou que a participação de Janja nessa missão pode ser conferida em diversas publicações oficiais (site e Twitter da Presidência da República).

O homem que aparece no vídeo é o cantor do gênero brega Manoel Gomes, que ficou conhecido por criar a música “Caneta Azul”, que virou meme na internet. Neste vídeo, publicado no TikTok, é possível ler ao fundo o nome da produtora Love Funk, que promovia a festa, e o artista maranhense beijando várias mulheres no evento.

As imagens do post investigado foram divulgadas pelo youtuber Maicon Küster com a legenda “que isso primeira dama??”. Küster tem 1,9 milhão de seguidores no Twitter e mais de 3,9 milhões de inscritos em seu canal no YouTube. Antes de migrar para a internet, em 2014, Küster fazia shows de comédia em Balneário Camboriú (SC). Foi ao publicar um vídeo de humor no Facebook para divulgar uma dessas apresentações que ganhou fama nas redes sociais. Em entrevista a talk show do SBT, ele conta que o post viralizou. “Aí eu vi que eu era famoso na internet, as pessoas queriam me ver na internet.”

Nos comentários do tuíte verificado, alguns usuários passaram a questionar se a mulher seria mesmo Janja, enquanto outros se divertiram com a publicação.

O Comprova tentou contato com o humorista e youtuber, mas não obteve retorno. Também procurou a assessoria do cantor Manoel Gomes, que não respondeu até o fechamento desta checagem. Não foi possível identificar a mulher que aparece no vídeo beijando o artista.

Sátira, para o Comprova, são memes, paródias e imitações publicadas com intuito de fazer humor. O Comprova verifica conteúdos satíricos quando percebe que há pessoas tomando-os por verdadeiros.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 28 de julho de 2023, a publicação no Twitter somava 3,1 milhões de visualizações, 26,3 mil curtidas, mais de 2 mil compartilhamentos e 836 comentários.

Como verificamos: Para tentar encontrar a origem do vídeo, o Comprova pesquisou se havia outros em redes sociais que relacionavam Janja a um beijo ou a traição. Os buscadores, como no TikTok, completaram a pesquisa com os termos “Janja traindo Lula” e “Janja beijando Manoel Gomes”. O nome do cantor foi pesquisado por conta da legenda usada na peça de desinformação e também de comentários de usuários sobre ele.

A busca resultou em vídeos de Manoel Gomes em uma festa, beijando outras mulheres, além da que aparece nas imagens usadas pelo post investigado. Neste exemplo, há pistas de que o vídeo foi gravado em um evento da produtora Love Funk, relacionado a “10 milhões”.

Na sequência, o Comprova fez uma busca no Google por “festa 10 milhões Love Funk” e encontrou diversas publicações no YouTube, entre elas, uma com a entrevista de Manoel Gomes na festa, vestindo a mesma camisa xadrez com a qual aparece no trecho usado no tuíte.

Após a identificação do evento, foi possível descobrir a data e o local em que foi realizado.

O Comprova ainda entrou em contato com a Secom, com o cantor Manoel Gomes, com a Love Funk e com o autor da publicação.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova fez contato com o responsável pela publicação, mas não obteve resposta até a conclusão desta checagem. Embora a conta que fez o post se apresente como um espaço de entretenimento e recreação, alguns usuários estavam tomando o conteúdo como verdadeiro.

O que podemos aprender com esta verificação: Seja com o intuito de entreter ou de enganar, o uso de vídeos curtos sem a possibilidade de identificação das pessoas na cena pode gerar desinformação ao sugerir o envolvimento de celebridades ou de agentes públicos em determinada situação. Ao se deparar com vídeos em que não fica evidente a identidade das pessoas, desconfie.

Quando a participação de pessoas conhecidas é a razão da viralização de um vídeo, procure notícias sobre o caso em veículos de comunicação nos quais você confie e busque checar a informação através de plataformas de pesquisa, como Google, por exemplo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Janja já foi alvo de peças de desinformação verificadas. O Comprova desmentiu, por exemplo, que a primeira-dama teria dito que faz compras em libras enquanto a ex-primeira-dama Michele Bolsonaro fala Libras e que Janja teria incitado a morte de Jair Bolsonaro.

Contextualizando

Investigado por: 2023-07-27

Vídeo de Randolfe pedindo impeachment de ministros do STF é de 2019

  • Contextualizando
Contextualizando
Está fora de contexto o trecho de uma entrevista do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) publicada no Twitter. A declaração do parlamentar é de 2019. Na época, Rodrigues criticou os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e afirmou que ele e outros senadores iriam entrar com um pedido de impeachment contra Dias Toffoli e Alexandre de Moraes após a instauração do Inquérito das Fake News e a execução de medidas judiciais sem a participação do Ministério Público. Em entrevista ao Estadão Verifica em 2022, Randolfe esclareceu que na época da gravação do vídeo havia controvérsia do ponto de vista jurídico sobre a legalidade da instauração do inquérito e que, atualmente, acredita que a medida foi acertada.

Conteúdo investigado: Publicação de um vídeo do senador Randolfe Rodrigues fazendo críticas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. As declarações são parte de uma entrevista ao vivo concedida pelo parlamentar ao programa “Os Pingos nos Is”, da Jovem Pan News. O post carrega a seguinte legenda: “Randolfe atacando o ‘estado democrático de direito’ e as instituições! Caiu isso aqui!”.

Onde foi publicado: Twitter

Contextualizando: No vídeo gravado em 2019, Randolfe Rodrigues afirmou que ele e outros senadores iriam entrar com pedido de impeachment contra Dias Toffoli e Alexandre de Moraes após a instauração do Inquérito das Fake News e a execução de medidas judiciais sem a participação do Ministério Público. O pedido citava crimes de responsabilidade e abuso de poder por conta da abertura da investigação, determinada por Toffoli, e de operações de busca e apreensão feitas pela Polícia Federal, ordenadas por Moraes.

Em janeiro de 2021, o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), rejeitou todos os pedidos de impeachment contra ministros do STF apresentados na Casa.

Atual líder do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso, Rodrigues mudou de opinião sobre o inquérito, que tramita há mais de quatro anos. A apuração acabou investigando empresários, blogueiros e deputados ligados a Jair Bolsonaro (PL), além do próprio ex-presidente. Neste ano, passou a apurar também os atos antidemocráticos de 8 de janeiro em Brasília.

No ano passado, ao ser questionado sobre o tema, o parlamentar disse ao Estadão Verifica que, na ocasião da entrevista à Jovem Pan, em 2019, havia controvérsia do ponto de vista jurídico sobre a legalidade da instauração do inquérito e que, atualmente, acredita que a medida foi acertada.

Como o video pode ser interpretado fora do contexto original: O trecho publicado no Twitter é de uma entrevista concedida em 2019 e publicada agora, sem especificação de data nem contexto. Além de dar a entender que o conteúdo é atual, a publicação serve de argumento para afirmar que o senador está atacando o Estado Democrático de Direito e as instituições. Nos comentários, alguns perfis cobram uma ação enérgica do STF contra Randolfe Rodrigues e reclamam da disparidade de tratamento para o senador em comparação a indiciados pelos atos antidemocráticos.

O que diz o responsável pela publicação: Como o perfil @misteriouspavao não permite o envio de mensagens pelo Twitter, o Comprova buscou a conta em outras redes sociais e entrou em contato via Instagram. Não houve retorno até a publicação desta checagem.

Declaração de Randolfe Rodrigues

O senador Randolfe Rodrigues concedeu uma entrevista ao vivo ao programa “Os Pingos nos Is”, da Jovem Pan News, em 16 de abril de 2019. Parte dessa entrevista foi utilizada no post aqui verificado.

Na ocasião, o parlamentar criticou a instauração do Inquérito das Fake News – que tinha como objetivo investigar mensagens falsas e ataques virtuais contra ministros do STF – e a rejeição de Moraes ao arquivamento da investigação, solicitado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

“Não existe precedente na história do judiciário do mundo a instauração de um inquérito por um órgão, a investigação por este mesmo órgão, e o órgão vir a julgar. É um retrocesso completo, uma ofensa jurídica à ordem constitucional do Brasil”, disse, à época.

Rodrigues ainda afirmou que ele e outros senadores iriam solicitar o impeachment dos ministros por crimes de responsabilidade e abuso de poder, e que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o judiciário, conhecida como “Lava Toga”, era “inevitável”.

Inquérito das Fake News

Em 14 de março de 2019, o ministro Dias Toffoli, então presidente do STF, determinou a abertura de um inquérito para apurar a divulgação de mentiras e ataques contra integrantes da Suprema Corte e seus familiares. Para o posto de relator, indicou o ministro Alexandre de Moraes. À época, a medida gerou polêmica por ter sido implementada sem o envolvimento de autoridade policial ou da PGR e passou a ser alvo de críticas por membros do Congresso e do MPF.

No dia seguinte ao anúncio feito pelo presidente do STF, a então procuradora-geral, Raquel Dodge, encaminhou uma petição ao Tribunal, pedindo mais informações a Moraes sobre o objeto específico do chamado Inquérito das Fake News e sugerindo que a medida poderia afetar a imparcialidade do Supremo. “O Poder Judiciário, fora de hipóteses muito específicas definidas em lei complementar, não conduz investigações, desde que foi implantado o sistema penal acusatório no país, pela Constituição de 1988”, diz trecho do documento assinado por Dodge.

No mês seguinte, em 16 de abril, após o cumprimento de mandados judiciais e sem respostas por parte da Corte, a procuradora-geral manifestou-se pelo arquivamento do inquérito: “O ordenamento jurídico vigente não prevê a hipótese de o mesmo juiz que entende que um fato é criminoso determinar a instauração da investigação e designar o responsável por essa investigação.”

Foi nesse contexto, que o senador Randolfe Rodrigues concedeu a entrevista ao programa “Os Pingos nos Is”, da Jovem Pan News. Na declaração feita, ele manifesta apoio ao posicionamento de Dodge e, na sequência, anuncia a intenção de entrar com um pedido de impeachment contra o ministro relator do inquérito e o presidente do STF.

Mesmo após posicionamento contrário da procuradora-geral e das críticas por parte de congressistas, Moraes decidiu manter a apuração, que foi prorrogada. Meses depois, em setembro de 2019, Augusto Aras assume o lugar de Dodge à frente da PGR e, diferentemente da sua antecessora, considera legal a abertura do inquérito pela Suprema Corte, desde que a apuração fosse acompanhada pelo Ministério Público.

Em 18 de junho de 2020, após uma ação apresentada pela Rede Sustentabilidade no ano anterior, o plenário do STF decidiu, por 10 votos a 1, em favor da legalidade do inquérito.

Já em agosto de 2021, após uma série de operações contra aliados do então presidente, Jair Bolsonaro, suspeitos de disseminação de mentiras, Moraes determinou a inclusão do mandatário como investigado no Inquérito das Fake News. O objeto da apuração seriam os ataques, sem provas, feitos por Bolsonaro às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral do país. Filhos de Bolsonaro e aliados políticos também são investigados.

Em março deste ano, o inquérito, que tramita em segredo de Justiça, completou quatro anos. Ao longo do tempo, a apuração resultou, por exemplo, no bloqueio de mais de cem perfis nas redes sociais, inclusive de parlamentares. Os atos antidemocráticos de 8 de janeiro em Brasília deram ainda mais força à investigação, que não tem data prevista para encerramento.

CPI Lava Toga

Entre fevereiro e agosto de 2019, houve três tentativas de emplacar no Senado a chamada “CPI Lava Toga“, para investigar supostos abusos do judiciário, em especial dos ministros do STF.

A primeira ocorreu em 11 de fevereiro, mas a proposta foi arquivada após a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) e os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Eduardo Gomes (MDB-TO) retirarem suas assinaturas de última hora.

Em março de 2019, o senador Alessandro Vieira (então no PPS e atualmente no MDB-SE) conseguiu as 27 assinaturas necessárias para a criação da CPI, mas o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre, decidiu pela rejeição da instalação da comissão. Alcolumbre encaminhou sua deliberação à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que decidiu pelo arquivamento do pedido de criação da CPI. O placar da votação foi 19 votos favoráveis, sete contrários e nenhuma abstenção.

A terceira tentativa do senador Alessandro Vieira de instalar a CPI se deu em agosto de 2019. As 27 assinaturas foram atingidas no mesmo mês. Em setembro, no entanto, a proposta passou a perder o apoio de parlamentares e o pedido acabou não sendo protocolado.

Posicionamento atual de Randolfe Rodrigues sobre o inquérito

Comentários no vídeo investigado criticam a mudança de posicionamento do senador, que é o atual líder do governo Lula no Congresso, em relação ao Inquérito das Fake News. Isso porque a sindicância acabou investigando empresários e blogueiros ligados a Bolsonaro, além de empresários e deputados de sua base mais fiel.

Em abril de 2022, Randolfe Rodrigues disse ao Estadão Verifica que, na ocasião da entrevista à Jovem Pan, havia controvérsia do ponto de vista jurídico sobre a instauração do inquérito e que, atualmente, acredita que a medida estava correta. “Hoje, esse inquérito das fake news e o dos atos antidemocráticos, são os últimos instrumentos de defesa da democracia brasileira e de combate às hostes criminosas de Bolsonaro e de seus lacaios.”

O Comprova procurou a assessoria de imprensa de Rodrigues, que informou que o parlamentar está em agenda no Amapá. Por isso, até o fechamento da verificação, não foi possível obter uma resposta do senador.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 26 de julho, o vídeo somava 29,4 mil visualizações, 2,6 mil curtidas e 1,1 mil compartilhamentos.

Como verificamos: A partir de uma pista identificada no próprio vídeo, que, na parte de baixo, exibe o título “Ovos de Páscoa estão, em média, 40% mais caros do que em 2018”, o Comprova deduziu que a gravação seria de 2019. Também identificou no próprio vídeo compartilhado a logomarca da emissora e o nome do programa que veiculou a entrevista.

Na sequência, fez uma busca no Google pelos termos “Randolfe Rodrigues”, “2019”, “abril”, “inquérito das Fake News” e “Jovem Pan”, que resultou na notícia publicada à época.

Em seguida, o Comprova reuniu informações sobre o tema com base em conteúdos publicados pela imprensa profissional e checagens de agências como Estadão Verifica e AFP.

Por fim, entrou em contato com o senador Randolfe Rodrigues e com o responsável pela publicação do conteúdo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Vídeos dos senadores Randolfe Rodrigues e Alessandro Vieira criticando os ministros do STF em 2019 circulam sem contexto pelo menos desde o ano passado, como mostram as checagens do Comprova, Estadão Verifica e AFP.

Recentemente, o Comprova checou que não há evidências de que denúncia contra desembargador mineiro e grampo envolvendo Moraes tenham beneficiado Lula, que vídeo engana ao usar súmula do STF para dizer que Reforma Tributária seria inconstitucional e que ministro Fachin não é dono de prédio em Santa Catarina.

Política

Investigado por: 2023-07-26

ONG Rede 13 não foi criada por filha de Lula nem recebeu dinheiro do governo

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa postagem que acusa Lurian da Silva, filha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de ter criado em 2013 a ONG Rede 13 e ter se apropriado de R$ 7 milhões do governo federal. Lurian trabalhou na ONG como diretora, mas não existe processo contra ela envolvendo a acusação. A Controladoria-Geral da União (CGU) informou que não há registros de transferências de recursos federais para a entidade. As suspeitas sobre a ONG existem desde 2006, mas uma investigação em CPI não encontrou nada contra a instituição. Já o valor de R$ 7 milhões foi uma invenção satírica de um colunista em 2006.

Conteúdo investigado: Imagem mostra o presidente Lula acompanhado do ex-prefeito de Maricá (RJ) Washington Quaquá e de Lurian Cordeiro Lula da Silva. Sobre a foto está escrito: “Lurian, filha do Lula, criou em 2003 a Rede 13, ONG para arrecadar alimentos para os pobres. Após receber repasse de 7 milhões do Governo Federal, embolsou o dinheiro e fechou a ONG. Os pobres ficaram sem a comida.”

Onde foi publicado: Facebook.

Conclusão do Comprova: Post engana ao dizer que Lurian Cordeiro Lula da Silva, primogênita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teria “embolsado” R$ 7 milhões em dinheiro público federal através da organização não governamental Rede 13, que teria sido criada por ela para, supostamente, arrecadar comida para pessoas pobres. Não há provas que sustentem tais afirmações.

A verificação do Comprova não localizou processo na Justiça que envolva Lurian e a Rede 13. Para isso, a reportagem fez buscas no site JusBrasil, plataforma da área jurídica que coleta informações e permite acesso a movimentações de processos e decisões judiciais de forma integrada. Também entrou em contato com o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina e a Controladoria-Geral da União (CGU). Nenhum desses órgãos encontrou processos contra Lurian.

Uma representação contra a filha de Lula foi aberta no Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) em setembro de 2021, mas foi arquivada porque a CGU informou ao MPSC que não havia registros de transferências de recursos federais para a entidade.

O Comprova também consultou o Portal da Transparência do governo federal e a plataforma Siga Brasil do Senado, que reúne informações sobre o orçamento da União, e não encontrou repasses ou convênio feitos entre a ONG e o governo.

A Rede 13 chegou a ser alvo de investigação no Congresso Federal durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, que apurou repasses federais a organizações entre 1999 e abril de 2009.

Concluída em 2010, a comissão não atestou irregularidades envolvendo a Rede 13. Na época, Jorge Lorenzetti, militante do Partido dos Trabalhadores que ajudou a criar a entidade, chegou a depor e mencionar que a ONG havia sido extinta em agosto de 2003, menos de um ano depois de ser criada, sem ter celebrado convênio ou recebido recursos. Ele afirmou que a decisão pelo fim da Rede 13 ocorreu após análise de que seu objetivo era similar ao que já faziam os conselhos nacionais de segurança alimentar e nutricional.

Na Receita Federal, a ONG estava registrada no nome de Eurides Mescolotto, político petista que foi presidente do Banco do Estado de Santa Catarina. A data da baixa da organização na Receita é 28 de setembro de 2004.

Em entrevistas concedidas à imprensa em 2003, Lurian afirmou à Folha que era diretora de projetos sociais da Rede 13 e que fazia parte da articulação do Fome Zero. À revista IstoÉ, em 2009, ela negou ter sido dona da ONG, mas confirmou ter atuado de forma voluntária na organização por alguns meses.

Nesse mesmo ano, o ex-senador Heráclito Fortes (PFL-PI) mencionou um suposto desvio que teria sido promovido pela ONG. Ele disse que os apoiadores do presidente Lula usavam o codinome “Amigos de Plutão” para se referir à Rede 13, com o objetivo de esconder o fato de que a ONG gerenciada por Lurian teria desviado R$ 7,5 milhões. Contudo, o termo “Amigos de Plutão” e o recurso que a ONG teria recebido foram uma criação do colunista Carlos Chagas, em um texto satírico, publicado em 2006. Chagas reconheceu a confusão e se retratou posteriormente.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 25 de julho, a publicação tinha 227 compartilhamentos, 152 curtidas e 215 comentários.

Como verificamos: O Comprova realizou pesquisa com os termos “Lurian”, “Rede 13” e “desvio”, que resultou em reportagens e postagens sobre o tema da verificação. Desde 2013, as publicações são em tom alarmista e sem apresentar provas sobre as acusações. Foi possível encontrar links de entrevistas com Lurian, já que ela foi questionada sobre o tema diversas vezes. Como o caso teria acontecido entre 2003 e 2006, foram feitas buscas em jornais impressos através da hemeroteca online da Biblioteca Nacional.

Dados sobre a situação da ONG foram buscados junto à Receita Federal. Já informações referentes à situação atual da filha de Lula foram encontradas no site da transparência do Senado Federal. Os sites JusBrasil, Escavador, o portal da transparência do governo federal e a plataforma Siga Brasil também foram consultados. Por último, as assessorias do TRF4, além do MPF em Santa Catarina e da CGU também foram consultadas.

Quem é Lurian

Lurian Cordeiro Lula da Silva é a filha mais velha do presidente Lula. Ela ficou conhecida na política nacional durante as eleições de 1989. Na reta final da campanha presidencial, o candidato Fernando Collor exibiu um depoimento da enfermeira Miriam Cordeiro, mãe de Lurian, acusando seu ex-namorado, o também candidato Lula, de incitá-la a fazer um aborto. Lurian, então com 15 anos, defendeu o pai na televisão.

Desde 2019, Lurian é servidora do Senado Federal em cargo comissionado de assistente parlamentar. Ela atua no gabinete do senador Rogério Carvalho (PT-SE) e a nomeação foi noticiada pela imprensa. Segundo a folha de pagamento de junho de 2023, ela ganha R$ 14.304,00 de salário bruto.

O que é a Rede 13

A Rede 13 foi criada na época das eleições 2002, conforme disse um dos seus idealizadores Jorge Lorenzetti. Notícia veiculada na Agência Brasil mostra o evento de lançamento da ONG no dia 25 de março de 2003 em Florianópolis, Santa Catarina. Ela tinha como presidente Lamir Vaz. Lurian era diretora da entidade.

Na Receita Federal, o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Rede 13 foi criado no dia 12 de dezembro de 2002, como associação privada, e teve baixa em 28 de setembro de 2004 por “Extinção por encerramento por liquidação voluntária”.

Em depoimento na CPI das ONGs, em 2008, um dos fundadores do PT e ex-dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) Jorge Lorenzetti afirmou que a Rede 13 foi idealizada como ONG, mas teve fim em pouco tempo porque sua atuação se confundia com a dos Conselhos Estaduais de Assistência Social (Conseas), criados naquela época. No programa Fome Zero, eram os conselhos que faziam parceria com o governo federal. Segundo ele, a ONG perdeu importância nessas circunstâncias.

Ao ser questionado sobre as contas da ONG, ele disse que não havia débitos e que os balancetes e extratos das contas haviam sido enviados à Receita na ocasião do cancelamento do CNPJ.

Ao Comprova, o MPF em Santa Catarina disse que a CGU confirmou que não havia registro da transferência de recursos federais para a Rede 13.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o responsável pela publicação, mas ele não respondeu até a conclusão desta checagem.

O que podemos aprender com esta verificação: Desinformadores utilizam notícias, imagens e conteúdos em geral para confundir o público que acessa as redes sociais. Políticos e seus familiares são alguns dos alvos de perfis que atuam para prejudicar adversários e incentivar o compartilhamento de conteúdos falsos. É importante averiguar a autoridade de um perfil para tratar sobre os temas que divulga. Saber, por exemplo, se esse perfil é de alguém que tenha proximidade com fontes, que trabalhe numa área ou função que permita ter acesso aos conteúdos que publica ou se a formação do titular do perfil tem relação com o tema da publicação. Se isso não estiver claro, use um buscador na internet para encontrar notícias veiculados sobre o assunto por meios de comunicação de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou conteúdos envolvendo os filhos do presidente. No ano passado, mostrou ser falso um vídeo que tentava ligar filho de Lula a Petrobras e a aumento de combustíveis. Em 2021, comprovou que vídeo não era de fazenda de filho do petista.