O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2023-10-04

Ministro não pediu anulação de eleições para conselhos tutelares porque “a direita venceu”

  • Enganoso
Enganoso
Não é verdade que o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, queira anular parte das eleições para o Conselho Tutelar no país porque a “direita venceu em muitos lugares", como sugerem postagens nas redes sociais. O ministro irá acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público (MP) contra as eleições indiretas realizadas em três cidades, onde a escolha não foi aberta à população local, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Conteúdo investigado: Post do deputado federal Mario Frias (PL-SP) com foto do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e, sobre a imagem, as frases: “Ministro de Lula quer anular parte das eleições dos conselhos tutelares: ‘Vamos acionar MP e TCU'”, creditada ao site Terra Brasil Notícias, e “Motivo: direita venceu em muitos lugares”.

Onde foi publicado: Instagram, Facebook e Telegram.

Conclusão do Comprova: É enganosa a alegação feita pelo deputado federal Mario Frias (PL-SP) de que o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, quer anular parte das eleições para o Conselho Tutelar no país porque a “direita venceu em muitos lugares”. O ministro sinalizou, conforme mostrou o G1, que irá, de fato, acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público para contestar parte dos resultados do pleito, mas isso não tem relação com a suposta vitória de candidatos de direita e, sim, com irregularidades na votação.

Almeida anunciou que vai contestar as eleições indiretas para o Conselho Tutelar realizadas nas cidades de Uberlândia (MG), Rio Largo (AL) e Santana do Ipanema (AL), onde a escolha dos conselheiros aconteceu a partir de um colegiado, e não pelo voto direto da população.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê, desde 2012, que a escolha dos membros de cada Conselho Tutelar seja feita pela população local de cada município, o que é reiterado pela Resolução nº 231 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), do ano passado. Essa informação foi destacada pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania em nota publicada à imprensa na segunda-feira (2). O comunicado emitido pela pasta não menciona que Almeida irá acionar o Tribunal de Contas da União, como alegam as postagens.

Ao Comprova, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania afirmou que não há qualquer levantamento oficial sobre o perfil político e/ou religioso dos candidatos escolhidos para cada Conselho Tutelar. Na eleição, é proibido o uso da estrutura e do financiamento de partidos políticos.

A Comissão da Infância e Juventude da Comissão da Infância, Juventude e Educação (CIJE) do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que orienta as promotorias na fiscalização da eleições, informou à reportagem que não possui informações sobre eventual inclinação político-partidária dos candidatos eleitos para os Conselhos Tutelares e desconhece qualquer levantamento nesse sentido. Além disso, comunicou não ter identificado a anulação de qualquer pleito em razão do perfil ideológico dos eleitos.

Embora os órgãos oficiais não contem com informações sobre o perfil político-partidário dos eleitos para o Conselho Tutelar de cada cidade, a imprensa noticiou que grupos conservadores se mobilizaram para levar mais eleitores às urnas. Uma reportagem do jornal O Globo desta quarta-feira (4) mostra que nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo a direita conseguiu eleger mais representantes do que a esquerda nas eleições para os conselhos tutelares. A reportagem não realizou o mesmo levantamento em outras cidades do Brasil.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Antes de ser excluída do perfil do deputado Mario Frias no Instagram, a publicação aqui verificada recebeu mais de 500 mil curtidas e contava com 9,1 mil comentários até 3 de outubro. A mesma imagem foi publicada no Facebook do parlamentar e, até o fechamento dessa verificação, contava com mais 500 curtidas, 74 comentários e 226 compartilhamentos.

No Telegram, uma postagem que menciona a publicação do deputado tinha 3 mil visualizações até dia 4 de outubro.

Como verificamos: Em uma busca no Google pelos termos “governo quer anular eleições do Conselho Tutelar”, o Comprova encontrou publicações da Secretaria de Comunicação Social e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) que explicam a alegação de que o ministro Silvio Almeida teria pedido a anulação de parte das eleições para os conselhos tutelares no país, realizadas no último domingo (1º).

Em seguida, o Comprova entrou em contato com o MDHC e com o CNMP para questioná-los sobre as vinculações político-partidárias dos candidatos eleitos para os conselhos tutelares. A verificação também procurou o deputado federal Mario Frias, que não respondeu ao contato.

O Comprova também buscou a publicação original do Terra Brasil à qual o post do deputado fazia menção. O texto é praticamente o mesmo de uma nota do colunista Lauro Jardim no jornal O Globo, mas com um título diferente, que faz menção a uma suposta fala do ministro Silvio Almeida. A publicação do Terra Brasil ainda cita no fim “O Globo”, o que indicaria a fonte das informações.

Pedido de anulação não tem relação com o resultado

No último domingo, cerca de 1,6 milhão de brasileiros compareceram às urnas para escolher os representantes dos conselhos tutelares pelos próximos quatro anos. Na maioria dos municípios, a votação ocorreu com participação direta da população. No entanto, as cidades de Uberlândia, Rio Largo e Santana do Ipanema usaram o modelo indireto, no qual um colegiado elege os nomes que estarão à frente do órgão, o que contraria o ECA e uma resolução do Conanda.

O ECA define, pelo Art. 132, que os membros do Conselho Tutelar de cada cidade sejam “escolhidos pela população local”. Essa redação foi incorporada ao texto por uma lei sancionada em 25 de julho de 2012. Desde então, os municípios adequaram as eleições para serem diretas.

Já a resolução 231 do Conanda, de 28 de dezembro de 2022, com texto disponível para consulta no site do governo federal, estabelece no inciso I do Art. 5º que os membros de cada Conselho Tutelar devem ser eleitos por “processo de escolha mediante sufrágio universal e direto, pelo voto uninominal facultativo e secreto dos eleitores do respectivo município”.

O ministro Silvio Almeida informou então que vai acionar a AGU e o MP para que os municípios realizem eleições diretas para a escolha dos representantes, reforçando que o modelo indireto contraria o ordenamento jurídico vigente.

“O povo, nessas regiões, não foi convocado a comparecer às urnas para votar e escolher seus conselheiros e conselheiras tutelares. Nestes casos, um colegiado é formado para decidir o pleito. Tal forma de votação contraria totalmente o ECA e a Resolução nº 231 do Conanda”, informou o ministério por meio de nota.

Em Uberlândia, 15 conselheiros tutelares foram eleitos por meio do voto de representantes de 156 entidades credenciadas pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). O pleito é regido pela Lei Ordinária Municipal 9903/2008, que prevê que “somente as entidades credenciadas no CMDCA, que trabalham em ações destinadas à criança e ao adolescente” poderão participar do processo de escolha. À TV Integração, a promotora de Justiça da Infância e da Juventude de Uberlândia, Aluísia Beraldo Ribeiro, afirmou que acompanhou o processo de votação e não observou irregularidades.

Já nas cidades que optaram pelas eleições indiretas em Alagoas, o Ministério Público do estado questiona a falta de participação popular. Assim como em Uberlândia, os municípios de Rio Largo e Santana do Ipanema se baseiam em leis municipais para estabelecer a votação indireta. O MP, no entanto, argumenta que uma lei municipal não pode se sobrepor à lei federal.

Não há dados sobre perfil político de eleitos

A publicação do deputado federal afirma que o suposto pedido de anulação teria ocorrido porque “direita venceu em muitos lugares”, mas não há dados que sustentem tal afirmação.

A eleição de cada Conselho Tutelar é de responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de cada município do país, conforme prevê o Art. 139 do ECA. Esses conselhos organizadores dispõem de autonomia entre si e não têm um levantamento integrado do perfil dos vencedores de cada eleição.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, ao qual o Conanda está vinculado, reforçou, em nota ao Comprova, que não há qualquer levantamento oficial sobre o perfil político e/ou religioso dos candidatos escolhidos como membros de cada Conselho Tutelar do país.

A resolução 231 do Conanda ainda inibe vinculações político-partidárias nas eleições para o Conselho Tutelar. O regramento não proíbe um candidato de ser filiado a um partido político ou de declarar sua orientação política, mas veta o uso da estrutura e do financiamento de partidos políticos nas candidaturas, o que configura abuso do poder político-partidário, com sanções previstas pelo inciso V do parágrafo 7º do Art. 8º.

Em agosto, o CNMP reforçou isso em uma publicação que orienta o Ministério Público de cada estado a fiscalizar as eleições de Conselho Tutelar, responsabilidade também prevista pelo Art.139 do ECA.

A 2ª edição do Guia de Atuação do Ministério Público menciona, na página 52, ser “adequado que o CMDCA [de cada município] expeça Resolução com o escopo de evitar a vinculação político-partidária das candidaturas, bem como a utilização dos partidos políticos para favorecer candidatos ao Conselho Tutelar.”

Ao Comprova, a Comissão da Infância, Juventude e Educação (CIJE) do CNMP informou, em nota, desconhecer qualquer levantamento sobre a eventual inclinação político-partidária dos candidatos eleitos e não ter ciência sobre a anulação da eleição, em qualquer município, em razão da orientação ideológica dos candidatos.

Um eventual caráter político-partidário formal das eleições para Conselho Tutelar, que permitiria sustentar uma afirmação sobre qual espectro político saiu vencedor, também é refutado pela Justiça Eleitoral, que presta apoio às eleições com a cessão de urnas, mas não totaliza votos nem conduz o processo.

Uma das publicações no Telegram com alegações falsas sobre o tema traz a imagem do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e ironiza o ministro Silvio Almeida ao dizer que ele quer anular parte das eleições de Conselho Tutelar: “Será que o ministro não confia nas urnas eletrônicas e no sistema eleitoral?”. Nem todos os municípios do país adotaram, no entanto, urna eletrônica. Parte deles optou por urnas de lona com votação em cédula de papel, caso ocorrido ao menos em Santa Catarina. A escolha do método não cabe à Justiça Eleitoral, mas a cada município.

Apesar da ausência de dados oficiais sobre o tema, uma reportagem publicada pelo O Globo mostra que no Rio de Janeiro e em São Paulo a direita elegeu mais representantes aos conselhos do que a esquerda. Segundo o levantamento feito pelo jornal, entre os 95 eleitos no Rio e os 260 na capital paulista, 14% defendem pautas conservadoras, ante 4,7% titulares mais alinhados à esquerda. O estudo não traz dados acerca da situação em outras cidades.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o deputado Mario Frias por meio de sua assessoria, email e contato pessoal, mas não obteve retorno até o fechamento desta verificação. A imagem publicada no Instagram foi deletada.

O que podemos aprender com esta verificação: Tirar notícias verdadeiras de seu contexto original para fazer alegações falsas a respeito de um assunto de interesse público é uma tática utilizada com frequência por desinformadores. Nesses casos, é importante pesquisar o mesmo assunto em fontes de informações seguras para garantir que a alegação está correta. Tratando-se da publicação aqui verificada, uma pesquisa no Google seria suficiente para comprovar que a publicação não é verdadeira.

Caso o ministro dos Direitos Humanos tivesse pedido a anulação de parte das eleições para o Conselho Tutelar sem que a ação fosse motivada por irregularidades, isso seria amplamente noticiado na imprensa e teria sido comunicado pelo próprio ministério.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A Agência Lupa verificou e classificou o mesmo conteúdo como falso. O governo federal é alvo frequente de checagens do Comprova, como a de que Lula não instituiu banheiro unissex nas escolas e que Alckmin não sugeriu acabar com Bolsa Família.

Saúde

Investigado por: 2023-10-03

CDC não falsificou dados nem admitiu que 99% das mortes por Covid nos EUA foram por outras causas

  • Falso
Falso
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos não falsificou os dados de morte por covid-19 para convencer a população a se vacinar. A publicação falsa distorce os dados do painel de controle da doença disponibilizado pela agência e faz menção ao número de mortos por covid-19 durante a semana de 13 a 19 de agosto de 2023. Uma publicação do jornal britânico Daily Mail é usada como base, mas o conteúdo foi alterado e não diz que o CDC falsificou o número de mortos por covid na referida semana.

Conteúdo investigado: Artigo compartilhado por virologista no X, antigo Twitter, afirma que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos admitiu que “falsificou 99% das mortes por covid-19 para assustar o público e fazê-lo tomar a vacina”. Segundo o texto, dados da agência de saúde revelam que apenas 1,7% das 324 mortes pelo vírus registradas na semana encerrada em 19 de agosto de 2023 tiveram a doença como principal causa de óbito.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso o artigo compartilhado pelo virologista Paolo Zanotto, no Twitter, afirmando que 99% das mortes por covid-19 foram falsificadas pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. A publicação distorce dados do painel do COVID Data Tracker que registra o número de óbitos decorrentes do vírus, por semana, no país.

A peça de desinformação usa como base uma afirmação incorreta publicada pelo Daily Mail em 28 de agosto, mas que foi corrigida no dia seguinte. O jornal britânico havia publicado, a partir de uma interpretação errada dos dados do CDC da semana que se encerrou em 19 de agosto de 2023, que “99% das mortes de covid na semana passada não foram causadas principalmente pelo vírus”.

A matéria foi alterada e o veículo exibe, desde então, uma nota informando a correção do conteúdo anteriormente publicado e que o comparativo percentual toma como base as mortes por todas as causas. O texto foi editado para afirmar que apenas 1% das mortes por todas as causas nos EUA na semana encerrada em 19 de agosto de 2023 teve como causa a covid-19, justamente como mostra o painel disponibilizado pela agência.

O jornal explica que há, na parte inferior do rastreador de dados da covid do CDC, uma nota de rodapé que diz que a porcentagem de todas as mortes relatadas atribuídas como covid-19 é calculada “com base no número de mortes por todas as causas”. “Alteramos o artigo para refletir isso”, afirma o Daily Mail.

| Captura de tela de artigo publicado no Daily Mail feita em 3 de outubro de 2023.

O painel do CDC que reúne informações relacionadas à covid-19 nos Estados Unidos tem um gráfico que registra semanalmente as mortes decorrentes da doença relatadas à agência de saúde. Na semana do dia 13 a 19 de agosto deste ano, a tabela mostra que ocorreram 881 mortes pelo vírus, o que representou 1,6% de todos os óbitos notificados nesse intervalo de tempo, por todas as causas, no país.

Em resposta a Zanotto, um usuário do X compartilhou o link para a checagem feita pelo USA Today sobre o mesmo assunto e questionando o exagero das afirmações. O autor do post verificado pelo Comprova, no entanto, manteve o posicionamento de que os dados sobre mortes na pandemia são deturpados.

Falso para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até esta terça-feira, 3, foram mais de 187,4 mil visualizações, 6 mil curtidas e 2 mil compartilhamentos. O conteúdo também foi publicado no Telegram com duas visualizações, não sendo possível saber se o conteúdo foi republicado.

Como verificamos: O Comprova leu a notícia publicada pelo virologista para entender as alegações feitas na publicação. A partir disso, buscou pelos dados oficiais da agência de saúde norte-americana e reportagens na imprensa sobre o assunto.

Na pesquisa, a equipe confrontou as informações publicadas pelo artigo com os números do painel COVID Data Tracker, do CDC, e descobriu que os dados sobre a quantidade de mortes relacionadas à covid-19 estavam distorcidos.

Foi encontrada também a publicação do Daily Mail que informava sobre o erro na primeira versão publicada da reportagem, base para o conteúdo desinformativo. A verificação localizou ainda checagens do USA Today e da Associated Press desmentindo o mesmo conteúdo.

Por fim, buscamos informações relacionadas ao biólogo Paolo Zanotto e tentamos contato com ele por e-mail. O CDC também foi consultado sobre o caso.

Publicação usa reportagem com erro reconhecido pelo próprio Daily Mail

Em 28 de agosto deste ano, o Daily Mail publicou uma interpretação incorreta dos dados do CDC. No entanto, para corrigir a informação, a manchete foi alterada no dia seguinte e uma nota foi publicada na reportagem.

O esclarecimento, anexado ao fim da matéria, frisou que “uma versão anterior deste artigo afirmava que 99% por cento das mortes de Covid na semana passada não foram causadas principalmente pelo vírus. Na verdade, uma nota de rodapé na parte inferior do rastreador de dados da Covid do CDC explica que a porcentagem de todas as mortes relatadas atribuídas como Covid-19 é calculada com base no número de mortes por todas as causas. Alteramos o artigo para refletir isso”.

Apesar da atualização feita pelo jornal, a publicação analisada baseou-se na notícia antiga, sem a correção. O Daily Mail atualizou o seu texto um dia depois, em 29 de agosto, enquanto o post desinformativo possui a data do dia 31, ou seja, após a edição com os dados corretos.

No X, um usuário enviou para o autor da publicação a checagem feita pelo USA Today, questionando um exagero nas afirmações feitas por Zanotto. O biólogo, no entanto, sustentou o posicionamento de que os dados sobre mortes na pandemia são deturpados.

Os números mostram que, na época, o painel da agência norte-americana registrava 324 mortes por covid-19 entre os dias 13 e 19 daquele mês – representando 1,7% do total de mortes no país naquela semana. A partir daí, houve uma atualização pelo CDC com a inclusão de novos relatórios de mortes relacionadas àquela semana.

As informações mais recentes do COVID Data Tracker, atualizadas em 23 de setembro, mostram que na semana encerrada em 19 de agosto de 2023 a covid-19 foi responsável por 1,6% do total de mortes nos Estados Unidos.

O autor do post

Paolo Zanotto é um virologista e professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Em 2021, ele foi apontado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid, no Senado Federal, como o idealizador do “gabinete das sombras”. O grupo era formado por médicos negacionistas e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que serviria para orientar o governo no combate à pandemia.

Em um vídeo de setembro de 2020, divulgado pelo jornal Metrópoles, médicos desaconselharam Bolsonaro a comprar a vacina contra o vírus, durante reunião no Palácio do Planalto. Nas gravações, Zanotto faz um discurso e sugere a criação do grupo oculto para discutir o “tratamento precoce”, além de orientar o ex-presidente a tomar “extremo cuidado” com os imunizantes.

O relatório final da CPI, apresentado em 20 de outubro de 2021 pelo senador Renan Calheiros (MDB), sugeriu o indiciamento do virologista pelo crime de epidemia com resultado morte, previsto no artigo 247 do Código Penal, por conta da participação no “gabinete paralelo”.

Vacinação segue sendo melhor método de proteção contra covid-19

O número de mortes causadas pela covid-19 caiu por causa da vacinação. As vacinas são altamente eficazes na prevenção de doenças graves, hospitalização e morte causada por todas as cepas do vírus SARS-CoV-2, incluindo a variante ômicron e suas sub-linhagens, conforme a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). As vacinas são altamente eficazes na redução da transmissão do vírus, embora possam não impedir completamente a infecção.

Há dez vacinas contra a covid-19 aprovadas pela OMS, para as quais foram emitidas recomendações de uso e que são produzidas pelos seguintes fabricantes: Pfizer/BioNTech, AstraZeneca/Oxford, Janssen, Moderna, Sinopharm, Sinovac, Bharat, Novavax, Casino e Valneva. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou o uso de seis delas: Pfizer/Wyeth, Pfizer, Coronavac, Janssen, Oxford/Covishield (Fiocruz e Astrazeneca) e Spikevax.

Como mostrou o Comprova, a imunidade natural, ou seja, quando uma pessoa já contraiu a doença e seu corpo desenvolveu anticorpos, não torna a vacina desnecessária no combate à infecção por covid.

O que diz o responsável pela publicação: No X, não é possível mandar mensagens diretas por usuários que não se seguem mutuamente. O professor foi contatado por meio de seu email institucional da USP, mas, até o fechamento desta checagem, não houve retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: Como as informações publicadas podem sofrer alteração, é preciso estar atento a alertas ou notas explicativas que apontem para essas possíveis mudanças. Outra técnica usada para criar o efeito de credibilidade para informações falsas é usar dados reais de forma distorcida. Por isso, é importante consultar as fontes originais e diversos veículos de comunicação, além de desconfiar caso não seja informado a origem dos dados ou autoria da informação. Neste caso, a consulta ao conteúdo original já demonstraria o uso de dados de forma errada. O uso de termos alarmantes como “assustar a população a se vacinar” e “número de mortes foi falsificado” também são usados para gerar medo e incentivar teorias contra a vacinação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Outros veículos como o USA Today e a Associated Press desmentiram o mesmo conteúdo. O Comprova já checou outras alegações relacionados às decisões e dados do CDC, como que é enganoso post que afirma que a agência de saúde recomendou suspensão da aplicação da vacina da Janssen recentemente, que médica retirou dados de hospital israelense de contexto ao acusar CDC de mentir sobre infecções em não vacinados e que deputada distorce entrevista de diretora do CDC para criticar imunizantes e “passaporte sanitário“.

Comprova Explica

Investigado por: 2023-09-28

Entenda o que é o marco temporal e o que muda com a decisão do STF

  • Comprova Explica
Comprova Explica
Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou o marco temporal, tese que sustenta que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem habitadas por eles em 1988, data de promulgação da Constituição Federal. A decisão contraria um projeto de lei aprovado no Senado que ratifica o ano de promulgação da Carta Magna como limite para definir a ocupação do território por indígenas. Defendida por ruralistas, a tese é vista pelos povos originários e movimentos sociais como uma ameaça aos direitos dos indígenas. Lideranças avaliam que, apesar da vitória no Supremo, ainda há muitas barreiras para a concretização das demarcações.

Conteúdo analisado: Tema que pode influenciar diretamente a vida de indígenas e proprietários de terras, a tese do marco temporal está em discussão no STF e no Congresso, e pode ser objeto de desinformação nas redes.

Comprova Explica: No dia 21 de setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tese de que a data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988, poderia ser utilizada para definir a ocupação tradicional de terras por comunidades indígenas e orientar as demarcações de territórios no Brasil. A decisão é de repercussão geral, ou seja, outros julgamentos sobre o tema tomarão como base o entendimento da Suprema Corte.

A tese, defendida por ruralistas, reflete a disputa pela posse de terra no país e a situação dos direitos dos povos originários. Em paralelo ao julgamento do Supremo, no Congresso, parlamentares aprovaram, em 27 de setembro, o projeto de lei 2.903/2023 que fixa o ano de 1988 para determinar o reconhecimento de terras indígenas.

Lideranças indígenas apontam que, apesar da vitória no STF, ainda há obstáculos para o pleno reconhecimento de seus territórios. Além da batalha contra o parlamento, comunidades enfrentam dificuldades para avançar com as demarcações, pois, na maioria das vezes, dependem da judicialização das disputas.

Com o objetivo de prevenir desinformação sobre o tema, este Comprova Explica apresenta o histórico e os principais pontos do marco temporal, analisa os efeitos da decisão do STF, e o futuro das demarcações dos territórios indígenas no país.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar informações a respeito da tese do marco temporal, sua origem e implicações, e sobre o julgamento do tema no STF e a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional. Depois, o Comprova conversou com o advogado e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Dinamam Tuxá, com uma das lideranças da Terra Indígena (TI) Ibirama Laklãnõ, em Santa Catarina, Tukun Gakran, e com o professor da FGV Direito Rio, Alvaro Palma de Jorge. Também buscou a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) por e-mail, mas não houve retorno até a publicação da verificação.

A tese do marco temporal

O marco temporal é uma tese jurídica que afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem habitadas por eles no momento da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. O marco temporal se contrapõe à teoria do indigenato, que considera que o direito desses povos sobre as terras tradicionalmente ocupadas é anterior à criação do Estado brasileiro, cabendo a este apenas demarcar e declarar os limites territoriais.

No âmbito judiciário, a discussão sobre o marco temporal teve início no STF em 2009 no julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A discussão, no entanto, voltou à tona quando, em 2019, uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama Laklãnõ, onde também vivem povos Guarani e Kaingang, ganhou status de repercussão geral. Isso significa que a decisão tomada neste caso serviria como uma orientação para outros julgamentos de procedimentos demarcatórios.

Segundo os apoiadores da proposta, que são sobretudo do setor ruralista, a falta de uma data definida para a ocupação das terras pelos indígenas geraria insegurança jurídica e conflitos fundiários no país. Além disso, há a interpretação de que todo o território brasileiro poderia ser reivindicado como terra indígena, incluindo grandes centros urbanos. Isso geraria insegurança sobre proprietários de imóveis.

Já as lideranças contrárias ao marco temporal apontam que ele seria inconstitucional e que seu intuito é inviabilizar o processo de demarcação de terras indígenas, uma vez que, de acordo com a APIB, caso fosse aprovado, todos os territórios, independentemente do status, estariam sujeitos à avaliação de acordo com a tese. Isso poderia resultar em novos processos de revisão, ameaçando a perda de terras indígenas já homologadas e o não reconhecimento de regiões em disputa.

“Imagina uma terra que não caísse no critério do marco temporal, portanto uma terra que não estivesse ocupada e não estivesse em disputa em 1988. E essa terra foi demarcada posteriormente. Com o marco temporal, seria possível dizer que aquela área foi demarcada incorretamente e você poderia ter uma disputa sobre essa questão”, explicou ao Comprova o professor da FGV Direito Rio Alvaro Palma de Jorge.

Outro ponto é a questão dos povos isolados e de recente contato. Entidades ligadas aos direitos dos povos indígenas relatam dificuldade em comprovar a presença desses grupos no período determinado pela tese, o que inviabilizaria a demarcação.

A TI Ibirama Laklãnõ e o marco temporal

Com uma área de 37 mil hectares, a Terra Indígena (TI) Ibirama Laklãnõ fica entre quatro municípios catarinenses do Alto Vale do Itajaí (Doutor Pedrinho, Vitor Meireles, José Boiteux e Itaiópolis). Atualmente, a TI abriga 2.057 indígenas das etnias Guarani, Guarani Mbya, Guarani Ñandeva, Kaingang e Xokleng.

Parte da área da TI está em disputa judicial, uma vez que o estado de Santa Catarina sustenta que os indígenas teriam direito a apenas 14 mil hectares. No entanto, um decreto de 3 de abril de 1926 assinado pelo então governador catarinense, Antônio Vicente Bulcão Vianna, delimita o território dos Xokleng em 20 mil hectares – número inferior aos 37 mil reivindicados pelos povos, no entanto maior que os 14 mil defendidos pelo governo estadual.

Entretanto, líderes indígenas apontam que o decreto nunca foi cumprido na prática. Ao longo do século XX, a região foi sendo tomada por imigrantes e os povos indígenas foram expulsos. Além disso, quando a terra foi demarcada, em 1956, ficou restrita aos 14 mil hectares, o que significa que os 23 mil hectares restantes foram loteados e vendidos.

“O povo Laklãnõ foi expulso de lá. Fomos dizimados, colocados em um espaço pequeno, onde hoje existe uma barragem, que não tem como a gente trabalhar”, afirma Tukun Gakran, uma das lideranças da Ibirama Laklãnõ. Gakran faz referência à construção da Barragem Norte no rio Itajaí, na década de 1970, que alagou a área produtiva dos indígenas e alterou o perfil do rio Hercílio no trecho, agora represado e com menos peixes, o que prejudica até hoje a segurança alimentar dos Xokleng.

O documento que certifica os 37 mil hectares reivindicados pelos indígenas é um laudo feito por um grupo de trabalho da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 1997, que, por sua vez, deu origem à portaria 1.128, de 14 de agosto de 2003, aumentando a área da Terra Indígena. Essa portaria foi contestada na Justiça pelo estado de Santa Catarina e por empresas e particulares que receberam títulos de propriedade daquelas terras.

Em 2009, com base na tese do marco temporal, o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA-SC) entrou com um pedido de reintegração de posse da área, alegando que parte do território reivindicado pelos Xokleng (cerca de 8 hectares) se sobrepõe à Reserva Biológica Estadual do Sassafrás, criada em 1977. Quatro anos depois, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) deu parecer favorável ao governo do estado.

A Funai recorreu da decisão do TRF-4 e moveu um recurso extraordinário no STF, sustentando que a Constituição garante aos indígenas o direito originário de seu território. Em 2019, o caso ganhou status de repercussão geral. Foi esse recurso que o Supremo julgou em 21 de setembro e decidiu por derrubar a tese do marco temporal.

“Os políticos criaram essa tese dizendo que de 1988 para cá teria que ter um marco para definir a demarcação. Mas nós entendemos que a nossa história não começa em 1988. A gente não quer tomar a terra do povo não indígena, a gente quer o nosso espaço, onde nós vivíamos”, diz Tukun Gakran.

O julgamento no STF

O STF encerrou, no dia 21 de setembro deste ano, o julgamento da tese do marco temporal, com 9 votos contra e 2 a favor. Os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber foram contrários ao entendimento que restringe a demarcação de terras indígenas. Apenas André Mendonça e Kassio Nunes Marques, ambos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), votaram a favor da tese.

Na avaliação de Nunes Marques, primeiro a votar a favor da tese, a Constituição reconheceu os direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, mas essa proteção depende do marco temporal. Conforme o ministro, a posse tradicional não deve ser confundida com posse imemorial, sendo necessária a comprovação de que a área estava ocupada na data da promulgação da Constituição ou que os indígenas tenham sido expulsos em decorrência de conflito pela posse.

André Mendonça considerou que o marco temporal equilibra os interesses de proprietários de terras e dos indígenas. O ministro também entendeu que o laudo antropológico para demarcação dos territórios deve ser conduzido por uma comissão integrante por todos os envolvidos.

No julgamento, os ministros entenderam que o artigo 231, que garante os direitos originários sobre as terras, é uma cláusula pétrea, ou seja, não pode ser alterada depois da promulgação da Constituição. A decisão tem impacto em todos os conflitos judiciais sobre o tema.

| Sessão de julgamento sobre marco temporal no STF em agosto deste ano. (Foto: Carlos Moura/STF)

No dia 27 de setembro, o Supremo concluiu o julgamento e decidiu, por unanimidade, que os não-indígenas que ocuparam de boa-fé os territórios que venham a ser demarcados como terras indígenas poderão ser indenizados. O valor de indenização deve ser pago pela União e deve contemplar o valor integral da terra, além de mudanças feitas no local.

O advogado e coordenador executivo da APIB, Dinamam Tuxá, avalia que um dos efeitos da decisão do STF é o destravamento de mais de 200 processos de demarcação que estão paralisados na Justiça aguardando a definição sobre a tese. “São processos que estão relacionados justamente à questão da demarcação de terras, questões possessórias. De forma automática, esses processos têm que voltar a tramitar”, argumenta.

O julgamento também deve desobstruir pedidos de demarcação que estavam impedidos de tramitar na esfera administrativa, sob o mesmo argumento do marco. “O estado brasileiro está com vários processos de demarcação no âmbito administrativo paralisados, e tinham uma arguição sob, também, a tese do marco temporal, que inviabilizava alguns processos de tramitarem. Agora, não tem mais essa justificativa ou nenhum tipo de impedimento legal para que faça o processo de demarcação caminhar”, completa Tuxá.

O marco temporal no Senado

Em 30 de maio deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou por 283 votos a favor e 155 contra, o projeto de lei 490/2007, que estabelece o marco temporal. A proposta seguiu para análise do Senado, onde tramitou como PL 2.903/2023. Em 27 de setembro, o projeto foi aprovado em Plenário por 43 votos a 21. Agora, a proposta vai para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode sancionar ou vetar o texto.

A proposta define como “terras indígenas tradicionalmente ocupadas” aquelas que comprovem que o local era habitado de forma permanente e utilizado em atividades produtivas na data da promulgação da Constituição. Prevê também a necessidade de demonstrar a imprescindibilidade da terra para a reprodução física e cultural dos povos indígenas, assim como à preservação dos recursos ambientais necessários para o bem-estar dessa população.

Além disso, o projeto proíbe a ampliação de terras já demarcadas, torna nula as demarcações de áreas que não atendam aos requisitos previstos no texto e estabelece uma indenização a ocupantes não indígenas de territórios que vierem a ser reconhecidos como TI pelas benfeitorias realizadas no local.

Por mais que o STF tenha considerado o marco temporal inconstitucional, a decisão do Senado não impede que a lei seja aprovada e siga para sanção de Lula. Caso seja sancionada, há ainda a possibilidade de que a questão seja novamente judicializada e caiba ao Supremo decidir por sua validade. No entanto, o presidente já afirmou a senadores e governistas que deve vetar a tese.

Conforme reportagem da CNN, a bancada do agronegócio avalia um pacote de medidas para reagir à decisão do STF. A ofensiva deve incluir reuniões com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além de obstrução de votações e do apoio ao andamento de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para encarecer indenizações a ruralistas.

Em nota, a Frente Parlamentar da Agropecuária afirmou que a decisão do STF seria um “ataque” ao direito de propriedade. Segundo o presidente da entidade, deputado Pedro Lupion (PP-PR), o Supremo “usurpou” a função do Legislativo ao declarar a inconstitucionalidade da tese.

Inconstitucionalidade da tese é celebrada pelos povos indígenas

A tese do marco temporal é amplamente criticada por lideranças indígenas e movimentos sociais, pois, segundo eles, representa um retrocesso aos direitos dos povos originários e uma afronta à sobrevivência dessas comunidades.

“O STF decidindo pela inconstitucionalidade dessa tese, ele reconhece também o direito originário dos povos indígenas. Ele reconhece que os povos indígenas sofreram com inúmeras violências no transcorrer dos anos, desde a data da invasão. Essa tese queria moer a nossa história, queria fazer mais um apagamento histórico”, afirma Dinamam Tuxá.

Caso fosse aprovado, o marco temporal colocaria em risco tanto terras já demarcadas, que podem ser reduzidas, quanto aquelas que ainda estão em processo de delimitação, que podem não ser regularizadas. De acordo com dados do “Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil“, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em 2022, 63% (871) das 1.393 terras indígenas que existem no Brasil têm alguma pendência administrativa no processo de demarcação.

“Para nós, a decisão do Supremo é muito importante porque tem muitos indígenas que precisam de terras, porque eles foram expulsos dos lugares onde moravam. A gente fica muito feliz que pelo menos uma parte do que foi tirado de nós pode ser devolvido”, destaca Tukun Gakran.

Conforme pesquisadores, lideranças e entidades contrárias ao marco temporal, a tese ignora o histórico de violência e marginalização que os povos indígenas viveram no Brasil. Além disso, há o argumento de que, caso a tese fosse aprovada, ela não só dificultaria ainda mais a demarcação de terras indígenas como fomentaria o início de novas disputas, inclusive em terras já pacificadas.

| Indígenas no Supremo Tribunal Federal em maio de 2023. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

A demarcação de terras indígenas também tem sido considerada importante para garantir a preservação ambiental, pois o avanço indiscriminado de garimpeiros e novos pastos tem contribuído para o desmatamento de florestas e a emergência climática.

Em 2021, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC) publicaram o relatório “Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais e a Governança Florestal”, que reúne 300 estudos científicos publicados sobre o tema nas últimas duas décadas.

A compilação demonstra que as taxas de desmatamento nas florestas da América Latina e Caribe são significativamente menores em áreas indígenas e tradicionais cujos direitos territoriais coletivos foram formalmente reconhecidos pelos governos. No Brasil, as taxas de desmatamento dentro de terras indígenas são cerca de 2,5 vezes menores do que fora delas.

De acordo com o MapBiomas, as terras indígenas perderam apenas 1% de sua vegetação nativa nos últimos 30 anos, enquanto nas áreas privadas essa supressão foi de 20,6%. De 1990 a 2020, foram desmatados um total de 1,1 milhão de hectares em terras indígenas, ao passo que o desmatamento em áreas privadas foi de 47,2 milhões de hectares.

Para os povos indígenas, determinados territórios também são uma maneira direta de conexão com antepassados, da manutenção da própria cultura e também de sobrevivência diante da expansão da vida urbana e rural no Brasil.

Atualmente, conforme dados do Censo 2022, do IBGE, há 1,69 milhão de pessoas indígenas no Brasil, o equivalente a 0,83% da população. A maior parte, cerca de 63%, vive fora dos territórios indígenas oficialmente limitados.

Apesar da recente vitória no STF, lideranças defendem que ainda existem barreiras para que todas as terras indígenas sejam reconhecidas. O coordenador executivo da APIB, Dinamam Tuxá, pontua: “Nós temos diversas barreiras, desde políticas a barreiras orçamentárias. Temos barreiras no próprio judiciário, porque muitas dessas demarcações foram judicializadas ou vão ser judicializadas”.

“Nós só garantimos o mínimo para que consigamos avançar com a política de demarcação. Mas esse mínimo é muito importante. É o pilar, a base para garantir que os processos de demarcação ocorram, agora e no futuro”, completa.

Demarcação de terras indígenas

De acordo com a Constituição Federal, as terras indígenas são bens da União e de usufruto exclusivo dos povos indígenas. Elas são bens inalienáveis e indisponíveis, ou seja, não podem ser objeto de compra, venda, doação ou qualquer outro tipo de negócio, sendo nulos e extintos todos os atos que permitam sua ocupação, domínio ou posse por não indígenas. Outro ponto importante é o fato de que os direitos dos povos indígenas sobre suas terras são imprescritíveis.

No artigo 231, a Constituição prevê que as terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas se destinem à posse permanente deles. Segundo o documento, “são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.

A Constituição também estabelece que a União deveria encerrar todas as devidas demarcações em até cinco anos contados a partir da promulgação do texto (ou seja, até 5 de outubro de 1993), mas isso não se cumpriu.

Conforme o “Estatuto do Índio” (Lei 6001/1973), que define a demarcação das terras indígenas, o processo tem início com a identificação e delimitação do território pela Funai. O órgão então realiza estudos que incluem avaliações antropológicas e um levantamento fundiário. As análises passam pelo Ministério da Justiça e, caso aprovadas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) precisa reassentar eventuais não-indígenas que estavam no local. No fim, a documentação chega ao presidente da República para homologação por decreto da Terra Indígena.

Por que explicamos: O Comprova Explica esclarece temas relevantes para a população e que têm potencial de gerar desinformação nas redes sociais. A luta contra o marco temporal é uma das principais pautas defendidas pelas comunidades indígenas nos últimos anos. As questões sobre direito à terra no Brasil, assim como as decisões de grande repercussão do STF, constantemente são alvos de desinformação. Por isso, é importante munir a população de informações verídicas e com a devida apuração. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A agência Aos Fatos já mostrou, por exemplo, que deputados estavam mentindo sobre terras indígenas nas redes e na Câmara para defender marco temporal. Neste ano, a Lupa produziu um material explicativo sobre a tese do marco temporal e mostrou que Lira errou dado sobre indígenas ao defender marco temporal no Roda Viva.

Sobre os povos originários, o Comprova explicou sobre a crise humanitária na Terra Indígena Yanomami; mostrou que a retirada de produtores de arroz de terras indígenas não foi determinação de Lula; e que o cacique Raoni mora em Mato Grosso e não há evidências de que ele tenha imóvel em Paris.

Contextualizando

Investigado por: 2023-09-28

Lula não instituiu banheiro unissex nas escolas; resolução de conselho não é impositiva

  • Contextualizando
Contextualizando
Postagens têm circulado nas redes sociais afirmando que a Resolução nº 2, de 19 de setembro de 2023, do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Trans., Queers, Intersexos (CNLGBTQIA+), ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), seria de autoria do governo Lula e que o presidente teria decretado a instalação de banheiros unissex em escolas. A medida em questão não tem força de lei ou decreto, apenas enumera orientações para futuras políticas públicas sobre as condições de garantia de acesso e permanência de pessoas travestis, mulheres e homens transexuais, e pessoas transmasculinas e não binárias nas instituições de ensino. Não há menção ao termo “unissex” em qualquer parte do documento.

Conteúdo investigado: Vídeos e publicações de deputados federais afirmam que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria decretado a instalação de banheiros unissex em escolas e instituições de ensino de todo o Brasil, incluindo para menores de idade. Nas postagens, utiliza-se também uma frase dita pelo presidente durante a campanha eleitoral de 2022, de que a ideia de banheiro unissex teria “saído da cabeça de satanás”. Um dos autores dos posts ainda coloca que “Lula quer que sua filhinha entre no mesmo banheiro com um marmanjo de 40 anos”.

Onde foi publicado: YouTube e X (antigo Twitter).

Contextualizando: O governo Lula não decretou que as escolas do Brasil deverão ter banheiros unissex. Publicações de congressistas brasileiros sugerem que orientações contidas na Resolução nº 2 de 2023 serão instituídas no país. Mas o documento, além de não prever a criação de banheiros unissex coletivos em estabelecimentos de ensino, não tem caráter de lei. A resolução foi elaborada pelo Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Trans., Queers, Intersexos (CNLGBTQIA+), ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. O órgão tem participação de representantes da sociedade civil e sua função é debater e propor políticas públicas – mas nada obriga o governo a adotá-las.

A resolução foi publicada no Diário Oficial da União em 22 de setembro. No mesmo dia, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) disse que o “governo Lula impõe banheiros unissex para todas as escolas públicas do país”. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) falou que “o ministro do Lula de Direitos Humanos instituiu o banheiro unissex em escolas de todo o país”. Filipe Barros (PL-PR) e Carlos Jordy (PL-RJ) citaram a resolução e afirmaram o mesmo. O deputado federal André Fernandes (PL-CE) explicou que a resolução não tem caráter de lei, mas afirmou que “Lula quer que sua filhinha entre no mesmo banheiro com um marmanjo de 40 anos”.

De acordo com Luís Renato Vedovato, professor de Direito Internacional e Direitos Humanos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), um conselho tem como função assessorar um ministério, para escutar a população representada e produzir orientações para essa pasta, que podem ou não ser aceitas como base para futuras políticas públicas. Em nota, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República reforçou que a resolução não tem caráter de lei nem de obrigatoriedade, e que não há decreto ou ordem para o cumprimento do tema.

O documento do CNLGBTQIA+ estabelece parâmetros que garantem condições de acesso e permanência de pessoas travestis, mulheres e homens transexuais, e pessoas transmasculinas e não binárias nos sistemas e instituições de ensino como um todo. De acordo com Amanda Souto, advogada e integrante do conselho, a resolução não sugere a instauração de banheiros unissex, mas sim destaca o direito da pessoa utilizar o banheiro de acordo com sua identidade de gênero. O texto propõe ainda, “sempre que possível, a instalação de banheiros de uso individual, independentemente de gênero, para além dos já existentes masculinos e femininos nos espaços públicos”, para “minimizar os riscos de violências e/ou discriminações”.

Como o conteúdo pode ser interpretado: Ao sugerir que uma resolução tem peso de lei ou decreto, as publicações distorcem o contexto do documento e podem confundir a população. O texto da resolução, na realidade, traz orientações para futuras políticas públicas, que podem ou não ser acatadas pelo presidente ou pelos ministérios.

O que dizem os responsáveis pelas publicações: O Comprova entrou em contato com os parlamentares citados acima por terem compartilhado o conteúdo.

André Fernandes e Felipe Barros disseram que o artigo 5º, que defende o direito ao uso de banheiros de acordo com a identidade de gênero, comprovaria a determinação de banheiro unissex.

“O governo está mentindo se falar que não se trata de banheiro unissex coletivo”, falou Fernandes. Já Barros lembrou que “As próprias entidades LGBT, como a ANTRA [Associação Nacional de Travestis e Transexuais], comemoraram a publicação da resolução por garantir o uso de banheiros de acordo com o gênero de cada estudante”.

Sergio Moro defende que a resolução segue a orientação ideológica do governo e que “ao permitir o ingresso em banheiros segundo a autodeclaração de gênero pelo estudante, a resolução, sem usar o termo unissex, permite que banheiros masculinos e femininos sejam utilizados independentemente do gênero biológico”.

Nikolas Ferreira e Carlos Jordy não se manifestaram até a publicação desse texto.

Resolução não tem caráter de lei

A Secom do governo explicou, em nota à imprensa, que a resolução não possui caráter legal ou de obrigatoriedade. “A resolução apenas formula orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização”, informa.

As orientações que constam na resolução nº2/2023 são de autoria dos membros do conselho. Instituído em 6 de abril de 2023 pelo decreto nº 11.471, o CNLGBTQIA+ substituiu o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), que, segundo comunicado da Secretaria de Comunicação Social, deixou de ter foco nesse grupo nos últimos anos. Em caráter excepcional, a primeira composição do conselho não aconteceu de forma eleitoral, como trata o decreto, mas através de indicação do ministro Silvio Almeida, chefe do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a partir de lista de entidades composta por meio de chamamento público. Os representantes foram empossados em 17 de maio deste ano, durante cerimônia alusiva ao Dia de Enfrentamento à Violência contra as Pessoas LGBTQIA+.

“Ele é formado por 19 representantes de organizações da sociedade civil, 19 do governo e tem sete instituições convidadas com direito a voz, mas não a voto”, conta a advogada Amanda Souto, integrante convidada do conselho. Dentre as cadeiras da sociedade civil, estão representadas as seguintes organizações:

  • Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT);
  • Aliança Nacional LGBTI+;
  • Articulação Brasileira de Gays (ARTGAY);
  • Articulação Brasileira de Jovens Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais;
  • Articulação Brasileira de Lésbicas;
  • Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação;
  • Associação Nacional de Travestis e Transexuais;
  • Central Única dos Trabalhadores;
  • Coletivo LGBTI+ Sem Terra;
  • Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação;
  • Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros;
  • Instituto Brasileiro Transmasculinidade;
  • Liga Brasileira de Lésbicas;
  • Mães da Resistência;
  • Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas;
  • Rede Nacional de Negras e Negros LGBT;
  • Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI;
  • União Nacional LGBT.

Luís Renato Vedovato explica que os conselhos podem ser criados por lei ou por decreto e servem para assessorar os ministérios do governo. “Eles vão fazer o papel de ouvir a população específica e a partir da oitiva dessa população eles vão montar sugestões para o ministério”.

Nesse sentido, o professor de Direito Internacional e Direitos Humanos da Unicamp e da PUC-Campinas explica que uma resolução de um conselho pode servir de amparo para as políticas públicas no futuro, mas que isso não significa que ela é determinante.

“Pode ser que o conselho chegue à conclusão de algo, dizendo que o melhor caminho seria aquele, mas o ministério respectivo pode entender que não é o caso e também depois mesmo que o ministério entenda que é o caso o Presidente da República pode não seguir esses parâmetros”, explica o professor.

Resolução não sugere banheiro unissex

Souto negou que o conselho discutiu a implementação de banheiros unissex. Segundo ela, o que o CNLGBTQIA+ defende é o direito ao uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero da pessoa. Nesses casos, por exemplo, um estudante trans que se identifica como mulher teria a possibilidade de utilizar o banheiro feminino.

No entanto, no inciso I do Artigo 6º da resolução, os conselheiros orientam que escolas tenham “banheiros de uso individual, independente de gênero, para além dos já existentes masculinos e femininos nos espaços públicos”, visando minimizar riscos de violência ou discriminações desse grupo. Não há no documento qualquer menção ao termo “unissex” ou que sugere um banheiro de uso coletivo independentemente de gênero da pessoa.

| Trecho da Resolução nº 2/2023

A advogada explica que a Resolução nº 2/2023 visa garantir o respeito às pessoas LGBTI+ no ambiente escolar, e que além da questão do banheiro, traz recomendações sobre outros aspectos pertinentes à essa população, como o uso do nome social.

Resolução não foi produzida ou decretada por Lula

Nas publicações nas redes sociais, há referências sobre uma fala do presidente Lula durante o período eleitoral de 2022. Em 19 de outubro daquele ano, em evento de lançamento da carta aos eleitores evangélicos, o petista desmentiu conteúdos que o associavam a instauração de banheiros unissex: “Agora inventaram a história do banheiro unissex. Gente, eu tenho família, eu tenho filha, eu tenho netas, eu tenho bisneta. Só pode ter saído da cabeça de Satanás a história de banheiro unissex”. A acusação também foi negada pelo então candidato em entrevista concedida ao Flow Podcast.

Com a resolução, as publicações passaram a relacionar a orientação como algo instituído por Lula. “Nem o Ministro nem o Presidente tiveram qualquer participação ou influência na produção da Resolução”, destacou Silvio Almeida em ofício enviado à Advocacia Geral da União (AGU). No documento, o ministro solicitou a tomada de providências administrativas, cíveis e penais por parte da AGU contra os deputados que publicaram que a proposta era de autoria do governo federal.

Resolução não contraria verificação anterior do Comprova

Em 29 de maio de 2023, o Comprova publicou uma verificação mostrando ser falso que Lula esteja implementando banheiros unissex no país. Na ocasião, um vídeo publicado no Kwai, TikTok e X mostrava imagens de homens e mulheres dividindo um banheiro coletivo para insinuar que o governo federal estivesse transformando todos os banheiros públicos do Brasil em unissex.

À época, o projeto entrou em contato com o MDHC que, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, informou que não havia “nenhuma iniciativa nesse sentido em curso”.

Tanto Souto quanto Vedovato ressaltam que a resolução não tem o peso de lei, e é criada para servir de base para futuras decisões sobre o grupo que o conselho em questão – no caso, a população LGBTQIA+ – representa. A formulação desse documento é apenas uma indicação aos ministérios e ao presidente da República para futuras formulações de políticas públicas.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 27 de setembro, o vídeo no YouTube publicado pelo deputado Nikolas Ferreira contava com 185 mil visualizações e 34 mil curtidas. Já as publicações dos parlamentares Carlos Jordy, Filipe Barros, André Fernandes e Sergio Moro no X somavam, juntas, 1,3 milhão de visualizações, 47,9 mil curtidas e 15 mil compartilhamentos.

Como verificamos: Em primeiro lugar, pesquisamos pela resolução citada nos conteúdos no Diário Oficial da União. Em seguida, buscamos informações sobre a resolução nos canais oficiais do governo federal, como a Secom e a Advocacia-Geral da União (AGU).

Via WhatsApp, contatamos Amanda Souto Baliza, advogada e integrante convidada do CNLGBTQIA+, e Luís Renato Vedovato, professor de Direito Internacional e Direitos Humanos da Unicamp e da PUC-Campinas. Por fim, também entramos em contato com os responsáveis pelas publicações.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Na última semana, boatos.org, Agência Lupa e Aos Fatos também publicaram verificações de conteúdos sobre a resolução.

Outras resoluções de conselhos já foram alvo de desinformação. Em agosto, recomendações da Resolução nº 715 do Conselho Nacional de Saúde foram interpretadas de maneira equivocada e enganaram sobre aspectos relacionados ao candomblé e à “mudança de sexo” para menores de idade.

 

Atualização: Este Contextualizando foi atualizado em 29 de setembro de 2023 para um ajuste no texto do quarto parágrafo da seção “Resolução não tem caráter de lei”.

Política

Investigado por: 2023-09-28

Alckmin não sugeriu acabar com Bolsa Família; vídeo é antigo e falava sobre a PEC da Transição

  • Falso
Falso
O governo federal não anunciou o fim do Bolsa Família, ao contrário do que apontam postagens no TikTok. As publicações usam, fora de contexto, trechos de uma entrevista do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), concedida em novembro de 2022. Ele falava da retirada dos custos do programa social do teto de gastos no contexto da PEC da Transição.

Conteúdo investigado: Vídeos com trecho recortado de uma coletiva de imprensa com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) em que ele diz que o governo trazia uma proposta que teria como princípio a “exclusão do Bolsa Família”. Sobre as imagens de um dos posts se lê “Desgoverno anuncia o fim do Bolsa Família. Tem que sobrar dinheiro pras viagens do casal e bancar os países falidos”. Em outro vídeo com a mesma entrevista é aplicada a mensagem “O governo já começa a falar do fim do Bolsa Família. Infelizmente quem mais vai sofrer é o povo do Nordeste”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: O vice-presidente Geraldo Alckmin não anunciou o fim do Bolsa Família, ao contrário do que afirmam postagens. As publicações que viralizaram recentemente usam uma entrevista coletiva de Alckmin concedida em 16 de novembro de 2022 fora de contexto, levando ao entendimento de que o governo quer acabar com o programa, o que não é verdade.

Na ocasião, o então vice-presidente eleito havia acabado de entregar uma minuta da Proposta de Emenda à Constituição, que ficou conhecida como PEC da Transição, a lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado.

Logo após o encontro, em uma entrevista coletiva, Alckmin comentou os principais pontos do texto, entre eles, a proposta da retirada do Bolsa Família do teto de gastos. O programa social é uma marca do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Sua manutenção e a ampliação dos valores eram promessas de campanha, mas não havia, no Orçamento de 2023, espaço para a despesa.

Nesse contexto, Alckmin disse que a PEC tinha um princípio, “que é a exclusão do Bolsa Família”, se referindo à saída dessa despesa do teto de gastos, justamente para permitir a continuidade do programa.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Uma publicação do TikTok teve mais de 2,4 milhões de visualizações, e a outra, 208,9 mil até o dia 28 de setembro.

Como verificamos: O Comprova transcreveu uma das falas de Alckmin utilizada no vídeo e fez uma busca pelo trecho no Google. A pesquisa retornou esta reportagem da CNN Brasil que reproduzia o mesmo texto. O texto traz também o vídeo na íntegra da entrevista coletiva. A partir disso, foi possível identificar o contexto da fala do vice-presidente.

A verificação também buscou reportagens sobre o suposto fim do programa usando as palavras-chave “exclusão” e “Bolsa Família” e encontrou checagens feitas pelo UOL Confere, Estadão Verifica e Agência Lupa sobre o mesmo vídeo em 2022.

Por fim, o Comprova pesquisou textos sobre a PEC da Transição e entrou em contato com os autores dos posts.

O que Alckmin disse na ocasião

Alckmin falava sobre a proposta de excluir os gastos com o programa Bolsa Família do teto de gastos. Na época, o governo eleito buscava viabilizar o pagamento de despesas que não estavam previstas no Orçamento de 2023, mas que eram necessárias para cumprir promessas de campanha. Entre elas, estava o aumento no valor pago aos beneficiários do Bolsa Família, que era de R$ 400 e passaria a ser R$ 600. Além disso, teria o acréscimo de mais R$ 150 por criança de até 6 anos.

“Em resumo, ela [a proposta] retira do teto o Bolsa Família. O Bolsa Família, com R$ 600, e os R$ 150 por criança com menos de 6 anos de idade. É o cuidado com o social, combater a fome e erradicar a pobreza e atender as crianças”, iniciou o vice-presidente durante a entrevista coletiva.

“Os estudos mostram que as famílias com criança pequena são aquelas que estão mais empobrecidas e onde a privação alimentar é maior. Não tem como fracionar. Então, você tem uma mãe, às vezes, com três crianças é o mesmo valor — R$ 600 — do que se fosse só um adulto. Então, nós estamos retirando do teto o Bolsa Família e as crianças com até 6 anos de idade.”

Em seguida, Alckmin explica os trechos da minuta que buscavam garantir a ampliação do investimento em educação e meio ambiente.

Questionado se haveria perspectiva para aprovação da proposta, o vice-presidente respondeu: “Eu acho que sim porque há uma unanimidade em relação ao Bolsa Família e às crianças. E as demais questões é doação. Elas não têm impacto fiscal. E no caso do investimento, que está limitado, é receita extra, que pode até não ocorrer. Mas se ocorrer você vai poder utilizar uma parte para investimento”. Este trecho é utilizado no vídeo.

Logo em seguida, os repórteres perguntam sobre o prazo de vigência da PEC, que naquele momento não estava definido. Alckmin responde: “Nós trouxemos uma proposta que não tem prazo. Ela tem um princípio que é a exclusão do Bolsa Família. Ponto. Cabe ao Senado e à Câmara discutirem”. Parte desta fala também é utilizada no vídeo investigado para dar a entender que o programa de transferência de renda será extinto, o que não é verdade.

A PEC da Transição (PEC 32/22) foi aprovada e promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado em 21 de dezembro de 2022. Promulgado como Emenda Constitucional 126, o texto permitiu ao governo eleito a ampliação do teto de gastos em R$ 145 bilhões pelo período de um ano para garantir o pagamento de despesas relacionadas ao Bolsa Família, Auxílio Gás, Farmácia Popular e outros programas.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com os responsáveis pelas publicações mas não teve resposta até o fechamento desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: Usar trechos de entrevistas antigas sem apresentar contexto ou que foram editadas para mudar seu significado original são táticas recorrentes utilizadas por desinformadores. É sempre importante ficar atento à ausência de referências de data e local das imagens além de reparar em possíveis cortes feitos no vídeo e desconfiar de conteúdos deste tipo. Neste caso, uma pesquisa no Google seria suficiente para comprovar que a informação não é verdadeira. Caso o governo tivesse, de fato, anunciado o fim do Bolsa Família, isso seria amplamente noticiado na imprensa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo conteúdo já foi verificado pelo UOL Confere, Estadão Verifica e Agência Lupa. Políticas públicas do governo federal constantemente são alvos de desinformação. Recentemente, o Comprova checou que mães chefes de família não foram proibidas pelo governo de receber Bolsa Família e explicou como a polarização intensifica a desinformação sobre a transposição do São Francisco.

Política

Investigado por: 2023-09-28

É falso que Lula não tenha sido convidado para evento de líderes promovido por Biden

  • Falso
Falso
É falso que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não tenha sido convidado para encontro de líderes promovido pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. O evento reuniu, na noite de 19 de setembro, no Metropolitan Museum of Art (Met), representantes de diversos países que estavam em Nova York para participar da 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo a Secretaria de Comunicação da Presidência do Brasil (Secom), Lula recebeu o convite, mas não compareceu por ter priorizado encontros bilaterais. A reunião com Biden ocorreu no dia seguinte.

Conteúdo investigado: Publicação em site afirma que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ofereceu jantar para “30 líderes mundiais e Lula obviamente fica de fora da lista”. O texto afirma que o presidente brasileiro estava em Nova York, mas “não entrou na lista”. “Não foi convidado. Foi ignorado. O Brasil com Lula é verdadeiramente um pária internacional”, diz o texto.

Onde foi publicado: Site, X (antigo Twitter), Facebook e Instagram.

Conclusão do Comprova: São falsas as alegações de que o presidente Lula não teria sido convidado para recepção oferecida pelo presidente norte-americano, Joe Biden, no dia 19 de setembro, no Metropolitan Museum of Art, em Nova York. Em nota enviada ao Comprova, a Secom da Presidência da República informou que Lula foi chamado e compartilhou o telegrama oficial do convite enviado pelo Departamento de Estado dos EUA, em 29 de agosto.

A Secom informou que Lula resolveu não comparecer para priorizar em sua agenda em Nova York os encontros bilaterais. Uma hora antes do evento no Met, Lula se reuniu com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Já no dia seguinte, o encontro foi com o próprio presidente Joe Biden.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, foram mais de 86,5 mil visualizações, 3 mil republicações e 257 comentários até a publicação ser excluída. No Instagram, foram 1,1 mil comentários, não sendo possível ver a quantidade de curtidas. Já no Facebook, são mais de 2,6 mil curtidas e 992 comentários.

Como verificamos: O Comprova buscou notícias sobre a recepção de Joe Biden no Met e procurou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Também foram procuradas as assessorias de imprensa da Casa Branca e da Embaixada dos EUA em Brasília, que não responderam ao contato. O Ministério das Relações Exteriores também foi consultado sobre o assunto.

Lula foi convidado para recepção de Biden

Em nota enviada ao Comprova, a Secom informou que Lula foi convidado para a recepção oferecida por Biden para líderes globais que participaram da 78ª Assembleia Geral da ONU. Porém, o presidente brasileiro optou por priorizar outros compromissos de sua agenda em Nova York.

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu o convite, mas preferiu priorizar os diversos encontros bilaterais. Além disso, sua agenda continha uma multiplicidade de compromissos, um deles, inclusive, o encontro com o presidente Joe Biden, que antecedeu o lançamento, pelos dois presidentes, de uma importante iniciativa global em defesa do trabalho digno”, afirmou a Secom.

A secretaria encaminhou ao Comprova cópia do telegrama enviado pelo Departamento de Estado dos EUA ao embaixador Sérgio França Danese, representante do Brasil na ONU, com o convite a Lula para participar da recepção, que aconteceu no Metropolitan Museum of Art, em Nova York, às 19h (horário local). No documento, é possível ver que o convite foi enviado no dia 29 de agosto endereçado à delegação brasileira.

| Trecho do telegrama

Como mostra o telegrama, trata-se de um convite ao “Sr. Pr”, que pode ser usado como abreviação para presidente, conforme Manual de Abreviaturas, Siglas, Símbolos e Convenções Cartográficas das Forças Armadas. “Transmite convite endereçado ao chefe da delegação brasileira durante a 78ª Assembleia da ONU para participar de recepção a ser oferecida pelo presidente do EUA, Joe Biden, em 19/9”, diz o telegrama. O embaixador do Brasil na ONU confirmou, no documento, o repasse das informações à Presidência e acrescentou que os organizadores do evento pediram a confirmação da presença até o dia 13 de setembro.

No mesmo dia, como mostra a agenda oficial de Lula, o presidente teve um encontro bilateral, com início uma hora antes, com o presidente da Autoridade Nacional Palestina.

Recepção de Biden no Met

A recepção de Joe Biden no Metropolitan Museum of Art, na noite do dia 19, em Nova York, ocorreu em paralelo à 78ª Assembleia Geral da ONU e foi oferecida aos líderes globais que participaram do evento. Matéria publicada no site The Pavlovic Today informa que os convidados se reuniram em um ambiente com música. Além de líderes de nações, a recepção contou com a presença de personalidades como o chef espanhol Jose Andres e o filantropo e fundador da Microsoft, Bill Gates.

Encontro bilateral entre Lula e Biden

Em 20 de setembro, um dia após a recepção de Biden a líderes mundiais no Met, Lula teve um encontro bilateral com o presidente norte-americano em Nova York. Na reunião, os dois líderes abordaram os riscos de erosão das democracias em nível internacional, a cooperação em prol da transição para fontes de energia limpa e proteção ao meio ambiente.

No comunicado divulgado pela Casa Branca, consta ainda que Lula e Biden conversaram sobre a importância da restauração da democracia na Venezuela, a continuidade do apoio ao Haiti e preocupações com os efeitos globais da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Os dois presidentes também discutiram sobre a precarização dos empregos frente aos avanços tecnológicos. Após o encontro, Lula e Biden anunciaram o lançamento da “Iniciativa Global Lula-Biden para o Avanço dos Direitos Trabalhistas na Economia do Século XXI”, no Hotel InterContinental New York. O pacto, inédito entre os dois países, busca estabelecer princípios para a proteção dos direitos dos trabalhadores em nível global.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova fez contato com o Jornal da Cidade Online, que respondeu que “a informação foi devidamente corrigida e atualizada nas redes sociais”. O conteúdo publicado sofreu modificações a pedido da Secom. A mesma nota reproduzida pelo Comprova nesta verificação foi inserida no post investigado e também em nova publicação com a correção.

O que podemos aprender com esta verificação: Desinformadores costumam usar conteúdos sem a identificação de uma fonte na qual o texto se baseia, o que pode ser um indicativo de conteúdo falso. Quando o conteúdo envolve eventos no exterior e outros países, é ainda mais difícil para o leitor checar a veracidade das informações. É importante confirmar as afirmações compartilhadas nas redes sociais em diversas fontes de sua confiança ou por meio de órgãos oficiais.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Outros temas relacionados a Lula e à política internacional já foram alvo de verificações do Comprova. Recentemente, verificamos que vídeo não mostra Putin criticando Lula após encontro com Zelensky e que são enganosos os posts nas redes sociais que afirmam que um membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) teria feito ameaças separatistas ao Brasil após a cúpula dos Brics.

Política

Investigado por: 2023-09-27

Vídeo de jovens fumando maconha em soprador de folhas é antigo e não foi gravado na UFPA

  • Falso
Falso
É falso que um vídeo de jovens fumando maconha em um soprador de folhas tenha sido gravado na Universidade Federal do Pará. As imagens datam de, ao menos, dez anos atrás e não foram feitas nas dependências da instituição. A cena mostrada tampouco tem a ver com a votação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre descriminalização do porte de maconha para uso pessoal.

Conteúdo investigado: Vídeo que mostra pessoas consumindo maconha em um soprador de folhas tendo como trilha sonora, a música Daddy Cool, do grupo Boney M. Texto sobre as imagens afirma que a cena teria sido gravada na Universidade Federal do Pará (UFPA) e sugere que as drogas teriam sido liberadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: São falsas as postagens que afirmam que imagens de jovens fumando grande quantidade de maconha em um soprador de folhas foram gravadas na Universidade Federal do Pará (UFPA). É possível perceber que as pessoas na filmagem não conversam em português, mas em inglês e espanhol. A universidade confirmou que as imagens não foram gravadas na instituição. “O vídeo não procede. A filmagem não ocorreu nas dependências da UFPA”, diz nota enviada ao Comprova.

Também é falsa a informação em texto aplicada sobre o vídeo que sugere que o STF liberou as drogas. Em agosto deste ano, cinco ministros votaram pela descriminalização do porte de maconha para consumo próprio e um votou contrário a este entendimento. O pedido de vista do ministro André Mendonça suspendeu o julgamento. O vídeo é antigo e há registros dele na internet por, pelo menos, dez anos.

De todo modo, a Corte, neste caso, não discute a descriminalização de todas as drogas em qualquer quantidade, e sim do porte da maconha para consumo próprio e a distinção entre usuário e traficante. Pelos parâmetros sugeridos pelo ministro Alexandre de Moraes, seriam consideradas usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas. O julgamento ainda não foi concluído.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, até o dia 27 de setembro, o vídeo acumulava 32 mil visualizações, 896 compartilhamentos e 1.2 mil curtidas, em três publicações diferentes.

Como verificamos: Por meio de uma busca reversa de imagem no Yandex, encontramos uma postagem com o vídeo no VK, rede social com sede em São Petersburgo, na Rússia. O VK está disponível em vários idiomas, mas é especialmente usado por falantes do russo. Neste post, feito há dez anos, o mais antigo que encontramos, o vídeo não conta com o texto sobre a imagem, apesar de tampouco trazer informações sobre a origem da filmagem. Ainda assim, é possível verificar que o conteúdo é antigo devido à data da postagem.

O Comprova também entrou em contato com a assessoria de imprensa da UFPA.

Drogas não foram liberadas pelo STF

Sobre as imagens do vídeo, foi aplicado o seguinte texto: “Parabéns! ‘Ministros’. Enquanto isso, na Universidade Federal do Pará, os alunos se divertem. Liberou geral, agora que o Brasil vai ficar nas mãos dos traficantes e zumbis atormentando a população. Faz o L L L L L…”.

Em 25 de agosto, o STF interrompeu o julgamento que decidiria se o porte de maconha, e não de outras drogas, para uso pessoal é crime e se é possível diferenciar o usuário do traficante com base na quantidade de droga encontrada com a pessoa.

Para o primeiro ponto, o placar está em cinco votos a um pela descriminalização. Os votos favoráveis foram proferidos pelos ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e pela então presidente Rosa Weber. O voto contrário foi do ministro Cristiano Zanin.

O ministro André Mendonça pediu vista, o que interrompeu o julgamento. Ele tem 90 dias para devolver o tema à pauta.

Já em relação à diferenciação entre traficante e usuário com base na quantidade de maconha, todos os seis ministros que já votaram foram favoráveis, mas é preciso definir uma quantidade limite. Não se discute, neste processo, a descriminalização do porte de outras drogas.

O resultado não vai legalizar a maconha ou qualquer outra droga, ou seja, o uso ou o comércio dos entorpecentes continuará sendo proibido. O que se busca é o estabelecimento de critérios mais objetivos para diferenciar usuário de traficante, uma vez que as punições para cada caso são distintas.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o responsável pelo post investigado, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.

O que podemos aprender com esta verificação: A publicação de vídeos antigos, sem a apresentação da data ou do contexto da gravação, é uma tática comum por parte dos desinformadores para dar a entender que é algo atual. Como as imagens são de baixa qualidade, é difícil identificar o rosto dos envolvidos ou até mesmo o local onde o vídeo foi gravado, possibilitando que ele seja usado para diferentes propósitos em diferentes épocas.

Desconfie de vídeos em que não seja possível identificar o local, as pessoas ou a data da gravação. Além disso, a utilização de termos alarmantes, como “o Brasil vai ficar nas mãos dos traficantes e zumbis”, serve para chamar atenção do público e é outra forma de impulsionar peças de desinformação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo vídeo foi analisado por outras agências de checagem (Lupa, Estadão Verifica e Boatos.org).

O Comprova já checou outros conteúdos envolvendo a temática das drogas: em agosto, contextualizou a fala do ministro do STF Alexandre de Moraes sobre “drogas batizadas”. Também já constatou que vídeos enganam ao sugerir que o governo federal liberou as drogas e que post engana ao associar ao MST plantação de maconha na Bahia.

Política

Investigado por: 2023-09-27

Post sobre ‘fuga de venezuelanos’ ao Brasil mostra vídeo de pessoas migrando para o Panamá

  • Enganoso
Enganoso
Publicação engana ao dizer que um vídeo mostra venezuelanos se deslocando para o Brasil e a Colômbia. O conteúdo original usado no post é de autoria de uma jornalista e faz parte de uma reportagem do jornal The New York Times. A filmagem foi feita na região de Darién, entre a Colômbia e o Panamá, onde mais de 360 mil pessoas de diversas nacionalidades já passaram este ano rumo à América Central e do Norte. A Venezuela responde por cerca de metade do fluxo migratório, segundo estimativas do governo panamenho.

Conteúdo investigado: Post do deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) contendo vídeo de pessoas atravessando um rio e a frase “Fuga da Venezuela! Milhares de venezuelanos seguem deixando seu lar em busca de uma vida decente no Brasil e na Colômbia”.

Onde foi publicado: Instagram.

Conclusão do Comprova: Vídeo publicado pelo deputado federal Kim Kataguiri sobre a suposta “fuga” de milhares de pessoas da Venezuela mostra, na verdade, um fluxo migratório na região de Darién, na fronteira da Colômbia com o Panamá, em agosto deste ano. O material faz parte de uma reportagem especial do jornal The New York Times a respeito do trajeto de estrangeiros que tentam entrar ilegalmente nos Estados Unidos.

O deputado erra ao afirmar que o conteúdo retrataria “venezuelanos deixando seu lar em busca de uma vida minimamente decente no Brasil e na Colômbia”. O percurso era feito na direção do Panamá, ou seja, o destino final não era nem a Colômbia, nem o Brasil. Além disso, a Venezuela responde por mais da metade do fluxo migratório na região de Darién, mas há pessoas de outras nacionalidades, o que foi confirmado pela reportagem do Times.

Procurado, Kim Kataguiri afirmou que, ainda que o post contenha imprecisão em relação ao país onde as pessoas estavam e para onde iam, o “cerne da questão” permanece o mesmo. “O vídeo de fato mostra milhares de venezuelanos fugindo do desastre humanitário que acontece na Venezuela causado por um regime socialista e totalitário”, justifica.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post analisado obteve mais de 170 mil visualizações no Instagram até o dia 26 de setembro.

Como verificamos: O Comprova encontrou o conteúdo original por meio de uma pesquisa reversa de imagens no Google. A busca retornou textos em blogs estrangeiros alegando se tratar de imigrantes no “Darien Gap”, na fronteira entre a Colômbia e o Panamá.

Um desses sites continha um post no X (antigo Twitter) da jornalista Julie Turkewitz, chefe da sucursal dos Andes do jornal americano The New York Times e que produz reportagens em países como Colômbia, Venezuela, Bolívia, Equador, Peru, Suriname e Guiana.

Vídeo original

A publicação de Julie Turkewitz traz o vídeo original e informa que, em 2022, mais de 250 mil pessoas atravessaram a selva de Darién em uma tentativa desesperada de chegar aos Estados Unidos. Neste ano, o número já alcançou 360 mil pessoas, ainda segundo o post da jornalista. A reportagem principal do The New York Times sobre o assunto pode ser acessada em portuguêsinglês e espanhol.

Em resposta ao Comprova por e-mail, ela confirmou a autoria do vídeo e disse que o material foi gravado em 2 de agosto de 2023, nas proximidades de Las Tecas, um campo de migrantes no norte da Colômbia. No último ano, ela e o fotógrafo Federico Rios estiveram documentando o fluxo migratório em direção aos Estados Unidos e a crescente indústria de trânsito na selva.

“O vídeo mostra migrantes da Venezuela, do Equador e de outros países iniciando a sua caminhada através da selva de Darién, em direção ao Panamá. Do Panamá, dirigiram-se para norte, através da América Central e do México, com o objetivo de chegar aos Estados Unidos”, explica a jornalista.

Portanto, não é correto dizer que seriam venezuelanos se estabelecendo no Brasil ou na Colômbia. “O vídeo mostra pessoas tentando chegar aos Estados Unidos — as pessoas no vídeo não estão migrando para a Colômbia ou para o Brasil”, acrescenta.

Fluxo migratório

A região de Darién fica na fronteira da Colômbia com o Panamá. A localidade inclui dois parques nacionais: o de Darién, no Panamá, e o Los Katios, na Colômbia. É a única rota terrestre entre a América do Sul e a América Central e do Norte e costuma ser utilizada pelos migrantes e refugiados como trajeto para a entrada ilegal nos Estados Unidos (veja no Google Maps).

“Atravessar a selva de Darién – na fronteira entre a Colômbia e o Panamá – e o seu infame e chamado desfiladeiro de Darién, é uma tarefa árdua, que envolve caminhadas por montanhas íngremes, suportando chuvas torrenciais e atravessando rios rápidos. Aqueles em trânsito ainda correm o risco de assaltos e violência sexual”, aponta a Organização Internacional para as Migrações (OIM), órgão vinculado às Nações Unidas.

Segundo dados do governo do Panamá, mais de 250 mil pessoas atravessaram o local a pé nos primeiros sete meses de 2023, igualando o número total do ano passado, até então o mais elevado. A estimativa do país é que 55% dos indivíduos tinham origem venezuelana, seguido de Haiti e Equador, ambos com 14%. Notícias apontam que, entre agosto e setembro, a quantidade de pessoas chegou a 360 mil.

A OIM e a Acnur, agência da ONU para refugiados, cobram uma abordagem “abrangente, regional e colaborativa” entre os países para lidar com os riscos desse movimento e as necessidades humanitárias urgentes na América Latina e no Caribe.

Venezuelanos no Brasil

Os comentários na publicação do deputado (1 e 2) evidenciam que parte das pessoas que acessaram o conteúdo entenderam que se trata da entrada de venezuelanos no Brasil.

Os venezuelanos são a nacionalidade que mais migra para o Brasil e a que mais pede refúgio no País. Entre janeiro de 2017 e junho de 2023, quase 1 milhão de venezuelanos entraram no Brasil, a maioria pela cidade fronteiriça de Pacaraima, em Roraima. Entretanto, no mesmo período, mais de 450 mil deixaram o território brasileiro.

Segundo reportagem da revista Veja, o Brasil se tornou o terceiro principal destino de migrantes e refugiados da Venezuela no ano passado, atrás apenas de Colômbia e Peru. Em abril deste ano, a Operação Acolhida, do governo federal, anunciou que o número de venezuelanos beneficiados com o programa de interiorização chegou a 100 mil, em 930 municípios.

O que diz o responsável pela publicação: O deputado Kim Kataguiri admitiu, em mensagens ao Comprova, que o post contém imprecisões, mas justificou a publicação dizendo que a crítica feita nela permanece válida. “O vídeo de fato mostra milhares de venezuelanos fugindo do desastre humanitário que acontece na Venezuela causado por um regime socialista e totalitário. É um povo que prefere colocar sua vida em risco em travessias perigosas e longas jornadas para outros países, deixando tudo o que tem para trás, a continuar sob o regime de Nicolás Maduro”. Ele não corrigiu a informação até a publicação desta checagem.

O que podemos aprender com esta verificação: Nem sempre um vídeo realmente mostra aquilo que está sendo dito na internet, e se deve desconfiar principalmente quando o post não informa dados básicos como a autoria, a data e a localização. O material original pode ter sido gravado em um contexto diferente, pode não ser recente ou mesmo ter sido editado e manipulado. Para evitar compartilhar boatos, as pessoas podem fazer uma pesquisa reversa de imagens no Google, a partir de prints da tela, ou procurar notícias confiáveis sobre o assunto. Se o material já tiver sido verificado por jornalistas, a checagem provavelmente aparecerá entre os primeiros resultados.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Boatos sobre a Venezuela, que enfrenta uma crise humanitária e é governada por um presidente autoritário, Nicolás Maduro, aparecem com frequência no Brasil como forma de criticar políticos de esquerda, entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O Comprova mostrou recentemente que uma postagem engana ao relacionar apagão a decreto de compra de energia da Venezuela, que um vídeo de um confronto envolvendo manifestantes e Exército venezuelano na fronteira com o Brasil é de 2019 e que é falso que o presidente americano, Joe Biden, tenha convocado o Congresso por falas de Lula sobre o país vizinho.

Política

Investigado por: 2023-09-26

É falso que maior comércio popular do Nordeste tenha falido; feira mostrada em vídeo funciona normalmente

  • Falso
Falso
É falso que o maior comércio popular de roupas do Nordeste faliu e que haveria responsabilidade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no suposto fechamento de lojas, como alega um vídeo publicado no TikTok. A gravação em questão foi feita em um centro comercial na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, em Pernambuco, que não faliu e continua funcionando normalmente.

Conteúdo investigado: Post no TikTok, com o título “capital da moda faliu, faz o L”, apresenta um homem reagindo a um vídeo em que uma pessoa circula por um centro comercial e informa estar na cidade de Santa Cruz do Capibaribe. No estabelecimento, segundo o vídeo, as lojas teriam falido por responsabilidade do governo Lula, uma vez que a situação na gestão de Jair Bolsonaro (PL) seria diferente. No vídeo, é feita uma relação direta entre a suposta falência com o número de votos dados por eleitores do Nordeste a Lula na última eleição. “Aqui é o maior comércio popular de roupa do Nordeste. Faliu. Lojas vazias, lojas com placas de aluguel, povo desesperado, falência total. Tire suas próprias conclusões. Você vai assistir agora um cenário terrível”, diz o autor da publicação.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: São falsas as alegações de que o maior comércio popular de roupa do Nordeste faliu e que o fechamento de lojas teria relação com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Publicações reproduzem um homem andando por um estabelecimento comercial em Santa Cruz do Capibaribe, em Pernambuco, como justificativa para as alegações.

O Comprova identificou que o centro comercial faz parte do empreendimento Santa Cruz Mart Moda Hotéis, e entrou em contato com Walter Botelho, um de seus diretores administrativos. Ele afirmou que o centro comercial não está falido ou fechado e explicou que o local funciona todos os dias em horário comercial, mas que há dias específicos que a movimentação é mais forte. O vídeo foi gravado quando não era dia de feira e, por isso, a movimentação era menor. Ele afirma, no entanto, que o centro comercial passa por dificuldades, mas que o “polo de confecções tem suas temporadas altas e baixas”.

Botelho também explicou as circunstâncias em que o vídeo investigado aqui foi gravado. Segundo ele, o autor das imagens foi abordado pela administração enquanto gravava pela segunda vez no local. “Ele esclareceu falando que fez sem intenção de prejudicar nosso estabelecimento. Mediante essa fala, pedi para o mesmo que fizesse mais um vídeo para se retratar do primeiro vídeo”, disse Botelho.

O Sindicato das Empresas do Comércio de Bens e Serviço de Santa Cruz do Capibaribe reforçou que o estabelecimento funciona há anos e nunca fechou. “Mart Moda não está fechado e nunca fechou! É um ponto comercial que existe há muitos anos e que serve mais como um local de distribuição”, afirmou em comunicado. O sindicato afirmou ainda que o local não é o maior comércio popular de roupas do Nordeste, como alegado no vídeo. Na realidade, disse a instituição, este título seria do Modas Center, também em Santa Cruz do Capibaribe, que recebe aproximadamente 400 ônibus com turistas e compradores toda semana.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 25 de setembro, a publicação somava 52,3 mil visualizações, 2,8 mil curtidas, e mais de mil compartilhamentos no TikTok.

Como verificamos: Inicialmente, o Comprova assistiu ao vídeo e procurou elementos que pudessem identificar onde a gravação aconteceu. Em um dos trechos, fica visível uma placa da loja “Piteuzinho Kids”, termo que foi procurado no Google com a palavra “loja”. O endereço que apareceu na busca foi justamente do município de Santa Cruz do Capibaribe.

Analisamos outra parte do vídeo em que aparece uma placa com a inscrição de “Hotel Mart Modas”. Em nova busca no Google, agora com os termos “Mart Modas” e “Santa Cruz do Capibaribe”, encontramos o perfil das redes sociais de um estabelecimento com o mesmo nome e que tinha endereço no município.

Iniciamos, então, uma comparação entre as imagens publicadas no perfil e trechos do vídeo e encontramos pontos em comum como as informações e formatação das placas, as estruturas na cor vermelha e a loja “Piteuzinho”.

  • Imagens do vídeo:

 

 

  • Imagens encontradas no perfil do Instagram:

No perfil, existe um telefone por meio do qual a administração do local foi contatada. Foi possível, assim, entrevistar Walter Botelho. Tentamos contatar também o Sindilojas de Santa Cruz do Capibaribe, a prefeitura do município, o MDIC, o autor do vídeo e o da publicação.

Feira do vídeo não faliu

Diretor administrativo do Mart Modas, Walter Botelho afirmou que o empreendimento não faliu e funciona todos os dias em horário comercial. Ao Comprova, o representante do centro comercial explicou que o autor do vídeo foi visto pela administração enquanto gravava um segundo vídeo no local.

Para o gerente, o homem disse ter gravado, como uma brincadeira, o vídeo em que caminha pelo estabelecimento e diz que o local está fechado por responsabilidade da gestão de Lula. Esta é a gravação usada de fundo na publicação investigada aqui e divulgada por outros perfis nas redes sociais. “Ao tentar realizar mais um vídeo, nossa equipe de segurança já estava ciente e em atenção para essa situação. Quando percebemos um rapaz com um celular em mãos e filmando, chamei e abordei o mesmo”, explicou o diretor administrativo.

“Pedi para ele falar que se tratava de uma mera brincadeira e mostrasse que o Mart Moda não estava falido, estava, sim, funcionando muito bem”, acrescentou o diretor. Na segunda gravação, enviada ao Comprova, é possível acompanhar o autor do vídeo andando novamente pelo estabelecimento.

Nesta segunda gravação, o homem afirma: “[Quando] Eu fiz aquele vídeo não era dia de movimentação, não era dia de feira. Eu vim mostrar que tem uma movimentaçãozinha de feira. Nós vamos fazer filmagem dentro para você ver que movimentação é constante”, afirmou o homem na gravação.

Botelho, no entanto, ressaltou que a empresa passa por dificuldades pontuais. “Grandes, médias e pequenas empresas passaram e passam por algum tipo de dificuldade ao longo de sua história. O Santa Cruz Mart Moda Hotéis, por mais forte que seja, não é exceção! Porém, o polo de confecções tem suas temporadas altas e baixas no decorrer do ano”, disse ainda em mensagem por escrito.

Em consulta ao site da Receita Federal, com base no CNPJ, é possível ver que a situação da empresa consta como ativa, tendo sido aberta em 2004. O segundo vídeo mencionado foi enviado pela administração do local. Está no perfil @user7900023266811 na plataforma TikTok. A ele é atribuído o vídeo original que fala sobre o suposto fechamento como é possível ver pela ferramenta de “dueto”. Nesta modalidade, é possível republicar o vídeo na plataforma e acrescentar novas informações ou reações.

Outras pessoas utilizaram o vídeo, mas ele possui uma marca d’água nas laterais com o nome do usuário que publicou no primeiro momento. No entanto, no perfil dele não aparece nenhum dos vídeos mencionados, pois foram deletados.

O Sindilojas do município ressalta que o Mart Modas não faliu e que, por vários anos, recebe pouca movimentação, pois “não é o ponto principal de comércio atacadista”, disse.

Para eles, o “maior comércio popular de roupa do Nordeste” seria o Moda Center, que também está com o funcionamento normal, como é possível ver em publicações constantes em redes sociais e transmissões ao vivo no YouTube. “Moda Center sempre lotado, comércio aquecido. Mais de 400 ônibus por semana”, acrescentou a entidade.

O Comprova entrou em contato com a Prefeitura de Santa Cruz do Capibaribe, mas o órgão não respondeu até a publicação desse texto.

Governo federal

Em termos de abertura e fechamento de empresas no país, sem considerar Microempreendedor Individual (MEI), o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) informou que até julho de 2023 foram abertos 567.975 novos empreendimentos, contra o fechamento de 315.987. O saldo nos primeiros sete meses do ano é de 251.988 novas empresas. Atualmente, incluindo MEI, o país conta com 21,6 milhões de empresas ativas.

Segundo o painel Mapa de Empresas, em Santa Cruz do Capibaribe, o total de empresas ativas no momento é de 3.812, incluindo MEI. No período de janeiro a julho de 2023, sem considerar MEI, houve um saldo de 249 abertas contra 200 fechadas. O saldo foi de 49 novas empresas.

Em comparação ao mesmo período de janeiro a julho de 2022, o país registrou 570.040 novos empreendimentos, contra o fechamento de 298.638. O saldo nos primeiros sete meses foi de 271.402 novas empresas.

Também no ano passado, no período de janeiro a julho em Santa Cruz do Capibaribe, houve um saldo de 257 abertas contra 222 fechadas. O saldo foi de 35 novas empresas.

Os números são contestados pela empresa de contabilidade Contabilizei, fundada em 2013 e que atua na gestão de micro e pequenas empresas. Em levantamento próprio, a empresa aponta que, nos seis primeiros meses de 2023, o Brasil teria perdido um total de 427.934 empresas entre micro, pequeno, médio e grande porte. Os números são com base em registros do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJs), da Receita Federal. No entanto, o ministério, em resposta ao G1, manteve o saldo positivo citado acima.

O Comprova questionou o MDIC sobre quais políticas o ministério vem implementando para fortalecer o comércio no país e o que a pasta tem a dizer sobre acusações relacionadas à suposta culpabilidade do governo federal por comércios fechados e ausência de ações para apoiar o pequeno e médio empreendedor. Até o momento, a pasta não respondeu.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o autor da publicação, mas o perfil não autoriza envio de mensagem por meio das redes sociais. O autor do vídeo também foi contatado por e-mail disponibilizado em sua conta no TikTok, mas não houve retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: Desinformadores costumam se aproveitar de situações para reforçar narrativas. Neste caso, a gravação foi feita em um dia com pouca movimentação para simular um ambiente de falência. Outra tática usada foi não identificar o estabelecimento, quem fez a gravação do vídeo, além do uso de frases em tom alarmista como “povo desesperado”, “falência total” e “cenário terrível”. É importante confirmar as afirmações compartilhadas nas redes sociais em diversas fontes de sua confiança ou por meio de órgãos oficiais.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Outras comparações entre as gestões Lula e Bolsonaro já foram investigadas pelo Comprova. Exemplos foram os dados de empregos de Lula e Dilma com Bolsonaro, os superávits e déficits nos governos de Lula e Bolsonaro, além de outros fatores econômicos, como a queda do Ibovespa. Recentemente, foi comprovado que boato sobre risco de ‘guerra civil’ no Brasil usa carta antiga de militares da reserva e que polarização intensifica desinformação sobre transposição do São Francisco.

Política

Investigado por: 2023-09-25

Vídeo não mostra Putin criticando Lula após encontro com Zelensky; imagens são de entrevista em 2021

  • Falso
Falso
É falso que vídeo mostre o presidente da Rússia, Vladimir Putin, criticando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante uma entrevista após encontro entre o presidente brasileiro e o da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, durante Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2023.

Conteúdo investigado: Vídeo de uma entrevista do presidente da Rússia, Vladimir Putin, em que ele faz críticas ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após encontro entre o petista e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na Assembleia Geral da ONU.

Onde foi publicado: TikTok e X.

Conclusão do Comprova: É falso que Vladimir Putin tenha criticado Lula durante entrevista a uma emissora de TV por conta do encontro no dia 20 de setembro de 2023 entre o presidente brasileiro e Volodymyr Zelensky.

Um vídeo com uma narração em português que viralizou nas redes sociais mostra, na verdade, uma entrevista de Putin à emissora norte-americana CNBC em 13 de outubro de 2021, quase dois anos antes do encontro entre Lula e Zelensky. Putin não menciona nenhum dos dois presidentes em qualquer trecho da entrevista, que dura pouco mais de 20 minutos.

Os presidentes do Brasil e da Ucrânia se reuniram em 20 de setembro de 2023, durante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nos Estados Unidos. O Comprova não localizou qualquer registro na imprensa sobre supostas críticas de Putin ao encontro entre os dois.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Apenas uma publicação do conteúdo no TikTok tinha alcançado 854,9 mil visualizações até 25 de setembro de 2023. Outro post, no X (ex-Twitter) acumulava 30,6 mil visualizações até a mesma data.

Como verificamos: O primeiro passo foi tentar localizar o vídeo original por meio da busca reversa de imagens. Para isso, fizemos a busca utilizando um dos frames do vídeo, o que levou à publicação original no canal do YouTube da emissora de TV norte-americana CNBC, cuja logomarca aparece no microfone sustentado pela repórter durante a entrevista. O vídeo foi publicado no canal em 18 de outubro de 2021.

Em seguida, fizemos buscas pelos termos “interview”, “Vladimir Putin”, “CNBC” e “2021” no Google, o que levou a quatro publicações no site da emissora: o vídeo completo da entrevista, uma matéria feita com base nas declarações sobre criptomoedas, outra sobre energia e geopolítica e, por fim, a transcrição original da entrevista.

Por último, o Comprova buscou por eventuais publicações na imprensa profissional sobre declarações de Vladimir Putin criticando o encontro entre Lula e Zelensky.

Entrevista com Putin é de outubro de 2021

Diferentemente do que afirma a narração em português, a entrevista de Vladimir Putin usada nos vídeos virais não foi concedida após o encontro entre Lula e Zelensky, que ocorreu em 20 de setembro deste ano. Os conteúdos desinformativos usam as imagens de uma entrevista do presidente feita em 13 de outubro de 2021 na Rússia.

Pouco antes de falar com exclusividade com a CNBC Internacional, Putin havia discursado na abertura do Fórum Internacional da Semana da Energia Russa 2021, que aconteceu na capital, Moscou.

Putin não citou Lula ou Zelensky

Na entrevista concedida em russo à jornalista Hadley Gamble, Putin falou sobre energia e economia, além de política externa, e não mencionou em nenhum momento o então ex-presidente do Brasil, Lula, nem o já presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. A CNBC publicou uma transcrição oficial da entrevista, que contou com a ajuda de um intérprete, e o presidente russo também não mencionou o Brasil ou a Ucrânia.

Primeiramente, a repórter perguntou sobre planos de sucessão do governo russo, e se ele gostaria mesmo de ser presidente aos 84 anos – Putin disse que não responderia a perguntas como aquela. Ela, então, passou a fazer perguntas sobre política externa: mencionou a Arábia Saudita, os Estados Unidos e as relações com esses países do ponto de vista da produção de energia.

Gamble também perguntou a Putin sobre o uso de criptomoedas no mercado de petróleo, sobre um afastamento da Rússia com relação ao uso do dólar americano e sobre o uso da moeda dos Estados Unidos como reserva mundial. Por fim, ela o questionou sobre as relações com a China e sobre a prisão do advogado e ativista Alexei Navalny, opositor de Putin preso no início de 2021, acusado de terrorismo. Em nenhuma das respostas da entrevista, Putin cita o Brasil ou a Ucrânia.

O Comprova não localizou nenhuma entrevista ou publicação na imprensa profissional sobre eventuais críticas de Putin a Lula após encontro com Zelensky, na Assembleia Geral da ONU.

O que diz o responsável pela publicação: Não foi possível contatar o perfil responsável pela publicação no TikTok porque não há possibilidade de enviar mensagens entre usuários que não se seguem mutuamente. Já o vídeo publicado no X foi retirado do mesmo perfil que publicou o conteúdo no TikTok.

O que podemos aprender com esta verificação: A publicação de vídeos em outros idiomas, com supostas traduções para o português, tem um grande potencial para enganar, principalmente quando o idioma falado no conteúdo original não é dominado por muitas pessoas, como é o caso do russo. Nesses casos, desinformadores se aproveitam para criar narrações inverídicas que se encaixem em uma situação sobre a qual queiram desinformar.

Ao encontrar conteúdos assim, é importante buscar elementos que ajudem a identificar onde e quando o vídeo foi feito. Deste modo, pode-se chegar ao conteúdo original, com tradução, como foi o caso no vídeo aqui investigado.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já checou outros conteúdos sobre relações da Rússia com o Brasil: no ano passado, mostrou que era falso que Holanda, Índia e Rússia tinham oferecido apoio militar a Bolsonaro; no mês passado, mostrou que um homem que pedia divisão do Brasil não era membro da Otan.

O vídeo aqui investigado também foi checado pela agência Aos Fatos e pelo UOL.