O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2023-11-10

Governo Lula não criou taxa para uso de poços artesianos; gestão de recursos hídricos é papel dos estados

  • Falso
Falso
É falso que o governo Lula (PT) tenha determinado tarifa mensal para o uso de poços artesianos em propriedades privadas do Nordeste. De acordo com a legislação federal, é responsabilidade dos governos estaduais determinarem as taxas de gestão dos recursos hídricos. Uma das publicações usa como "prova" da instituição da cobrança um trecho de vídeo fora de contexto em que um cidadão reclama sobre a tarifa feita no Ceará. Porém, as taxas para o uso da água são previstas desde 1996 no estado.

Conteúdo investigado: Posts nas redes sociais afirmam que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está cobrando dos proprietários rurais uma taxa entre R$ 200 e R$ 300 para o uso de poços artesianos em propriedades privadas no Nordeste. Um dos conteúdos cita que os poços teriam sido instalados à época do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Outro vídeo mostra o depoimento de um homem que diz ter feito um investimento privado para a construção do poço no Ceará, mas que agora terá que pagar uma taxa para a utilização.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É falso que o governo do presidente Lula (PT) tenha definido uma taxa mensal para que proprietários rurais usem poços artesianos construídos em suas terras. A legislação que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos prevê que os estados são responsáveis por determinar as tarifas do uso de água. Não foi encontrada nenhuma decisão recente do Executivo que estabeleça novas cobranças.

Uma das publicações analisadas usa um vídeo fora de contexto feito no Ceará em que um homem afirma pagar pelo uso de poço que ele mesmo construiu em sua propriedade. No entanto, a tarifa para o uso das águas subterrâneas não é recente como sugere o post. A cobrança é prevista por lei estadual que existe desde 1996 e estabelecida por meio de decreto, segundo a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará.

Em nota, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) afirmou que a gestão de águas subterrâneas cabe aos estados. A Agência Nacional de Águas (ANA) também informou que a União não faz cobranças sobre o uso dos poços artesianos.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 8 de novembro, foram mais de 935 mil visualizações, 72 mil curtidas e 7,7 mil comentários no Tik Tok.

Como verificamos: Inicialmente, o Comprova buscou informações com o Ministério do Desenvolvimento Regional e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico a respeito da suposta cobrança da taxa. A reportagem também solicitou um posicionamento junto ao Governo do Ceará, já que pesquisas no Google pelos termos “taxa poços artesianos + governo Lula” retornaram a uma verificação de Aos Fatos, que trata do mesmo tema e detalha que um dos vídeos teria sido gravado naquele estado.

Também entramos em contato com um deputado que publicou o conteúdo em que um homem questiona a cobrança de taxa pelo uso do poço em sua propriedade.

Vídeo mostra crítica ao governo do Ceará

Um dos vídeos verificados mostra o que seria uma demonstração da cobrança da suposta taxa. Nele, o produtor rural Clodoaldo Galvão dá um depoimento a respeito da situação vivenciada em sua propriedade, durante audiência da Comissão de Agropecuária da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. Ele alega ter feito um investimento de aproximadamente R$ 8 mil para a construção de um poço e que agora terá que pagar até R$ 300 mensais de taxa para o uso. Na gravação, o produtor faz diversas críticas ao governo, sem citar nomes.

O Comprova localizou um perfil no Instagram que seria do agricultor que fala no vídeo, mas ele não retornou ao nosso contato.

O conteúdo original foi publicado pelo deputado estadual Felipe Mota (União Brasil – CE) em seu perfil no Instagram, após uma visita ao Perímetro Irrigado de Morada Nova, que está localizado nos municípios de Morada Nova e Limoeiro do Norte, no Ceará. Na legenda da publicação, de 30 de outubro, o parlamentar deixa claro que a insatisfação do morador é relativa a gestão estadual, sob o comando do governador Elmano de Freitas (PT): “Embora o governo do Ceará alegue ser o governo do povo, lamentavelmente, constatamos a ausência de medidas efetivas para promover o desenvolvimento dessa região”.

Por nota, o parlamentar informou o nome do produtor rural que reclamou sobre a cobrança mensal do poço em sua propriedade e evidenciou que a audiência pública debateu a falta de água nas áreas de agricultura irrigada do estado. Mota não comentou sobre o uso da gravação em postagens fora de contexto.

Responsabilidade dos estados

O Comprova questionou o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico em relação à cobrança de tarifa pelo governo federal. Ambos os órgãos afirmaram que a gestão de águas subterrâneas é de responsabilidade dos estados, portanto, não existe recolhimento de pagamentos pela União.

Leis em vigor sobre o uso de poços artesianos

No Ceará, de acordo com a Secretaria de Recursos Hídricos do estado, a cobrança de taxas pelo uso de poços artesianos está prevista desde 1996, “e está dentro do que determina a Política Estadual de Recursos Hídricos”. Em fevereiro de 2021, o governo estadual publicou uma nota de esclarecimento sobre o tema. Na época, a gestão informou que não havia nova cobrança para a utilização de recursos hídricos superficiais e subterrâneos, mas sim a “atualização da inflação do período”. Dois anos depois, em 2023, circula novamente a desinformação a respeito da implementação de uma nova taxa.

Em nota ao Comprova, o governo cearense explicou que a cobrança pelo uso dos recursos hídricos está assegurada no artigo 16 da Lei 14.844, publicada no Diário Oficial do Estado do Ceará, em 30 de dezembro de 2010. A secretaria esclareceu ainda que a tarifa será atualizada “após emissão de resolução pelo Conselho dos Recursos Hídricos do Ceará (Conerh) e referendada por Decreto Estadual”.

Os valores atuais cobrados foram atualizados conforme o decreto estadual 35.501, publicado em 15 de junho de 2023. “Os recursos decorrentes da cobrança pelo uso de recursos hídricos serão empregados para viabilizar atividades de gestão dos recursos hídricos, para realização de obras de infraestrutura operacional do sistema de oferta hídrica, bem como para incentivo à racionalização do uso da água”, afirma o artigo 1º do referido decreto do estado do Ceará.

Existe ainda disponível de forma online um comunicado da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH), datado de 15 de junho de 2023, que informa sobre o reajuste da tarifa pelo uso dos recursos hídricos de domínio do estado do Ceará ou da União. No documento, há uma tabela que especifica as novas tarifas e suas devidas definições.

Além da legislação estadual, a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, de 1997, e a Lei do Saneamento Básico, de 2007, já estabelecem o pagamento de tarifa pelo uso de poços particulares.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com os responsáveis pelas publicações por meio do TikTok. Um dos usuários, @mc.chefao.ofi, não quis se manifestar. O outro perfil, @jorge.damasceno6, informou que “há uma lei sancionada por Bolsonaro que isenta a taxa dos poços artesianos” e citou o Projeto de Lei 2497/2020. No entanto, a proposta que sugere a dispensa de tarifa para uso do recurso hídrico foi rejeitada em junho de 2022 no Congresso Nacional e, portanto, não foi sancionada como lei. O usuário já foi alvo de outra checagem do Comprova em que espalhou desinformação de que artista teria viajado para Portugal com dinheiro da Lei Rouanet.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma das táticas mais utilizadas por desinformadores é usar trechos de gravações sem o contexto para enganar e falsificar informações. Muitas vezes, e esté é o caso aqui, usam manifestações de pessoas comuns para dar autenticidade ao seu discurso. Desconfie de publicações que parecem noticiosas mas que não fornecem informações contextuais como local e data dos acontecimentos retratados. Uma denúncia noticiada sempre deve trazer os dois lados. Na ausência de um deles, faça uma busca na internet para encontrar uma informação mais completa, que traga todo o contexto.

Neste caso, um dos conteúdos inventa que o governo federal estabeleceu taxas para o uso dos poços, baseado em um trecho de depoimento feito na Câmara de município cearense e omitindo a informação. Ao se deparar com situações como essa, é importante buscar se há alguma nova decisão do governo, seja em sites oficiais ou em reportagens da imprensa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Um dos vídeos checados também foi alvo de investigação pelo Aos Fatos. O Comprova já checou outros assuntos envolvendo os recursos hídricos, como que o governo federal não bloqueou água no Nordeste e nem todo problema na região tem relação com transposição do São Francisco, que vídeo de hidrelétrica transbordando é antigo e não tem relação com desligamento de bombas do São Francisco e explicou sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco.

Política

Investigado por: 2023-11-09

Vídeo distorce voz de Lula para alimentar teoria conspiratória

  • Falso
Falso
O vídeo que compara dois trechos de discursos de Lula, sendo que em um deles a voz aparece diferente, foi editado. O trecho em questão teve o áudio e o vídeo alterados para alimentar a teoria conspiratória de que o presidente teria sido substituído por um sósia. Análise de um perito forense apontou que o trecho foi acelerado, o que provoca uma mudança no áudio. Além disso, a imagem do vídeo foi invertida.

Conteúdo investigado: Vídeo exibe dois trechos de discursos de Lula, identificados com as datas de 27 e 28 de outubro. A voz do presidente do primeiro trecho é diferente da voz no segundo. Um homem aparece no vídeo falando que “a coisa está ficando séria”. “Eu vou deixar dois vídeos aqui e eu duvido que vocês me falem qual é a diferença de um vídeo para o outro”, afirma antes de apresentar os dois trechos de discurso. Na postagem ainda há as hashtags #bolsonaro, #foralula, #globolixoo, #bolsonaropresidente.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: A voz do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não mudou do dia 27 para o dia 28 de outubro, como sugere vídeo publicado no TikTok. Trecho de um discurso do presidente teve o áudio e a imagem alterados para alimentar a teoria conspiratória de que Lula teria um sósia que governa em seu lugar, como mostram comentários no post.

O vídeo desinformativo exibe trechos de dois discursos de Lula, que teriam sido proferidos em dias subsequentes. O Comprova encontrou os vídeos originais dos discursos. O professor de Engenharia da Informação da Universidade Federal do ABC (UFABC) Mário Gazziro, que é perito forense, concluiu que um deles foi adulterado para mudar a voz de Lula.

O primeiro trecho foi retirado de um discurso durante um café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto. O encontro ocorreu em 27 de outubro, e não no dia 28, como afirma o vídeo checado. A voz de Lula foi preservada no vídeo desinformativo.

Já o segundo trecho, que mostra o presidente com uma voz “diferente”, foi retirado de um pronunciamento na 1ª Reunião Plenária do Conselho da Federação, em 25 de outubro, também em data diferente daquela indicada no vídeo desinformativo.

Segundo o perito, ele passou por duas alterações no áudio:

  • O trecho foi acelerado e a duração total foi reduzida em dois segundos, passando de 31 para 29 segundos, o que já promove mudança no áudio.
  • A edição alterou a amplitude da voz, ou seja, aumentou o volume do som. Dessa forma, alguns dos sons mais altos no áudio foram retirados. Isso fez com que a frequência da voz de Lula mudasse, tornando-se mais aguda. Veja a comparação:

| Acima, a trilha retirada do vídeo original. Na parte de baixo, as ondas sonoras do vídeo editado — mais curto e com o aumento na amplitude. (Material cedido ao Comprova)

As imagens do vídeo original também foram alteradas e aparecem espelhadas no conteúdo desinformativo.

Desde a eleição de Lula, em 2022, circula a teoria conspiratória de que ele teria morrido e sido substituído por um sósia, ou que ele teria um sósia que estaria, de fato, governando o país. Pelos comentários no vídeo do TikTok (recorte 1 e recorte 2) é possível perceber que o vídeo analisado alimenta essa teoria.

Em janeiro deste ano, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Benedito Gonçalves aplicou multa de R$ 10 mil em um candidato que acusou a Justiça Eleitoral de diplomar um sósia de Lula. Segundo o homem, o chefe do Executivo teria morrido após o resultado do pleito e teria sido substituído na cerimônia da Corte.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo investigado teve 1,2 milhão de visualizações, 44,7 mil curtidas e 15,3 mil compartilhamentos até o dia 8 de novembro de 2023.

Como verificamos: Buscando no Google o trecho de cada discurso usado no vídeo desinformativo foi possível chegar à fonte original das imagens, no canal do presidente no YouTube e em matérias na imprensa. Em seguida, contatamos o perito forense para que fizesse a análise das imagens e do áudio.

Áudio sofreu mudanças

Segundo o professor de Engenharia da Informação da Universidade Federal do ABC (UFABC) Mário Gazziro, o segundo trecho do discurso foi acelerado. A mesma fala tem 31 segundos no vídeo original, publicado no YouTube do presidente, e no TikTok, 29 segundos.

Acelerar o áudio já promove uma mudança na voz do presidente. Além disso, de acordo com o perito, foi feita uma alteração no volume, o que resultou na retirada dos picos de áudio, uma espécie de corte nas frequências mais altas da voz. Frequência é o termo usado para medir os ciclos de uma onda sonora. Quanto maior for a frequência, mais agudo será o som, enquanto frequências mais baixas representam sons mais graves.

Essa mudança no volume está em todo o vídeo desinformativo, não só no segundo trecho de discurso. Não é possível saber se ela foi feita deliberadamente em um editor de vídeo/áudio, ou se é uma característica incluída a partir da publicação no TikTok. Confira a diferença, explicada por Gazziro:

Imagem invertida

Além da mudança no áudio, o trecho editado passou por uma alteração na imagem: ela foi espelhada. É possível perceber que, no primeiro trecho exibido, a mão direita do presidente tem cinco dedos. Já no segundo, a mesma mão aparece com quatro. Em 1964, Lula sofreu um acidente de trabalho que resultou na perda do dedo mínimo da mão esquerda.

Ao comparar o trecho utilizado no vídeo que viralizou e a gravação original, disponível no canal do petista no YouTube, é possível notar a inversão da imagem. Além da mão, a posição das bandeiras ao fundo aparecem invertidas.

| Trecho utilizado na peça de desinformação mostra mão direita com quatro dedos (Reprodução/TikTok)

| Vídeo original, com dedo amputado na mão esquerda (Reprodução/YouTube)

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o autor do vídeo por mensagem no TikTok. Ele alegou que não fez as edições no material e apenas encontrou o vídeo na internet e repostou. Sobre as diferenças que sugere na gravação, o responsável pelo perfil respondeu que “em um vídeo ele está nervoso e no outro ele está mais calmo”.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que agentes de desinformação usem técnicas de edição de vídeo na tentativa de tornar o material mais crível. Neste caso, foram aplicados recursos para aumentar a velocidade e volume do vídeo, o que torna o som da gravação mais agudo e provoca uma distorção na voz. Ao se deparar com esse tipo de conteúdo, observe se há alteração na velocidade em que as pessoas se movem. Além disso, busque em outras fontes o vídeo publicado originalmente e compare.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A teoria conspiratória de que Lula foi substituído por um sósia já foi checada diversas vezes. O Estadão Verifica mostrou que o presidente não tem “sósia com 10 dedos” e que ele está vivo e não foi substituído. O Comprova já investigou outros materiais adulterados para promover desinformação contra Lula. A iniciativa mostrou que o petista não estava bêbado nem agarrou apoiadora como alegam publicações que usam vídeo manipulado.

Eleições

Investigado por: 2023-11-09

Terminal do mesário não mostra votos de eleitores; TSE esclareceu o boato

  • Falso
Falso
É falso o vídeo que aponta uma suposta fraude nas eleições presidenciais de 2022 e sugere que o terminal do mesário teria registrado dois votos do mesmo eleitor, sendo um para cada candidato. O vídeo é antigo e já foi desmentido por diversas agências de checagem. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na época, informou que os números que aparecem no painel são referentes à quantidade de eleitores que compareceram à seção, total do eleitorado que vota naquele local, eleitores que tiveram problemas na coleta da biometria e quantitativo de pessoas com digital cadastradas que compareceram à seção.

Conteúdo investigado: Vídeo em que uma mesária mostra uma série de números dispostos no terminal utilizado para verificar informações sobre a urna eletrônica. Ela alega que os numerais apontam que o eleitor teria votado duas vezes: uma para cada candidato. Em seguida, um homem comenta o vídeo afirmando que as urnas estariam programadas para dar a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Sobre o vídeo, está a inscrição “fraude”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e Kwai.

Conclusão do Comprova: É falso o vídeo que aponta uma suposta fraude no segundo turno das eleições presidenciais de 2022 e sugere que o terminal do mesário teria registrado dois votos do mesmo eleitor, sendo um para cada candidato. O vídeo é antigo e já foi desmentido por diversas agências de checagem (Fato ou Fake, Estadão Verifica, Uol Confere, Aos Fatos e Lupa) e pelo próprio TSE.

Segundo a Corte, os números que aparecem no painel são referentes à quantidade de eleitores que compareceram à seção, total de pessoas que votam naquele local, eleitores que tiveram problemas na coleta da biometria e quantitativo de pessoas com digital cadastradas que compareceram à seção.

O terminal do mesário é o aparelho usado para o reconhecimento da digital dos eleitores na hora da votação. A partir dele também é possível acompanhar informações gerais sobre a urna eletrônica, como o nível de bateria e o tempo que o eleitor leva para votar. Não é possível obter qualquer dado sobre o voto do cidadão, que é sigiloso.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, o vídeo investigado teve 106,3 mil visualizações, 1,1 mil compartilhamentos e 1,8 mil curtidas até 9 de novembro de 2023. Já no Kwai, o conteúdo atingiu cerca de 600 visualizações na mesma data.

Como verificamos: O vídeo contém uma marca d’água com o nome de uma conta do Kwai e uma inscrição com o nome de usuário de um outro perfil. O primeiro passo foi buscar por essas contas. Identificamos que o perfil do Kwai publicou o vídeo da mesária em 31 de outubro de 2022. A segunda conta pertence ao homem que aparece falando no conteúdo investigado. No entanto, não encontramos a publicação em nenhuma de suas redes sociais. O Comprova pediu um posicionamento do autor do vídeo e dos responsáveis pelas publicações no X e no Kwai.

O perfil oficial do TSE no X respondeu à postagem investigada com um texto publicado na época em que a desinformação começou a circular. Também procuramos informações sobre o funcionamento do terminal do mesário e da urna eletrônica e buscamos outras checagens sobre o tema.

Eleitor não votou duas vezes

De acordo com o TSE, a gravação foi feita em uma seção eleitoral em Rio Branco, no Acre. O painel mostrado no vídeo exibe duas linhas com duas sequências de números cada. A primeira linha aponta, respectivamente, a quantidade de eleitores com e sem biometria que compareceram à seção e o total de pessoas que votam naquele local.

A segunda linha do painel diz respeito ao quantitativo de eleitores com biometria cadastrada que tiveram problemas no reconhecimento da digital. O último número da sequência é referente às pessoas com biometria cadastrada que compareceram ao local de votação até o momento.

“Os dados da coluna inferior mudam concomitantemente porque há possibilidade de o eleitor ter a biometria cadastrada, mas que não foi reconhecida pelo leitor biométrico do terminal do mesário na hora da votação”, explica o TSE.

Conforme explicado neste vídeo, o terminal permite que o mesário acompanhe diversas informações sobre o status da urna eletrônica. Por exemplo, o tempo usado durante a votação, o nível de bateria, a conexão com a energia, entre outras. No entanto, o mesário não tem acesso a qualquer dado sobre o voto do eleitor, que é sigiloso. Dessa forma, não é possível saber em qual candidato o cidadão votou.

O desempenho de cada candidatura em uma seção só é disponibilizado após o encerramento da votação, por meio do Boletim de Urna (BU), que traz um relatório completo sobre o número de votos por candidato, partido, nulos e brancos.

Conforme já verificado pelo Comprova, o sistema de votação brasileiro pode ser auditado e nunca foi identificada ou comprovada qualquer fraude. Atualmente, o processo eleitoral passa por diversas etapas de auditoria e fiscalização antes, durante e depois das eleições.

Entre as iniciativas promovidas pela Justiça Eleitoral para aumentar a transparência e segurança sobre o processo estão a abertura do código-fonte, que é disponibilizado para entidades interessadas, e o Teste Público de Segurança, feito para identificar possíveis vulnerabilidades nas urnas e corrigi-las antes das eleições.

Neste site, o TSE lista todas as oportunidades de auditoria e fiscalização do sistema. Participam do processo de auditoria partidos políticos, federações e coligações, Polícia Federal, Ministério Público, Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e diversas outras entidades.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil responsável pela postagem no X (antigo twitter), mas ele não aceita mensagens. Também houve contato por meio do perfil do responsável pela gravação e pela conta do Kwai que publicou o vídeo, mas não obteve resposta até a publicação desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum em peças de desinformação o uso de linguagem em tom alarmante como se estivesse diante de uma denúncia grave. Também desconfie de vídeos compartilhados sem a indicação de autoria ou local da gravação. O fato de um dos materiais ter sido feito por uma mesária é uma tentativa de imprimir veracidade ao conteúdo. Ao se deparar com publicações desse tipo, sobretudo quando se trata de eleições, procure os canais do TSE, órgãos oficiais e veículos de imprensa de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo vídeo foi checado pelo Fato ou Fake, Estadão Verifica, Uol Confere, Aos Fatos, Lupa e pelo próprio TSE. A segurança das urnas eletrônicas é tema frequente de verificações do Comprova. A iniciativa já mostrou que a abertura do código-fonte das urnas é padrão e não tem relação com escolha de conselhos tutelares; que não há dispositivo nas urnas eletrônicas capaz de alterar votação e que fala de Ciro Gomes sobre fraude na eleição era crítica a Lula e Bolsonaro, e não denúncia contra sistema eleitoral.

Política

Investigado por: 2023-11-09

Vídeo resgata notícia antiga e engana sobre interrupção da Operação Carro-Pipa no governo Lula

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso vídeo publicado no Kwai com trecho de telejornal do SBT noticiando corte de recursos da Operação Carro-Pipa, do governo federal. Diferentemente do que alega a postagem, o vídeo não tem relação com o governo Lula (PT). As imagens são de novembro de 2022 e parte delas foi usada de forma descontextualizada atribuindo à atual gestão um problema registrado no final do governo de Jair Bolsonaro (PL).

Conteúdo investigado: Vídeo apresenta chamada de reportagem sobre corte de recursos da Operação Carro-Pipa, do governo federal. O post atribui a medida ao governo Lula ao sobrepor a frase “Faz o L” sobre o vídeo. Esse foi o mote de campanha do presidente Lula, mas é usado de forma irônica por críticos de seu governo.

Onde foi publicado: Kwai.

Conclusão do Comprova: Vídeo engana ao mostrar um trecho do telejornal SBT Brasil sobre corte de verba da Operação Carro-Pipa (OCP), do governo federal. O conteúdo insere a frase “Faz o L” na tela, indicando ser do governo Lula (PT) a responsabilidade pelo problema no Nordeste. Na verdade, o vídeo original trata de uma situação que aconteceu ainda no governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL), em novembro de 2022. A reportagem foi exibida no dia 28 de novembro do ano passado, antes da posse de Lula.

Na época, o corte no serviço afetou 2 milhões de pessoas em mais de 600 cidades nordestinas. O Exército confirmou que as operações dos carros-pipas tinham sido suspensas desde o dia 16 de novembro, por falta de verbas. O restabelecimento da operação assistencial, no momento em que a reportagem foi veiculada, estava condicionado a uma suplementação no orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional, atual Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MDR).

Procurado pelo Comprova, o MDR informou que, em 2023, a Operação Carro-Pipa funciona normalmente, conforme as demandas apresentadas pelos municípios, por meio do S2ID (Sistema Integrado de Informações sobre Desastres). Sobre a situação no final de 2022, a pasta não respondeu sobre o que ocorreu com os carros-pipa nem quando aconteceu o retorno dos serviços.

Sobre o modelo do serviço, o ministério informou que não existe proposta de mudança. Porém, o governo vem estudando, ao longo dos anos, modelos nos quais cada gestão local teria capacidade de gerir e executar a operação já que se trata de um programa emergencial, visando proporcionar um atendimento perene de água potável para a população rural do semiárido brasileiro.

Enganoso para o Comprova é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 8 de novembro, o vídeo verificado teve 61,4 mil visualizações, 3,6 mil curtidas e 1,6 mil comentários.

Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar no Google a frase da apresentadora no vídeo: “Quase 2 milhões de moradores correm o risco de desabastecimento de água”.

A busca retornou a reportagem original – publicada em 28 de novembro de 2022, disponível no Facebook do SBT News e também no YouTube do SBT, bem como checagens do mesmo vídeo já feitas pelo UOL Confere, Estadão Verifica e pela Reuters.

O Comprova procurou o MDR para saber sobre o atual funcionamento do programa. Também consultou informações disponibilizadas publicamente pela Secretaria Nacional de Defesa Civil sobre a situação das cidades atendidas, quantitativos e total de carros-pipas.

Operação Carro-Pipa

A Operação Carro-Pipa existe desde 1998, período do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A ação ocorre por meio de cooperação mútua, técnica e financeira entre o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e o Ministério da Defesa. A iniciativa leva água potável, por meio de carros-pipa, a comunidades do semiárido brasileiro, afetadas por seca ou estiagem.

Uma das atribuições do Ministério da Defesa, por intermédio do Comando do Exército, é a contratação de pipeiros e outros serviços terceirizados de mão de obra, para atender estados do semiárido brasileiro.

O portal da Operação Carro-Pipa, da Secretaria Nacional de Defesa Civil, divulga a lista de cidades atendidas pelo Exército e informações sobre a situação da Operação (se em execução, se suspenso temporariamente, se em implantação) em cada localidade, além da quantidade de pipeiros e a população beneficiada. Os números podem variar a cada mês a depender da demanda.

No site, os dados sobre atendimento de localidades estão atualizados até setembro deste ano. Veja abaixo os atendimentos daquele mês:

 

Estado

Quantidade de cidades atendidas

Quantidade de cidades em execução

Carros-pipas

População atendida

Alagoas

29

29

170

124.297

Bahia

61

57

878

455.965

Ceará

22

20

228

110.080

Minas Gerais

0

0

0

0

Paraíba

149

149

705

292.479

Pernambuco

77

71

781

400.520

Piauí

8

7

98

30.122

Rio Grande do Norte

52

49

201

69.673

Sergipe

8

8

42

28.788

Fonte: Portal Operação Carro-Pipa

O MDR forneceu informações mais recentes ao Comprova. Em outubro, 392 municípios receberam atendimento, beneficiando 1.505.151 pessoas. Foram 3.134 carros-pipa envolvidos e 74.123 entregas de água. Levando em consideração as orientações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para cálculo de unidade familiar (quatro pessoas), estima-se que a OCP atenda a 376.288 famílias.

SBT Brasil

O vídeo investigado utilizou trecho do telejornal SBT Brasil apresentado pela jornalista Márcia Dantas. Na chamada da reportagem, a apresentadora fala: “Quase 2 milhões de moradores correm o risco de sofrer desabastecimento de água no Nordeste. A Operação Carro-Pipa, que leva água potável às famílias de mais de 600 cidades, teve os recursos cortados”.

O material produzido pelo SBT Brasil tem 2min16 de duração, incluindo a chamada e a reportagem. No vídeo enganoso foram utilizados 13 segundos do vídeo. A reportagem completa está disponível no canal do SBT no YouTube e no portal de notícias da emissora.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com o perfil que publicou o post viral.

O que podemos aprender com esta verificação: Publicações enganosas, muitas vezes, utilizam conteúdos reais ou parte deles de forma descontextualizada para gerar supostas “denúncias de irregularidades”. No caso do vídeo em questão, a retirada de contexto leva ao entendimento enganoso sobre a data do fato narrado e quais os verdadeiros responsáveis. Desconfie de publicações que não forneçam informações contextuais como data, local, personagens envolvidos e as razões que possam ter ocasionado a situação exposta. Ao se deparar com conteúdos similares, é importante pesquisar as informações mencionadas em fontes seguras.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Os temas da insegurança hídrica no Nordeste e o acesso à água envolvendo, por exemplo, a transposição do Rio São Francisco são alvos recorrentes de desinformação no ambiente digital. O Comprova desmentiu a morte de peixes na barragem de Oiticica por causa do fechamento de comportas da transposição. Também mostrou que Bolsonaro não concluiu 84% das obras da transposição, como alega o vídeo. A atividade dos carros-pipa também já foi checada pelo Comprova, no caso da falsa alegação de que a família de Ciro Gomes tinha 77 empresas de carros do tipo no Ceará e que esse tenha sido o motivo do atraso das obras da transposição.

Política

Investigado por: 2023-11-08

Não existe nova lei que obrigue motorista a pagar pensão por invalidez em casos de acidentes de trânsito

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo engana ao afirmar que foram feitas mudanças na lei que dispõe sobre o pagamento de pensões por invalidez ou morte em casos de acidente de trânsito. Segundo a publicação, o repasse dos valores passaria a ser de responsabilidade do motorista causador do acidente. Consultados pelo Comprova, advogados explicam que os pagamentos seguem sendo feitos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e destacam que não ocorreram alterações recentes na lei. O INSS, conforme já previsto em legislação, pode, porém, processar o motorista, quando comprovada a culpa, em uma ação para ressarcimento dos valores pagos às vítimas.

Conteúdo investigado: Vídeo mostra um suposto integrante da Polícia Rodoviária Federal (PRF) falando para algumas pessoas, que estão sentadas ao seu redor. Um homem faz uma narração por cima das imagens e afirma que uma mudança na lei passa a responsabilizar o motorista, em caso de acidente de trânsito, pelo pagamento de pensão à vítima. Segundo o narrador, antes, o governo era responsável por essa indenização. O discurso do suposto agente da PRF vai ao encontro do que diz o narrador.

Onde foi publicado: Kwai e WhatsApp.

Conclusão do Comprova: Vídeo que circula nas redes sociais engana ao afirmar que “nova lei” obriga o motorista ou o dono do carro causador de acidentes de trânsito a pagar pensões por invalidez às vítimas.

A responsabilidade pelos pagamentos de pensões por invalidez ou por morte em casos de acidente de trânsito segue sendo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O que ocorre é que o órgão pode entrar com uma ação contra o motorista, caso fique comprovada sua culpa, para o ressarcimento dos cofres públicos com o pagamento dos benefícios às vítimas. Nem o motorista nem o dono do veículo fazem pagamentos de pensões previdenciárias diretamente às vítimas.

Além disso, há uma diferença entre o pagamento de benefícios previdenciários e processos por responsabilidade civil. Vítimas de acidentes podem processar os causadores dos acidentes na esfera civil, em busca de indenizações.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Kwai, até 8 de novembro de 2023, o vídeo teve mais de 45 mil visualizações, 2 mil likes, 164 comentários e 1.6 mil compartilhamentos. Não é possível saber o alcance da publicação no WhatsApp.

Como verificamos: O Comprova entrevistou dois advogados trabalhistas e os questionou sobre as informações apresentadas no vídeo, e então verificou a legislação a respeito deste tipo de situação. Também entrou em contato com a PRF e o INSS, além do autor do conteúdo.

Responsabilidade pelo pagamento de pensões e auxílios segue sendo do INSS

“O que ocorre no vídeo, me parece, é uma confusão entre o benefício previdenciário, que permanece sob a obrigação do INSS, e a ação que o INSS pode tomar contra o motorista que causou esse acidente, então comprovada a culpa”, explica Lucas Vieira Negrão, advogado especialista em direito previdenciário e do trabalho, do escritório Miguel Neto Advogados Associados.

Conforme previsto na Lei nº 8.213/1991, o INSS é responsável pelo pagamento de seus assegurados, inclusive em caso de acidente de trânsito, em casos de invalidez ou morte. Quando um contribuinte do INSS é vítima de um acidente de trânsito que o deixe inválido, o instituto previdenciário arca com o auxílio-acidente ou a aposentadoria por invalidez. Em casos de morte do assegurado, o INSS passa a pagar a pensão por morte à família.

“Essa mesma sistemática permanece, não houve nenhuma alteração legal”, assegura Negrão. “O que há é que o motorista culpado pode sofrer um processo de ação regressiva pelo INSS, para ressarcir aos cofres públicos as despesas do instituto com o pagamento desses benefícios. Isso já é algo que está previsto em lei, não é algo novo.”

Ainda assim, segundo o advogado, na maioria dos casos, não ocorrem processos por ações regressivas. “Apesar do INSS ter essa possibilidade, não é algo que ele está tomando muito comumente, até pelo alto volume de acidentes. É algo que está começando a engrenar agora”, diz Negrão.

Responsabilidade civil em casos de acidentes

Além da possibilidade de ações de ressarcimento movidas pelo INSS, existe a responsabilidade civil da pessoa que causa um acidente. O Código Civil (CC), de 2002, no artigo 927, prevê que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. “Existe a possibilidade da vítima ou dos familiares da vítima pedirem na esfera civil uma pensão vitalícia em razão do acidente verificado, se for comprovada culpa ou dolo”, esclarece Lucas Sampaio Santos, do escritório Abe Advogados. O pagamento de uma indenização na esfera civil não impede que a vítima tenha direito aos benefícios previdenciários.

A indenização civil está prevista no artigo 950 do CC. O referido trecho afirma que, “se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu”.

“Esse direito sempre existiu. Se um caminhoneiro atropela meu filho e deixa ele paraplégico, eu tenho todo o direito de pedir que ele pague essa indenização na esfera civil. Não há nada que tenha mudado. Esse temor deveria ser anterior a qualquer tipo de situação, a responsabilidade civil sempre existiu”, afirma Santos.

O que diz a PRF

Por e-mail, a PRF afirmou que realizou consulta junto às assessorias regionais de comunicação do órgão, mas não conseguiu identificar o local, a data e o contexto em que foi gravado o vídeo. A entidade disse ainda que não tem registro de ações em que os agentes da PRF orientem condutores sobre a possibilidade de pagamento de aposentadorias em casos de acidente de trânsito. O órgão não confirmou se a pessoa no vídeo se trata de fato de um agente da Polícia Rodoviária Federal.

O que diz o INSS

Em resposta ao Comprova, o INSS disse que “o governo federal continua sendo o responsável por pagar todos os benefícios da Previdência Social, por meio do INSS”. E reforçou que o órgão pode pedir ressarcimento ao motorista causador do acidente que provocou a morte ou a invalidez de outra pessoa.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova buscou contato com a pessoa responsável pela publicação através de mensagem direta via Facebook, mas não obteve resposta até a publicação desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: O vídeo dá a entender que houve a criação de uma nova lei, que poderia prejudicar motoristas, mas não houve mudanças recentes na lei. Misturar fatos verídicos e informações inventadas é uma prática comum de perfis que costumam disseminar desinformação. Nessas publicações, também é comum que sejam citados altos valores, associados a supostas políticas do governo que prejudicam a população. Ao se deparar com conteúdos deste tipo, consulte os órgãos oficiais e veículos de imprensa de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Estadão Verifica também realizou checagem sobre o mesmo vídeo investigado aqui. O Comprova já verificou outros conteúdos relativos a pagamentos de pensões e auxílios pelo INSS. Já mostramos que o auxílio-reclusão é garantido por lei desde 1960 e seu valor é equiparado ao salário mínimo e que é enganoso que Paulo Guedes anunciou redução em aposentadorias e outros benefícios do INSS.

Política

Investigado por: 2023-11-07

Entenda a proposta do MDA para transferência de terras de devedores para a reforma agrária

  • Contextualizando
Contextualizando
O ministro Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, propôs destinar terras de “grandes devedores” a assentamentos de produtores rurais, por meio do processo de adjudicação de imóveis, que é a transferência de um bem do devedor para o credor. A possibilidade já é prevista em lei e o governo trabalha em um programa para contemplar famílias da reforma agrária.

Conteúdo investigado: Vídeo publicado pelo deputado estadual do Mato Grosso Gilberto Cattani (PL) sugere que agricultores com dívidas no Banco do Brasil e em outras instituições financeiras estatais terão terras tomadas e entregues ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). O parlamentar usa uma fala do ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, sobre a proposta do governo de destinar imóveis adjudicados ao assentamento de famílias, para justificar a alegação.

Onde foi publicado: Instagram.

Contextualizando: O governo federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, trabalha na concepção de um programa para transformar terras de proprietários que se recusam a pagar dívidas de financiamentos e impostos em assentamentos de produtores rurais, pelo processo de adjudicação. O ministro Paulo Teixeira (PT) falou sobre a proposta durante uma visita a um assentamento no Paraná. O projeto, no entanto, ainda está em fase de elaboração.

A possibilidade de adjudicação de imóveis, caracterizada pela transferência de um bem do devedor ao credor, está prevista em lei. De acordo com o ministro, a “inovação” está na destinação das terras, que, em caso de imóveis rurais, passarão a ser reservadas a famílias beneficiadas pela reforma agrária.

O Banco do Brasil informou que a prática de alienação de bens utilizados como garantia em empréstimos e financiamentos, por exemplo, é comum no sistema financeiro. Nesse processo, instituições públicas, a exemplo de governos federal, estaduais e municipais podem adquirir as propriedades pelo valor de mercado.

Em relação à seleção de famílias que ocuparão as terras transformadas em assentamentos, o processo atualmente é feito por meio de edital, de responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A classificação dos beneficiários se dá por ordem de prioridade para distribuição de lotes e observando critérios como tamanho da família e força de trabalho, tempo na atividade agrária, renda e outros. As parcelas de terras dos assentamentos são destinadas a famílias de agricultores e trabalhadores rurais que não têm condições de adquirir um imóvel.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A publicação investigada leva a crer que qualquer proprietário de terra que tenha débitos com bancos estatais terá o imóvel penhorado para ser entregue ao MST, o que não se sustenta. Além disso, sugere uma tentativa do governo federal em favorecer o movimento enquanto prejudica produtores rurais, a partir da retirada de terras. Conforme esclarecido ao longo da verificação, há regras definidas em lei para a distribuição de lotes em projetos de assentamentos.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova enviou um e-mail ao deputado Gilberto Cattani, mas não obteve resposta até a publicação desta verificação. Também buscamos comunicação via WhatsApp e ligação, mas não foi possível estabelecer contato.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A publicação no Instagram atingiu 24,7 mil visualizações, 84 comentários e 670 compartilhamentos até o dia 6 de novembro de 2023.

Como verificamos: Inicialmente, o Comprova buscou as palavras-chave “adjudicação de terras” e “ministro” no Google e encontrou o vídeo original publicado pelo perfil do MST do Paraná. A partir dos dados disponíveis na legenda, como local e data do discurso, foi possível encontrar outras informações sobre a visita do ministro Paulo Teixeira ao assentamento, a exemplo deste post no Instagram e esta matéria veiculada no site do MST.

Ainda com a busca no Google, a equipe encontrou reportagens da CNN Brasil e do Poder360, que falam sobre a proposta do governo. Além disso, o advogado Marcelo Velame foi consultado para esclarecer o que prevê a legislação sobre o tema.

Por fim, o Comprova entrou em contato com o MDA, o Banco do Brasil e o autor da publicação.

Proposta de adjudicação de terras

No dia 9 de outubro de 2023, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, visitou o assentamento Dorcelina Folador, em Arapongas, no norte do Paraná. Ao lado do ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil (MDS), Wellington Dias, o chefe da pasta visitou a Cooperativa da Comercialização e Reforma Agrária Camponesa (COPRAN), que produz laticínios, e conheceu a produção de hortaliças e legumes de uma família de assentados.

Durante a visita, Teixeira fez o discurso do qual foi retirado o trecho vinculado à peça de desinformação. O ministro fala sobre a proposta do governo de adjudicar terras de “maus pagadores” e destiná-las ao assentamento de famílias da reforma agrária. Adjudicação é o nome que se dá ao processo de transferência de um bem de um devedor ao credor.

Teixeira também garante que a primeira ação do governo nesse sentido será no Paraná, nas “terras dos Atallas”, se referindo às propriedades do Grupo Atalla. De acordo com o Mapa de Conflitos, desenvolvido pelo Núcleo Ecologias, Epistemologias e Promoção Emancipatória da Saúde da Fiocruz, a família é dona de cerca de 40 mil hectares de terras e tem histórico de violação de direitos trabalhistas, práticas de trabalho escravo e mais de R$ 150 milhões de dívidas trabalhistas.

A fala do ministro foi republicada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Vem aí a expropriação de terras”, escreveu ele. Após a repercussão, Paulo Teixeira explicou a proposta. Ele afirmou que a possibilidade de adjudicação de imóveis de “grandes devedores” já está prevista em lei. O Decreto nº 433/1992 autoriza a aquisição de imóveis rurais, mediante compra e venda, para fins de destinação aos projetos do programa de reforma agrária. Existe ainda a Lei 13.105/2015, que discorre sobre a adjudicação, na subseção I, mais especificamente nos artigos 876, 877 e 888.

Além disso, é comum que clientes usem imóveis e outros bens como garantia em empréstimos, financiamentos e outras negociações feitas junto às instituições financeiras. No entanto, em caso de inadimplência, o banco pode tomar esses bens e vendê-los a pessoas físicas, jurídicas e entidades governamentais.

“O Banco do Brasil atua com as melhores práticas bancárias no processo de cobrança e regularização de créditos, priorizando o recebimento de parcelas em atraso no menor prazo possível, atuando preventivamente, de modo a evitar a inadimplência e a ocorrência de perdas, sempre na busca das melhores soluções financeiras para seus clientes. No entanto, quando o rito de cobrança não surte efeito, faz-se necessária a execução de garantias”, esclareceu o Banco do Brasil em nota ao Comprova. “Nos últimos 5 anos, por exemplo, foram vendidos mais de 6 mil imóveis neste processo, sendo 234 imóveis rurais e 5,814 mil urbanos”, pontua.

A proposta do governo, portanto, é a criação de novos assentamentos a partir da adjudicação de imóveis rurais de proprietários com grandes dívidas de impostos ou débitos em bancos. “Nós temos uma demanda muito grande de agricultores que querem plantar, mas não têm terra. E essas terras pertencem à sociedade brasileira, já que são terras que foram dadas em garantia de impostos ou de financiamentos”, defendeu o ministro. Ao Comprova, o MDA informou que o programa ainda está em fase de construção.

O que diz a lei

A adjudicação está prevista na Lei 13.105/2015, subseção I, nos artigos 876, 877 e 888. Segundo Marcelo Velame, advogado com atuação no Direito Civil, adjudicar é o ato de transferir uma propriedade de uma pessoa para outra. “Em um processo de execução, a adjudicação é a retirada de um bem do devedor para que seja levado ao credor”. Caso o devedor não tenha dinheiro para o pagamento, ele pode oferecer um bem. “Nesse caso, temos duas opções, ou eu [credor] vou leiloar essa propriedade ou vender para um terceiro, o que seria o que chamamos de alienação. Ou eu posso pegar esse bem do devedor para mim. Isso é uma adjudicação, que vai servir como pagamento de uma dívida”, explica Velame.

O advogado destaca ainda que a adjudicação é um dos tipos de expropriação. “Os dois termos têm uma relação de gênero e espécie. Então é possível expropriar realizando a adjudicação (quando o credor se apropria de um bem do devedor), mas posso também alienar o bem (quando há venda para terceiros) ou ainda me apropriar de rendimentos ou dividendos de uma empresa”. Essas são as três formas de expropriação previstas no código de processo civil.

Em relação à proposta MDA, Marcelo Velame analisa que “a princípio, é possível realizar”. “Não temos ainda os termos de como isso vai ser feito, mas sendo um caso de devedor ao governo federal, seja pelos bancos públicos ou até dívidas tributárias, por exemplo, é uma forma de garantir o pagamento de um crédito, o que é bom para o interesse público, e uma forma também de destinar esse bem para uma função social”, explica.

Quem são as famílias beneficiadas

Os assentamentos são conjuntos de unidades agrícolas formadas por famílias de agricultores e trabalhadores rurais que não têm condições de adquirir um imóvel. Os núcleos beneficiados se comprometem a morar na parcela de terra recebida e explorá-la para fins de sustento, por meio da mão de obra familiar. Além disso, recebem assistência técnica, infraestrutura, créditos e outros benefícios. A gestão das terras é feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A seleção de famílias se dá por meio de edital e segue a ordem de prioridade definida na Lei nº 8.629/93, que dispõe sobre a regulamentação de dispositivos referentes à reforma agrária. A classificação é feita de acordo com esta ordem:

  • indivíduo desapropriado;
  • trabalhador rural no imóvel desapropriado na data da vistoria de classificação;
  • trabalhador rural desintrusado (retirado de área demarcada como terra indígena, de comunidade quilombola, unidade de conservação, etc.), em virtude de ações de interesse público, localizada no mesmo município do assentamento para o qual se destina a seleção;
  • trabalhador rural sem-terra em situação de vulnerabilidade social inscrito no CadÚnico;
  • trabalhador rural vítima de trabalho análogo à escravidão;
  • pessoas que trabalham como posseiro, assalariado, parceiro ou arrendatário em outros imóveis rurais; e
  • ocupante de área inferior à fração mínima de parcelamento.

A avaliação também leva em consideração critérios como tamanho da família e força de trabalho, unidade familiar chefiada por mulher, tempo na atividade agrária, renda declarada no Cadastro Único, e outras características.

O que podemos aprender com esta verificação: Informações descontextualizadas ou em tons alarmistas são frequentemente compartilhadas com o objetivo de causar pânico ou medo entre produtores rurais e agricultores, especialmente quando envolve a temática reforma agrária. No caso desta verificação, a peça de desinformação envolveu uma proposta do MDA ainda em construção e sem previsão para lançamento.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A questão dos conflitos fundiários e a atuação do MST são constantemente temas de desinformação nas redes sociais. O Comprova já verificou um vídeo que tira imagens de contexto para mentir sobre desapropriações no AM e PA; que famílias retiradas de São Félix do Xingu ocupavam território indígena de forma irregular, segundo Justiça Federal; e que policiais foram expulsos pelo MST de protesto em rodovia no PR, e não feitos reféns.

Política

Investigado por: 2023-11-07

Produtor cultural não foi a Portugal com dinheiro recebido da Lei Rouanet, diferentemente do que afirma vídeo

  • Falso
Falso
É falso que um artista chamado Wesley Telles, que estaria passando fome e teria apoiado Lula (PT) em 2022, tenha recebido R$ 1 milhão da Lei Rouanet e utilizado o dinheiro para viajar a Portugal, como afirma vídeo no TikTok. A WB Produções, empresa da qual Telles é sócio, recebeu por meio da Lei Rouanet autorização para captar recursos de empresas e pessoas para um projeto de teatro. O valor ainda não foi captado. O dinheiro da Lei Rouanet não sai do governo federal nem é direcionado a Telles diretamente. A lei prevê diversos mecanismos de prestação de contas e acompanhamento dos projetos contemplados pelo financiamento.

Conteúdo investigado: Homem fala em vídeo que o “artista Wesley Telles”, que estava passando fome e apoiou Lula, recebeu R$ 1 milhão da lei Rouanet. ”O cara já está em Portugal, gastando nosso dinheiro”, diz o autor do vídeo. “E o hospital do câncer aqui na Bahia fechado por falta de funcionário. E a transposição do Rio São Francisco fechada [sic]. Faz o L que o bolso de otário já sabe onde é”, completa. Ao fundo, há duas fotos retiradas do perfil Telles no Instagram. Uma delas é de um homem em Portugal, e a outra é o rosto de Lula.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: Vídeo no TikTok mente ao dizer que o “artista” Wesley Telles teria recebido R$ 1 milhão via Lei Rouanet este ano e viajado com o recurso para Portugal após apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais de 2022.

Primeiramente, Wesley não é artista. Ele é diretor-presidente e um dos sócios da empresa WB Produções, que produz e promove peças de teatro. Segundo dados do Ministério da Cultura, há registros de projetos da WB Produções financiados por meio da Lei Rouanet desde 2009.

A plataforma VerSalic, que agrega dados de proponentes e seus projetos vinculados às leis de incentivo à cultura federais, mostra que a empresa tem ativos dez projetos autorizados a captar financiamento de mais de R$ 9 milhões.

A autorização mais recente foi dada em 26 de outubro deste ano e permite que a empresa de Telles capte R$ 1,7 milhão para a realização do 14º Circuito Nacional de Teatro no Espírito Santo. O recurso ainda não foi captado, segundo o sistema do Ministério da Cultura.

Ainda que o dinheiro seja captado junto a empresas e pessoas físicas, como prevê a Lei Rouanet, ele fica em uma conta bancária monitorada pelo Ministério da Cultura. Dessa forma, o recurso não pode ser usado para gastos pessoais dos proponentes do projeto e nem para pagar despesas da empresa não relacionadas ao projeto específico para o qual foi destinado.

As regras para obtenção do financiamento prevêem ainda que seja feita uma prestação de contas detalhada de todos os gastos do projeto, com apresentação de notas fiscais emitidas por empresas idôneas e com valores que são tabelados.

O Comprova contactou o produtor cultural, que confirmou as informações disponíveis na plataforma VerSalic. Ele disse ainda que viajou entre os dias 11 e 17 de outubro para Portugal, durante uma semana, para passar férias com recursos próprios. Essa data é anterior à liberação para a captação de recursos.

Ele negou que estivesse “passando fome” antes da eleição e confirmou que apoiou Lula em 2022. Afirmou ainda que, após o contato da reportagem, registrou boletim de ocorrência por calúnia contra o autor do vídeo.

No vídeo, o desinformador acrescenta que o hospital do câncer da Bahia estaria fechado por falta de funcionários. Ele não especifica o nome do hospital, mas a unidade de referência do Estado para tratamento oncológico é o Hospital Aristides Maltez, em Salvador, que é gerenciado por uma instituição filantrópica. Não há informações de que a unidade esteja fechada.

Ele também diz que a transposição do Rio São Francisco estaria “fechada”, o que também não é verdade. O Comprova fez um conteúdo explicativo a respeito da megaobra, que é alvo frequente de desinformação.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, o vídeo teve 29,7 mil visualizações, 2,9 mil curtidas e 239 comentários.

Como verificamos: O Comprova buscou informações sobre o produtor cultural Wesley Telles através dos dados do perfil de Instagram que aparece no vídeo checado. Em seguida, entrevistou-o por telefone. Também foram consultadas as plataformas VerSalic e Salic Comparar, do Ministério da Cultura, onde foram feitas buscas pelo nome de Telles da WB Produções.

A reportagem ainda entrou em contato com o Hospital Aristides Maltez por email para saber se houve fechamento ou se havia falta de funcionários na unidade.

A Lei Rouanet

Criada em 23 de dezembro de 1991, a Lei de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet, é um mecanismo de incentivo fiscal do governo federal que permite que empresas e pessoas físicas possam destinar uma porcentagem de seu imposto para iniciativas culturais. O objetivo é estimular e fomentar a produção, preservação e difusão cultural.

O valor do imposto vai para os programas aprovados pelo Ministério da Cultura, em um investimento indireto. Os principais critérios de avaliação utilizados pela pasta para aprovar um projeto são: a capacidade de ampliar o acesso da população à cultura; compatibilidade de custos e capacidade técnica e operacional do proponente, respectivamente.

Uma vez aprovados, os proponentes devem buscar empresas e pessoas dispostas a financiarem os projetos através dos impostos. Desse modo, o governo dá a autorização para a captação de um determinado montante, mas isso não significa que o proponente vai obter todo o dinheiro previsto.

A execução do projeto incentivado é acompanhada pelo ministério, de forma eletrônica, por trilhas implementadas no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic), que identificam possíveis inconsistências de execução. Esse acompanhamento é diferente dependendo do valor captado do projeto, classificado como pequeno (até R$ 750 mil), médio (de R$ 750 mil até R$ 5 milhões) e grande (acima de R$ 5 milhões).

Todos os projetos devem realizar a comprovação de despesas de forma eletrônica, durante a execução. Essas informações são cruzadas com os valores utilizados em conta bancária específica e acompanhada, em tempo real, pelo ministério.

Lei passou por mudanças recentes

Em abril deste ano, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, assinou instrução normativa que traz novas regras para destinação de recursos pela Lei Rouanet. O texto estabelece procedimentos necessários para apresentação, recepção, seleção, análise, aprovação, acompanhamento, monitoramento, prestação de contas e avaliação de resultados dos projetos.

Projetos que desejam captar recursos por meio da lei passam agora por quatro fases de avaliação antes da aprovação. A primeira verifica se a proposta atende aos objetivos da norma. Na segunda, ela é encaminhada para a instituição vinculada ao MinC correspondente à linguagem (audiovisual, artes plásticas, etc.), e analisada por um perito que emite um parecer conclusivo. Se a proposta for a realização de um filme, será analisada por um perito em cinema e audiovisual, por exemplo.

Posteriormente, passa pela análise da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que pode concordar ou discordar da análise técnica anterior, devendo discutir e aprovar no colegiado a decisão final. Por fim, a Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural examina novamente a regularidade fiscal do proponente e sua regularidade no MinC. Se é tudo aprovado, é autorizado o início da execução e liberados os recursos captados para a conta especial monitorada pelo Ministério durante toda a execução.

A normativa também estabeleceu novos valores máximos a serem captados pelos proponentes, conforme algumas categorias. Artistas e modelos, por exemplo, podem receber até R$ 25 mil por apresentação. Já empresas podem captar entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões, a depender do tipo de atividade cultural.

Wesley Telles e a WB Produções

O homem cuja foto aparece ao fundo do vídeo checado é o produtor cultural Wesley Telles. Ele é um dos sócios da empresa WB Produções, fundada em 2007, que tem como atividade econômica principal a produção teatral, segundo informações da Receita Federal.

Segundo a plataforma VerSelic, a WB já obteve autorização do Ministério da Cultura para captar recursos em 35 projetos desde 2009.

Ao buscar o nome da empresa na plataforma, aparece para cada projeto o valor que foi autorizado para captação e o valor que foi efetivamente captado. Em algumas ocasiões, foi possível captar o recurso proposto na íntegra, em outros, parcialmente. Para alguns projetos a empresa não conseguiu captar recurso algum. Entre as patrocinadoras dos projetos da WB estão empresas como ArcelorMittal, Itau, Nubank, Porto Seguro, PRIO e Vivo, entre outras.

Para o Comprova, Telles ressaltou que não recebe recurso algum diretamente do governo federal.

“Eu não ganho nada, só a possibilidade de captar recurso. E o recurso não é da empresa, é do projeto. Quando eu capto recurso, eu tenho que executar, tenho que montar o espetáculo, ensaiar, fazer dois meses (de apresentações) no Rio de Janeiro, dois meses em São Paulo e dois meses de turnê pelo Brasil. Cada peça gera cerca de 300 empregos diretos e 15 mil indiretos”, disse.

Sobre a autorização de captação mais recente, de R$ 1,7 milhão, citada no vídeo desinformativo, ele afirma que é para um projeto de circulação de espetáculos no Espírito Santo.

“No Espírito Santo nada acontece sem as leis de incentivo, porque o recurso da bilheteria não paga. Por conta das contrapartidas, a gente vende menos de 40% da capacidade total do teatro”, esclarece.

Como compensação pelo recebimento do recurso das pessoas e empresas que seria pago em imposto, os espetáculos teatrais têm que distribuir cotas de ingressos gratuitos e a preços populares. A previsão está na normativa 01/2023 do Ministério da Cultura, no artigo 28.

Sobre a viagem a Portugal, ele afirmou que foi ao país europeu de férias em outubro deste ano, e que pagou as despesas com recursos próprios. “Fiquei uma semana de férias, tenho direito a férias como qualquer trabalhador”, disse.

O Comprova procurou o Ministério da Cultura a respeito dos projetos apresentados pela WB Produções, mas não houve retorno.

Hospital não está fechado

O Comprova não encontrou qualquer notícia de que o hospital Aristides Maltez, referência em tratamento de pacientes com câncer na Bahia, esteja fechado ou com a capacidade de atendimento reduzida por conta da falta de funcionários. Não há registros similares nem nas redes sociais da unidade e nem em sites de notícias da região.

O financiamento da unidade vem das contraprestações do Sistema Único de Saúde (SUS) e de doações de pessoas físicas e empresas, visto que o local é gerenciado por uma entidade filantrópica, a Liga Baiana Contra o Câncer (LBBC).

Transposição do Rio São Francisco não está “fechada”

A transposição do Rio São Francisco é alvo frequente de desinformadores. Recentemente, o Comprova publicou diversas checagens sobre diferentes alegações a respeito da obra. Já comprovamos que é falso que Lula desligou bombas da transposição do São Francisco; que vídeo que relaciona protestos em Pernambuco a Lula e à transposição do rio São Francisco é enganoso; e que trecho do Eixo Norte da transposição do São Francisco não foi fechado pelo governo Lula.

Também já explicamos como a polarização intensifica a desinformação sobre a transposição.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o perfil que publicou o conteúdo no TikTok e também por um perfil com o mesmo nome e foto no X (antigo Twitter), mas eles não aceitam mensagens.

O que podemos aprender com esta verificação: Informações falsas muitas vezes são disfarçadas de supostas “denúncias de irregularidades” para atacar determinados grupos. Nesse caso, é possível ver que o desinformador não mostra no vídeo, em momento algum, prova do que denuncia e nem cita a fonte de onde teria retirado tal informação. Ao se deparar com conteúdos similares, é importante buscar no Google ou na imprensa profissional informações sobre o assunto.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já fez outras verificações relacionadas à Lei Rouanet. Já checou que o orçamento do governo para hospitais não foi desviado para projetos culturais; que Zeca Pagodinho não recebeu milhões de reais pela lei para fazer musical; e que Ludmilla não receberá R$ 5 milhões por projeto que leva seu nome.

Política

Investigado por: 2023-11-01

Aprovada pela Anvisa, vacina contra a dengue está em análise de comissão técnica do SUS

  • Contextualizando
Contextualizando
O ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga afirma em vídeo que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não quer ofertar vacinas contra a dengue ao povo brasileiro. Ele diz ainda que a análise do imunizante foi retirada de pauta pelo Ministério da Saúde. Ao Comprova, o órgão explicou que a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec) solicitou esclarecimentos à fabricante Takeda, responsável pela produção da vacina Qdenga, em relação à “capacidade de entrega da vacina ao Brasil, além de outras informações técnicas sobre o imunizante”. Após o recebimento das respostas, a comissão analisará novamente a incorporação ou não da vacina ao Programa Nacional de Imunizações (PNI). Já a Takeda informou que, até 1º de novembro, não havia recebido documento oficial requisitando os esclarecimentos.

Conteúdo investigado: Em vídeo publicado nas redes sociais, o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga fala sobre a dengue no Brasil e sobre a indisponibilidade da vacina contra a doença no país. De acordo com Queiroga, a análise da vacina Qdenga foi retirada de pauta pelo Ministério da Saúde na gestão de Lula, que estaria no aguardo de um imunizante produzido pelo Instituto Butantan. O vídeo ainda mostra dados relativos à incidência da doença em 2023 e é acompanhado pela legenda: “DENGUE MATA! A ciência já desenvolveu vacinas eficientes contra a dengue, mas o governo do LUL4 [sic] não quer ofertar para o povo brasileiro. Em 2023, mais de 1.2 milhão de brasileiros tiveram dengue, sendo mais de 15 mil casos graves e mais de seiscentos óbitos”.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter) e Instagram.

Contextualizando: Desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a vacina contra a dengue da fabricante japonesa Takeda no Brasil, em março de 2023, postagens nas redes sociais questionam o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a respeito da demora na incorporação do imunizante ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Atualmente, só é possível se vacinar na rede privada, onde o imunizante é ofertado por preços que variam de R$ 300 a R$ 800 a dose — o fabricante recomenda tomar duas. Até o dia 26 de outubro, o Brasil já tinha mais casos de dengue em 2023 do que em todo o ano de 2022 (leia mais abaixo).

Em outubro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a recomendar a vacina contra a dengue desenvolvida pela Takeda, chamada de Qdenga. O Ministério da Saúde não informou se há previsão para que a vacina chegue ao SUS. A pasta diz aguardar informações da Takeda para dar seguimento ao processo, mas a farmacêutica afirma não ter recebido solicitação oficial e diverge de dados apresentados pelo governo.

O Comprova buscou informações para entender o motivo de a vacina ainda não ter chegado ao SUS.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A publicação pode levar a crer que o governo federal não incorporou a vacina ao Plano Nacional de Imunizações (PNI) ainda porque não quer disponibilizar o imunizante de forma ampla, via Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério da Saúde afirma que, na verdade, há um trâmite administrativo que precisa ser seguido antes que a implementação possa acontecer.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com Marcelo Queiroga, responsável pelo vídeo, mas não obtivemos resposta até a publicação desta matéria.

Alcance da publicação: No X, até o dia 1º de novembro de 2023, a publicação teve mais de 7 mil visualizações, 78 repostagens e 199 curtidas. No Instagram, foram 2,8 mil visualizações e 165 curtidas.

Como verificamos: A reportagem buscou esclarecimentos com o Ministério da Saúde por e-mail. Pesquisamos no Google pelas palavras chave: “reunião conitec takeda”. Como resultado, encontramos links que anunciavam a ocorrência da 123ª reunião da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec), colegiado vinculado à pasta, para discutir a incorporação da vacina Qdenga ao Sistema Único de Saúde. Identificamos uma transmissão ao vivo da referida reunião no YouTube (aqui).

Além disso, foram consultadas a Takeda, fabricante da vacina, e um médico sanitarista que fez uma análise do trâmite para incorporação do imunizante ao PNI. Também buscamos matérias no site do Instituto Butantan e de veículos de imprensa (Agência Brasil, Jota) para obter informações de contexto sobre as vacinas contra a dengue em desenvolvimento. O Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde também foi utilizado como fonte.

Trâmite administrativo

De acordo com o Ministério da Saúde, para que a vacina Qdenga seja incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), a farmacêutica precisa apresentar uma proposta à Conitec. Essa proposta deve conter uma estimativa de custos, uma indicação de público-alvo, informações de eficácia na prevenção da doença, entre outros dados.

A proposta é analisada pelos membros da comissão, que inclui, além das secretarias do Ministério da Saúde, representantes do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), da Anvisa, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Conselho Federal de Medicina (CFM).

A 123ª reunião da Conitec, em 5 de outubro, analisou a proposta apresentada pela Takeda, mas não houve resposta definitiva sobre a incorporação ou não do imunizante ao PNI. É possível assistir à reunião na íntegra aqui.

Pedido de informações e alto custo

Em nota ao Comprova, o Ministério da Saúde informou que a Conitec, na reunião do dia 5 de outubro, “deliberou por unanimidade que são necessários maiores esclarecimentos por parte do fabricante (Takeda) em relação à capacidade de entrega da vacina Qdenga ao Brasil, além de outras informações técnicas sobre o imunizante”. Para a comissão, não é possível deliberar sobre a incorporação do imunizante ao PNI “sem os esclarecimentos adicionais”.

Entre as informações solicitadas pela Conitec à empresa Takeda estão: dados sobre a capacidade produtiva do laboratório e o quantitativo de imunizantes que seria entregue ao país; esclarecimentos sobre a faixa etária considerada e a não inclusão de outros públicos; e a proposta de negociação do preço da Qdenga, considerado muito alto pelo Ministério da Saúde.

Segundo a pasta, o valor por dose estabelecido pela Takeda está muito acima daquele fixado em qualquer outra vacina presente no PNI. Por meio de nota, o ministério explicou ainda que a fabricante submeteu a proposta para duas faixas etárias (de 4 e de 55 anos), e que a incorporação do imunizante ao PNI para esses grupos “traria um impacto orçamentário muito elevado, de cerca de R$ 9 bilhões em cinco anos”. 

De sua parte, a Takeda informou ao Comprova que “a proposta de incorporação encaminhada […] à Conitec abrange os dois extremos da população, entre crianças e adultos”. Além disso, a fabricante afirmou que “a faixa etária de 4 a 60 anos de idade refere-se à aprovação obtida pela QDENGA na Anvisa” (Informação atualizada em 06/11/2023, após envio de nota de esclarecimento da Takeda ao Comprova).

O Ministério da Saúde apontou ainda que, de acordo com a bula da Qdenga aprovada pela Anvisa, a vacina não é indicada para a população mais vulnerável aos casos graves e mortes por dengue, que inclui crianças abaixo de 4 anos e pessoas idosas acima de 60 anos.

Questionado pelo Comprova, o ministério não estimou uma data para a entrada do imunizante no sistema público de saúde. Isso porque, após receber os esclarecimentos da Takeda, a Conitec irá discutir novamente a proposta da fabricante e analisar a incorporação ou não da vacina ao programa.

A Comissão tem 180 dias, prorrogáveis por mais 90, para a tomada de decisão. Todas as recomendações emitidas pela Conitec são ainda submetidas à Consulta Pública pelo prazo de 20 dias, exceto em casos de urgência do tema, quando o período pode ser reduzido para 10 dias. Ao final dos trâmites, cabe ao Ministério da Saúde a decisão final sobre a incorporação da nova tecnologia no SUS.

O que diz a Takeda

Em nota enviada ao Comprova, a Takeda, fabricante da vacina Qdenga, afirmou que submeteu a proposta de incorporação do imunizante ao PNI em 28 de julho deste ano, e que o documento foi protocolado em 31 do mesmo mês. O dossiê continha a “descrição das evidências científicas, através de uma Revisão Sistemática da Literatura, descrição dos estudos clínicos em andamento e planejados, um estudo de custo-efetividade sob ambas as perspectivas do SUS (Sistema Único de Saúde) e da Sociedade, além de uma análise de impacto orçamentário”.

Sobre as faixas etárias cobertas pela vacinação, a farmacêutica disse que propôs a priorização de grupos específicos, solicitando a avaliação da incorporação da Qdenga para indivíduos de 4 e 55 anos de idade. “A proposta […] encaminhada pela Takeda à Conitec abrange os dois extremos da população, entre crianças e adultos”, diz a nota. O documento afirma ainda que “a faixa etária de 4 a 60 anos de idade refere-se à aprovação obtida pela QDENGA na Anvisa” (Informação atualizada em 06/11/2023, após envio de nota de esclarecimento da Takeda ao Comprova).

Além disso, a empresa afirma que colocou também à disposição uma análise de vários cenários de vacinação envolvendo diferentes faixas etárias e expectativas de cobertura vacinal.

A Takeda destaca ainda estar ciente de que o Conitec não emitiu parecer definitivo sobre a incorporação da vacina ao PNI porque havia a necessidade de mais informações para apoiar a tomada de decisões. Segundo a fabricante, até o dia 1º de novembro, a empresa não recebeu documento oficial requisitando os esclarecimentos.

Vacina do Instituto Butantan

Além da Qdenga, já aprovada pela Anvisa, uma vacina contra a dengue está sendo produzida no país. O Instituto Butantan, em parceria com a farmacêutica MSD (sigla em inglês para Merck Sharp and Dohme), está desenvolvendo uma vacina de dose única, chamada Butantan-DV. O imunizante é derivado de uma tecnologia do Instituto Nacional de Saúde (National Institutes of Health, em inglês), dos Estados Unidos, licenciada em 2009. As fases 1 e 2 do ensaio clínico foram desenvolvidas nos EUA (2010-2012) e no Brasil (2013-2015), respectivamente. As informações estão disponíveis no Portal do Butantan, em publicação de 16 de dezembro de 2022.

As duas primeiras fases do ensaio clínico mostraram que a vacina induz a produção de anticorpos contra os quatro sorotipos do vírus, o que, segundo o Instituto Butantan, é o maior desafio na produção de um imunizante contra a dengue. A dificuldade se explica pelo fato de que é possível ser infectado mais de uma vez pelos diferentes sorotipos, com chances de agravamento da doença e risco de morte.

Já os resultados preliminares da fase 3, que teve início em 2016, mostraram uma eficácia de 79,6% para evitar a doença. Os dados foram obtidos a partir do acompanhamento por dois anos de mais de 16 mil brasileiros que receberam a vacina. Durante o período delimitado, nenhum participante do ensaio apresentou caso grave da dengue. Foram avaliados voluntários de 2 a 59 anos de idade. A previsão para finalização do estudo é 2024, quando o último participante completar cinco anos de acompanhamento.

A Butantan-DV é tetravalente, ou seja, feita para proteger contra os quatro sorotipos do vírus da dengue (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). Caso a vacina seja aprovada pela Anvisa, após a conclusão do ensaio clínico, ela poderá ser incorporada ao PNI e ofertada gratuitamente via SUS.

Vacina pode ser aplicada em regiões foco da doença, diz especialista

O Comprova conversou com Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-SP), sobre as vacinas da Takeda e do Instituto Butantan, além do processo de análise da Conitec. Para o especialista, é preciso entender que a dengue tem impacto na população, mas apresenta números de casos menores do aqueles causados pela covid-19, por exemplo. Considerando esse contexto, “provavelmente uma vacina contra a dengue não vai ser de uso extensivo em todo o Brasil, mas será utilizada para atacar focos onde há o crescimento da doença”, explicou.

O médico destacou que a análise da Conitec é importante para garantir a segurança do imunizante e afirmou que é muito provável que haja a aprovação da Qdenga.“Não tenho dúvidas, por tudo que eu li sobre o imunizante da Takeda, que a Conitec vai se manifestar favoravelmente. A partir daí, o Ministério da Saúde deverá negociar com a fabricante a compra de alguma quantidade para que as doses sejam usadas de forma mais inteligente, como a estratégia de não usar a vacina no Brasil inteiro, mas em áreas focais”, afirmou.

Em relação ao imunizante do Instituto Butantan, o médico sanitarista disse que talvez haja uma expectativa do Ministério da Saúde em ter uma vacina nacional. “[A Butantan-DV] tem uma avaliação muito boa, mas já está em teste há quase quatro anos”, destacou. De acordo com Vecina, ainda não foi possível finalizar os estudos porque há uma dificuldade em aprovar a vacina do sorotipo número quatro, considerando o baixo número de casos desse tipo da doença. “Não sei até que ponto isso pode estar interferindo na decisão, mas espero que não”, complementou.

Aumento da dengue no Brasil

De acordo com a OMS, a incidência de dengue aumentou em todas as regiões do mundo, principalmente nas Américas. O Brasil é responsável por 80% dos casos registrados no continente.

Até o dia 1 de novembro deste ano, segundo o Ministério da Saúde, foram registrados 1.638.563 casos de dengue no país. Mesmo faltando dois meses para o fim do ano, o número de casos em 2023 já é maior do que o do ano passado, quando foram registrados um milhão de casos. Só em 2022, foram mais de mil mortes, o ano mais letal da série histórica até então. Este ano, também já chegamos aos mil óbitos. Alguns municípios brasileiros estão em situação epidêmica.

A disseminação da dengue e outras doenças tropicais está ligada às mudanças climáticas, dizem especialistas. Dependentes das altas temperaturas para sua disseminação, a malária, a chikungunya, a doença de chagas, a esquistossomose e a leishmaniose, além da própria dengue, são beneficiadas pelo clima cada vez mais quente e úmido.

A falta de um inverno bem definido, com temperaturas amenas, também leva a uma constância nos registros ao longo do ano, em vez de uma diminuição durante as estações “frias”, como é esperado. O cenário para o futuro próximo não é animador, e alguns especialistas falam em uma possível epidemia de outro tipo de dengue no próximo ano.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Vacinas são foco frequente de desinformação. O Comprova já investigou diversas alegações sobre esse assunto. Recentemente, mostramos que estudo não mostra que vacina da Pfizer modifica o código genético e que causará epidemias, que post de deputado engana sobre eficácia de vacinas ao usar dados imprecisos e fora de contexto e que governo da Flórida não declarou vacina contra a covid-19 uma arma biológica, ao contrário do que diz post.

 

Atualização: Esta verificação foi atualizada em 6 de novembro de 2023 para incorporar novas informações enviadas ao Comprova pela Takeda e para corrigir informações prestadas pela empresa, a seu pedido, após publicação da verificação. As informações adicionadas estão sinalizadas no texto atualizado. 

Política

Investigado por: 2023-11-01

Veja o que se sabe sobre apreensão de cocaína em veículo da Embaixada do Brasil na Bulgária

  • Contextualizando
Contextualizando
Um carro da diplomacia brasileira na Bulgária foi apreendido com 55 quilos de cocaína na fronteira com a Turquia, segundo a imprensa local. O caso resultou também na prisão de duas pessoas. Uma delas é um funcionário local da Embaixada brasileira em Sofia, capital búlgara, e é acusado pelo Itamaraty de ter furtado o veículo do local. Conteúdos nas redes sociais descontextualizaram o episódio ao associá-lo diretamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Conteúdo investigado: Vídeos no TikTok citam a apreensão de um carro da Embaixada do Brasil na Bulgária com 55 quilos de cocaína. Em um deles, o homem que narra o conteúdo exibe um recorte em que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), elogia a honestidade do presidente Lula. Na sequência, o vídeo mostra apresentadores de um telejornal aos risos, dando a entender que reagiam à fala de Dino. Outro vídeo associa Lula à apreensão ao mostrar uma imagem dele com maços de dinheiro. Já um terceiro conteúdo diz que um diplomata brasileiro foi preso na Bulgária e mostra um aparente pacote de droga com uma foto de Lula e a expressão “faz o L”. Um narrador ironiza que criticaram o então presidente Jair Bolsonaro (PL) quando um sargento da Força Aérea Brasileira (FAB) foi preso na Espanha com 37 quilos de cocaína, em 2019, ocasião em que cumpria missão oficial com a comitiva presidencial.

Onde foi publicado: TikTok.

Contextualizando: Um carro da Embaixada do Brasil em Sofia, capital da Bulgária, foi apreendido com 55 quilos de cocaína ao ser flagrado por agentes da fiscalização aduaneira em um posto de controle de Kapıkule, na fronteira com a Turquia. Reportagens publicadas pela imprensa búlgara apontam que os funcionários da alfândega encontraram a droga em diferentes locais do veículo, totalizando 52 pacotes.

No carro estavam o motorista e um passageiro, que não tiveram as identidades reveladas. Ainda conforme os sites locais, ambos foram detidos sob acusação de tráfico de drogas.

A agência de notícias estatal búlgara BTA divulgou a apreensão na manhã do dia 25 de outubro, ainda madrugada no Brasil. A publicação mencionava que o veículo pertencia à diplomacia de um país da América do Sul. No mesmo dia, o jornal búlgaro 24 Chasa revelou que se tratava do Brasil.

Em nota enviada ao Comprova, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE) confirmou a apreensão. Segundo o órgão, o carro foi furtado nas dependências da Embaixada por um funcionário búlgaro. Após o ocorrido, ele foi demitido por justa causa. Não há, conforme o Itamaraty, participação de qualquer integrante do Serviço Exterior Brasileiro, ou seja, de quem tenha sido indicado a partir do Brasil para trabalhar na representação em Sofia. Uma reportagem de O Globo informou que o funcionário teria nacionalidade turca. Um novo contato foi feito com o Itamaraty para confrontar a informação, mas não houve resposta.

“O Ministério das Relações Exteriores, por meio das Embaixadas do Brasil em Sofia e em Ancara, está em contato com autoridades locais, colabora com as investigações e espera que o crime seja apurado prontamente”, cita o Itamaraty em nota.

Conforme publicou a agência búlgara BTA, em 26 de outubro, o diretor do departamento de combate ao tráfico de drogas da agência alfandegária da Bulgária, Stefan Bakalov, afirmou que o caso é complicado e envolve vários países. Ele disse também que outros detalhes da investigação eram mantidos sob sigilo.

Vídeos de ministro e de jornalistas não têm relação com apreensão

Em um dos conteúdos analisados nesta verificação, o autor faz o uso de montagens com trechos de declarações do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, que não guardam qualquer relação com a apreensão do veículo da Embaixada do Brasil na Bulgária.

No vídeo publicado pelo autor, logo após uma narração com algumas informações sobre a apreensão, aparece uma gravação em que o ministro elogia a honestidade do presidente Lula.

A fala ocorreu durante reunião da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados no dia 25 de outubro de 2023. Na ocasião, Dino foi questionado pelo deputado federal Maurício Marcon (Podemos-RS), sobre suposta comemoração em presídios após eleição de Lula, em outubro de 2022.

“Sobre comemorações em presídios, não conheço esse assunto porque não tenho amigos em presídios. Então eu não sei se houve comemoração. Se o senhor tem essa informação, tem foto, tem filme… Então eu realmente desconheço esse fato de comemorações enfim. Me parece um pouco com essas histórias das imagens do 8 de janeiro que parece, por sua vez, com a história da Terra plana. É uma criação mental que fica circulando pela internet. Enfim, é o atual estágio da humanidade. Portanto, eu afirmo ao senhor, de novo, que o presidente Lula é um homem honrado, honesto, ficha limpa, orgulho do Brasil e um dos maiores estadistas da história do mundo”, declarou o ministro durante a reunião.

O conteúdo investigado traz, em seguida, um vídeo em que apresentadores de um telejornal aparecem gargalhando, como se reagissem à fala de Dino. O recorte foi retirado, no entanto, do trecho do telejornal Primeiro Impacto, do SBT, no momento em que os jornalistas tiveram uma crise de riso em razão de uma reportagem que estava sendo exibida naquele momento. A matéria mostra um homem suspeito de roubo que cai de uma motocicleta no momento em que tentava praticar o crime.

O Comprova encontrou o vídeo original da reportagem no canal da emissora de televisão, mas sem o momento em que os jornalistas riem da notícia. Porém, no YouTube é possível localizar o vídeo que mostra tanto a reportagem, quanto a reação dos apresentadores. A publicação foi feita em maio de 2022, portanto, sem qualquer relação com a declaração do ministro da Justiça.

Vídeo usa montagem para associar Lula à apreensão

Um segundo conteúdo investigado pelo Comprova sobrepõe uma imagem do presidente Lula com uma pilha de dinheiro em espécie a prints de notícias que tratam da apreensão de cocaína na Bulgária.

Não há informação, no entanto, que sustente uma vinculação do presidente ao caso envolvendo o veículo da diplomacia brasileira. Além disso, a imagem dele colocada no vídeo é uma montagem.

| Lula em coletiva de imprensa em 28 de março de 2016 (Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

A partir de buscas reversas no Google, foi possível identificar que a imagem original, sem a pilha de dinheiro, foi tirada em uma coletiva de imprensa concedida por Lula à imprensa estrangeira em 28 de março de 2016, ocasião em que tratou de grampos telefônicos contra ele e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) divulgados pelo então juiz Sérgio Moro (União Brasil), atual senador.

Ministério nega que diplomata tenha sido preso

Um terceiro conteúdo sobre a apreensão de cocaína verificado pelo Comprova afirma que um diplomata brasileiro teria sido preso na ocasião. O Ministério das Relações Exteriores nega essa alegação. Também não há menção da imprensa local que sustente isso.

O vídeo também mostra a foto de um aparente tablete de droga embalado com uma foto de Lula e a expressão “faz o L”. A imagem é real, mas não envolve a apreensão na Bulgária. Ela foi originalmente publicada nas redes sociais pelo secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, ao divulgar uma apreensão de maconha no município de Euclides da Cunha Paulista (SP).

Derrite removeu as publicações em 16 de setembro de 2023, após ter sido notificado extrajudicialmente pela Advocacia-Geral da União (AGU), que entendeu que os posts associavam o presidente ao tráfico de drogas. Lula não tinha relação com a apreensão no interior do estado.

Um narrador que aparece no vídeo ainda ironiza críticas anteriores que foram feitas ao então presidente Jair Bolsonaro pela ocasião em que um sargento da FAB foi preso em flagrante na Espanha por transportar 37 quilos de cocaína em um avião de comitiva presidencial em missão oficial.

O militar Manoel Silva Rodrigues foi preso em 25 de junho de 2019. A FAB divulgou em 12 de maio de 2022 ter expulsado o sargento de suas fileiras. Em 5 de setembro deste ano, o Superior Tribunal Militar (STM) ampliou para dezessete anos e cinco dias de reclusão a pena dele, ao julgar recursos. A Justiça não vincula Bolsonaro aos crimes cometidos por Rodrigues.

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: Os conteúdos utilizam montagens e sobreposições de vídeos de contextos diferentes para associar a cocaína apreendida na Bulgária ao presidente Lula. Eles ainda fazem alegações infundadas, como a de que um diplomata teria sido preso.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova enviou mensagens diretas via TikTok para três perfis que compartilharam a apreensão com informações enganosas ou fora de contexto, mas não obteve retorno até esta publicação.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 1º de novembro, um dos vídeos compartilhados no TikTok tinha mais de 500 curtidas e de 130 compartilhamentos.

Como verificamos: A verificação buscou no Google pelos termos “apreensão cocaína + carro diplomático do Brasil”, o que resultou em links de reportagens publicadas na imprensa e que tratam do episódio ocorrido na Bulgária. Também foram pesquisadas as mesmas expressões, mas em inglês e búlgaro, nos sites da Agência Búlgara de Notícias (BTA, na sigla em inglês) e do jornal búlgaro 24 Chasa.

Com os termos “Flávio Dino + Lula honrado, honesto e ficha limpa”, foi feita uma busca no YouTube para encontrar contexto das declarações feitas pelo ministro da Justiça. Buscas reversas de imagens no Google permitiram encontrar a origem de fotos utilizadas em dois dos conteúdos.

Por e-mail, buscamos um posicionamento do Itamaraty, que confirmou a apreensão e apontou as medidas tomadas após o ocorrido.

O Comprova também tentou posicionamento de autoridades búlgaras ao buscar contato, por e-mail, com o Ministério das Relações Exteriores da Bulgária e a embaixada do país no Brasil, sediada em Brasília. No entanto, não obteve retorno ao menos até esta publicação.

Também tentamos contato com os autores dos três conteúdos verificados, mas não tivemos resposta.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O nome do presidente Lula é citado em uma série de peças de desinformação já verificadas pelo Comprova. Recentemente, mostramos que Nobel da Paz só divulga indicados ao prêmio após 50 anos, diferentemente do que alega post sobre o petista, que apreensão de R$ 3,2 milhões pela PF em sacos de lixo não tem relação com o governo do presidente e que protesto de garimpeiros na Bahia não foi motivado por falta de água, nem tem relação com governo Lula.

Política

Investigado por: 2023-11-01

Transportados pela FAB, alimentos doados pelo MST foram destinados a palestinos, não ao Hamas

  • Enganoso
Enganoso
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) enviou, no dia 30 de outubro, cerca de duas toneladas de alimentos para o fornecimento de assistência humanitária aos palestinos na Faixa de Gaza no contexto da guerra entre Hamas e Israel. O carregamento foi feito em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e levou arroz, farinha de milho e leite em pó para ajudar a população civil, e não o Hamas, como alegam publicações nas redes sociais. Os mantimentos foram entregues ao movimento humanitário sem vínculo estatal Crescente Vermelho, um braço da Cruz Vermelha, que acessaria a região a partir da fronteira com o Egito.

Conteúdo investigado: Publicações usam imagens de integrantes do MST segurando alimentos ao lado de duas bandeiras, uma do próprio movimento e outra da Palestina. Há uma legenda com os dizeres: “Quem iria desconfiar que o MST está doando alimentos para o Hamas que está sendo transportado pela FAB…”.

Onde foi publicado: Telegram e no X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: Publicações enganam ao afirmar que alimentos doados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e transportados pela Força Aérea Brasileira (FAB) seriam destinados para o grupo Hamas, em conflito armado desde o início de outubro com Israel. Os mantimentos que deixaram o Brasil no último dia 30, com destino ao Egito, serão para ajuda humanitária a palestinos na Faixa de Gaza, uma das áreas mais afetadas pela guerra.

Pelas redes sociais, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Paulo Pimenta, explicou que o avião enviado para “continuar o trabalho de repatriação dos brasileiros” que estão na zona de guerra foi utilizado também para enviar ajuda humanitária. A explicação também foi publicada na Agência Gov.

O avião enviado irá substituir outra aeronave presidencial de mesmo porte que está no Cairo, capital do Egito, há duas semanas, aguardando para fazer a repatriação de brasileiros que estão na Faixa de Gaza. O veículo que estava na cidade egípcia tem manutenção programada no Brasil agendada para os próximos dias e precisa retornar.

O carregamento incluiu arroz, açúcar, derivados de milho e leite em pó produzidos pelas famílias do MST em todo o Brasil. O movimento ressaltou que pretende enviar 100 toneladas de alimentos para os territórios ocupados por palestinos, em ações viabilizadas com apoio do Ministério das Relações Exteriores (MRE), como aconteceu neste caso. A FAB confirmou o transporte, mas ressaltou que cuidou apenas do translado dos alimentos e que o avião já chegou ao destino, em Cairo, no Egito. No entanto, a logística de preparo foi feita pelo governo brasileiro por meio do MRE.

Em comunicado à imprensa, o ministério informou que o governo federal e a sociedade civil estariam fazendo “nova contribuição para os esforços internacionais de assistência humanitária aos afetados pelo conflito na Faixa de Gaza, com a doação de 2 toneladas de alimentos oferecida pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra”.

Ao Comprova, a pasta reiterou o posicionamento e explicou que os alimentos foram entregues ao Crescente Vermelho, um braço da Cruz Vermelha, movimento humanitário não vinculado a qualquer Estado e cuja atuação é amparada pela Convenção de Genebra, documento internacional adotado em 1949 que estabelece as regras destinadas a proteger as vítimas da guerra. A entidade assumiu a responsabilidade de coordenar a logística de transporte, o cruzamento da fronteira e as entregas em Gaza. O mesmo foi feito quando o Brasil enviou 40 purificadores de água em 16 de outubro.

Assim como na primeira entrega, a Embaixada do Brasil no Egito comunicou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros egípcio sobre o envio das doações e o Crescente Vermelho, que organiza a entrega. A aeronave aguardava, até 31 de outubro, a autorização para decolar para o aeroporto Al-Arish, que fica a pouco mais de 50 quilômetros da passagem de Rafah, na fronteira entre Egito e Gaza. O Crescente Vermelho faz a entrega dos materiais em caminhões, mas depende de autorização das autoridades israelenses.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 1º de novembro, foram mais de 160 mil visualizações, 5 mil curtidas e mil compartilhamentos no X (antigo Twitter). No Telegram, foram mais de 15,5 mil visualizações.

Como verificamos: Inicialmente, fizemos uma busca no Google com os termos “avião MST alimentos” e fomos direcionados para diversas matérias de veículos de comunicação abordando o envio dos alimentos. Consultamos também o site oficial do MST, que, no dia 31 de outubro, dava destaque às informações sobre o envio dos mantimentos. Entre os conteúdos encontrados no portal, está uma das fotos usadas na peça de desinformação, dos integrantes do movimento fazendo a entrega dos alimentos ao lado da bandeira do MST e da Palestina.

Entramos também em contato com Ministério das Relações Exteriores (MRE) e com a Força Aérea Brasileira (FAB) para saber mais informações sobre a entrega dos produtos.

ONU alerta risco de fome generalizada em Gaza

O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PMA) alertou, em 12 de outubro, que comida e água potável estão em quantidade perigosamente baixa na Faixa de Gaza. O anúncio aconteceu dois dias depois de Israel anunciar um bloqueio total ao território, em resposta aos ataques do Hamas ao país. Diante da crise, a agência alimentar de emergência da Organização das Nações Unidas (ONU) pediu a criação de corredores humanitários para levar alimentos para a região.

“É uma situação terrível a que estamos vendo evoluir na Faixa de Gaza, com alimentos e água escassos e esgotando rapidamente”, disse Brian Lander, vice-chefe de emergências do PMA, à Reuters. Na ocasião, ele ainda frisou que o PMA fornece alimentos a milhares de pessoas que procuram por abrigos em escolas e em outros locais de Gaza, mas que “ficaremos sem comida muito em breve”. Em 15 de outubro, a agência alimentar voltou a alertar para o risco de fome generalizada.

Israel anunciou um cerco total à Faixa de Gaza com o bloqueio de alimentos, combustível e água no território palestino e fechando pontos de passagem após o ataque do Hamas em 7 de outubro. Em cerca de 25 dias de conflito, o número de vítimas passa de 9,7 mil – sendo 8.306 palestinos e 1.405 israelenses, segundo dados dos governos e demais autoridades locais.

Como publicou o G1, um representante do governo de Israel disse que “não há falta de comida em Gaza” e que há água e serviços médicos suficientes para a população da região. No entanto, no último dia 29, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), que presta serviços públicos e ajuda humanitária na região, reforçou a falta de suprimentos e a insuficiência de recursos que chegam em Gaza pelo Egito.

O que é o Hamas?

O post analisado alega que os alimentos serão enviados ao Hamas, em uma generalização sobre a população de Gaza. No entanto, enquanto o Hamas possui cerca de 30 mil combatentes, segundo dados israelenses, a população da região é de cerca de 2,2 milhões de pessoas.

A organização fundamentalista Hamas se define como um movimento de resistência baseado no Alcorão, o livro sagrado da religião islâmica. O grupo controla a Faixa de Gaza desde 2006, quando assumiu a região após uma disputa violenta com o Fatah, que hoje governa a Cisjordânia, o outro território palestino ocupado por Israel. Em 2006, o Hamas venceu as eleições gerais palestinas, mas o Fatah não aceitou ceder o comando da Autoridade Nacional Palestina (ANP), o que engolfou os dois partidos em um confronto.

O Hamas foi criado durante a Primeira Intifada palestina, um movimento contra a ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. A carta que sinaliza sua fundação, de 1988, rechaça a existência do Estado de Israel. O Projeto Comprova já esclareceu que a Autoridade Palestina e o Hamas não são o mesmo grupo.

Brasil não classifica Hamas como grupo terrorista

O governo federal não considera o Hamas como organização terrorista, seguindo a visão da ONU, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 27 de outubro. A decisão segue o posicionamento histórico do Brasil em concordar com a classificação do Conselho de Segurança da organização.

O presidente declarou que “a posição do Brasil é a mais clara e nítida possível”. “O Brasil só reconhece como organização terrorista aquilo que o Conselho de Segurança da ONU reconhece, e o Hamas não é reconhecido pelo Conselho como organização terrorista, porque ele disputou eleições na Faixa de Gaza e ganhou”, disse a jornalistas. Apesar da definição, Lula afirmou que o país vê as ações do grupo islâmico como atos terroristas.

Países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão e membros da União Europeia classificam o Hamas como grupo terrorista. No entanto, Noruega, Suíça, Rússia e China, assim como o Brasil, não adotam essa definição e mantêm um princípio de neutralidade, atuando como mediadores em conflitos.

Em 18 de outubro, os EUA rejeitou o texto proposto pelo Brasil sobre a guerra entre Israel e o Hamas. O país havia elaborado uma resolução que seria a primeira manifestação formal da ONU sobre o conflito no Oriente Médio. A proposta brasileira condenava os ataques terroristas do Hamas e cobrava Israel – sem mencioná-lo – pelo fim do bloqueio à Gaza. Com a rejeição estadunidense, o texto foi vetado no Conselho de Segurança.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou entrar em contato com o perfil que publicou o conteúdo no X e também pelo email da página, disponibilizado na descrição do grupo no Telegram. Em nenhum dos dois canais houve resposta até a publicação desta checagem.

O que podemos aprender com esta verificação: Em meio ao conflito entre Israel e Hamas, muitas publicações usam o momento para espalhar desinformação. Neste caso, o post usa informações reais de forma enganosa para levar a uma interpretação diferente da verdadeira. Há uma distorção sobre os civis palestinos que vivem na Faixa de Gaza, com a sugestão falsa de que todos seriam integrantes do Hamas. Em situações como essa, é importante procurar por informações confiáveis e seguras para entender o que, de fato, está sendo informado, além de verificar se a alegação é verdadeira ou não.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Desde o início do conflito armado entre o grupo Hamas e Israel, diversas peças de desinformação passaram a circular nas redes sociais. O Comprova já mostrou que é falso que integrantes do grupo extremista chegaram ao Brasil e que o governo federal doou R$ 25 milhões à Autoridade Palestina para ajuda humanitária, e não ao Hamas. O MST também já foi alvo de verificações do Comprova, como a que afirma que policiais foram expulsos pelo movimento de protesto em rodovia no Paraná, e não feitos reféns, e que post engana ao associar ao movimento plantação de maconha na Bahia.