O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2020-09-25

Texto engana ao comparar aumento na venda de armas com queda dos assassinatos por arma de fogo

  • Enganoso
Enganoso
O texto verificado afirma que o número de homicídios por arma de fogo está no “menor patamar em 21 anos”, e que esse dado se deu mesmo diante de um aumento de 200% na venda de armas de fogo. A publicação, no entanto, compara dados de anos diferentes e usa números preliminares, ainda não consolidados
  • Conteúdo verificado: Conteúdo que circula em formato de imagem e de texto afirma que o número de homicídios por arma de fogo está no “menor patamar em 21 anos”, e que esse dado se deu mesmo diante de um aumento de 200% na venda de armas de fogo.

É enganoso um conteúdo que circula nas redes sociais afirmando que os homicídios com armas de fogo caíram ao “menor patamar em 21 anos” ao mesmo tempo em que a venda de armas de fogo aumentou 200% no Brasil. O texto verificado compara dados de anos diferentes e usa números preliminares, ainda não consolidados.

O dado sobre o crescimento no número de registros de armas de fogo é real e foi verificado entre o primeiro semestre de 2019 e 2020. A informação sobre os homicídios, no entanto, se refere a um outro período; utiliza números preliminares, e que, portanto, não podem ser utilizados como finais; e ainda é atribuído a um instituto que não pesquisa mortes por armas de fogo.

Consultado pelo Comprova, o Instituto Sou da Paz, ONG dedicada a debater criminalidade e violência, destacou que as mortes por arma de fogo são um fenômeno complexo e influenciado por vários fatores.

Como verificamos?

Para checar a veracidade das afirmações deste conteúdo procuramos, por e-mail, a Polícia Federal e o Exército para que pudessem nos auxiliar a interpretar os dados do Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da PF, e do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército. Para entender a relação entre número de armas de fogo em circulação e as taxas de homicídio no Brasil, conversamos com o Instituto Sou da Paz.

Procuramos também o Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes), grupo de pesquisas vinculado à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que é citado no texto como fonte das informações. Por e-mail, o coordenador do grupo, o professor Carlos Machado de Freitas, negou que eles desenvolvam pesquisas sobre mortes por armas de fogo.

Utilizando o Google, descobrimos a existência do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança, que também tem a sigla Cepedes, e enviamos e-mail para o idealizador do projeto, o advogado Fabrício Cardoso Rebelo.

Por fim, procuramos a equipe do site TerraBrasil Notícias, responsável por divulgar o conteúdo verificado aqui.

Verificação

Venda de armas

O primeiro número citado pelo texto verificado refere-se ao aumento na quantidade de armas registradas no Brasil. De fato, houve uma elevação de quase 200% entre o primeiro semestre de 2019, em que 24.663 unidades foram registradas, e o primeiro semestre de 2020, no qual o número de armas registradas chegou a 73.985. Esses dados são do Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal.

Procurada pelo Comprova, a PF enviou os dados mais atualizados, segundo os quais a tendência de alta continua. De janeiro a agosto deste ano, 105.603 novas armas entraram legalmente em circulação no Brasil; o que já supera todas as armas compradas legalmente em 2019.

Os dados da PF incluem armas compradas por cidadãos em geral, empresas de segurança privada e algumas categorias especiais, como servidores da segurança pública, magistrados e membros do Ministério Público. Não entram nessa conta os armamentos adquiridos pelas Forças Armadas, por órgãos de segurança pública e pelos colecionadores, atiradores e caçadores (CACs), cujo controle é feito pelo Exército. Ao Comprova, o Exército informou que o número de armas liberadas para os CACs também vem crescendo – 33,47% entre 2018 e 2019. Até agosto de 2020, 75.202 novas armas foram autorizadas para os CACs, número praticamente igual ao verificado nos 12 meses de 2019.

Mortes por armas de fogo

O segundo número que o texto verificado traz diz respeito ao número de homicídios por armas de fogo no Brasil. De acordo com o conteúdo, o aumento do número de armas seria coincidente com o “menor patamar” de homicídios em 21 anos. Há aqui vários problemas com essa afirmação.

O primeiro é com relação à fonte do suposto dado. Procuramos o site responsável pela publicação e este informou, por e-mail, que o texto foi baseado em “informações jornalísticas” e nos enviou o link para um conteúdo de outro portal, o site Gazeta Brasil, que também já teve conteúdo verificado pelo Comprova.

Ambos os textos citam como fonte o Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes), um grupo de pesquisas vinculado à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ocorre que este centro de estudos nem mesmo pesquisa mortes provocadas por armas de fogo. A informação foi confirmada por e-mail pelo coordenador do grupo, o professor Carlos Machado de Freitas.

Por meio de uma pesquisa no Google, descobrimos a existência de uma outra entidade que atende pela sigla Cepedes. Trata-se do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança, cujo idealizador é o advogado licenciado Fabricio Cardoso Rebelo, um colecionador e atirador desportista que tem atuação pública contra o desarmamento civil.

Por e-mail, Rebelo afirmou que o Cepedes não possui qualquer material publicado apontando aumento de 200% na venda de armas em 2020 ou mesmo sobre homicídios para este ano. “Desconhecemos – e desautorizamos – nossa indicação como fonte dessa afirmação”, disse.

Rebelo também afirmou que o último texto publicado no site do Cepedes comparou os homicídios de 2017 a 2019, utilizando dados do Datasus “que somente são disponibilizados, em versão preliminar, nove meses após o ano de ocorrência e consolidados como definitivos seis meses depois (15 meses após tal ano)”.

O segundo problema está justamente nos dados apresentados por Rebelo. Como ele próprio afirma, são dados preliminares, que portanto ainda serão atualizados e não podem ser considerados como finais.

De acordo com os números do Datasus, plataforma do Ministério da Saúde, 2017 foi o ano recorde de assassinatos por armas de fogo no Brasil, com 47.510 óbitos. Em 2018, essas mortes recuaram, com o registro de 41.179 óbitos. Para 2019, os dados preliminares do Datasus apontam ao menos 30.206 óbitos desta natureza. Esses números, porém, podem ser alterados porque os estados ainda podem incluir registros de mortes na plataforma. Deste modo, é enganoso afirmar que 2019 registrou o “menor patamar” de assassinatos por armas de fogo desde 1999.

O Instituto Sou da Paz destaca que o Datasus leva, geralmente, dois anos para consolidar a sua base. “A partir do segundo semestre inicia-se a liberação de dados preliminares do ano anterior, mas como os estados ainda estão inserindo informações, esses números não correspondem à totalidade das mortes. Somente depois de consolidada, a base do Datasus pode ser utilizada para estudos e pesquisas como o texto em questão”, afirma a entidade.

Uma terceira questão envolvendo a afirmação feita no conteúdo verificado foi levantada pelo Instituto Sou da Paz. Tanto em 2018 quanto nos dados preliminares de 2019 foram registrados aumentos expressivos dos registros de mortes por causas externas com intenção indeterminada – isso significa que não foi possível saber se a causa foi uma agressão, um acidente ou suicídio.

“Se as agressões diminuíram 12% em 2018 em relação ao ano anterior, as mortes cuja intenção é indeterminada aumentaram 26%. Já no ano de 2019, preliminarmente, observa-se redução de 23% nas mortes por agressão e aumento de 61% nas mortes cuja intenção é indeterminada em relação a 2018. As mortes cuja intenção é indeterminada representaram 14% das mortes por causas externas em 2019, o dobro do valor médio observado na série 2010-2018, que é de 7%”, afirma a ONG. “O recorte das mortes por arma de fogo acentua essa diferença: agressões por arma de fogo caíram 13%, mas as mortes por disparo de arma cuja intenção é indeterminada subiram 63% entre 2017 e 2018, variação que entre 2018 e 2019 foi de -27% e +77%, respectivamente”, argumenta a Sou da Paz.

Ao Comprova, o Sou da Paz destacou ainda que a variação na taxa de homicídios é um fenômeno que pode ser afetado por diversos fatores além da compra de armas, como a desigualdade econômica, a atuação da polícia e a disputa de grupos criminais.

A organização lembrou que, em 2013, um estudo do Ipea mostrou que, isolando-se os demais fatores, a maior disponibilidade de armas tende a gerar maiores taxas de homicídios. “A hipótese de que a simples venda de armas leve à redução de crimes de maneira quase imediata é irracional. Ela presume, por exemplo, que uma venda genérica de armas leve roubadores contumazes a rapidamente exercerem outras formas de obter renda. Mesmo tentando exercitar a hipótese de efeito dissuasório, presume-se que as armas que entram em circulação para legítima defesa demorem, em média, vários meses para serem legitimamente utilizadas e supostamente gerarem algum efeito dissuasório àquele perfil de vítima”, pontuou a entidade.

Enquetes são diferentes de pesquisas

No texto verificado, o Terra Brasil Notícias afirma ainda que uma enquete realizada pelo próprio site teria mostrado o apoio da população à posse e ao porte de armas. Uma enquete, porém, é um levantamento com pouco rigor metodológico, que mede apenas as opiniões daqueles que responderam as questões. Ela difere de uma pesquisa, que usa métodos estatísticos para representar o pensamento de toda a população.

Para isso, a proporção de homens e mulheres e as diferentes faixas de idade e de renda do público que responde a pesquisa devem ser equivalentes às da população que ela busca representar. Em junho de 2019, uma pesquisa do Ibope mostrou que 73% dos brasileiros são contra a flexibilização do porte de armas. Um mês depois, outra pesquisa feita pelo instituto Datafolha mostrou que 66% dos brasileiros são contra a posse de armas e 70% rejeitam a flexibilização do porte de armas.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova monitora e verifica conteúdos sobre a pandemia do novo coronavírus, eleições municipais de 2020 e políticas públicas do governo federal que podem causar desinformação nas redes sociais. É o caso do conteúdo em questão que engana ao relacionar erroneamente o aumento no número de registro de armas de fogo à diminuição dos homicídios no Brasil.

Segundo dados da plataforma CrowdTangle, o texto do site Terra Brasil Notícias somava mais de 4,6 mil interações no Facebook, até a data de fechamento deste texto. O link do site também circula no Twitter, com menor viralização e interações. Um conteúdo com as mesmas afirmações também foi publicado na página da organização política Aliança Pelo Brasil no Facebook, recebendo 6,9 mil curtidas e 1,9 mil compartilhamentos.

Com a proximidade das eleições municipais, conteúdos como este podem contribuir negativamente para o debate político brasileiro. Quando a desinformação passa a integrar a gramática da disputa eleitoral, discussões sobre os projetos e agendas dos candidatos são prejudicadas, dificultando a escolha dos eleitores.

Sobre o tema da segurança pública, o Comprova já mostrou ser enganoso um artigo que associa mais armas a menos violência e falso que scanners veiculares para uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF) tenham sido implantados no governo Bolsonaro. O Comprova também já mostrou ser falsa uma publicação do site Terra Brasil Notícias.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos e que induzam a uma interpretação diferente da intenção do seu autor; ou ainda o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-09-23

Decisões do STF contra Bolsonaro estão dentro das atribuições da Corte

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte distorce fatos para sugerir uma atitude de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a ações envolvendo o governo de Jair Bolsonaro. As decisões, porém, se basearam em artigos da Constituição
  • Conteúdo verificado: Post sugere que o STF está agindo de maneira inconstitucional para limitar os poderes do presidente Jair Bolsonaro.

Uma publicação feita no Twitter distorce fatos para sugerir uma atitude de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a ações envolvendo o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

No texto, a autora levanta suspeita sobre alguns atos recentes do Poder Judiciário: a suspensão da nomeação do diretor da Polícia Federal; a decisão de que os estados e municípios têm “competência concorrente” para tomar providências no enfrentamento ao novo coronavírus; a afirmação que as Forças Armadas não exercem o poder moderador entre os poderes; a audiência pública promovida pelo órgão para discutir a captação de recursos para o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo do Clima). Todas essas decisões, porém, se basearam em artigos da Constituição.

Especialistas ouvidos pelo Comprova consideraram que nenhum dos atos citados representa uma ação inconstitucional por parte do STF. Na visão deles, o único ponto que não é pacífico é o que trata da nomeação para o comando da PF. Ainda assim, o ministro Alexandre de Moraes seguiu entendimento que a Corte já havia usado recentemente em dois episódios durante os governos dos ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

Como verificamos?

Por meio do Google, procuramos notícias sobre os temas levantados pela postagem verificada e quais foram os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal em cada um deles. Depois, procuramos na Constituição Federal quais são as atribuições do STF.

Na sequência, entrevistamos advogados constitucionalistas para saber se houve algum ato inconstitucional por parte do STF. Por telefone, falamos com Pietro Alarcon, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito na PUC-SP, e com Marcelo Labanca, professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco. Também tentamos contato com a autora do tuíte, mas não tivemos resposta até o fechamento deste texto.

Verificação

As atribuições do Supremo Tribunal Federal são definidas pelo artigo 102 da Constituição Federal, que descreve o órgão como o guardião da Constituição. Ao todo, o artigo cita 22 frentes em que a Suprema Corte brasileira pode atuar. As principais delas são julgar a inconstitucionalidade de leis federais; julgar o presidente da República, o vice e todos os deputados ou senadores por crimes comuns; julgar habeas corpus e julgar conflitos entre a União e os estados.

Quarentena

No dia 15 de abril, o plenário do STF decidiu que a União, os estados e os municípios têm “competência concorrente” para tomar providências no enfrentamento ao novo coronavírus. O entendimento dos ministros foi de que se o presidente definisse sozinho por decreto quais serviços essenciais deveriam continuar funcionando, afrontaria o princípio da separação de poderes. O argumento é que apenas a União teria as prerrogativas de isolamento, quarentena, interdição da locomoção e de serviços públicos e atividades essenciais. Estavam em discussão a Medida Provisória 926/2020 e o artigo 3º da Lei Federal 13.979/2020.

Bolsonaro criticou algumas vezes a decisão e chegou a dizer que o STF havia decidido que cabia apenas aos governadores e prefeitos as ações de combate a pandemia; embora a decisão da Justiça diga que os entes têm “competência concorrente”. Na época, o ministro Luiz Fux fez questão de frisar que o STF não eximiu o governo federal de responsabilidade nas ações de combate à pandemia.

O artigo 23 da Constituição diz ser competência comum da União, dos estados e dos municípios cuidar da saúde e o artigo 24 afirma que os três entes podem legislar sobre a “proteção e defesa da saúde”, lembra Marcelo Labanca. “O federalismo brasileiro tem competências que são compartilhadas entre a União, estados e municípios. E outras que são exclusivas. No caso da União, por exemplo, só ela pode legislar sobre direito penal. Mas, em relação à saúde, todos os entes podem legislar”, explica. Labanca lembra ainda que a Lei Federal 12.608/2012, que criou a Política Nacional de Defesa Civil, estabeleceu o papel de cada ente em situações de emergência e calamidade, cabendo ao governo federal a função de coordenar e centralizar as ações. A Lei que estava em discussão no STF prevê medidas para combater a pandemia por considerá-la, juridicamente, uma emergência de saúde pública.

Para Pietro Alacon, a decisão do STF não é uma invenção, apenas a interpretação lógica do que está previsto no artigo 23. “Nesses casos específicos, como a questão da crise sanitária, existe uma questão que se denomina — um elemento importantíssimo — que é a forma federativa de Estado, uma cláusula pétrea da Constituição. A forma federativa de Estado determina competências para cada um dos entes federativos. Uma dessas competências é a competência comum, que foi reconhecida pelo STF para que governadores e autoridades municipais realizassem atos de gerenciamento da crise”, explica o professor.

Forças Armadas

Uma liminar do ministro Luiz Fux, de 12 de junho, decidiu que as Forças Armadas não podem exercer o poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A decisão afirma que, embora o presidente da República seja o chefe das Forças Armadas, esse poder é limitado pela Constituição e não pode ser usado para “indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes”. Ele também esclareceu que a prerrogativa do presidente de autorizar o emprego das Forças Armadas, ainda que por intermédio dos presidentes do STF, do Senado ou da Câmara, “não pode ser exercida contra os próprios Poderes entre si”. A liminar foi concedida dentro da ação direta de inconstitucionalidade 6457, que pede que o Supremo interprete os dispositivos da Constituição que tratam do emprego das Forças Armadas.

Em julho, a Advocacia-Geral da União (AGU), órgão que representa o Poder Executivo, enviou parecer ao STF defendendo que as Forças Armadas não podem atuar como poder moderador. O processo já foi incluído na pauta do plenário para que uma decisão final seja concedida pelo conjunto dos ministros do STF.

Na visão do professor Alarcon, a interpretação de que as Forças Armadas podem intervir em outros poderes é um “desafio à Constituição”. “Tentar desprender do artigo 142 da Constituição que existe um tal poder moderador das Forças Armadas é uma forçação de interpretação. Não há nenhum exercício hermenêutico sadio que possa te conduzir a isso dentro da Constituição de 1988. O STF, nesse caso, a única coisa que fez foi reconhecer exatamente qual é a atribuição das Forças Armadas”, avalia.

Segundo Labanca, a decisão do STF é acertada porque a função definida na Constituição para as Forças Armadas é a de defender o Brasil perante ameaças externas e proteger as fronteiras. “A corporação militar é muito nobre. Ela tem que ser muito aplaudida pela população, porque eles pagam com a vida pela nossa proteção. Mas não existe nenhuma possibilidade de que o Supremo esteja indo além da sua competência porque simplesmente ele disse uma coisa que é muito clara, como a luz do dia, de que as Forças Armadas não têm um poder moderador”, argumenta.

Diretor da Polícia Federal

Diferentemente dos outros dois casos citados, a suspensão do decreto que nomeou o delegado Alexandre Ramagem como novo diretor-geral da Polícia Federal (PF) é vista como polêmica pelos especialistas ouvidos pelo Comprova.

O caso aconteceu no final de abril deste ano. O ministro Alexandre de Moraes atendeu um pedido do PDT por meio de um mandado de segurança. Na decisão, o magistrado citou falas do ex-ministro Sergio Moro, que acusou o presidente Jair Bolsonaro de tentar interferir politicamente na Polícia Federal.

Para Pietro Alarcon, a decisão do STF nesse caso está aberta a uma discussão sobre interferência em um direito presidencial. No entanto, ressalta ele, a decisão de Alexandre de Moraes não foi inconstitucional.

“Esse é um ponto polêmico, que tem a ver com a discricionariedade presidencial para essa nomeação. Nesse caso, pode até se discutir se houve em algum momento uma interferência do Supremo. Entretanto, daqui não pode se desprender uma generalidade, uma avaliação geral de que o Supremo Tribunal Federal seja um desafiador, por assim dizer, do ordenamento constitucional ou da Constituição. Não. Esse é um ponto polêmico, mas um ponto com o qual você tem pontos de vista, interpretações variadas”, analisa.

A decisão de Alexandre de Moraes não é uma novidade em relação à suspensão de nomeações presidenciais pelo STF, como lembra Marcelo Labanca. Durante o governo de Dilma Rousseff (PT), o ministro Gilmar Mendes suspendeu a nomeação de Lula para a Casa Civil, em 2016. Dois anos depois, a ministra Carmen Lúcia impediu a posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho, no governo de Michel Temer (MDB).

“O STF vem, já há algum tempo, exercendo um controle desproporcional em relação a essas nomeações discricionárias dos presidentes. Os requisitos para ser ministro, de acordo com a Constituição, são três: idade, ter nacionalidade brasileira e estar no exercício dos direitos políticos. Na hora que o STF diz que não pode nomear, eu acho que ele está ultrapassando o seu poder. (…) O STF fez isso com Dilma, fez isso com Temer. Então não se pode dizer que ele fez isso [suspender a nomeação da PF] contra o Bolsonaro”, afirma.

“Sobre nomear ou não o diretor da Polícia Federal, o que está em jogo aí é se o presidente da República deixou de ser imparcial para poder manobrar dentro da Polícia Federal pessoas que pudessem beneficiar sua família. É isso o que está no contexto dessa decisão. Do ponto de vista formal, ele pode nomear o diretor da PF, porque é um cargo de confiança, assim como ele pode nomear um ministro”, prossegue.

Meio ambiente

Ao falar sobre o meio ambiente, a postagem verificada faz referência à audiência pública promovida pelo STF nos dias 21 e 22 de setembro. O encontro tinha como intuito debater a captação de recursos para o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo do Clima). O ministro Luís Roberto Barroso é relator do processo que acusa o governo de ter paralisado o projeto.

O evento contou com depoimentos de Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. Ao encerrar a audiência, Barroso criticou o que chamou de “realidade imaginária paralela” no enfrentamento da questão ambiental no Brasil.

“Há um capítulo dentro do título da Ordem Social que nos fala sobre o meio ambiente: todos nós temos direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Temos aqui, no artigo 225 em diante, uma regulamentação do meio ambiente como autêntico direito fundamental. No momento em que uma lei ou um ato do poder público contradiz aquela pretensão constitucional, o Supremo Tribunal Federal pode ser invocado para poder decidir sobre o assunto, sobre o tema”, explica Pietro Alarcon.

Tramitam no STF duas ações parecidas envolvendo as políticas em relação ao meio ambiente. Uma delas, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 708, relatada por Barroso, questiona a suposta falta de iniciativa do governo de Jair Bolsonaro para o funcionamento do Fundo do Clima.

Já a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 59, sob relatoria da ministra Rosa Weber, pede que seja reconhecida a omissão da União em relação à paralisação do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima). O pedido foi feito pelo PSB, PSOL e PT.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham tido ampla viralização nas redes sociais e que tratem de políticas públicas do governo federal ou da pandemia da covid-19. É o caso desse conteúdo, que questiona decisões do Supremo Tribunal Federal em ao menos quatro políticas públicas federais. O tuíte, publicado pelo perfil @mitags, teve 3,1 mil curtidas e 1,1 mil compartilhamentos no mesmo dia em foi postado, 23 de setembro.

Informações falsas ou enganosas envolvendo o Supremo Tribunal Federal levantam dúvidas sobre a lisura de um dos poderes da República.

O Comprova verificou outras afirmações recentes envolvendo o STF. Uma delas dizia que o órgão havia decidido que o voto impresso é inconstitucional. Outra omitia que o governo de Jair Bolsonaro liberou R$ 12 milhões para o tratamento de uma criança por causa de uma ordem judicial.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo que usa dados imprecisos e induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou que confunde, com ou sem a intenção de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2020-09-22

Não há evidências que liguem morte de menina alemã ao uso de máscaras

  • Enganoso
Enganoso
O questionamento foi feito por uma deputada alemã de extrema-direita que chegou a ser censurada por um líder de seu partido. Ela insinuou que a morte de uma estudante de 13 anos num ônibus escolar poderia ter sido motivado pelo uso de máscara
  • Conteúdo verificado: Postagens dizem que o uso de máscaras foi posto em xeque na Alemanha após garota de 13 anos morrer em ônibus escolar

São enganosas as postagens que afirmam que o uso de máscaras de proteção facial contra a covid-19 foi colocado em xeque na Alemanha. O questionamento contra o equipamento de proteção foi feito somente por uma deputada da extrema-direita que insufla boatos sobre a morte de uma estudante de 13 anos num ônibus escolar. Ela foi censurada por um líder de seu partido, uma vez que a relação entre o óbito e o uso da máscara não foi feita nem por autoridades nem pela imprensa local.

O caso ocorreu na cidade de Germersheim, no estado da Renânia-Palatinado, sudoeste da Alemanha, em 7 de setembro. A garota desmaiou dentro de um ônibus escolar, foi socorrida e morreu no hospital. A notícia foi publicada nos sites de pelo menos quatro jornais que cobrem a região onde o incidente aconteceu. Nenhum deles menciona a suposta influência da máscara.

Apesar disso, o posicionamento da parlamentar foi suficiente para incentivar que blogs replicassem a interpretação equivocada do incidente, incluindo em outros países. Na França, um deles publicou um texto com o título “Trágico: uma estudante de 13 anos teria morrido na Alemanha por causa da obrigatoriedade do uso de máscara”. Uma versão muito semelhante a este texto repercutiu em sites brasileiros, como o Conexão Política e o Terça Livre – que cita o conteúdo do primeiro.

Ao Comprova, o Conexão Política disse que “a matéria gira em torno do questionamento feito pela parlamentar alemã”. Ressalta que seu texto não traz nenhuma “conclusão ou afirmação a respeito do caso concreto” e que “a morte ainda está sendo investigada”.

ATUALIZAÇÃO: Na terça-feira, 20 de outubro, mais de um mês após a morte da menina, a promotora pública chefe do Ministério Público de Landau, Angelika Möhlig, divulgou um comunicado em que descarta que a morte da garota tenha sido provocada pelo uso da máscara. “De acordo com os especialistas médicos forenses, não há indícios de que o uso de proteção para a boca e o nariz possa estar causalmente relacionado à ocorrência de óbito. Os especialistas afirmam que a proteção bucal e nasal usada normalmente não leva ao acúmulo excessivo de dióxido de carbono, como ao respirar para fora de uma bolsa, por exemplo”, diz o texto, com base no laudo da autópsia, publicado no site oficial do Ministério Público de Landau, que investiga as causas da morte da estudante.

Como verificamos?

O Comprova buscou pelos três jornais alemães citados pelo site Conexão Política como sendo fontes da publicação.

Em seguida, a verificação procurou pelos órgãos oficiais citados nas publicações originais: o departamento de Polícia de Renânia-Palatinado, o Ministério Público de Karlsruhe – responsável pela investigação das causas da morte –, a Brigada Voluntária de Bombeiros de Büchelberg – que prestou apoio aos 32 estudantes que também estavam no ônibus – e a DRK, a Cruz Vermelha alemã, que socorreu a garota até o hospital.

Foram procurados pelo Comprova também a deputada Birgit Malsack-Winkemann, que insinuou que a garota teria morrido por causa do uso da máscara, e o partido ao qual ela é filiada, a Alternativa para a Alemanha (AfD).

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 22 de setembro de 2020.

Verificação

A causa da morte ainda não foi definida

No texto em que dá destaque ao boato propagado pela deputada alemã, o Conexão Política cita três jornais como fontes de suas informações. O Comprova encontrou as publicações sobre o assunto feitas pelo Die Neue Welle, pelo Die Rheinpfalz e pelo Allgemeine Zeitung, todas publicadas entre 7 e 9 de setembro deste ano.

O site brasileiro usa informações dos sites alemães sobre a ocorrência e as investigações, mas em nenhum desses veículos há qualquer menção ao uso de máscara ou à suspeita de que a criança pudesse ter morrido por fazer uso do acessório. Os sites também não mencionam que o uso obrigatório de máscaras esteja sendo questionado no país.

Segundo a imprensa alemã, a causa da morte da menina está sendo investigada pelo Ministério Público de Landau, onde ela morava. Inicialmente, o caso ficou a cargo do Ministério Público de Karlsruhe, onde fica o hospital para onde a garota foi levada e acabou morrendo.

No dia 9 de setembro, o Die Neue Welle informou que a promotoria aguardava o resultado da autópsia para uma semana, no mínimo. O resultado ainda não foi publicado no site do escritório da promotoria. O jornalista Ralf Wittenmeier, editor do Die Rheinpfalz, jornal que primeiro noticiou o caso, disse ao Comprova por e-mail que o resultado da autópsia foi inconclusivo. Depois disso, o caso passou à promotoria de Landau, que pediu mais exames. Estes resultados, segundo Wittenmeier, podem levar semanas.

Por e-mail, o chefe da assessoria de imprensa da sede da polícia do estado da Renânia-Palatinado, Thorsten Mischler, divulgou apenas as informações preliminares da ocorrência – e ela não cita máscara ou qualquer outra possível causa: “Na tarde de 7 de setembro de 2020, por volta das 13h45, houve uma emergência médica em um ônibus escolar perto de Wörth. Uma menina precisava de atendimento médico e foi levada a um hospital. A menina morreu no hospital”, diz a nota oficial.

O Comprova entrou em contato com jornalistas na Alemanha e constatou que esse comunicado não chegou a ser publicado na plataforma utilizada para comunicados de imprensa da polícia, embora a informação tenha sido confirmada a jornais locais. Isso porque não é comum que a polícia publique comunicados sobre casos em que não há indício de crime.

A Brigada de Incêndio de Büchelberg, que também esteve no local, postou em sua página no Facebook uma foto do local da ocorrência, informando que a equipe esteve lá junto com a polícia e a DRK cuidando de 32 pessoas após uma emergência médica. O Comprova questionou a Brigada sobre a presença de máscara na garota, pelo Facebook, mas a equipe respondeu que não teve contato com a menina, apenas com os demais estudantes que estavam no ônibus.

A DRK foi procurada para falar sobre possíveis causas para a morte, mas também respondeu, por e-mail, que não tem mais informações sobre o caso.

Como surgiu a relação da morte com o uso de máscaras

No dia seguinte à morte da estudante, a deputada Birgit Malsack-Winkemann, filiada ao partido AfD, publicou em sua conta no Facebook uma fotografia de uma criança usando máscara e com a seguinte legenda: “A culpa foi da máscara? Aluna de 13 anos desmaiou no ônibus escolar na segunda-feira ao meio-dia e faleceu pouco tempo depois. Acabou com a loucura! Pelo menos poupe as crianças, pois elas não conseguem resistir!”. O que não aparece na legenda, mas está escrito sobre a imagem da postagem é outra insinuação: “Primeira vítima de morte por máscara? Quando será a autópsia?”.

No mesmo dia da postagem feita pela deputada, o primeiro jornal a noticiar a morte da garota, o Die Rheinpfalz, publicou um artigo criticando a relação feita entre a morte da garota e o uso de máscaras. O editor Ralf Wittenmeier, que tem 52 anos e está no jornal desde 1999, não cita diretamente a postagem da parlamentar, mas os comentários feitos por leitores do jornal.

“Negacionistas do uso de máscaras, fanáticos por conspiração e outros pensadores inovadores adorariam ver que usar a máscara foi uma das razões pelas quais uma garota de 13 anos morreu. Essas pessoas e aqueles que compartilham seus argumentos on-line não têm decência”, escreve Wittenmeier.

No dia 11 de setembro, um outro jornal alemão, o t-online, publicou um artigo sobre a repercussão da postagem da deputada. No texto “Política da AfD instrumentaliza criança morta para lutar contra máscaras”, Lars Wienand, responsável por verificar a autenticidade de informações no veículo, afirma que não há menções a uma relação entre o uso de máscaras e a morte da menina por nenhuma das autoridades que prestaram o socorro. O artigo diz ainda que a promotoria vem evitando falar com jornalistas e que apenas a família da menina tem o direito de conhecer a causa da morte.

Uso de máscara é obrigatório na Alemanha

Desde abril deste ano, ainda nos primeiros meses de pandemia, a Alemanha tornou obrigatório o uso de máscaras no país. Em julho, o secretário estadual da Economia do estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Harry Glawe, afirmou que não via necessidade de manter a obrigatoriedade da máscara em lojas. A chanceler Angela Merkel defendeu a permanência da obrigatoriedade e o Ministério da Saúde e secretários estaduais mantiveram o uso obrigatório.

Em agosto, o governo de Merkel negociava multa de pelo menos 50 euros para quem desrespeitasse a regra, segundo noticiou o portal G1.

Quem é Birgit Malsack-Winkemann

Birgit Malsack-Winkemann foi eleita para o Bundestag, o parlamento alemão, em 2017. Em seu site, ela afirma que escolheu o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) por rejeitar “fundamentalmente” a política europeia. “Eu estava firmemente convicta de que era a forma errada de forçar Estados com condições tão diferentes a um sistema econômico tão estreito e, além disso, com uma moeda única, o euro”, explica.

Na postagem feita pela deputada no Facebook sobre a morte da estudante, o líder do partido AfD no estado de Renânia-Palatinado, Uwe Junge, repudiou a insinuação. Ele escreveu nos comentários: “Vergonha alheia! A esse nível não devemos fazer política. Por favor, peça desculpas e exclua!”. O comentário foi feito no dia 8 de setembro, às 18h12. A postagem não foi excluída.

No dia 14 de setembro, a deputada voltou a atacar o uso das máscaras e citou um experimento de um perito austríaco que diz que o equipamento aumenta a concentração de CO2 e que isso é “abuso infantil”. A experiência foi publicada no site “A Áustria é livre”, com um aviso de que os “testes realizados correspondem a um teste preliminar” e que “não deve ser avaliado como um estudo”.

O site é definido pela própria fundadora Edith Brötzner como uma “iniciativa que pretende lembrar aos cidadãos que o pensamento livre, independente e crítico é desejado, permitido e agora mais do que nunca necessário”. Para ela, “especialistas cujas ideias e percepções diferem das do governo são degradados a ‘teóricos da conspiração’”.

O vídeo dos “autotestes” foi checado pelo site alemão Mimikama. Ele publicou a entrevista com o professor Uwe Pliquett, do Instituto de Bioprocessos e Metrologia Analítica. Segundo ele, o equipamento é utilizado para “medições do ar ambiente” por meio da concentração do CO2 e também da pressão de ar. Quando o equipamento é colocado debaixo da máscara, muito próximo do nariz, a quantidade de CO2 exalada e a pressão extra fazem o equipamento soar o alarme. No entanto, o especialista explicou que o instrumento mostrado no vídeo “não é adequado para analisar o ar que você respira, pois os valores mudam muito rapidamente durante a expiração e a inspiração. A umidade mais alta e o aumento da pressão do ar ao respirar também falsificam maciçamente os resultados do dispositivo”.

Outros comentários também criticam a postagem da parlamentar. Procurada, ela não respondeu aos questionamentos do Comprova até a publicação deste texto.

O que afirmam os especialistas

As máscaras têm filtros que impedem a passagem das gotículas e partículas maiores, mas permitem a troca de gases como o gás carbônico (CO2) e o oxigênio (O2), explicou o infectologista do Instituto Emílio Ribas Jean Gorinchteyn, em maio. “Os poros não evitam a passagem do ar, são filtros, filtram partículas. Os gases têm tamanho muito menor e conseguem passar”, ressaltou o médico e atual secretário de Saúde de São Paulo, contrariando o experimento do perito austríaco citado pela deputada alemã.

Em entrevista ao Comprova em agosto, a professora e pesquisadora Giliane Trindade, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explicou que o uso de máscaras impede que pessoas pré-sintomáticas ou assintomáticas liberem partículas virais ao falar, tossir ou espirrar. “A finalidade do uso da máscara é justamente evitar a pulverização dessas gotículas de saliva, evitando que elas atinjam a superfície do rosto de outras pessoas ou superfícies inanimadas, como por exemplo, corrimão, assento de ônibus, lugares em que as pessoas vão ter mais contato”, esclareceu.

O Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos mantém uma página com dicas para o uso de máscaras como forma de “desacelerar a disseminação da covid-19”. O órgão informa que “máscaras são recomendadas como uma simples barreira para impedir que as gotículas respiratórias” se espalhem toda vez que uma pessoa “espirrar, tossir ou falar”. Essas gotículas são as responsáveis por transportar o novo coronavírus de uma pessoa infectada a outra. O órgão ainda traz links para estudos que comprovaram a eficácia das máscaras na contenção da disseminação da doença.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso de máscaras em áreas onde o distanciamento social não é possível e onde há disseminação da covid-19. É o caso, por exemplo, de meios de transporte coletivo, estabelecimentos comerciais e locais de trabalho. A OMS ainda faz um apelo: “Por favor, siga as recomendações das autoridades locais sobre o uso de máscaras. Juntos, podemos vencer a covid-19.”

O que diz o partido AfD sobre a pandemia?

O partido de Birgit Malsack-Winkemann não vem adotando uma postura negacionista sobre a pandemia do novo coronavírus. No dia 4 de março, o conselho federal do partido, em Berlim, mandou cancelar todos os eventos públicos, inclusive nos conselhos estaduais, por causa dos riscos de contaminação: “No momento, porém, o perigo de uma pandemia real parece alarmantemente real em grande escala. Não podemos e não devemos ignorar isso. Temos o dever de responder de forma responsável e adequada. Vamos cumprir esse dever juntos”, diz o comunicado.

Membros do partido, como a vice-presidente federal Alice Weidel, criticam a postura do governo de Merkel em relação ao plano de combate ao coronavírus. “Há sete anos, o governo federal determinou corretamente as consequências de uma pandemia para o nosso país — e reconheceu os problemas que surgiriam em tal situação. Mas, embora Angela Merkel, que já era chanceler e permanece no cargo, tenha sido informada sobre o problema, nem ela nem o Ministério da Saúde agiram de acordo”, disse Weidel, em um comunicado disponível no site oficial do AfD.

O programa do partido defende um “retorno aos princípios e raízes que resultaram em seu milagre econômico [da Alemanha], seguido de êxito social, econômico e em sua sociedade”. O programa é contrário à União Europeia como uma aliança econômica e defende a realização de um referendo sobre o euro. O partido defende reforço na polícia e melhoria na justiça penal e “proteção às vítimas no lugar de proteção aos delinquentes”.

Também defendem uma reforma nas Nações Unidas, a OTAN como uma coalizão de defesa, o reforço no Exército alemão e a retomada do serviço militar obrigatório. No campo econômico, defendem reforma dos sistemas de previdência social. Também são defensores do que chamam de “família tradicional” e contrários à imigração em massa.

Na loja virtual do partido, está à venda um folheto contrário ao movimento antifascista e também máscaras com seu logotipo. O Comprova entrou em contato com o partido sobre a postagem de sua parlamentar, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova checa conteúdos virais que possam espalhar desinformação nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19. O texto do Conexão Política teve mais de 8 mil interações no Facebook até o dia 22 de setembro e ganhou visibilidade após ser retuitado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). A postagem do parlamentar foi retuitada 1,8 mil vezes até a mesma data.

Conteúdos com alegações enganosas enfraquecem a confiança da população em instituições sanitárias e podem dificultar os esforços de combate à pandemia. Autoridades médicas e acadêmicas defendem o uso de máscara como uma das formas de se voltar à normalidade sem aumentar a disseminação da doença.

Não é a primeira vez que essa técnica de proteção foi alvo de desinformação. O Comprova já checou boatos que negavam a eficácia das máscaras em proteger as pessoas, enquanto outros afirmavam poder ser nociva sua utilização. Também verificamos postagens alarmistas com alegações de que máscaras exportadas pela China estariam contaminadas. Tais alegações não encontram respaldo científico.

Este conteúdo cruzou fronteiras e também foi checado pelas agências Boatos.org no Brasil, Newtral na Espanha, Polígrafo em Portugal, e pelo jornal Le Monde na França. Todos concluíram que o uso de máscaras como medida de proteção contra o novo coronavírus não foi colocado em xeque por causa do incidente.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-09-21

É verdade que o Ensino Médio apresentou melhor resultado em 15 anos do Ideb

  • Comprovado
Comprovado
O índice é divulgado a cada dois anos. O resultado de 2019 foi maior que o de 2017 (3,8), mas o número ficou abaixo da meta prevista pelo governo, que era de 5. O resultado segue uma tendência do Ensino Médio brasileiro, que não bateu a meta nos últimos quatro resultados do Ideb
  • Conteúdo verificado: Texto diz que o resultado do Ideb teve o maior salto dos últimos 15 anos no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

São verdadeiras as informações de um texto do site Jornal da Cidade Online que diz que a avaliação do Ensino Médio teve no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) o maior salto desde 2005. A notícia usa os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2019, que apresentou uma nota de 4,2, em uma escala de 0 a 10.

O índice é divulgado a cada dois anos. O resultado de 2019 foi maior que o de 2017 (3,8), mas o número ficou abaixo da meta prevista pelo governo, que era de 5. O resultado segue uma tendência do Ensino Médio brasileiro, que não bateu a meta nos últimos quatro resultados do Ideb.

O Ideb faz parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e calcula a qualidade do ensino com base nos dados do Censo Escolar e médias de desempenho nas avaliações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), como a Prova Brasil. Os índices consideram os anos iniciais do Ensino Fundamental (do 1º ao 5º ano), anos finais (6º ao 9º ano) e Ensino Médio.

Como verificamos?

O primeiro passo da verificação foi acessar o site do Inep para saber se os dados eram reais. Lá, encontramos os resultados e as metas estipuladas desde 2005.

Na sequência, fomos em busca de especialistas para repercutir os resultados do instituto. Fizemos uma entrevista por e-mail com Maria Teresa Gonzaga Alves, professora do departamento de ciências aplicadas à educação da faculdade de educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e uma por WhatsApp com Ana Helena Rodrigues, assessora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação – nesta última, as respostas foram enviadas em um arquivo de Word.

Enviamos e-mails para o Inep e para o Ministério da Educação com questões envolvendo o resultado do Ideb, mas não obtivemos resposta.

Verificação

O que é o Ideb?

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica é um indicador criado em 2007, ainda na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Apesar de lançado em 2007, o programa usou o mesmo método para calcular as notas de 2005 e colocá-las como base para as metas dos anos seguintes.

Os resultados do Ideb são a combinação dos índices de rendimento escolar (taxas de aprovação, reprovação e abandono) e médias de desempenho. A taxa é calculada a partir dos dados do Censo Escolar e das médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica.

A responsabilidade pelos resultados do Ideb acaba sendo dividida entre poderes estaduais e municipais. Isso porque as escolas, as cidades e os estados têm metas individuais a serem atingidas a cada dois anos. É com base nesses dados que o Ministério da Educação traça o planejamento de distribuição de recursos.

Ana Helena Rodrigues, assessora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, faz ressalvas ao Ideb como instrumento de avaliação da educação brasileira.

“É um modelo de avaliação extremamente limitado, por considerar somente as notas de Matemática e Língua Portuguesa na avaliação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e índices de aprovação do Censo Escolar para analisar o desenvolvimento da educação básica brasileira. Ainda que as notas tenham apresentado aumento, isso não significa melhora na qualidade da educação como um todo. Para avaliar a qualidade ou o desenvolvimento da educação é necessário considerar uma série de outros fatores, como infraestrutura das escolas, formação e valorização dos profissionais da educação, gestão escolar, etc.”, explica.

A cada dois anos, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, vinculado ao Ministério da Educação, divulga os resultados do Ideb dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano), anos finais (6º ao 9º ano) e ensino médio. O ciclo do índice chegará ao fim em 2021, com a meta do ensino médio fixada em 5,2.

“Seria muito bom se os educadores de fato pudessem influenciar no que irá suceder o Ideb, no seu aperfeiçoamento ou na proposição de outros indicadores para uma avaliação educacional mais relevante para as escolas”, analisa Maria Teresa Gonzaga Alves, professora do departamento de ciências aplicadas à educação da faculdade de educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Abaixo da meta

A nota do ensino médio em 2019 realmente foi superior aos números anteriores apresentados pelo Ideb. Ainda assim, o valor de 4,2 ficou abaixo da meta estipulada no Plano de Desenvolvimento da Educação, que era de 5.

“Se aceitarmos que os componentes do Ideb refletem uma concepção de qualidade – isto é, qualidade significa mais aprendizado com menos reprovação –, essa qualidade estava um pouco melhor somente nos anos iniciais do ensino fundamental devido, sobretudo, ao aumento da taxa de aprovação. (…) A elevação da média pode não ter um significado substantivo que aparenta”, analisa Maria Teresa Gonzaga Alves.

Esse é o quarto ano seguido que a nota do Ensino Médio fica abaixo da meta estipulada. O mesmo aconteceu em 2013, 2015 e 2017.

“O Ensino Médio é uma etapa que tem sido negligenciada pelas políticas educacionais. A própria reforma do Ensino Médio não trouxe melhora, pois a exclusão se mantém com a carência de políticas intersetoriais mais robustas, com programas de aprendizagem, de proteção social etc.”, opina Ana Helena Rodrigues, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Em entrevista coletiva depois da divulgação dos resultados, Carlos Eduardo Moreno Sampaio, diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, considerou “expressivo” o aumento do índice do Ensino Médio. “Temos de comemorar, sobretudo porque o ensino médio vinha em um ritmo bem lento de crescimento

Posição semelhante teve Fernando Haddad (PT), ministro da Educação na época da criação do PDE:, “Havia (e há) grande preocupação com o Ensino Médio, que reagia pouco aos estímulos oferecidos. Só os desinformados, contudo, podem considerar o recém-divulgado aumento de 0,4 ponto do Ideb um fato menor”, escreveu em sua coluna na Folha de S. Paulo.

Ele considerou ser normal uma demora na evolução do Ensino Médio, em comparação com os resultados apresentados pelo Fundamental. “A onda de melhoria tinha que começar pelos anos iniciais e só com o tempo chegaria ao ensino médio.”

Limitações

O índice deveria servir apenas como um auxílio, mas adquiriu protagonismo político ao ser incluído na Meta 7 do Plano Nacional de Educação. Especialistas citam uma série de falhas e de limitações no uso do Ideb como ferramenta para avaliar o Ensino Médio brasileiro. A começar pela periodicidade do índice, divulgado apenas nos anos ímpares.

De acordo com pesquisadores da área, sistemas de ensino podem “burlar” o Ideb ao adotar critérios diferentes conforme o ano em questão. Segundo eles, nos pares, emprega-se um nível mais exigente, com maiores taxas de reprovação para estudantes com desempenho mais fraco; nos ímpares, quando o índice é calculado, evita-se a reprovação.

“Essa hipótese nos leva ao problema das trajetórias escolares que não são consideradas no índice. Esse é um problema invisibilizado no Ideb. O indicador é calculado com dados transversais. Ele não capta as trajetórias escolares, que só podem ser estudadas com dados longitudinais”, explica Maria Teresa Gonzaga Alves.

Sinaeb

O impacto do resultado do Ideb esbarra em outras limitações. O índice não mede ítens importantes como infraestrutura das escolas, formação e valorização dos profissionais da educação e gestão escolar. Para contemplar esses aspectos, especialistas defendem a implementação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), previsto na lei 13.005/2014. Ele consta na EC 108/2020, que regulamentou o novo Fundeb.

“Celebrar um avanço tão pequeno em uma avaliação tão limitada é, no mínimo, insensato. Ainda que tenha havido uma melhora, esse dado vale para um período pré-pandemia. Vivemos em uma realidade em que as políticas de continuidade das atividades escolares de forma remota excluíram e discriminaram uma grande parcela dos estudantes. Esses resultados do Ideb 2019 já não têm valor. Houve uma quebra de continuidade no processo do desenvolvimento da educação que está sendo ignorada”, analisa Ana Helena Rodrigues.

Os microdados do Ideb de 2019, com o detalhamento de todos os resultados que compuseram a nota, ainda não foram divulgados. Sem eles, para Maria Teresa Gonzaga Alves, é difícil analisar o atípico crescimento em Matemática e em Língua Portuguesa no Saeb.

Por que investigamos?

A terceira fase do Comprova visa verificar postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia da covid-19 e de políticas públicas do governo federal.

Apesar da melhora apresentada no último resultado divulgado pelo Inep, o Brasil tem tido dificuldade para atingir as metas recentes do Ideb para o Ensino Médio.

Esta verificação foi sugerida por leitores do Comprova. A postagem do Jornal da Cidade Online teve 25 mil curtidas e mais de 1 mil comentários no Facebook até o fechamento deste texto.

O Comprova já fez outras verificações envolvendo o site. Durante as eleições de 2018, mostrou ser falso que códigos das urnas eletrônicas haviam sido entregues a venezuelanos. No ano passado, um artigo publicado no site de notícias misturava dados para fazer parecer que a avaliação do presidente Jair Bolsonaro havia melhorado. Mais recentemente, um texto do Jornal da Cidade Online distorcia declarações da Organização Mundial da Saúde sobre a hidroxicloroquina.

Comprovado, para o Comprova, é o fato verdadeiro ou o conteúdo original publicado sem edição.

Política

Investigado por: 2020-09-18

Post diz que governo liberou R$ 12 milhões para tratamento de criança, mas omite que se trata de ordem judicial

  • Enganoso
Enganoso
Governo federal só pagou o tratamento de R$ 12 milhões para criança após recorrer e perder na Justiça
  • Conteúdo verificado: Postagem publicada pelo site Gazeta Brasil indicando que o Governo Federal liberou R$ 12 milhões para família poder comprar um remédio para tratar criança com atrofia muscular espinhal (AME).

É enganosa uma postagem do site Gazeta Brasil em sua página no Facebook a respeito de um repasse feito pelo governo federal à família de uma garota que sofre de atrofia muscular espinhal (AME) e que precisava de um tratamento médico avaliado em R$ 12 milhões. O repasse, de fato, foi feito, mas ocorreu após ordem judicial da qual o governo recorreu e foi derrotado, o que foi omitido no texto. A omissão da informação levou muitos leitores a interpretarem o repasse como uma ação voluntária da União, o que não é verdade.

O recurso do governo foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e tinha o objetivo de não realizar o pagamento. Em um primeiro momento, o STF acatou os argumentos da União, mas posteriormente voltou atrás na decisão e decidiu que o governo deveria pagar o tratamento para a menina. A primeira decisão favorável à menina é de março deste ano, mas por conta dos recursos o dinheiro só foi transferido entre o final de agosto e o início de setembro.

Procurada, a Gazeta Brasil afirmou que a matéria teve como base uma outra reportagem, de título parecido, feita pelo jornal Metrópoles e que não suprimiu a informação sobre a decisão judicial. O objeto da verificação feita pelo Comprova é, no entanto, a publicação no Facebook do portal, que não faz referência às decisões judiciais. Devido a isso, várias pessoas acreditaram se tratar de um ato de caridade direto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como pode ser observado na imagem abaixo.

Como verificamos?

Iniciamos a verificação por meio de uma pesquisa no Google sobre o caso da menina. Assim, chegamos a diversas reportagens, entre elas as publicadas pelo jornal Correio Braziliense e pelo site G1 do Distrito Federal.

Baseados nas informações encontradas, acessamos a página do Fundo Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde. Nela é possível verificar todos os repasses feitos pelo governo federal. Assim, localizamos as datas dos repasses feitos à família.

No detalhamento dessas transferências, consta o número do processo judicial. Em consulta ao site do Supremo Tribunal Federal (STF), instância em que o processo também tramitou, o Comprova conseguiu identificar o advogado da família. Os telefones dele foram obtidos por meio de uma pesquisa no Cadastro Nacional dos Advogados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Em contato com o advogado, conseguimos os números de todos os processos em primeira e segunda instâncias, acessíveis em consulta à ferramenta Processo Judicial Eletrônico (PJe) do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). No Sistema Eletrônico de Informações também é possível consultar o processo administrativo do Ministério da Saúde.

Verificação

Realização do pagamento

Segundo informações divulgadas em reportagens, o pagamento dos R$ 12 milhões havia sido realizado em dois depósitos: um de cerca de R$ 10 milhões e outro de aproximadamente R$ 2 milhões. O primeiro datava no mês de agosto deste ano.

Com esses recortes, por meio da consulta a repasses por dia na página do Fundo Nacional de Saúde, foi possível verificar que o primeiro repasse do Ministério da Saúde à família aconteceu no dia 17 de agosto, na quantia de R$ 10.008.250. Já o segundo ocorreu no dia 25 de agosto, no valor de R$ 1.991.750.

A família confirmou o recebimento dos valores. Em entrevista ao Projeto Comprova, a servidora pública Deilla Macedo Lima, mãe da criança, contou que “esses depósitos foram efetuados em conta judicial no mês de agosto; e em setembro, logo em seguida, transferiram para a minha conta corrente”.

O valor do remédio

Considerado o medicamento mais caro do mundo, o Zolgensma foi registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no dia 17 de agosto deste ano. Segundo o próprio laboratório Novartis, que fabrica a droga, este é o “primeiro passo para a comercialização” no Brasil. Porém, a aprovação de preço na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) deve acontecer apenas nos próximos meses.

Atualmente, o remédio injetável é fabricado nos Estados Unidos e comercializado no próprio país, além de Japão e Europa. Para justificar o alto valor de compra, o fabricante esclareceu que o método “reflete décadas de pesquisas científicas, investimentos em cadeia logística e manufatura em larga escala”. Bem como “custos diretos e indiretos com capacitação de centros de referência, hospitais e profissionais de saúde”.

No entanto, a cifra milionária já foi abordada e criticada em artigo publicado pela Fundação Oswaldo Cruz, em 27 de maio do ano passado. Coordenador do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (NAF/ENSP), Jorge Bermudez afirmou que “cada vez mais” as grandes empresas farmacêuticas estabelecem “preços fictícios”, havendo uma “diferença muito grande entre custos e preços”.

A doença

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença genética que interfere na produção de uma proteína pelo organismo. Sem ela, os neurônios motores morrem e os portadores vão perdendo a capacidade de se mover e utilizar os músculos. Isso afeta os movimentos, incluindo a mastigação e a respiração.

Degenerativa, a doença rara tem incidência de um caso para cada 6 a 11 mil nascidos vivos. Conforme a própria bula do remédio Zolgensma, ele precisa ser aplicado em crianças com até dois anos de idade. A menina que receberá o tratamento está, atualmente, com um ano e dez meses, de acordo com o próprio pai.

A página de publicação

Procurada, a Gazeta Brasil afirmou que a matéria em questão teve como base a reportagem de título parecido, feita pelo jornal Metrópoles e que ela não é enganosa, porque consta a informação da Justiça. Porém, diferentemente do Metrópoles, o texto cita a decisão judicial apenas no final do terceiro parágrafo, em vez da primeira linha da reportagem. A informação relativa às decisões judiciais também não aparece na publicação da Gazeta Brasil no Facebook.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos relacionados à covid-19 e a políticas públicas do governo federal. Informações falsas ou enganosas como a checada acima são prejudiciais à sociedade e contribuem para uma interpretação distorcida da realidade.

Comentários do post mostram que internautas entenderam como uma “boa ação” o pagamento dos R$ 12 milhões à família, em vez de compreenderem que se tratava do cumprimento de decisão judicial da qual o governo chegou a recorrer. Até a tarde de 17 de setembro, a notícia tinha 300 interações no site, além de quase 7 mil compartilhamentos nas redes sociais, incluindo Facebook e Twitter.

A ação judicial aberta pela família e o recurso apresentado pelo governo são parte de um fenômeno conhecido como “judicialização da saúde”. Ele se dá quando os cidadãos acionam judicialmente, ou um plano de saúde ou a União, para obter acesso a tratamentos, algumas vezes de alto custo.

Quando o governo é obrigado a financiar determinados tratamentos, como o deste caso, os recursos precisam sair de outros pontos do orçamento, criando uma oposição entre direitos individuais e direitos coletivos. De acordo com um levantamento feito em 2019 pelo Insper para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2009 e 2017 o número de processos em primeira instância relacionados à saúde aumentou 198%.

Enganoso, para o Projeto Comprova, é um conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2020-09-17

Tuíte engana ao dizer que o STF decidiu que voto impresso é inconstitucional

  • Enganoso
Enganoso
Na realidade, o STF não decidiu que o voto impresso era inconstitucional, mas sim um artigo da reforma eleitoral segundo o qual deveria ser feita a impressão de um comprovante após o voto nas urnas eletrônicas
  • Conteúdo verificado: Um tuíte que questiona o motivo de o STF ter dito que o voto impresso era inconstitucional, argumentando que em 1988, ano da promulgação da carta magna, os votos eram no papel e não havia urna eletrônica.

Uma postagem feita no Twitter engana ao questionar o Supremo Tribunal Federal (STF) por ter, supostamente, considerado o voto impresso inconstitucional. O que o órgão declarou foi a inconstitucionalidade de um artigo da reforma eleitoral de 2015, que previa a impressão de um comprovante após os registros dos eleitores nas urnas eletrônicas. Trata-se de coisas diferentes.

O autor do tuíte confundiu a possibilidade de um comprovante de voto na urna eletrônica ser impresso com a votação realizada em cédulas de papel, utilizada antes da criação dessas urnas. A impressão do voto eletrônico seria equivalente à possibilidade de o eleitor que votava utilizando as cédulas deixar o local de votação com uma cópia de seu voto. Haveria a possibilidade de quebra do sigilo do voto – daí a decisão do STF sobre a inconstitucionalidade da medida.

Como verificamos?

Buscamos a lei 13.165/2015 (Minirreforma Eleitoral) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 5889, nos sites oficiais do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. Acessamos o material sobre eleições e urnas eletrônicas disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral e reportagens sobre a reforma eleitoral.

Verificação

O comprovante de votação

A determinação da impressão do voto surgiu no Brasil com a minirreforma eleitoral de 2015, que modificou vários dispositivos do Código Eleitoral. O artigo 59-A da lei 13.165/2015 prevê que “no processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.” O parágrafo único do artigo ainda dispõe: “O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica”. Em 2015, o trecho havia sido vetado pela então presidente Dilma Rousseff (PT), que alegou o alto custo para implementação da medida. O veto foi derrubado pelos parlamentares.

A ideia, portanto, não era que a votação voltasse a ser realizada em cédulas de papel, mas que um comprovante impresso fosse emitido após o registro dos eleitores nas urnas eletrônicas.

Em fevereiro de 2018, a norma foi questionada no Supremo Tribunal Federal pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Em junho daquele ano, o plenário do STF decidiu, em uma liminar, pela suspensão do dispositivo – que não valeu para as eleições de 2018. A decisão final se baseou no voto do ministro Alexandre de Moraes, que considerou que a medida colocava em risco o sigilo do voto, fundamental para o caráter “secreto, universal e livre” do processo eleitoral.

Na ocasião, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, ainda considerou que a mudança tinha como base alegações falsas de fraudes em eleições anteriores. Mendes, no entanto, votou pela manutenção da regra aprovada pelo Legislativo, que deveria ser aplicada de forma gradual.

A decisão liminar foi proferida após a manifestação de várias instituições da sociedade civil, que enviaram amici curiae (manifestação para ajudar o órgão a entender questões técnicas ou específicas) ao STF. Um dos pareceres aceitos foi o do Instituto Resgata Brasil, criado pela ex-procuradora do Distrito Federal e hoje deputada federal pelo PSL Bia Kicis.

Em 2020, o assunto voltou à pauta do STF e, de forma unânime, os ministros declararam a inconstitucionalidade do artigo 59-A do Código Eleitoral, o que significa que ele não vai entrar em vigor.

Na decisão, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que a impressão do comprovante teria que ser realizada por um equipamento especial, capaz de emitir o recibo e o inserir em um local previamente lacrado que, além de tudo, precisaria ser totalmente seguro.

No voto, Mendes escreveu: “Se assim não for, em vez de aumentar a segurança das votações, a impressão do registro será frágil como meio de confirmação do resultado e, pior, poderá servir a fraudes e a violação do sigilo das votações”. Isso porque, segundo ele, a impressora poderia acabar sendo usada como uma forma de hackear a urna em si, e os comprovantes seriam a “comprovação” de que não houve problemas no processo.

Além disso, na decisão final sobre o tema, ficou mantido o entendimento de que a impressão dos comprovantes poderia ser uma forma de violar o sigilo da votação.

As eleições no ano da Constituição

O usuário responsável pelo tuíte verificado aqui questiona a inconstitucionalidade alegando que, no ano da promulgação da Constituição, 1988, ainda não existiam urnas eletrônicas.

As eleições de 1988 foram reguladas pela lei federal 7.664/88, que previa eleição para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todas as cidades do país no dia 15 de novembro daquele ano. Na página 97 do livro “Eleições no Brasil – Uma História de 500 Anos”, lançado pelo TSE, há uma reprodução de uma cédula usada nas eleições de 1988. De fato, a votação ocorreu em cédulas de papel.

A urna eletrônica foi desenvolvida em 1995 e utilizada pela primeira vez nas eleições municipais do ano seguinte. As especificações de segurança do aparelho foram desenvolvidas por uma comissão técnica com pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) de São José dos Campos.

Em 1996, apenas um terço dos eleitores usaram a urna eletrônica. Na eleição seguinte, em 1998, o equipamento chegou a dois terços dos eleitores. Em 2000, todos os prefeitos e vereadores do país foram eleitos de forma eletrônica.

Em março de 2009, o TSE recebeu um prêmio na área de tecnologia pela contribuição no desenvolvimento de urnas eletrônicas. A premiação foi resultado de uma parceria entre a Universidade de São Paulo (USP), a George Washington University e a Business Software Aliance (BSA). A BSA é uma entidade que reúne instituições e empresas da área de tecnologia da informação e promove o evento para destacar ideias que sejam inéditas em todo o mundo.

Por que verificamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais e que tenham ligação com a pandemia da covid-19, com políticas públicas de âmbito nacional ou com as eleições municipais. É o caso do tuíte em questão, que questiona a “proibição ao voto impresso” fazendo confusão entre cédula de votação e comprovante do voto eletrônico. A publicação teve 2,7 mil curtidas e 853 compartilhamentos no Twitter.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus aliados são defensores do voto impresso desde a época da campanha eleitoral. Neste ano, ele afirmou que teria provas de que a eleição de 2018 foi fraudada e que, se não fosse isso, teria sido eleito no primeiro turno. Disse ainda acreditar ter feito mais votos no segundo turno do que foi contabilizado. O presidente, no entanto, ainda não apresentou provas da acusação que fez.

Além de ser a favor do voto em cédula, Bolsonaro também era a favor do voto impresso em urna eletrônica. Em 2018, criticou o sistema de votação brasileiro e a liminar que suspendia a obrigatoriedade de impressão do voto eletrônico: “É um sistema eleitoral que não existe em nenhum lugar do mundo. Eu apresentei um antídoto para isso. A senhora Raquel Dodge [procuradora-geral da República] questionou. O argumento dela é que a impressão dos votos comprometeria a segurança das eleições. Pelo amor de Deus. Inclusive estava acertado que em 5% das seções teríamos impressão do voto”.

Durante as eleições de 2018, o Comprova verificou diversas desinformações relacionadas às urnas eletrônicas. Mostrou que as Forças Armadas não solicitaram perícia nos equipamentos, que códigos de urnas eletrônicas não foram entregues aos venezuelanos, que a Polícia Federal não apreendeu uma van com urnas adulteradas e que a Polícia Militar não apreendeu um carro que transportava os aparelhos já preenchidas com votos no Amazonas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-09-17

Vídeo é tirado de contexto para dizer que brigadistas estariam causando incêndio no Pantanal

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo mostra, na verdade, uma equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) combatendo fogo com uma técnica de queima controlada que consiste em queimar pequenas áreas, de modo planejado e monitorado, para eliminar pasto seco que pode servir de combustível para incêndios florestais
  • Conteúdo verificado: Vídeo mostra brigadistas colocando fogo em pasto sugerindo que seriam os próprios combatentes responsáveis por incêndios.

São enganosas as postagens que circulam pelas redes sociais que acusam brigadistas de provocar incêndios no Pantanal. O vídeo que aparece nesses posts foi tirado de contexto e mostra uma equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) combatendo o fogo, com uma técnica chamada queima de expansão, uma técnica de queima controlada. Esse recurso consiste em queimar pequenas áreas, de modo planejado e monitorado, para eliminar pasto seco que pode servir de combustível para incêndios florestais.

O próprio ICMBio confirma a ação, que foi realizada entre os dias 12 e 13 de setembro na Estação Ecológica de Taiamã, na cidade de Cáceres, em Mato Grosso. As informações estão em nota oficial de esclarecimento do órgão rebatendo a divulgação de maneira equivocada das imagens.

“O controle dessa técnica exige pessoal treinado e experiente, pontos de ancoragem muito bem definidos e condições meteorológicas favoráveis para que o fogo não se alastre e inicie um novo incêndio. Todas essas condições foram obedecidas e a queima foi considerada um sucesso”, explica a declaração.

Essa informação foi reiterada pelo analista ambiental do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (o PrevFogo, ligado ao Ibama) no Mato Grosso do Sul, Alexandre Pereira, que analisou o vídeo viralizado a pedido do Comprova.

Como verificamos?

Começamos a apuração por buscas no Google. Mapeamos outras verificações sobre o mesmo tema, feitas pelo Estadão Verifica e pelo site Aos Fatos, que ajudaram a nortear o trabalho do Comprova.

Além disso, consultamos o portal ICMBio, autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, que atua no combate às chamas no Pantanal.

Também procuramos um especialista em incêndios florestais para entender a técnica que aparece no vídeo e outras maneiras de combater fogo com fogo. O analista ambiental do PrevFogo Alexandre Pereira foi quem nos trouxe explicações técnicas.

Por último, fizemos contato via Messenger com o perfil que divulgou vídeo no Facebook, mas não obtivemos retorno até o fechamento desta reportagem.

Verificação

O vídeo

No vídeo compartilhado nas redes, cinco homens andam por uma área de vegetação rasteira, queimando pequenos trechos de plantas secas. Atrás deles, um sexto homem grava a ação e pode ser ouvido dizendo: “Os brigadistas, ao invés de apagar o fogo, tão tacando fogo. É brincadeira? Quem é que taca fogo no Pantanal?”. Na parte de trás de seus uniformes é possível identificar o nome do ICMBio.

Em nota publicada em 15 de setembro, o ICMBio confirmou que as imagens viralizadas mostram uma operação de seus agentes realizada na Estação Ecológica de Taiamã, unidade de conservação federal localizada em Cáceres, no Mato Grosso, entre os dias 12 e 13 de setembro.

Ao contrário do sugerido pelo narrador da gravação e por usuários em redes sociais, no entanto, o ICMBio explicou que os homens do vídeo não estavam provocando um incêndio florestal, mas realizando uma manobra de combate indireto das chamas conhecida como “queima de expansão”.

Essa técnica, segundo o instituto, “consiste em eliminar o combustível (a vegetação seca) em pequenas faixas do terreno através da aplicação do fogo”.

Sobre as publicações viralizadas nas redes, o instituto afirmou que “um vídeo que circula pela internet tem gerado diversos mal-entendidos sobre as ações do ICMBio. Ele foi produzido e divulgado por um brigadista que esteve em campo, trazendo uma versão errônea sobre a prática de que ele participara”.

Queima de expansão

A pedido do Comprova, o analista ambiental do PrevFogo Alexandre Pereira avaliou o vídeo compartilhado nas redes e confirmou que as imagens mostram uma técnica de combate às chamas.

Segundo Pereira, a tática funciona queimando de maneira controlada a vegetação do local para impedir que ela possa servir de combustível para a queimada descontrolada, de proporção bem maior, que se aproxima.

Como explicou o analista, ao queimar a vegetação mais seca, os brigadistas expandem a faixa de segurança, formada naturalmente pela vegetação verde e úmida, para impedir que a frente principal do incêndio entre na unidade de conservação.

“Depois que aquela vegetação foi queimada pelo fogo da queima de expansão que eles aplicaram ali, a frente de incêndio vai chegar, não vai ter mais combustível, que já foi consumido pelo fogo, evitando que o fogo adentre a unidade”, acrescentou.

A prática da “queima de expansão” é prevista no Manual de Formação de Brigadistas do ICMBio. Como explica o guia, “para apagar o fogo é preciso neutralizar ao menos um dos lados do triângulo do fogo”, sendo eles o combustível (ou seja a vegetação), o calor e o oxigênio.

Para eliminar o combustível, o manual recomenda a construção de uma linha de controle, ou seja, de um perímetro de segurança ao redor do setor afetado pelo incêndio para impedir sua propagação.

Isso pode ser feito com diversas técnicas, entre elas a queima de expansão. “Pode-se empregar o fogo e apagá-lo quando a faixa queimada atingir a largura desejada para a eliminação de combustíveis no lado da linha que irá queimar (queima de alargamento ou de expansão)”, detalha o documento.

A queima de expansão não é uma técnica exclusiva do Brasil, sendo utilizada em diversos outros países, como o Chile, segundo detalha a Corporação Nacional Florestal do país.

“A linha de fogo é uma faixa estreita de terreno onde é eliminada, com fogo, a vegetação combustível que está na trajetória do incêndio […]. O fogo aplicado desta maneira é chamado de queima de expansão que, ao avançar contra o vento, poderá ser apagado depois de alguns metros, mas que, mesmo que isso ocorra, cumprirá seu objetivo de expandir a faixa carente de combustível”.

A tática também é mencionada em manuais de combate a incêndios da Argentina e da Espanha.

Fogo amigo

Não é apenas a queima de expansão que faz uso do próprio fogo para conter as chamas. Conforme explica Alexandre Pereira, existem outros métodos que também envolvem chamas para controlar incêndios florestais. Entre eles, o fogo contra fogo e o aceiro negro.

O fogo contra fogo, segundo o analista ambiental, consiste em provocar um “incêndio controlado à frente de um grande queimada, de modo a causar a interacção entre ambos e a alterar a direção da propagação ou a extinção desse incêndio.”

Já o aceiro negro é uma “técnica que usa o fogo controlado para criar uma faixa sem vegetação, que impeça do avanço das chamas. Difere do aceiro comum, que é feito por meio de tratos ou outras máquinas como motoniveladoras.”

De acordo com o Código Florestal Brasileiro, o uso de fogo em vegetação é proibido. Porém, a lei permite algumas exceções, entre elas o “emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo”.

Por que investigamos?

O Comprova em sua terceira fase faz verificações de conteúdos produzidos por usuários da internet sobre a pandemia de covid-19 e as políticas públicas do governo federal. Os incêndios no Pantanal se inserem neste segundo grupo, pois a resposta a eles passa por decisões tomadas em Brasília.

O vídeo verificado aqui circulou de maneira acelerada, aparecendo em diversas postagens diferentes em redes sociais como Twitter e Facebook. No post que fez o Comprova iniciar esta verificação, o vídeo teve pelo menos 8,1 mil visualizações. Em algumas das postagens, os autores davam a entender que a suposta ação criminosa dos brigadistas teria como intuito prejudicar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Trata-se de uma lógica semelhante à verificada pelo Comprova ao investigar vídeos sobre queimadas na Amazônia. Recentemente, o Comprova revelou que um vídeo mostrava um outro tipo de queima controlada feita pelo Ibama e não um incêndio provocado para culpar o presidente e que um post usava uma foto antiga de madeireiros para acusar ONGs por incêndios na Amazônia.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Saúde

Investigado por: 2020-09-17

É falso que irmãos morreram após se vacinarem contra a covid-19

  • Falso
Falso
Mulher fez acusação, sem apresentar qualquer prova, em vídeo que viralizou nas redes sociais, mas a Anvisa informa que só maiores de idade podem receber os testes das vacinas e que não houve nenhum relato de mortes ou reações adversas graves relacionadas aos testes feitos no Brasil
  • Conteúdo verificado: Em uma transmissão ao vivo que ficou gravada no YouTube, uma mulher conta a história de uma família brasileira que teria tomado vacina contra a covid-19 para poder viajar ao exterior e diz que três jovens morreram depois disso.

Não é verdade que três irmãos morreram após receber uma dose da vacina contra a covid-19, como afirma uma mulher em um vídeo que viralizou no Youtube. Ela faz diversas alegações no vídeo, mas sua história tem vários furos ou pontos que não fazem sentido, como verificou o Comprova.

A autora do vídeo diz que os jovens tinham 13, 16 e 18 anos e não especifica qual das quatro vacinas em teste no Brasil teria sido responsável pelo ocorrido – ela nem usa a palavra “vacina”, alegando que, caso falasse, seu vídeo seria derrubado. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que autoriza as pesquisas clínicas sobre a proteção no país, informou que apenas maiores de idade podem receber as doses. Além disso, a Anvisa afirmou que não houve nenhum relato de mortes nem de reação adversa grave relacionadas às imunizações.

Ainda segundo a autora do vídeo, a suposta família teria decidido se imunizar porque ia viajar para fora do Brasil. Também segundo a Anvisa, “as vacinas em teste estão restritas ao protocolo de pesquisa e aos voluntários selecionados previamente para a pesquisa”. Vacinas em fase de testes não podem ser exigidas como pré-requisitos para viagens ao exterior – ou seja, a família não poderia ter acesso ao medicamento.

A pessoa que gravou o vídeo se apresenta como terapeuta. O Comprova entrou em contato com ela, que afirmou não ter “mais nada a acrescentar”.

Como verificamos?

O Comprova entrou em contato, por e-mail, com a Anvisa e com as quatro instituições que coordenam testes com vacinas contra a covid-19 no Brasil – apenas a Iqvia não respondeu até a publicação desta verificação. Também consultamos a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) sobre critérios e exigências desse tipo de estudo. Por fim, consultamos o Ministério de Relações Exteriores.

Enviamos um pedido de entrevista pelo Facebook à autora do vídeo. Ela respondeu o primeiro contato e depois bloqueou a jornalista da equipe que enviou a mensagem. Uma outra repórter fez nova tentativa, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de setembro de 2020.

Verificação

Testes no Brasil e reações adversas

Em princípio, a autora do vídeo diz que não sabe informar qual foi a vacina contra covid-19 usada pela família. Segundo a Anvisa, quatro substâncias diferentes estão sendo testadas no Brasil. O Comprova consultou as instituições responsáveis pelos experimentos sobre os critérios para adesão de voluntários e os efeitos adversos.

O Instituto Butantan informou que 4 mil voluntários (do total de 9 mil) já tomaram a primeira das duas doses da CoronaVac, desenvolvida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac Life Science. Segundo a instituição, eles “são monitorados e, até o momento, não foi reportado nenhum efeito colateral grave, muito menos óbito”. O órgão classificou como “irresponsável e totalmente inverídico o depoimento que atribui a morte de pessoas ao uso da CoronaVac”. No vídeo verificado aqui, a autora faz menção ao governador de São Paulo, João Doria. Agências de checagem, como o Aos Fatos, verificaram um post no Facebook escrito pela autora do vídeo em que ela afirma que a família teria tomado a CoronaVac.

O Butantan ressaltou ainda que “qualquer estudo sério é interrompido imediatamente assim que identificada qualquer anomalia”.

Este foi o caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a companhia AstraZeneca, depois que uma voluntária do Reino Unido teve complicações. Os testes foram interrompidos em 8 de setembro, inclusive no Brasil, onde são conduzidos pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em 5 mil voluntários. Após ter sido considerada segura, a testagem foi retomada no dia 14.

A Unifesp afirmou que “o estudo clínico envolve adultos acima dos 18 anos e as reações até o momento foram as esperadas, como dor temporária no local da aplicação, dor de cabeça e febre passageira”. A universidade acrescenta que “não houve intercorrências graves no Brasil”.

Outro órgão que está trabalhando a vacina é a Iqvia. A imunização chamada de Janssen-Cilag será testada em 7 mil voluntários – o que deve começar em breve. A farmacêutica não respondeu o pedido do Comprova até o fechamento deste texto, mas, no dia 18 de agosto, a Anvisa permitiu que a empresa, que faz parte do grupo Johnson & Johnson, iniciasse estudos clínicos no Brasil.

A testagem conduzida pelo Centro Paulista de Investigação Clínica (Cepic), da vacina Pfizer/Wyeth, tem a menor amostragem: mil voluntários. Os responsáveis declararam que “nenhum participante do estudo de vacina contra covid-19 da Pfizer/BioNtech morreu”.

Viagem para o exterior

A autora do vídeo diz que a família tomou a vacina porque queria viajar para a Europa. Contudo, a Anvisa diz que imunizações em fase de testes não podem ser exigidas como pré-requisito de viagens para fora do país. As substâncias “estão restritas ao protocolo de pesquisa e aos voluntários selecionados previamente para a pesquisa”. O órgão declarou ainda que as vacinas “não estão disponíveis para uso fora do protocolo de pesquisa e fora das instituições que fazem parte do estudo”.

O Comprova também questionou o Ministério de Relações Exteriores. Não houve retorno até a publicação desta reportagem.

Critérios de idade e ética das testagens

De acordo com o vídeo, os jovens que supostamente foram vítimas tinham 13, 16 e 18 anos. Mas todas as autoridades de saúde consultadas declararam que menores de idade não são admitidos nos testes com a vacina contra a covid-19.

O coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Jorge Venâncio, explica que “se as pesquisas da vacina fossem incluir menores, teria que ter uma emenda ao protocolo”. Ele também afirmou que o novo critério não poderia ser uma exceção a poucos participantes, mas uma norma geral. E acrescenta: “Se alguma das pesquisas tentasse inserir crianças [sem notificar] seria uma violação grave ao protocolo, que poderia gerar uma denúncia na Anvisa por violação das boas práticas clínicas”.

Venâncio explica ainda que menores de idade só são inseridos em testes quando os exames em pessoas adultas não são suficientes ou quando o objeto de estudo é próprio do grupo etário – como doenças ou medicações infantis. Pesquisas com menores de idade exigem “o consentimento dos pais e do menor, e todos os critérios de segurança”.

O coordenador da Conep observa também que “a pandemia atinge muito menos crianças que adultos. Não tem lógica fazer testes com crianças”.

A autora do vídeo, em uma segunda transmissão, deu a entender que a família tinha se submetido a algum tipo de acordo para não comentar possíveis efeitos adversos da vacina. Venâncio afirma que a prática é proibida. “Ainda que existisse esse tipo de acordo, não teria validade jurídica”, acrescenta Venâncio.

A autora do vídeo

A autora do vídeo afirma que é terapeuta e mora em Portugal. Segundo seu perfil no Linkedin, trabalha com “terapias holísticas e vibracionais” desde 1998. Em uma live de junho deste ano, ela contou ter sido cantora, mas que, após ouvir uma palestra do médium Luiz Antonio Gasparetto, procurou se aprofundar no tema da mediunidade.

Ao primeiro contato do Comprova, ela agradeceu, declarou que não tinha “mais nada a acrescentar” além do relatado na gravação e que “não iria expor ninguém sem autorização”, pois tem “ética e respeito pela dor da família”. O Comprova voltou a entrar em contato com a terapeuta, apresentando as informações da Anvisa que contradizem seus vídeos. Ela não respondeu.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. Mais do que gerar medo e desconfiança, o vídeo coloca a saúde da população em risco ao incentivar que as pessoas não se vacinem contra a doença.

A gravação teve 97.834 visualizações no YouTube até 16 de setembro e, segundo a ferramenta CrowdTangle, foi republicado 133 vezes no Twitter e teve 11.350 interações no Facebook.

Fato ou Fake, e-farsas, Aos Fatos e Lupa também investigaram esse conteúdo e classificaram como falsos os posts que circularam nas redes sociais.

Publicações que tentam desacreditar a importância da vacina já foram verificadas pelo Comprova, como a que dizia que a vacina causava danos irreversíveis ao organismo, o tuíte que afirmava que a imunização usa células de fetos abortados e uma teoria conspiratória segundo a qual a proteção teria um microchip para rastrear a população.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-09-17

TV alemã exibiu elefantes ao falar sobre queimadas na Amazônia

  • Comprovado
Comprovado
Emissora alemã confirmou ao Comprova a exibição da imagem para ilustrar uma matéria sobre queimadas na Amazônia veiculada em 2019 e disse que retirou do site a reportagem tão logo os produtores se deram conta do erro
  • Conteúdo verificado: Postagens nas redes sociais com fotografia de uma reportagem da rede de televisão alemã N-TV, que utilizou uma imagem de elefantes para falar sobre o incêndio na Amazônia

É verdadeira a publicação que mostra uma televisão transmitindo reportagem da emissora alemã N-TV sobre as queimadas na Amazônia. Na matéria, é exibida uma imagem de elefantes em um rio com as legendas ‘Feuerkatastriophe im Amazonas’ (catástrofe do fogo no Amazonas) e ‘Sorge un bedrohte Tierarten’ (preocupação com espécies ameaçadas de extinção). A publicação, que circulou em diversas contas em redes sociais, acrescenta a legenda: “TV Alemã mostrando os animais fugindo do incêndio na Amazônia. É pra rir ou não?”.

A emissora N-TV, que costuma cobrir o impacto dos incêndios na Amazônia, confirmou ao Comprova por e-mail que realmente utilizou a imagem dos elefantes na reportagem sobre as queimadas, mas que ao perceber o erro – já que não há elefantes na fauna brasileira – retirou o material do ar. Por isso, não é mais possível encontrá-la no site da emissora. A fotografia dos elefantes exibida na matéria foi tirada pela fotógrafa Charmaine Noronha, da agência Associated Press (AP), em Botswana, na África, em 2013.

A reportagem alemã foi veiculada em agosto de 2019, quando as queimadas na Amazônia brasileira estavam em evidência ao redor do mundo. A imagem começou a circular com tom de sátira já no mês seguinte, no Reddit e também no site MEME, mas só apareceu em publicações brasileiras em setembro deste ano – quando incêndios voltaram a ser assunto.

Como verificamos?

O Comprova realizou uma busca reversa de imagens utilizando Google, Bing, TinEye, Baidu e Yandex para identificar diferentes versões da publicação e qual teria sido a primeira aparição da fotografia da televisão exibindo a reportagem. Procuramos, ainda, o vídeo no site oficial da N-TV e da Heute TV, uma emissora de televisão de Viena, na Áustria, que havia republicado o vídeo da reportagem sobre incêndios. Também buscamos pela fotografia dos elefantes com uma pesquisa simples no Google.

Em seguida, o Comprova procurou a porta-voz da N-TV, o repórter responsável pela matéria sobre as queimadas na Amazônia e o profissional responsável por fazer verificações na emissora. Também entrou em contato com uma agência de checagem alemã, a Correctiv.

Verificação

Imagem é verdadeira, mas vídeo foi retirado do ar

A N-TV, emissora privada alemã que integra o grupo RTL de mídia, foi o primeiro canal de notícias 24 horas em alemão e chegou a pertencer ao mesmo grupo da CNN. Além de cobrir assuntos locais, a N-TV possui um noticiário internacional e, desde o ano passado, tem publicado diversas reportagens sobre incêndios na Amazônia.

Essa reportagem foi ao ar no dia 23 de agosto de 2019. O Comprova a localizou pelo título que aparece na chamada da televisão: ‘Feuerkatastriophe im Amazonas’ (catástrofe do fogo no Amazonas). Logo abaixo, consta mais uma informação sobre a reportagem: ‘Sorge un bedrohte Tierarten’ (preocupação com espécies ameaçadas de extinção).

A segunda chamada, na sequência das informações sobre os animais ameaçados de extinção, também é real: ‘Nawalny verlässt nach 30 Tagen Gefängnis’ (Nawalny deixa a prisão após 30 dias), se referindo à soltura do líder opositor russo, crítico de Vladimir Putin. Esta notícia também foi publicada no dia 23 de agosto de 2019 no site da N-TV.

O texto sobre os incêndios no Amazonas foi publicado no site da emissora no mesmo dia, assinado pelo repórter Roland Peter, correspondente da N-TV na América Latina, mas não faz nenhuma menção a elefantes. O Comprova entrou em contato com Peters, mas ele não soube dizer se a imagem era real ou não.

Apesar de todas as informações de datas baterem, o vídeo em que os elefantes aparecem não foi localizado no site da N-TV. O Comprova encontrou uma checagem sobre o mesmo assunto no site Boa Informação, que classifica a reportagem como verdadeira, mas não poderia confirmar se os elefantes tinham sido usados na imagem porque o vídeo tinha sido excluído.

O link divulgado pelo Boa Informação levava até o site da austríaca Heute TV, que havia republicado a reportagem. No entanto, ao clicar no endereço, fomos redirecionados para a capa do site. Por uma semana, tentamos contato com os dirigentes na Heute TV, mas não tivemos retorno.

O Comprova procurou pela porta-voz da N-TV, Bettina Klauser, por e-mail. Ela repassou a demanda a Alessia Gerkens, gerente de comunicação e relações públicas na RTL, grupo do qual a emissora faz parte. A reportagem também entrou em contato, por e-mail e via Twitter, com Andreas Greuel, o responsável por fazer verificações na emissora.

Por e-mail, Gerkerns confirmou que a imagem dos elefantes foi utilizada pela N-TV, mas que a reportagem foi retirada do ar ainda em 2019 depois que a produção percebeu o erro. Por isso, não é possível encontrar o vídeo original. Também por e-mail, Andreas Greuel agradeceu o contato e o interesse em esclarecer os fatos e disse que “infelizmente, erros acontecem”.

Elefantes não são nativos do Brasil

Não há elefantes nativos na fauna brasileira, embora existam animais no país em situação de cativeiro. A fotografia usada pela emissora de TV alemã foi feita em 2013 em Botswana, na África, por Charmaine Noronha. A imagem está publicada no site da agência Associated Press (AP).

Viralização da publicação no Brasil

A reportagem alemã foi exibida no final de agosto de 2019, quando os focos de incêndio e as queimadas na Amazônia brasileiras estavam em evidência e eram tema de debate ao redor do mundo.

Porém, a publicação em tom de sátira só começou a viralizar no Brasil em 2020. O primeiro registro encontrado pelo Comprova em português é de 6 de setembro deste ano.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais e que tratam das políticas públicas do governo federal ou da pandemia da covid-19. Questões relativas à Amazônia estão no centro do debate político e são constantemente objeto de desinformação.

Em 2019, o Comprova mostrou que não era verdadeira a acusação de que o governo do ex-presidente Lula teria vendido terras para uma empresa da Noruega e que imagens de um avião combatendo incêndios não tinham sido gravadas no Brasil

Neste ano, o Comprova fez outras verificações envolvendo a Amazônia, como a de um vídeo que mostra uma queima controlada feita pelo Ibama e não um incêndio provocado para culpar o presidente, a de um post que usa uma foto antiga de madeireiros para acusar ONGs por incêndios na Amazônia e a de um vídeo que distorce dados sobre queimadas na Amazônia.

O post verificado pelo Comprova foi publicado pelo perfil @direitadaopressao e teve 9,8 mil curtidas no Instagram. No Facebook, foi compartilhado por vários perfis pessoais e em um deles teve 1,1 mil compartilhamentos.

Comprovado, para o Comprova, é o evento confirmado ou o conteúdo original publicado sem edição.

Política

Investigado por: 2020-09-16

Vídeo distorce dados sobre queimadas na Amazônia

  • Enganoso
Enganoso
Diferentemente do que mostra o vídeo, houve um aumento do número de focos de incêndio na Amazônia em relação a 2019 e o Brasil não é o país com produção mais sustentável de alimentos no mundo. Está na 40ª posição entre 67 países em um ranking da The Economist
  • Conteúdo verificado: Vídeo lançado pela Associação de Criadores do Pará afirma que a Amazônia não está queimando, que o Brasil é o país que mais preserva áreas nativas do mundo e que os alimentos brasileiros são os mais sustentáveis do planeta

Um vídeo produzido pela Associação dos Criadores do Pará (AcriPará) que viralizou nas redes sociais usa informações distorcidas, fora de contexto ou dados questionáveis para afirmar que a Amazônia brasileira não está sendo alvo de queimadas e que o Brasil é o país mais sustentável do mundo na produção de alimentos. A peça também afirma que o Brasil é a nação que mais preserva áreas de vegetação nativa em todo o mundo, o que não está correto. Além de divulgado por diversos usuários na internet, o vídeo foi compartilhado pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal.

O monitoramento feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra um aumento de 11% no número de focos de queimada na Amazônia do início do ano até 14 de setembro em comparação com o mesmo período do ano passado. Dos 64.498 pontos de calor identificados na região em 2020, 49.792 ocorreram em agosto e setembro.

Embora o Brasil preserve 66,5% de cobertura vegetal nativa – dado usado corretamente no vídeo –, segundo o Projeto MapBiomas, o país perdeu 87 milhões de hectares de vegetação nativa desde 1985, considerando áreas que foram desmatadas e nunca recuperadas.

O Brasil também está longe de produzir os alimentos mais sustentáveis do mundo: ocupa o 40º lugar entre 67 países no Food Sustainability Index, elaborado pela revista The Economist e pelo Barilla Center for Food & Nutrition. No quesito agricultura sustentável, o Brasil ainda perde posições no ranking, ficando na 51ª colocação.

O vídeo cita como fonte para a maioria dos dados mencionados a Embrapa Territorial, braço de análises geográficas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). As informações da Embrapa Territorial já haviam sido questionadas no ano passado por um artigo divulgado na revista científica Environmental Conservation, publicada pela Cambridge University Press. Os autores do artigo afirmaram que alguns dados apresentados por Evaristo de Miranda, chefe da empresa pública, não apresentam referências científicas.

Nesta terça-feira (15), o vídeo foi retirado do ar após o Greenpeace Brasil notificar plataformas como Twitter, Facebook e YouTube que a peça usava imagens da ONG sem autorização.

Como verificamos?

A ferramenta de busca do Google foi o ponto de partida desta verificação. Por meio desse recurso, mapeamos estudos e reportagens sobre preservação ambiental, sustentabilidade alimentar e destruição do bioma brasileiro.

Para checar as informações sobre queimadas na Amazônia, acessamos o site do Inpe. Lá encontramos dados mensais sobre os focos de incêndio.

Sobre a parte de preservação ambiental, pesquisamos no Projeto MapBiomas, uma das referências na área. Também consultamos o Banco de Dados sobre Áreas Protegidas, mantido pela ONU Meio Ambiente.

Ainda sobre esse tema, encontramos o artigo de autores brasileiros para a revista Environmental Conservation, uma publicação da Cambridge University Press e que contestava dados da Embrapa Territorial, uma das bases para as informações contidas no vídeo. Realizamos uma entrevista com o biólogo Fábio Angeoletto, um dos autores do estudo. Ele nos enviou respostas elaboradas em conjunto com os demais responsáveis pela publicação: Marcelo Vacchiano, Jeater Santos e Normandes Matos da Silva.

Em seguida, fomos em busca de informações com entidades que cuidam do meio ambiente no país, como Embrapa Territorial e Ministério da Agricultura.

Durante a verificação, consultamos alguns documentos que trouxeram respostas sobre as afirmações feitas no vídeo: relatório Food Sustainability Index, censo agropecuário do IBGE (2017) e o Environmental Performance Index (EPI). Procuramos, ainda, o auxílio de especialistas para avaliar dados citados no vídeo e explicar alguns conceitos sobre controle ambiental. Fizemos uma entrevista por telefone com Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.

Verificação

Quem produziu o vídeo?

O vídeo verificado foi produzido pela Associação de Criadores do Estado do Pará (AcriPará), uma associação de pecuaristas fundada em 2017. Em contato por WhatsApp com o Comprova, o presidente da entidade, Maurício Pompéia Fraga Filho, afirmou que o material foi criado como resposta a um vídeo feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que afirmava que a Amazônia estava “em chamas”.

“Esse vídeo foi feito de uma maneira despretensiosa para rebater esse outro vídeo, que recomenda que não se consumam produtos agropecuários do Brasil. O nosso vídeo foi feito só para pôr nas redes sociais e acabou viralizando”, explicou Fraga Filho.

A gravação da AcriPará ainda conta com um erro de localização. Entre as imagens há um mico-leão-dourado, animal existente apenas na Mata Atlântica. Em entrevista à Globo, ele admitiu ter sido uma “gafe”.

Ao Comprova, Fraga Filho disse que não duvida dos dados sobre queimadas na Amazônia, mas não quer que o setor produtivo “seja prejudicado pelo erro de uma minoria”.

“Nós vivemos na Amazônia, conhecemos o problema. Não somos negacionistas, conhecemos e acreditamos nos números do Inpe. Somos legalistas, brigamos pela regularização fundiária e ambiental. Mas não podemos aceitar que todo o setor produtivo brasileiro seja prejudicado pelo erro de uma minoria”, diz.

Fraga Filho é presidente da AcriPará desde a criação da entidade. No último dia 10 de setembro, a revista Veja mostrou que já foi processado por submeter trabalhadores em uma de suas fazendas a condições análogas à escravidão. Ele fez um acordo e pagou R$ 1,5 milhão.

Queimadas

A principal afirmação do vídeo verificado é que “a Amazônia não está queimando novamente”. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostram que foram registrados 20.485 focos ativos de queimadas na Amazônia entre os dias 1º e 14 de setembro, o que já é superior aos 19.925 focos de calor identificados em setembro de 2019. Um foco de queimada é um sinal de fogo detectado pelos satélites da Nasa que tiram fotos da Terra a partir do espaço.

Outros 29.307 focos de queimadas foram identificados em agosto de 2020; número ligeiramente inferior aos 30.900 pontos de incêndios identificados no mesmo mês do ano anterior.

Ao longo de todo este ano, o Inpe identificou 64.498 focos de queimada na Amazônia. Esse dado é 11% superior ao que foi registrado, em 2019, entre os dias 1º de janeiro e 14 de setembro. Em 2020, 77,19% dos incêndios realizados no bioma ocorreram nos meses de agosto e setembro.

Análise feita pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) sobre os focos de calor na Amazônia em 2020 aponta que a maior parte deles está relacionada ao desmatamento, não à severidade da época seca do ano. “O indicador principal é a alta proporção de focos em propriedades privadas (PP) e assentamentos (ASR) possivelmente devido à conversão de florestas em outros usos, e em florestas públicas não destinadas (ND), como resultado da grilagem e da ação de criminosos interessados em especular com a terra”, informa a nota técnica divulgada pelo Ipam.

A divulgação de dados de queimadas e desmatamento já provocou vários embates entre o governo federal e o Inpe. Em julho de 2019, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que a divulgação dos números faz com que o país seja “malvisto” no exterior. Logo depois, em agosto, o então diretor do instituto Ricardo Galvão foi exonerado. Em 2019, o Inpe registrou 89.176 pontos de calor na Amazônia; o que representa 30% a mais do que o instituto havia identificado em 2018.

Em julho de 2020, após o Inpe divulgar um relatório que mostrava dados recordes de desmatamento na Amazônia, o governo exonerou Lubia Vinhas do cargo de coordenadora-geral de Observação da Terra, departamento do instituto responsável por monitorar o desmatamento.

Em 15 de setembro, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que há alguém dentro do Inpe “que faz oposição ao governo”, divulgando dados apenas quando eles são desfavoráveis à atual gestão. Na verdade, todos os dados sobre queimadas no país são públicos e atualizados diariamente pelo instituto em um site que pode ser consultado por qualquer pessoa.

Líder de preservação?

O vídeo faz duas afirmações em relação à preservação ambiental. Na primeira, diz que o Brasil preserva 66,3% de sua mata nativa. O número é próximo dos 66,5% apresentados no relatório do Projeto MapBiomas, uma das referências atualmente em dados sobre vegetação nativa.

De acordo com o projeto, desde 1985 o país registrou uma perda líquida de 87 milhões de hectares de sua vegetação nativa – a perda líquida é o balanço entre perda com desmatamento e o ganho com a regeneração no período.

A segunda afirmação do vídeo é de que o Brasil é “o país que mais preserva mata nativa no mundo”, citando a Embrapa como fonte dos dados. Questionada pelo Comprova, a empresa enviou um relatório feito pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente de 2016 para corroborar suas afirmações.

O documento da ONU, no entanto, não fala sobre área preservada, mas área protegida, que leva em consideração unidades de conservação e terras indígenas. Não necessariamente todas as áreas protegidas estão preservadas no país.

“O que estamos vendo nesses últimos dois anos é um forte processo de degradação dentro das áreas protegidas, de desmatamento dentro das áreas protegidas, garimpo dentro das áreas protegidas. Então não dá para a gente falar que estamos protegendo e conservando as áreas quando nós estamos deixando acontecer esse tipo de coisa dentro dessas áreas protegidas”, explica o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.

“A gente observou que uma coisa é você ter cobertura de vegetação nativa, a outra coisa é saber o quanto disso está preservado. O que é estar preservado? É aquilo que não sofreu nem desmatamento anterior e cresceu de novo e também não foi degradado. Tem diferentes formas de se medir isso, mas a gente já demonstrou esse ano que pelo menos 9% da cobertura de vegetação nativa do Brasil é de vegetação secundária, que são áreas que já deixaram de ser floresta alguma vez e voltaram a crescer. Portanto, não são áreas que foram preservadas, são áreas que foram desmatadas e que voltaram a crescer”, continuou.

O Brasil só aparece na liderança em áreas protegidas apenas quando são considerados os dez maiores países em extensão territorial. Os 30,28% do Brasil ficam à frente de Austrália (19,39%), China (15,62%), Estados Unidos (11,79%), Rússia (9,7%), Canadá (11,04%), Argentina (8,48%), Argélia (4,64%), Índia (5,97%) e Cazaquistão (3,31%). Os dados estão no Banco de Dados sobre Áreas Protegidas, mantido pela ONU Meio Ambiente.

Ao fazer a comparação com todos os países do mundo, porém, o Brasil cai para a 32ª colocação em proporção de área protegida, como mostra a tabela abaixo.

As posições da Embrapa Territorial já haviam sido questionadas em um artigo brasileiro publicado na revista Environmental Conservation, uma das publicações da Cambridge University Press, em junho do ano passado. No material intitulado “Os dados confirmam que Brasil lidera o mundo em preservação ambiental?”, os autores dizem que Evaristo de Miranda, chefe da Embrapa Territorial, apresenta “estatísticas criativas, influenciadas por uma narrativa ideológica que distorce a realidade ambiental brasileira”.

O Comprova conversou com o biólogo Fábio Angeoletto, um dos autores do artigo. “Nossa crítica à essa afirmação também decorre pelo fato de desconhecermos em que ranking (global ou mesmo regional) o Brasil é classificado como líder em preservação ambiental. Parece-nos que tal avaliação é apenas uma propaganda ideológica, porque é destituída de referências científicas”, explica.

“Se tomarmos como referência o Environmental Performance Index (EPI), que é organizado pelas universidades de Yale e Columbia nos Estados Unidos, o qual classifica a partir de consistente metodologia científica o desempenho ambiental de 180 países do globo, o Brasil não figura como líder nem em nível regional e muito menos global, seja no índice EPI global, ou seja, nos índices temáticos (florestas, por exemplo). Além disso, desde o relatório de 2016 o Brasil tem caído significativamente de posição neste ranking, já refletindo o desmonte que está ocorrendo nas políticas de preservação e conservação ambiental com os governos Temer e Bolsonaro”, completa.

O relatório citado por Angeoletto realmente mostra o Brasil muito longe da liderança em diversos índices. Na edição 2020 do EPI, o país aparece apenas na 114ª posição entre 180 países no quesito “perda de cobertura vegetal”. No ranking geral, que inclui saúde e vitalidade do ecossistema, o Brasil está em 55º.

Ao longo do relatório, o Brasil é mencionado de maneira negativa em duas oportunidades, além de um ponto sobre o desmatamento da Amazônia. “O desmatamento e a expansão agrícola continuam a ameaçar os ecossistemas exclusivos desta região [América Latina], contribuindo para as pontuações regionais médias baixas em Biodiversidade e Habitat e Serviços de Ecossistema. Embora eventos muito recentes, como a queima da Amazônia no Brasil, Bolívia e Peru no final de 2019, não tenham sido incluídos nas pontuações do EPI de 2020, esses eventos seguem uma tendência preocupante de aumento da destruição e deterioração do ecossistema”, diz um trecho do relatório.

O texto ainda faz uma crítica à política ambiental do governo de Jair Bolsonaro . “À medida que as mudanças climáticas e o desmatamento aumentam a frequência e a gravidade das secas — e à medida que o governo do Presidente Bolsonaro reverte as proteções ambientais — incêndios como os vistos em 2017 e 2019 podem se tornar ainda mais generalizados e devastadores”.

Produção e sustentabilidade

A definição de alimento sustentável — conceito mencionado no vídeo analisado — envolve aspectos que vão desde a plantação até a chegada ao prato de quem consome. O Ministério da Agricultura informou ao Comprova por e-mail que trata-se de um conceito que permeia questões econômicas, sociais e ambientais. “Quando as condições de produção viabilizem o equilíbrio econômico/financeiro dos produtores e agentes da cadeia produtiva, respeitando as condições trabalhistas e sociais dos trabalhadores e, mantendo o respeito e garantia de meio ambiente preservado, temos uma produção de alimentos perfeitamente sustentável”, afirmou a assessoria.

Em resumo, um mantimento sustentável é aquele cuja cadeia produtiva (que engloba processos como plantio, colheita, embalagem e distribuição) busca gerar o menor impacto possível no meio ambiente. Além disso, a produção leva em conta questões sociais, éticas e relacionadas à saúde do consumidor.

Questionada, também por e-mail, sobre o que caracteriza um alimento sustentável, a Embrapa Territorial respondeu: “O que é sustentável não é o alimento em si, mas a maneira de produzi-lo. A diversidade de alimentos e das formas de produzi-los no Brasil varia muito. Até para um mesmo alimento, as práticas e os sistemas de produção variam.”

Sobre se os alimentos produzidos no Brasil seriam os mais sustentáveis do mundo, como sugere o vídeo verificado, o órgão explica que depende do item a ser analisado e sugeriu outras fontes.

“Para que se afirme que os alimentos produzidos no Brasil são os mais sustentáveis do mundo, há necessidade de uma avaliação a partir do estabelecimento de índices capazes de classificar uma série de padrões submetidos à atividade agropecuária mundial”

De acordo com o relatório Food Sustainability Index, organizado pela unidade de inteligência da revista The Economist e pelo Barilla Center for Food & Nutrition, o país não é líder em sustentabilidade. O documento leva em consideração 37 indicadores divididos em três grandes áreas: perda de comida e desperdício, agricultura sustentável e desafios nutricionais.

O Brasil aparece em 40º lugar no ranking geral, que reúne 67 países. Quando o tema é agricultura sustentável, o Brasil aparece na posição 51.

Entre os indicadores, as melhores notas do país são em política de resposta à perda de comida, sustentabilidade da retirada de água, manejo da água, mitigação da mudança climática e política de resposta a padrões alimentares. As piores notas são em diversificação do sistema de agricultura, número de pessoas por restaurante de fast food, impacto comercial, composição da dieta e prevalência da subnutrição.

Área territorial

Dependendo da origem dos dados, há uma pequena variação no total de área usada para agropecuária no Brasil. Para a Embrapa Territorial, conforme estimativas de 2019, as lavouras ocupam 66 milhões de hectares, ou 7,8% do território nacional. Ainda segundo a Embrapa Territorial, o censo agropecuário do IBGE (2017) calculou a área dedicada a plantações em 7,5% do território nacional. Já um estudo da agência espacial americana National Aeronautics and Space Administration (Nasa), da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e outras instituições internacionais feito em 2018 estimou, com outros métodos, a área cultivada em lavouras do Brasil em 7,6% do território nacional. Em relação à produção de alimentos de origem animal, a área dedicada a pastagens plantadas e nativas é da ordem de 180 milhões de hectares (21,2% do território nacional), segundo a Embrapa.

Segundo o órgão, a soma das áreas dedicadas à produção de alimentos de origem vegetal e animal totaliza cerca de 246 milhões de hectares no Brasil, o equivalente a 29% do território nacional. Esse é o número apontado pelo vídeo verificado pelo Comprova.

Outro dado que aparece no vídeo é que produtores rurais teriam adquirido 218 milhões de hectares para preservação de florestas. O tamanho da área é confirmado pela Embrapa Territorial. Contudo, a entidade não especifica se esse território fica apenas na Amazônia, como sugere o vídeo. “O total das áreas destinadas à preservação da vegetação nativa pelos produtores rurais em todo o Brasil — a título de áreas de preservação permanente (APPs), reservas legais (RLs) e vegetação excedente — resulta em 218 milhões de hectares.” Os dados são referentes aos cadastros feitos até janeiro de 2018, os mais atualizados até o momento.

“Se você pegar e olhar para as áreas que estão conservadas… falam de ‘200 milhões que os agricultores compraram para proteger’… é outra leitura bem estranha, né? Porque se você pegar as áreas privadas no Brasil e comparar com as áreas protegidas, nas áreas de terra indígena nos últimos 35 anos, o desmatamento foi meio de 0,5%. Se você pegar as áreas privadas, o desmatamento da área que existia de floresta em 1985 foi de 20%. Daí você vê a diferença que tem entre o que está sendo conservado em áreas protegidas e aquilo que está sendo conservado nas propriedades rurais”, ressaltou Tasso Azevedo.

A ferramenta usada para mensurar as áreas de preservação e reserva é o SiCAR, um sistema autodeclaratório de registro. Conforme Fábio Angeoletto, é preciso cautela com essa metodologia.

“O SiCAR e os mecanismos que ele possui (a exemplo do CRA — Cota de Reserva Ambiental) é sem dúvida um avanço em termos de ferramenta de monitoramento e gestão do patrimônio ambiental do Brasil, sobretudo por se tratar de um país com dimensões continentais. Contudo, por ser autodeclaratório (o detentor do imóvel rural é que diz o que está ou não preservado da vegetação nativa em seu interior) ele precisa ser validado (…). Se esta fase de validação não é realizada ele tem sua eficácia extremamente prejudicada”, destaca o biólogo.

Ele complementa que o SiCAR é uma ferramenta desenvolvida com o fim de gestão: “Querer transformá-lo em ferramenta de regularização fundiária é um erro que abre margem à oficialização da grilagem de terras devolutas no Brasil.”

O SiCAR foi criado em 2012, mas ficou ativo apenas em 2014. Em outubro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei que retira o prazo para que os agropecuaristas criarem seus registros. Antes disso, datas limites para adesão ao sistema foram criadas e acabaram prorrogadas.

“A lei diminui o alcance e a efetividade do CAR na proteção da flora nativa do Brasil. Ao retirar o prazo para a inscrição no SiCAR, haverá menos dados disponíveis para a gestão ambiental adequada de milhões de hectares de florestas nativas do Brasil”, avalia Angeoletto.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais que tenham ligação com políticas públicas do governo federal ou com a pandemia do novo coronavírus. O vídeo verificado aqui é um exemplo.

O Brasil vive uma série de problemas ambientais, principalmente em decorrência das queimadas que consomem a Amazônia e o Pantanal. Segundo matéria da Folha de S.Paulo, os 14 dias de setembro deste ano já registraram mais focos de incêndio na floresta amazônica do que em todo o mesmo mês no ano passado. Já o Pantanal — apontado como maior planície alagada do Planeta e com um bioma que cobre Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bolívia e Paraguai — é vítima de um dos maiores incêndios da história.

O vídeo, publicado pelo usuário @Jouberth19, já foi assistido 38,8 mil vezes no Twitter. Também foi curtido 35,4 mil vezes e compartilhado por 9,9 mil usuários ao ser reproduzido nos perfis do Twitter do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e do vice-presidente Hamilton Mourão, que é presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal.

A Agência Lupa chegou o mesmo conteúdo e chegou a conclusão de que ele é falso. A iniciativa Fakebook de verificação de informações ambientais checou informações semelhantes às do vídeo, como a de que o Brasil possui a maior área protegida do mundo e a que dizia que o agronegócio brasileiro é o mais sustentável do mundo.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.