O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2021-05-06

É falso que governo Bolsonaro tenha feito o Nordeste colher trigo pela primeira vez

  • Falso
Falso
Dados mostram que a Bahia cultiva o grão desde a década de 1980. Postagens distorcem informações divulgadas pelo Ministério da Agricultura em setembro de 2020, sobre uma colheita de trigo no Ceará.
  • Conteúdo verificado: Uma imagem do presidente Jair Bolsonaro com a legenda “Nordeste colhe trigo pela primeira vez. A água vai chegando nas terras secas. E as coisas estão mudando… Adivinhem quem é o culpado?”

 

Não é verdade que o governo de Jair Bolsonaro tenha feito o Nordeste produzir trigo pela primeira vez, como sugerem postagens em circulação nas redes sociais. Dados mostram que agricultores da Bahia já investiam no cultivo do grão em meados da década de 1980. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) informa ainda que o plantio de trigo na Bahia está consolidado desde 2016, com uma área que varia entre 3 e 5 mil hectares por ano.

Esses conteúdos, na verdade, distorcem informações divulgadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em setembro de 2020. Na época, o governo federal anunciou a primeira colheita do trigo no Ceará — e não no Nordeste — com base em resultados obtidos por uma agroindústria no Estado, com apoio técnico da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

A introdução da cultura no Ceará ocorreu em 2019, quando foram realizados ensaios pela Embrapa em áreas experimentais montadas em parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) nos municípios de Limoeiro do Norte e Tianguá. O fato é mencionado no conteúdo do Mapa e foi confirmado ao Comprova pela instituição de pesquisa.

Apesar de a data do primeiro plantio no Ceará coincidir com o primeiro mandato de Bolsonaro, não é possível atribuir unicamente o feito ao seu governo, uma vez que as sementes utilizadas nessas áreas de teste foram desenvolvidas e lançadas em anos anteriores pela Embrapa. A instituição também fez ensaios inéditos em Alagoas nessa mesma época.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Agricultura não respondeu se divulgou em algum momento que o Nordeste teria plantado trigo pela primeira vez, nem se as informações foram retiradas de contexto pelas postagens na internet. A pasta apenas encaminhou por e-mail o mesmo texto mencionado acima e disse que as informações deveriam ser consultadas com a Embrapa.

Como verificamos?

O Comprova fez essa verificação a partir de documentos oficiais e consulta a órgãos públicos, como a Embrapa Trigo e o Ministério da Agricultura, além de notícias publicadas pela imprensa.

A partir de buscas simples, a reportagem chegou ao texto publicado pelo Ministério, em setembro de 2020, sobre uma colheita de trigo no Ceará. O site da Embrapa também disponibiliza artigos sobre experimentos em Alagoas, assim como estimativas de produção de trigo na Bahia para os próximos anos.

O Comprova conversou com uma pesquisadora da Unidade de Execução de Pesquisa de Rio Largo, vinculada à Embrapa Tabuleiros Costeiros, Lizz Kezzy de Morais, responsável por pesquisas no estado alagoano, para entender o contexto dos experimentos, e pediu esclarecimentos para a Embrapa Trigo. A instituição forneceu o sumário executivo dos estudos em novas áreas do Nordeste e esclareceu sobre o plantio anterior do trigo na Bahia, entre outras informações.

O Comprova consultou ainda bases de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para checar o histórico da produção de trigo nos estados.

Verificação

Trigo no Nordeste

O plantio de trigo no Nordeste não é recente, de acordo com a Embrapa Trigo. “Na Bahia, o trigo é cultivado desde meados dos anos 1980, principalmente na região Oeste”, relatou a instituição de pesquisa, em nota enviada por e-mail ao Comprova.

Essa informação confere com os dados oficiais de safras no Brasil. A Pesquisa Agrícola Municipal do IBGE informa a produção do cereal na Bahia nos anos de 1986 e 1987. Depois, ela é retomada por um curto período, entre os anos de 2003 a 2005, com o plantio se consolidando a partir de 2015.

A série histórica da Conab aponta a existência de produção de trigo na Bahia primeiro em 1986, 1988, 1989 e 1990; depois entre os anos de 2003 e 2005; e finalmente com um investimento contínuo a partir de 2016. A área plantada variou entre 3 e 5 mil hectares nos últimos cinco anos.

 

Nenhuma dessas fontes aponta a existência de colheita fora da Bahia em toda a série histórica. Porém, de acordo com a Embrapa, já foram realizados plantios em nível experimental nos estados de Alagoas e Ceará. Essas lavouras representam uma novidade na medida que a produção comercial na Bahia ocorre em áreas do Cerrado, bioma que não é compartilhado por esses dois outros estados do Nordeste.

Segundo informações publicadas pela Embrapa em setembro do ano passado, o oeste baiano faz parte do Matopiba — região que integra o Cerrado do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia. O trigo é plantado principalmente em sistema irrigado, em rotação com a soja, o milho ou o algodão, enquanto o trigo em sequeiro é pontualmente testado por alguns produtores e apresenta maior risco por conta dos solos arenosos da região, com menor capacidade de retenção de água.

De acordo com a Embrapa, o trigo da Bahia é comercializado em moinhos da região, da mesma forma que o produto oriundo de estados do Centro-Oeste.

Experimentos no CE e AL

A Embrapa começou a fazer plantios experimentais de trigo em outras regiões do Nordeste, fora da Bahia, a partir de 2019, de acordo com sumário executivo da pesquisa encaminhado pelo órgão ao Comprova.

Esse material mostra que os testes estão inseridos em um projeto de tropicalização do trigo, que teve início na década de 1920 e foi intensificado a partir da década de 1980. A pesquisa se concentra em estudos técnicos de viabilidade da cultura e no desenvolvimento de variedades de sementes adaptadas para o Cerrado.

Ainda segundo o documento, a Embrapa instalou experimentos em Alagoas e no Ceará. O município de Anadia sediou os testes em Alagoas, em 2019 e 2020. As cultivares, nome dado aos diferentes tipos de sementes comercializadas junto aos agricultores, que mostraram melhor adaptação às condições ambientais da região foram a BRS 264 e a BRS 404.

Em conversa por telefone com o Comprova, a pesquisadora Lizz Kezzy de Morais mencionou ainda experimentos no município alagoano de Porto Calvo. Essa cidade também é citada em um artigo da Embrapa sobre o plantio no Estado em 2020, mas não foi incluída no sumário.

No Ceará, as pesquisas foram conduzidas primeiro em áreas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). As parcelas foram desenvolvidas nos campus localizados nas cidades de Limoeiro do Norte e Tianguá. Foram avaliadas três cultivares: BRS 254, BRS 264 e BR 18. Os melhores rendimentos foram obtidos na região serrana.

O sumário executivo mostra ainda que, em 2020, a Embrapa acompanhou outro experimento no município de Tianguá, em uma área de cinco hectares, implantada pela empresa Santa Lúcia Alimentos. Após a colheita, em setembro de 2020, o Ministério da Agricultura soltou uma nota sobre o evento, com o título “Ceará planta trigo pela primeira vez e colheita surpreende”. O texto menciona os testes anteriores como pequenos ensaios exploratórios.

Esse é o texto que serve de base para as peças publicadas por sites como Terra Brasil Notícias, Surgiu, Página 1 PB e Fala Meu Ilustre, agora com a falsa indicação de que esta seria a primeira colheita de trigo no Nordeste. É possível notar que são reproduzidos os mesmos números publicados pelo Mapa e até uma declaração na íntegra da ministra Tereza Cristina. Os sites alteraram o título para “Governo Bolsonaro faz com que Nordeste produza trigo pela 1ª vez e colheita é surpreendente”.

Ação de longo prazo

Mesmo que o experimento no Ceará fosse realmente a primeira colheita de trigo no Nordeste, ignorando o histórico de cultivo na Bahia, não é correto atribuir esse fato unicamente ao governo Bolsonaro. A introdução do cultivo nessas novas regiões só foi possível graças a anos de desenvolvimento e pesquisa da Embrapa para a tropicalização da cultura.

Todas as variedades de sementes citadas pela Embrapa e pelo Ministério da Agricultura em seus materiais de divulgação sobre os plantios de Anadia, Porto Calvo, Limoeiro do Norte e Tianguá estão no mercado, no mínimo, há seis anos. A instituição informa as seguintes datas de lançamento dos produtos: BRS 264 e BRS 254 (2005), BRS 404 (2014), BRS 394 (2015) e BR 18 (1986).

O Comprova questionou a Embrapa acerca de que projeto especificamente fazem parte as pesquisas em Alagoas e no Ceará. A instituição respondeu que “as pesquisas são custeadas por projetos da Embrapa que trabalham o desenvolvimento do trigo em todo o Brasil” e encaminhou uma página em que estão listados todos os projetos da empresa.

Um dos materiais publicados pela instituição aponta que os experimentos em Anadia e Porto Calvo integraram o projeto “Melhoramento genético de trigo para o Brasil 2017-2021”. A reportagem encontrou outro projeto com o nome praticamente idêntico, “Melhoramento genético de trigo para o Brasil 2012-2016”, relativo aos cinco anos anteriores.

O Comprova perguntou novamente para a Embrapa se esse seria o principal projeto relacionado aos testes nas novas áreas do Nordeste fora da Bahia. A instituição respondeu que as pesquisas de melhoramento genético de trigo são contínuas, renovadas periodicamente, e que não existe um projeto específico para a região do Nordeste: “Tudo é trigo tropical para nós”.

A Embrapa afirmou ainda que está buscando parceiros para ampliar os cultivos experimentais em novas áreas nos estados de Pernambuco, Maranhão e Piauí e que não recomenda o investimento dos agricultores enquanto as análises de viabilidade do grão não forem concluídas e as localidades não estiverem contempladas no zoneamento agrícola de risco climático do trigo.

Por que investigamos?

O Comprova investiga informações suspeitas com grande alcance na internet, caso do conteúdo analisado nesta checagem. As postagens circulam em diferentes formatos nas redes e foram replicadas por quatro blogs diferentes, acumulando mais de 18,4 mil interações no Facebook e no Twitter, desde o final de abril.

O conteúdo foi considerado suspeito porque atribuía, sem apresentar fontes confiáveis, uma realização inédita a uma personalidade política — uma tática comum de desinformação que foi observada em uma série de conteúdos enganosos verificados pelo Comprova anteriormente.

A iniciativa já desmentiu boatos sobre uma ciclovia de Boa Vista, em Roraima; sobre uma ponte de concreto em Porto dos Gaúchos, no Mato Grosso do Sul; sobre pavimentações de quatro estradas no Mato Grosso; e sobre a construção de um viaduto em Foz do Iguaçu, no Paraná, entre outros conteúdos virais. 

Falso, para o Comprova, é qualquer conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-05-03

Posicionamento da OMS é retirado de contexto para apoiar falas de Bolsonaro contra o isolamento social

  • Enganoso
Enganoso
Reportagens com falas antigas de representantes da Organização Mundial da Saúde sobre o enfrentamento à pandemia são retiradas de contexto para reforçar o discurso do presidente Bolsonaro sobre o fim das medidas de distanciamento social.
  • Conteúdo verificado: Postagens recentes do vereador Carlos Bolsonaro e da deputada Bia Kicis (PSL-DF) comparam falas do presidente Jair Bolsonaro sobre a duração da pandemia do novo coronavírus e as medidas de isolamento com posicionamentos da OMS publicados em reportagens sobre o tema.

As falas do presidente Jair Bolsonaro contrárias às medidas de enfrentamento à pandemia da covid-19 não condizem com o posicionamento da Organização Mundial da Saúde sobre o tema, ao contrário do que sugerem postagens de políticos no Facebook.

Em duas publicações recentes, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) e a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) comparam uma fala de Bolsonaro contrária ao isolamento social, sob a justificativa de que “vamos conviver com o vírus a vida toda”, a posicionamentos de representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a duração da pandemia, publicados em diferentes veículos no ano passado.

Nas postagens há apenas uma referência ao título de cada matéria: “Bolsonaro volta a atacar isolamento: vamos conviver com o vírus a vida toda”, da Istoé; “OMS: não esperem a vacina para acabar com pandemia – Entidade alerta que pessoas terão que conviver com o vírus”, da CNN; e “Coronavírus pode nunca ser erradicado, alerta OMS”, do Poder360. Porém, uma leitura completa dos textos, localizados pela nossa reportagem, mostra que a OMS, na verdade, reforça a importância das medidas adotadas em todo o mundo para o enfrentamento à pandemia, sobretudo nos momentos em que houve aumento do número de casos. Em posicionamentos mais recentes, membros da Organização também já defenderam, por diversas vezes, os protocolos de distanciamento e uso de máscaras, por exemplo.

O vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro e a deputada Bia Kicis foram procurados pela reportagem, por e-mail, mas não responderam até a publicação desta verificação.

Como verificamos?

Os posts dos dois políticos fazem uma comparação entre duas reportagens. Uma, publicada no site da Istoé em 12 de fevereiro, tem o título “Bolsonaro volta a atacar isolamento: vamos conviver com o vírus a ‘vida toda’”.

Na publicação de Bia Kicis, o outro trecho mostrado na imagem é de uma matéria do portal Poder360, como mostra a logo no canto da postagem.

Uma busca no Google pelo trecho em destaque nos levou a uma publicação do dia 14 de maio de 2020, intitulada “Coronavírus pode nunca ser erradicado, alerta OMS”, e assinada pela Deustche Welle, emissora pública de comunicação da Alemanha.

Já no caso da publicação de Carlos Bolsonaro, o segundo conteúdo é uma foto que mostra a correspondente da CNN em Londres, Denise Odorissi, com a legenda “OMS: não esperem a vacina para acabar com a pandemia – entidade alerta que pessoas terão que conviver com o vírus”.

O Comprova tentou localizar o vídeo completo da reportagem, mas ele não está disponível nos canais oficiais da CNN. Buscamos, então, por pistas da data em que foi veiculada e em que contexto começou a circular.

Imagens semelhantes da transmissão da CNN vêm circulando desde agosto de 2020. A mais antiga encontrada pelo Comprova foi publicada no Twitter pelo perfil @BOLS4KUR4, que tem outro nome atualmente. O tuíte, de 21 de agosto de 2020 às 8h31, destacava duas frases reproduzidas pela geração de caracteres do canal de notícias: “não esperem a vacina para acabar com a pandemia” e “as pessoas terão que conviver com o vírus”. Em seguida, o perfil reclama que o presidente Jair Bolsonaro “foi chamado de genocida por dizer a mesma coisa”. O tuíte teve mais de 7 mil interações.

No mesmo dia, prints do tuíte foram compartilhados em várias páginas e grupos de apoio ao presidente Bolsonaro no Facebook. As postagens que tiveram mais engajamento foram feitas por deputados federais: a de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), publicada às 13h05, recebeu mais de 110 mil interações e a de Bia Kicis (PSL-DF), enviada às 13h38, ultrapassou as 55 mil interações.

A postagem mais antiga com a mesma imagem da CNN encontrada pelo Comprova no Facebook foi feita pelo deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que usou o material para criticar a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

De acordo com a ferramenta Crowdtangle, a publicação foi feita às 8h38 do dia 21 de agosto de 2020 e recebeu mais de 10 mil interações (reações, comentários e compartilhamentos). Os perfis oficiais de Silveira no Facebook, Instagram e Twitter estão bloqueados por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), depois que o parlamentar divulgou um vídeo com ataques aos integrantes da Corte e em defesa da ditadura militar.

Nessas postagens, ao contrário da publicada por Carlos Bolsonaro, é possível ver a imagem completa da tela da CNN. Outra notícia, na tarja inferior do canal, diz: “Chuva de meteoritos atinge o sertão de Pernambuco”.

Com uma busca no Google, localizamos a reportagem da CNN sobre a chuva de meteoritos em questão, que é do dia 20 de agosto de 2020. Como o conteúdo também começou a circular nas redes sociais por volta do mesmo dia, procuramos, então, por pronunciamentos de representantes da OMS que tivessem relação com o conteúdo veiculado na CNN e tivessem uma data próxima a 20 de agosto, e encontramos a transcrição de um discurso do diretor-geral da Organização, Tedros Adhanom, do dia 21 de agosto.

A nossa reportagem tentou contato com o vereador Carlos Bolsonaro e com a deputada Bia Kicis pelo e-mail dos respectivos gabinetes dos políticos, mas não tivemos retorno até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 3 de maio de 2021.

Verificação

“Vamos conviver com o vírus a vida toda”

A matéria da Istoé que menciona Jair Bolsonaro e cujo título foi publicado por Carlos Bolsonaro e Bia Kicis é de 12 fevereiro de 2021, e repercute falas do presidente a apoiadores.

O texto detalha a declaração do chefe do executivo sobre a permanência do vírus: “Bolsonaro afirmou que, apesar de sua postura contra a quarentena, ele é chamado de ‘genocida’ mas, na sua avaliação, se a população ‘não trabalhar, vai morrer por depressão, praticar suicídio’. ‘Acho que vamos ter que conviver (com o vírus) a vida toda, ele não vai embora’, afirma”.

Outro trecho cita outras falas do presidente na mesma ocasião: “Em conversa com apoiadores, o dirigente apontou que, desde o início da pandemia do novo coronavírus, foi contrário ao discurso do ‘fica em casa e a política de que a economia a gente vê depois’. ‘Bateram bastante em mim, mas agora estão cobrando todos os desempregados’, afirmou. ‘Quem mandou ficar em casa não fui eu, fechou comércio e destruiu emprego não fui eu’, enfatizou.”

O Comprova localizou um vídeo com as declarações completas de Bolsonaro no dia 12 de fevereiro, para entender todo o contexto da declaração sobre a permanência do vírus. A declaração foi dada a apoiadores, na ocasião, em meio a críticas às ações de isolamento social:

“Quem mandou ficar em casa, fechou o comércio e destruiu empregos não fui eu. Querem agora me acusar de genocida. Sempre falei que tínhamos dois problemas: o vírus e o desemprego. ‘Ah, ele é insensível! Vida é uma só’. Ô imbecil, eu sei que a vida é uma só, mas nós temos que trabalhar. Se não trabalhar, vai morrer de depressão, vai praticar suicídio, vai ficar mais propenso a pegar outras doenças. Parece que não tem mais doença no Brasil. Só tem covid. E agora já estão dizendo aí — na imprensa, né, se é verdade não sei — teremos que conviver com o vírus com pelo menos 10 anos. Eu acho que vai ter que conviver a vida toda, não vai embora. Se você vacinar todo mundo no Brasil, alguém num país qualquer fim de mundo aqui, num fim de mundo qualquer, vai sobreviver gente com o vírus e quando acabar o efeito da vacina vem pra cá de novo.”

Vírus endêmico

Como já mencionado, o outro trecho de matéria destacado pela deputada Bia Kicis é do site Poder360, e traz as informações sobre uma entrevista coletiva concedida por integrantes da Organização Mundial da Saúde em maio do ano passado.

Uma leitura do texto completo mostra que, ao contrário do que disse Bolsonaro na ocasião repercutida na matéria da Istoé, a fala de representantes da OMS sobre “convivermos com o vírus” não está ligada a um abandono das medidas de isolamento e restrição de circulação. Em um trecho, a reportagem inclusive fala sobre o grande esforço necessário para que a pandemia fosse controlada:

“Ryan [Michael Ryan, diretor de emergências da OMS] reconheceu que o mundo demonstrou que a crise de covid-19 pode ser controlada, mas alertou que isso exigirá 1 “esforço maciço” de líderes e da sociedade, mesmo que uma vacina seja encontrada. Ele lembrou que vacinas existem para outras doenças que nunca foram erradicadas, como o sarampo.”

A possibilidade do vírus se tornar endêmico, apontada pela Organização Mundial da Saúde, não significa que devem ser abandonadas as principais medidas adotadas até então para o arrefecimento da pandemia: o distanciamento social, uso de máscaras e vacinação da população.

Em outra passagem, o texto traz outro alerta de Michael Ryan, que também demonstra a diferença entre o que diz a OMS e as declarações do presidente Bolsonaro: “Ryan acrescentou que ainda há um “longo caminho a percorrer” até o retorno à normalidade e insistiu que as nações mantenham seu curso no combate à pandemia.”

“Não esperem a vacina para acabar com a pandemia”

O posicionamento da Organização Mundial da Saúde a que a repórter da CNN se refere é, como também já mencionado, do dia 21 de agosto de 2020. Na ocasião, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, disse que não era possível aguardar uma vacina para adotar ações de combate ao vírus.

“Nenhum país pode ultrapassar isso [a pandemia] até que tenhamos uma vacina. Uma vacina será uma ferramenta vital, e esperamos ter uma disponível o mais breve possível. Mas não há uma garantia de que teremos, e mesmo se tivermos, ela não vai acabar com a pandemia sozinha. Nós todos precisamos aprender a controlar e lidar com este vírus usando as ferramentas que temos agora, e fazer os ajustes em nossas vidas cotidianas que são necessários para nos manter e aos outros seguros. Os chamados ‘lockdowns’ permitiram que vários países diminuíssem a transmissão [do vírus] e tirassem a pressão sobre os seus sistemas de saúde. Mas os lockdowns não são uma solução a longo-prazo para nenhum país. Nós não precisamos escolher entre vidas e meios de vida, ou entre a saúde e a economia. Esta é uma falsa escolha. Ao contrário, a pandemia é um lembrete de que a saúde e a economia são indissociáveis”.

É importante ressaltar que, em agosto do ano passado eram divulgados os primeiros resultados dos testes da CoronaVac, e a vacina russa Sputnik V havia sido anunciada há poucos dias – nenhum imunizante contra o novo coronavírus, portanto, era aplicado em larga escala no mundo. A primeira vacina só foi aplicada fora do contexto de testes, aliás, em dezembro, no Reino Unido.

Luz no fim do túnel

As reportagens usadas nas postagens de Carlos Bolsonaro e Bia Kicis são antigas, e a Organização Mundial da Saúde, hoje, diante da existência de várias vacinas eficazes contra o novo coronavírus, já atualizou os prognósticos para o futuro da pandemia.

No dia 18 de março, a Organização publicou, em sua página oficial em inglês um vídeo intitulado “As vacinas contra a covid-19 são parte da solução, mas não vão acabar com a pandemia sozinhas”. Na publicação, Mike Ryan diz que “As vacinas são uma parte enorme de uma solução de longo prazo, e quando chegarmos às vacinas de segunda ou terceira geração e melhorarmos o nosso monitoramento, nós vamos conseguir um controle total deste vírus. Há uma luz no fim do túnel”.

Segundo ele, porém, os imunizantes não vão ser capazes, por si só, de acabar com a transmissão da doença. “As vacinas vão acabar com a tragédia das mortes e das cenas horríveis de UTIs lotadas em hospitais. Mas não vão acabar com a transmissão. E ainda vão existir pessoas que não estarão protegidas porque elas não podem ou não querem ser vacinadas, ou, mais importante, não tem acesso às vacinas, por causa da forma como estamos distribuindo as vacinas no mundo, que, aliás, é terrivelmente injusto”, ressalta.

Na legenda do post, há a recomendação para que continuem a ser adotadas outras medidas de enfrentamento à pandemia, para além da vacinação: “distanciamento físico, máscaras, lavagem das mãos, ventilação e evitar aglomerações”.

Carlos Bolsonaro

Segundo filho do presidente, Carlos Bolsonaro é vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo partido Republicanos. Ele foi reeleito para o sexto mandato na Câmara Municipal em 2020, mas é apontado como um dos responsáveis pela estratégia de comunicação do pai nas redes sociais antes da eleição para presidente em 2018.

Outras postagens do vereador já foram checadas pelo Comprova, como um tuíte enganoso que acusava o governador do Maranhão, Flávio Dino, de defender o uso da cloroquina no tratamento da covid-19.

Bia Kicis

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Bia Kicis (PSL-DF) é aliada do presidente Jair Bolsonaro, e está em seu primeiro mandato como parlamentar.

O Comprova já verificou outras postagens feitas pela Deputada durante a pandemia da covid-19, como uma que questionava o uso de máscaras de proteção e um vídeo de médicos e empresários que desqualificava medidas contra a disseminação do vírus e culpava a China pela pandemia.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova verifica conteúdos que viralizaram nas redes sociais e que contenham informações suspeitas sobre o novo coronavírus. É o caso das postagens dos políticos, que, juntas, tiveram mais de 23 mil interações no Facebook, segundo a ferramenta CrowdTangle.

As medidas de distanciamento social, restrição de circulação e lockdown têm sido responsáveis, desde o início da pandemia, por evitar o colapso dos sistemas de saúde de vários países e por diminuir os índices de transmissão e as mortes pela doença.

O Brasil atingiu a marca de 400 mil mortes por covid-19 em abril. Sem uma quantidade suficiente de vacinas para garantir a imunização da população em ritmo necessário, essas medidas, adotadas de forma isolada por estados e municípios em alguns momentos da pandemia, são a única maneira de evitar uma terceira onda de casos do novo coronavírus nos próximos meses.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-05-03

Postagem sugere motivação política para Anvisa recusar vacina Sputnik V, mas especialistas apontam critérios técnicos

  • Enganoso
Enganoso
A Anvisa não autorizou a importação da vacina russa Sputnik V alegando falta de dados consistentes e confiáveis. Uma postagem feita no Twitter atribui a decisão a posicionamento político, comparando-a com a liberação de agrotóxicos. As áreas da Anvisa responsáveis pela análise de vacinas e agrotóxicos, entretanto, não são as mesmas e especialistas defendem critérios técnicos da agência reguladora.
  • Conteúdo verificado: Tuíte que levanta suspeitas sobre a não liberação da vacina russa Sputnik V pelos técnicos da Anvisa e faz uma comparação com a liberação de agrotóxicos no país.

Perfil no Twitter levanta suspeitas sobre a decisão dos técnicos da Anvisa de não liberar para aplicação no Brasil a vacina russa Sputnik V. O tuíte diz que a decisão tem motivação política e faz uma comparação com a liberação de agrotóxicos no país.

A Gerência-Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, entretanto, afirma ter identificado falhas no desenvolvimento do produto, nas três etapas dos estudos clínicos, além de ausência ou insuficiência de dados de controle de qualidade, segurança e eficácia. Segundo o órgão, as células onde os adenovírus são produzidos para o desenvolvimento da vacina permitem sua replicação, o que poderia acarretar infecções em seres humanos.

Dois especialistas ouvidos pelo Comprova avaliam que a agência brasileira se baseou em critérios técnicos para a decisão, descartando haver motivação política.

Em transmissão realizada no dia 29 de abril, a Anvisa apresentou documentos enviados pela Gamaleya, empresa responsável pela vacina, e trechos de uma reunião entre os brasileiros e os russos na qual foram apontadas as dúvidas, acrescentando que estas não foram respondidas. A agência brasileira afirma, ainda, que a decisão não é definitiva e que a empresa russa pode enviar mais dados e informações a qualquer momento.

A publicação no Twitter compara a liberação de vacinas com a de agrotóxicos. De fato, o Brasil autorizou o uso de substâncias que são proibidas na União Europeia, como o caso do herbicida Piroxassulfona, um ingrediente ativo inédito. As áreas técnicas responsáveis pelas liberações, entretanto, não são as mesmas. Além disso, a Anvisa não é o único órgão responsável pelos agrotóxicos, conforme o Decreto nº 4.074/02, que regulamenta a Lei dos Agrotóxicos (Nº 7.802/89).

O Comprova procurou o usuário que fez a publicação, mas até o momento não obteve retorno.

Como verificamos?

O Comprova conversou com a pesquisadora Ethel Maciel, pós-doutora em Epidemiologia pela Johns Hopkins University e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e com o fundador e ex-diretor da Anvisa, o médico e professor da USP Gonzalo Vecina Neto, além de ter consultado um artigo assinado pela microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, e pelo jornalista Carlos Orsi na revista Questão de Ciência.

Também foram examinadas as notas à imprensa emitidas pela empresa responsável pela vacina Sputnik V e pela Anvisa. O órgão brasileiro foi procurado e não deu retorno às questões específicas do projeto, mas direcionou para um pronunciamento realizado na tarde do dia 29 de abril, que foi acompanhado pelos verificadores. Ainda foram consultadas legislações e as liberações de agrotóxicos nos dois últimos anos, verificando se há relação entre elas e a liberação de vacinas. O projeto tentou contato, por fim, com o responsável pela publicação, mas não obteve retorno.

Verificação

Anvisa x Gamaleya

No dia 26 de abril, a Diretoria Colegiada (Dicol) da Anvisa decidiu, alegando falta de dados consistentes e confiáveis, não autorizar a importação da vacina russa Sputnik V. O Comprova buscou as justificativas junto à Anvisa, mas o órgão não deu retorno. Buscou-se, então, as notas emitidas pela agência.

Segundo a Anvisa, a decisão foi tomada com base em dados levantados e avaliados pelas equipes técnicas das gerências-gerais de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), de Inspeção e Fiscalização Sanitária (GGFIS) e de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GGMON). Também participaram do levantamento de informações a Gerência-Geral de Portos, Aeroportos e Recintos Alfandegados (GGPAF) e a Assessoria de Assuntos Internacionais (Ainte).

A Gerência-Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos afirma ter identificado falhas no desenvolvimento do produto, nas três etapas dos estudos clínicos, além de ausência ou insuficiência de dados de controle de qualidade, segurança e eficácia. Segundo a Anvisa, as células onde os adenovírus são produzidos para o desenvolvimento da vacina permitem sua replicação, o que poderia acarretar infecções em seres humanos.

“Esse aspecto foge dos padrões de qualidade recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos de Medicamentos para Uso Humano (International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use – ICH), seguidos pelas principais agências reguladoras do mundo, incluindo a Anvisa”, diz o posicionamento da agência.

A Anvisa aponta, ainda, ter identificado estudos de caracterização inadequados da vacina, ausência de validação/qualificação de métodos de controle de qualidade, ausência de testes de toxicidade reprodutiva e outros aspectos.

No dia 29 de abril de 2021, após o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), responsável pela produção e distribuição da Sputnik V, ter ameaçado processar judicialmente a agência brasileira, acusando-a de ter espalhado “informações falsas e imprecisas intencionalmente”, a Anvisa fez pronunciamento para tratar especificamente de adenovírus replicantes, transmitido pelo YouTube.

Antônio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, declarou que as informações sobre a presença de adenovírus replicantes constam dos documentos entregues à Anvisa pelo próprio desenvolvedor da vacina Sputnik V. Ele também negou qualquer motivação política para a não liberação, declarando que o trabalho dos técnicos foi norteado pelas informações recebidas, pelas pesquisas efetuadas e pelas viagens feitas, destacando que a decisão não é definitiva. Por fim, acrescentou que se trata de um retrato temporal, que pode ser modificado com dados revistos, corrigidos e reapresentados.

Ainda na apresentação, o gerente-geral de Medicamentos, Gustavo Mendes, apresentou prints contendo parte dos dados recebidos pela agência e que, segundo ele, foram essenciais para basear a decisão da Anvisa.

No dia 23 de março, a Anvisa se reuniu com os representantes da vacina no Brasil e na Rússia para discutir a questão. A reunião foi gravada em vídeo e partes dela foram transmitidas no comunicado deste dia 29. Há trechos da reunião em russo e que não foram traduzidos e, conforme a Anvisa, após o encontro foram enviadas exigências com pedidos de respostas para as dúvidas.

No dia 26 de março houve retorno, mas este não continha as respostas para as questões enviadas, argumenta a Anvisa.

O que dizem os especialistas

O Comprova procurou três especialistas questionando a opinião deles acerca da não liberação da Sputnik V por parte da Anvisa. A pesquisadora Ethel Maciel, pós-doutora em Epidemiologia pela Johns Hopkins University e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), observa que a equipe que analisa os pedidos de autorização de uso de vacinas na Anvisa é técnica, composta por servidores públicos concursados e não há indicação política para desenvolver a função.

Ethel Maciel ressalta que é obrigação da Anvisa ser criteriosa na análise porque, ao aprovar um imunizante, o órgão deve garantir sua segurança para a população. Ela aponta que os dados fornecidos pela fabricante da vacina não foram suficientes para aprovação da Sputnik V e, dado o tempo que a agência recebeu para fazer a avaliação, não havia condições de aprovação.

A pesquisadora acrescenta que a negativa não inviabiliza uma futura autorização de uso da Sputnik V no Brasil pela Anvisa, caso a fabricante atenda às exigências de segurança da vacina. Ethel Maciel lembra que, antes da aprovação da Coronavac, a agência também exigiu apresentação de dados que o Instituto Butantan não havia fornecido.

Fundador e ex-diretor da Anvisa, o médico e professor da USP Gonzalo Vecina Neto sustenta que a atuação da agência no pedido de aprovação Sputnik V demonstra a credibilidade da conduta técnica do órgão, afastando a ideia de motivações políticas. Assim como afirma Ethel, para ele a Anvisa está sendo criteriosa ao solicitar os dados brutos do Fundo Russo, que faz a intermediação entre o Instituto Gamaleya (fabricante da vacina) e o Brasil. E reforça que o posicionamento atual não é um veto definitivo.

Gonzalo Vecina frisa que, em um país democrático como o Brasil, a solicitação de uma autoridade sanitária deve ser atendida e, neste caso, o pedido que a Anvisa fez para os russos foi de explicações sobre os resultados dos testes que indicam cópias de vírus replicante na vacina, ao passo que deveriam ser não replicantes. Sem as respostas, que podem esclarecer as dúvidas e levar à validação do imunizante, a agência não poderia conceder a autorização, sob o risco de disponibilizar para a população uma vacina que não é segura.

A tecnologia da Sputnik é semelhante à da Oxford/AstraZeneca, já aplicada no Brasil. Nesse modelo, é usado um vírus inofensivo para simular no organismo uma ameaça que se deseja combater e, assim, o corpo gera uma resposta imune. O vetor viral da Sputnik, segundo a fabricante, foi modificado e não deveria se multiplicar (não replicante). Entretanto, os testes enviados pelo Instituto Gamaleya indicam o contrário, sendo objeto do questionamento da Anvisa e para o qual não houve resposta.

Gonzalo diz ainda que se preocupa com as manifestações do Fundo Russo criando suspeição sobre a Anvisa, numa atitude similar a que já causou atritos com a Agência Europeia.

Um artigo assinado pela microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, e pelo jornalista Carlos Orsi na revista Questão de Ciência, também destaca os critérios técnicos adotados pela Anvisa e condena a postura dos fabricantes nas redes socais, afirmando que laboratório e o Fundo Soberano Russo acusaram a agência brasileira sem provas.

Agrotóxicos e vacinas

A verificação também buscou saber se a Anvisa é a responsável por liberar agrotóxicos no Brasil e se há alguma ligação com a liberação de vacinas. Conforme consta na página oficial da agência, o registro de agrotóxicos é realizado de acordo com a Lei dos Agrotóxicos (Nº 7.802/89) e com o Decreto nº 4.074/02, que estabelece as competências para os três órgãos envolvidos no registro: a Anvisa, vinculada ao Ministério da Saúde; o Ibama, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente; e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

A Anvisa tem, entre outras competências, avaliar e classificar, toxicologicamente, os agrotóxicos, seus componentes e afins, ou seja, não é a responsável por todo o processo de liberação.

Conforme divulgado pela Anvisa, a decisão de não liberação da Sputnik V foi tomada com base em dados levantados e avaliados pelas equipes técnicas das gerências-gerais de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), de Inspeção e Fiscalização Sanitária (GGFIS) e de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GGMON). Também participaram do levantamento de informações a Gerência-Geral de Portos, Aeroportos e Recintos Alfandegados (GGPAF) e a Assessoria de Assuntos Internacionais (Ainte).

Já a responsável pela liberação da Anvisa de agrotóxicos é a Gerência Geral de Toxicologia (GGTOX).

Sputnik V e União Europeia

O tuíte também menciona que a vacina Sputnik V é usada na União Europeia. De fato, a substância foi autorizada para uso na Hungria, em posição contrária à Agência Europeia de Medicamentos, que autoriza, conforme consta no site da União Europeia, o uso de vacinas da Pfizer, da Moderna, da AstraZeneca e da Janssen. A Sputnik V consta na lista de vacinas que estão em revisão contínua pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA), ou seja, em processo de avaliação das vacinas potenciais para permitir a distribuição na União Europeia (UE) o mais rápido possível. Além da Hungria, a Eslováquia adquiriu doses, mas a decisão foi tomada pelo primeiro-ministro Igor Matovic sem conhecimento de outros segmentos do Governo, o que causou uma crise e a renúncia dele ao cargo.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia da covid-19 que tenham obtido grande alcance nas redes sociais e em aplicativos de mensagens. A publicação verificada tinha 2.6 mil interações até o dia 3 de maio, gerando amplo debate nos comentários, entre

quem concorda e quem discorda do posicionamento.

Anteriormente, o projeto já verificou outras postagens referentes à agência brasileira, como um vídeo manipulado que deturpa entrevista do presidente do órgão e mensagens que falam sobre imunogenicidade inadequada da vacina CoronaVac, questionando sua eficácia.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que use dados imprecisos ou que induza a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-04-30

É enganoso post de Carlos Bolsonaro que acusa Flávio Dino de defender uso da cloroquina contra covid-19

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a postagem do vereador Carlos Bolsonaro em que ele usa um vídeo antigo, fora de contexto, para atribuir ao governador do Maranhão conduta de apoio à hidroxicloroquina como remédio eficaz no enfrentamento à covid-19.
  • Conteúdo verificado: Tuíte do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) compartilha um vídeo em que aparece o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB-MA), e pergunta se a CPI investigará também o governador sobre seu posicionamento favorável à hidroxicloroquina.

É enganoso um tuíte de Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República e vereador pelo Rio de Janeiro, afirmando que o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), é defensor da hidroxicloroquina no tratamento contra a covid-19. Na postagem, Carlos usa um trecho editado de uma fala de Dino para argumentar que ele teria “posicionamento favorável quanto à hidroxicloroquina”. O Comprova encontrou a íntegra da declaração do governador do Maranhão, feita em maio de 2020, e verificou que Dino, na ocasião, defendia que os médicos tivessem liberdade para ministrar medicamentos para o tratamento da doença, inclusive a hidroxicloroquina, se fosse o caso.

No tuíte verificado, do dia 22 de abril deste ano, Carlos Bolsonaro indaga se a CPI da Covid, instaurada no Senado, vai investigar Flávio Dino. “Mais uma questão: será que a CPI do Covid investigará o governador Dino (PCdoB/MA) sobre o posicionamento favorável quanto à hidroxicloroquina? Esse tipo de questão não é mostrado por ai”, questiona o vereador.

A fala do vereador se refere ao fato de que os incentivos de Jair Bolsonaro e de seu governo ao uso da hidroxicloroquina e da cloroquina, substâncias cuja ineficácia contra a covid-19 já foi comprovada serão investigados pelos senadores.

A fala de Flávio Dino destacada por Carlos Bolsonaro é um trecho de uma entrevista concedida pelo governador do Maranhão ao jornal JMTV 2ª Edição, da TV Mirante, afiliada à TV Globo, em maio de 2020. No tuíte de Carlos Bolsonaro, além de a fala não aparecer na íntegra, não consta a data em que a entrevista foi gravada.

Como verificamos?

O Comprova buscou o Governo do Maranhão por e-mail para tentar esclarecer qual é – e qual já foi – o posicionamento de Dino e da administração estadual em relação aos medicamentos no contexto do enfrentamento à covid-19. Os endereços do gabinete do governador e da Secretaria de Estado da Comunicação Social (Secom) foram acionados por esta reportagem.

A íntegra da entrevista de Dino ao JMTV 2ª Edição foi encontrada no site Globoplay, o serviço de streaming da Rede Globo.

Também procuramos o gabinete do vereador Carlos Bolsonaro para esclarecer o teor do tuíte publicado por ele, mas não obtivemos resposta.

O Comprova fez esta verificação com base em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de abril de 2021.

Verificação

Em 19 de maio de 2020, ainda no início da pandemia, o programa “Bom Dia, Mirante” retransmitiu a entrevista de Flávio Dino concedida na noite anterior ao JMTV 2ª Edição, da mesma emissora. O apresentador do “Bom Dia Mirante”, Soares Júnior, anuncia a reprodução da entrevista ocorrida um dia antes.

A data exata da entrevista de Dino ao JMTV 2ª Edição, portanto, é 18 de maio de 2020. No mesmo dia, o Maranhão contabilizava 72 casos suspeitos de covid-19, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde do estado (SES).

Na ocasião, estava em curso um debate a respeito da utilização da hidroxicloroquina como tratamento para a doença. O presidente Jair Bolsonaro insistia no uso do medicamento, posição que serviu como um dos motivadores para as demissões de dois ministros da Saúde – Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich – que deixaram a pasta em 16 de abril e 15 de maio, respectivamente.

Um dos temas da entrevista com Flávio Dino era a politização da cloroquina e da hidroxicloroquina. Dino disse ao JMTV 2ª Edição que a cloroquina poderia ser receitada no Estado. “Nós sempre oferecemos aos médicos a oportunidade de receitar cloroquina, azitromicina, ivermectina, todos esses remédios, kóide-D, todos esses remédios que experimentalmente têm sido vistos por alguns profissionais como eficazes”, afirmou.

O tuíte verificado aqui traz uma parte justamente desse trecho para afirmar que Dino é favorável à cloroquina. O tuíte omite, porém, o restante da fala do governador do Maranhão. Na sequência da resposta, Dino afirma que “infelizmente eu não sou médico, quem decide qual o remédio que, concretamente, o médico vai dar para cada paciente” e completa afirmando: “Se o médico achar necessário administrar o medicamento, ele será administrado. Se o médico não considerar cabível, ou que há riscos para os pacientes, é claro que não serei eu nem nenhuma autoridade externa que vai influenciar no conteúdo do trabalho do médico”.

A posição de Dino naquele momento era, portanto, de dar liberdade aos médicos para escolher o tratamento. Bolsonaro, por sua vez, defendia abertamente o uso da cloroquina, inclusive para pacientes com sintomas leves.

Em nota ao Comprova, a Secretaria de Estado da Saúde do Maranhão confirmou que a hidroxicloroquina “foi utilizada em pacientes com covid-19 na rede estadual por decisão médica em ambiente hospitalar até o fim de maio de 2020.” A SES também afirmou ter deixado sob critério dos médicos a recomendação a respeito do uso de medicamentos, inclusive ivermectina e cloroquina.

A reportagem do Comprova questionou se o posicionamento expressado no ano passado foi revisto pela gestão estadual. A SES afirmou que médicos infectologistas do Maranhão já “emitiram protocolo onde não recomenda o uso da cloroquina/hidroxicloroquina para tratamento dos casos da covid-19.”

De fato, uma “Diretriz de Atendimento” para pacientes com síndrome respiratória aguda infecciosa publicada em junho de 2020 mostra que neste momento o Governo do Maranhão já orientava contra a utilização da hidroxicloroquina. O órgão destaca no documento que a hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos “não demonstraram benefício em pacientes internados, com aumento do risco de complicações cardiológicas”.

Portanto, seu uso não é mais recomendado para o suposto “tratamento precoce” da covid-19. O suposto tratamento, advogado pelo governo de Jair Bolsonaro em diversas ocasiões, seria a causa de graves problemas no fígado em pacientes que o adotaram, alguns dos quais passaram a precisar de transplantes.

A terceira e mais recente edição da “Diretriz de Atendimento” é do dia 10 de fevereiro de 2021. Nela é possível notar que o Governo do Maranhão mantém seu posicionamento sobre o uso destes medicamentos. O documento afirma que “a utilização de qualquer outra terapia específica para SARS-CoV-2 (hidroxicloroquina, nitaxonizada, ivermectina e afins) só está indicada mediante estudo clínico devidamente comprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa”.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos compartilhados sobre a pandemia de covid-19 no Brasil que tenham muita viralização. Até sexta-feira 30, a postagem de Carlos Bolsonaro contabilizava 7.148 curtidas e 2.259 retuítes na rede social.

Desde que foi instaurada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, Carlos Bolsonaro tem publicado posts contra governadores adversários do pai, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), também foi criticado por Carlos Bolsonaro numa publicação do mesmo gênero. No Twitter, o filho do presidente afirmou que o tucano era defensor da cloroquina e da hidroxicloroquina no combate ao vírus, indagando se a CPI também iria inquiri-lo.

Cloroquina e hidroxicloroquina são drogas propagadas por grupos políticos como eficazes no tratamento da covid-19, a despeito de já terem sido rechaçadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que encerrou estudos com a cloroquina, e por outras autoridades sanitárias. Estes fármacos são parte de um receituário falsamente propagado como “tratamento precoce” para a infecção. O conceito inexiste na literatura científica.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Saúde

Investigado por: 2021-04-28

Protocolo italiano para atendimento domiciliar contra covid-19 não tem relação com “tratamento precoce”

  • Enganoso
Enganoso
O Senado italiano decidiu em 8 de abril pela criação de um protocolo único para atendimentos domiciliares de pessoas infectadas pela covid-19. Uma postagem do deputado Eduardo Bolsonaro no Facebook celebra a aprovação na Itália do uso de medicamentos para um "tratamento imediato" para a covid-19, o que aproximaria a decisão italiana do "tratamento precoce" defendido por alguns médicos e políticos no Brasil. Mas os protocolos são diferentes.
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook do deputado federal Eduardo Bolsonaro diz que “o Senado da Itália aprova uso de medicamentos para tratamento imediato contra a COVID-19, através de protocolo único”.

O Senado italiano aprovou uma moção no dia 8 de abril que obriga o governo a definir um protocolo único para atendimentos domiciliares de pessoas infectadas pela covid-19. O protocolo libera aos profissionais de saúde a possibilidade de “prescrição de remédios considerados mais adequados ao indivíduo, dentro das indicações da comunidade científica validadas pelos órgãos competentes”. O documento inclui ainda a criação de um comitê de ministros para monitorar o setor, o aumento do fornecimento de aparelhos para a execução da telemedicina e melhorias na rede de cuidados familiares.

Uma postagem feita no Facebook pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) celebra a aprovação na Itália do uso de medicamentos para um “tratamento imediato” para a covid-19. Essa definição não é usada no protocolo italiano e nem a Itália faz indicação de qualquer medicação.

O post de Bolsonaro, até o momento da publicação desta verificação, foi compartilhado 11 mil vezes e já tem 1,4 mil comentários. Nessas manifestações, usuários têm relacionado o “tratamento imediato”, expressão usada pelo autor do post, como se fosse uma versão italiana para o “tratamento precoce” e um aval para uso de remédios que não têm comprovada a sua eficácia contra o coronavírus. E por isso o Comprova assinalou o post como enganoso.

Procurada pelo Comprova por WhatsApp, a assessoria do deputado informou que ele não iria se manifestar e depois bloqueou a repórter no aplicativo.

Como verificamos?

O Comprova acessou a página oficial do Senado italiano e, com a ajuda da extensão Google Tradutor (que traduz toda a página), leu o relatório da sessão pública realizada no dia 8 de abril. Lemos também a cobertura do Corriere della Sera, principal jornal da Itália, sobre o assunto, além da reportagem da publicação Avvenire, outro veículo de importância no país europeu.

O Comprova entrou em contato com a assessoria de comunicação de Eduardo Bolsonaro pelo WhatsApp através de mensagens. Sem obter resposta, a repórter do Comprova ligou para o assessor usando o mesmo aplicativo. O assessor ignorou a ligação e, em seguida, bloqueou o número utilizado pelo Comprova na apuração. Em seguida, a repórter acionou outro membro da equipe de Eduardo Bolsonaro e relatou o bloqueio. Não mais do que um minuto depois, o assessor efetuou o desbloqueio, respondeu que o deputado não comentaria o caso e voltou a bloquear a repórter.

Verificação

O texto do Senado afirma “dar aos profissionais de saúde a possibilidade de prescrição de remédios considerados mais adequados ao indivíduo, dentro das indicações da comunidade científica validadas pelos órgãos competentes”. O documento inclui ainda a criação de um comitê de ministros para monitorar o setor, o aumento do fornecimento de aparelhos para a execução da telemedicina e melhorias na rede de cuidados familiares.

Nem o Senado, nem a imprensa italiana usam termos como “tratamento precoce” ou “imediato”. Trata-se de um novo protocolo de atendimento domiciliar que vigorará em todo o território do país com o fim de desafogar as UTIs e demais leitos italianos. De acordo com a publicação Avvenire, há atualmente mais de 493 mil italianos em isolamento domiciliar por estarem infectados. Os hospitais do país encontram-se “dramaticamente lotados”. O novo protocolo permite que as unidades de saúde retomem gradativamente as intervenções em outras patologias.

Não são mencionadas as substâncias comumente associadas ao “tratamento precoce”, como hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina, na moção do senado italiano. Nenhum desses remédios consta na lista oficial de medicamentos aprovados e recomendados para o tratamento da covid-19 no país, criada pela Aifa (Agência Italiana de Medicamentos). O antibiótico azitromicina figura em um documento que afirma que a falta de comprovação científica impede o uso do remédio sozinho ou associado a outros no tratamento de infecções não bacterianas.

O denominado “tratamento precoce”, defendido no Brasil por grupos de médicos e por apoiadores do governo Bolsonaro, tem como escopo o uso de hidroxicloroquina, ivermectina e/ou azitromicina ao se experienciar os primeiros sintomas do Covid-19. Não há evidências científicas que demonstrem que esses medicamentos sejam eficazes contra a covid-19 como já manifestaram entidades de referência globais em saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e o Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia da covid-19 que tenham obtido grande alcance nas redes sociais e em aplicativos de mensagens. A publicação do deputado Eduardo Bolsonaro foi ao ar em 17 de abril e, até o fechamento desta reportagem, contava com mais de 11 mil compartilhamentos. Diversas pessoas nos comentários interpretaram erroneamente que a Itália havia adotado o protocolo de tratamento defendido por Jair Bolsonaro e seus seguidores.

A Agência Lupa, o Aos Fatos, o Fato ou Fake, o Estadão e a Gaúcha ZH verificaram um conteúdo desinformativo cujo teor é semelhante ao aqui verificado.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que use dados imprecisos ou que induza a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

Saúde

Investigado por: 2021-04-22

OMS não indica ivermectina para tratamento da covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Publicação que exibe imagem do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, com uma seta para a legenda “Médicos europeus pedem uso urgente da ivermectina”, não menciona que Adhanom aparece na reportagem em um trecho que fala justamente da não-recomendação da OMS do uso da ivermectina no tratamento de pacientes infectados pelo novo coronavírus.
  • Conteúdo verificado – Postagem em um perfil pessoal no Facebook que exibe uma imagem capturada de um vídeo da RedeTV em que aparece o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, com uma seta para a legenda “Médicos europeus pedem uso urgente da ivermectina”. 

Ao contrário do que sugere uma postagem no Facebook, a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda o uso de ivermectina no tratamento da covid-19. No início de março, a OMS, na verdade, descartou qualquer benefício no uso do remédio (que é, na verdade, um vermífugo) nesses casos, com base em estudos científicos rigorosos feitos em várias partes do mundo.

O frame que consta no post — de uma reportagem veiculada no programa RedeTV! News — mostra o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, e a legenda “Médicos europeus pedem uso urgente da ivermectina”, mas não menciona que a imagem de Adhanom aparece na reportagem em um trecho que fala justamente da não-recomendação da OMS do uso da ivermectina no tratamento de pacientes infectados pelo novo coronavírus.

A postagem tampouco explica que o pedido em questão, feito por um grupo de profissionais da saúde portugueses, não foi aceito pela Autoridade Nacional de Medicamentos e Produtos de Saúde, correspondente à Anvisa no país europeu.

O Comprova tentou contato com a autora do post pelo Facebook, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Já a RedeTV! disse, em nota ao Estadão, que a matéria trazia informações sobre o uso da ivermectina, mas que “em dois momentos destacou a ausência de comprovação científica das agências controladoras sobre a eficácia do remédio”.

Como verificamos?

Procuramos pela reportagem original da RedeTV!, e encontramos, no site da emissora, o vídeo com o conteúdo completo, veiculado no programa RedeTV! News no dia 11 de março.

Entramos em contato com a autora do post no Facebook, mas ela não respondeu à nossa reportagem.

Buscamos detalhes sobre a petição dos médicos portugueses para o uso da Ivermectina no tratamento da covid-19, além do posicionamento da Infarmed — Autoridade Nacional de Medicamentos e Produtos de Saúde de Portugal — sobre o pedido.

Depois, buscamos informações disponibilizadas pela própria Organização Mundial da Saúde a respeito do uso do medicamento, além de reportagens publicadas sobre o tema em diversos veículos de comunicação.

Por fim, entrevistamos, por telefone, o presidente da Sociedade Mineira de Infectologia e integrante do comitê de enfrentamento à covid-19 de Belo Horizonte (MG), Estevão Urbano.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 22 de abril de 2021.

Verificação

OMS não recomenda Ivermectina

O frame da reportagem da RedeTV! usado na publicação do Facebook, com a imagem de Tedros Adhanom, aparece por volta dos dois minutos e meio da matéria (que tem mais de 7 minutos), quando a repórter diz que “a Organização Mundial da Saúde chegou a divulgar estudos que identificavam a ineficácia do medicamento” – o que não é mencionado na postagem na rede social.

O trecho é um contraponto à fala de uma das entrevistadas, Tess Lawrie, que defende o uso do medicamento com base em um estudo do tipo meta-análise, que avalia os resultados do trabalho realizado por outros pesquisadores. Outra publicação do tipo, que também defendia o uso da Ivermectina no tratamento de pacientes com covid-19, já foi duramente criticada por pesquisadores brasileiros e tema de reportagens que demonstravam o problema com este tipo de estudo.

“A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) não recomendam o uso de ivermectina para quaisquer outros propósitos diferentes daqueles para os quais seu uso está devidamente autorizado, como para tratamento de oncocercose e sarna”, diz o site oficial da OPAS, na seção destinada às informações sobre a covid-19.

No dia 31 de março deste ano, a OMS descartou, oficialmente, o uso da Ivermectina no tratamento da covid-19.

Ivermectina na Europa e no mundo

O “pedido dos médicos europeus”, a que a reportagem se refere, é uma petição, enviada à Infarmed — agência portuguesa com atribuições correspondentes à Anvisa, no Brasil. A matéria não menciona, porém, que o pedido foi negado, e a Comissão de Avaliação de Medicamentos da entidade considerou, em uma publicação de 11 de março, que “não existem evidências que apoiem a utilização deste medicamento na profilaxia e tratamento da COVID-19”.

A RedeTV! veiculou outra reportagem, no dia 15 de março, com a informação sobre a negativa da agência portuguesa.

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA), que na época da reportagem também analisava a solicitação de uso da droga nos casos do novo coronavírus, já se pronunciou sobre o tema, e, em 22 de março, passou a desaconselhar o seu uso no tratamento dos pacientes com a doença.

No Brasil, a Anvisa já não recomenda, desde o ano passado, o uso da Ivermectina nos casos de coronavírus.

O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano, também explicou à nossa reportagem que estudos rigorosos sobre a eficácia dos medicamentos do chamado “kit de tratamento precoce” da covid-19, incluindo a ivermectina, não tiveram resultados positivos.

“Boa parte dos pacientes que vão para CTIs já tomaram ou ivermectina, ou cloroquina, e não deixam de se agravar. Por outro lado, aqueles casos que tomam e melhoram possivelmente já melhorariam independente de tomar a medicação, visto que 85 a 90% das pessoas têm evolução favorável [da covid-19]”, ressalta.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos que podem contribuir para a desinformação sobre a pandemia da covid-19, que já matou mais de 380 mil brasileiros. Mesmo com a aprovação de vacinas desenvolvidas por diversos laboratórios, o país ainda enfrenta um cenário gravíssimo, com alto número de casos e mortes.

A Ivermectina, mesmo com todos os alertas de autoridades internacionais e nacionais em saúde que questionam a sua eficácia, continua sendo apontada por alguns grupos como um possível tratamento para as infecções pelo novo coronavírus. Por isso, postagens que sugerem qualquer tipo de indicação de uso do medicamento, sobretudo pela OMS, podem gerar uma falsa sensação de segurança em que o utiliza, levando ao abandono de medidas realmente eficazes na redução dos casos de covid-19, como a vacinação, o uso de máscaras e o distanciamento social.

Só no Facebook, o post, do dia 12 de abril, teve mais de 88 mil compartilhamentos até 22 de abril.

A Agência Lupa e o Estadão também verificaram um conteúdo semelhante, e o próprio Comprova já checou, no ano passado, um post que distorcia informações sobre a eficácia da ivermectina e outro, do Pastor Silas Malafaia, que continha dados enganosos sobre o medicamento.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Saúde

Investigado por: 2021-04-22

É falso que 52 municípios zeraram o número de mortes por covid-19 ao adotarem o chamado ‘tratamento precoce’

  • Falso
Falso
É falso que municípios tenham zerado o número de mortes por covid-19 ao adotarem protocolos de tratamento com hidroxicloroquina e ivermectina. Os números epidemiológicos das cidades listadas desmentem o boato. Além disso, as substâncias não têm eficácia comprovada como tratamento da covid-19 e a conexão com a queda no números de casos é insustentável.
  • Conteúdo verificado: Mensagem distribuída por WhatsApp e também publicada no Twitter afirma que 52 cidades no Brasil zeraram o número de óbitos por covid graças ao tratamento precoce com ivermectina e hidroxicloroquina

É falso que 52 municípios zeraram o número de mortes por covid-19 ao adotarem o chamado ‘tratamento precoce’ com hidroxicloroquina e ivermectina contra a covid-19, como sugerem mensagens nas redes sociais. Um levantamento do Comprova com dados do site SUSanalítico mostra que quase todas as cidades citadas registraram notificações de óbitos no mês de março.

Os benefícios das duas drogas não foram comprovados por pesquisas científicas confiáveis. A Organização Mundial da Saúde e outras entidades desaconselham o uso dos medicamentos para o tratamento da covid-19, em qualquer estágio da infecção. Além disso, conforme especialistas consultados pelo Comprova, a conexão entre o tratamento precoce e supostas quedas nos números de óbitos nas cidades é insustentável, uma vez que outros fatores influenciam os índices epidemiológicos.

Essa verificação foi sugerida por leitores que receberam o conteúdo por WhatsApp. O mesmo conteúdo foi publicado no Twitter pelo perfil @DerlinRod. O Comprova tentou ouvir o autor dessa postagem, mas ele não respondeu até o fechamento da verificação.

Como verificamos?

Para verificar o conteúdo, o Comprova acessou os dados da plataforma SUSanálitico, do Ministério da Saúde. A pesquisa coletou informações sobre os óbitos por covid-19 acumulados de cada um dos municípios mencionados até a data de referência do dia 15 de abril, a população estimada das cidades e a taxa de mortes por 100 mil habitantes.

Também aplicamos um filtro para comparar os números de óbitos registrados no dia 31 de março com as estatísticas do dia 1º de março. Isso permitiu à reportagem conferir a evolução das ocorrências durante aquele mês.

É importante ressaltar que o SUSanalítico informa a data de notificação dos óbitos, e não o dia exato em que ocorreram. Os dados da plataforma apresentam números distintos dos boletins epidemiológicos das prefeituras. Essa diferença, entretanto, não impacta no resultado da verificação ou na classificação do conteúdo, conforme verificado individualmente pelo Comprova.

Como os números desmentem a publicação, o Comprova não checou, de cidade a cidade, se elas usaram algum protocolo de tratamento precoce como política de atendimento para a covid-19.

Após o levantamento, o Comprova consultou dois especialistas na área de epidemiologia para entender se a associação do tratamento precoce com supostas quedas nos números epidemiológicos de cidades é válida.

Marcio Sommer Bittencourt, do Centro de Pesquisa de Epidemiologia do Hospital Universitário da USP, e Airton Stein, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), no entanto, argumentam que os apontamentos do post não se sustentam.

Também contactamos o autor de uma postagem com o mesmo conteúdo no Twitter, que não respondeu até o fechamento da matéria.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 21 de abril de 2021.

Verificação

A mensagem enganosa menciona 51 cidades de diferentes proporções populacionais. O município de Uberaba (MG) é repetido duas vezes, nas numerações 15 e 31. O conteúdo ainda menciona uma cidade chamada Taquara, no Paraná, mas a região não configura oficialmente um município.

A publicação analisada pelo Comprova foi compartilhada no Twitter no dia 5 de abril. Um levantamento da reportagem com dados da plataforma SUSanalítico mostra que, no mês de março, somente os municípios de São Pedro dos Crentes (MA), Rancho Queimado (SC) e São Pedro do Paraná (PR) não registraram notificações de óbitos por covid-19. As três cidades somam pouco menos de 10 mil habitantes.

Na outra ponta, Natal (RN), com população estimada em 884 mil habitantes, lidera o ranking com 385 notificações, seguida por Cascavel (PR) e Chapecó (SC), com 244 e 230, respectivamente. No município gaúcho de Taquara, que também consta da lista, o total de óbitos acumulados quase dobrou. A cidade registrava, em 1º de março, 67 óbitos e fechou o mês com 132 ocorrências acumuladas.

Além disso, até o dia 15 de abril, mais de 20 dos municípios listados apresentavam uma taxa de mortes de covid por 100 mil habitantes superior à média nacional de 178, segundo o SUSanalítico. É o caso de Itajubá (MG). Com cerca de 97 mil habitantes, a cidade mineira contabilizava 304 óbitos, aproximadamente 314 vítimas por 100 mil habitantes.

Conexão insustentável

Além de citar medicamentos sem eficácia comprovada para a covid-19, a associação do uso do tratamento precoce com os números epidemiológicos não é correta, de acordo com especialistas ouvidos pelo Comprova.

O médico Márcio Sommer Bittencourt, do Centro de Epidemiologia do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, destaca que outros fatores podem interferir nos números epidemiológicos de uma cidade, desde medidas de restrições adotadas para combater a pandemia até as características da população de cada município.

Bittencourt explica que não é possível aferir o impacto do tratamento precoce nas cidades sem um estudo controlado que compare um grupo de pacientes medicados com o protocolo contra um grupo de controle robusto – isto é, pacientes que não recebem os remédios, mas estão sob as mesmas condições do grupo de medicados. Ainda assim, o estudo teria limitações.

“Além das cidades não terem reduzido o número de mortes para nada substancial, elas podem estar em momentos de queda nas curvas por outras intervenções, que é o caso de Chapecó (SC), onde isso é muito claro”, destaca o médico. A cidade catarinense promoveu um lockdown parcial durante o mês de fevereiro.

O método adequado para gerar evidências confiáveis acerca da eficácia de um medicamento corresponde aos estudos clínicos randomizados, defende Airton Stein, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e médico de família e comunidade do Grupo Hospitalar Conceição.

Ele destaca que esse tipo de trabalho estabelece grupos de controle e critérios de seleção para inibir possíveis fatores que possam confundir a análise dos resultados, o que não ocorre nas experiências clínicas individuais de médicos ou na análise proposta na mensagem enganosa. Stein ressalta que até mesmo as desigualdades nos sistemas de saúde poderiam “ser um fator de confusão”.

“Quando a cidade tem um serviço de saúde que funciona, acesso a tecnologia para atender casos graves e fatores socioeconômicos melhores, os indicadores podem ser mais positivos.” diz o especialista.

As evidências da cloroquina e ivermectina

Até o momento, não há evidências confiáveis que confirmem a eficácia do uso da hidroxicloroquina ou ivermectina no tratamento da covid-19, em qualquer estágio da doença. O painel de evidências da Organização Mundial da Saúde desaconselha a aplicação dos dois tratamentos no combate à infecção do novo coronavírus.

No caso da ivermectina, a entidade diz que os benefícios e a segurança do tratamento permanecem incertos, ao passo que os dados disponíveis de estudos clínicos com a droga no contexto da covid-19 têm um nível de confiança baixo. A Agência Europeia de Medicamentos também apresenta uma posição semelhante.

Os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), por sua vez, afirmam que há dados insuficientes para estabelecer uma recomendação a favor ou contra o uso da ivermectina no tratamento da covid-19. A Food and Drugs Administration, órgão regulatório do país, alerta que a automedicação com o vermífugo é perigosa.

Já os tratamentos com cloroquina e a hidroxicloroquina são fortemente desaconselhados pelo painel da OMS. De acordo com o documento, evidências de nível de confiança moderado mostram que ambas substâncias “provavelmente não reduzem a mortalidade, ventilação mecânica e o tempo de hospitalização”.

Além disso, há preocupações em torno da segurança. Segundo a entidade, algumas evidências mostram que os remédios podem, na verdade, aumentar o risco de morte. “Os efeitos em outros resultados menos importantes, incluindo o tempo de resolução de sintomas, admissão hospitalar e o período de ventilação mecânica, seguem incertos”, diz o painel.

O NIH desaconselha o uso da hidroxicloroquina isolada ou com outros medicamentos em pacientes hospitalizados com a covid-19. A organização também é contra a aplicação do tratamento para pacientes não hospitalizados fora de estudos clínicos.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia que tenham obtido grande alcance nas redes sociais e em aplicativos de mensagens. O conteúdo analisado aqui foi sugerido via WhatsApp por leitores do Comprova e alcançou 544 interações no Twitter até o dia 21 de abril de 2021. A mensagem promove desinformação ao espalhar o boato falso de que mais de 50 municípios teriam zerado o número de óbitos, graças ao uso de protocolos com ivermectina e hidroxicloroquina. As duas substâncias não têm eficácia e segurança comprovada no tratamento da covid-19, tampouco podem ser relacionadas com a queda de números epidemiológicos dos municípios citados no post. O tratamento precoce já foi alvo de uma série de verificações do nosso projeto.

O boato é potencialmente perigoso porque pode confundir usuários e gerar uma falsa sensação de segurança de que esses medicamentos podem proteger pacientes na pandemia, quando não há evidências confiáveis de que eles realmente funcionem. A desinformação também pode atrapalhar gestores públicos na consolidação de políticas públicas efetivas para combater a crise sanitária.

Uma verificação da Agência Lupa a respeito do mesmo boato indica que o conteúdo falso também circula por grupos de WhatsApp. O Aos Fatos e o projeto Fato ou Fake, do G1, desmentiram uma mensagem semelhante, com parte dos municípios listados, que viralizou na plataforma de mensagens.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

 

 

Saúde

Investigado por: 2021-04-19

Média de mortes em 2020 não foi menor que em 2019

  • Enganoso
Enganoso
Postagem do cantor Roger Moreira no Twitter usa dados antigos e incompletos de mortes por covid-19 no Brasil. Print do cantor usa reportagem que alega que a média diária de mortes em 2020 era menor do que em 2019. No entanto, o texto é de maio do ano passado e apresenta cálculos incompletos não só sobre o mês, que ainda não havia terminado, como também do ano.
  • Conteúdo verificado: Tuíte do cantor Roger Moreira mostra o print de uma pesquisa no Google e de parte de uma matéria de maio de 2020, do site boqnews, que afirma que o número de mortes registradas até ali, naquele ano, resultava num número diário de óbitos menor do que o de 2019.

É enganoso o tuíte do cantor Roger Moreira que apresenta o print de uma notícia de maio de 2020 alegando que a média de mortes do ano era menor do que em 2019. O texto reproduzido é equivocado porque busca reduzir o impacto da quantidade de mortes ocorridas pela covid-19 no Brasil ao apresentar cálculos errados sobre as notificações.

A publicação apresenta dados de Registro Civil, de responsabilidade da Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais) e coletados nos cartórios do país, de janeiro a maio de 2020 em comparação ao mesmo período de 2019. Além de apresentar uma soma incompleta, sem considerar o mês cheio, ela também distorce o atraso em registros de óbitos.

Contatado pela reportagem, Roger Moreira disse que considera “um desrespeito essa soma diária de mortos”. Ele criticou o trabalho de checagem e disse que, quando fez o print, buscava informações sobre a “taxa normal de óbitos sem pandemia”, ainda que os dados fossem do ano passado. Ele acrescentou que, para fins de comparação, os números de óbitos registrados por outras causas também deveriam ser divulgados pela imprensa.

Como verificamos?

Procuramos o cantor Roger Moreira, que se justificou sobre a postagem pelo WhatsApp.

Depois, buscamos os dados do Portal da Transparência do Registro Civil, que consolida os registros de mortes ocorridos em todo o território nacional. A busca do site permite o acesso aos dados por mês, em diferentes regiões e cidades do Brasil, mas não permite o recorte diário — por isso, entramos em contato com a Arpen, entidade responsável pelos dados fornecidos no portal, para pedir acesso aos números completos.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 19 de abril de 2021.

Verificação

Publicação alega que pandemia não afetou aumento de mortes

A publicação à qual o print tirado por Roger Moreira se refere afirma que não só a quantidade de óbitos no país, entre janeiro e maio de 2020, segue a média de mortes observada no mesmo período em outros anos, como o total de registros era menor do que no ano anterior.

“Apesar da incidência do covid-19, o montante total de óbitos ocorridos no Brasil pelos mais variados motivos, de 1 de janeiro a 19 de maio deste ano, de 457.648, ainda são inferiores aos registrados em 2019, de 491.237, no mesmo período, uma diferença de menos 33.598 mortes”, diz trecho do texto.

Números de 2020 não foram menores

No site do Registro Civil a consulta é feita apenas pelo total de óbitos apresentado no mês inteiro, sem possibilidade de busca por dias específicos. Procurada pelo Comprova, a Arpen afirmou que o levantamento de acordo com a data só pode ser realizado por uma área técnica e que, no momento, as demandas prioritárias são dos governos federal e estadual.

Os dados cheios dos meses comparados apontam o contrário: houve, sim, mais mortes registradas em cartórios no ano de 2020 do que em 2019. Para que a verificação fosse mais precisa, o Comprova utilizou apenas os registros entre janeiro e maio, mesma base de comparação do texto compartilhado por Roger Moreira.

Vale ressaltar que os números consultados em 2021 têm mais dias de cálculo, já que contabilizam óbitos até o dia 31 do mês, 12 a mais que a publicação, e não apresentam dados atrasados, algo recorrente sobretudo em casos de covid-19, com muitos diagnósticos confirmados só após a morte pela doença.

Segundo o Registro Civil, entre janeiro e maio de 2019 foram registrados 518.455 óbitos — média de 3.430 mortes por dia. Já em 2020, no mesmo período, foram 558.464 mortes (média de 3.674 óbitos diários), 40.404 a mais que no ano anterior.

O valor é maior do que a diferença entre 2019 e 2018 no mesmo período; 2018 teve 31,5 mil mortes a menos. Só os óbitos pelo coronavírus, entre janeiro e maio de 2020, correspondem a 39.455, sendo que a primeira morte pela doença, no país, data de 12 de março.

Ainda no ano passado, uma reportagem do UOL apontou que o mês de maio teve mais mortes por covid-19 no Brasil do que a soma de todos os óbitos provocados por cânceres.

Atraso no registro de mortes

O Comprova já havia verificado conteúdos sobre os registros de mortes no início de 2020, e explicado que os dados do Portal da Transparência devem ser analisados com cautela, sobretudo quando é feita a contabilização de mortes recentes em relação à data da consulta ao site.

Segundo a própria plataforma, “a atualização pelos registros de óbitos lavrados pelos Cartórios de Registro Civil obedece a prazos legais”. Esse prazo leva em conta que “a família tem até 24 horas após o falecimento para registrar o óbito em cartório que, por sua vez, tem até cinco dias para efetuar o registro de óbito”. Considera também que o cartório tem ainda oito dias para enviar o registro à Central Nacional de Informações do Registro Civil, que atualiza o portal. No total, oficialmente, são 14 dias.

Além disso, a Lei de Registros Públicos prevê exceções que podem aumentar esse prazo. Como destacou a Agência Lupa, se o local da morte ficar a mais de 30 quilômetros de um cartório, a família pode registrar o falecimento em até três meses — na prática, porém, os prazos ainda são, muitas vezes, descumpridos.

A agilidade no registro dos óbitos durante a pandemia também tem variado entre as regiões do Brasil, e produzido distorções nos dados — que se acentuam quando a consulta do Portal é feita para um intervalo curto de tempo.

Músico diz que mortes por outras causas também devem ser divulgadas

Questionado pela reportagem se havia verificado a data da publicação, de maio passado, Roger Moreira afirmou que havia reparado, sim, e que ele procurava qual a “taxa normal de óbitos sem a pandemia”.

“Acho um desrespeito essa soma diária de mortos. É um país gigantesco e é claro que os números serão altos, sempre. Estão usando cadáveres para fazer campanha política”, disse.

No Twitter, ele já havia declarado que era “evidente” o aumento de mortes, e defendeu que óbitos por outras causas também fossem reportados a fins de comparação: “Se contasse os infartos, por exemplo, também teríamos um número expressivo diariamente”.

Por que investigamos?

Os dados diários de casos e mortes da doença servem para que especialistas calculem melhor as taxas de transmissão e mortalidade no país.

Diferentemente do infarto, ocorrência usada como exemplo por Roger Moreira para falar sobre altos índices de mortes, a covid-19 é uma doença transmissível pelo ar e que pode ter o contágio reduzido por meio de ações públicas.

As autoridades se baseiam nos números e para adotar políticas no combate ao vírus, trabalhando inclusive com a previsão de superlotação em hospitais e cemitérios.

O total de óbitos, incluindo outras causas além da covid-19, também auxilia no entendimento de que a pandemia pode ter impacto sobre outras mortes — algumas delas provocadas pela sobrecarga nos sistemas de saúde. Em 2021, a superlotação nos hospitais levou pacientes com covid-19 a ocupar leitos destinados a outras doenças.

As informações utilizadas pela publicação à qual o músico se referiu foram apresentadas de forma incompleta e sem a devida contextualização, o que prejudica o entendimento sobre a importância da divulgação de mortes por covid-19. A postagem de Roger, até o dia 19 de abril, já havia ultrapassado 3 mil interações no Twitter.

Até a data da publicação deste texto, o Ministério da Saúde contabiliza 1.657 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas, números que costumam ser menores aos finais de semana em função do represamento de dados das secretarias estaduais.

O país soma 373.335 óbitos e 13.943.071 casos da doença. Segundo o consórcio de veículos de imprensa, que faz o levantamento de notificações diretamente com as secretarias, a média diária de mortes pela doença nos últimos sete dias é de 2.878.

Desde o início da pandemia, em março de 2020, o Comprova já verificou diversas postagens e publicações elaboradas a partir de registros de óbitos. Dados incompletos e descontextualizados já foram usados para apontar o declínio da pandemia no Brasil e negar que o país tivesse ultrapassado 100 mil mortes por covid-19.

Já foram desmentidas mensagens que alegavam redução de mortes e também que óbitos por outras doenças foram registrados como covid-19 para inflar os números — argumentação recorrente e reproduzida até mesmo por parlamentares.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original, que usa dados imprecisos e que confunde, mesmo que não exista a intenção deliberada de causar dano.

 

Comunicados

Investigado por: 2021-03-05

Comprova encerra terceira fase com 283 investigações publicadas; 194 estão relacionadas à pandemia

  • Fase 3
Fase 3
O Projeto Comprova investigou 283 conteúdos suspeitos sobre a pandemia, o processo eleitoral de 2020 e políticas públicas relacionadas ao governo federal. As verificações foram feitas por 77 jornalistas que trabalharam colaborativamente para investigar conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais.

O projeto Comprova encerra nesta sexta-feira, 5 de março, a terceira fase do projeto colaborativo formado por 28 organizações de mídia para verificar conteúdos suspeitos que trafegam pelas redes sociais com alta viralização. Nessa fase, jornalistas receberam treinamento e trabalharam em colaboração para investigar e publicar relatórios de 283 verificações. Dessas, apenas 8 provaram-se verdadeiras. As demais 275 eram falsas (conteúdo fabricado) ou enganosas (informações descontextualizadas, que confundem ou usam dados imprecisos).

No total, 78 jornalistas e 14 estagiários de jornalismo participaram da fase 3 do Comprova.

Investigações

Sete em cada dez investigações do Comprova nessa fase (194 verificações) estavam relacionadas à pandemia. Dois temas se sobressaíram nesse período: conteúdos suspeitos sobre o chamado tratamento precoce e drogas cuja eficiência contra a covid-19 não foi comprovada, caso de cloroquina e ivermectina, somaram 52 investigações; e 46 boatos sobre vacinas foram investigados pelos jornalistas do Comprova, com maior incidência nas últimas semanas.

Conteúdos suspeitos sobre políticas públicas relacionadas ao governo federal foram investigados também pelo Comprova. Na fase 3, o número de investigações chegou a 61 verificações, a maior parte delas ligadas a políticas de infraestrutura e meio ambiente.

Durante o período eleitoral, o Comprova publicou 28 investigações de conteúdos sobre o processo eleitoral, com destaque para boatos que questionavam a confiabilidade das urnas eletrônicas.

Comprova + Comunidades

De setembro de 2020 a fevereiro de 2021, graças ao apoio da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, o Comprova contou com a colaboração de oito iniciativas jornalísticas que se associaram ao projeto para receber treinamento e apoiar investigações de conteúdos suspeitos sobre a pandemia de covid-19. O Projeto Comprova + Comunidades agregou ao grupo 16 jornalistas de Alma Preta, Agência Mural, Marco Zero, Favela em Pauta, Coletivo Bereia, Coletivo Niara, Rádio Noroeste e Amazônia Real.

Jornalismo colaborativo

O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa. Abaixo listamos todos os colaboradores que participaram das atividades de monitoramento e investigação na fase 3 do Comprova.

Editores

Sérgio Lüdtke

José Antônio Lima

Helio Miguel Filho

David Michelsohn

Investigadores participantes

Jornalistas que representaram as 28 organizações que formam a coalizão de veículos de comunicação do Projeto Comprova:

Alessandra Monnerat

Alice de Souza

Aline Nunes

Amanda Rainheri

Ana Luiza Bongiovani

Brunno Carvalho

Bruno Fiaschetti

Camila Cardoso de Oliveira

Carlos Mazza

Cecília Emiliana

Cecília Sorgine

Cido Coelho

Clara Cerioni

Clarissa Pacheco

Cristian Edel Weiss

Éder Kurz

Eduardo Miranda

Eric Raupp

Fernanda Santana

Flávia Oliveira

Gabi Coelho

Guilherme Bianchini

Guilherme Justino

Homero Pivotto Jr.

Iara Diniz

Jean Laurindo

João Vitor Marques

Judite Cypreste

Juliana Arreguy

Juliana Maciel

Karla Torralba

Laila Mouallem

Larissa Avilez

Ligia Tuon

Lucas Borges Teixeira

Luciana Loebens Marschall

Luísa Alcantara

Mahila Ames de Lara

Márcio Leijoto

Maria Clara Pestre

Mariana Vick

Mayara Vieira

Melissa Fernandez

Michel Vítor

Natalia Bourguignon

Pablo Fernandez

Paulo Veras

Pedro Garcia

Pedro Prata

Plínio Lopes

Raquel Lopes

Renan Marra

Samuel Lima

Stephanie Mendonça

Thatiany Nascimento

Tiago Aguiar

Valquíria Homero

Victor Pereira

Wagner Mendes Crispim

Projeto Comprova + Comunidades

Jornalistas que representaram as 8 organizações participantes do projeto + Comunidades:

Alícia Lobato

Aline Goulart Soares

Andressa Almeida

Andreza Ferraz

Dandara Franco

Edda Ribeiro

Fábio Silva de Oliveira

Gabi Coelho

Gisele Alexandre

Inácio França

Ira Romão

Jonathan Karter

Juliana Dias

Luciana Petersen

Rafael Costa

Roberta Camargo

Programa de estágio FAAP + Comprova

Estudantes de jornalismo da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP que participaram do programa de estágio no Projeto Comprova:

Beatriz Novik Falcão

Bruna Furlan

Daniel Chammas Schwartz

Gabriel Brode Germano Santos

Gabriela Ghiraldelli Queiroz

Henrique Junqueira Moreira

Isabela G. Andrade

Laysa Victoria Lottermann

Maria Beatriz Barbosa

Maria Paula Trilha Storti

Mariana Buckup Mariotto

Mariana Garcia Menendez

Pedro Alves Duarte

Rafael De Toledo Serra Bittar

 

Facebook Journalism Project e Google News Initiative financiaram a terceira fase do Projeto Comprova.

Saúde

Investigado por: 2021-03-03

É falso que Búzios zerou casos de covid pós-Carnaval graças a “tratamento precoce”

  • Falso
Falso
Prefeitura de Búzios não adotou o chamado "tratamento precoce" para a covid-19, ao contrário do que afirmou o senador Flávio Bolsonaro em seu perfil no Instagram.
  • Conteúdo verificado: Publicação no Instagram de Flávio Bolsonaro reproduz imagens de duas notícias sobre os casos de coronavírus em Búzios, no Rio de Janeiro, após o carnaval. Na legenda do post, o senador parabeniza o prefeito da cidade pela adoção do tratamento precoce contra a covid-19.

É falso que a cidade de Búzios, no litoral do Rio de Janeiro, zerou as internações de pacientes de covid-19 após o Carnaval devido à adoção de um tratamento precoce contra a doença, conforme compartilhou o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em seu perfil no Instagram. A prefeitura de Búzios não adotou a medida, que, além disso, tem tido seu uso desestimulado em estudos recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS).

No post de 22 de fevereiro, o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) destaca uma montagem com imagens de duas manchetes de grandes veículos da imprensa e cita a redução de internações na cidade. Em seu post, ele comemora a queda, atribuindo-a ao um suposto “tratamento precoce” implementado pela prefeitura.“Salvando vidas e desmascarando a ‘torcida da morte’! Parabéns ao Prefeito de Búzios pelo tratamento precoce contra #covid_19 que implementou em sua cidade!”, diz sua legenda.

A primeira notícia é de 16 de fevereiro, com o título “Defensoria Pública de Saúde estima que Búzios terá aumento exponencial de casos de Covid-19 após o carnaval”. A segunda é do dia 18, com o título “Búzios zera número de pacientes internados com Covid-19 e não tem casos confirmados nas últimas 24 horas”.

O senador erra ao afirmar que o prefeito da cidade, Alexandre Martins (Republicanos-RJ), adotou um protocolo de tratamento precoce, seja à base de medicações como cloroquina, ivermectina ou azitromicina – todos sem eficácia comprovada cientificamente, mas usados em diversas fake news, algumas desmentidas pelo Comprova.

A informação foi negada pelo próprio prefeito durante entrevista concedida em 25 de fevereiro para o Portal RC24h. Questionado sobre a publicação, Alexandre Martins explicou que o uso da cloroquina ou outros medicamentos do chamado “tratamento precoce” não faz parte da estratégia adotada em Búzios para o tratamento da covid-19. Os médicos, conforme indica a legislação, têm autonomia para usar, mas esta não foi uma estratégia adotada na cidade.

A matéria do G1, compartilhada no post de Flávio Bolsonaro, leva em consideração uma nota em que a prefeitura de Búzios afirma não ter registrado novos casos de infecção ou internação pela covid-19 durante 24 horas, entre os dias 16 e 17 de fevereiro. No mesmo dia da publicação, entretanto, o número de infecções voltou a subir. Segundo dados do boletim epidemiológico, entre o sábado de carnaval (12 de fevereiro) e o fechamento desta verificação, Búzios registrou 124 novos casos de covid-19.

Como verificamos?

Consultamos os dados dos boletins de evolução epidemiológica, no portal da transparência da Prefeitura de Búzios.

Pesquisamos estudos internacionais publicados sobre o tempo médio de incubação do vírus, para entender seu contágio, e sobre a eficácia de tratamentos precoces contra a covid-19. Para falar disso, também conversamos com o infectologista Evaldo Stanislau, do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Entramos em contato, em 23 de fevereiro, com a assessoria de imprensa da prefeitura de Búzios, por e-mail e pelo telefone, para questionar as medidas sanitárias ainda em vigor na cidade e saber por vias oficiais se a prefeitura adquiriu medicamentos para o tratamento precoce contra a covid-19, bem como o total desembolsado pelo órgão. O Comprova não obteve retorno. Em seguida, buscamos algumas repercussões na mídia sobre a postagem de Flávio Bolsonaro, e encontramos as declarações do prefeito.

Procuramos ainda pela assessoria de imprensa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que fez a publicação, mas não houve retorno até o fechamento da verificação.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 3 de março de 2021.

Verificação

Tratamento precoce

Segundo o prefeito Alexandre Martins (Republicanos-RJ), o uso da cloroquina ou outros medicamentos do chamado “tratamento precoce” não faz parte da estratégia adotada em Búzios para o tratamento da covid-19. Em entrevista concedida em 25 de fevereiro para o Portal RC24h, o prefeito explicou que o atendimento adotado pela cidade se refere a um diagnóstico rápido da doença, viabilizado através da maior disponibilidade de Unidades Básicas de Saúde (UBS), leitos hospitalares e profissionais de saúde, o que permite um atendimento mais ágil da população.

“Quando a gente fala em atendimento precoce, não é a medicação que se toma, mas o momento que se procura a Saúde para buscar um diagnóstico. Com atendimento precoce a gente trata mais rápido, já que é uma doença que evolui muito rápido. Isso, no nosso entendimento, é a peça chave fundamental”, esclarece.

Questionado pela entrevistadora se a Secretaria de Saúde da cidade, comandada pelo médico Marcelo Amaral, está orientando que o médicos receitem medicações como a cloroquina, azitromicina, ivermectina e sulfato de zinco como tratamento no início dos sintomas da covid-19, o prefeito explicou que não há uma linha de atuação definida e repassada aos profissionais. Ele também esclarece que os médicos têm total liberdade para receitar remédios para seus pacientes.

“Não tem um protocolo de atendimento. Óbvio que a gente sabe que hoje, o que mais se tem indicado, até por uma pesquisa que nós fizemos, é a azitromicina, ivermectina, vitamina C com zinco, é o que geralmente o que os médicos mais indicam. A cloroquina, eu particularmente não tenho visto nenhum médico indicar aqui em Búzios, e eu tenho conversado com muitos médicos.”

Em outra reportagem, publicada no dia anterior pelo Portal RC24h, o prefeito foi mais direto sobre seu posicionamento quanto ao uso da cloroquina.

“Estamos seguindo orientação do Conselho Federal de Medicina, cada médico receita os medicamentos de acordo com cada paciente. A cloroquina está descartada, ninguém mais usa essa porcaria”, afirmou ao jornal.

Evolução da covid-19 em Búzios

O Comprova analisou os dados sobre a covid-19 em Búzios, disponíveis no portal da transparência da prefeitura. Em 18 de fevereiro, a Prefeitura de Búzios divulgou em seus canais oficiais que não havia contabilizado novos casos de covid-19 ou internação naquele dia, informação que foi replicada pelo senador Flávio Bolsonaro dias depois.

Os dados se referiam ao boletim do dia 17, que não registrou novos testes positivos nas 24 horas anteriores. Na ocasião, a cidade contabilizava um total de 3.132 casos desde o início da pandemia, 32 mortes, 114 pessoas em isolamento domiciliar e nenhum paciente internado. Já no dia 18, foram registradas 2 novas internações por covid-19. Na data da postagem de Flávio Bolsonaro, 22 de fevereiro, Búzios contabilizava 3.159 casos, com um paciente internado e 92 em isolamento domiciliar.

No último boletim divulgado antes da publicação desta verificação, do dia 02 de março, o município registrava 74 pacientes em isolamento domiciliar e duas internações, além de um total de 3.238 casos e 32 óbitos desde o início da pandemia. Desde o carnaval (12/02), a cidade registrou 124 novos casos do novo coronavírus.

Cedo para ter impacto

O argumento base da publicação é que nos dias seguintes ao carnaval, findado no dia 16, os números da cidade fluminense não teriam crescido. No entanto, o tempo médio de incubação do vírus é de cerca de duas semanas e estima-se que os primeiros sintomas surjam, em média, dentro de cinco dias, de acordo com a universidade norte-americana Johns Hopkins, que acompanha a evolução global da pandemia. Ou seja, não é possível medir o impacto do contágio em apenas um ou dois dias, como leva a crer a postagem publicada por Flávio Bolsonaro, que se refere ao dia 18 de fevereiro.

“É muito cedo para dizer. O período de incubação vai até duas semanas, em média de cinco a sete dias para aparecerem os sintomas. Pelo contrário: no [período do] Natal, após as festas de final de ano, [a praia de] Pipa [RN] teve diagnóstico de duas variantes simultâneas, provavelmente de pessoas que estiveram juntas naquela região vindo de locais diferentes. Qualquer tipo de aglomeração que possa ter ocorrido no carnaval, ela vai mostrar até duas semanas depois”, afirma o infectologista Evaldo Stanislau, do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Segundo ele, este contágio gera ainda um “efeito cascata”. “A pessoa se infectou no carnaval. Os sintomas dela aparecem em até duas semanas, mas ela pode ter transmitido para outra pessoa no período de incubação. Esta, para outras e assim sucessivamente. Então, começa a ver de uma a duas semanas depois, mas o alcance disso, sem nenhuma medida restritiva, vai muito além”, explica.

Não há tratamento precoce

Além de encorajar aglomerações, a publicação busca ainda creditar o suposto sucesso do combate à pandemia na cidade ao “tratamento precoce” sob o argumento de que a cloroquina, hidroxicloroquina e outros medicamentos teriam prevenido o contágio.

Não há provas disso. Na verdade, atualmente, o consenso internacional é de que o tratamento com cloroquina não tem eficácia em nenhum estágio do combate à covid-19, seja no uso precoce, no surgimento de sintomas, ou no estágio grave da doença.

Pelo contrário. Nesta semana, a OMS publicou um relatório em que não só diz não recomendar o tratamento precoce com cloroquina como “aconselha fortemente contra” seu uso para tratar precocemente a covid-19. Segundo a organização, a droga “não é mais uma prioridade de pesquisa” e pesquisadores “deveriam focar em outras drogas”.

“A droga anti-inflamatória hidroxicloroquina não deve ser usada para prevenir infecção em pessoas que não estão com covid-19”, diz o texto. A recomendação é baseada em um estudo feito com 6 mil pacientes e o resultado, mais uma vez, é que a droga não oferecia eficácia alguma para prevenir a doença.

Em outubro do ano passado, um estudo global da OMS, com 11 mil pessoas, já havia concluído que hidroxicloroquina e o antiviral remdesivir são “decepcionantes” no combate à covid e não têm eficácia comprovada.

“É mais uma fake news, um desserviço”, afirma Stanislau. “Evidentemente que não existe tratamento precoce nenhum. Isso é uma bobagem que só no Brasil ainda persiste.”

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre covid-19 e políticas públicas do Governo Federal que tenham grande potencial de viralização. A postagem do senador Flávio Bolsonaro obteve mais de 20,5 mil curtidas e endossa um tratamento sem comprovação científica.

O Comprova já desmentiu diversas publicações que também estimulam a desinformação sobre a doença ao promover tratamentos sem eficácia, como o texto que afirma que cloroquina cura 98,7% dos pacientes com covid-19 e que o “tratamento precoce” com a droga evitou mortes em Porto Feliz, no interior paulista.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo que tenha sofrido edições com intuito de mudar o seu significado original.