O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2021-07-06

Doses da Janssen doadas pelos EUA ao Brasil estavam aptas para uso e foram aprovadas pela Anvisa

  • Enganoso
Enganoso
Doses de vacinas da Janssen doadas pelos Estados Unidos ao Brasil não estão estragadas. Os imunizantes foram considerados seguros pelas autoridades sanitárias dos dois países, e a extensão do prazo de validade considerou a qualidade da vacina armazenada nas condições adequadas por até 4 meses e meio.
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no Instagram, no qual uma mulher diz que a vacina da Janssen estaria sendo recusada pelos americanos por questões de segurança e que os Estados Unidos estenderam o prazo de validade de imunizantes prestes a vencer para, em seguida, doar 3 milhões de doses ao Brasil.

Um vídeo publicado no Instagram engana ao relacionar a extensão da validade de vacinas da Janssen, subsidiária da Johnson & Johnson, com a doação de doses pelos Estados Unidos para outros países – incluindo o Brasil.

Em junho, os imunizantes, em um procedimento usual, tiveram o prazo de validade estendido, com base em estudos contínuos apresentados pela fabricante. Os dados, segundo a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que também autorizou a prorrogação, indicam que as vacinas podem ser armazenadas por até 4 meses e meio – e não apenas 3, como originalmente previsto – na temperatura indicada.

Ao contrário do que afirma a autora do vídeo no Instagram, as doses também não estão “sobrando” nos Estados Unidos porque há dúvidas sobre a sua segurança. A aplicação dos imunizantes foi paralisada em abril, por 10 dias, para que fosse investigada a possível conexão entre a vacina e a formação de coágulos sanguíneos – registrada em seis pessoas. A apuração concluiu que o imunizante é seguro e a vacinação foi retomada. Desde então, o número de pessoas que tomaram a vacina nos Estados Unidos quase dobrou.

Além disso, a política dos Estados Unidos de doação de doses de vacinas a outros países inclui imunizantes de outros laboratórios, como a Pfizer, e foi adotada também por pressão internacional. Isso porque, em um cenário em que faltam doses em várias partes do mundo, os Estados Unidos já têm, desde março, o suficiente para imunizar totalmente o triplo da sua população adulta.

A autora do vídeo foi procurada pelo Comprova, mas não respondeu. Em vídeo posterior publicado no Instagram, Amanda Possamai proferiu ofensas contra a repórter do Comprova. Também negou ter dito que “as picadas estavam estragadas”, embora ela tenha dito no vídeo que as vacinas estariam estragando ao menos duas vezes.

Como verificamos?

Consultamos as notícias citadas pela autora da publicação para verificar o contexto das informações ditas no vídeo. Também procuramos os posicionamentos oficiais dos órgãos reguladores sobre os fatos mencionados.

Por fim, entramos em contato com a autora do vídeo. Ela bloqueou a repórter do Comprova e publicou um vídeo com ofensas à jornalista.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 6 de julho de 2021.

Verificação

Suspensão temporária das vacinas Johnson & Johnson

A autora do vídeo diz que “essa picada da J&J foi pausada aqui nos Estados Unidos por um período de tempo porque ela estava causando trombose, inclusive uma pessoa morreu. Então, o FDA e o CDC suspenderam a aplicação para fazer mais estudos”.

Isso realmente aconteceu. Em 13 de abril, o Centro de Controle de Doenças (CDC) e a FDA emitiram uma nota conjunta para sugerir uma pausa temporária na aplicação da vacina produzida pela Johnson & Johnson. A medida foi tomada após o relato de seis pessoas vacinadas que teriam desenvolvido uma mistura rara de coágulos sanguíneos com baixo número de plaquetas. Todas eram mulheres e tinham entre 18 e 48 anos.

Naquela altura, 6,8 milhões de pessoas já haviam recebido a vacina Janssen, ou seja, era menos de um caso por milhão de vacinados. Poderia ser um efeito colateral extremamente raro, por isso era preciso que os técnicos da FDA e do CDC verificassem se as vacinas tinham causado os incidentes. Assim, foi sugerida a pausa, até que a situação se esclarecesse.

Vacinas passam por rigorosos estudos clínicos, com milhares de voluntários, para comprovar sua eficácia e segurança. Mesmo assim, o monitoramento da saúde da população permanece após o imunizante estar sendo usado. Os principais órgãos de saúde do mundo mantêm plataformas nas quais as pessoas podem relatar quaisquer efeitos adversos que tenham tido depois de receber uma vacina. Faz parte do processo de segurança.

Esses dados recebidos possuem uma relação temporal com o imunizante, isto é, são relatados após um imunizante ser aplicado. No entanto, é preciso verificar se ele possui também uma relação causal, ou seja, se foi a vacina que causou aquele evento adverso. Muitos relatos acabam sendo descartados por não terem relação com o imunizante.

Conclusão

A análise dos dados durou dez dias. Em 23 de abril, os dois órgãos concluíram que os casos de coágulos estavam, sim, relacionados ao imunizante. No entanto, reconheceram que a chance deles ocorrerem é “muito baixa” e determinaram a retomada da aplicação da vacina.

“A FDA considera que os benefícios conhecidos são maiores do que os riscos conhecidos em indivíduos acima dos 18 anos”, disse a agência. Ela também anunciou que manteria o sistema de vigilância para detectar eventuais aumentos nos riscos trazidos pelo imunizante.

A análise resultou numa revisão dos documentos informativos direcionados aos funcionários da saúde. Isso porque o tipo de coágulo causado pela vacina é muito raro e exige uma forma de tratamento diferente da convencional.

A autora da postagem segue no vídeo dizendo que, mesmo após a retomada da vacinação com a Johnson & Johnson, “ninguém queria tomar; e a picada começou a estragar”. Para sustentar seu argumento, ela mostra a matéria “Estados avisam que doses da J&J podem vencer em breve e a Casa Branca demanda que eles consultem a FDA”, do jornal New York Times, de 8 de junho.

A reportagem diz que os estados americanos alertaram para a possibilidade de vencimento das doses da Johnson & Johnson, enquanto a FDA analisava os testes de estabilidade conduzidos pela farmacêutica para averiguar a possibilidade de extensão do prazo de validade. Em nenhum momento há a informação de que as doses teriam ficado encalhadas por uma suposta negativa da população. Há, sim, a informação de que a procura por doses no geral despencou conforme parcela expressiva da população passou a ser imunizada. Alguns estados também reclamam que as leis do país impedem o envio de vacinas para outras unidades mais necessitadas ou até mesmo para outros países.

A desconfiança da população em relação ao imunizante apareceu em uma pesquisa feita a pedido do jornal Washington Post e da emissora ABC News que mostrou que pouco menos da metade dos entrevistados considerava o imunizante seguro. A pesquisa ouviu 1.007 adultos entre 18 e 21 de abril, quando a aplicação ainda estava sob revisão e não havia sido retomada.

Mesmo assim, dados do CDC mostram que a imunização com esta vacina quase dobrou desde então. Até esta terça-feira (6), 12,6 milhões de pessoas nos Estados Unidos já haviam sido vacinadas com imunizantes da Johnson & Johnson.

 

Existem vacinas estragadas nos Estados Unidos?

A responsável pelo vídeo fala que, em 8 de fevereiro, “a FDA diz para a J&J jogar 60 milhões de doses fora porque estavam com problema de contaminação”. A reportagem, da emissora NBC News, é verdadeira, mas foi publicada em 11 de junho e no próprio texto há a explicação. Segundo comunicado da FDA, alguns lotes da vacina foram contaminados na fábrica da Emergent BioSolutions, em Baltimore, com substâncias usadas para fazer a vacina da AstraZeneca, também produzida no local entre agosto de 2020 e abril de 2021. A própria Janssen notificou a FDA, no dia 26 de março deste ano, avisando que havia detectado a irregularidade.

Após revisão completa dos registros das instalações e dos resultados dos testes de qualidade realizados pelo fabricante, em 11 de junho, a FDA autorizou o uso, no contexto de emergência de saúde pública causada pela pandemia, de dois lotes da vacina – não especificam a quantidade de doses – fabricada nas instalações da Emergent BioSolutions, em Baltimore. No comunicado, a agência afirma que “concluiu que esses lotes são adequados para uso. Embora a FDA ainda não esteja pronta para incluir a fábrica da Emergent BioSolutions na Janssen EUA como uma instalação de manufatura autorizada”. Outros lotes produzidos na fábrica não foram considerados adequados para uso e alguns ainda estão sendo avaliados.

De acordo com a determinação da agência, os dois lotes autorizados poderiam ser usados nos EUA ou exportados para outros países. No entanto, afirma que a condição para qualquer exportação desses lotes é que a Janssen e a Emergent devem concordar que a FDA compartilhe informações sobre a fabricação dos lotes com as autoridades regulatórias dos países em que a vacina for usada. “Isso fornecerá informações relevantes para as autoridades que desejam fazer seu próprio julgamento sobre a adequação desses dois lotes para uso em seus países”. As três milhões de doses que chegaram ao Brasil, no dia 25 de junho, segundo a Casa Branca, são seguras, foram liberadas pela FDA e vieram do fornecimento que os Estados Unidos tinham imediatamente disponível.

Extensão do prazo de vencimento

Por fim, a autora do post fala que “a picada ia vencer em 23 de junho, mas, de repente, o FDA aparece e estende em seis semanas a data de validade” e que “aí com essa novidade, os Estados Unidos irão doar 3 milhões de doses da J&J”.

No dia 10 de junho, a Johnson & Johnson recebeu o aval das autoridades sanitárias dos Estados Unidos para ampliar o prazo de vencimento das vacinas contra a covid-19 da Janssen. Segundo um comunicado divulgado pela empresa, testes contínuos de durabilidade dos imunizantes demonstraram que elas mantêm a qualidade quando armazenadas num período de até 4 meses e meio a temperaturas entre 2 e 8 graus celsius.

O procedimento de extensão da validade de insumos é comum. A FDA, órgão dos Estados Unidos com atribuições similares às da Anvisa, possui um programa próprio para esse tipo de ação, chamado SLEP (Shelf-Life Extension Program), ativo desde 1986. Por meio dele, é possível que empresas encomendem ao órgão a realização de testes que avaliam a possibilidade de ampliação da data de validade inicialmente prevista. A ideia é que medicamentos, vacinas e produtos médicos em geral que precisem ser estocados em grande quantidade não tenham que ser jogados fora sem necessidade, caso ainda estejam em plenas condições de uso.

No caso da vacina da Janssen, tratou-se de uma reavaliação feita pelo próprio fabricante – também num procedimento comum – e analisada posteriormente pela FDA. Esse tipo de autorização depende de dados que comprovem a qualidade do produto em estudos a longo prazo, colhidos em diferentes lotes.

Depois da autorização nos Estados Unidos, o laboratório requisitou à Anvisa a mesma extensão. Segundo a agência, a decisão da diretoria colegiada do órgão, que autorizou a medida, levou em consideração “uma criteriosa avaliação dos dados de qualidade dos estudos que demonstrou que a vacina tende a se manter estável pelo período (4,5 meses), bem como considerou decisão da agência norte-americana”.

A definição vale não apenas para as doses que já foram produzidas e entregues aos países, mas também para os imunizantes que ainda serão fabricados – como os 38 milhões de doses adquiridos pelo governo brasileiro, que chegarão ao país até novembro. Desse contrato, o Brasil recebeu, até agora, 1,8 milhão de doses que chegaram nos dias 22 e 24 de junho. Esses lotes tinham a previsão de vencimento inicial para o dia 27 de junho, e tiveram o envio autorizado pela FDA.

Nos Estados Unidos, segundo uma reportagem da NBC, do dia 8 de junho, mais de 10 milhões de doses de vacinas da Janssen que haviam sido distribuídas aos estados até o começo de março ainda não haviam sido aplicadas no começo de junho, quando se aproximavam da data de validade até então vigente.

O Comprova consultou, no dia 5 de julho, a mesma base de dados usada na reportagem, do Center for Disease Control and Prevention (CDC), e verificou que o número de vacinas da Janssen distribuídas no país era o mesmo: 21.434.300. O número de aplicações do imunizante, porém, aumentou, de 11,1 milhões para 12.617.454. Isso significa, portanto, que mais de um milhão e meio de americanos foram imunizados com as doses que tiveram o prazo de validade ampliado, enquanto 8,8 milhões de doses dos mesmos lotes ainda estão disponíveis para serem utilizadas nos estados.

Vacinas doadas pelos EUA

Em março, o governo norte-americano já havia comprado doses de vacinas suficientes para imunizar 750 milhões de pessoas – três vezes a população adulta do país – e em meio à escassez de doses em outras partes do mundo, passou a enfrentar pressão internacional para que os imunizantes em excesso fossem enviados a outros países.

Os Estados Unidos doaram vacinas da Janssen para o Brasil e a Colômbia, mas não há informações sobre o lote exato dos imunizantes. No caso do Brasil, porém, as quase 3 milhões de vacinas estavam entre aquelas que venceriam no dia 27 de junho, mas tiveram o prazo estendido. As doses chegaram no Brasil em 25 de junho, quando o país já tinha recebido as primeiras remessas adquiridas junto ao laboratório.

Até março de 2021, a administração Biden havia encomendado 100 milhões de doses do imunizante à Johnson & Johnson, e planejava adquirir mais 100 milhões de vacinas – mesmo já tendo doses suficientes, de outras farmacêuticas, para imunizar toda a população.

O governo Biden também doou imunizantes – cujo fabricante não foi especificado – para Honduras, por meio do consórcio Covax, liderado pela OMS, e se comprometeu a enviar para outros países, também por meio do consórcio da Organização Mundial da Saúde, um total de 200 milhões de doses de vacinas da Pfizer até o final de 2021. No ano que vem, a promessa é do envio de mais 300 milhões de doses.

Quem é a autora do vídeo

Em seu Instagram, Amanda Possamai diz que mora nos Estados Unidos e se apresenta como consultora de imagem. Ela já publicou outros vídeos enganosos sobre imunizantes, como a alegação de que pessoas estariam ficando com o braço magnetizado após a aplicação. Como o Comprova já mostrou, as vacinas não possuem nenhum elemento em sua composição que permita o efeito.

Procurada pelo Comprova, Amanda bloqueou a repórter e publicou um vídeo no qual profere ofensas a ela. Também diz que “em nenhum momento eu falei que as picadas estavam estragadas”, embora ela faça essa afirmação em duas situações, como já citado. Ela continua: “Eu apresentei fatos, mostrei notícias de todo o percurso dela aqui nos Estados Unidos e que ela iria vencer dia 23 de junho, final do mês, e que eles estenderam o prazo de validade dela”.

Por que investigamos?

Em sua 4ª fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal ou a pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. O vídeo verificado foi visto ao menos 44 mil vezes no Instagram.

Conteúdos imprecisos sobre vacinas enfraquecem a confiança da população nos imunizantes e atrapalham a principal estratégia atualmente disponível para combater a pandemia. O Projeto Comprova já mostrou que agências reguladoras negam risco de infertilidade de vacinados com imunizantes que utilizam a tecnologia de mRNA.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Saúde

Investigado por: 2021-07-05

SP recebeu R$ 5,7 bi do governo federal para combater pandemia, e não R$ 135 bi

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a postagem no Facebook em que uma deputada afirma que o governo federal enviou cerca de R$ 135 bilhões ao estado de São Paulo para o combate à covid-19. Dentre os valores, há repasses diretos para cidadãos, suspensão de dívidas e transferências de rotina para a saúde. Na verdade, foram destinados à saúde R$ 17,7 bilhões. Desse valor, R$ 5,7 bilhões foram recursos para o combate à pandemia.
  • Conteúdo verificado: Em postagem no Facebook, Valéria Bolsonaro afirma que o governo federal enviou cerca de R$ 135 bilhões ao estado de São Paulo e alega que o governador João Doria deixou pessoas morrerem por falta de leito de UTI. Critica, ainda, programa de auxílio de renda a famílias que perderam entes para a covid-19.

São enganosas as informações contidas em um post feito no Facebook pela deputada estadual Valéria Bolsonaro (sem partido), no qual a parlamentar afirma que o governo federal enviou R$ 135 bilhões ao governo do estado de São Paulo e, ainda assim, o governador João Doria (PSDB) deixou “morrer gente por falta de leito de UTI”. Ao fazer essa relação, a parlamentar dá a entender que os R$ 135 bilhões teriam sido destinados ao governo paulista somente para o combate à pandemia, o que não é verdade.

Esse mesmo valor, de R$ 135 bilhões, consta em uma publicação do dia 28 de fevereiro de do governo federal, na qual se afirma que foram feitos repasses de R$ 420 bilhões aos estados e municípios ao longo de 2020. Estes dados já foram verificados pelo Comprova.

Na publicação oficial foram incluídas imagens com o detalhamento dos repasses para cada estado e, segundo o material feito para o estado de São Paulo, os valores destinados à saúde foram de R$ 17,7 bilhões (incluindo repasses de rotina para a saúde e outros especiais para o combate à pandemia).

Os outros R$ 117,3 bilhões incluem suspensão da dívida (R$ 18,8 bilhões), recursos transferidos para o estado e os municípios de aplicação livre (R$ 55,3 bilhões) e, por fim, benefícios ao cidadão (R$ 43,5 bilhões), como o auxílio emergencial, que são geridos por bancos federais e repassados aos beneficiários sem passar pelos cofres estaduais e municipais, não podendo ser considerados repasses aos estados e municípios. Estes valores, segundo a publicação da União, teriam sido pagos em 2020 e até o dia 15 de janeiro de 2021.

No Portal Localiza SUS, os valores são distintos, mas não é possível fazer um recorte entre março do ano passado, quando começou a pandemia, até o dia 15 de janeiro. Deste modo, segundo dados do portal, em todo o ano de 2020, o governo de São Paulo recebeu R$ 21,2 bilhões destinados à saúde, sendo R$ 15,35 bilhões (73,2%) em repasses de rotina e R$ 5,7 bilhões (26,8%) para o combate à pandemia.

O Comprova não localizou dados oficiais sobre a morte de pessoas aguardando por leito de UTI em São Paulo. Um levantamento do G1 em março deste ano, contudo, mostrou que 496 pessoas morreram no estado à espera de um leito de UTI só naquele mês.

A deputada foi procurada pelo Comprova, via e-mail, mas não retornou até a tarde do dia 5 de julho.

Como verificamos?

Buscamos informações sobre quais foram os valores repassados pelo governo federal ao estado de São Paulo para combate à pandemia no Localiza SUS e no Portal da Transparência. Também consultamos uma publicação feita pelo governo federal em que são divulgados valores e detalhada a finalidade dos recursos.

Também questionamos, por meio da assessoria de imprensa, os governos federal e de São Paulo sobre os valores citados no post.

Consultamos, ainda, outra verificação do Comprova, do início de junho, que esclareceu que a União não tinha repassado R$ 420 bilhões para estados combaterem a pandemia.

Por fim, enviamos e-mail para a deputada Valéria Bolsonaro para saber em que fontes ela baseou as afirmações, mas não tivemos retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 5 de julho de 2021.

Verificação

Valor é quase 8 vezes menor do que o divulgado em post

Ao sustentar terem sido realizados repasses de R$ 135 bilhões do governo federal para o estado de São Paulo, a deputada dá a entender que todo o valor foi destinado ao combate da covid-19, o que não é verdade.

O valor global desses repasses, a todos os estados e municípios, já foi tema de verificação do Comprova, demonstrando que o valor repassado pela União, de R$ 420 bilhões, não foi totalmente destinado ao combate à pandemia pelos órgãos de saúde dos governos estaduais e municipais.

O fato é que nem todo o montante é destinado à finalidade apresentada no post e nem todo o valor vai parar nos cofres dos estados e municípios. Há repasses diretos ao cidadão, suspensão de dívidas e transferências de rotina para a saúde.

Em fevereiro deste ano, ao afirmar que havia feito repasses de R$ 420 bilhões para todos os estados, o governo federal divulgou cards em que o valor destinado a cada unidade da federação era destrinchado em quatro partes: suspensão da dívida; benefícios ao cidadão; recursos transferidos para o estado e seus municípios; e saúde.

Se considerados os valores indicados pelo governo federal ao estado de São Paulo, dos R$ 135 bilhões anunciados, apenas R$ 17,7 bilhões seriam, de fato, recursos para a saúde, somados os valores de rotina e aqueles destinados especificamente ao combate à pandemia, ou seja, pouco mais de um oitavo do divulgado no post da deputada.

O Portal Localiza SUS indica valores diferentes, mas não é possível fazer uma consulta recortando apenas o período entre março de 2020, quando começou a pandemia, e o dia 15 de janeiro de 2021, data indicada pelo governo federal como marco final da contagem dos recursos repassados.

Os dados do portal indicam que, ao longo de 2020, foram repassados R$ 21,2 bilhões pelo governo federal ao estado de São Paulo, em recursos destinados à saúde. Deste valor, 73,2% eram repasses de rotina, ou seja, R$ 15,51 bilhões. O valor destinado à covid, segundo consta na plataforma, foi de R$ 5,7 bilhões.

Procurada pelo Comprova, a assessoria de comunicação do governo de São Paulo afirmou por e-mail que as informações apresentadas no post vêm sendo distorcidas desde o início de março de 2021. “O assunto já foi rebatido à época pelo próprio governador João Doria, em suas redes sociais, e também em nota conjunta assinada por outros 18 chefes de executivos estaduais”, afirma o órgão.

A nota citada foi publicada no dia 1º de março e os governadores afirmaram, na ocasião, que o governo federal produziu informação distorcida e gerou interpretações equivocadas, esclarecendo estarem sendo contabilizados majoritariamente os valores pertencentes por obrigação constitucional aos estados e municípios e tratando-os como uma concessão política.

Os governadores destacaram, também, terem sido mencionados valores repassados aos brasileiros para o auxílio emergencial, iniciativa do Congresso Nacional.

A assessoria de comunicação do governo de São Paulo afirma que o estado seguiu normativas para a aplicação dos recursos federais estabelecidos na legislação.

“A lei complementar 173/2020 – Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus – prevê aplicação de parte dos recursos para ações de combate à pandemia e outra parte para compensar as perdas orçamentárias decorrentes da queda de arrecadação – para ser possível, por exemplo, pagar salários de policiais e professores e cumprir seus contratos com fornecedores”, diz o texto.

Sobre os recursos específicos para a pandemia, a assessoria de comunicação afirma que a Secretaria de Estado da Saúde recebeu R$ 2,23 bilhões entre março de 2020 e abril de 2021. “Deste valor, foi executado 98,5%, sendo 100% dos recursos de 2020. Mais de 90% foi destinado ao fortalecimento da rede assistencial, para ampliação de 3,6 mil leitos para dez mil em hospitais estaduais, municipais, Santas Casas e entidades filantrópicas conveniadas ao SUS. O restante do valor foi destinado especificamente a compra de insumos, medicamentos e EPIs (Equipamentos de Proteção Individual)”.

Além disso, informa que foram encaminhados R$ 9,8 bilhões em repasses nas rubricas 00S7 (Auxílio Financeiro aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios relacionado ao Programa Federativo de Enfrentamento à covid-19) e 21C0 (Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus).

Segundo o governo paulista, dos valores referentes ao programa 00S7, R$ 998 milhões tiveram destinação obrigatória para ações de combate à pandemia e R$ 6,6 bilhões sem uso específico foram utilizados para “mitigar dificuldades financeiras e também financiar ações de enfrentamento à covid-19”. Por fim, informa que os valores das rubricas 21C0 são os repasses do Ministério da Saúde para o Fundo Estadual de Saúde em ações de combate à pandemia.

O Comprova pediu as mesmas informações ao governo federal, mas não houve retorno.

O que dizem os especialistas

No início de junho, o economista e professor de ciências públicas da UnB Roberto Piscitelli explicou ao Comprova que gastos como o pagamento do auxílio emergencial não podem estar na soma de repasses aos estados, pois são considerados transferências diretas para pessoas físicas.

O mesmo foi sustentado pelo economista e ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo Freitas, ao afirmar que o auxílio emergencial não é considerado um repasse para os estados.

Neste sentido, segundo o Tesouro Transparente, dos R$ 524 bilhões transferidos aos estados para combate à covid em 2020, a maior fatia – R$ 293,11 bilhões – é referente ao auxílio emergencial para pessoas em situação de vulnerabilidade.

Mortes por falta de UTI

Em relação à afirmação da deputada de que João Doria deixou pessoas morrerem por falta de UTIs, o Comprova identificou que não existe um levantamento oficial realizado por órgãos públicos contabilizando pacientes da covid-19 que morreram esperando por leitos.

Um levantamento feito pelo G1 em março deste ano, entretanto, mostrou que 496 pessoas morreram na fila de espera por um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em São Paulo apenas naquele mês, o mais letal da pandemia. Também em março, o estado chegou a ter 1.500 pessoas na fila de espera, segundo noticiou o veículo.

Em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, o Comprova foi informado, apenas, que todos os municípios e o estado podem incluir novos pacientes no sistema de regulação de transferências, o que dificulta saber a quantidade total de pacientes que morrem enquanto ainda estão na lista.

Entre julho de 2020 e junho deste ano, em pelo menos três meses a taxa de ocupação das UTIs chegou a níveis acima de 80%, segundo o Boletim Observatório Covid-19, da Fiocruz.

Neste momento, de acordo com boletim epidemiológico do estado de São Paulo, em 5 de julho, a ocupação dos leitos de UTI destinados à covid-19 no estado era de 72,2% na capital e de 66,4% na região metropolitana.

A situação se reflete em outros estados e não se limita a São Paulo. Em março, todos os estados chegaram a ter mais de 80% dos leitos de UTIs ocupados. No último boletim da Fiocruz, de 30 de junho, são sete estados e o DF que estão com este nível de ocupação.

Programa SP Acolhe

O programa SP Acolhe, criticado pela deputada no post, foi anunciado no dia 29 de junho por Doria com o objetivo de oferecer auxílio mensal de R$ 300 a famílias vulneráveis que perderam ao menos um integrante do núcleo familiar por covid desde o início da pandemia.

O benefício está inserido no programa de proteção social Bolsa do Povo e no site já consta uma aba atualizada na qual o usuário pode consultar se a família é elegível ao benefício. Basta fornecer o Número de Identificação Social (NIS).

Serão beneficiadas famílias inscritas no CadÚnico com renda mensal de até três salários mínimos e que tenham perdido pai, mãe, avô, avó, filho, filha ou outro parente, desde que a morte tenha ocorrido no núcleo familiar.

O governo afirma que o programa pretende beneficiar 11.026 famílias em todo o estado e fazer o repasse de R$ 20 milhões. Ao todo, serão seis parcelas, totalizando 1,8 mil em benefício por família beneficiada, entre os meses de julho e dezembro de 2021.

Conforme a lei que cria o Bolsa do Povo, as despesas do programa serão bancadas pelas verbas já alocadas aos programas estaduais de transferência de renda, bem como de outras dotações do Orçamento do Estado.

Quem é Valéria Bolsonaro

Valéria Muller Ramos Bolsonaro é professora da rede pública e foi eleita deputada estadual em São Paulo, em 2018, pelo PSL (Partido Social Liberal), pelo qual também se elegeu o presidente Jair Bolsonaro.

Em 2020, Valéria foi expulsa da sigla por “infidelidade partidária”, como alegou documento enviado pelo então senador Major Olímpio (1962-2021), do mesmo partido, ao presidente do PSL, Luciano Bivar.

A expulsão da deputada se deu após acusações de que a parlamentar teria divulgado um áudio que pedia a “pulverização” de uma campanha contra o senador em Americana (SP) – base eleitoral da deputada -, após a nomeação de dirigentes da sigla por Olímpio na cidade.

Apoiadora de Bolsonaro – que deixou o mesmo partido em 2019 -, Valéria é parente distante do presidente. O avô do marido dela é irmão de Angelo Bolsonaro, avô paterno do presidente.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Neste caso, a deputada publicou post enganoso sobre os dois assuntos.

Verificações sobre a covid-19 são importantes porque podem levar as pessoas a adotarem medidas que impactam na saúde e segurança. Já as divergências políticas entre o governo federal e os estados podem causar confusão na população, levando-a a questionar a orientação de autoridades de saúde.

O post aqui verificado segue a linha do presidente Bolsonaro, que critica frequentemente a gestão Doria. A publicação da deputada atingiu 3,1 mil reações, 663 comentários e 1,7 mil compartilhamentos no Facebook até o dia 5 de julho.

Conteúdo semelhante, mas em âmbito nacional, foi verificado em junho pelo Comprova, que identificou ser enganoso que a União repassou R$ 420 bilhões para os estados combaterem a pandemia. Em fevereiro, o projeto também esclareceu que Doria não havia recebido R$ 19 bilhões da União para o combate à covid-19.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-07-05

Não há provas que Renan Calheiros soubesse de irregularidades na compra da Covaxin

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma postagem no Facebook que afirma que o senador Omar Aziz e Renildo Calheiros, irmão de Renan, são autores de medida provisória que permitiu compra da vacina indiana e que Renan "sabia de tudo" sobre suposto esquema de propina na compra da Covaxin. A publicação se baseia em especulações de um youtuber e não apresenta nenhuma prova de que os senadores teriam conhecimento do suposto esquema.
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook afirma que youtuber revelou que senador Omar Aziz e Renildo Calheiros, irmão de Renan, são autores de medida provisória que permitiu compra da vacina indiana e que Renan “sabia de tudo” sobre suposto esquema.

É enganoso um post feito no Facebook pela página Movimento Avança Brasil e que viralizou nas redes envolvendo os nomes dos senadores Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), respectivamente presidente, relator e vice-presidente da CPI da Covid, e do deputado federal Renildo Calheiros (PCdoB-PE). A publicação afirma: “Então quer dizer que o Kim Paim revelou que os autores de MPs para comprar a Covaxin foram Omar e o irmão do Renan? Randolfe foi o relator e deu parecer favorável? E #RenanSabiaDeTudo? La casa cayó”.

Kim Paim, que tem um canal no YouTube, não revelou o que o post descreve. Ele apenas especula sobre emendas propostas pelos parlamentares que envolveram a autoridade sanitária da Índia, sem apresentar nenhuma evidência de que eles teriam conhecimento do suposto esquema de superfaturamento da vacina.

O vídeo publicado por ele em sua plataforma é de 28 de junho, um dia depois que o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), para se defender das acusações feitas pelo deputado Luis Miranda, divulgou nota dizendo que a medida provisória que permitiu a compra de vacinas da Índia recebeu emendas dele e “de oito parlamentares”, citando Aziz e Renildo.

Na manhã de 28 de junho (data em que o post verificado aqui foi publicado), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou a apoiadores o mesmo conteúdo: que “a emenda para a Covaxin veio deles, Randolfe como relator, do irmão do Renan e do próprio Omar Aziz”.

Outra desinformação espalhada por Paim e pelo post checado: senadores e deputados não podem ser autores de MPs. Elas são criadas pelo presidente da República e se tornam leis após aprovação do Congresso, como afirma a Constituição.

A história publicada por Paim se refere à MP 1.026/2021 que, na versão original, previa que a Anvisa poderia conceder autorização excepcional para a importação e distribuição de vacinas contra a covid-19 já aprovadas por cinco agências sanitárias internacionais. Ela foi aprovada pelo Congresso com a adição de outras seis autoridades sanitárias – essa inclusão permitiria a importação da Covaxin pelo Brasil.

Segundo o site do Congresso, a MP recebeu 164 emendas. Seis foram apresentadas por Randolfe Rodrigues; três, por Renildo, e duas, por Aziz – os três pediram a inclusão de agências sanitárias que não estavam na versão original do texto, o que não significa que eles sabiam das supostas irregularidades envolvendo a negociação da compra do imunizante indiano, reveladas pela Folha e que se tornaram um dos pontos centrais da CPI.

Procurado, Paim se disse surpreso pelo contato da reportagem e perguntou quem pediu para o Comprova “tentar salvar a pele dos senadores”. Ele insistiu que as emendas de Omar Aziz e do irmão de Renan Calheiros e a relatoria de Randolfe Rodrigues na MP das vacinas sustentavam o seu argumento.

Como verificamos?

Buscamos nas redes sociais quem era o youtuber, citado na mensagem original. Assistimos ao vídeo postado em seu canal no YouTube e lemos os seus tuítes. Também entramos em contato com ele por e-mail para pedir mais detalhes sobre as alegações. Ele nos retornou no dia 1º de julho.

Procuramos a MP 1.026/2021 no site do Congresso Nacional e lemos todas as emendas apresentadas ao texto durante a sua tramitação, assim como as justificativas apresentadas pelos parlamentares em suas emendas. No site das agências sanitárias listadas na proposta, encontramos informações sobre as vacinas liberadas em cada país. Também consultamos a plataforma Our World in Data para saber em que países a Covaxin tem sido aplicada.

Buscamos na imprensa informações sobre as denúncias envolvendo o contrato do imunizante indiano. Por fim, enviamos e-mail para a Secretaria de Comunicação da Presidência da República para saber em que fontes o presidente Jair Bolsonaro baseou suas afirmações, mas não tivemos retorno.

Verificação

O caso Covaxin

Suspeitas de irregularidades no contrato para aquisição da vacina indiana Covaxin estão sendo investigadas pelo Ministério Público Federal (MPF), pela Polícia Federal (PF) e pela CPI da Covid no Senado Federal.

O contrato para a aquisição de 20 milhões de doses foi assinado no dia 25 de fevereiro deste ano, pelo Ministério da Saúde. O investimento total seria de R$ 1,614 bilhão, e a previsão era de que as primeiras doses fossem entregues já a partir do mês de março.

Essa compra do governo brasileiro chamou a atenção por ter sido concluída em apenas três meses, contra 11 meses para o imunizante da Pfizer, e ao custo de US$ 15 por dose — o mais caro entre as seis vacinas contra a covid-19 adquiridas pelo Brasil até o momento.

Esse valor também é 1.000% maior do que aquele estimado pela fabricante em um telegrama da embaixada brasileira em Nova Délhi, na Índia, de agosto do ano passado, de acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Em dezembro, outro comunicado dizia que o produto “custaria menos do que uma garrafa d’água”.

A Covaxin também é a única vacina até agora a ter sido negociada pelo governo através de uma empresa intermediária, a Precisa Medicamentos, e não diretamente com a fabricante, neste caso, o laboratório indiano Bharat Biotech.

Entre os sócios da Precisa está o empresário Francisco Maximiano, que também é presidente de uma empresa investigada por fraude na compra de medicamentos para doenças raras pelo Ministério da Saúde, a Global Gestão em Saúde, em 2017.

O caso, que tramita na Justiça Federal do Distrito Federal, envolveu o pagamento antecipado de quase R$ 20 milhões por remédios que nunca foram entregues. O deputado federal Ricardo Barros, que era ministro da Saúde na época, é réu na ação por improbidade administrativa.

A Precisa aumentou sua participação em contratos com o governo federal em mais de 6.000% durante a gestão de Bolsonaro, segundo notícia do Estadão. Ela saiu de acordos de R$ 27,4 milhões em 2018 pela venda de 11,7 milhões de preservativos femininos, para o total de R$ 1,67 bilhão em 2019 e 2020. A empresa também é investigada por suspeitas de superfaturamento em testes de covid vendidos ao governo do Distrito Federal.

Apesar da promessa de entrega de doses a partir de março, a Bharat sequer havia concluído os estudos clínicos de fase 3 na data. Apenas em 4 de junho a Anvisa autorizou a primeira importação, em caráter excepcional, de 4 milhões de doses da Covaxin, mas esse quantitativo somente poderia ser utilizado dentro de um estudo de eficácia, com acompanhamento laboratorial e certificado de boas práticas, entre outras condições, o que acabou não ocorrendo.

Em 29 de junho, a Anvisa recebeu o pedido de liberação para o uso emergencial da Covaxin. Um dia depois, a entidade suspendeu temporariamente a análise porque “documentos obrigatórios e essenciais” não foram apresentados pela Precisa. O Brasil segue sem ter recebido nenhuma dose do imunizante indiano.

As suspeitas sobre o contrato para a compra da Covaxin ganharam força depois que o jornal Folha de S. Paulo revelou que um servidor do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, que coordena o setor de importação da pasta, prestou depoimento ao Ministério Público Federal (MPF) relatando uma “pressão atípica” para autorizar a importação da vacina, no dia 31 de março. A reportagem foi publicada em 18 de junho.

Depois desse fato, o irmão do servidor público, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) trouxe novas informações. Em uma entrevista ao canal CNN Brasil, o deputado mostrou uma fatura de compra que havia sido encaminhada a Ricardo, em 20 de março, com dados incompatíveis com o contrato.

A quantidade de entrega era inferior e o documento previa pagamento antecipado de US$ 45 milhões. O acerto financeiro também envolvia uma terceira empresa, chamada Madison Biotech, que seria uma subsidiária da Bharat localizada em Singapura, país conhecido por ser um paraíso fiscal. Essa nota foi corrigida posteriormente, mantendo o pagamento para a Madison.

O deputado Luís Miranda também disse que levou o caso até o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no mesmo dia em que o irmão recebeu a fatura irregular, em uma reunião privada no Palácio do Alvorada. Ele argumentou que poderia se tratar de indícios de corrupção no Ministério da Saúde. Esse encontro está registrado em fotos e mensagens trocadas com um assessor da Presidência.

Na ocasião, segundo Miranda, Bolsonaro teria dito que encaminharia o caso para o diretor-geral da Polícia Federal e que esse seria “mais um rolo” do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros. As informações foram prestadas pelos irmãos em depoimento à CPI da Covid, em 25 de junho.

Não há registros de que a PF tenha sido comunicada por Bolsonaro, sendo que um inquérito só foi aberto no dia 30 de junho. Isso motivou senadores de oposição a protocolarem uma notícia-crime no Supremo Tribunal Federal (STF), acusando o presidente de cometer o crime de prevaricação. Governistas rebatem dizendo que Bolsonaro informou o então ministro Eduardo Pazuello, que não teria encontrado irregularidades.

Nesta sexta-feira, 2 de julho, depois de ser cobrada a se posicionar pela ministra Rosa Weber, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a abertura do inquérito para investigar Bolsonaro. Após o caso vir à tona, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato para aquisição do imunizante.

A Bharat Biotech e a Precisa Medicamentos negam que tenha havido superfaturamento no contrato, dizendo que o preço acertado com o governo brasileiro é o mesmo que o praticado por outros 13 países. O deputado Ricardo Barros também divulgou nota em que nega envolvimento com supostas irregularidades na compra da Covaxin.

A MP das vacinas

A história publicada por Kim Paim se refere à Medida Provisória 1026, de 2021, que “Dispõe sobre as medidas excepcionais relativas à aquisição de vacinas, insumos, bens e serviços de logística, tecnologia da informação e comunicação, comunicação social e publicitária e treinamentos destinados à vacinação contra a covid-19 e sobre o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19“.

Essa MP foi editada pelo Poder Executivo, em 6 de janeiro de 2021. Esse é um instrumento que pode ser adotado pelo presidente da República em casos de relevância e urgência, porque produz efeito imediato. Para que seja transformada em lei, no entanto, a MP precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional. Isso ocorreu em 10 de março de 2021, quando foi publicada a Lei Federal nº 14.124.

O texto original da MP previa que a Anvisa poderia conceder uma autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de vacinas contra a covid-19 já aprovadas por cinco agências sanitárias internacionais: dos Estados Unidos (Food and Drug Administration, FDA), da União Europeia (European Medicines Agency, EMA), do Japão (Pharmaceuticals and Medical Devices Agency, PMDA), da China (National Medical Products Administration, NMPA) e do Reino Unido (Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency, MHRA).

A lei aprovada pelo Congresso incluiu outras seis autoridades sanitárias internacionais: da Índia (Central Drugs Standard Control Organization, CDSCO), da Rússia (Ministry of Health of the Russian Federation), da Coreia do Sul (Korea Disease Control and Prevention Agency, KDCA), do Canadá (Health Canada, HC), da Austrália (Therapeutic Goods Administration, TGA) e da Argentina (Administración Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica, ANMAT). Essa análise precisa ser feita em sete dias úteis, caso a documentação encaminhada esteja completa.

Essas mudanças permitiriam a importação da Covaxin ao Brasil, já que o imunizante ainda não foi autorizado pelas cinco agências originais da MP (Estados Unidos, União Europeia, Japão, Reino Unido e China).

Ainda não há uma relação direta entre a MP e o suposto esquema da Covaxin. O assunto veio à tona porque Ricardo Barros é autor de emenda que incluiu a autoridade sanitária indiana na legislação, ao mesmo tempo que a Precisa contava com essa alteração na MP para conseguir autorização de uso para a vacina no Brasil.

Segundo a plataforma Our World in Data, ligada à Universidade de Oxford, a Covaxin tem sido aplicada em seis países. Além da Índia, a lista inclui o Paraguai, Irã, República Centro-Africana, Comores e as Ilhas Maurício.

As emendas de Omar Aziz, Randolfe Rodrigues e Renildo Calheiros

De acordo com o site do Congresso Nacional, a MP 1026/21 recebeu, ao todo, 164 emendas; já incluindo na lista aquelas que foram apresentadas durante a discussão no plenário.

Dessas, seis emendas foram apresentadas pelo senador Randolfe Rodrigues. Entre elas, existem pedidos para incluir na lista original de autoridades sanitárias a Rússia (emenda 14) e a Organização Pan-Americana de Saúde, Opas (emenda 15); esta última não aprovada e não incluída no texto final.

O deputado federal Renildo Calheiros, irmão do senador Renan Calheiros, apresentou três emendas. Entre elas, a emenda 77 incluía as agências sanitárias da Rússia e da Índia na lista original. Na justificativa, ele afirmou que: “A Federação Russa e a República da Índia, parceiras do Brasil nos BRICs, têm se destacado na pesquisa e produção de vacinas contra a Covid 19. Na situação de carência absoluta de vacinas em que o Brasil se encontra, as decisões regulatórias desses dois países também devem poder ser utilizadas como referência para as autorizações emitidas pela Anvisa.”

Aziz apresentou duas emendas ao texto da MP. Uma delas, a emenda 111, incluía no texto as agências sanitárias da Índia, Canadá, Rússia, Argentina e Coreia do Sul. Na justificativa, ele escreveu: “Esta emenda objetiva incluir no art. 16 da medida provisória nº 1.026, de 2021, que disciplina a autorização excepcional concedida pela Anvisa, as entidades sanitárias regulatórias do Canadá, da Rússia, da Coreia do Sul, da Argentina e da Índia dentre aquelas cujas decisões possam ser utilizadas como referência para as autorizações emitidas pela Agência Nacional.”

Renan Calheiros não apresentou nenhuma emenda a esta MP.

Emendas de outros parlamentares

Outros sete parlamentares pediram a inclusão da entidade de saúde indiana na MP.

Cinco deputados federais pediram, ao mesmo tempo, a inclusão da Índia e da Rússia: Alice Portugal (PCdoB-BA) – emenda 70; Jandira Feghali (PCdoB-RJ) – emenda 73; Perpétua Almeida (PCdoB-AC) – emenda 82; Orlando Silva (PCdoB-SP) – emenda 102 e emenda 104; e Daniel Almeida (PCdoB-BA) – emenda 107.

Um pediu Índia, Austrália e Canadá: Gonzaga Patriota (PSB-PE) – emenda 128.

Apenas um parlamentar apresentou uma emenda que contemplava unicamente a agência indiana: Ricardo Barros – emenda 117.

Mudanças no texto

O texto original foi, então, alterado por um projeto de lei de conversão, o PLV 1/2021, de autoria do deputado Pedro Westphalen (PP-RS). Ele incorporou, integral ou parcialmente, todas as emendas que incluíam novas agências sanitárias no artigo 16.

Randolfe Rodrigues foi relator do PLV 1/2021 no Senado. A única mudança que ele fez no artigo 16 foi em relação ao nome dado por Westphalen à autoridade de saúde da Rússia. Diz o relatório do senador: “Outro reparo a fazer é quanto ao nome da autoridade sanitária russa, que aprovou e registrou a vacina Sputinik V. Segundo informações obtidas junto à Embaixada da Rússia, o nome correto é Ministry of Health of the Russian Federation, e não Federal Service for Surveillance in Healthcare, conforme consta do inciso VI do art. 16 do PLV.”

No dia 22 de junho, uma matéria da Crusoé mostrou que “o texto incorporado pelo relator da matéria é idêntico ao do líder do governo, diferentemente das emendas de autoria de outros deputados”. A reportagem também mostra que o presidente da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, citado no caso, afirmou ao embaixador do Brasil em Nova Delhi, André Correia do Lago, que a liberação do imunizante no Brasil poderia ser obtida brevemente “em razão de nova redação da Medida Provisória 1.026/21”.

Versão final da lei:

Emenda do Ricardo Barros:

Emenda do Omar Aziz:

Emenda de Renildo Calheiros:

 

O youtuber

Em sua descrição no Twitter, Kim Paim se descreve como “o homem que se tornará o rei dos piratas”. Apoiador de Bolsonaro, na aba “Sobre” de seu canal no YouTube, ele escreve uma espécie de estrofe: “Olavo tem razão/ Bolsonaro é mito/ Tias do zap moram em meu coração/ E os chapéus de palha vencerão”.

Ao primeiro contato do Comprova, que o questionava sobre quem eram as fontes para as afirmações feitas e se ele tinha alguma prova do que afirma no vídeo com as acusações, ele respondeu com dois e-mails.

No primeiro, disse que seus vídeos e tuítes “são feitos inteiramente com matérias da grande mídia e documentos oficiais”, sem enviar nada, e que “o simples fato” de a reportagem enviar um e-mail questionando-o sobre as denúncias mostrava que o repórter não conhece o trabalho do youtuber. Na realidade, é trabalho de qualquer jornalista comprometido com a verdade tentar falar com as pessoas citadas na reportagem. Nesta mensagem, Paim também escreveu: “Mas, conta aí, quem pediu para você tentar salvar a pele dos senadores?”.

Minutos depois, ele enviou um outro e-mail que terminava com: “Se eu precisar te contar mais do que isso, é melhor vocês me contratarem (sic) logo. Como vocês são desinformados. Pqp”.

Depois de enviar os e-mails, o youtuber foi ao Twitter e sugeriu que o Comprova estaria agindo a pedido de Renan Calheiros. “Tantos documentos disponibilizados, e ainda irão falar no mínimo que meus tuítes são imprecisos. Vão fazer de tudo para salvar a turminha do Renan”, escreveu.

E, um dia depois, Paim publicou um vídeo em seu canal no YouTube com novas acusações infundadas contra o Comprova.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal.

Quando o conteúdo acusa os senadores à frente da CPI, que tenta apurar ações e omissões da União em relação à covid-19, ele se torna perigoso pois pretende deslegitimar o trabalho de investigação no Senado. Só no Facebook, o post na página Movimento Avança Brasil teve 2,1 mil compartilhamentos e 3,8 mil reações. Já o tuíte de Kim Paim foi compartilhado 2,5 mil vezes e teve mais de 6 mil reações até 2 de julho.

Neste ano, o Comprova publicou diversos conteúdos que, como o verificado aqui, distorcem a realidade em prol da narrativa do presidente, que vem atacando a CPI e ironizou denúncia do pedido de propina na compra da vacina, dizendo que representante de empresa relatou “propininha de R$ 2 bilhões”. Alguns exemplos são a checagem que concluiu ser falso que irmãos Miranda forjaram recibos da compra da Covaxin, a que enganava ao afirmar que a Universidade de Oxford encontrou fortes indícios da ivermectina contra a covid e a do deputado Eduardo Bolsonaro desinformando ao postar que os imunizantes não passaram por protocolos de segurança.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2021-06-30

Post usa vídeo antigo para acusar museu de exibir pornografia patrocinada com dinheiro público

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso vídeo postado por um usuário do Facebook, no qual um deputado estadual do PSL do Paraná critica a entrada de crianças na exposição “Vestidos em Arte - Os Nus dos Acervos Públicos de Curitiba”, em Curitiba. O conteúdo foi gravado em 2018 e está descontextualizado. O parlamentar confunde, ainda, a exposição com outras e uma legenda afirma que o trabalho é "pornografia patrocinado (sic) com dinheiro público". A mostra não é pornográfica e recebeu recursos de empresas privadas, embora o valor tenha sido captado via Lei Rouanet.
  • Conteúdo verificado: Vídeo gravado em 2018, no qual o deputado estadual do Paraná Ricardo Arruda (PSL) questiona um funcionário do Museu Oscar Niemeyer, na capital do estado, sobre a presença de crianças na exposição “Vestidos em Arte – Os Nus dos Acervos Públicos de Curitiba”. O conteúdo foi repostado por um usuário do Facebook em junho de 2021.

Um vídeo gravado em fevereiro de 2018 no Museu Oscar Niemeyer (MON) de Curitiba voltou a circular nos últimos dias no Facebook com uma afirmação enganosa: de que uma exposição mostrava pornografia patrocinada com dinheiro público. As imagens foram feitas pelo deputado estadual Ricardo Arruda (PSL) na exposição chamada “Vestidos em Arte – Os nus dos acervos públicos de Curitiba”.

A exposição contém obras de nudez artística, selecionadas em curadoria da professora doutora Stephanie Dahn Batista e de estudantes do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O MON negou que as obras fossem pornográficas e informou que a exposição foi uma parceria entre as duas instituições, na qual o museu “entrou com o espaço físico e com o empréstimo de algumas obras de seu acervo”, enquanto a universidade fez a curadoria das obras a partir de uma pesquisa acadêmica “sobre o corpo humano (em especial o nu artístico) como tema para a arte”.

No vídeo, o parlamentar acusa o museu de permitir a entrada de crianças, taxando o ato de “pouca vergonha” e “barbaridade”, mas um aviso na exposição informava que o conteúdo era desaconselhável para menores de 14 anos e que a presença de crianças abaixo dessa faixa etária só seria permitida com a presença de pais ou responsáveis. Ele afirma, ainda, que a exposição iniciada em 2017 “já deu problema” em Porto Alegre e São Paulo e que foi proibida no Rio de Janeiro. Mas a exposição em Curitiba não é a mesma que gerou polêmicas em outras capitais naquele ano.

Além disso, o vídeo traz a legenda “pornografia patrocinado (sic) com o dinheiro público”. O material de divulgação da exposição lançado na época, porém, destaca que ela foi patrocinada por sete empresas privadas, além de ter tido a cooperação da Universidade Federal do Paraná e do Setor de Artes, Comunicação e Design (Sacod) da UFPR e ser realizada pelo museu, pelo Governo do Paraná, pelo Ministério da Cultura e pelo Governo Federal.

A assessoria de imprensa do MON informou ao Comprova que os recursos junto às empresas foram captados através da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Rouanet) e que o museu forneceu o espaço físico e emprestou algumas obras do acervo. A reportagem procurou o deputado via e-mail, mas não foi respondida. O usuário que publicou o vídeo no Facebook também não retornou à mensagem encaminhada pelo Comprova por meio da plataforma.

Como verificamos?

O Comprova submeteu o link do vídeo à ferramenta InVid para a separação de frames, aos quais foi aplicada a busca reversa de imagens com o Tineye. O buscador Yandex localizou um frame do vídeo no Youtube, com o título “Isso é o Brasil”, mas o link acusa que o conteúdo está atualmente indisponível, provavelmente tendo sido deletado. Consultado no Internet Archive, o link também não foi localizado.

A equipe, então, passou a buscar pela legenda que consta no vídeo, “pornografia patrocinado (sic) com dinheiro público”, chegando a um site que descreve, em 3 de fevereiro de 2018, a publicação do conteúdo na página Juventude Contra Corrupção, com o título “Dinheiro público para patrocinar pornografia no museu Oscar Niemeyer”. A publicação também contém um link para o vídeo, mas a página não existe mais no Facebook.

Pelos comentários do vídeo postado em junho deste ano no Facebook, o Comprova identificou um usuário parabenizando o “deputado Ricardo”. A partir das informações coletadas, a reportagem passou a buscar no Google pelos termos associados “deputado Ricardo” e “Museu Oscar Niemeyer”, identificando notícia de 2018 informando que uma escultura exposta no MON havia sido vandalizada após um vídeo do deputado estadual do Paraná Ricardo Arruda.

A partir disso, o Comprova localizou um vídeo publicado na conta dele no Youtube, no dia 2 de fevereiro de 2018. Nas imagens, o deputado informa que o Facebook removeu os vídeos antigos da denúncia do “museu do olho” – referindo-se ao vídeo aqui verificado. O parlamentar foi novamente ao museu e fez um longo vídeo apresentando as obras criticadas por ele.

A partir desse vídeo, foi possível identificar a exposição “Vestidos em Arte – Os Nus dos Acervos Públicos de Curitiba”, cuja exibição foi iniciada em 15 de dezembro de 2017 e seguiu até o dia 25 de março de 2018. Na visita, Ricardo Arruda chega a focar o vídeo em uma pintura de dois homens nus, o mesmo quadro que aparece ao fundo das imagens enquanto ele discute com o funcionário do museu no vídeo repostado recentemente:

 

O Comprova também verificou que a exposição foi patrocinada pela iniciativa privada e fez levantamentos de recursos gerados pelo próprio museu em 2017 e 2018, quando ela esteve aberta de 15 de dezembro a 25 de março, além de solicitar à assessoria de comunicação do museu os valores em recursos públicos repassados ao equipamento no mesmo período, o que não foi informado.

Foram pesquisadas ainda notícias sobre exposições que teriam, como ele alega, “dado problema” em São Paulo e Porto Alegre e sido proibidas no Rio de Janeiro. Por fim, a equipe tentou contatar o deputado que aparece no vídeo e também o usuário “Boston Bolsonaro.com”, no Facebook, responsável pela republicação do conteúdo, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem.

Também entramos em contato com a Secretaria de Cultura do Paraná, com o Museu Oscar Niemeyer de Curitiba, com a UFPR e com a professora Stephanie Dahn Batista, curadora da exposição.

Verificação

Vídeo gravado em 2018

O vídeo verificado aqui foi feito em fevereiro de 2018, quando ainda estava em cartaz a exposição “Vestidos em Arte – Os nus dos acervos públicos de Curitiba”, no Museu Oscar Niemeyer (MON) da capital paranaense. Nas imagens, aparece um homem indignado com o conteúdo da exposição, reclamando com dois funcionários do museu que a mostra fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que não deixaria a filha dele ver as imagens, que ele considera uma “pouca vergonha”. Ele afirma que há várias crianças no local e que o museu não poderia permitir a entrada delas. O homem é o deputado estadual Ricardo Arruda (PSL).

Na imagem, foi inserida uma espécie de legenda, onde se lê “Pornografia patrocinado (sic) com dinheiro público”. Além deste vídeo que circula no Facebook, há outra publicação, feita no dia 2 de fevereiro de 2018, no canal do YouTube do parlamentar, sobre o mesmo assunto. Na descrição do vídeo, o parlamentar escreve que o Facebook “removeu nossos vídeos da denúncia do museu do olho” e completa: “NÃO PODEMOS PERMITIR QUE NOS CENSUREM!!!”.

Vestidos em arte – Os nus dos acervos públicos de Curitiba

A exposição que causou indignação no parlamentar chama-se “Vestidos em Arte – Os nus dos acervos públicos de Curitiba” e ficou em cartaz no Museu Oscar Niemeyer de Curitiba entre os dias 14 de dezembro de 2017 e 25 de março de 2018. A assessoria de imprensa do museu informou que a mostra foi uma parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), na qual “o MON entrou com o espaço físico para a expografia e com o empréstimo de algumas obras de seu acervo”.

Ainda de acordo com informações do museu, a mostra ocorreu a partir de uma solicitação acadêmica da UFPR, com curadoria da professora e doutora Stephanie Dahn Batista. “A exposição analisava e contextualizava as imagens artísticas dos corpos nus, especificamente nos acervos públicos, produzidas durante o século XX até a atualidade, sob o conceito que visa um diálogo entre as áreas da História da Arte e os Estudos de Gênero”, diz a nota.

A exposição recebeu 89 mil visitantes e foi considerada uma das mais visitadas no mundo em 2018 pela revista britânica The Art Newspaper. O Comprova procurou a curadora da mostra, a professora Stephanie Dahn Batista, que fez a seleção das obras junto a alunas da iniciação científica da UFPR, que nos respondeu após a publicação da verificação.

“Foi uma excelente exposição, sendo resultado de anos de pesquisa na Iniciação científica do nosso curso de Artes Visuais. Apliquei o projeto de exposição em 2015 para o plano anual do Museu Oscar Niemeyer, mas ela foi apenas executada em dezembro de 2017 por questões de planejamento da programação cultural, justamente naquele cenário de 2017 onde teve a censura do Queer Museu em Porto Alegre, os ataques ao artista Wagner Schwartz no MAM de SP, entre outros. Por isso esse fervo de repente até aqui em Curitiba”, disse.

Em entrevista para o site da universidade em 2019, ela disse que o trabalho teve grande impacto social, gerando um debate não só para o público, mas para toda a equipe do MON. “Sem o corpo presente não há narrativa e a exposição mostrou a complexidade do corpo a partir da arte no século XX”, disse.

Obras não são pornográficas

O vídeo verificado não mostra detalhadamente as obras criticadas pelo parlamentar, mas elas aparecem em um segundo vídeo, postado no canal do YouTube do deputado Ricardo Arruda no dia 2 de fevereiro de 2018 e que teve 2,7 mil curtidas.

Segundo release publicado no site do MON em 7 de dezembro de 2017, anunciando a abertura da exposição, foram selecionadas obras de Claudia Andujar, Guido Viaro, Iberê Camargo, Louise Borgeouis, Oswaldo Goeldi, Poty Lazzarotto, Raul Cruz, Uiara Bartira, entre outros, dos acervos do Museu Oscar Niemeyer, Museu de Arte Contemporânea do Paraná, Museu de Gravura, Museu de Fotografia, Museu Metropolitano de Arte e Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP).

A exposição não teve catálogo, e sim um folheto de 12 páginas em que aparecem algumas das obras expostas.

O texto de apresentação da exposição não cita a palavra “pornográfica” na descrição da mostra, informando que ela analisa e contextualiza as imagens artísticas dos corpos nus.

O MON respondeu, em nota, que a exposição não é pornográfica e nem ataca instituições religiosas, como afirma o deputado no segundo vídeo postado em seu canal no YouTube. “De modo algum a exposição fazia qualquer tipo de apologia à pornografia”, diz o posicionamento, acrescentando que ela foi resultado de uma pesquisa universitária orientada pela professora e doutora Stephanie Dahn Batista sobre o corpo humano (em especial o nu artístico) como tema para a arte e, para tal, utilizou obras de arte de artistas paranaenses.

Outra queixa do parlamentar é de que o museu não poderia permitir a entrada de crianças. No banner de publicidade da exposição, no site do museu, há um aviso: “A exposição contém material desaconselhável para menores de 14 anos. Caberá exclusivamente aos pais e responsáveis decidir pelo acesso à sala expositiva de crianças e adolescentes de faixa etária inferior, conforme Portaria nº 368/2014 do Ministério da Justiça”.

O Comprova perguntou ao museu se aquele aviso sempre existiu ou se foi incluído após a queixa do deputado. “Desde o início da exposição havia um aviso na entrada da sala, alertando para o conteúdo da mesma”, respondeu a assessoria, completando que não houve interrupção da mostra após os vídeos do parlamentar.

“O Museu e a Secretaria de Estado da Cultura enviaram à assessoria do deputado todos os devidos esclarecimentos sobre o teor da mostra e a mesma seguiu em cartaz pelo período planejado”, finaliza o posicionamento.

A exposição foi financiada com dinheiro público?

O MON é administrado pela Organização Social Associação dos Amigos do MON – Museu Oscar Niemeyer (AAMON), através de contrato de gestão firmado com o Estado do Paraná. O material de divulgação da exposição destaca que ela foi patrocinada por sete empresas, além de ter tido a cooperação da UFPR e do Setor de Artes, Comunicação e Design (Sacod) da universidade e ser realizada pelo museu, pelo Governo do Paraná, pelo Ministério da Cultura e pelo Governo Federal.

A assessoria de comunicação do museu informou ao Comprova que os recursos foram captados junto aos patrocinadores através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet. Por meio dela, empresas e pessoas físicas podem patrocinar espetáculos e abater o valor total ou parcial do apoio do Imposto de Renda.

O Comprova fez buscas por outras fontes de recursos do museu e identificou, no site, um relatório anual sobre valores gerados pelo próprio equipamento de cultura. No ano em que a exposição foi aberta, por exemplo, o museu recebeu 367.616 visitas, com uma média mensal de 30.634 pessoas, arrecadando pouco mais de R$ 2 milhões em bilheteria. Em 2018, quando o vídeo foi gravado, a arrecadação em entradas foi de R$ 2,1 milhões.

Nos dois anos também foram captados pela Lei Rouanet R$ 1,4 milhão e 1,7 milhão, respectivamente. Outros recursos do museu são provenientes da loja — que arrecadou mais de R$ 2 milhões nos dois anos –, da cafeteria, do estacionamento e de locações do espaço para eventos.

As formas de exposição também possuem diferentes tipos de financiamento, previstos na Política de Exposições. O Projeto Anual, por exemplo, contempla projetos de artistas que possuam uma trajetória consolidada, com proposições estéticas consistentes e relacionadas às áreas de enfoque do museu. Nesta modalidade, a aprovação do projeto não garante o patrocínio nem implica em efetiva contratação, que dependerá de posterior captação de recursos.

A Parceria Institucional é a categoria aplicável para parcerias com museus e instituições culturais que possuam acervos e projetos condizentes com os princípios de atuação do MON. Nessa modalidade, os custos e obrigações são rateados entre a instituição parceira e o MON.

A Ocupação de Espaço compreende projetos em que o proponente é integralmente responsável pelo desenvolvimento e produção da exposição – incluindo a captação integral dos recursos –, sendo o MON responsável pela cessão do espaço e divulgação conjunta da mostra.

A Realização Própria engloba projetos concebidos pela própria administração do Museu Oscar Niemeyer, de acordo com os interesses curatoriais, disponibilidade orçamentária e demais necessidades. As exposições produzidas pelo museu poderão englobar obras de seu próprio acervo ou projetos externos.

Por fim, a itinerância consiste na realização de mostras concebidas pelo Museu Oscar Niemeyer em outros espaços expositivos, mediante assinatura de termo de cooperação específico com entidade que ofereça condições de receber as obras e expô-las ao público. As propostas de exposição submetidas por terceiros são avaliadas e selecionadas através de Edital Público anual realizado através da AAMON.

Diferentes exposições

No vídeo, o deputado Ricardo Arruda afirma que a exposição em questão “já deu problema” em Porto Alegre e São Paulo e foi proibida no Rio de Janeiro. Na verdade, não se trata da mesma mostra que gerou polêmica em outros locais. Ao falar isso, o deputado se refere à exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” e à performance “La Bête”. Não se sabe se a confusão entre elas é proposital ou não.

A Queermuseu foi cancelada em setembro de 2017, no Santander Cultural, em Porto Alegre, após onda de protestos nas redes sociais. No Rio de Janeiro, a exposição chegou a ser vetada pelo ex-prefeito Marcelo Crivella, em 2017, mas foi reaberta em 2018.

Em São Paulo, o caso ocorrido em 2017 envolveu a divulgação de um vídeo que registra a performance “La Betê”, no Museu de Arte Moderna (MAM), durante a qual uma criança da plateia tocou o tornozelo de um homem nu. Nenhuma das cidades recebeu a exposição do Oscar Niemeyer.

Ministério Público não viu problema

O deputado chegou a denunciar a exposição ao Ministério Público do Paraná, alegando ter recebido diversas manifestações de repúdio em relação ao trabalho, por este conter imagens de jovens nus, de órgãos genitais e de homens nus com animais, sem que houvesse divulgação de classificação, o que não era verdade, conforme constatou o Comprova no material de divulgação e junto à assessoria de comunicação.

A verificação identificou que o Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança, do Adolescente e da Educação chegou a avaliar a denúncia e encaminhar um posicionamento à Procuradoria-Geral da Justiça do estado.

A promotora Luciana Linero, à época, entendeu que, neste caso especificamente, o nome da exposição deixava claro que se tratavam de obras de nudez e que o Museu Oscar Niemeyer não descumpriu a regulamentação legal protetiva dos direitos da criança e do adolescente.

Recomendou, também, que no local não ocorresse a entrada e permanência de crianças menores de dez anos desacompanhadas dos pais ou responsáveis legais, bem como fosse feita a autoclassificação indicativa da exposição, esclarecendo aos pais a faixa etária mais recomendada.

Citou, ainda, entendimento semelhante em uma nota técnica da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público, além do entendimento da Comissão Permanente da Infância e Juventude do Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça, que também expediu nota técnica sobre o assunto, ambas de 2017.

O deputado

Ricardo Arruda (PSL), responsável pela disseminação do vídeo, tem formação acadêmica na área de finanças, foi diretor-presidente do Banco Comercial de 1989 a 1995 e iniciou a carreira política em 2013. Segundo informações de sua biografia, publicada na página da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), o parlamentar é ligado à Igreja Mundial do Poder de Deus, para quem exerce consultoria financeira.

No canal que mantém no YouTube, o deputado se refere a si mesmo como “Missionário Ricardo Arruda” e, nas redes sociais, se define como “Anti-PT”, “Militar e Bolsonaro”, “Cristão” e “Especialista em finanças”.

Arruda se elegeu deputado pela primeira vez em 2014 pelo Partido Social Cristão (PSC). No dia 6 de abril de 2018, se filiou ao PSL, partido pelo qual foi eleito para o segundo mandato como deputado estadual do Paraná.

Ele foi o autor, em 2016, da proposta de instituir o Programa Escola Sem Partido no sistema de ensino paranaense. A proposta de nº 606/2016, assinada por Arruda e pelo hoje deputado federal Felipe Francischini, também do PSL, previa que cartazes fossem colocados nas escolas públicas e privadas do Paraná, determinando limites que não poderiam ser ultrapassados pelos educadores para evitar o “doutrinamento” por parte de professores em salas de aula. Segundo a Alep, a proposta foi rejeitada por 27 votos contrários e 21 favoráveis.

No mesmo ano em que o vídeo aqui verificado foi gravado, o deputado se envolveu em outra polêmica com o MON. Parte de uma obra do artista chinês Liu Ruowang, exposta na Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Curitiba, na área externa do museu, desapareceu. Poucos dias antes, Ricardo Arruda havia publicado um vídeo, em sua página no Facebook, criticando a escultura. Em nova postagem, após o sumiço, declarou não acreditar em uma relação entre os fatos e não apoiar ou incentivar vandalismo.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal.

Embora o vídeo aqui verificado tenha expressado o incômodo de uma pessoa com o conteúdo de uma exposição, o deputado utiliza o alcance que possui para influenciar a opinião pública de forma negativa acerca de uma manifestação artística, incluindo a propagação de informações falsas, de forma deliberada ou não, como a afirmação de que se trata de pornografia e que seja a mesma mostra apresentada em outras cidades.

A legenda no vídeo sustenta, ainda, que o museu utilizou recursos públicos, mas omite que a captação dos valores se deu junto às empresas privadas, via Lei Rouanet, pela qual o financiamento foi feito de forma legal por sete empresas privadas para obter abatimentos no Imposto de Renda.

Em três dias de conteúdo no ar, em 30 de junho de 2021, a publicação contabilizava 4,5 mil reações, 427 comentários e 91 mil visualizações.

Esta não é a primeira vez que um conteúdo nas redes tenta fazer parecer que é ilegal o financiamento de arte com dinheiro público apenas pelo fato de que o expectador não gostou ou não se sentiu confortável com o conteúdo exposto. Em janeiro deste ano, o Comprova mostrou que eram falsas as alegações de que a escultura “Diva”, instalada na Usina de Arte, em Pernambuco, tinha sido financiada com dinheiro público do Sebrae. Além disso, a Lei Rouanet, citada aqui, há anos é alvo de conteúdos falsos ou enganosos nas redes sociais, e já foi assunto de verificações feitas pelo Comprova, como a que explicou ser enganoso que a Lei Paulo Gustavo tenta liberar R$ 4,3 bilhões por meio dela.

Enganoso, para o Comprova, é conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

Política

Investigado por: 2021-06-30

Post engana ao afirmar que preço do gás só não caiu significativamente por causa dos governadores

  • Enganoso
Enganoso
De fato, não há registro de aumento ou redução de ICMS sobre o gás de cozinha desde o início deste ano, mas não há garantias de que essa alteração provocasse mudança significativa no preço final ao consumidor, como afirma o post verificado. Na composição do preço, mostrada nesta reportagem, o principal motivo para o aumento no preço do botijão é o valor de venda das refinarias, influenciado diretamente pela cotação do petróleo e do dólar.
  • Conteúdo verificado: Post no Instagram afirmando que o governo Bolsonaro zerou impostos sobre o gás de cozinha, mas que o produto não teve uma “redução significativa” porque os governadores não realizaram nenhuma redução no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

É enganosa uma postagem que sugere que o preço do gás de cozinha não caiu depois que o governo federal zerou impostos, em março deste ano, por culpa dos governadores. Na realidade, o corte promovido pela gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desonerou a cadeia em exatos R$ 2,18, o que representa em torno de 2,6% do preço médio do botijão praticado no Brasil.

Dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) apontam que o desconto acabou absorvido pelos outros fatores que compõem o preço do gás de cozinha, principalmente pelos reajustes do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) nas refinarias da Petrobras. Por sua vez, a companhia estatal segue uma política de preços que acompanha as cotações do barril de petróleo no mercado internacional.

Como essa commodity é negociada em dólares, outro fator de influência é a taxa de câmbio, ou seja, o quanto o real está valendo em relação à moeda americana. Para fins de comparação, o peso da participação da Petrobras é de cerca de 49,5% no valor do botijão. E a segunda maior participação se deve às margens de distribuição e revenda, com 35,8%.

Já a carga tributária dos estados equivale a cerca de 14,2% na média brasileira, mas as alíquotas e os referenciais de cálculo diferem entre os entes federativos. Se todos os estados eliminassem o imposto, o impacto ao consumidor poderia chegar a R$ 12,07, que é a média de pagamento de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o produto no Brasil. O tributo, segundo o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal, não sofreu alterações da alíquota.

Entretanto, especialistas explicam que não existe garantia de que os cortes de impostos resultem em descontos significativos ao consumidor final. Para isso, a cadeia precisa efetivamente repassar esses valores na ponta. Em 2020, no Maranhão, por exemplo, houve redução de 22% da alíquota de ICMS do gás de cozinha, mas o preço médio do botijão custava apenas 2 reais a menos do que o valor médio nacional.

A postagem checada foi compartilhada primeiramente em 21 de junho, pelo site Terra Brasil Notícias, que já foi alvo de outras verificações do Comprova. A página foi procurada, mas não se manifestou até a publicação do texto.

Como verificamos?

O Comprova fez essa verificação a partir de dados oficiais, consulta a especialistas e notícias sobre o tema.

Para checar o peso de cada componente no gás de cozinha, a reportagem acessou uma tabela de evolução dos “Preços de GLP ao consumidor consolidados” e o “Sistema de Levantamento de Preços” por semana da ANP, além de uma página de informações públicas da Petrobras.

Também foram consultadas informações do Confaz, da Receita Federal, da União e do Comsefaz para entender o histórico dos impostos cobrados e a situação atual da arrecadação pelos estados e pelo governo federal em cima do produto.

Para aprofundar o assunto, o Comprova entrou em contato com dois especialistas do mercado de energia: o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Adilson de Oliveira e o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) Pedro Rodrigues.

Por fim, notícias de diferentes veículos de comunicação também foram usadas para entender o contexto da questão, que envolve disputas políticas no Brasil.

Verificação

Composição do preço do gás de cozinha

De acordo com a Petrobras – estatal de economia mista, cujo principal acionista é a União –, existem quatro impostos que incidem diretamente sobre o gás de cozinha no Brasil — termo que é entendido como o botijão de 13 quilos do GLP para uso doméstico, também chamado de P13.

Desses, três são federais: a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), o Programa Integração Social (PIS/Pasep) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Nenhum deles afeta o gás de cozinha atualmente. Também incide o ICMS, recolhido pelos estados, que é o único imposto hoje em vigor.

Entretanto, a elevação do preço do gás neste ano é impactada principalmente pelas altas sucessivas no “Preço de realização do produtor”. Na média do Brasil, uma tabela consolidada da ANP mostra a seguinte composição:

Os dados da agência governamental mostram que, de janeiro a abril deste ano, o preço do gás de cozinha aumentou de R$ 76,86 para R$ 85,01 na média do País, ou seja, R$ 8,15. Considerando a desoneração dos impostos federais, essa alta, na prática, chega a R$ 10,33.

Desse número, R$ 6,58 são referentes aos reajustes no valor do produto vendido pelas refinarias. As margens de revenda foram responsáveis por tornar o produto R$ 2,25 mais caro, e os impostos estaduais, R$ 1,20. O menor impacto ocorreu nas distribuidoras, com R$ 0,31. Essa soma acaba se sobrepondo ao corte de imposto federal a partir de março, o que explica porque não houve barateamento do produto aos consumidores.

A Petrobras mantém uma página de informações públicas sobre a composição de preços do GLP e confirma que a participação do ICMS no valor final ao consumidor é de 14,5%, ou seja, não é a maior fatia. A Petrobras responde por 50,7% do preço do botijão, as margens de distribuição e revenda, por 34,8%. O cálculo foi feito com base em dados coletados entre os dias 30 de maio e 5 de junho.

A tabela da ANP, cuja atualização mais recente é abril de 2021, mostra um cenário parecido. O percentual que cabia à Petrobras era de 49,5% do preço do botijão naquele momento, as margens de distribuição e revenda somavam 36,3%, e o ICMS contribuía com 14,2% no peso do produto.

Os impostos

A Cide foi instituída em 2001, quando previa a cobrança de R$ 136,70 por tonelada de GLP. No ano seguinte, a taxa mudou para R$ 250,00 por tonelada. Em valores não corrigidos pela inflação, o imposto seria de R$ 3,25 para o botijão naquela época. Desde 2004, no entanto, a alíquota é zero para esse e outros combustíveis, como o querosene e o álcool etílico.

Já o PIS/Pasep e o Cofins ainda incidiam sobre o GLP no começo deste ano, mas foram zerados, por meio de decreto, pelo presidente Jair Bolsonaro, em 1º de março de 2021. De acordo com o levantamento de preços da ANP, esses impostos representavam R$ 2,18 para o preço do botijão antes da desoneração do imposto.

Em relação ao ICMS, os estados têm liberdade para estabelecer as suas alíquotas sobre o GLP, inclusive para o produto de uso doméstico. Por isso, de acordo com documento da ANP relativo a abril deste ano, os percentuais de imposto variam entre 12% e 18% entre os entes federativos.

Essa cobrança também segue uma peculiaridade: como o imposto sobre os combustíveis é embutido no preço de venda de refinaria para as distribuidoras, antes de chegar ao consumidor, em um mecanismo conhecido como substituição tributária, é preciso fazer uma espécie de estimativa sobre o preço final de venda.

Essa base de cálculo é chamada de Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF), que também varia entre os estados e pode ser consultado no site do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A atualização é feita a cada 15 dias, seguindo o movimento dos preços praticados na ponta da cadeia e os critérios definidos pelas autoridades de cada estado.

Na prática, em todo o Brasil, o ICMS custou em média R$ 12,07 em abril deste ano, com um preço médio de R$ 85,01 para o gás de cozinha naquele mês, novamente segundo os números consolidados da ANP relativos a abril. Esse valor equivale a 14,2% do gasto médio do consumidor brasileiro com o botijão, como citado anteriormente.

A carga tributária variava de R$ 8,86, no Mato Grosso do Sul, a R$ 17,86, no Acre — lembrando que a cotação do produto também difere entre os estados. A Região Norte, por exemplo, costuma praticar preços acima da média brasileira.

A ANP também informa os preços médios semanais, com base em pesquisas feitas em mais de 3 mil postos pelo país. O Sistema de Levantamento de Preços informa a cotação média de R$ 88,94 na semana de 20 a 26 de junho, com uma amplitude de R$ 58 a R$ 130 em todo o território nacional.

O que dizem os estados

O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) divulgou nota, em março, ressaltando que não houve alteração da alíquota do ICMS sobre combustíveis, nem aumento do tributo cobrado pelos estados. O Comprova também não encontrou registro de cortes nos impostos desde o começo do ano.

Os preços dos combustíveis, diz um trecho da nota da entidade, têm se elevado devido à alteração na política de preços da Petrobras, que passou a se alinhar pela cotação do petróleo no mercado internacional. A política de preços anterior, argumenta o Comsefaz, considerava mais a ponderação dos custos de produção dos combustíveis, resultando em valores de comercialização mais competitivos.

Procurado para se manifestar sobre as alegações desta verificação, o comitê mantém o posicionamento apresentado na nota divulgada em março, sustentando que o preço final ao consumidor, que é base de cálculo do ICMS, não teria relação com a vontade dos estados.

O que dizem especialistas

Adilson de Oliveira, professor da cátedra de Energia do Colégio Brasileiro de Altos Estudos CBAE da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observa que, na composição do custo do preço do gás de cozinha, a tributação estadual tem uma das menores fatias. A maior participação é o percentual que cabe à Petrobras.

A cotação do gás, explica o professor, sofre influência do valor do barril de petróleo no mercado internacional e do dólar, o que foge do controle das autoridades. Além disso, Adilson de Oliveira diz que há uma variação atrelada à distribuição do produto. Nas Regiões Sul e Sudeste, o preço médio é de R$ 85, enquanto no Norte pode chegar a R$ 105.

O professor ressalta, porém, que o governo federal é o único que pode estabelecer medidas de proteção no mercado doméstico para conter os aumentos sucessivos de preço do gás de cozinha, ainda que a eliminação do imposto restante na cadeia dependa dos estados.

“O GLP deveria ter um tratamento diferenciado”, argumenta. “Hoje, o leite, que é um produto essencial, tem isenção de impostos. O GLP, diferente dos demais derivados do petróleo, é também um bem essencial para a vida das famílias e precisa ter uma política um pouco diferente, algum mecanismo de proteção para não deixar o preço tão elevado. Primeiro, a remoção total de impostos, inclusive do ICMS, mas outros mecanismos de proteção que caberiam ao governo federal para que o valor do produto não continue a representar quase 10% do salário mínimo.”

Pedro Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), uma consultoria especializada em inteligência, regulação e assuntos estratégicos para o setor de energia, do Rio de Janeiro, explica que a produção brasileira do gás de cozinha é dominada pela Petrobras, mas ressalta que cerca de 35% do produto hoje é importado pela companhia.

Ele afirma que, durante 13 anos, de 2003 a 2015, o preço do P13 ficou “congelado”. A situação mudou quando a companhia passou a se orientar pelos preços praticados no mercado internacional e repassar esses valores para as distribuidoras e, consequentemente, para o consumidor final.

Rodrigues entende que essa política é acertada, pois a interferência do Estado traz prejuízos para a estatal no longo prazo, que precisa vender o produto que vem do exterior mais barato do que compra, e desmotiva a concorrência no mercado. Com preços em linha com o mercado internacional, existe a possibilidade de uma importadora entrar no mercado sem ter uma concorrente no Brasil, no caso a Petrobras, vendendo mais barato.

“O GLP é uma commodity mundial, como a gasolina, o diesel e o açúcar. O preço dele é dado pelo mercado internacional”, explica Rodrigues. “Toda a vez que há o aumento no preço do petróleo ou o aumento do câmbio, que foi o que aconteceu nos últimos tempos, há necessariamente o aumento no preço do GLP.”

Rodrigues aponta que a alta recente no gás de cozinha está relacionada aos 50% referentes a Petrobras, que reflete o câmbio e o preço do barril de petróleo. Ele lembra que o petróleo ficou mais barato no início da pandemia, por conta de uma guerra comercial entre Arábia Saudita e Rússia. Houve aumento da oferta em um momento em que a demanda estava menor, com a redução de mobilidade das pessoas.

“Neste momento, a produção cortada de alguns países ainda não foi retomada. Só que a demanda por óleo está aumentando, porque as pessoas estão voltando a sair de casa. Quando a oferta continua a mesma e a demanda aumenta, o preço sobe. E a tendência é de aumento desse preço ainda mais, dependendo da vacinação e da retomada econômica do mundo, em paralelo à retomada da produção de petróleo.”

Somado a isso, destaca Rodrigues, existem as questões ambientais, com as empresas reduzindo investimentos e explorando novos ativos, além do câmbio, que depende de fatores externos e internos. “Tivemos nos últimos tempos, em relação ao preço do GLP e de outros derivados, uma tempestade perfeita: preço do petróleo e câmbio altos. Quando uma dessas variáveis começar a ceder um pouco, veremos preços mais baratos.”

Efeitos da desoneração

Com a menor participação na composição do preço do gás de cozinha, o corte de impostos promovido pelo governo federal em março não teve o efeito propagado pelo presidente Jair Bolsonaro e aliados. “O impacto é relativo, porque o piso do Pis/Cofins é baixo em relação aos outros componentes do preço”, aponta Rodrigues.

“Com relação a impostos, o ICMS é mais alto. E, além disso, existe uma rearrumação do próprio mercado. Quando diminui uma variável dessas, não necessariamente 100% é repassado ao consumidor, porque o mercado é uma cadeia, e as várias partes dela podem se apropriar de um pedaço dessa margem”, alerta.

Na visão do consultor, esse modelo de política é ineficiente. “Ao mesmo tempo que as famílias que recebem um salário mínimo e têm dificuldades em comprar um botijão de gás são beneficiadas, o sujeito de alta renda também está sendo. Qual a política correta na minha visão: é o vale-gás. Atende a pessoa de maior vulnerabilidade e dá um incentivo para que tenha um desconto. O subsídio é direcionado para aquela pessoa.”

Bolsonaro, nesta segunda-feira (28), voltou a reclamar do ICMS e do preço do gás de cozinha junto a apoiadores, se eximindo de culpa pelo custo do GLP e atribuindo responsabilidade exclusiva aos estados. De fato, o governo determinou que o imposto federal sobre gás de cozinha fosse zerado no começo de março, mas o repasse do desconto ao consumidor depende de distribuidoras e empresas revendedoras. Elas são livres para repassar ou não o desconto, e na proporção que desejarem.

Em 2020, o governo do Maranhão diminuiu a alíquota do ICMS sobre o gás de cozinha em 22%, passando de 18% para 14%. A redução, na prática, foi de R$2,73 no preço final, considerando o preço de referência do gás de cozinha no estado, que não necessariamente corresponde ao valor cobrado pelas distribuidoras. Ao longo do ano, o menor preço de referência registrado pela ANP foi de R$70,897. Antes da redução do imposto, em dezembro de 2019, o botijão de 13 kg custava R$72,099.

Entre o final de março e o começo de abril, o Procon estadual fez um levantamento de preços no Maranhão, e constatou que o botijão custava, em média, R$71,74, enquanto a média nacional – considerando também os outros estados, onde não houve redução da alíquota do ICMS – era de R$73,35.

Distribuição e revenda

Os revendedores ficam com a segunda maior fatia dessa composição de preços, em torno de 24,8%, enquanto os distribuidores têm uma participação de cerca de 11,5%. Essa parcela é conhecida como “margens de distribuição e revenda”, mas isso não significa que todo esse montante representa lucro para os negócios do segmento.

No caso do gás de cozinha, depois que a distribuidora compra a molécula de GLP da Petrobras, ela envasa em cilindros e faz a entrega do produto aos postos de revenda. O dono da revenda é o responsável por comercializar diretamente com o consumidor, com um caminhão circulando no bairro, por exemplo.

E o mercado de GLP ainda tem uma característica, que é a logística reversa: o botijão que está na casa do consumidor volta para a distribuidora para ser usado novamente. O botijão ainda precisa ser requalificado, para garantir a segurança do consumidor ao manusear aquele produto. O lucro da operação é representado pelo faturamento menos os custos todos envolvidos nesse processo.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova, em sua quarta fase, investiga conteúdos suspeitos sobre pandemia e políticas públicas do governo federal que circulam na internet. A postagem em questão, publicada no Instagram, teve mais de 3,8 mil interações, segundo a plataforma CrowdTangle, e engana quanto aos motivos para o atual custo do gás de cozinha e quanto à política de combustíveis adotada pelo governo Bolsonaro.

Por não explicar corretamente como funciona a precificação do GLP, o post dá a entender, de forma equivocada, que os únicos fatores que contribuem para os preços atuais são os impostos estaduais, enquanto amplia a percepção do benefício provocado pela desoneração adotada pelo governo federal — tudo em meio aos sucessivos aumentos do preço do gás de cozinha no país.

O Comprova já verificou, recentemente, uma postagem que exagerava os efeitos de máquinas doadas por Israel para exaltar o presidente Jair Bolsonaro, bem como um vídeo que atribuía ao atual governo, de forma equivocada, obras feitas por gestões anteriores.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor, bem como aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-06-29

É falso que irmãos Miranda forjaram recibos da compra da Covaxin para prejudicar Bolsonaro

  • Falso
Falso
É falso que o deputado Luis Miranda e seu irmão, o funcionário público Luis Ricardo Miranda, forjaram documento sobre a compra da Covaxin "para propagar fake mews (sic) contra o presidente Bolsonaro".
  • Conteúdo verificado: Post que viralizou no Facebook e no Twitter compara dois documentos da negociação da Covaxin com o governo brasileiro e afirma que o recibo apresentado pelo servidor Luis Ricardo Miranda é falso. A legenda acusa o funcionário e seu irmão, o deputado Luis Miranda, de terem falsificado o papel para prejudicar Jair Bolsonaro.

É falso o post que viralizou em redes como Facebook e Twitter afirmando que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, tenham forjado documento para propagar desinformação contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O post se refere a recibo sobre a compra da vacina indiana Covaxin, negociada com o governo federal pela Precisa Medicamentos. Segundo o servidor, como revelou o jornal Folha de S.Paulo, houve pressão atípica no ministério para que a aquisição fosse efetuada e ele, inclusive, foi com seu irmão levar a suspeita até Bolsonaro.

Após a suspeita e a conversa com o presidente serem reveladas, Onyx Lorenzoni, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, foi escolhido para defender Bolsonaro em pronunciamento e disse que o documento apresentado por Luis Ricardo Miranda fora adulterado – linha que segue o post verificado aqui. Mas, na verdade, como mostrou O Globo, a versão colocada como “falsa” pelo ministro e pelo post verificado aqui é a primeira versão de três que foram apresentadas. O documento está em um sistema do Ministério da Saúde a que os servidores federais têm acesso.

Procurado, o deputado Miranda afirmou que ele e o irmão foram “atacados e acusados de mentir” e que “as pessoas precisam entender a gravidade de uma fake news”. “Cedo ou tarde, a verdade sempre aparece, mas os danos causados nunca serão esquecidos”, disse.

O Comprova também tentou contatar o autor do primeiro post que encontrou no Twitter com o conteúdo falso, mas foi bloqueado pelo usuário.

Como verificamos?

Pesquisamos reportagens sobre o caso envolvendo os irmãos Miranda e a negociação da Covaxin e logo foi possível verificar que o post checado aqui seguia a mesma narrativa do governo federal que, por meio de Lorenzoni, acusou o servidor de ter apresentado um documento falso.

Também tentamos usar as ferramentas Google Lens e Invid Magnifier, de ampliação de imagens online, para ler as informações em cada recibo apresentado nos posts, mas a resolução estava ruim e não foi possível identificar os dados. Para ir adiante, a reportagem usou como base as versões publicadas pelo jornal O Globo na matéria “Documento sobre Covaxin que Palácio do Planalto diz que não existe está em sistema do Ministério da Saúde”, publicada em 24 de junho, e conseguiu verificar que os dados eram os mesmos.

Por meio de recursos como o TweetDeck, chegamos ao que pode ter sido o primeiro tuíte com o conteúdo verificado. Tentamos contatar o autor do perfil (@LinsLeandroBr), que não respondeu e bloqueou a repórter. Já a assessoria de imprensa do deputado Luis Miranda conseguimos contatar por Whatsapp.

Verificação

Versões

O post verificado aqui compara dois documentos com o timbre da empresa de Singapura Madison Biotech, ligada à Bharat Biotech, que produz a vacina na Índia. Um é marcado como “documento apresentado” e, outro, como “documento original”, indicando que o primeiro teria sido falsificado.

Ao ampliar a imagem dos dois recibos exibidos no post usando ferramentas como Google Lens e InVid, não é possível ler todas as informações das imagens, mas, usando como referências as versões do documento publicadas pelo O Globo, dá para identificar que o papel colocado como falso por Lorenzoni e no post tem seis dígitos no campo relativo à quantidade de doses da vacina e, no recibo posto como original, há sete dígitos.

As diferentes versões no post:

A primeira versão, publicada inicialmente pelo Globo e colocada como “documento apresentado” no post:

A terceira versão, publicada inicialmente pelo Globo e colocada como “documento original” no post:

Como mostrado pelo veículo carioca, a primeira versão, recebida pelo Ministério da Saúde em 18 de março, traz um pedido de 300 mil doses (seis dígitos) e a segunda e terceira versões trazem 3 milhões (sete dígitos).

Outra diferença entre os recibos é que a versão apontada como falsa pelo post, traz a informação de que o pagamento seria adiantado, ou seja, antes do recebimento das doses. Já no recibo apontado como “original” está “segundo o contrato”. Mesmas informações que aparecem nos recibos divulgados pelo Globo.

Para o Comprova, o deputado Luis Miranda afirmou: “Quando provamos que o documento estava no sistema do Ministério da Saúde, os acusadores não tiveram a coragem de pedir desculpas e apresentar a verdade”. Disse ainda que espalhar desinformação afeta “a vida de uma pessoa, de uma família”.

Pedido de investigação

Em pronunciamento à imprensa na quarta-feira (23), o ministro Lorenzoni não só negou qualquer irregularidade na compra da vacina como anunciou que a Polícia Federal irá investigar os irmãos Miranda, a pedido de Bolsonaro.

“Luiz Miranda, Deus está vendo. O senhor não vai só se entender com Deus não, vai se entender com a gente também e tem mais: o senhor vai explicar e o senhor vai pagar pela irresponsabilidade, pelo mau-caratismo, pela má-fé”, declarou o ministro. Posteriormente, Bolsonaro afirmou que a diferença nos recibos se deu por um zero a menos, que foi corrigido.

Um dia depois do anúncio do governo, Luis Miranda escreveu em seu perfil no Twitter, dirigindo-se a Bolsonaro: “Por que me atacar com fake news através do @onyxlorenzoni? Só tentei combater uma possível corrupção”.

Precisa

A Precisa Medicamentos, intermediária da compra da Covaxin, é o principal alvo das suspeitas de corrupção apuradas pela CPI da Covid e pelo Ministério Público Federal.

A empresa que intermediou a compra da vacina Covaxin aumentou sua participação em contratos com o governo federal em mais de 6.000% durante a gestão de Bolsonaro. Segundo reportagem do Estadão, a Precisa Medicamentos saiu de acordos de R$ 27,4 milhões em 2018 pela venda de 11,7 milhões de preservativos femininos, para o total de R$ 1,67 bilhão em 2019 e 2020.

Além disso, o Ministério Público Federal move uma ação contra a Global Saúde, empresa ligada à Precisa que firmou um contrato para entregar medicamentos para doenças raras no valor de R$ 19,9 milhões, mas não entregou os produtos. À época, no governo Michel Temer, o ministro da Saúde era Ricardo Barros, deputado federal que hoje é acusado de pressionar o ministério a comprar a Covaxin.

A empresa também é investigada na operação Falso Negativo por superfaturamento de testes de covid vendidos ao governo do Distrito Federal.

CPI da Covid

A existência de denúncias de irregularidades acerca da negociação da Covaxin pelo governo federal foi revelada pela Folha em 18 de junho, quando o jornal publicou uma reportagem sobre o depoimento sigiloso do servidor Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal. A partir daquela reportagem, o caso se tornou prioridade na CPI da Covid, que chamou o funcionário público e o irmão deputado para depor na última sexta-feira (25).

No depoimento, os dois disseram que avisaram Bolsonaro sobre suspeitas de irregularidades relacionadas ao contrato e o deputado afirmou que, na ocasião, o presidente citou o nome de Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, relacionando-o às supostas irregularidades. Barros, porém, negou participação e disse que “a investigação provará isso”.

No dia 27, a Folha publicou entrevista em que Luis Miranda afirma que o esquema de corrupção na pasta da Saúde pode ser “muito maior” do que a negociação da Covaxin e incluir fraude na compra de testes de covid.

Um dia depois, ao comentar as suspeitas ligadas a Covaxin com apoiadores, Bolsonaro comentou que não tem como saber o que ocorre nos ministérios.

Com as reviravoltas, a oposição quer paralisar votações no Congresso e avalia incluir o caso da Covaxin no superpedido de impeachment contra Bolsonaro, que será apresentado na semana que vem.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal.

Quando o conteúdo envolve a compra de uma vacina, a suspeita de um servidor público e um deputado, a checagem é necessária porque informações incorretas podem levar a acusações infundadas (contra os irmãos). O post verificado aqui teve mais de 1,3 mil interações, incluindo cerca de 425 compartilhamentos.

Neste ano, o Comprova publicou diversos conteúdos que, como o verificado aqui, distorcem a realidade em prol da narrativa do presidente, que ignora a gravidade da pandemia, não dando importância à vacina ou às medidas preventivas contra a doença. Alguns exemplos são o que enganava ao afirmar que a Universidade de Oxford encontrou fortes indícios da ivermectina contra a covid e o do deputado Eduardo Bolsonaro desinformando ao postar que os imunizantes não passaram por protocolos de segurança.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-06-25

Universidade de Oxford não encontrou ‘fortes indícios’ da eficácia da ivermectina contra a covid

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a declaração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que "a Oxford encontrou fortes indícios de que ivermectina realmente previne ou, no primeiro momento, é salutar e começaram a estudar com mais profundidade", referindo-se à covid-19. O estudo anunciado pela Universidade de Oxford existe, mas afirma apenas que uma pesquisa randomizada será iniciada com a ivermectina, com base em estudos de laboratório e estudos-piloto. Além disso, o estudo é voltado para pessoas já infectadas, e não para a prevenção da doença.
  • Conteúdo verificado: Vídeo do presidente afirmando que a Universidade de Oxford encontrou fortes indícios de que a ivermectina previne ou é salutar contra a covid e que, por isso, começou a estudá-la com mais profundidade. Após o anúncio sobre a pesquisa, contas de apoiadores do governo em redes sociais fizeram postagens ironizando as informações de que a substância não tem comprovação científica e defendendo que a substância já deveria estar sendo utilizada no combate à doença.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) declarou no dia 23 de junho que a Universidade de Oxford encontrou fortes indícios de que a ivermectina realmente previna ou é benéfica no tratamento da covid-19. A afirmação é enganosa pois o estudo ainda se encontra em estágio inicial, não tendo chegado a conclusões.

Em vídeo gravado durante conversa com apoiadores, ele pergunta: “Vocês viram aí que a Oxford encontrou fortes indícios de que a ivermectina realmente previne ou, no primeiro momento, é salutar e começaram a estudar com mais profundidade a ivermectina?”.

A declaração ocorreu no mesmo dia em que a Oxford comunicou que passaria a investigar a ivermectina como parte de um ensaio randomizado, destacando que o medicamento demonstrou reduzir a replicação do Sars-CoV-2 em estudos de laboratório, ou seja, sem testes em humanos, e que estudos-piloto, em escala reduzida, mostram que a administração precoce pode reduzir a carga viral e a duração dos sintomas em alguns pacientes com casos leves.

O estudo da Oxford, entretanto, está apenas no início e a equipe responsável afirmou ao Comprova que não possui expectativa de prazo para a publicação de resultados. Além disso, em nenhum momento o comunicado fala sobre prevenção da covid e destaca que há poucas evidências de ensaios clínicos randomizados em grande escala para demonstrar que a ivermectina pode acelerar a recuperação da doença ou reduzir a internação hospitalar.

Além da declaração do presidente, diversas contas de apoiadores, algumas com grande alcance, incluindo a do deputado federal Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM), fizeram postagens em redes sociais ironizando as informações de que a substância não tem comprovação científica e defendendo que ela já deveria estar sendo utilizada no combate à doença.

O Comprova procurou a assessoria de comunicação da presidência e do deputado, mas nenhuma retornou. Também entrou em contato com outras três contas de apoiadores que compartilharam o vídeo, mas não houve retorno. Uma quarta não foi procurada porque, em verificação anterior, pediu para não ser mais consultada.

Como verificamos?

A reportagem avaliou a fala do presidente e as demais postagens de contas em redes sociais, comparando-as com o comunicado oficial divulgado pela Universidade de Oxford, localizando as incoerências entre as informações.

Em seguida, encaminhou e-mail para os responsáveis pelo estudo Principle, que irá analisar os efeitos da ivermectina contra a covid, pedindo detalhes sobre o trabalho a ser desenvolvido.

Também pesquisou a diferença entre o ensaio randomizado, aqui proposto, e os estudos de laboratório e piloto nos quais a universidade se baseia para aprofundar o olhar sobre a ivermectina e consultou os atuais entendimentos dos principais órgãos reguladores e fiscalizadores de medicamentos acerca da droga.

Por fim, o Comprova procurou a assessoria de comunicação da presidência e do deputado federal, além das demais contas, via mensagem direta ou resposta à publicação em questão no Twitter.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 25 de junho de 2021.

Verificação

O que a Oxford anunciou?

Em comunicado divulgado no dia 23 de junho, a Universidade de Oxford, na Inglaterra, informou que passaria a investigar a ivermectina como parte do ensaio randomizado, onde os integrantes serão escolhidos de forma aleatória.

A análise se dará no contexto do estudo Principle (sigla em inglês para Plataforma de Ensaio Randomizado de Tratamentos na Comunidade para Epidemias e Doenças Pandêmicas), conduzido nacionalmente com intuito de encontrar tratamentos para a recuperação rápida de infectados pelo coronavírus e que evitem internação hospitalar.

A publicação destaca que a ivermectina é um medicamento antiparasitário seguro e de amplo espectro, com propriedades antivirais conhecidas. Os responsáveis pelo estudo afirmam que o remédio demonstrou reduzir a replicação do Sars-CoV-2 em estudos de laboratório (pré-clínicos e sem testes em humanos) e que pequenos estudos-piloto (em pequena escala) mostram que a administração precoce pode reduzir a carga viral e a duração dos sintomas em alguns pacientes com casos leves. Não é citado nenhum estudo relacionado ao uso da ivermectina como remédio preventivo.

A divulgação não esclarece quais estudos são esses. O Comprova questionou a equipe responsável sobre isso, mas ela respondeu sem citar os estudos que neste momento não estão sendo concedidas entrevistas à mídia internacional a respeito da pesquisa com a ivermectina, que apenas começou.

O anúncio divulgado pela Oxford observa, entretanto, que embora a ivermectina seja usada rotineiramente em alguns países para o tratamento da doença, há poucas evidências de ensaios clínicos randomizados em grande escala para demonstrar que ela pode acelerar a recuperação ou reduzir a internação hospitalar.

No texto, o professor Chris Butler, do Departamento de Ciências da Saúde de Atenção Primária de Nuffield da Universidade de Oxford, investigador-chefe adjunto do estudo, afirma que o medicamento tem bom perfil de segurança e que será estudado devido aos primeiros resultados promissores em alguns estudos. “Ao incluir a ivermectina em um ensaio de grande escala como Principle esperamos gerar evidências robustas para determinar a eficácia do tratamento contra a covid-19 e se há benefícios ou danos associados ao seu uso”, disse. Em nenhum momento são citados “fortes indícios” dessa eficácia.

Como será o estudo com a ivermectina

Os responsáveis pelo Principle explicam que os voluntários passarão por triagem por meio de questionário e, em seguida, serão aleatoriamente designados para receber um curso de três dias relacionado ao tratamento com ivermectina via oral. A partir disso, serão acompanhados por 28 dias e comparados com participantes que foram designados a receber o tratamento padrão do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido.

Entre as pessoas elegíveis para o estudo estão aquelas com idades entre 18 e 64 anos com certas condições de saúde subjacentes/falta de ar devido à doença ou com idade acima de 65 anos, estando nos primeiros 14 dias após apresentarem sintomas ou tendo recebido um teste positivo.

A ivermectina é o sétimo tratamento a ser investigado pelo Principle, que também avalia atualmente o antiviral favipiravir, utilizado no tratamento da influenza.

Em abril deste ano, a universidade relatou evidências provisórias do primeiro medicamento eficaz do Reino Unido para tratar a covid em pacientes em casa, a budesonida inalada, mostrando que o tratamento pode reduzir o tempo de recuperação em uma média de três dias. Desde então, o medicamento foi incluído nas diretrizes clínicas para o tratamento em estágio inicial no Reino Unido, Canadá e Índia.

O estudo também já concluiu que as substâncias azitromicina e doxiciclina não são um tratamento eficaz para reduzir o tempo de recuperação ou o risco de internação hospitalar para pessoas com suspeita de covid.

Ao Comprova, por e-mail, os responsáveis pelo Principle informaram não haver, ainda, número definido de participantes a serem recrutados para a análise da ivermectina ou um tempo definido para quando os resultados estarão disponíveis.

Eficácia do antiparasitário não foi comprovada

O anunciado pela Universidade de Oxford afirma apenas que uma pesquisa randomizada será iniciada com a ivermectina, com base em estudos de laboratório e estudos-piloto. Até o momento não há, contudo, estudo concluído que comprove a eficácia do antiparasitário para tratamento ou prevenção da covid.

A OMS, por exemplo, recomenda o uso da substância apenas em ensaios clínicos, como é o caso aqui verificado, tendo em vista que a evidência atual sobre o uso desse medicamento para tratar pacientes com a doença é inconclusiva.

Já a Food and Drug Administration (FDA), agência de regulação dos Estados Unidos, também desaprova o uso da substância para tratar ou prevenir a covid-19 e alerta que doses excessivas do medicamento podem causar danos. A European Medicines Agency (EMA) desaconselha o uso fora de ensaios clínicos.

No Brasil, a Anvisa já esclareceu que não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento, mas destacou que não existem estudos que refutem o uso: “Nesse sentido, as indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento”, diz. Apesar deste posicionamento, acrescenta que “o uso do medicamento para indicações não previstas na bula é de escolha e responsabilidade do médico prescritor”.

O laboratório Merck, fabricante da ivermectina nos Estados Unidos, afirmou em fevereiro de 2021 que os cientistas da empresa examinam cuidadosamente todos os estudos disponíveis e emergentes de ivermectina para o tratamento da doença para evidências de eficácia e segurança, mas ainda não foi identificada base científica para um efeito terapêutico potencial contra a covid de estudos pré-clínicos.

Como reiterado frequentemente pelo Comprova, não há, até o momento, estudos que comprovem a eficácia ou segurança do uso de medicamentos associados ao “tratamento precoce” para o combate à covid. Os órgãos se baseiam em estudos grandes, bem desenhados e publicados em revistas científicas respeitadas.

Anúncio não incentiva uso de ivermectina contra a covid

Em nenhum trecho do anúncio feito pela Universidade de Oxford é recomendado o uso da ivermectina para tratamento da covid antes de haver resultados que comprovem a eficácia da droga neste sentido.

Além da declaração do presidente Bolsonaro aos apoiadores, o Comprova identificou postagens no Twitter e no Facebook sobre um suposto sucesso que uma pesquisa realizada na universidade estaria obtendo para confirmar a eficácia da ivermectina. Porém, o Principle, como já dito aqui, sequer admitiu em resposta ao Comprova que os estudos sejam da própria universidade ou em quais estaria se baseando.

Tuítes nos perfis @PolitzOficial, @spinellirio, @paulofilippus e @BrazilFight enfatizam quanto o presidente apostou no medicamento para o “tratamento precoce” da doença e que, agora, a pesquisa conduzida pela instituição inglesa teria fortes indícios da eficácia da ivermectina, além de questionar se a CPI da Pandemia, no Senado, e o Jornal Nacional vão divulgar o fato.

No Facebook, a postagem na página do deputado federal Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM) apresenta com ironia a notícia da análise anunciada pela universidade com a seguinte frase: Será que vão contestar com tanta ênfase os estudos da Oxford agora? Em seguida, reproduz trecho da notícia veiculada no Portal Terra sobre os resultados da droga em testes laboratoriais e estudos-piloto.

As assessorias de comunicação do presidente e do deputado foram procuradas e não retornaram. Os demais, à exceção do @Politz, foram contatados pelo Twitter, mas também não responderam. O Politz não foi procurado porque em verificação anterior afirmou não ter interesse em ser consultado em novas checagens.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal.

Quando o conteúdo envolve medicamentos ou tratamentos contra o novo coronavírus, a checagem é necessária porque informações incorretas podem levar as pessoas a colocarem a saúde em risco. Aqui o caso é ainda mais grave, pois a desinformação foi propagada pelo presidente, a maior autoridade do país, o que pode impactar fortemente na forma como as pessoas lidam com a doença.

Até o momento, as medidas eficazes contra o novo coronavírus incluem a vacinação, a higienização das mãos, o uso de máscaras e o distanciamento social.

Em dois dias o vídeo com a fala de Bolsonaro publicado no Youtube somou 181 mil visualizações e 2,3 mil comentários. Também no dia 25 de junho a postagem do deputado federal no Facebook já alcançava 16 mil reações, 9,4 mil comentários e 7,7 mil compartilhamentos. No Twitter, as demais postagens somaram 9,4 mil interações.

O vídeo do presidente e conteúdos semelhantes nas redes sociais também foram verificados pela AFP Checamos e pelo Estadão Verifica. Neste ano, o Comprova já publicou outras verificações relacionadas à ivermectina, como os malefícios de altas doses da droga e que a OMS não indica o uso da ivermectina no combate à covid.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

 

Saúde

Investigado por: 2021-06-25

É enganoso que e-mail de Anthony Fauci mostrado no Fantástico prove origem do coronavírus em laboratório

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte engana ao afirmar que Fantástico mostrou que, segundo e-mails de Anthony Fauci, principal autoridade de saúde dos Estados Unidos, o coronavírus foi criado em laboratório. A reportagem é bem clara ao afirmar que está apresentando hipóteses sobre a origem.
  • Conteúdo verificado: Tuíte segundo o qual reportagem do Fantástico teria mostrado que e-mails de Anthony Fauci revelaram que o coronavírus foi criado em laboratório, chamando a pandemia de “fraudemia”.

É enganoso o tuíte segundo o qual o Fantástico teria mostrado que e-mails do virologista Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) dos Estados Unidos e principal autoridade de saúde no país, revelem que o novo coronavírus foi criado em laboratório.

“Um amigo que me criticou o ano de 2020 inteiro, me acusando de teórico da conspiração, acaba de me ligar para pedir desculpas, pois, segundo ele, o Fantástico acaba de revelar os e-mails do Dr. Fauci, revelando a criação do vírus em laboratório. Fraudemia revelada! Grande dia!!!”, escreve o autor do post um dia após a exibição do programa da Globo.

Porém, a reportagem não fez tal afirmação. De acordo com o programa dominical, o que se descobriu nas mensagens foi que, “já em fevereiro de 2020, em segredo, alguns dos principais virologistas do mundo mostravam desconfiança sobre as origens do vírus”. Ou seja, o Fantástico não afirmou que os e-mails revelavam que o vírus fora criado em laboratório. Inclusive, a menção a Fauci é bem rápida.

Em outro momento da matéria, sem relação com os e-mails, o jornalista reforça que está falando em hipóteses. Após mostrar um vídeo que retrata morcegos supostamente em cativeiro no Instituto de Virologia de Wuhan, na China, e, depois, explicar que, diferentemente do que se dizia no Ocidente, pode haver, sim, esses animais no complexo, ele diz: “Isso pode reforçar a possibilidade, vou repetir, a possibilidade, de que o vírus da covid-19 não tenha vindo de um animal na natureza, mas, sim que ele tenha escapado de um laboratório chinês”.

Além disso, como recentemente mostrou o Comprova, os e-mails de Fauci não comprovam nada sobre a origem do vírus. O cientista com quem ele trocou mensagens havia escrito que, baseado em análises preliminares, o Sars-CoV-2 parecia “(potencialmente) manipulado”. Mais tarde, o pesquisador concluiu em artigo publicado na Nature Medicine em março de 2020 que o patógeno “não é um produto de laboratório ou um vírus manipulado propositalmente”.

O Comprova tentou contatar o autor do tuíte, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

No site do Fantástico, encontramos as reportagens que haviam sido exibidas em 20 de junho, um dia antes do tuíte verificado aqui e, entre elas, a que abordava uma “polêmica sobre origem da covid”.

Também pesquisamos verificações anteriores do Comprova sobre os e-mails de Anthony Fauci e as mais recentes reportagens sobre este assunto e sobre a origem do coronavírus.

Por último, deixamos um comentário no tuíte de @AlanLopesRio pedindo para conversar com o autor do post – sem resposta.

O Comprova não fez verificação da reportagem do Fantástico, somente da declaração do tuíte sobre o teor da reportagem.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de junho de 2021.

Verificação

A reportagem

O tuíte verificado aqui cita uma matéria que o Fantástico, da Globo, levou ao ar em 20 de junho, intitulada “Polêmica sobre origem da covid esquenta após imagens de morcegos em laboratórios”.

O repórter Álvaro Pereira Junior inicia a reportagem citando “um evento grandioso”, “a inauguração, em dezembro de 2017, de um laboratório de segurança biológica máxima em Wuhan”. Ele se refere ao Instituto de Virologia de Wuhan, na cidade chinesa que registrou os primeiros casos de covid-19 no mundo.

Em uma reportagem de pouco mais de 10 minutos, Pereira Júnior conta que um grupo virtual de detetives amadores chamado Drastic encontrou um vídeo da inauguração do laboratório de Wuhan em que aparecem imagens de morcegos vivos no que seriam as instalações internas do local, algo que “os chineses e seus parceiros científicos aqui do Ocidente sempre negaram”, como diz o repórter. As imagens contrariam a posição do laboratório, que, ainda segundo Pereira Júnior, afirmou não manter estudos internos com o animal.

Nesse momento, o jornalista afirma: “Então, se os morcegos estão mesmo lá e, ainda por cima, estão na área de segurança máxima, isso pode reforçar a possibilidade, vou repetir, a possibilidade, de que o vírus da covid-19 não tenha vindo de um animal na natureza, mas, sim, que ele tenha escapado de um laboratório chinês”.

A construção da matéria é baseada em entrevistas com pessoas a favor e contra a suposição de que o vírus teria surgido naquele laboratório.

Os e-mails

Já na parte final da reportagem, é citado um dos e-mails trocados por Anthony Fauci e o pesquisador Kristian Andersen, professor do Departamento de Imunologia e Microbiologia da Scripps Research – os e-mails de Fauci foram obtidos por jornalistas e publicados nos veículos Washington Post, Buzzfeed e CNN no início de junho. A troca de mensagem referida no Fantástico ocorreu em 1º de fevereiro de 2020, e mostra uma resposta de Andersen a Fauci.

O repórter dá ênfase a dois pontos da mensagem. Primeiramente, ao título, que faz referência a um artigo compartilhado no e-mail anterior, não divulgado na matéria, “Explorando genomas de coronavírus em busca de pistas das origens do surto”. O Fantástico mostra a expressão “origens do surto” em evidência, assim como a palavra “inconsistente” que aparece na frase “Devo mencionar que, após as discussões de hoje, Eddie, Bob, Mike e eu descobrimos que o genoma é inconsistente com as expectativas da teoria da evolução”. Ao mostrar as imagens, o repórter narra: “Em fevereiro de 2020, em segredo, alguns dos principais virologistas do mundo mostravam desconfiança sobre a origem do vírus. Mas nunca disseram isso em público”.

Como já mostrado pelo Comprova, os e-mails trocados entre Fauci e Andersen não provam que o vírus tenha sido manipulado em laboratório, como infere o autor do tuíte. Apenas reflete as considerações iniciais do cientista sobre o assunto. Em 17 de março de 2020, mais de um mês depois da troca de mensagens, Andersen e outros pesquisadores publicaram um artigo científico na revista Nature Medicine. Nele, dizem que “nossa análise claramente mostra que o Sars-CoV-2 não é um produto de laboratório ou um vírus manipulado propositalmente”.

Investigação

Um relatório publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em fevereiro de 2021, após expedição à China, não chegou a considerar a hipótese de criação artificial e indicou que a possibilidade de o vírus ter escapado de um laboratório era “extremamente improvável”.

Alguns cientistas, incluindo o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, defendem que a teoria de escape de laboratório deve ser melhor investigada. Em maio, 18 pesquisadores assinaram uma carta na Nature em que dizem que o vazamento acidental “permanece viável”. Depois que esta possibilidade passou a ser mais debatida, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu que agências de inteligência americanas investigassem as origens da pandemia.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Até 20 de junho, o tuíte verificado aqui foi compartilhado mais de 2,1 mil vezes e teve cerca de 7,5 mil curtidas.

Ao usar uma reportagem do Fantástico para concluir algo que não foi informado, o autor do tuíte segue a linha do ex-presidente Donald Trump e de Jair Bolsonaro (sem partido) e culpa a China pela pandemia. Além disso, ao se referir à pandemia como “fraudemia”, o autor menospreza a realidade do coronavírus, que já matou mais de 3,8 milhões de pessoas ao redor do mundo, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

O Comprova já fez outras verificações sobre a suposta criação do coronavírus em laboratório, como a já citada que descontextualizava os e-mails de Fauci e a que enganava ao dizer que a China havia testado o Sars-CoV-2 como arma biológica.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2021-06-24

Obras no São Francisco em Cabrobó foram entregues por Dilma e Temer

  • Falso
Falso
São falsas as afirmações feitas em vídeo sobre o governo Bolsonaro ter concluído obras de um trecho da transposição do Rio São Francisco no município de Cabrobó, em Pernambuco. As inaugurações foram realizadas pelos governos Dilma e Temer, em 2015 e 2018.
  • Conteúdo verificado: Vídeo de apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) gravado em frente a um trecho da transposição do São Francisco em Cabrobó, em Pernambuco. Sem citar nome, ele dá a entender que a obra foi finalizada pelo atual presidente, a quem agradece. Na legenda, entretanto, escreve o agradecimento a Bolsonaro. O vídeo foi compartilhado pelas contas do presidente no Instagram e Facebook e pelas contas no Instagram do filho e senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).

É falso o conteúdo de um vídeo gravado por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em frente a um dos trechos da transposição do Rio São Francisco, em Cabrobó, em Pernambuco, afirmando que a obra foi entregue pelo atual governo.

O vídeo foi filmado sobre uma ponte na rodovia BR-248, no dia 17 de junho, mas a última etapa da obra naquela região foi entregue em 5 de abril de 2018, ainda no governo de Michel Temer (MDB), quando houve a abertura de um novo reservatório que fez as águas do São Francisco avançarem em direção ao Ceará.

Além disso, o Comprova encontrou imagens no Google Street View do mesmo local feitas em 2017. Nelas, já era possível ver água no trecho, o que contradiz a fala do autor do vídeo.

O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) foi questionado pelo Comprova desde a última terça-feira (22) sobre que investimentos foram feitos pelo atual governo e se alguma obra foi entregue ou está para ser entregue em Cabrobó, mas não respondeu até a conclusão deste texto.

O responsável pelo vídeo foi procurado através de sua conta no Facebook, mas também não respondeu. O vídeo foi compartilhado por Bolsonaro, pelo senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). A Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) foi questionada sobre o compartilhamento pelo presidente, mas não retornou o e-mail.

Como verificamos?

No vídeo que viralizou, o autor diz que está gravando em Cabrobó. Primeiramente, foram feitas buscas na internet para entender quando foram inauguradas as obras da transposição na cidade pernambucana. Buscamos ainda informações sobre inaugurações feitas por Bolsonaro.

Depois, para confirmar se o vídeo foi realmente filmado em Cabrobó, usamos o Google Maps para encontrar trechos em que uma rodovia cruza os canais da transposição no município. Encontramos o quilômetro 29 da BR-428 e usamos o Google Street View para comparar a visão que se tem da ponte com frames do vídeo.

Como o autor da gravação diz seu nome e apelido, fizemos buscas sobre essas informações e descobrimos que ele é suplente de vereador na pernambucana Petrolina, bem como encontramos seu canal no YouTube onde o vídeo foi originalmente publicado.

Procuramos a assessoria de imprensa do MDR e a Secom em busca de informações sobre obras que possam ter sido feitas no local após a posse de Bolsonaro. Como nenhum deles respondeu, recorremos a informações enviadas anteriormente pelo ministério ao Comprova, em uma verificação publicada no dia 1º de junho de 2021.

O autor do vídeo também foi procurado, mas não retornou até esta publicação.

Verificação

Obras no trecho foram inauguradas por Dilma e Temer

Apesar do vídeo em agradecimento ao atual presidente, o trecho da transposição onde o usuário do YouTube fez a gravação foi inaugurado em agosto de 2015 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando foram entregues 45,9 quilômetros de canal e uma das duas estações (EBI-1) de bombeamento para retirar água do Velho Chico.

A segunda estação (EBI-2), que também fica em Cabrobó, foi inaugurada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), em fevereiro de 2018. As duas inaugurações foram divulgadas pela imprensa e pela Agência Brasil. Além disso, os discursos de Dilma e de Temer por ocasião das inaugurações estão salvos na Biblioteca da Presidência.

Em abril de 2018, ainda na gestão Temer, o então ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, abriu as comportas do reservatório Serra do Livramento, em Cabrobó, onde as águas do São Francisco são captadas para alimentar o eixo norte. Na época, as águas passaram a alimentar a EBI-1 e a EBI-2, seguindo até Salgueiro, onde está localizada a EBI-3.

O projeto de integração do Rio São Francisco tem dois eixos. O eixo norte tem início em Cabrobó (PE) e passa por Salgueiro (PE), Terranova, Verdejante (PE), Penaforte (CE), Jati (CE), Brejo Santo (CE), Mauriti (CE), Barro (CE), em São José de Piranhas (PB), Monte Horebe (PB) e Cajazeiras (PB).

Já o eixo leste corta os municípios de Floresta (PE), Custódia (PE), Betânia (PE), Sertânia (PE) e Monteiro (PB). O objetivo da transposição, porém, não é atender só as pessoas dessa cidade, mas levar água para 12 milhões de nordestinos, atingindo 390 municípios através de uma série de obras complementares, como a Adutora do Agreste e o Ramal do Agreste.

Governo Bolsonaro

Não há registros de que o governo Bolsonaro tenha realizado obras no trecho que aparece no vídeo compartilhado nas redes sociais do presidente. Uma reportagem da TV Brasil, publicada no canal oficial no YouTube em setembro de 2019, informa que uma equipe do governo federal percorreu quase 100 km entre Cabrobó e Salgueiro para fiscalizar estruturas e acompanhar testes de bombeamento em uma das estações do trecho.

Na ocasião, o então ministro de Desenvolvimento Regional Gustavo Canuto afirmou que “recursos não deixaram de ser aplicados para que a água seguisse seu curso e finalmente chegasse onde precisa”, mas não cita obras da atual gestão. Acrescenta que, naquele ano, mais de R$ 250 milhões foram aplicados no eixo norte, sem definir para qual finalidade.

O Comprova enviou e-mail para a assessoria do MDR questionando se o governo Bolsonaro inaugurou ou está para inaugurar obras no ponto, mas não recebeu retorno mesmo após o assessor afirmar que aguardava respostas e que as enviaria até a manhã do dia 24 de junho.

No início do mês, em outra verificação sobre a transposição, o Comprova informou que, em 2020, Bolsonaro inaugurou um dos trechos finais do eixo norte, em Penaforte, no Ceará, e que um relatório da Controladoria Geral da União (CGU), de 2017, indica que naquele ano segmentos do eixo norte já tinham ao menos 92,5% de execução física concluída. Penaforte fica a quase 100 quilômetros de distância de Cabrobó, onde o vídeo foi filmado.

Segundo o site do Ministério do Desenvolvimento Regional, em todo o eixo norte restam serviços de recuperação da tubulação e outros serviços complementares que não comprometem a pré-operação.

Na época, um pedido de posicionamento foi respondido ao Comprova. A pasta afirmou que no eixo norte o caminho das águas até o reservatório de Caiçara, na Paraíba, totalizando 260 km, está concluído e, após esse ponto, encontra-se em execução trecho de 8 km até o reservatório Engenheiro Ávidos. “O Eixo Norte se encontra em testes e comissionamento, fase em que pode ser identificada a necessidade da realização de serviços de manutenção e reparos nos canais e estruturas”. A previsão de conclusão do projeto, segundo o órgão, é entre o fim deste ano e início de 2022.

Recursos aplicados na obra

Conforme mostrou verificação recente do Comprova, Bolsonaro assumiu o mandato com mais de 90% das obras do projeto concluídas por administrações que o precederam. Faltam conclusões de obras hídricas complementares, que devem viabilizar a integração das águas do Velho Chico com rios e barragens receptoras.

Na mesma reportagem, foram apresentadas cifras que envolvem a transposição, acessadas via pedido pela Lei de Acesso à Informação, respondido em 2020. O relatório aponta que, do início da obra até junho de 2020, o investimento somente na execução dos eixos estruturantes somava, aproximadamente, R$ 10,88 bilhões. As cifras batem com os valores detalhados no portal Siga Brasil, do Senado Federal.

Além das despesas com os eixos estruturantes da obra, o documento ainda cita uma série de ações associadas ao projeto de Integração do Rio São Francisco, algumas delas complementares, como a manutenção da integração com as bacias do Nordeste Setentrional; recuperação de reservatórios estratégicos; e a construção dos sistemas adutores dos ramais do Agreste Pernambucano, de Entremontes e do Piancó.

O levantamento do Comprova com dados do Siga Brasil mostrou que os maiores investimentos em recuperação de reservatórios estratégicos aconteceram em 2018 e 2019.

 

Assim como a ação “manutenção da integração com as bacias do Nordeste Setentrional recuperação de reservatórios estratégicos”, que foi iniciada em 2015.

 

O orçamento inicial da obra foi estimado em R$ 4,2 bilhões e, além de já ter superado R$ 10 bilhões, a transposição está marcada por atrasos, tendo sido prometida a conclusão para 2012.

Vídeo

O autor do vídeo é Leonardo Vinicius Ferreira Andrade, que se identifica como Leo Vinicius, o Leão, e é suplente de vereador na cidade de Petrolina pelo PSD. Possui um canal no YouTube com 84 inscritos. Apesar de não se referir nominalmente ao presidente no vídeo, postado em 17 de junho deste ano, ele agradece a Bolsonaro na legenda.

As imagens foram gravadas na Rodovia BR-428, em Cabrobó (PE), conforme verificou o Comprova ao comparar um grupo de montanhas que aparece ao fundo do vídeo, além de uma linha de transmissão, com imagens fornecidas pela ferramenta Google Street View, no ano de 2017. Percebe-se, inclusive, que na data já havia água passando pelo canal.

Imagem aproximada do vídeo original:

Print do Google Street View

Imagem aproximada da outra margem da estrada no vídeo original:

Print do Google Street View:

 

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre as políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia de covid-19 que tenham viralizado nas redes sociais. Como uma obra que se arrastou por vários governos, a paternidade sobre a transposição tem sido disputada pelo menos desde 2017, quando o então presidente Michel Temer inaugurou oficialmente o eixo leste e este foi, horas depois, visitado pelos ex-presidentes Lula (PT) e Dilma Rousseff, que fizeram uma “inauguração simbólica” no local.

Com a posse de Bolsonaro, seus apoiadores também passaram a reivindicar a participação dele no projeto, principalmente após ele acionar a comporta que levou as águas para o Ceará, na cidade de Penaforte, em junho de 2020. Desde então, várias informações incorretas têm circulado sobre o papel do atual governo na obra. O tema voltou a ganhar força depois que Bolsonaro inaugurou em maio um trecho do Canal do Sertão, obra complementar da Transposição em Alagoas.

O vídeo verificado teve 1,6 milhão de visualizações apenas no Instagram. A maior parte delas (1,4 milhão) veio da conta oficial de Jair Bolsonaro. No Facebook, o conteúdo também compartilhado pelo presidente teve 301 mil curtidas, 17 mil comentários e 109 mil compartilhamentos.

O Comprova já mostrou que postagens inflavam a responsabilidade da atual gestão no andamento das obras; que o Exército não refez todo o trecho da Transposição inaugurado por Temer e Lula; que a família do ex-ministro Ciro Gomes não atrasou o projeto por ser dona de empresas de carros-pipa; que não havia provas de que o rompimento ocorrido na barragem inaugurada por Bolsonaro fosse fruto de sabotagem; e que posts faziam comparações enganosas sobre o projeto para exaltar Bolsonaro.

Em 2020, o Aos Fatos checou publicações enganosas sobre o mesmo trecho. Na ocasião, postagens veiculavam fotos de uma estrutura da transposição concluída em 2015 como se fosse obra do governo Bolsonaro. Entretanto, as imagens da primeira estação de bombeamento de água do eixo norte, em Cabrobó (PE), foram inauguradas pela então presidente Dilma Rousseff (PT).

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-06-22

Estudos fraudados não deslegitimam artigos que comprovam ineficácia da cloroquina contra a covid-19

  • Enganoso
Enganoso
Médico norte-americano apresenta evidências enganosas ao sugerir conspiração da ciência contra cloroquina. Texto publicado em um site brasileiro, no qual o médico defende uso de coquetel de medicamentos contra a covid-19, engana ao não explicar que tratamento não tem eficácia comprovada.
  • Conteúdo verificado: Site publica texto com afirmações de cardiologista dos Estados Unidos ao Senado. Ele cita dois estudos sobre hidroxicloroquina que foram  fraudados e diz, a partir disso, que a droga funciona contra a covid-19 se combinada com outras – declaração sem embasamento científico, já que não há medicamentos com eficácia comprovada contra a doença até o momento.

O texto “‘Covid-19: estudos do tratamento precoce foram fraudados na medicina acadêmica’, diz Dr. Peter McCullough”, publicado pelo site Terça Livre, traz informações verdadeiras sobre as declarações do médico, mas engana ao não esclarecer que o “tratamento precoce” não tem eficácia comprovada contra o coronavírus.

O texto se refere às afirmações de McCullough durante uma audiência no Senado americano sobre “Tratamento ambulatorial precoce: uma parte essencial de uma solução para a covid-19”, em 19 de novembro de 2020. Ele esteve lá como testemunha, chamado pelo senador Ron Johnson, republicano que, como o ex-presidente Donald Trump, defende a hidroxicloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada contra o Sars-CoV-2.

McCullough é um conhecido defensor do chamado “tratamento precoce” nos Estados Unidos e, como destaca o Terça Livre, afirmou ao Senado que “o tratamento com hidroxicloroquina para a covid-19 foi ignorado, banido e até mesmo fraudado na medicina acadêmica”. Na audiência, ele citou dois estudos que refutavam os benefícios da hidroxicloroquina no combate ao coronavírus e que tiveram de ser retratados.

O Terça Livre confunde ao não informar que os estudos retirados do ar não invalidam outros vários artigos que comprovam a ineficácia dessas drogas na pandemia e que nenhum medicamento citado pelo médico é eficaz no combate ao coronavírus, não sendo, portanto, recomendados por autoridades sanitárias como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) e a FDA (agência regulatória de medicamentos, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.

Procurado, o site não respondeu ao pedido de entrevista até a publicação deste texto.

Como verificamos?

O Comprova acessou o vídeo transmitido ao vivo pela conta do programa News Hour, da PBS, no Youtube, no dia 19 de novembro de 2020.

Em seguida, buscou a página da Comissão de Segurança Interna e Assuntos Governamentais do Senado Americano, onde localizou a audiência sobre “tratamento ambulatorial precoce: uma parte essencial de uma solução para covid-19”. O vídeo também está arquivado no site, além do testemunho do médico, transcrito na íntegra.

A reportagem também buscou a biografia do médico e consultou as entrevistas à Gazeta do Povo e à jornalista Laura Ingraham, da Fox News, nas quais defende que a  hidroxicloroquina, em combinação com outros medicamentos, é segura, eficaz e reduz a hospitalização e a morte.

Pesquisou quem é Ron Johnson, senador republicano que comandou a audiência da qual McCullough participou, e buscou informações sobre os estudos mencionados pelo médico, cujas fraudes foram repercutidas pela imprensa.

Foram consultadas as informações mais atualizadas em relação ao chamado “tratamento precoce” e que comprovam a ineficácia de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina contra a covid. Por fim, a equipe entrou em contato com os responsáveis pelo Terça Livre, mas não obteve resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 21 de junho de 2021.

Verificação

Os estudos

Os estudos mencionados por Peter McCullough tiveram, de fato, falhas apontadas. Um é o artigo “Cardiovascular Disease, Drug Therapy, and Mortality in Covid-19”, que continua disponível na plataforma do New England Journal of Medicine, mas com aviso de remoção. Outro, dos mesmos autores, foi publicado pelo Lancet e é alvo frequente de publicações que tiram as informações de contexto, como observou o Estadão Verifica em janeiro de 2021.

Os rumores no meio médico e estatístico sobre eles começaram após a divulgação na Lancet, em 22 de maio de 2020. O artigo defendia que o uso de medicamentos contra a malária, como a cloroquina e a hidroxicloroquina, no tratamento da covid-19 não se mostraram benéficos e aumentaram o risco de morte por problemas cardiovasculares.

Os pesquisadores informavam terem usado dados de 96 mil pacientes em 671 hospitais do mundo fornecidos pela Surgisphere Corporation, fundada pelo cirurgião vascular Sapan Desai, coautor do artigo.

Entretanto, causou estranheza que uma empresa pequena tivesse dados anônimos de tantos pacientes e dos mais variados hospitais. Os demais coautores, Mandeep Mehra, do Hospital Brigham de Mulheres de Boston, Frank Ruschitzka, do Hospital Universitário de Zurique, e Amit Patel, do departamento de bioengenharia da Universidade de Utah, pediram os dados brutos para assegurar tanto a veracidade da origem quanto a comprovação dos resultados, o que foi negado por Desai.

Como os dados originais de onde foram extraídas as análises não estavam disponíveis e sem um comitê de ética que comprovasse a legalidade do processo, cerca de 120 especialistas da área médica e estatística assinaram uma carta à Lancet apontando as irregularidades no estudo e exigindo a revisão. A revista inglesa retratou-se e retirou do ar o artigo em 5 de junho de 2020.

No dia da retratação, o The New England Journal of Medicine também publicou uma nota para retirar outro artigo assinado por Desai e que analisava se a terapia medicamentosa usada para tratar doenças cardiovasculares era eficaz no combate à covid-19. Os dados utilizados eram os mesmos do artigo da Lancet.

“Tratamento precoce”

Como reiterado frequentemente pelo Comprova, não há, até o momento, estudos que comprovem a eficácia ou segurança do uso de medicamentos associados ao “tratamento precoce” para o combate à covid. No caso da cloroquina e da hidroxicloroquina, a ineficácia nestes casos inclusive já está comprovada.

A OMS contraindica “fortemente” a adoção das duas drogas, posicionamento também adotado pela FDA, autoridade sanitária dos Estados Unidos, e pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Os órgãos se baseiam em outros estudos grandes, bem desenhados e publicados em revistas científicas respeitadas.

O médico

Peter McCullough é um especialista em doenças cardiovasculares ligado ao Baylor University Medical Center em Dallas, no Texas.

Ele defende a proposta de reunir diversas pesquisas já publicadas sobre “tratamento precoce” para formar uma espécie de guia orientativo para médicos. Afirma ser necessário usar um coquetel de medicamentos nesse tratamento, sendo que a hidroxicloroquina faria parte de um programa de quatro a seis drogas para pacientes com mais de 50 anos ou com comorbidades.

McCullough atribui a não adoção do tratamento ao medo dos médicos de contraírem o vírus e ao fracasso de governos, empresas farmacêuticas e agências de pesquisa na realização de grandes ensaios clínicos. Ele também vê como censura o fato de redes sociais, como o Twitter, suspenderem contas que tratem do assunto. Já foi alvo de agências de checagem como AFP ao distribuir informação inverídica sobre vacinação e teve artigo verificado pelo próprio Comprova.

O vídeo da audiência aqui checado tem de 2 horas e 16 minutos e foi transmitido ao vivo pela página do programa News Hour, da PBS, no Youtube, no dia 19 de novembro de 2020. Durante o depoimento, o médico afirma ter havido má-fé acadêmica em relação à hidroxicloroquina por conta dos dois estudos removidos das revistas científicas. O trecho consta a partir de 1:44:43 do vídeo.

Ron Johnson

Partidário fervoroso do ex-presidente Donald Trump, Ron Johnson, senador republicano de Wisconsin que comandou a audiência da qual McCullough participou, “passou grande parte de 2020 promovendo investigações contra Hunter Biden, tentando inutilmente mostrar a corrupção por parte de Joseph R. Biden Jr. (Joe Biden)”, segundo o The New York Times. Ainda de acordo com o veículo americano, ele “espalhou desinformação sobre o vírus, a eleição, o motim do Capitólio e até mesmo a vegetação da Groenlândia”.

Em janeiro de 2021, após a vitória de Joe Biden contra Trump, Johnson foi um dos 11 senadores republicanos que disse que iria contestar o resultado da eleição. Além de defender medicamentos como cloroquina e ivermectina, o parlamentar tem minimizado a urgência de vacinar todos os americanos, como mostra reportagem da CNN publicada em abril.

Terça Livre

O site pertence ao bolsonarista Allan dos Santos, investigado no inquérito que apura a organização e o financiamento de atos antidemocráticos ao longo de 2020.

As provas coletadas pela Polícia Federal no ano passado com a quebra de sigilo do aparelho celular de Allan dos Santos mostram que ele mantinha reuniões com deputados bolsonaristas e servidores do Palácio do Planalto. É dele uma mensagem enviada a um assessor de Bolsonaro na qual defende uma intervenção militar no país. Em julho de 2020, ele afirmou que havia deixado o país.

A Polícia Federal pede a abertura de oito frentes de apuração. Cinco meses depois de ser questionada pelo STF sobre a continuação das investigações, a Procuradoria-Geral da República defendeu o arquivamento do inquérito. Em 3 de fevereiro deste ano, Terça Livre teve seu canal no YouTube encerrado por violar as regras da plataforma, mas, em 12 de fevereiro, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ordenou que o Youtube reativasse o canal. À época, Santos chamou a retirada de censura e criou um canal próprio, que também foi removido.

Na semana passada, o Comprova verificou um tuíte em que o bolsonarista afirmava, falsamente, que um jogador dinamarquês havia se vacinado antes de sofrer mal súbito.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal.

Quando o conteúdo envolve medicamentos ou tratamentos contra o novo coronavírus, a checagem é necessária porque informações incorretas podem levar as pessoas a colocarem a saúde em risco.

A publicação teve mais de 3,8 mil interações no Facebook e, destas, mil foram compartilhamentos. A postagem foi sinalizada pela plataforma com a frase “Tratamentos para a covid-19 sem comprovação científica podem ser prejudiciais à saúde”.

Neste ano, o Comprova já publicou diversas verificações neste sentido, como, por exemplo, os malefícios de altas doses de ivermectina, a não eficácia da hidroxicoloroquina contra a covid e sobre o “tratamento precoce”. Conteúdos semelhantes também foram publicados por outras agências de checagem, como Agência Lupa e Aos Fatos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.