O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2020-11-27

‘Tratamento precoce’ com hidroxicloroquina não evitou mortes em Porto Feliz

  • Falso
Falso
A cidade no interior de São Paulo registrou mortes por covid-19 e o "tratamento precoce" com hidroxicloroquina não cobriu toda população
  • Conteúdo verificado: Post no Facebook atribui reeleição de prefeito de Porto Feliz (SP) a suposto tratamento precoce de 100% da população com hidroxicloroquina e ausência de óbitos após adoção do protocolo

São falsas as informações divulgadas em um post no Facebook sobre a situação da covid-19 na cidade de Porto Feliz, no interior de São Paulo. A cidade não é referência no combate à doença por ter tratado “precocemente” toda a população com hidroxicloroquina.

De fato, o medicamento passou a ser adotado pela cidade em abril, junto com outros remédios também sem eficácia comprovada contra a doença causada pelo novo coronavírus, como a ivermectina. No entanto, para a comunidade científica, não existe tratamento precoce para a enfermidade e não há, ainda, um tratamento com eficácia comprovada. Tampouco é verdade que a cidade tenha tratado 100% da população com o medicamento, como afirma o post.

É falsa, também, a informação de que o município não tenha registrado nenhum óbito da doença após o “tratamento precoce” ser adotado. A cidade só começou a divulgar boletins em agosto. No dia 1º daquele mês, a cidade já tinha 10 óbitos. Desde então, mais 6 pessoas morreram de covid-19 em Porto Feliz, totalizando 16 vítimas até esta quinta-feira (26).

A única informação verdadeira do post é sobre a reeleição do prefeito, o médico Dr. Cássio (PTB). Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele recebeu 92,1% dos votos no dia 15 de novembro deste ano.

Como verificamos?

Primeiramente, buscamos o resultado da votação para a eleição municipal em 1º turno, no dia 15 de novembro, no app de Resultados do Tribunal Superior Eleitoral.

Em seguida, localizamos os boletins epidemiológicos divulgados pela Prefeitura Municipal de Porto Feliz, cidade a cerca de 100 km de São Paulo, e também pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Procuramos por informações sobre a situação em Porto Feliz em reportagens publicadas desde o início da pandemia e, em seguida, buscamos a Prefeitura Municipal de Porto Feliz, que nos respondeu por meio da coordenadoria de Comunicação Social.

Também contatamos, via Facebook, moradores da cidade que comentaram em uma postagem sobre o cancelamento – por causa da pandemia – de um show, que aconteceria no dia 21 de novembro, no Porto Feliz Tênis Clube. Três pessoas aceitaram falar com a reportagem, sendo uma a respeito do uso da cloroquina e outras duas sobre como funcionou o protocolo na cidade.

Ouvimos o médico epidemiologista Eduardo Martins Netto, que é professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e consultamos as publicações da Organização Mundial de Saúde (OMS) a respeito do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, que é derivada da primeira. Por fim, entramos em contato com o responsável pela publicação no post no Facebook. Ele respondeu que fez uso da hidroxicloroquina e acredita na eficácia científica do tratamento.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 27 de novembro de 2020.

Verificação

‘Tratamento precoce’

A expressão “tratamento precoce”, usada no post verificado, não é correta. Outras verificações feitas pelo Comprova mostram que a comunidade científica não reconhece a existência de um tratamento precoce contra a covid-19.

É o que afirma, também, o médico epidemiologista Eduardo Martins Netto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. “Não existe tratamento precoce contra a covid. E os riscos [do uso de remédios] são atribuídos ao tipo de medicação que você está tomando. Além do risco de a pessoa ser enganada”, afirma, referindo-se à não comprovação científica de que o uso desses medicamentos tem eficácia contra a covid-19.

Mesmo sem essa comprovação, uma reportagem publicada pela Agência Pública em outubro mostrou como o prefeito da cidade distribuiu a cloroquina e outros medicamentos numa espécie de coquetel para “tratar” a população contra a doença. Outra reportagem do Estadão mostrou que o protocolo era adotado desde abril.

100% da população tomou cloroquina?

Não. No mês de junho, segundo a reportagem da Agência Pública, o prefeito Dr. Cássio disse, numa entrevista via live ao jornalista Alexandre Garcia, que havia distribuído 1.500 kits à população da cidade e que nenhuma das pessoas que fez uso deles morreu ou foi intubada. Essa informação também foi fornecida pela prefeitura a agências de checagem em julho (Estadão, Aos Fatos e Fato ou Fake).

Mas nem todo mundo recebeu ou mesmo fez uso dos medicamentos – a população estimada da cidade, em 2020, é de 53,4 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Comprova conversou com três moradores da cidade que comentaram no post de uma página do Facebook sobre o cancelamento de um show no dia 21 de novembro, justamente por conta da pandemia.

Procurada pelo Comprova, a coordenadoria de Comunicação Social da Prefeitura de Porto Feliz respondeu que a informação de que “toda a população fez uso precoce da cloroquina para o tratamento da covid-19 é fake”. A coordenadoria também tratou como falsa a alegação “sobre a cidade não ter tido nenhuma morte”.

Sobre os moradores

Realizamos contato por meio de uma página no Facebook com moradores da cidade de Porto Feliz e os questionamos sobre a distribuição de medicamentos para ‘tratamento precoce’ da covid-19. Eles confirmaram a distribuição pelos postos de saúde e nas residências. Segundo eles, essa medida alcançou boa parcela da cidade, que a tomou como medida preventiva.

Segundo moradores, a prefeitura e unidades de saúde pedem para a população que, no primeiro sintoma, procure de imediato uma “unidade de saúde Sentinela” e a “Santa Casa”. Logo depois, a pessoa é encaminhada para a realização de uma bateria de exames, como hemograma, tomografia pulmonar e eletrocardiograma. Caso não haja alteração nos exames, a pessoa está apta a recorrer aos medicamentos para ‘tratamento preventivo’ e já sai do local com o kit em mãos, antes mesmo do resultado oficial.

Dentre os medicamentos fornecidos pelas unidades de saúde para o tratamento estão azitromicina, ivermectina e cloroquina, além de anti-inflamatório, coagulantes e remédio para febre.

Uma das moradoras da cidade com quem conversamos disse que tem histórico de arritmia cardíaca e, por isso, se pegar covid, precisa usar outro medicamento. Segundo especialistas, ivermectina não é indicada para o tratamento da doença. “Eu não fiz uso da ivermectina quando o pessoal do posto de saúde passou na minha casa. Se fosse vacina, eu tomaria”, declara.

Cidade tem 16 mortes pela covid-19

O post verificado aponta que Porto Feliz não registrou nenhuma morte após adotar o protocolo de “tratamento precoce” com hidroxicloroquina. A informação também não é verdadeira, e a própria prefeitura da cidade a desmentiu. Para que isso fosse verdade, era preciso que Porto Feliz não tivesse registrado nenhuma morte desde abril, quando iniciou o protocolo. Os boletins começaram a ser divulgados pela prefeitura em agosto e, naquele mês, já havia 10 óbitos.

Até as 18h desta quinta-feira (26), a cidade tinha 1.441 casos de covid-19 e 16 óbitos, segundo dados do boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A taxa de letalidade na cidade é de 1,12% e o índice de óbitos por 100 mil habitantes, de 29,96. O índice é menor do que o da maior parte das cidades da mesma região – de Sorocaba – com um total aproximado de população. É o caso de Piedade, que tem 40 óbitos e índice de 72,02 para cada 100 mil habitantes; de Salto de Pirapora, com 23 mortes e 50,15 para cada 100 mil; e de Mairinque, com 21 óbitos e índice de 44,27 para cada 100 mil habitantes.

Passa à frente, no entanto, de outras cidades paulistas maiores, como Assis, que tem mais casos, mais óbitos e população maior, embora um índice de mortes por 100 mil habitantes menores (26,64) e de São Carlos (22,79). A capital, São Paulo, tem letalidade de 4,13% e índice de 116,09 óbitos para cada 100 mil habitantes.

Esta não é a primeira vez que circula nas redes a informação de que Porto Feliz não registrou mortes pela covid-19. Em julho, o Estadão Verifica, o Aos Fatos e o G1 fizeram checagens que mostravam que a informação era falsa. Naquela ocasião, dia 16 de julho, o Estadão Verifica mostrou que a cidade tinha oito mortes. Pouco antes, em 11 de junho, quando a informação falsa começou a circular, o total era de seis.

O site oficial da prefeitura mostra os boletins epidemiológicos divulgados a partir do dia 1º de agosto. Naquela data, Porto Feliz tinha 10 óbitos confirmados. Em 10 de agosto, o número chegou a 11 e saltou para 12 em 13 de agosto.

O 13º óbito ocorreu em 19 de agosto; o 14º em 29 de outubro; o 15º em 4 de novembro e o mais recente, o 16º, em 26 de novembro.

O que a ciência diz a respeito do uso precoce de cloroquina

Segundo a OMS, não há evidência científica de que a cloroquina ou a hidroxicloroquina seja eficaz no tratamento da covid-19. Apesar disso, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) indica que o consumo da cloroquina cresceu 358% na pandemia.

No Brasil, o uso do medicamento foi amplamente incentivado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que mostrou a hidroxicloroquina em reunião do G20, em março, e lançou uma campanha do governo federal para incentivar o uso do medicamento, além de ter exibido a caixa do remédio em aparições públicas.

Antes da campanha, a OMS já alertava sobre os efeitos colaterais e o risco do uso sem comprovação científica.

Prefeito reeleito

O médico Dr. Cássio (PTB) foi mesmo reeleito prefeito na cidade de Porto Feliz, com 92,1% dos votos válidos no dia 15 de novembro deste ano. Ele recebeu 25.318 votos. Os outros candidatos a prefeito foram Marola (DEM), que recebeu 5,70% dos votos (1.566) e Miguel Arcanjo (Rede), com 2,21% (607 votos).

Antonio Cássio Habice Prado é médico com CRM 49282-SP no Conselho de Medicina desde 1984, sem especialidade registrada. Formou-se na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em São Paulo. Dr. Cássio é um dos apoiadores do movimento “Médicos contra a Covid-19” que em agosto de 2020 fez uma caravana pedindo a hidroxicloroquina nas farmácias populares.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos que viralizaram na internet relacionados a políticas do governo federal, à pandemia ou às eleições municipais de 2020. A publicação investigada é falsa por afirmar não haver nenhuma morte pela covid-19 na cidade de Porto Feliz, São Paulo, depois de a população ter sido tratada precocemente por hidroxicloroquina. Nesse sentido, a verificação se torna fundamental e ajuda pessoas a não se exporem a medicações sem eficácia comprovada.

O conteúdo verificado pelo Comprova teve 2,1 mil interações no Facebook, na página Bolsonaro presidente 2022. Na publicação, há uma foto do prefeito recém eleito, Dr. Cássio Prado, com a mensagem de que ele é “ignorado pela grande mídia”. Na imagem há uma marca d’água do lado direito com o texto ‘Capitão Assumção, deputado estadual do Espírito Santo’. O texto apresenta a cidade de Porto Feliz como referência no combate à covid-19 com tratamento precoce da hidroxicloroquina. Outras páginas no Facebook fazem essa mesma afirmação – a que teve mais interações foi publicada no dia 26 com mais de 1.000 compartilhamentos.

No entanto, essas alegações não são novas. O Estadão Verifica investigou o boato de que Porto Feliz não teria tido nenhum óbito com protocolo de tratamento em julho. A Agência Pública apontou em outubro que a hidroxicloroquina chegou a ser distribuída de porta em porta.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2020-11-27

Bolsonaro não se beneficiou de fraude eleitoral em 1994

  • Enganoso
Enganoso
Notícia de 1994 compartilhada agora nas redes sociais é verdadeira, mas não indica qualquer evidência de que Bolsonaro tenha participado da fraude. Nas eleições daquele ano, ele foi o terceiro candidato mais votado no Rio de Janeiro
  • Conteúdo verificado: Tuíte usa recorte de um jornal da década de 1990 para afirmar que Jair Bolsonaro já se envolveu em fraude eleitoral

É enganoso afirmar que o atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), participou de fraude em eleições nos anos 1990. A alegação viralizou no Twitter no início da semana (23/11). A postagem apresenta uma notícia da época, em que Bolsonaro, então candidato a deputado federal, é citado como um dos favorecidos pelo uso de cédulas falsas.

O tuíte desconsidera que, de acordo com a própria reportagem, Bolsonaro só teria angariado um voto a mais caso a Justiça Eleitoral não tivesse descoberto as irregularidades nas cédulas naquele ano. Nas eleições de 1994, ele foi o terceiro candidato mais votado no Rio de Janeiro. Além disso, a notícia não indica qualquer evidência de que ele tenha participado do episódio.

Contudo, o Comprova verificou que a notícia é verdadeira e que as irregularidades citadas no jornal não foram as únicas registradas na ocasião. A eleição chegou a ser anulada e uma segunda votação foi realizada. Em 1996, porém, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) restabeleceu o resultado do primeiro pleito por entender que a maioria dos votos foi válida.

De acordo com especialistas consultados pela reportagem, as fraudes no período foram facilitadas pelo fato do voto ser impresso. Os métodos para fraudar eram inúmeros: cédulas depositadas em branco nas urnas pelos eleitores poderiam ser preenchidas irregularmente durante a apuração; lotes inteiros de cédulas não utilizadas poderiam ser extraviadas; e os formulários chamados “boletins de urnas” poderiam ser alterados após a apuração com informações falsas, tidas como autênticas por não haver registro eletrônico. O voto em papel é a tecnologia defendida diversas vezes pelo presidente Bolsonaro, mas, segundo o TSE, as urnas eletrônicas vieram para dar mais segurança e confiabilidade às eleições.

Como verificamos?

Na publicação verificada, internautas comentaram que o recorte da reportagem seria do Jornal do Brasil de 1994. O Comprova confirmou a informação após pesquisas no arquivo da Biblioteca Nacional. Por meio das edições antigas do periódico, também fizemos um retrato das fraudes ocorridas naquelas eleições.

A fim de comentar como era o cenário da votação e da apuração na época, entrevistamos por telefone o cientista político David Fisher, que foi observador da Organização dos Estados Americanos (OEA) em São Paulo; e o procurador regional eleitoral aposentado Alcir Molina da Costa, que foi responsável pelo pedido de anulação daquela eleição.

Detalhes sobre a investigação das fraudes e o desfecho dela foram solicitados à assessoria de imprensa do Tribunal Superior Eleitoral. Os resultados das eleições do Rio de Janeiro em 1994 estão disponíveis no próprio site do TSE. Por estes meios, também foram obtidas informações sobre a adoção e a segurança das urnas eletrônicas.

Para contextualizar a verificação, o Comprova buscou notícias no Google sobre o voto impresso, encontrando declarações favoráveis de Jair Bolsonaro (sem partido) e contrárias do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE. Pelo buscador também detalhamos quem eram os outros deputados citados na reportagem presente no tweet.

Verificação

A reportagem antiga é real

O recorte do jornal mostrado no tuíte verificado é real. Trata-se de uma reportagem publicada no Jornal do Brasil, no dia 17 de novembro de 1994. Ela aparece na quinta página do periódico, na seção “Política e Governo”, que naquele dia cobria, principalmente, as eleições. Naquele ano, a votação ainda era feita por meio de cédulas de papel.

Conforme o texto, foram constatadas fraudes em quatro zonas eleitorais no Rio de Janeiro. Na 70ª, cerca de 200 votos foram anulados devido à caligrafia idêntica. Na 25ª, havia 16 votos fantasmas, 15 com assinaturas falsificadas e 79 preenchidos com a mesma letra. Na 77ª zona, 28 votos para um candidato a deputado não foram contabilizados.

Já a tentativa de fraude envolvendo o agora presidente Jair Bolsonaro – na época, candidato a deputado federal – aconteceu na 24ª zona, onde foram descobertas quatro cédulas falsas, feitas com papel mais fino. Também seriam beneficiados Álvaro Valle (PL), Vanessa Felippe (PSDB) e Francisco Silva (PP).

Na ocasião, Jair Messias Bolsonaro (PPR) foi o terceiro candidato a deputado federal mais votado no Rio de Janeiro, com 111.927 votos (2,48%), de acordo com o resultado divulgado no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O mais votado, Oliveira Franciso da Silva (PP), teve 141.880 votos (3,14%). Os dois foram eleitos.

Outros dois candidatos que teriam recebido os votos falsos –caso os mesmos não tivessem sido detectados– também se elegeram. Vanessa Felippe (PSDB), que angariou 44.822 votos (0,99%), e Álvaro Bastos do Valle (PL), com 38.247 votos (0,85%). Na lista dos candidatos mais votados no Rio de Janeiro, eles aparecem nas posições 24ª e 34ª, respectivamente.

As fraudes nas eleições de 1994 no Rio de Janeiro

Os jornais da época relatam vários casos diferentes de fraude ou suspeita de fraude, com métodos diferentes. O primeiro indício da fraude generalizada foi o baixo percentual de votos em branco, que havia caído pela metade: de 20,8% em 1990 para 10,8% em 1994, no caso da eleição para deputado estadual. À medida que a apuração avançava, fiscais e juízes também perceberam a grande quantidade de cédulas preenchidas com a mesma caligrafia.

A 25ª zona, em Santa Cruz, teria sido a região com maior número de votos fraudados, mas as denúncias recebidas pela Justiça Eleitoral e pelo Ministério Público chegavam de vários bairros da capital e de municípios da região metropolitana e interior. Em pelo menos quatro urnas, havia mais votos do que eleitores registrados.

Em um caso, o presidente da 58º seção da 117ª zona eleitoral, na Ilha do Governador, desapareceu levando urnas, cabine de papelão, livro de votação, 500 cédulas de votação para governador e 500 para deputado federal e estadual. Na 7ª zona, um escrutinador (voluntário credenciado pela Justiça Eleitoral para contar os votos) suspeito de alterar oito boletins de urna foi preso duas semanas após a eleição do primeiro turno, quando foi ao fórum participar de uma audiência do próprio divórcio.

Em Nova Iguaçu, um juiz eleitoral chegou a ser investigado por envolvimento com uma quadrilha de fraudadores. Ele teria violado o código eleitoral ao nomear dois parentes para atuar na mesma junta apuradora. As pessoas nomeadas pelo juiz, dois irmãos, foram flagrados alterando boletins de urna em favor de um candidato do PPR, apoiado pelo então presidente da Assembleia Legislativa, José Nader (PDT).

Desfecho: houve anulação, mas foi revertida

Por causa das fraudes, a eleição foi anulada e houve uma nova votação para os cargos proporcionais junto com a votação do segundo turno para governador, no dia 15 de novembro. No entanto, em 1996, a segunda votação é que foi anulada e os resultados da primeira votação foram homologados pelo TSE.

Em e-mail enviado ao Comprova, o Tribunal Superior Eleitoral explicou que as eleições proporcionais foram anuladas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) porque “entendeu que o índice de votos em branco poderia ser uma evidência de fraude na votação”. Porém, “essa anulação foi revertida em 1996 pelo plenário do TSE”.

“Para os ministros da Corte Eleitoral, não ficou provado que o total de votos supostamente fraudados seria o suficiente para determinar anulação de todo o pleito. É importante esclarecer que o voto fraudado é retirado do cômputo dos votos válidos, mas isso não necessariamente conduz à anulação de toda a votação. Para que isso ocorra, é preciso ter a comprovação de fraude substancial acima de 50% dos votos válidos”, esclareceu o TSE.

Procurador regional eleitoral naquela eleição e hoje aposentado do Ministério Público Federal (MPF), Alcir Molina da Costa, contou que, naquele ano, a decisão do TRE-RJ de anular as eleições para deputado federal e estadual foi inédita e surpreendente.

“Desde os anos 1960 e 1970, havia no Rio um ditado entre candidatos e cabos eleitorais que dizia ‘eleição não se ganha na votação, se ganha na apuração’. Era verdade. O ambiente da apuração, primeiro no Maracanãzinho e, depois, no Riocentro, era uma grande confusão, com centenas de mesas apuradoras cercadas por fiscais dos partidos, com as contagens das cédulas de papel e preenchimento de boletins oficiais acontecendo ao mesmo tempo”, recordou.

Em 1994, contudo, as denúncias que surgiam a todo instante e vindas de todos os locais do estado indicavam que as fraudes tinham se tornado a regra e não a exceção. “Então, eu e o juiz-corregedor eleitoral, Paulo César Salomão, entendemos que não podíamos homologar aquele absurdo. Mesmo sabendo que seria difícil o TRE concordar, pedimos a anulação”. Para surpresa de ambos, foram sete votos a zero pela suspensão da primeira votação.

Qual o envolvimento de Jair Bolsonaro?

Apesar do nome do atual presidente aparecer na reportagem, não é possível afirmar que ele tenha tido envolvimento direto com a ação. Ele é citado apenas em um caso isolado, exatamente o do recorte do Jornal do Brasil mostrado no conteúdo verificado.

Conforme relata o próprio texto, ele poderia ter recebido somente um voto fruto de fraude, elaborado em uma cédula de papel que era mais fina que a oficial. O mesmo aconteceu com Álvaro Valle (PL), Vanessa Felipe (PSDB) e Francisco Silva (PP). As suspeitas mais graves, já citadas acima, recaíram sobre diversos outros candidatos e candidatas.

Também de acordo com o ex-procurador regional eleitoral Alcir Molina, a quantidade de cédulas com o nome de Bolsonaro era irrelevante e restrita a uma seção eleitoral. Aliás, o atual presidente teve cerca de 23 mil votos a mais na segunda eleição do que na primeira. Além dele, os outros três candidatos em igual situação também foram eleitos em ambas as votações.

Quem são os outros candidatos citados?

Mais votado entre todos os candidatos, Oliveira Francisco da Silva era empresário e radialista. Nascido na cidade de Cunha (SP), ele foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro a primeira vez em 1990, pelo PDC. Nas eleições de 1994, ele foi reeleito. No ano seguinte, ele foi um dos fundadores do Partido Progressista Brasileiro (PPB).

Novamente reeleito em 1998, Oliveira Francisco da Silva deixou o cargo em janeiro de 1999 para assumir a Secretaria de Habitação do Rio de Janeiro, na gestão de Anthony Garotinho. Em outubro de 2017, aos 79 anos, ele morreu e foi velado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Ele é pai do atual deputado estadual Fábio Silva.

Já Álvaro Bastos do Valle era professor, diplomata e bacharel em direito. Antes das eleições de 1994, ele já tinha sido eleito deputado federal cinco vezes consecutivas pelo Rio de Janeiro, sendo a primeira delas em 1974. Nas décadas de 1960 e 1970, ele foi também deputado estadual pela UDN e pela ARENA.

Em junho de 1985, ele fundou o Partido Liberal (PL) e, no ano seguinte, foi o quinto candidato à deputado federal constituinte mais votado de todo o país, com mais de 320 mil votos, fazendo parte, assim, da Assembleia Constituinte. Nascido no Rio de Janeiro em 1934, ele morreu na capital em janeiro de 2000, aos 65 anos.

Nascida em outubro de 1972, Vanessa Poyares Tuffy Felippe foi deputada federal pelo Rio de Janeiro entre os anos de 1995 e 1999, iniciando o mandato como a mais jovem congressista do país, com apenas 26 anos. Ela é filha do também político Jorge Miguel Felipe, que foi três vezes vereador da capital fluminense.

Atualmente empresária, ela foi novamente candidata a deputada federal pelo Rio nas eleições de 2018, pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN), terminando a disputa como suplente. Em 2016, ela se candidatou à vereadora na capital fluminense pelo Partido Trabalhista do Brasil (PTdoB), mas não foi eleita.

Votação em papel facilita fraudes e manipulações

Cientista político da Universidade de Brasília (UnB), David Fisher foi categórico ao afirmar que o voto por meio de cédulas de papel “abre muito espaço para manipulação e falsificação”. Como exemplo, ele citou experiências que viveu durante as eleições de 1994 em São Paulo, quando foi observador da Organização dos Estados Americanos.

“Era complicado porque tinha que apurar votos para cargos majoritários e proporcionais. Teve uma mesária que foi ao banheiro quatro ou cinco vezes. O juiz desconfiou e mandou uma oficial ir atrás dela. A apuradora havia pego votos em branco sorrateiramente, colocado na calcinha e estava no banheiro preenchendo”, exemplificou.

“Naquela época, nas cidades menores, tinha o fenômeno que o cabo eleitoral guardava o título eleitoral dos eleitores e depois levava o eleitor para votar. Chegava lá, entregava o título e a chamada marmita (envelope com todas as cédulas de papel). Era muito mais produtivo você comprar o cabo eleitoral que os eleitores. O Mário Palmério, que foi um deputado federal de Minas Gerais, publicou um livro chamado ‘Vila dos Confins’ que descreve uma eleição. A maior corrupção que ele já tinha visto”, contou Fisher.

Outro exemplo dado por ele é o de um juiz eleitoral que pediu a opinião dos fiscais para saber como contabilizar os votos. “Fernando Henrique Cardoso não era candidato, deveria ser voto nulo. Mas podia contar como voto partidário ao PSDB. Mesma coisa no caso do Lula e do Brizola: acabou contando como voto de legenda”, contou.

O próprio TSE admitiu que houve “várias denúncias de fraudes antes da adoção da urna eletrônica pela Justiça Eleitoral”. No entanto, o Tribunal não tem um levantamento específico sobre essas ocorrências. “Esclarecemos que todos os votos que comprovadamente decorriam de fraude eram anulados e excluídos da contagem dos votos válidos”, garantiu por e-mail.

O procurador aposentado Alcir Molina conta que a fraude generalizada de 1994 estimulou o TSE a acelerar o processo de adoção do voto eletrônico no país, que passou a ser testado já na eleição seguinte.

Adoção das urnas eletrônicas

As urnas eletrônicas passaram a ser adotadas nas eleições brasileiras em 1996. Ou seja, na seguinte à relatada nesta verificação. De acordo com o próprio Tribunal Superior Eleitoral, ela foi desenvolvida “com o objetivo de garantir mais segurança, rapidez e transparência ao processo eleitoral – diminuindo a intervenção humana dos procedimentos de apuração e totalização dos resultados”. Assim como “impedir interferências na vontade do eleitor” e “assegurar o sigilo do voto”.

Desde que a urna eletrônica começou a ser utilizada, “não houve qualquer comprovação de fraude envolvendo o sistema eleitoral brasileiro”. Gradualmente implantado a partir das eleições de 1996, o voto eletrônico passou a estar presente em todo o país em 2000. “A partir de 2008, a Justiça Eleitoral iniciou o cadastro biométrico dos eleitores, aumentando ainda mais a segurança do pleito”, afirmou o TSE.

Recentemente, o Comprova já realizou diversas verificações que mostram a segurança e a confiabilidade das urnas e do atual sistema de votação do país, tais como: a que mostrou ser possível auditar e realizar a recontagem de votos; a que esclareceu que a apuração é aberta para qualquer pessoa; e a que garante que as justificativas dos eleitores não podem ser transformadas em votos válidos.

Bolsonaro é a favor do voto impresso

Atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro já se declarou a favor do voto impresso inúmeras vezes, inclusive durante a campanha à presidência. Recentemente, no dia 5 deste mês, em transmissão ao vivo pela internet, ele voltou a defender a mudança já para as próximas eleições, em 2022.

Vale lembrar também que, em março deste ano, Bolsonaro afirmou – sem apresentar provas – que a eleição de 2018, na qual ele saiu vencedor, teria sido fraudada. Até hoje as provas que ele garantiu possuir nunca foram apresentadas. Também com a alegação de “evitar fraudes”, ele defendeu o voto impresso em outubro.

No último domingo (22), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, também defendeu que um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) para a impressão de comprovantes de urna junto aos votos seja tratado como prioridade. No mesmo dia, apoiadores do governo federal se manifestaram em apoio no Planalto do Palácio.

É importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em setembro deste ano, que a impressão do registro do voto eletrônico é inconstitucional, porque poderia colocar em risco o sigilo e a liberdade do voto. Sobre a decisão, o Comprova chegou a esclarecer que era enganosa a afirmação de que o voto impresso seria inconstitucional.

Rebatendo as afirmações de Bolsonaro, o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do TSE, reiterou que “de 1996 para cá nunca se documentou nenhum tipo de fraude associada às urnas eletrônicas”, que não tem “paixão pelas urnas, mas apreço por eleições limpas” e declarou que “retornar ao voto impresso é um retrocesso, é como comprar um videocassete na era do streaming”.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos duvidosos que viralizaram na internet, relacionados a políticas do governo federal, à pandemia ou às eleições municipais de 2020. A publicação aqui verificada engana ao usar uma reportagem real para afirmar que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já se envolveu em fraude eleitoral.

Até o início da tarde de 26 de novembro, o tuíte em questão já tinha mais 3.300 curtidas, além de 690 retweets e mais de 240 comentários. De acordo com a ferramenta CrowdTangle, o conteúdo poderia ter atingido até 280 mil internautas, apenas no Twitter. A publicação também foi compartilhada no Facebook, mas em menor número.

Recentemente, em maio ao período eleitoral, o Comprova já mostrou que o software usado nas urnas eletrônicas brasileiras não é o mesmo que o utilizado nos EUA, que diferenças entre o resultado da pesquisa e da eleição não significa fraude, que o TSE não atualizou o resultados das eleições com base em um portal de notícias e que o sistema usado em um vídeo que sugere fraudes não é o mesmo usado nas urnas eletrônicas do Brasil.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2020-11-26

Panfletos distorcem frase de Marília Arraes sobre a Bíblia

  • Enganoso
Enganoso
Os conteúdos verificados foram retirados de contexto para dar a entender que a petista seria contra a Bíblia, mas escondem que a frase destacada envolvia uma defesa do estado laico e não uma ação anti-Bíblia
  • Conteúdo verificado: Panfletos e posts no Facebook segundo os quais Marília Arraes, candidata à Prefeitura do Recife, quis proibir a leitura da Bíblia na Câmara dos Vereadores e que é impossível cristãos apoiarem sua eleição

São enganosos os panfletos e posts afirmando que a deputada federal Marília Arraes (PT), candidata à Prefeitura do Recife, quis proibir a leitura da Bíblia nas sessões da Câmara dos Vereadores da capital pernambucana quando era vereadora. Os materiais alegam que “cristão de verdade” não vota na petista e estampam um trecho de uma fala da candidata retirada de contexto.

Os conteúdos verificados dão a entender que a petista seria contra a Bíblia, mas escondem que a frase destacada envolvia uma defesa do estado laico e não uma ação anti-Bíblia.

A frase de Marília que aparece no panfleto é a seguinte: “Inclusive, na edição do novo regimento, me posicionei contra se manter o costume de se ler passagens da Bíblia e se falar em nome de Deus”. A candidata fez essa declaração em 2017, em entrevista à Folha de Pernambuco, ao comentar a decisão do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) de recomendar a proibição de práticas religiosas na Câmara.

Os panfletos não são assinados e, após um pedido da candidata, a Justiça Eleitoral determinou que eles não fossem mais distribuídos.

O site do PT, partido da candidata, publicou um texto afirmando ser falso que Marília seja contra a Bíblia e os cristãos. O Comprova procurou a assessoria de imprensa da candidata, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Como verificamos?

O Comprova buscou reportagens antigas, em jornais de Pernambuco e nos sites e redes sociais da Câmara de Vereadores do Recife, para descobrir se a frase atribuída a Marília Arraes existia e qual o contexto em que teria sido dita. A reportagem buscou também o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), para ter acesso à resolução que motivou a declaração da candidata, e o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PE), para saber quais as medidas judiciais em torno da distribuição dos panfletos e publicações na internet.

A página que publicou as postagens foi procurada, bem como a assessoria de comunicação da petista e do candidato do PSB, João Campos. Também foram consultadas publicações nas páginas de redes sociais de ambos, e entrevistas anteriores, para saber o posicionamento de Marília sobre temas correlatos ao da declaração mencionada nas postagens checadas. O programa de governo da candidata e o site do PT também foram usados para a checagem.

Verificação

Marília e a leitura da Bíblia na Câmara dos Vereadores

A declaração de Marília Arraes, que aparece nas imagens publicadas na internet, foi extraída de uma reportagem publicada na Folha de Pernambuco, no dia 21 de abril de 2017. O jornal repercutiu entre os parlamentares uma resolução do Ministério Público de Pernambuco que recomendava que o presidente da Câmara de Vereadores do Recife se abstivesse de “autorizar/permitir a realização naquela casa legislativa e/ou seus anexos, de reunião/encontro ou assemelhado, em que haja a prática de liturgias e rituais próprios de cultuação religiosa.”

Marília Arraes foi consultada sobre a recomendação do MPPE por, na época, ocupar o cargo de líder da oposição na Câmara. De acordo com a reportagem, a frase completa dita por ela foi: “A defesa do Estado Laico é uma luta que vem sendo travada desde o primeiro mandato. Inclusive, na edição do novo regimento me posicionei contra se manter o costume de se ler passagens da Bíblia e se falar no nome de Deus. A gente tem que prezar pelo Estado Laico, principalmente pelo momento de retrocesso que a gente vive no Brasil”, ressaltou.

Segundo a reportagem, em continuação, Marília Arraes disse que iria estudar uma forma de retirar a Bíblia do plenário, porém que era “importante frisar que esse posicionamento nosso não é contra qualquer religião. Ele é, sim, a favor de todas elas e para que a gente tenha um Estado sem discriminação”. A TV Câmara do Recife registrou os posicionamentos dos parlamentares no plenário, no dia em que foi expedida a recomendação do MPPE, mas lá não consta a frase de Marília Arraes nem qualquer manifestação da petista.

O contexto da fala de Marília Arraes

A frase foi dita por Marília Arraes no contexto da recomendação número 002/2017, publicada pelo Ministério Público de Pernambuco no Diário Oficial do dia 20 de abril de 2017. Na época, a 27ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital Promoção e Defesa do Patrimônio Público fez a recomendação considerando um procedimento preparatório para apurar “o pretenso uso das dependências da Câmara Municipal do Recife para a realização de evento religioso.”

O MPPE deu 20 dias para que a Câmara dos Vereadores, na figura do presidente, informasse à Promotoria de Justiça sobre as providências adotadas em face da recomendação. O tema foi alvo de matérias na imprensa local, na Folha de Pernambuco, Diario de Pernambuco e no Blog do Jamildo, do Jornal do Commercio. O tema também motivou manifestações dos parlamentares em reuniões ordinárias de abril de 2017.

O regimento da Câmara dos Vereadores do Recife diz que “a Bíblia Sagrada deverá ficar, durante todo o tempo da reunião, aberta sobre a mesa, à disposição de quem dela pretender fazer uso” e também diz que “achando-se presente na Casa, pelo menos, a quinta parte do número total de Vereadores, desprezada a fração, o Presidente declarará aberta a reunião, proferindo as seguintes palavras: ‘Sob a proteção de Deus e em nome do povo recifense, iniciamos nossos trabalhos’”.

Por e-mail, o Ministério Público afirmou que “a recomendação foi feita em caráter preventivo e que o MPPE não tomou conhecimento de que a Câmara de Vereadores do Recife tenha descumprido a recomendação.”

Cartazes apócrifos motivaram ações

Os panfletos não possuem assinatura. A candidatura de Marília Arraes apresentou uma representação à Justiça Eleitoral para impedir a circulação desses panfletos e informou que eles estariam sendo entregues em frente a uma igreja no dia 22 de novembro. A defesa da candidata alegou que a campanha do adversário João Campos (PSB) “foi responsável pela confecção e patrocínio da entrega do material, pois os adesivos colados no carro utilizado na distribuição e o material elogioso do candidato entregue com a publicidade combatida apresentam design típico de sua campanha impresso em alta qualidade”.

Na decisão, a juíza da 7ª Zona Eleitoral de Recife, Virgínia Gondim Dantas, deferiu liminar em favor da candidata petista proibindo a distribuição do material e acolheu o argumento da coligação que sustentava se tratar de propaganda irregular, ao dizer que a distribuição dos materiais impressos foi “levada a efeito de forma irregular, por não constar em nenhum deles a identificação do responsável pela confecção, assim como quem o contratou e a tiragem”. Essas informações são obrigatórias em materiais de propaganda de candidaturas, segundo resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A magistrada também apontou na liminar que a propaganda “não poderia ser divulgada porque, além da característica [de campanha] negativa, apresenta contornos de fake news, uma vez que induz o eleitor que professa a fé cristã a ter sentimentos de ódio e ojeriza pela candidata, porquanto imputa fatos notadamente inverídicos e ensejadores do repúdio da população”, segundo um trecho da decisão.

A coligação liderada por João Campos se manifestou ao ser citada na representação da candidatura adversária e negou qualquer relação com os materiais. O grupo disse tratar-se de “propaganda apócrifa, sem qualquer informação acerca da coligação ou do responsável pela confecção”, e que não há prova de autoria ou de conhecimento do fato por parte da campanha de Campos.

Em uma série de postagens no Instagram no dia 23 de novembro, João Campos também negou relação com os materiais e disse que “jamais autorizaria qualquer tipo de ataque de baixo nível”. Ele afirmou ainda que foi “o primeiro a pedir ao Ministério Público a apuração de denúncias sobre materiais apócrifos vistos no Recife. De minha parte, nunca irão surgir ataques pessoais, baixarias, acusações ou notícias falsas.”

Procurado pelo Comprova, a assessoria de Campos não retornou a mensagem até a publicação desta verificação.

Além da representação com pedido de liminar para proibir a circulação dos panfletos, a campanha de Marília Arraes também moveu uma Ação de Investigação da Justiça Eleitoral (Aije) contra Campos e sua candidata a vice Isabella de Roldão (PDT) por suposta prática de abuso de poder econômico na distribuição dos materiais. Esta ação ainda não havia sido analisada pela Justiça eleitoral até as 13h de 26 de novembro de 2020.

Onde os panfletos foram compartilhados

As informações de que Marília Arraes teria tentado proibir a leitura da bíblia na Câmara de Vereadores foram publicadas em uma montagem com a foto da candidata à prefeita, acima da imagem de uma bíblia com sinal de proibição e uma frase entre aspas atribuída à Marília, dizendo que ela teria se posicionado contra a leitura da Bíblia “na edição do novo regimento”.

Este mesmo panfleto que circulou em versão impressa em Recife aparece publicado por usuários no Facebook em um grupo de apoio à candidata a prefeita de Recife, Delegada Patrícia (Podemos), que ficou em quarto lugar no primeiro turno e que recebeu apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Um usuário publicou no mesmo grupo outra versão do panfleto com informações semelhantes, de que Marília Arraes “tirou a bíblia da Câmara do Recife”, de que o “PT persegue cristãos em todo o Brasil”, entre outras acusações.

A postagem do primeiro cartaz também foi replicada em um grupo chamado “Bolsonaro Pernambuco”. A fotografia desta montagem em formato impresso foi compartilhada ainda pela página “Assembleianos de VALOR” no Facebook. Neste caso, a imagem foi publicada junto com uma frase questionando se “um grande número de ‘cristãos’ votarão nela [Marília Arraes]?”. A postagem também copia um texto do jornal Folha de Pernambuco sobre o apoio do pastor Cleiton Collins (Progressistas), que é deputado estadual e tem influência no meio evangélico, à candidatura de João Campos (PSB).

Procurada pelo Comprova, a página que compartilhou a foto do panfleto respondeu que o conteúdo estaria publicado no jornal Folha de Pernambuco. A página foi questionada se possuía alguma comprovação de que um pedido de retirada da Bíblia haveria partido de Marília Arraes, mas, até a publicação desta checagem, não enviou novas mensagens.

A página Assembleianos de VALOR tem 881 mil curtidas e publica a maior parte do conteúdo sobre religião. No entanto, no último mês há postagens favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro e a candidatos apoiados pelo mesmo grupo religioso em capitais do país, como Bruno Covas, em São Paulo (SP).

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos que viralizam nas redes sociais ligados às eleições municipais, às políticas públicas do governo federal e à pandemia.

Esta verificação é inédita para o Comprova, pois iniciou-se com panfletos distribuídos fisicamente – é o primeiro caso de desinformação checado pela equipe que não começou nas redes sociais. Ao descontextualizar afirmações de Marília e acusar indevidamente uma candidata ao segundo turno, os conteúdos colocam o processo democrático em risco. Somados, os posts tinham, até 26 de novembro, mais de 500 compartilhamentos.

O Comprova já averiguou outros conteúdos relacionados às eleições deste ano, como o de um vídeo que retira de contexto uma frase de Ana Arraes sobre ‘agressão’ do neto João Campos, uma postagem que acusou, também erroneamente, o candidato paulistano Guilherme Boulos de cobrar aluguel de moradores sem-teto, e o que enganava ao afirmar que votos recebidos por vereadora no Tocantins teriam diminuído durante a apuração. O processo eleitoral também esteve presente nas checagens da equipe, que produziu investigações desmentindo que o software usado nas urnas brasileiras seria o mesmo dos Estados Unidos e que o ataque de hackers no sistema do TSE violaria a segurança da eleição (produzido em parceria com a agência Aos Fatos).

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano; ou que é retirado de seu contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

Eleições

Investigado por: 2020-11-26

Vídeo retira de contexto frase de Ana Arraes sobre ‘agressão’ do neto João Campos

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo compartilhado no WhatsApp e Instagram reproduz alguns segundos de uma entrevista de 14 minutos em que Ana Arraes se queixa de uma briga pública entre seu neto João Campos, candidato à Prefeitura de Recife, e o advogado Antônio Campos, presidente da Fundação Joaquim Nabuco. Antônio é filho de Ana Arraes e tio do candidato
  • Conteúdo verificado: Vídeo em que Ana Arraes, ministra do Tribunal de Contas da União (TCU), diz ter sido agredida pelo neto, o deputado federal e candidato à prefeitura de Recife João Campos

É enganoso um vídeo que sugere que o deputado federal João Campos (PSB), candidato à Prefeitura do Recife, agrediu fisicamente a própria avó, a ministra do Tribunal de Contas da União (TCU) Ana Arraes. O vídeo reproduz apenas alguns segundos de uma entrevista de 14 minutos em que Ana Arraes se queixa de uma briga pública entre João e o tio, o advogado Antônio Campos, presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), órgão ligado ao Ministério da Educação.

Na época, João afirmou que o tio era “um sujeito pior” do que o então ministro da Educação Abraham Weintraub, que participava de uma audiência pública na Câmara Federal. Nas duas vezes em que se manifestou sobre esse episódio, em dezembro de 2019 e em janeiro de 2020, Ana Arraes defendeu o filho e disse se sentir agredida pela fala do neto.

Procurada pelo Comprova, Ana Arraes disse que não iria se manifestar sobre o episódio. Também procuramos a assessoria de imprensa de João Campos, mas não recebemos resposta até a publicação desta verificação.

O blogueiro Ricardo Antunes, que publicou o vídeo nas redes sociais, disse que estava apenas buscando informar sobre uma peça de desconstrução de imagem, feita contra o candidato. A postagem dele, porém, não deixa claro que a declaração foi retirada do seu contexto original.

Atualização [em 27 de novembro]

Um dia após o Comprova publicar a verificação, a ministra Ana Arraes divulgou uma nota à imprensa confirmando que não houve agressão física e que o trecho da gravação que tem circulado nas redes sociais está fora de contexto. “Não admito a utilização de meu nome, sobretudo em peças com viés claro de fake news, tentando prejudicar alguém da minha família. Nunca fui agredida por nem um (sic) dos meus netos, com os quais tenho uma relação de amor profundo e carinho”, afirma no texto. Na nota, Ana Arraes ainda lembra que, como ministra do TCU, é impedida pela legislação de assumir posições políticas ou pessoais no processo eleitoral.

Como verificamos?

Para essa verificação, o Comprova resgatou matérias publicadas na imprensa sobre as críticas mútuas feitas por João Campos e o tio, Antônio Campos, e sobre as declarações de Ana Arraes na época. Também ouvimos na íntegra a entrevista em que a ministra do TCU profere as frases ressaltadas no vídeo verificado, para entender em que contexto ela afirmou que o neto a “agrediu”.

Procuramos a ministra Ana Arraes pelo WhatsApp e pela assessoria de imprensa do Tribunal de Contas da União (TCU). Também entramos em contato com a assessoria de João Campos. Por fim, conversamos com o blogueiro Ricardo Antunes, que publicou o vídeo nas redes sociais.

Verificação

Contexto da fala de Ana Arraes

Em dezembro de 2019, o deputado federal João Campos criticou a gestão do então ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante uma reunião da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Ao responder às críticas do parlamentar, Weintraub lembrou que um tio de João, o advogado Antônio Campos, conhecido como “Tonca”, ocupa o posto de presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), órgão ligado ao MEC. O deputado pernambucano, então, respondeu: “Eu nem relação eu tenho com ele. Ele é um sujeito pior do que você”.

O episódio deu início a uma crise interna na família, tradicional na política pernambucana. Um dia após a troca de ataques entre João e o tio, a ministra do Tribunal de Contas da União, Ana Arraes, avó de João Campos e mãe de Antônio Campos, se manifestou pela primeira vez, dizendo que não admitiria grosserias entre os familiares. “Eu não vou admitir agressões suas contra Tonca. Ele nunca lhe agrediu”, afirmou a ministra, que disse se sentir desrespeitada pelo neto.

Em janeiro de 2020, Ana Arraes deu uma longa entrevista ao Blog de Jamildo, do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação. O áudio verificado pelo Comprova é um trecho dessa entrevista que foi retirado de contexto.

Questionada sobre o episódio e se ainda estava magoada com o neto, a ministra respondeu: “Eu espero que ele me peça desculpas. Se ele não me pedir, nem me procurar, o problema é dele. Quem me agrediu foi ele. Eu não o agredi. Nunca agredi nenhum neto. Pelo contrário, sempre fui avó. (risos) Eu sou uma pessoa calma, uma pessoa que tem tranquilidade para resolver as coisas. Mas tem coisas que a gente não pode admitir. Porque eu fui criada e aprendi desde cedo a ter respeito às pessoas.”

Em outro momento da entrevista, quando perguntada se a família não fez as pazes durante o Natal, ela nega. “Ele não me procurou. Ele é quem tem que me procurar. Porque o agressor é quem tem que procurar o agredido.”

Em todos os momentos em que fala sobre ter se sentido agredida, portanto, a ministra se refere, então, às críticas públicas que o neto fez ao próprio tio, não a uma eventual agressão física. Procurada para comentar sobre o assunto, a ministra disse que não iria se manifestar. Até a publicação desta verificação, a assessoria de imprensa de João Campos também não se manifestou.

Vídeo e autor

O vídeo reproduz apenas alguns segundos da entrevista com as mensagens “João Campos agrediu a própria avó” e “quem agride a própria avó não respeita ninguém”. A peça viralizou no momento em que o deputado federal do PSB disputa o segundo turno das eleições no Recife com uma prima, a também deputada federal Marília Arraes (PT). O conteúdo chegou ao Comprova por sugestão dos leitores, após ter circulado no WhatsApp, e também no monitoramento de redes sociais.

No Instagram, o vídeo foi publicado pelo blogueiro Ricardo Antunes. Ao Comprova ele disse que tem reproduzido memes criados durante a campanha eleitoral e vídeos produzidocriados com a função de atacar os concorrentes. “O critério, nesse caso, é que ela tenha algo verdadeiro (como essa briga que ele teve com a avó durante a questão do tio) e se encaixe como peça de ‘desconstrução de imagem’ do candidato”, explicou. O objetivo seria mostrar até onde os candidatos vão para tentar desconstruir o adversário.

No caso desse vídeo específico, o blogueiro informou que o recebeu por WhatsApp de várias fontes diferentes.

A proposta, porém, não é explicada na publicação dele. O perfil de Antunes costuma ter conteúdos noticiosos e a única indicação de que a postagem do vídeo é um conteúdo distorcido é a expressão “Guerra de Propaganda” na legenda. No entanto, uma pessoa que olhar apenas essa postagem isolada dificilmente entenderá esse contexto.

Antunes já foi preso em flagrante, em 2012, acusado de extorsão. Ele foi solto após quatro meses e, na época, alegou que a prisão teria motivações políticas.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre as eleições 2020, a pandemia de covid-19 e políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Peças de desinformação sobre a eleição podem levar as pessoas a decidirem o seu voto a partir de informações incorretas. O vídeo verificado aqui foi compartilhado por WhatsApp e teve 1,7 mil visualizações no Instagram até o dia 26 de novembro. Trechos da entrevista também foram publicados no Twitter, com menor alcance.

Sobre candidatos, o Comprova já mostrou ser falso que Guilherme Boulos (PSOL), candidato à Prefeitura de São Paulo, tenha cobrado aluguel de moradores sem-teto; e que o prefeito da capital paulista, Bruno Covas (PSDB), tenha proibido o uso de hidroxicloroquina na cidade. O Comprova também já mostrou que o ataque hacker a sistemas do TSE não viola a segurança da eleição; que a justificativa dos eleitores não pode ser transformada em voto válido; e que o sistema de voto eletrônico do Brasil pode ser auditado.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2020-11-24

É falso que Boulos tenha cobrado aluguel de moradores sem-teto

  • Falso
Falso
Postagem no Facebook faz referência ao edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou em 2018 após um incêndio causado por um curto-circuito, mas o imóvel era ocupado pelo Movimento Luta por Moradia Digna (MLMD), que não tem ligação com o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), do qual Boulos era coordenador
  • Conteúdo verificado: Post no Facebook afirma que Guilherme Boulos alugava quartos para moradores em ocupações no centro de São Paulo, citando prédio que pegou fogo

É falso que o candidato a prefeito de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, “alugava quartos nos prédios abandonados” no centro da capital. A alegação circula em postagem viral no Facebook. O post se refere ao edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou em 2018 após um incêndio causado por um curto-circuito. O imóvel era ocupado pelo Movimento Luta por Moradia Digna (MLMD), que não tem ligação com o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), do qual Boulos era coordenador e se afastou durante a campanha eleitoral.

Após o desabamento, moradores da ocupação no centro da cidade disseram que pagavam até R$ 400 de aluguel. Um ano depois, quatro pessoas ligadas aos movimentos Moradia Para Todos e ao Movimento dos Sem Teto do Centro foram presas por quatro meses, acusadas de extorsão, o que elas negam.

Essa acusação já havia sido feita contra Boulos em 2018, quando o líder do movimento sem-teto concorreu à Presidência pelo PSOL. O candidato negou reiteradas vezes que ele ou o MTST cobre aluguel em ocupações. Ao Comprova, disse que a alegação difundida no post de Facebook é mentirosa.

Como verificamos?

Ao iniciar esta checagem, pesquisamos reportagens sobre a cobrança de aluguel feita a moradores do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou em São Paulo, há dois anos. Nenhuma delas ligava o MTST ao local e, por meio de buscas on-line, verificamos que a falsa acusação envolvendo Boulos já vinha desde 2018 e foi requentada na campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo – ele concorre no segundo turno.

Procuramos a assessoria de imprensa da campanha do político, que nos respondeu por WhatsApp, e tentamos contato com a autora do post, que não nos retornou até a publicação deste texto.

Verificação

Acusação antiga

Em seu post, a autora relembra o episódio de um imóvel que “pegou fogo”, quando “faleceu um rapaz”. Em 1º de maio de 2018, o edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, desabou após um incêndio, causado por um curto-circuito. Sete pessoas morreram e 291 famílias ficaram desabrigadas. O prédio, de 24 andares, havia sido construído nos anos 1960 e pertencia ao governo federal, mas estava abandonado desde o fim dos anos 2000 e começou a ser ocupado por sem-tetos. Desde 2010, era ocupado pelo Movimento Luta por Moradia Digna (MLMD).

Logo após o desabamento, moradores afirmaram em entrevistas que líderes da ocupação cobravam uma taxa de aluguel de quem vivia ali, entre R$ 200 e R$ 400. Mais de um ano depois do acidente, algumas pessoas apontadas como líderes ficaram cerca de quatro meses presas, acusadas de extorsão, o que negam. Elas eram ligadas ao Movimento Moradia Para Todos e ao Movimento dos Sem Teto do Centro. Os presos não eram ligados ao movimento que organizou a ocupação do edifício Wilton Paes de Almeida, o MLMD, mas a denúncia do Ministério Público que motivou a prisão englobava ocupações de outros prédios, segundo o site Ponte Jornalismo.

Ou seja, diferentemente do que afirma o post verificado aqui, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, do qual Boulos era coordenador, não teve relação nenhuma com a acusação de cobrança de aluguel.

Na época do desastre, Boulos era pré-candidato à Presidência pelo PSOL, e disse desconhecer o MLMD e repudiou a taxa. “O MTST reconhecidamente não faz qualquer tipo de cobrança; esse não é um método que a gente ache adequado. Depende muito de cada movimento, mas desde a formação do MTST, há mais de 20 anos, esse é nosso entendimento”, afirmou.

Já como candidato, em setembro de 2018, ele criticou os casos de desinformação sobre esse assunto em entrevista à Jovem Pan. “A sociedade está doente. Eu estou tendo que processar muita gente porque inventaram a história de que o MTST cobra aluguel. Isso é uma mentira deslavada, absurda, que ‘virou verdade’”, disse. E acrescentou: “Aquela ocupação não era organizada pelo MTST. Existem centenas de movimentos no país e cada um tem seus critérios. Ao que parece, naquele caso, tinha gente explorando a miséria. Tanto que os organizadores vazaram. Nós nunca fizemos isso. Alguém que está nessa situação não tem como pagar nada”.

Na eleição de 2020

No dia 11 de novembro de 2020, quatro dias antes do primeiro turno, a Justiça Eleitoral mandou que Celso Russomanno, então candidato à Prefeitura de São Paulo pelo Republicanos, fosse investigado por suposta desinformação envolvendo o nome de Boulos.

O pedido havia sido feito pela campanha do candidato psolista, que afirmou que o adversário havia propagado informações falsas sobre Boulos invadir casas e cobrar aluguel em imóveis em situação irregular – em um vídeo, Russomanno dizia que a cobrança foi feita aos moradores do edifício Wilton Paes de Almeida. Antes de ser retirada do ar pela Justiça, a desinformação foi disseminada por Russomanno na propaganda eleitoral no rádio, na TV e nas redes sociais.

O que Boulos diz sobre a volta da desinformação

Além de ter entrado na Justiça contra a desinformação espalhada por Russomanno, em 7 de outubro de 2020, Boulos postou um vídeo em seu canal no YouTube sobre esse assunto. Na gravação, que entrou no site de sua campanha na aba “Fake News”, ele repete que nunca cobrou aluguel de sem-teto.

Contatada pelo Comprova, a assessoria de imprensa do candidato acusou a campanha do adversário na corrida à Prefeitura de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), de espalhar mentiras. Questionada se teria alguma prova de que o tucano tenha disseminado desinformação sobre o assunto verificado aqui, a equipe do psolista respondeu apenas: “É essa a resposta por enquanto”.

Recursos do MTST e da campanha

Na página “Fake News”, em que publicou o vídeo sobre o assunto verificado aqui, a campanha de Boulos explica de onde vêm os recursos do MTST: “De doações, campanhas de financiamento online e também de produtos produzidos pelo próprio movimento, como bonés e camisetas”. O texto cita como exemplo uma ação criada pelo movimento durante a pandemia, o Fundo Solidário, que arrecadou mais de R$ 1 milhão “para comprar alimentos, produtos de higiene e proteção” que foram distribuídos em comunidades mais carentes de São Paulo.

Já a campanha eleitoral de Boulos é financiada, segundo o site de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), principalmente pelo fundo eleitoral (dinheiro público a que os partidos têm direito em eleições). O financiamento coletivo aparece em segundo lugar e, a partir do terceiro, são doações de pessoas físicas.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova, em sua terceira fase, verifica conteúdos que viralizam nas redes sociais ligados às políticas públicas do governo federal, à pandemia do novo coronavírus e às eleições municipais.

Postado no grupo de Facebook “Caio Copolla no Senado” em 21 de novembro, ou seja, depois de a informação disseminada ter sido desmentida pela Justiça Eleitoral, o conteúdo verificado aqui teve mais de 3 mil compartilhamentos e 1,4 mil reações até 24 de novembro.

O nome de Boulos esteve em uma verificação recente do Comprova, que mostrou ser falso que ele decretaria que os paulistanos abrissem suas casas para abrigar pessoas em situação de rua. Além disso, o Comprova já verificou outros conteúdos ligados às eleições, como os que mostraram que um recente ataque hacker ao STJ não era ameaça à segurança das eleições e que o sistema de voto eletrônico brasileiro pode ser auditado, ao contrário do que afirmava um post nas redes sociais.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2020-11-23

Software usado em urnas eletrônicas brasileiras não é o mesmo que dos EUA

  • Falso
Falso
O software usado nas urnas eletrônicas do Brasil foi integralmente desenvolvido e é mantido pela equipe técnica do TSE e não foi cedido para uso nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, ao contrário do que afirma jornalista em vídeo publicado no YouTube
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado por uma jornalista afirmando que as eleições norte-americanas fizeram “test drive” de um software usado nas eleições municipais brasileiras em 2020

É falso que as eleições de 2020 no Brasil usaram o mesmo software utilizado no pleito presidencial norte-americano, conforme afirma uma jornalista em um vídeo publicado no YouTube. Isso não ocorreu em 2020 nem ocorrerá na próxima votação. O Brasil tem um sistema próprio e único utilizado na urna eletrônica, desenvolvido pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em nota ao Comprova, o Tribunal afirmou que o software usado nas urnas eletrônicas do país “é integralmente desenvolvido e mantido pela equipe técnica do TSE” e que “ele não foi cedido para uso nas eleições presidenciais dos Estados Unidos”.

O vídeo traz ainda outras informações inverídicas, como a de que a empresa Lenovo iria fornecer as novas urnas a serem usadas na eleição de 2022 no Brasil. Os equipamentos serão fabricados pela Positivo Tecnologia, companhia brasileira de capital aberto que não tem relação com a Lenovo.

Também é falso que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que perdeu as eleições para o democrata Joe Biden, esteja provando que houve fraude no pleito – o atual presidente tem perdido judicialmente recursos que move para tentar comprovar fraude. Segundo a jornalista, no Brasil seria impossível questionar o resultado da votação pois as urnas não são auditáveis. Isso também é falso. O TSE divulga todos os boletins de urnas eletrônicas e qualquer um pode ter acesso e conferir a votação de todos os candidatos.

No vídeo, a jornalista, que já foi candidata a deputada federal pelo PSL, questiona ainda a inviolabilidade das urnas eletrônicas por usarem sistema operacional baseado em Linux, que seria “sem segurança e facilmente adulterável”. Segundo especialistas, nenhum sistema é 100% seguro, mas o fato de o Linux ser um sistema aberto oferece mais segurança, pois mais programadores podem verificar seu código e melhorá-lo. Além disso, o TSE faz testes e atualizações regulares para aumentar a segurança das urnas. O Comprova tentou contato por e-mail com a autora do vídeo, mas não obteve retorno até a publicação.

Como verificamos?

Primeiramente, acionamos o TSE via e-mail para entender se o sistema usado no Brasil já foi ou será compartilhado com os Estados Unidos. Também questionamos a segurança do sistema usado nas urnas eletrônicas e se a Lenovo tem qualquer relação com a produção. Consultamos também as assessorias das empresas Positivo e Lenovo para confirmar se haveria alguma relação entre ambas.

Procuramos por especialistas em tecnologia da informação para saber mais sobre a segurança do sistema Linux. Foi entrevistado, por e-mail, o diretor técnico do Departamento de Tecnologia da Informação (DTI) do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), Fabio Correa Xavier, que trabalha no departamento há 17 anos. Também fizemos contato com o diretor da empresa Linux Solutions, Paulo Henrique Oliveira, que trabalha com o sistema operacional Linux há 23 anos. A entrevista foi realizada via e-mail.

Consultamos também o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e representante da Sociedade Brasileira de Computação nos testes do TSE, Paulo Lício de Geus. Pesquisamos ainda notícias em portais jornalísticos sobre os temas abordados no vídeo e no próprio Comprova, que já verificou uma série de correntes que questionam a segurança das urnas eletrônicas e a lisura do processo eleitoral brasileiro.

Para saber mais sobre a identidade da jornalista, procuramos no Google e no registro de candidatura divulgado pelo TSE.

Verificação

Os softwares do Brasil e dos Estados Unidos

Em um trecho do vídeo, a autora denuncia, sem apresentar provas, uma suposta fraude na eleição norte-americana. Segundo ela, “votos dados ao presidente Trump foram lidos como se tivessem sido dados a Biden”, e “fizeram lá [nas eleições americanas] um test drive do software que seria usado aqui nas eleições municipais de 2020”. A afirmação, no entanto, é falsa.

Procurado pelo Comprova, o TSE afirmou em nota que o software utilizado nas urnas eletrônicas é integralmente desenvolvido e mantido pela equipe técnica do Tribunal e que ele não foi cedido para uso nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. “O software utilizado no Brasil não possui qualquer relação com sistemas informatizados utilizados nas eleições americanas. O software desenvolvido pelo TSE nunca foi submetido a qualquer tipo de teste nos EUA”, afirma um trecho da resposta.

Em um comunicado divulgado em 2018, o TSE já informava que equipes de desenvolvimento de software do próprio tribunal desenvolvem os programas de eleições, inclusive os que são utilizados nas urnas. O material também reforça que os sistemas passam pelos chamados Testes Públicos de Segurança (TPS), em que especialistas em tecnologia e órgãos públicos e privados auxiliam na melhoria dos sistemas.

Um artigo publicado na revista da Escola Judiciária Eleitoral afirma que o software inicialmente era desenvolvido pela vencedora da licitação para fabricar as urnas, com acompanhamento do TSE, mas que passou a ser desenvolvido por técnicos da própria Corte no ano de 2005. “Em 2005, diante da impossibilidade de a empresa contratada para a fabricação da urna 2004 fazer as adaptações necessárias no software para o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, foi preciso que a equipe da Seção de Voto Informatizado (Sevin), da Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE, assumisse o desenvolvimento do software”, diz um trecho do artigo.

Uma possível origem do boato pode estar em outras notícias falsas que circulam nas redes sociais desde o fim das eleições presidenciais nos Estados Unidos. Uma delas dá conta de que a empresa Dominion, que fornece software para as eleições em alguns estados norte-americanos, teria deletado 2,7 milhões de votos para Donald Trump. A acusação, sem provas, foi publicada no próprio Twitter do atual presidente norte-americano. O tema já foi alvo de outras verificações, como a da Agência Lupa, que mostrou ser falsa a afirmação, e do Aos Fatos, que indicou não haver evidências desta suposta fraude.

Segundo uma verificação da Reuters, a Dominion, que é alvo das críticas de Trump, atuou em pelo menos 24 estados norte-americanos nas eleições presidenciais de 2020. Dados da Verified Voting Foundation, organização não governamental que acompanha o uso da tecnologia nas eleições do país, indicam que ela foi a empresa presente no segundo maior número de estados, atrás apenas da Election Systems & Software, que atuou em 43 unidades da federação. A Dominion é uma empresa de origem canadense e a Election Systems & Software, norte-americana. Outras 19 empresas ainda aparecem como fornecedoras de soluções usadas na votação deste ano nos EUA, segundo a ONG.

No Brasil, o sistema operacional da votação (baseado em Linux e chamado de Uenix) e os softwares utilizados nas urnas são os mesmos em todo o país. As soluções são desenvolvidas pelos próprios técnicos do TSE e não têm relação com sistemas usados na eleição norte-americana, conforme apontou o tribunal.

Consultado pelo Comprova, o professor da Universidade Estadual de Campinas e representante da Sociedade Brasileira de Computação nos testes do TSE como avaliador, Paulo Lício de Geus, reforçou que não há relação entre o sistema das urnas brasileiras e tecnologias usadas nos Estados Unidos. Ele diz que toda a relação que pode existir entre algumas urnas americanas e a brasileira é que a empresa que fabrica o hardware (o equipamento em si) no Brasil foi comprada pela norte-americana Diebold. A partir de 2022, no entanto, a produção ficará a cargo da empresa brasileira Positivo (veja mais abaixo).

“Mas o que importa é o sistema de software, feito pelo TSE, um para cada eleição (obviamente aprimoramentos das versões anteriores)”, explicou o professor, em conversa pelo aplicativo WhatsApp.

Lenovo não irá fornecer urnas eletrônicas

Em outro trecho do vídeo, a autora afirma que “aqui [no Brasil], o plano [de fraude] começou a ser articulado com a compra de novas urnas eletrônicas da Lenovo, empresa chinesa, que serão usadas somente em 2022”. A informação também é falsa.

Em julho deste ano, o TSE confirmou o nome da empresa Positivo Tecnologia como vencedora da licitação para a fabricação de novas urnas eletrônicas, a serem usadas a partir de 2022.

Outros conteúdos falsos que circulam nas redes sociais já sugeriram uma suposta compra da Positivo pela Lenovo, o que não procede. Em nota enviada ao Comprova, a Positivo desmentiu rumores sobre uma suposta venda à Lenovo e disse que “não existe qualquer negociação neste sentido”. Checagens da Agência Lupa e do Estadão Verifica já haviam apontado como falso o conteúdo que afirmava ter ocorrido uma compra da Positivo pela Lenovo.

Segundo o site da empresa para relações com investidores, a Positivo é uma empresa de capital aberto com 55,4% das ações negociadas em mercado (free float), 43,8% pertencente a um grupo de controladores e o restante ligado a ações em tesouraria da própria empresa. A Positivo Tecnologia foi fundada no Brasil, em 1989, conforme informado no site da empresa.

O Comprova também consultou a assessoria da Lenovo, que igualmente negou a suposta aquisição da Positivo Tecnologia. Em nota, a empresa também informou que não participou da concorrência pública para fornecimento de urnas eletrônicas ao TSE e que não tem acordo para oferecer esses equipamentos. “Além disso, a companhia não fornece tecnologia voltada ao processo eleitoral”, aponta um trecho da resposta.

Em resposta ao Comprova, o TSE afirmou que em 2012 a Lenovo fez uma oferta de compra da Positivo, mas que o negócio não foi efetuado porque a empresa brasileira não aceitou. O Tribunal reforçou também que a Lenovo não fornece equipamentos ou softwares para uso nas eleições. Disse que a empresa foi contratada em uma licitação apenas para o fornecimento de estações de trabalho para áreas administrativas do TSE.

Trump não provou fraude nos EUA

A jornalista afirma ainda que Donald Trump está conseguindo comprovar fraudes nas eleições dos Estados Unidos graças à recontagem dos votos impressos. Na verdade, o que tem acontecido é o contrário.

O presidente norte-americano perdeu mais de 20 ações que moveu em diferentes estados questionando o resultado das eleições. No Geórgia, estado tradicionalmente republicano, as autoridades eleitorais já afirmaram que a recontagem não tirará a vitória de Joe Biden.

Na semana passada, a Agência de Cibersegurança e Segurança de Infraestrutura dos Estados Unidos (CISA, na sigla em inglês) afirmou que a eleição de 2020 teria sido a “mais segura da história”. Trump, que, como a jornalista no vídeo, insiste que houve fraude sem apresentar provas, reagiu à publicação demitindo o diretor da agência, Chris Krebs, nesta semana.

Urnas eletrônicas são auditáveis

A informação de que as urnas eletrônicas não podem ser auditadas é falsa e já foi verificada pelo Comprova e por outros veículos de checagem, como UOL Confere. As urnas não só são auditadas no dia da eleição como todos os votos ficam registrados e podem ser checados por qualquer um.

No dia da votação, todos os tribunais regionais eleitorais (TREs) fazem um processo de votação paralelo ao oficial, chamado Auditoria de Funcionamento das Urnas Eletrônicas. Para mostrar que as urnas estão funcionando e apurando os votos corretamente, pessoas registram os votos em uma planilha e digitam o mesmo número na urna. Todo o processo, incluindo a cabine de votação, é filmado, para garantir que os representantes digitaram os números certos, e acompanhado por empresas terceirizadas. Ao final, faz-se uma comparação entre o boletim da urna e a planilha do TRE.

Além disso, ao fechar a votação, todas as urnas emitem boletins com todos os votos registrados nelas. Entre cinco e dez cópias desses documentos são impressas, registradas em cartório e entregues a representantes dos partidos, da Justiça Eleitoral, do Ministério Público Eleitoral (MPE) e podem ser fotografadas por membros da sociedade civil.

Alguns dias após as eleições, todos os boletins de urnas são publicados on-line, respeitando o sigilo de voto, mas com o número exato de cada voto registrado em cada urna. Caso um candidato, partido ou membro da sociedade civil queira fazer uma contagem própria, é possível.

STF barrou impressão de comprovante de voto

Conforme diz a jornalista, a impressão do voto pela urna eletrônica de fato foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão foi dada por maioria em setembro deste ano. A proposta, presente na minirreforma eleitoral de 2015, já estava suspensa por liminar desde 2018 a pedido da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Segundo a Agência Brasil, em seu voto, o ministro Gilmar Mendes, relator do processo, destacou que não se pode utilizar “uma impressora qualquer” para a emissão do voto. Ele avaliou que seria necessário o desenvolvimento de um equipamento ao mesmo tempo “inexpugnável” e capaz de inserir o comprovante de votação em um invólucro lacrado.

Mendes também colocou em xeque a segurança das urnas. “De outra forma, a impressora poderia ser uma via para hackear a urna, alterando os resultados da votação eletrônica e criando rastros de papel que, supostamente, os confirmassem”, declarou o ministro.

Na manhã do domingo das eleições municipais (15), o sistema do TSE sofreu um ataque hacker que roubou dados atualizados do Tribunal, segundo investigação da Polícia Federal. Isso, no entanto, nada teve a ver com as urnas eletrônicas. Conforme o Comprova já checou, elas são dispositivos completamente isolados, sem qualquer conexão com redes externas – e é exatamente isso que a torna inviolável.

A segurança do Linux

O Linux é um sistema operacional de código aberto que utiliza o Kernel Linux, um núcleo que comporta outros subsistemas e permite que várias aplicações sejam executadas de modos independente e concorrente por usuários diferentes. Isso possibilita a interação de outros usuários, o que também contribui para sua maior segurança.

Um software livre como o sistema Linux possui os códigos abertos, visíveis aos usuários, onde é permitido realizar mudanças no sistema, a fim de propor melhorias. “A segurança no Linux é bem completa e totalmente configurável. O sistema de segurança foi criado pela NSA [Agência Nacional de Segurança dos EUA], e impõe regras em arquivos e processos em um sistema Linux”, explica Fábio Correa Xavier, diretor técnico do Departamento de Tecnologia da Informação (DTI) do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP).

De acordo com o TSE, o sistema das urnas, baseado em Linux, está sempre em monitoramento. “Por ser aberto, o sistema está sob permanente escrutínio e teste por especialistas de todo o mundo (inclusive do Brasil)”, afirmou o Tribunal, em resposta ao Comprova. “A visão do Linux como um sistema seguro é uma posição fortemente defendida pela comunidade técnica e acadêmica especializada”.

Para o analista de sistemas e diretor da Linux Solutions, Paulo Henrique Oliveira, não existe um sistema cem por cento seguro. O diferencial no sistema de segurança do Linux se dá pelo fato de ser um software de código aberto, o que gera a facilidade em resolver seus problemas de segurança rapidamente. “Como o Linux é aberto, mais programadores podem verificar seu código e melhorá-lo. Isso acaba tornando o Linux um sistema bem seguro.”

O mecanismo de segurança das urnas foi colocado à prova durante testes públicos de segurança realizados em 2009, 2012, 2016, 2017 e 2019, quando nenhuma tentativa de fraude e adulteração dos sistemas obteve êxito. No ano de 2016 tornaram-se obrigatórios, pela Resolução nº 23.444, do TSE, os testes nas urnas eletrônicas. A urna eletrônica utiliza as tecnologias de criptografia, assinatura digital e resumo digital. Durante todo o processo de votação são utilizadas tecnologias pelo hardware e pelo software da urna eletrônica que criam uma cadeia de confiança, garantindo que somente o software desenvolvido pelo TSE possa ser usado nos equipamentos.

“O TSE tem uma versão própria do Linux, o UENIX, com diversas alterações que foram feitas para melhorar a segurança. Esse código é alterado, e os drivers e aplicativos desenvolvidos são proprietários. Além disso, o código-fonte que vai para a urna é lacrado digitalmente com uma assinatura digital que permite identificar qualquer adulteração que venha a ser feita posteriormente”, ressalta Xavier.

Segundo verificações do UOL, a Corte eleitoral permite que mais de 15 instituições (entre elas estão OAB, MP, STF) tenham acesso ao código-fonte durante os seis meses anteriores às eleições para uma auditoria. Esse processo está previsto pela resolução nº 23.603, de 12 de dezembro de 2019. Durante o processo de carregamento das urnas eletrônicas com os softwares, o código-fonte é compilado, transformado em código binário (linguagem para a máquina entender e rodar os devidos comandos), e os arquivos recebem uma identificação. Depois desse processo, as instituições que compõem a corte assinam digitalmente o arquivo, e ele é lacrado publicamente.

Quem é Regina Villela

Regina Villela é uma jornalista e radialista carioca que se candidatou a deputada federal pelo PSL, então partido do presidente Jair Bolsonaro (hoje sem partido), em 2018 no Ceará. Com pouco menos de 3 mil votos, ela não foi eleita.

Em seu canal do YouTube, com mais de 165 mil inscritos, ela trata majoritariamente de política, com visão à direita. Regina já veiculou informações contestáveis e inflou números de desvios na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2019, ela foi investigada pela Polícia Civil após divulgar informações falsas sobre a prefeitura de Fortaleza. Conteúdos compartilhados por ela já foram checados por diversos veículos. O Comprova enviou mensagem ao e-mail indicado no canal da jornalista no YouTube, mas não obteve retorno até a publicação desta verificação.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova monitora e verifica conteúdos sobre a pandemia, eleições municipais e políticas públicas do governo federal que possam causar desinformação nas redes sociais. É o caso do vídeo compartilhado pela jornalista. Com mais de 73 mil visualizações e 16 mil curtidas, Regina passa uma série de informações falsas com intuito de questionar a lisura do sistema eleitoral brasileiro, como já fez o próprio presidente Jair Bolsonaro, que, como ela, também não apresentou provas.

O Comprova tem verificado uma série de postagens que questionam a eficiência das urnas eletrônicas, como a corrente que afirma que um documento prova fraudes nas eleições de 2018 e a que diz que apenas três países no mundo usam urnas eletrônicas, ambas apontadas como falsas

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2020-11-23

Diferença entre resultados de pesquisa e de eleição não implica fraude

  • Enganoso
Enganoso
Embora o resultado da eleição não tenha confirmado os índices de uma pesquisa feita para a Prefeitura de Porto Alegre em 14 de novembro, a consulta confirmou os dois nomes que já vinham liderando as pesquisas anteriores. Além disso, a desistência de um dos candidatos na semana da eleição pode ter provocado mudanças nas intenções de voto
  • Conteúdo verificado: Tuíte sugere que pesquisa eleitoral em Porto Alegre é falsa porque percentuais estimados foram diferentes dos resultados das urnas

É enganoso o tuíte do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) sugerindo ser falsa pesquisa eleitoral em Porto Alegre ao comparar o percentual apontado pelo estudo com o resultado das urnas. O atual presidente do PTB escreve ainda, na rede social, que “algo tem que ser feito contra pesquisas fake”, mas a análise prévia sobre intenção de votos é válida e registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), passando por todos os ritos legais.

O resultado da votação ficou realmente fora da margem de erro do levantamento feito pelo Ibope e divulgado em 14 de novembro, um dia antes do pleito. No entanto, segundo especialistas consultados para esta verificação, essa variação é sempre uma possibilidade e não prova que houve erro, tampouco intenção de fraude.

Além disso, o cenário projetado pelo Ibope desde 5 de outubro, data da primeira pesquisa tornada pública, se confirmou: decisão no segundo turno entre Manuela D’Ávila (PCdoB) e Sebastião Melo (MDB). Este último apresentava intenção de votos crescente nos últimos levantamentos do Instituto.

A renúncia de um candidato poucos dias antes da votação é outro fator que pode ter alterado o cenário. Bem como a questão de Porto Alegre ter a maior taxa de abstenção entre municípios com mais de 200 mil eleitores — um a cada três votantes não compareceu às urnas.

Apesar de não serem comuns, discrepâncias assim podem ocorrer. Não apenas em outras cidades, mas em outros países. É o caso da eleição de 2016 nos Estados Unidos.

Jefferson também menciona o DataFolha, mas o instituto não realiza pesquisas na capital gaúcha. Pelo Twitter, ele afirmou que “uma pesquisa assim, na véspera, não pode ser considerada séria”. Também disse que os membros do Comprova, “em vez de se preocuparem em comprovar a pesquisa, atacam quem critica”. Só depois respondeu ao contato direto da reportagem, acrescentando que a pesquisa não pode ser considerada séria: “não por ser divulgada na véspera, mas por produzir números tão discrepantes“.

Posteriormente, o tuíte que originou esta verificação foi deletado.

Como verificamos?

A reportagem comparou percentuais citados no tuíte com o indicado na pesquisa do Ibope e os resultados do 1º turno do site do TSE. Também verificamos as informações da pesquisa no site do Tribunal para atestar a veracidade do levantamento.

O Ibope foi questionado sobre a discrepância entre o resultado da pesquisa e o percentual observado nas votação em si. O Comprova também consultou Marcelo Tokarski, sócio-diretor do FSB Pesquisas, e Paulo Peres, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os dois especialistas explicaram a dinâmica de pesquisas eleitorais e os fatores específicos do cenário de Porto Alegre que podem justificar porque a pesquisa divulgada na véspera das eleições não refletiu com precisão a escolha dos eleitores.

A reportagem buscou outros exemplos de diferença entre pesquisas de intenção de votos e os resultados reais para determinar se o fenômeno pode ser considerado incomum ou indicativo de fraude.

Por fim, também fizemos contato com o autor da postagem.

Verificação

Credibilidade da pesquisa

Roberto Jefferson usou seu perfil no Twitter em 17 de novembro, dois dias após a votação em primeiro turno, escrevendo que “algo tem que ser feito contra pesquisas fake”. Porém, não há provas de que a pesquisa a qual ele se refere seja falsa. O ex-deputado menciona Ibope e DataFolha, no entanto, somente o primeiro fez estudos sobre intenção de votos na capital gaúcha.

Em resposta ao Comprova, o Datafolha destacou que “não fez pesquisas eleitorais em Porto Alegre este ano.”

Já o Ibope retornou ao nosso contato por e-mail justificando a diferença entre a previsão e o resultado final com o argumento de que “eleições municipais, especificamente, são bastante dinâmicas, pois lidam com assuntos que impactam diretamente o eleitor e ele deixa para decidir seu voto na última hora”.

O instituto também alegou que trabalha dentro de trâmites legais para garantir idoneidade. Em posicionamento enviado ao Comprova, afirmou que “a empresa tem suas normas certificadas e cumpre rigorosamente os códigos de autorregulação e ética da Esomar (associação mundial de profissionais de pesquisa)”.

Em consulta ao registro de pesquisas eleitorais no site do TSE, pode-se acessar os dados da análise sobre intenção de votos em Porto Alegre — registrada sob o código RS-02998/2020 — e conferir o questionário aplicado, metodologia e outros detalhes.

O TSE informou que não divulga os resultados das pesquisas em seu portal, apenas informações metodológicas.

Os números

As porcentagens apontadas no tuíte de Roberto Jefferson são verdadeiras, tanto as que fazem referência à pesquisa quanto à apuração que levou ao segundo turno.

“Pesquisas do Ibope e do DataFolha no sábado mostravam Manuela D’Ávila com 40% e Sebastião Melo com 25%. Aí sai o resultado e dá Melo com 31% e Manuela com 29%. Onde foram parar ”os votos descritos por Ibope e DataFolha um dia antes?”, escreveu o ex-deputado.

Ele não menciona, contudo, que as três pesquisas divulgadas pelo Ibope (em 5 e 29 de outubro, e em 14 de novembro, respectivamente) sempre apontaram Manuela D’Ávila e Sebastião Melo como principais concorrentes ao segundo turno. Esse cenário aparece tanto nas avaliações que consideram votos totais (usam o total de menções aos candidatos e também brancos, nulos e os indecisos) e votos válidos (corresponde à proporção de votos do candidato sobre o total de votos, excluídos os votos brancos, nulos e indecisos).

Jefferson lançou dúvida sobre a pesquisa com as intenções de votos válidos. Nesse ponto, Paulo Peres, professor de Ciência Política da UFRGS faz uma observação: “A outra pesquisa, com todas as informações (a referente aos votos totais), dava Manuela com 35%. Não ficou muito fora da margem de erro, portanto.”

O Ibope considera como margem de erro três pontos percentuais para mais ou para menos sobre os resultados encontrados no total da amostra. Neste caso, realmente houve discrepância de dois pontos percentuais em relação ao resultado do pleito para Manuela D’Ávila e de seis pontos percentuais para Sebastião Melo.

O instituto alega que a diferença pode ter ocorrido porque pesquisas mostram “a movimentação das intenções de voto e, não raro, os candidatos podem subir ou descer na reta final da eleição. Para fazer uma comparação direta com os resultados das urnas seria necessário uma pesquisa de boca de urna, que não foi realizada na cidade.”

Paulo Peres indica razões que podem ter levado à disparidade: “Tais falhas podem envolver problemas operacionais e conjunturais, sem ter nenhuma relação com manipulações ou desonestidade por parte dos institutos de pesquisa. Uma coisa é dizer que houve erros nas projeções, outra coisa é supor que tais erros tenham sido intencionais para favorecer candidaturas, e outra, ainda, é supor que esses erros, sejam intencionais ou não, causaram, de maneira isolada, a eleição de alguém.”

O sócio-diretor da FSB Pesquisas, Marcelo Tokarski, concorda. Ele considera que, quando os resultados ultrapassam a margem de erro, “houve uma discrepância”. Mas acrescenta: “não necessariamente porque houve uma discrepância, significa que houve erro na pesquisa. Ainda mais hoje, com as redes sociais. A população muda muito rapidamente de opinião, e uma eleição municipal mobiliza menos que uma nacional”.

A disparidade entre projeção de uma pesquisa e o resultado das urnas já ocorreu, inclusive, nos Estados Unidos. Em 2016, a democrata Hillary Clinton era apontada como favorita em praticamente todos os levantamentos de intenção de voto e nas projeções feitas por institutos e pela imprensa. Porém, quem venceu a corrida para assumir a Casa Branca foi o republicano Donald Trump.

Em Vila Velha (ES), neste ano, porcentagem apontada por pesquisa também não bateu com a quantidade de votos no pleito. O primeiro colocado na eleição foi Arnaldinho Borgo (Podemos), com 36%, seguido de Max Filho (PSDB) com 22,9%. No estudo de intenção de votos Borgo aparecia na terceira colocação, com 20%, e Max liderava com 30% — empatado com Neucimar Fraga (PSD).

Possíveis justificativas

Neste caso da capital gaúcha, dois fatores são apontados como preponderantes para que os números da pesquisa pré-eleição sejam diferentes dos confirmados pela urna: a desistência do candidato do PTB (mesmo partido de Roberto Jefferson) à prefeitura e o alto índice de abstenção.

O petebista José Fortunati, que já foi prefeito de Porto Alegre, fez sua renúncia oficial em 11 de novembro, a quarta-feira que antecedeu o domingo de eleições. Após sair da disputa pela prefeitura, ele anunciou apoio a Sebastião Melo.

“Certamente, a saída de Fortunati da competição, em especial, às vésperas da eleição, provocou um rearranjo no quadro eleitoral. Melo foi favorecido, como mostraram os resultados do primeiro turno. Em primeiro lugar, Melo se descolou do bloco de centro-direita, que estava embolado na corrida pela segunda vaga ao segundo turno”, avalia o professor Paulo Peres.

Tokarski observa que Sebastião Melo já vinha ganhando espaço nas últimas pesquisas e que a escalada do candidato do MDB “não é surpreendente”. Ele acrescenta que, caso houvesse tempo para outra pesquisa antes do pleito, a tendência é que a migração de votos fosse melhor assimilada e que os percentuais ficassem mais próximos aos das urnas.

Em sua resposta, o Ibope lembra que Fortunati deixou a disputa um dia antes do início da última pesquisa e que “seu eleitorado teve pouco tempo para rever sua intenção de voto”. O instituto enfatiza também que “27% dos entrevistados afirmavam que ainda podiam mudar de voto”.

Marcelo Tokarski recorda ainda que é comum que os votos sejam decididos tardiamente, sem que as pesquisas possam mensurar as escolhas de último momento. Em 2018, 20% dos eleitores decidiram o voto para deputado estadual e federal nas últimas 24 horas. “A pesquisa é a fotografia de um momento. Para fazer um filme você tem que fazer várias”, observa o pesquisador. “Só pesquisas diárias poderiam refletir com mais precisão a opinião do eleitorado”.

Porto Alegre também apresentou outro fator atípico no 1º turno: Mais de 1/3 dos eleitores de Porto Alegre não compareceram às urnas no domingo (15). É a maior taxa de abstenção entre as cidades com mais de 200 mil votantes. Segundo reportagem de GZH, a pandemia e a descrença na política seriam as razões para que mais de 358 mil eleitores não fossem às urnas (33% da população votante).

Os dois especialistas consultados pelo Comprova acreditam que o alto índice de abstenções pode ter influenciado o resultado. O Ibope afirmou que “não é possível compreender o impacto do perfil do eleitor que deixou de comparecer às urnas, em função da pandemia, nos índices dos candidatos”.

“Você tem algum indicativo de informações sobre renda pelas zonas eleitorais. Mas não há como saber as abstenções por sexo ou etnia”, pontua o sócio-diretor do FSB. “Se mais mulheres deixaram de votar, podemos imaginar, por exemplo, que uma candidata mulher seria mais prejudicada”.

Tokarski observa ainda que é difícil prever o nível de abstenção no Brasil: “Nos Estados Unidos, os institutos trabalham com o que chamam de likely voter. Aqui no Brasil, o voto é obrigatório, embora tenha abstenção média de 16%”.

Peres ressalta que, apesar da diferença dos percentuais além da margem de erro, a pesquisa do Ibope projetou corretamente o cenário do segundo turno: “O que sempre esteve claro, desde o início da campanha, era que Manuela teria uma vaga. Inclusive, as pesquisas mostraram isso em todas as suas ondas de coleta de dados. As pesquisas também mostraram, corretamente, que havia uma disputa acirrada pelo segundo lugar, até a saída de Fortunati. Manuela recebeu uma proporção de votos menor do que o previsto, e Melo ficou à sua frente. No caso de Manuela, sua votação ficou próxima à margem de erro da última pesquisa do Ibope. No caso de Melo, a diferença foi maior. Mas, esse pequeno erro não alterou a projeção principal, ou seja, Manuela e Melo foram ao segundo turno“.

Roberto Jefferson

O advogado Roberto Jefferson é o atual presidente do PTB, sigla da qual faz parte desde o começo dos anos 1980 (antes, integrou PMDB e PP). Exerceu seis mandatos como deputado federal pelo Rio de Janeiro. Só deixou a vaga na Câmara, ocupada desde 1983, em 2005, quando foi cassado no episódio do Mensalão, no qual foi delator.

Ao tuitar sobre a verificação – antes de responder diretamente à equipe —, Jefferson disse que o Comprova não atestou a veracidade da pesquisa e sugeriu que a margem de erro foi desconsiderada. As declarações são anteriores à publicação desta reportagem.

O presidente do PTB só retornou ao contato do Comprova no fim da tarde de 20 de novembro, por meio de assessoria de imprensa, sem responder à maioria das perguntas da reportagem.

Em maio, Roberto Jefferson foi alvo de mandados de busca e apreensão referentes a inquérito de fake news conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Roberto Jefferson também é pai da deputada federal Cristiane Brasil (PTB), que figurou em checagem recente do Comprova que relaciona, sem provas, suposto vazamento de dados administrativos do Tribunal Superior Eleitoral que poderiam transformar as justificativas dos eleitores ausentes de seus domicílios eleitorais em votos válidos. O conteúdo foi classificado como falso.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova está em sua terceira fase, em que verifica conteúdos que viralizam nas redes sociais ligados às eleições municipais, às políticas públicas do governo federal e à pandemia.

Ao comparar uma pesquisa devidamente registrada e dentro dos procedimentos legais com o resultado da votação e sugerir que “algo tem que ser feito contra pesquisas fake”, Roberto Jefferson estimula desconfiança na democracia brasileira.

Ao levantar dúvidas sem apresentar provas, ele dá seguimento à agenda do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de duvidar do resultado das urnas.

Até 20 de novembro, o tuíte com conteúdo verificado aqui tinha mais de 2,7 interações (entre curtidas, comentários e republicações). Posteriormente, a postagem foi deletada.

O Comprova já averiguou outros conteúdos que colocam em xeque o processo eleitoral, como o que atestou que o ataque de hackers no sistema do TSE não viola a segurança da eleição (produzido em parceria com a agência Aos Fatos), o que mostra que a apuração é aberta a qualquer cidadão, o que mostra ser falso que votos recebidos por candidata a vereadora no Tocantins tenham reduzido durante apuração e o indicando que a Votação estável ao longo da apuração não configura fraude em São Paulo.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano; ou que é retirado de seu contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

Eleições

Investigado por: 2020-11-20

É falso que Boulos tenha falado em obrigar paulistano a receber morador de rua na pandemia

  • Falso
Falso
Postagem foi feita por perfil que tentava copiar a página real do político e foi suspenso pelo Twitter
  • Conteúdo verificado: Perfil no Twitter que tenta se passar pelo candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos escreveu que decretaria um lockdown diferente no qual os paulistanos deveriam abrir suas casas para receber moradores de rua

É falso que Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, tenha tuitado sobre abrigar pessoas em situação de rua em quartos vagos nas casas de paulistanos. O perfil @boulos50, que tentava copiar a página real do político e foi suspenso pelo Twitter, publicou em 18 de novembro que o candidato faria um lockdown “diferente”, decretando que cidadãos com um ou mais quartos vazios em casa teriam que abrigar moradores de rua em seus imóveis, “pela segurança de todos”.

Não é verdade. Ele trata sobre a população de rua e a pandemia em seu programa de governo, publicado antes do primeiro turno das eleições. Entre as propostas apresentadas, estão o “reforço nas medidas de prevenção em ambientes públicos e coletivos” e a “instituição da Renda Solidária para cerca de um milhão de pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade”.

Contatamos a equipe do candidato, que afirmou: “Infelizmente, nossa campanha tem sido alvo de inúmeras fake news. Não podemos permitir que mais uma eleição seja marcada por elas”. Não conseguimos contatar o autor do tuíte falso pois, como afirmado anteriormente, sua conta havia sido suspensa.

Como verificamos?

Primeiramente, buscamos no Twitter o nome de usuário que aparece no print que viralizou, o @Boulos50. Na data da nossa busca, a conta já estava suspensa.

Depois, entramos em contato com a assessoria de campanha do PSOL, partido de Guilherme Boulos, que nos disse que a conta dele na rede social é @GuilhermeBoulos, que inclusive tem o selo de verificação do Twitter. Por WhatsApp, nos enviaram uma nota sobre o caso.

Também pesquisamos o plano de governo do candidato e afirmações que ele já fez em sua conta oficial no Twitter e em reportagens sobre pessoas em situação de rua, invasões e pandemia.

Verificação

Perfil

No Twitter, o nome dos usuários faz parte do link de acesso ao perfil. Portanto, a conta que postou aparece no print que viralizou, @Boulos50, deveria estar disponível no endereço twitter.com/boulos50. O link, porém, mostra que ela foi suspensa, por violar regras da rede social.

No perfil, não há detalhes sobre quais regras teriam sido violadas, mas, no Twitter, há regras ligadas à autenticidade das contas: “não é permitido assumir a identidade de indivíduos, grupos ou organizações com a intenção de iludir, confundir ou enganar.”

Buscando pelo nome de Guilherme Boulos no Twitter, fomos direcionados a outra conta, @GuilhermeBoulos, que possui o selo de autenticidade concedido pela própria rede social. Segundo o Twitter, o selo azul “informa às pessoas que uma conta de interesse público é autêntica”.

Na conta verdadeira de Boulos, não encontramos nenhuma postagem com o mesmo conteúdo do print que viralizou, e a grafia equivocada da palavra “lockdown” – que no tuíte aparece como “lookdow” é mais um elemento que indica a inautenticidade da publicação.

Moradores em situação de rua e invasões

Além de falar sobre moradores em situação de rua em seu plano de governo, no dia 1ª de novembro, Boulos abordou o assunto em seu Twitter, afirmando: “nos primeiros 180 dias, vamos implantar o Plano Vida e Renda SP, com combate de verdade à pandemia”. E, em 19 de novembro, na mesma rede, escreveu que “se houver uma segunda onda (da covid-19), para evitar o contágio em casas com muita gente, onde o isolamento é impraticável, podemos acolher familiares provisoriamente em equipamentos da Prefeitura”.

Por ser coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e uma das principais lideranças da esquerda no país, Boulos costuma ter seu nome ligado a esse tipo de conteúdo falso e já tratou em um vídeo no YouTube sobre desinformação. Ele afirma que atua em movimentos sociais há 20 anos e que “o MTST, ao contrário do que diz a fake news, nunca invadiu casa de ninguém”. “O que ele faz é identificar imóveis (em situação irregular, como os que estão abandonados há mais de uma década, sem pagar imposto) e ocupar, junto com as pessoas, para pressionar o poder público para cumprir o seu papel”, diz ele.

Por que investigamos?

O Projeto Comprova, em sua terceira fase, verifica conteúdos que viralizam nas redes sociais ligados às políticas públicas do governo federal, à pandemia do novo coronavírus e às eleições municipais.

A desinformação é sempre perigosa, mas, quando envolve candidatos às eleições, ela se torna ainda mais problemática pois pode alterar o resultado das urnas com base em mentiras. No geral, concorrentes a cargos públicos têm qualidades, mas também defeitos, e não é necessário inventar histórias para que eles sejam descredibilizados.

O tuíte verificado, que atribui falsamente uma postagem polêmica a um dos candidatos que concorrem no segundo turno à prefeitura da maior cidade do país, teve mais de 1.500 interações só no grupo Aliança pelo Brasil, formado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) – embora tenha o mesmo nome do partido em processo em formação no TSE, o grupo não tem ligação formal com a associação política. O conteúdo também foi replicado por vários outros perfis no Facebook e no próprio Twitter. A agência Aos Fatos também verificou o conteúdo, classificando-o como falso.

O Comprova já verificou outros conteúdos ligados às eleições, como os que mostraram que um recente ataque hacker ao STJ não era ameaça à segurança das eleições e que o sistema de voto eletrônico brasileiro pode ser auditado, ao contrário do que afirmava um post nas redes sociais.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2020-11-20

É falso que o TSE atualizou apuração baseado em informações de site de notícias

  • Falso
Falso
É o TSE que fornece informações da apuração aos sites de notícias e não o contrário, como afirma um vídeo publicado no Facebook. Também são falsas as afirmações de que “o resultado pode ser modificado após a votação” e que “os votos nulos e abstenções podem ser distribuídos para candidatos”
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no Facebook sugere fraude ao afirmar que o portal de notícias G1 divulgou resultado das eleições antes do TSE. Além disso, o vídeo afirma que urnas são inauditáveis e o voto de um candidato pode ser dado para outro

São falsas as afirmações de um vídeo publicado no Facebook alegando que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atualizou os dados das eleições municipais de 2020 conforme os números eram antecipados pelo portal de notícias G1. No dia da votação, o G1 divulgou a apuração a partir de dados informados pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral.

Segundo o TSE, empresas jornalísticas não conseguem exibir dados da apuração antecipadamente. De acordo com o tribunal, os arquivos para divulgação dos resultados disponibilizados para as empresas jornalísticas são os mesmos acessíveis para qualquer cidadão, que são liberados à medida que o TSE consegue somá-los. Ainda segundo a Justiça Eleitoral, só é possível ter acesso a um resultado antes do TSE através dos boletins de urna impressos em todas as sessões quando a votação se encerra.

Também são falsas as afirmações de que “o resultado pode ser modificado após a votação” e que “os votos nulos e abstenções podem ser distribuídos para candidatos”. O próprio TSE esclarece em seu portal e em seu canal oficial no YouTube que a urna eletrônica possui diversas barreiras de segurança e que “tanto o voto nulo como o voto em branco não são considerados na soma dos votos válidos”.

Entrevistado pelo Comprova, Paulo Lício de Geus, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e representante da Sociedade Brasileira de Computação nos testes do TSE como avaliador, ressaltou que “a quantidade de obstáculos e o grau de dificuldade para ultrapassá-los impossibilitam a violação das urnas tanto para a alteração de votos entre candidatos quanto a direcionar votos brancos, nulos e abstenções”.

Também é falso dizer que “a urna é inauditável”, pois, de acordo com o artigo 66 da lei nº 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições, “os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das eleições e o processamento eletrônico da totalização dos resultados”.

Contatamos o responsável pela página e pela postagem no Facebook, mas até a publicação não recebemos resposta.

Como verificamos?

Para esta verificação, consultamos a legislação eleitoral brasileira, mais especificamente a resolução N° 23.603, que versa sobre os procedimentos de fiscalização e auditoria do sistema eletrônico de votação, e a lei nº 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições.

Entramos em contato com o Tribunal Superior Eleitoral para entender a situação dos votos nulos e brancos, a falha que ocorreu no “supercomputador” comprado pela corte e a centralização da totalização dos votos. A assessoria do tribunal encaminhou links das notas emitidas pela corte e a coletiva de imprensa concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso sobre os temas. O TSE também enviou uma nota explicando como é feita a divulgação dos resultados pelas empresas de imprensa.

Também entramos em contato com um especialista em computação que participou dos testes regularmente realizados pelo TSE, para saber sobre a possibilidade de alteração dos votos já computados nas urnas.

Realizamos pesquisas em ferramentas de buscas na internet (Bing, Google, DuckDuckGo) e redes sociais, mas não encontramos nenhuma informação que indicasse que o portal de notícias G1 teve acesso às informações das apurações antes do Tribunal Superior Eleitoral.

Verificação

Divulgação não ocorreu antes

Em nota enviada ao Comprova, o TSE disse ser falso que empresas jornalísticas conseguiram exibir dados da apuração do primeiro turno, em 15 de novembro, antecipadamente. “Os arquivos para divulgação de resultados, disponibilizados a empresas jornalísticas, são os mesmos do site de resultados acessíveis por qualquer cidadão e são liberados somente após o TSE totalizar (somar) os votos” explica o tribunal.

Televisões, sites e a imprensa em geral recebem os arquivos através de uma rede de distribuição chamada CDN, uma técnica para enviar grandes quantidades de dados através de uma rede de computadores. A CDN a que os veículos de imprensa têm acesso “replica o site de resultados para impedir sobrecarga e garantir que mais pessoas tenham acesso”, explicou o tribunal.

Segundo o TSE, a única forma de ter acesso aos resultados da eleição antes da Justiça Eleitoral é através dos boletins de urna. Quando a votação é encerrada, os boletins são emitidos em todas as sessões eleitorais, para garantir a transparência do resultado, e podem ser utilizados para auditar a apuração feita pelo próprio tribunal.

Na nota enviada ao Comprova, a Justiça Eleitoral também explicou que, no último domingo, devido a uma lentidão enfrentada na divulgação pelo site que ocorreu por causa do atraso na totalização dos resultados, o TSE disponibilizou o acesso ao sistema interno de contagem dos votos em um telão posicionado no Centro de Divulgação das Eleições (CDE), que fica no térreo do prédio do TSE, em Brasília.

G1 usou dados do TSE

No link de divulgação dos resultados de todos os municípios, o G1 informa que “a fonte das informações desta página é o Tribunal Superior Eleitoral”.

Os veículos de imprensa que acompanham a corrida da apuração, porém, não tiram os dados do aplicativo do TSE, mas sim de um data center (centro de processamento de dados) disponível na nuvem, ou seja, que pode ser acessado remotamente. Assim, emissoras de TV, rádio e portais de internet podem desenvolver suas próprias plataformas de divulgação dos números, desde que atendam às regras do TSE.

Os artigos 210 a 213 da Resolução 23.611/2019 determinam as regras para que os veículos de imprensa façam a divulgação desses dados. Uma delas é que “é vedado às entidades envolvidas na divulgação oficial dos resultados promover qualquer alteração de conteúdo dos dados produzidos pela Justiça Eleitoral”.

Em 2020, o TSE disponibilizou no YouTube um vídeo de uma hora e 11 minutos explicando o passo a passo de como essas informações podem ser acessadas. Também foram feitos dois simulados, em outubro e novembro, para que cada veículo pudesse testar se os seus programas de captação e divulgação dos dados estavam funcionando corretamente.

Dia da Eleição

Durante a apuração do primeiro turno das eleições, em 15 de novembro, houve uma falha em um dos computadores da rede do TSE que fez o sistema ficar lento e sem atualizar por algumas horas. Consequentemente, os portais de notícias ficaram sem reportar a atualização dos votos, e as notícias que circularam foram justamente sobre a demora do sistema de votação. Para portais como UOL e BBC, o Tribunal Superior Eleitoral admitiu a demora na apuração do resultado das eleições, mas garantiu que os dados chegaram normalmente aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs).

Em coletiva de imprensa ainda na manhã do dia 15, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, fez um balanço das primeiras horas das eleições. Segundo ele, houve um ataque ao site do TSE, com milhares de acessos simultâneos, para tentar retirar a página do ar, mas a área de tecnologia do tribunal e empresas de telefonia conseguiram solucionar o problema.

Auditorias

O TSE realiza testes públicos permanentes (que acontecem regularmente todos os anos, não apenas próximo do período eleitoral) que buscam aprimorar os sistemas eleitorais. Esses testes contam com a participação de especialistas, que buscam identificar problemas e fragilidades que serão resolvidas antes da realização das eleições. De acordo com Paulo Lício de Geus, professor da Unicamp, a possibilidade de alteração do voto na urna “é tarefa dificílima”.

O professor explica que o teste é feito por investigadores tentando comprometer o sistema de votação. Posteriormente, a comissão avaliadora do TSE analisa o resultado dos investigadores, faz críticas e estuda as consequências e soluções. “Em geral contamos com os apontamentos da equipe “moderadora” e com os desenvolvedores do TSE para explicar pontos ou responder perguntas nossas. Ao final geramos um relatório sintetizando tudo que foi obtido e respectivos impactos, assim como possíveis soluções e recomendações em geral”, complementa.

Legislação

As audiências de auditoria das urnas são públicas e podem ser realizadas por técnicos dos partidos políticos e por entidades fiscalizadoras dispostas no artigo 5º da Resolução do TSE 23.603/2019. A lei nº 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições, em seu artigo 66 também afirma que “os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação. A urna é um arquivo histórico que mudou o sistema eleitoral brasileiro e evita fraudes e manipulações”.

Voto nulo e voto em branco

Um texto no site do TSE explica que, após o encerramento da votação, “os dados são assinados digitalmente, gravados em uma mídia de resultado, destacando-se que o boletim de urna (BU), além de assinado, é criptografado”. Feito isso, “as mídias de resultado são encaminhadas ao local próprio para transmissão”.

O texto também explica que, no caso dos locais de difícil acesso, como aldeias indígenas e certas comunidades ribeirinhas, “a transmissão é feita via satélite para o respectivo tribunal ou zona”. De posse dos dados, os TREs “dão início ao procedimento de totalização dos votos (soma de todos os boletins de urna) e, em seguida, à divulgação dos resultados”.

O TSE enfatiza que “tanto o voto nulo como o voto em branco não são considerados na soma dos votos válidos”.

Nessas eleições municipais, como medida de segurança, ocorreu a centralização dos votos no TSE. Isso se deu por recomendação da Polícia Federal, como explicou em entrevista coletiva o presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos que viralizam nas redes sociais ligados às eleições municipais, às políticas públicas do governo federal e à pandemia.

É o caso deste vídeo que foi publicado no Facebook, um dia após o primeiro turno das eleições municipais, e já contabilizou mais de 7,8 mil interações.

O autor do vídeo traz uma série de comentários colocando em dúvida a lisura do processo eleitoral brasileiro, dentre eles, ele diz, sem provas, que “o resultado pode ser modificado após a votação”, “os votos nulos e abstenções podem ser distribuídos para candidatos”, “a urna é inauditável” e, que no domingo, “o TSE atualizou os dados conforme o G1”.

Nesta semana o Comprova verificou que o sistema de voto eletrônico brasileiro pode ser auditado, ao contrário do que afirmava um post nas redes sociais e, que a votação estável ao longo da apuração não indica fraude em São Paulo. E também no 15, dia da votação, o Comprova verificou, em parceria com a agência Aos Fatos, que um ataque de hackers no sistema do TSE não viola a segurança da eleição.

A Agência Lupa também fez a checagem do vídeo investigado pelo Comprova.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2020-11-20

É possível, sim, auditar e realizar recontagem dos votos, ao contrário do que afirma vídeo

  • Enganoso
Enganoso
Ao contrário do que afirma youtuber, existem várias formas de auditar o processo eleitoral brasileiro, antes, durante e após o pleito e a recontagem de votos é prevista no Código Eleitoral
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no YouTube no qual um homem diz que o sistema eleitoral no Brasil é fraudulento, que não há como fazer recontagem ou auditoria e que a Smartmatic está envolvida no processo eleitoral.

Um vídeo publicado no YouTube engana ao dizer que não há como fazer recontagem e auditoria nas eleições brasileiras para tentar sustentar argumento de que a votação em São Paulo foi fraudada. Existem várias formas de auditar o processo eleitoral brasileiro, antes, durante e após o pleito, estabelecidas na Resolução 23.603/19. A recontagem de votos é prevista no Código Eleitoral, porém, sob circunstâncias específicas. Em seu portal, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) esclarece e disponibiliza informações sobre as auditorias e o funcionamento das urnas eletrônicas.

A publicação também engana ao falar sobre a centralização da totalização e divulgação dos votos. Em entrevista coletiva, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, e o secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal, Giuseppe Janino, explicaram que a concentração dos dados se tratou de uma ação estratégica de segurança. “A centralização, no TSE, da totalização dos votos foi adotada a partir de uma recomendação da Polícia Federal para reduzir a quantidade de superfícies de ataque”, disse o ministro Barroso.

O autor do vídeo também afirma, sem apresentar provas, que “todo o sistema é fraudado”. De acordo com o TSE, nenhum caso de fraude foi identificado e comprovado no sistema eleitoral eletrônico desde que ele foi adotado, em 1996.

Também é enganoso afirmar que a Smartmatic está envolvida no processo eleitoral brasileiro. O Comprova já verificou isso e constatou que a Smartmatic, que forneceu urnas para a Venezuela, nunca vendeu aparelhos para o Brasil.

Como verificamos?

Para essa verificação, o Comprova entrou em contato com o Tribunal Superior Eleitoral, que respondeu por e-mail enviado pela assessoria de comunicação com alguns links do site do órgão sobre como funcionam as auditorias e recontagem de votos. Também buscamos informações com o secretário de tecnologia da informação e comunicação no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), George Maciel, e o advogado especialista em direito eleitoral Hugo Souza.

Também procuramos reportagens sobre a contagem e divulgação dos votos no primeiro turno, que explicam a lentidão e as falhas no sistema do TSE. Fez parte ainda da verificação a busca de checagens anteriores do Comprova sobre a empresa Smartmatic.

Contatamos ainda a plataforma YouTube a fim de entender por que o canal envolvido nesta verificação foi desmonetizado, informação que o próprio criador menciona ao longo do vídeo verificado.

Tentamos contato com o youtuber, mas até o fechamento desta verificação não obtivemos retorno.

Verificação

Auditoria e recontagem de votos podem ser realizadas

Há várias formas de fazer auditoria no processo eleitoral brasileiro, previstas na Resolução 23.603/19 e realizadas antes, durante e após o pleito. De acordo com o TSE, é possível auditar sob oito aspectos: verificação do resumo digital (hash); reimpressão do boletim de urna; comparação entre o boletim impresso e o recebido pelo sistema de totalização; verificação de assinatura digital; comparação dos relatórios e das atas das seções eleitorais com os arquivos digitais da urna; auditoria do código-fonte lacrado e armazenado no cofre do TSE; recontagem dos votos por meio do Registro Digital do Voto (RDV); e comparação da recontagem do RDV com o boletim de urna (formato PDF).

Os dois principais sistemas são a auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas em condições normais de uso (conhecidas antes como “votação paralela”) e a auditoria de verificação da autenticidade e da integridade dos sistemas instalados nas urnas eletrônicas. “Todas as cerimônias de preparação de urna são públicas. A gente divulga um edital e tem dia, local e hora para acontecer, para que os interessados possam participar. Convocamos partidos, Ministério Público e outras entidades interessadas. Toda cerimônia tem a presença do juiz e do MP, às vezes a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Polícia Federal também comparecem. Acontece em todo o Brasil”, explica o secretário de tecnologia da informação e comunicação no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, George Maciel.

No dia anterior às eleições, tanto para primeiro quanto para segundo turno, uma comissão realiza um sorteio das seções eleitorais que serão submetidas às auditorias, que pode ser acompanhado por qualquer cidadão.

No caso da auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas em condições normais de uso, as urnas sorteadas são submetidas a uma votação simulada – respeitando as mesmas condições de uma seção eleitoral oficial. São usadas cédulas de papel, preenchidas por representantes de partidos e entidades públicas. Cada voto é registrado na urna eletrônica e em um computador à parte, com outro sistema. Ao final da votação (no mesmo horário do pleito oficial), são comparados os dois resultados. O processo é filmado e acompanhado por uma empresa de auditoria externa contratada pelo TSE.

Já na auditoria de verificação da autenticidade e integridade dos sistemas, são analisadas se as assinaturas digitais dos sistemas instalados nas urnas eletrônicas são iguais aos sistemas lacrados em cerimônia pública realizada anteriormente pelo TSE. Essa auditoria é realizada no dia da votação, antes do início oficial, em seções eleitorais sorteadas na véspera, também em audiência pública.

Cada urna emite um relatório de resumos digitais dos arquivos instalados nela, que podem ser conferidos a qualquer momento pelos fiscais dos partidos, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público.

“Além disso, no ano anterior à eleição, a gente chama a comunidade científica para tentar hackear a urna. A gente coloca ela à prova, para corrigir eventuais falhas a tempo, mas até hoje ninguém conseguiu vulnerabilizá-la”, acrescenta George Maciel, do TRE-PE. A Justiça Eleitoral divulga detalhes sobre esse teste em um site.

Além das auditorias, é possível pedir recontagem dos votos. Desde 2004, a urna eletrônica tem um dispositivo, o Registro Digital do Voto (RDV), que guarda as informações dos votos dos eleitores de forma aleatória. Por meio dele, é gerado um boletim de urna, um relatório com a apuração dos votos da seção, que fica à disposição para consulta dos representantes dos partidos. Com o RDV, é possível fazer a recontagem, a apuração e totalização dos votos.

A recontagem é prevista no Código Eleitoral, porém sob circunstâncias específicas. Pode ser solicitada por partidos, coligações ou candidatos por meio de requerimentos aos tribunais regionais ou superior ou por uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije). “A Aije é uma ação judicialmente legal, prevista na legislação eleitoral, em que o partido, a coligação ou o candidato podem entrar com o pedido de revisão, desde que comprovem o tipo de abuso que está ensejando a ação”, explica o advogado especializado em direito eleitoral Hugo Souza. O TSE divulga os pedidos de recontagem já realizados no país.

Centralização dos votos

Nessas eleições, pela primeira vez, a contagem dos votos de todas as regiões brasileiras foi centralizada no TSE, o Tribunal Superior Eleitoral.

Em eleições anteriores, o Tribunal Regional Eleitoral de cada estado e do Distrito Federal era responsável pelo processo de envio dos votos da região para serem somados nacionalmente pelo TSE e, posteriormente, realizar a divulgação dos votos. Neste ano, o próprio TSE fez toda a soma antes da divulgação dos votos.

A centralização no TSE gerou atraso de mais de duas horas na totalização dos votos. De acordo com esclarecimentos do TSE, essa centralização foi uma recomendação da Polícia Federal, visando, de maneira estratégica, reduzir a possibilidade de ataques ao sistema eleitoral.

Em entrevista coletiva, o ministro Luís Roberto Barroso explicou que “um supercomputador foi fornecido pela empresa Oracle para computar, de forma centralizada, os dados provenientes das urnas eletrônicas de todo o país”.

Na mesma coletiva, o secretário de Tecnologia da Informação, Giuseppe Janino, assegurou que “os peritos da Polícia Federal trataram a totalização da distribuição, no âmbito dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais, como uma tática chamada de redução de superfície de ataque”.

Janino disse também que “quando se têm 27 pontos, em tese, você teria o mesmo número de chances de pontos para atacar. Mas quando você concentra em um ponto e, nesse ponto, se concentram vários requisitos de segurança, como uma sala cofre de segurança, além de vários softwares, gestão e um serviço de vigilância 24 horas por sete dias na semana, se tem uma possibilidade menor de ataques”.

Sobre a lentidão e falhas no sistema utilizado pelo TSE, o presidente do Tribunal disse, também em coletiva, publicada em texto no site do órgão, que “em razões de limitações nos testes prévios, no dia da eleição a inteligência artificial do equipamento demorou a realizar o aprendizado para processar os dados num volume e velocidade com que chegavam, daí sua lentidão e travamento que exigiu que a totalização fosse interrompida e reiniciada”.

No Brasil nunca foi comprovada fraude no sistema eleitoral

O Comprova não encontrou nenhum indício de que existam provas de fraude no sistema eleitoral brasileiro. Segundo o TSE, desde implantado, em 1996, o sistema nunca foi fraudado.

Em vídeo publicado no Youtube, no canal da Justiça Eleitoral, em 31 de agosto deste ano, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso, enfatiza que o sistema eletrônico de votação é seguro e que no Brasil nunca foram constatadas fraudes que interfiram no resultado das eleições. “A votação por meio da urna eletrônica, que já vigora no Brasil há mais de duas décadas, já passou por diversas auditorias nos últimos anos e jamais foi constatada qualquer fraude”.

O ministro pontua ainda que “tudo que é humano está sujeito ao aperfeiçoamento, mas nunca se documentou nenhum tipo de fraude relevante que pudesse comprometer o resultado das eleições”.

Em outro vídeo, também disponível no canal da Justiça Eleitoral, o TSE traz de uma maneira didática, em menos de um minuto, informações sobre a segurança da urna, destacando que “a urna eletrônica tem mais de 30 barreiras de segurança”, “todos os programas utilizados na urna ficam disponíveis e são lacrados em uma cerimônia específica”, e que “não é possível mudar os dados que estão nela [urna] após a lacração”.

Autor do vídeo e desmonetização do canal

Renato Barros é um youtuber declaradamente apoiador da direita. Ele é criador de alguns canais disponíveis na plataforma YouTube.

Em julho de 2019, Renato e outros youtubers de direita se encontraram com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como mostra esta matéria de “O Globo”.

O canal verificado pelo Comprova está desmonetizado há pouco mais de três meses. De acordo com explicações dadas pelo youtuber no próprio canal, a plataforma Youtube classificou o conteúdo como nocivo.

Sobre a questão, o YouTube afirmou que “para que um canal gere receita, ele primeiro precisa ser aceito no Programa de Parcerias do YouTube (YPP, na sigla em inglês)” e atender alguns critérios. A empresa afirmou que “todos os canais no Programa de Parcerias da plataforma são revisados por um ser humano para garantir que atendem os critérios de aprovação. Além disso, passam por revisão periódica, podendo ser removidos do programa”. A remoção pode acontecer, entre outras questões, por tentar gerar receita com vídeos que não são próprios ou não atendem às diretrizes de conteúdo adequado para publicidade.

Sobre conteúdos nocivos, a empresa afirmou que opera com diretrizes da comunidade, ou seja, políticas que descrevem qual conteúdo não é aceitável na plataforma. “Trabalhamos para remover rapidamente material que viola nossas políticas. Usamos uma combinação de pessoas e aprendizado de máquina para detectar, em escala, conteúdo potencialmente problemático”, diz o YouTube, em nota.

Por que investigamos?

Na terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos suspeitos relacionados à pandemia da covid-19, a políticas públicas e às eleições. No dia do primeiro turno deste ano, viralizaram postagens a respeito de possíveis fraudes, usando como argumento o atraso que ocorreu na totalização dos votos. As postagens não tinham provas concretas sobre a acusação.

Embora o autor enfatize no vídeo que não tem provas quanto às questões que traz e que se trata da sua opinião, o conteúdo investigado é perigoso pois levanta diversas questões para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro e confirmar uma eventual fraude nas eleições de São Paulo. A publicação no YouTube teve mais de 155 mil visualizações. O Comprova já mostrou, neste ano, que o sistema eletrônico de votação pode ser auditado e checou boatos sobre a possibilidade de a apuração dos votos ser secreta, sobre violação da segurança da eleição por hackers e sobre a transformação da justificativa em votos válidos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano; ou que é retirado de seu contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofra alterações.