O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2021-08-26

Vídeo de acampamento em Brasília mostra mobilização indígena, não preparação para 7 de Setembro

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso vídeo que mostra acampamento na Esplanada dos Ministérios como sendo de manifestantes reunidos para os protestos de 7 de Setembro. Na verdade, as barracas mostradas no vídeo são do Acampamento Luta pela Vida, uma manifestação de indígenas que começou no domingo (22) e vai até o próximo sábado (28).
  • Conteúdo verificado: Post compartilhado no Facebook mostra um vídeo de um acampamento na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com a legenda: “7 de Setembro já começou e vai ser inesquecível”, dando a entender que as pessoas estão reunidas ali para manifestação em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

É enganoso um post no Facebook, compartilhado pelo advogado e suplente de deputado federal João Barros (PSL-BA), que relaciona um acampamento na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com uma suposta mobilização de manifestantes pró-governo que estariam reunidos para ato do dia 7 de Setembro. O vídeo, na verdade, é do acampamento indígena Luta pela Vida, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que visa fazer pressão contra o que classifica como “agenda anti-indígena” do governo federal e do Congresso Nacional.

Procurado por telefone, o autor da postagem enganosa, apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), afirmou que o material não é de sua autoria, e que compartilhou um vídeo que está circulando nas redes sociais. Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações, e que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Como verificamos?

Buscamos no Google pelo local exato em que foi gravado o vídeo. Isso nos levou ao mesmo ponto em que está concentrado o acampamento indígena Luta pela Vida, que terá atividades até o próximo sábado (28). O ato é organizado pela Apib. Também analisamos as imagens do vídeo e fotos divulgadas pelo movimento indígena.

Para entender o que é o acampamento, entramos em contato com a associação e consultamos notícias na mídia. Por fim, falamos com o autor do post.

Verificação

Vídeo mostra acampamento indígena

O vídeo compartilhado nas redes sociais mostra o acampamento Luta pela Vida. Os indígenas começaram a chegar a Brasília no domingo (22) e devem permanecer na capital até sábado (28). Os manifestantes estão instalados na Praça da Cidadania, na Esplanada dos Ministérios. No vídeo, é possível ver que a filmagem foi feita exatamente no mesmo local do acampamento indígena. No fundo, aparecem prédios compatíveis com a localização, como o Teatro Nacional Cláudio Santoro e a sede da CNN Brasil em Brasília (imagens abaixo). Além disso, é possível ver um ônibus, nas cores verde e branco, similar a um que aparece em imagens divulgadas pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI), porém, de outro ângulo.

O acampamento Luta pela Vida

Povos indígenas de todo o país estão reunidos em Brasília desde domingo (22). A movimentação acontece na semana do julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a demarcação de terras indígenas (RE 1017365). O Supremo vai se debruçar sobre a tese do “marco temporal” que, se referendada, só permitiria aos indígenas reivindicar terras que ocupavam antes da promulgação da Constituição de 1988. A tese é considerada um golpe contra o movimento indígena, o que gerou a mobilização.

De acordo com informações da Apib, aproximadamente 6 mil indígenas, de 170 etnias, estão acampados em Brasília. Para a entidade, esta é a maior mobilização deste grupo desde os atos realizados na época da elaboração da Constituição Federal.

Ao Comprova, a entidade afirmou que “esse vídeo é mais uma mentira que está circulando sobre a mobilização indígena em Brasília. O movimento também disse não ter informações sobre as manifestações do dia 7 de Setembro. “As declarações são mentirosas e devem ser desconsideradas por não possuir qualquer credibilidade.”

Atos de 7 de Setembro

Apoiadores de Bolsonaro têm convocado a população para atos a favor do governo em várias cidades do país no dia 7 de Setembro. O próprio presidente confirmou que irá discursar nos atos em Brasília e em São Paulo. As convocatórias para o 7 de setembro ganharam força nos últimos dias, especialmente depois da tensão entre os Poderes. Também foi um fator para as movimentações a prisão do presidente do PTB, Roberto Jefferson, e os mandados de busca e apreensão contra o cantor Sérgio Reis, o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ), e outras oito pessoas – alvos do STF em uma ação que investiga a convocação de atos violentos contra a Corte.

Quem é João Barros

Advogado e suplente de deputado federal pelo Partido Social Liberal da Bahia (PSL-BA), em 2020, Barros se candidatou a prefeito de Ilhéus, na Bahia, pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), mas não venceu a eleição. Atualmente, a cidade baiana é governada por Mário Alexandre Correa de Sousa, do Partido Social Democrático (PSD). Conhecido como “João Bolsonaro”, por ser um forte apoiador do presidente, o deputado realizou sua campanha para ocupar o cargo na prefeitura baseado em alguém que “luta contra bandeiras defendidas por partidos de esquerda, como o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] e falsos índios”.

Em entrevista por telefone ao Comprova, Barros disse que não gravou o vídeo e somente compartilhou o conteúdo. Está circulando e recebi em vários grupos do Whatsapp. Eu vi esse vídeo em várias outras páginas também.” O advogado também afirmou que, quando falou em mobilização para o 7 de Setembro, foi uma forma de expressão. “O 7 de Setembro não especificamente, mas o que ele significa de independência.”

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos enviados por leitores que falem da pandemia de covid-19, de políticas públicas ou eleições. Só checamos conteúdos que tenham atingido um alto grau de viralização. O vídeo aqui verificado teve mais de 895 mil visualizações e 38 mil compartilhamentos até esta quinta-feira (26).

Este conteúdo também foi checado pela Agência Lupa e foi marcado como falso pelo Facebook.

O Comprova também já mostrou que é enganoso que o voto impresso já estaria previsto em lei e que é falso que urnas brasileiras teriam sido hackeadas nos Estados Unidos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2021-08-25

Vídeo engana ao dizer que STF quer barrar cristãos na política

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o vídeo que sugere que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) querem impedir a eleição de candidatos cristãos ao criar o “abuso de poder religioso”. O vídeo interpreta de maneira equivocada uma tese proposta pelo ministro do STF Edson Fachin, que foi rejeitada pelo plenário do TSE há mais de um ano, em agosto de 2020. Os outros dois ministros do Supremo que participaram da decisão, Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, votaram contra a ideia.
  • Conteúdo verificado: Vídeo postado no TikTok mostra uma advogada afirmando que o STF e o TSE querem “impedir que o povo cristão seja representado por seus irmãos na fé”. Antes, dois apresentadores afirmam que há um projeto para “criminalizar aqueles que propagam a palavra de Deus”.

É enganoso um vídeo que circula nas redes sociais que afirma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teria “acabado de inventar o crime de abuso de poder religioso” e que, com isso, poderia “cassar todos os candidatos cristãos que forem eleitos”. Essas alegações são feitas na gravação por uma advogada e ex-candidata a vereadora, mas contêm imprecisões.

A tese, aventada pelo ministro Edson Fachin durante um julgamento do TSE em agosto de 2020, não visava impedir a presença de pessoas de nenhuma crença na política. Ela pretendia incluir o abuso de poder religioso entre os tipos de conduta que podem afetar a igualdade entre candidatos numa eleição – atualmente, são considerados os abusos econômico e de autoridade, além do uso indevido dos meios de comunicação. Sem nenhum indicativo de data, o vídeo dá a entender que o tema é atual.

O conteúdo também é enganoso porque introduz um trecho de um programa jornalístico fora de contexto. Nele, os apresentadores falam de uma “nova lei que entrará em vigor” e que poderia ser “uma caçada aos cristãos”, como se eles se referissem à discussão no TSE. No entanto, eles falavam de uma legislação na Bolívia.

O responsável pela publicação do vídeo no TikTok foi procurado pelo Comprova e afirmou não ter dito que o projeto ainda estava em discussão, mas que apenas quis abrir os olhos dos cristãos para o que os magistrados querem fazer. A advogada que aparece no vídeo, Lenice Moura, também foi procurada, mas não respondeu. Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações, e que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Como verificamos?

Buscamos no Google pelo material original a partir de palavras-chave ditas pelas pessoas no vídeo. Isso nos levou a duas checagens, do Boatos.org e do Coletivo Bereia, que já indicavam os links originais.

Para compreender o contexto original das discussões sobre o abuso de poder religioso, consultamos notícias no site da justiça eleitoral (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

Consultamos informações sobre Lenice Moura na página DivulgaCandContas, do TSE. Também buscamos o seu contato por meio do seu registro na OAB do Rio Grande do Sul. Entramos em contato com ela por meio de sua página no Facebook.

No perfil do Tik Tok, encontramos o perfil do Instagram do homem que compartilhou o vídeo com maior viralização. No Instagram, ele divulga o próprio telefone. O Comprova o procurou usando o WhatsApp e ele respondeu por mensagem de áudio.

Verificação

Tese de abuso de poder religioso foi rejeitada

Em junho de 2020, o TSE começou a julgar um recurso do Ministério Público Eleitoral que pedia a cassação do mandato de uma vereadora de Luziânia (GO), eleita em 2016. No pedido, a promotoria narrava que ela teria cometido abuso de poder religioso ao se reunir com pastores na catedral da Assembleia de Deus da cidade para pedir votos. A acusação é de que ela teria usado sua condição de autoridade religiosa para influenciar a escolha dos eleitores. Quem organizou o evento foi o pai dela, pastor e dirigente da igreja no município.

No caso específico da vereadora, o ministro-relator do caso, Edson Fachin, avaliou que não se deveria cassar o mandato porque não havia provas suficientes de que ela teria cometido abuso de poder. No entanto, frisou que a Justiça Eleitoral deve impedir que “qualquer força política” possa coagir moral ou espiritualmente os cidadãos e propôs a inclusão de investigação do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes).

“A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”, defendeu Fachin. Ele argumentou que há jurisprudência internacional para isso e que princípios constitucionais já garantiriam a pluralidade política e a liberdade religiosa.

Atualmente, os três tipos de abuso de poder presentes na Lei das Inelegibilidades (64/90) são o abuso de poder econômico, de autoridade (político) ou a utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social. São condutas que se considera que possam afetar a igualdade na disputa entre candidatos em uma eleição, segundo o TSE. A proposta de Fachin não era de proibir a candidatura de pessoas ligadas a uma fé específica, mas, sim, coibir o que ele acreditava poder ser configurado como um tipo a mais de abuso.

O tema atraiu a atenção e a mobilização de grupos evangélicos. O ministro Fachin chegou a debater virtualmente o assunto com parlamentares da bancada evangélica e com o Instituto Brasileiro de Direito e Religião.

Em agosto do mesmo ano, os demais ministros do TSE concordaram com a absolvição da vereadora. Quanto à possibilidade de punir o abuso de poder religioso, todos divergiram do relator. O ministro Alexandre de Moraes contestou que “não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses, assim como os demais grupos que atuam nas eleições”. Como exemplo, citou grupos sindicais e empresariais.

O presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que a legislação eleitoral já proíbe o abuso de poder religioso ao vedar doações a candidatos e partidos por instituições religiosas e propaganda política em templos. No entanto, considerou que o caso julgado não possuía ligação com essas condutas.

Vídeo sobre a Bolívia

O vídeo verificado aqui começa com dois apresentadores de um telejornal falando sobre uma proposta que seria “uma verdadeira caçada aos cristãos”. O conteúdo tem um corte antes e depois, que torna difícil saber a que projeto eles estão se referindo. Usando a busca reversa de imagens do Google, porém, foi possível encontrar o vídeo completo postado em um canal do YouTube em janeiro de 2018. A reportagem de 2 minutos e 48 segundos não trata do Brasil, mas de uma tentativa de reforma no código penal da Bolívia, que considerava como análogo ao tráfico de pessoas o “recrutamento para a participação em conflitos armados ou organizações religiosas ou cultos”.

Naquele mesmo mês, o governo boliviano voltou atrás sobre o artigo que foi alvo de polêmicas. Como o Boatos.org mostrou, a reportagem já havia ressurgido em julho de 2020 como peça de desinformação.

Como o vídeo completo tem a entrevista de um pastor brasileiro que atua na Bolívia, Eder Luís, da Igreja Internacional da Graça de Deus, buscamos no Google o nome dele associado a palavras-chave como “Bolívia” e “código penal”. Encontramos o site Gospel+, que numa postagem de janeiro de 2018 traz o mesmo vídeo. Segundo o site, a entrevista do pastor foi dada ao “Jornal da RIT TV”.

Assim, descobrimos que se trata do “Jornal das 22”, que vai ao ar pela RIT TV de segunda à sexta-feira, às 22h30. Os apresentadores são Alexandre Giachetto e Beatriz Do Vale (Aqui, é possível ver o print do vídeo verificado e o material promocional do jornal).

Quem é Lenice Moura?

Segundo o coletivo Bereia, o vídeo que está no TikTok foi originalmente postado no canal da própria Lenice Moura. O link publicado pelo site, porém, mostra que o conteúdo não está mais disponível. Pesquisando o nome dela no YouTube, achamos um canal com apenas dois vídeos; ambos com críticas aos ministros do STF.

A pesquisa no YouTube também retornou o link de uma live feita pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), com candidatos a vereador nas eleições de 2020. No vídeo, o parlamentar apresenta Lenice como candidata por Natal (RN).

Consultamos então o DivulgaCandContas, aplicativo da Justiça Eleitoral. Lenice Silveira Moreira de Moura é advogada, natural de Campinas (SP), e nascida em 29 de dezembro de 1972. Ela se declarou branca e casada ao registrar sua candidatura. Não indicou nenhum bem no seu nome. Ao todo, arrecadou R$ 20.210,92 ao longo da campanha de 2020, tendo doado, ela própria, R$ 2.900,47 desse valor. Lenice era filiada ao PRTB, teve 1.088 votos e acabou não sendo eleita. Como o PRTB não elegeu nenhum vereador, também não ficou na suplência.

Em seu perfil no Facebook, ela defende Bolsonaro, o voto impresso e já tirou foto abraçando a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, quando esta esteve em Natal. No Cadastro Nacional de Advogados (CNA), mantido pela OAB Nacional, ela aparece com o registro 39459/RS.

Segundo o currículo Lattes, Lenice se formou em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. Pela mesma instituição, fez um mestrado em Integração Latino-Americana. Depois, concluiu o doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Ela diz que atua nas áreas tributária e empresarial. Até a última atualização do currículo, em setembro de 2018, era professora do Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNIRN) e da Faculdade Estácio de Natal.

Vídeo da advogada também é antigo

Na página do Facebook de Lenice, encontramos o vídeo original, publicado em 1º de julho de 2020. Na época, o TSE discutia a adoção do “abuso de poder religioso”. Ele tem 55 segundos e não inclui o trecho do telejornal.

Ela repostou o mesmo vídeo três dias depois, comemorando que ele estava viralizando. Essa segunda versão tem um minuto e sete segundos, já incluindo o trecho do programa da RIT TV. Na legenda, ela afirma “Vejam esse telejornal”. Nessa data, o caso ainda não havia sido decidido pelo TSE.

Em 23 de agosto de 2021, mais de um ano após o tema ter sido rejeitado pelo TSE, ela voltou a republicar o vídeo, dessa vez com uma convocação para que os seguidores participem dos atos convocados para o dia 7 de setembro.

Justificativa

No TikTok, um homem chamado Allan Fernandes publicou o conteúdo verificado aqui. Ele se descreve como “polêmico” e “patriota”. A partir dele, o conteúdo foi parar novamente no Facebook e no YouTube. A conta dele na rede social de vídeo remete para o perfil do próprio no Instagram, onde conseguimos achar o seu número de celular.

Por áudio, ele disse ter informado nos comentários que o debate era antigo e explicou porque compartilhou o vídeo mesmo assim. “Se você analisar direitinho, esse vídeo eu coloquei não dizendo que é um projeto que está em aberto. Foi simplesmente para abrir os olhos da população desse pessoal que quer mandar em tudo, entendeu? Foi só um alerta para abrir os olhos para o que eles querem fazer, o que eles propõem fazer para gente, principalmente o povo cristão”, disse.

“E se você analisar direitinho todo o histórico de comentário, você vai ver lá que eu coloquei que foi em aprovação, mas ele não foi aprovado. Mas é um alerta para abrir os olhos da população. Não coloquei dizendo que é um projeto que vai ser votado”, prosseguiu.

Procurando pelos comentários da publicação verificada, achamos uma mensagem em que Allan diz que a proposta de Fachin “Graças a Deus foi prorrogada, para melhor análise, mas nosso Deus não vai deixar, ser aprovada!”. Ele completa: “Postei aqui para abrir os olhos do povo cristão”. O comentário foi feito no dia 18 de agosto; antes, portanto, de o Comprova entrar em contato com Allan.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos enviados por leitores que falem da pandemia de covid-19, de políticas públicas ou eleições. Só checamos conteúdos que tenham atingido um alto grau de viralização. O vídeo com alegações enganosas sobre a discussão do abuso de poder religioso teve ao menos 29.583 reações no TikTok.

Este conteúdo também já foi checado pelo Coletivo Bereia.

A desinformação sobre eleições mina a confiança da população e desencoraja a participação no processo democrático. O Comprova já mostrou que é enganoso que o voto impresso já estaria previsto em lei e que é falso que urnas brasileiras teriam sido hackeadas nos Estados Unidos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-08-24

Médica engana ao dizer que vacinas contra covid são experimentais

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Enganoso
São enganosas as declarações da médica Maria Emilia Gadelha Serra sobre as vacinas contra a covid-19 em vídeo publicado no YouTube. Ao contrário do que ela diz, o Brasil não tem a maioria dos pacientes graves por covid vacinada, não há relação comprovada de alumínio com o desenvolvimento de demência, os imunizantes não são substâncias experimentais e os benefícios superam os riscos da vacinação.
  • Conteúdo verificado: Médica afirma em live que a maioria dos casos graves de covid ocorre em pessoas vacinadas no Brasil, na Inglaterra e em Israel; declara haver 23% de notificações de óbito pós-Coronavac, chamada por ela de produto experimental; sustenta que o Butantan utilizou vacina de hepatite e de meningite como placebo; e, por fim, sugere que haverá aumento de casos de demência e Alzheimer por conta da utilização de alumínio.

São enganosas as afirmações sobre vacinas feitas por uma médica durante live transmitida no YouTube. Em um trecho que viralizou no TikTok, Maria Emilia Gadelha Serra tira dados de infecções entre vacinados de contexto, cita informações de efeitos adversos pós-vacinação sem que tenham sido confirmados por técnicos e afirma que componentes das vacinas causariam demência, o que não possui embasamento científico, segundo autoridades no assunto.

Os imunizantes que estão sendo aplicados na população não são experimentais, ao contrário do que diz a médica. Todas as substâncias utilizadas no Brasil foram autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) após terem eficácia e segurança comprovadas ao serem aplicadas em milhares de voluntários durante os testes.

Ela sustenta que a maioria dos casos graves atuais da doença no Brasil ocorre em pessoas já vacinadas, o que não é verdadeiro, segundo um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Além disso, ela compara a realidade do Brasil com os dados da Inglaterra e de Israel. No entanto, é equivocado fazer esse tipo de comparação sem considerar muitas variáveis como momento epidemiológico, cobertura vacinal, características sociais e demográficas da população.

Ainda atacando as vacinas, a médica diz haver, no Brasil, 23% de notificações de óbitos pós-Coronavac, afirmando ter coletado os dados no Vigimed, o sistema disponibilizado pela Anvisa para cidadãos, profissionais de saúde, detentores de registro de medicamentos e patrocinadores de estudos relatarem suspeitas de eventos adversos aos medicamentos e às vacinas. No entanto, a plataforma contém um alerta de que aqueles dados são suspeitas e de que os eventos adversos só podem ser realmente associados às vacinas após análise técnica. A Anvisa informou ao Comprova que, até o momento, apenas 3 óbitos tiveram a causa relacionada com vacinas, mas não disse quais.

Sobre a declaração de que o Butantan utilizou hidróxido de alumínio, vacina de hepatite e de meningite como placebo, o Comprova identificou que a primeira substância é utilizada em vacinas desde a década de 30 e que não há evidência científica que comprove a associação entre ela e o desenvolvimento de Alzheimer. As duas outras substâncias citadas pela médica não foram utilizadas pelo instituto durante os testes da Coronavac.

Maria Emilia Gadelha foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até a publicação. Para o Comprova, é enganoso o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Como verificamos?

Consultamos o painel de farmacovigilância da Anvisa, chamado VigiMed, para ver os dados de efeitos adversos relacionados a vacinas. Como esta ferramenta não traz a conclusão dos técnicos sobre a relação (ou não) dos eventos com os imunizantes, entramos em contato com o órgão por e-mail para obter essa informação.

Os especialistas procurados para comentar sobre a segurança das vacinas atualmente em uso no Brasil foram Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, e Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas. Eles deram informações sobre o uso de alumínio em imunizantes. Para este fim, também foram consultados os sites do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, e da Alzheimer’s Society, do Reino Unido.

As informações sobre vacinados e infecções na Inglaterra foram obtidas por meio de consultas a reportagens da mídia local. As mesmas informações sobre Israel foram consultadas em duas checagens recentes do Comprova (esta e esta) que já haviam entrado em contato com o Ministério da Saúde de Israel. Foram verificados, ainda, dados oficiais de ambos os governos.

Solicitamos informações sobre vacinados e infectados ao Ministério da Saúde do Brasil e também acessamos publicações da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Entramos em contato com o Instituto Butantan, produtor no território nacional da Coronavac. Também consultamos o artigo do instituto com as informações sobre os estudos clínicos da vacina.

Por fim, a médica que fez as alegações foi procurada, mas não respondeu.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de agosto de 2021.

Verificação

Vacinas usadas no Brasil não são experimentais

Durante a live, a médica se refere às vacinas contra a covid-19 tratando-as como experimentais. Dois dos imunizantes atualmente em uso no Brasil, da Pfizer e de Oxford-Astrazeneca, produzido no país pela Fiocruz, já receberam o registro definitivo da Anvisa e podem, inclusive, ser comercializados. As outras duas, Coronavac e Janssen, receberam autorização de uso emergencial para serem aplicadas em virtude da pandemia.

A Anvisa explica em seu site que este tipo de autorização serve para facilitar a disponibilização e o uso das vacinas numa emergência de saúde pública. Ainda segundo o órgão, elas não representam risco para a saúde, tendo em vista que a aprovação exige requisitos de segurança, qualidade e eficácia.

“O caráter temporário é a principal diferença entre o ‘uso emergencial’ e o ‘registro sanitário’. Enquanto o uso emergencial é uma autorização excepcional, o registro representa uma aprovação sem prazo determinado”, diz a Anvisa.

As quatro vacinas utilizadas no país tiveram eficácia comprovada em fase 3, na qual elas foram aplicadas em milhares de voluntários. Com isso, pode-se observar, por amostragem, qual é o resultado esperado para quando o imunizante for aplicado em massa. Antes disso, já haviam passado por duas fases de testes clínicos, em um número menor de pessoas.

O trabalho dos laboratórios e da Anvisa não para após a aprovação de um imunizante. Depois disso, vem a fase 4: monitoramento da população para averiguar se os efeitos adversos são consistentes com o observado nos testes. Isso é feito por uma questão de segurança.

No primeiro ano da pandemia, a principal preocupação era saber se os imunizantes eram eficazes em desacelerar contágios e diminuir a probabilidade de quadros graves e hospitalização dos doentes. Com isso, seria possível que os governos fornecessem a estrutura necessária e os hospitais não entrassem em colapso. Foi com esse enfoque que os estudos foram desenhados inicialmente e mostraram que as vacinas eram eficazes.

Agora, os estudos continuam para levantar outras informações. Os cientistas buscam compreender, por exemplo, qual a eficácia das vacinas contra variantes do coronavírus e por quanto tempo dura a proteção conferida por elas.

Pesquisa mostra que maior parte dos mortos no Brasil não foi vacinada

No vídeo, a médica alega que “a maioria dos casos graves, hoje em dia, são de vacinados no Brasil”. Segundo ela, isso seria uma percepção sua diante de “comunicados de médicos nos grupos de WhatsApp”.

Na contramão do que ela afirma, a plataforma de monitoramento Info Tracker, mantida por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), realizou a análise de todas as mortes causadas por coronavírus entre janeiro e julho deste ano, apontando que a maioria dos óbitos por covid no Brasil foram de pessoas que não haviam sido vacinadas.

O estudo, divulgado pela imprensa, utilizou dados do Ministério da Saúde e concluiu que 9.878 pessoas que faleceram pela doença no período analisado estavam imunizadas, o equivalente a 3,68% das mortes neste período.

No último dia 20, o Brasil chegou à marca de 120 milhões de brasileiros vacinados com a primeira dose, o que corresponde a 75% da população adulta, segundo o Ministério da Saúde. O país tem mais de 53,2 milhões de pessoas acima dos 18 anos completamente imunizadas com a segunda dose ou dose única do imunizante.

O Comprova questionou ao Ministério da Saúde se houve aumento ou diminuição de pacientes em estado grave e de óbitos dentre os vacinados. O órgão respondeu terem sido notificados, em 2021, 792.596 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), somando tanto os casos confirmados para covid-19 quanto os casos sem determinação da causa da doença. Destes casos, 156.825 (19,8%) haviam recebido a primeira dose da vacina 14 dias, ou mais, antes do início dos sintomas, e 59.514 (7,5%) haviam recebido a segunda dose da vacina 14 dias, ou mais, antes da data do início dos sintomas.

Desde 2019, a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) passou a monitorar a SRAG decorrente de Influenza e outros vírus respiratórios, sendo incluída em 2020 a vigilância da covid-19, a infecção humana causada pelo novo coronavírus.

“Importante ressaltar que tais dados são preliminares e, para análise, é necessário levar em consideração o número de indivíduos imunizados, o momento epidêmico da vacinação e do uso de cada vacina, o tempo de observação decorrido para cada imunizante, entre outras covariáveis. As interpretações sobre a efetividade ou impacto da vacina não podem ser desprendidas destes dados da maneira como estão apresentados”, destacou o Ministério da Saúde, acrescentando que as vacinas não impedem a ocorrência de formas graves, apenas as reduzem substancialmente.

“Outro ponto a ser considerado é que já foram alcançadas coberturas vacinais superiores a 90% nos idosos, o que resultou em uma queda substancial na ocorrência de casos graves e óbitos por Covid-19 nesse público”.

O Ministério da Saúde cita um estudo feito em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e com a Universidade Harvard (EUA), cujo resultado evidencia que cerca de 43 mil brasileiros acima de 70 anos foram salvos pelos imunizantes em um período de 90 dias, ao analisarem o cenário epidemiológico de mais de 230 mil óbitos causados pela doença no país, entre 3 de janeiro a 27 de maio deste ano.

“Os resultados corroboram a elevada efetividade das vacinas covid-19 em reduzir formas graves e óbitos pela doença, o que vem sendo observado em estudos de efetividade após a implantação da vacinação”.

A edição do dia 19 de agosto do Boletim do Observatório Covid-19 Fiocruz informa que pela oitava semana consecutiva foi observada redução do número de casos, internações e óbitos no país. No decorrer das semanas anteriores, destaca, houve um alívio relativo nos hospitais, com a redução das taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS).

A exceção é o estado do Rio de Janeiro que apresenta aumento no indicador pela terceira semana consecutiva, voltando a atingir o patamar de 70%, o que não ocorria desde meados de junho, emitindo um alerta para a difusão da variante Delta, devido à alta transmissibilidade e à reduzida parcela da população com esquema de imunização completo.

Uma nota técnica do Observatório Covid-19 Fiocruz publicada em julho de 2021 mostra que, considerando as taxas de incidência das hospitalizações e mortes por covid-19 por faixas etárias e em cada região do país, é possível ver uma queda no número de casos a partir de março, principalmente nas faixas etárias 60-79 anos e 80+, ou seja, primeiros grupos a serem vacinados no país.

“Com os resultados de efetividade da vacinação aqui descritos e com a cobertura vacinal maior nestas faixas do que em outras no período, a vacinação foi um importante fator para redução do número de casos graves e óbitos”, diz o documento, que foi confeccionado utilizando as bases de dados do sistema do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) com dados reportados até 7 de junho.

Delta aumenta hospitalizações na Inglaterra e em Israel, que têm alta cobertura vacinal

Embora a médica diga que a maioria dos casos graves na Inglaterra e em Israel são entre os vacinados, é equivocado comparar dados de países distintos. Muitas variáveis impactam nos resultados, como número de indivíduos imunizados, momento epidêmico da vacinação e estratégia adotada para a imunização – como foi dito acima.

O Comprova já publicou diversas verificações (1, 2 e 3) informando que a vacinação protege contra casos graves de covid-19 e, consequentemente, óbitos, mas estudos sugerem menor eficácia quando o imunizado entra em contato com a variante delta e de acordo com o tempo passado após a segunda dose da vacina.

A circulação da cepa em países como Israel e Inglaterra tem aumentado o número de internações hospitalares, mas os dados devem ser contextualizados. Ambos os países, por exemplo, têm ampla cobertura vacinal, sendo normal, portanto, que os casos positivados estejam associados a pessoas vacinadas em algum grau.

O governo de Israel registra aumento nas infecções como resultado da circulação da variante, inclusive com a hospitalização de pacientes totalmente vacinados, principalmente entre os grupos de risco.

Na semana passada, ao ser procurado pelo Comprova, o Ministério de Saúde israelense informou que a mais recente onda de contaminações no país se dá, além da aparição da Delta, por causa da diminuição na proteção das pessoas vacinadas em janeiro e fevereiro. Com base nisso, o órgão passou a recomendar uma terceira dose para os idosos, que já está sendo aplicada.

A plataforma de dados relacionados aos casos de covid no país apresenta o número de pacientes ativos e considerados em estado grave, aqueles hospitalizados, contendo, inclusive, a comparação entre a incidência de pacientes para cada 100 mil residentes em cada etapa de imunização: totalmente vacinado; parcialmente vacinado; e não vacinado.

Apesar de a maioria dos pacientes ter sido totalmente vacinada, segundo os números absolutos verificados pelo Comprova em 20 de agosto de 2021, quando a análise é feita a partir dos números relativos (coletados na mesma data), conforme orientou o Ministério da Saúde de Israel à reportagem, e considerando a taxa de 100 mil habitantes, é possível perceber mais hospitalizados dentre as pessoas não vacinadas no país.

A faixa etária entre 60 e mais de 90 anos foi a primeira a ser imunizada e é a mais coberta até o momento com primeira, segunda e terceira dose, que já é aplicada no país.

Na quinta-feira (18), o Reino Unido tinha 89,6% da população adulta vacinada com a primeira dose e 77,5% com a segunda dose, conforme os dados oficiais do Serviço Nacional de Saúde (NHS). O órgão relatou também aumento em 7,6% de casos positivos e 7,9% de mortes entre 12 e 18 de agosto, em relação aos sete dias anteriores, além de um crescimento de 4,3% em hospitalizações entre 8 e 14 de agosto, comparado à semana anterior.

A plataforma de dados do país não traz a especificação de quantas dessas pessoas hospitalizadas e mortas estavam vacinadas, mas o Reino Unido também relata preocupação com a circulação da variante delta e estuda a possibilidade de aplicação de uma terceira dose de vacina.

Uma checagem publicada pela Reuters explicou terem sido descontextualizadas informações sobre mortes de covid em pessoas vacinadas a partir de um relatório da agência de Saúde Pública da Inglaterra (PHE), publicado em 25 de junho. O post verificado pela agência sugeria que as mortes por covid-19 naquele país são significativamente maiores em pessoas que receberam pelo menos uma dose da vacina, com o maior número de mortes ocorrendo em pessoas totalmente vacinadas, referindo-se à tabela 4 da página 13 do documento.

A tabela em questão mostra o número total de 117 mortes em pessoas com teste positivo para a variante delta, entre 1º de fevereiro e 21 de junho. Dessas, 20 ocorreram em indivíduos que receberam uma dose de vacina e 50 em pessoas que receberam duas. Outras 44 pessoas não foram vacinadas e o estado de vacinação de três delas era desconhecido. A Reuters destaca a importância da análise destes dados junto à contextualização do cenário, sendo enganoso sugerir que os números provam uma correlação entre vacinação e morte.

A Reuters explica ser importante levar em conta, por exemplo, a demografia de indivíduos vacinados e não vacinados, especialmente porque o programa de vacinação da Grã-Bretanha priorizou pessoas mais velhas ou clinicamente vulneráveis.

O especialista Muge Cevik, professor clínico de doenças infecciosas e virologia médica na Universidade de St. Andrews, afirmou à publicação ser esperado, quando a maioria das pessoas for vacinada, que a maior parte das infecções e mortes ocorram entre este público.

É importante destacar que mesmo com o registro de pessoas internadas em estado grave que já foram vacinadas, o número de hospitalizações despencou desde janeiro deste ano (confira o gráfico, disponível aqui), após o início da vacinação no Reino Unido.

Eventos pós vacina

A médica afirma que houve quase 23% de notificações de óbito depois da aplicação da Coronavac no Brasil. Procurada pelo Comprova, a Anvisa declarou “que registra 3 óbitos com avaliação de causalidade como relacionada à vacina, decorrentes de Síndrome Trombótica com Trombocitopenia (TTS)”, o que reforça a segurança dos imunizantes, já que, até esta quinta-feira, 26, já haviam sido aplicadas mais de 175 milhões de doses. A Anvisa não detalhou qual vacina está relacionada aos óbitos.

(O parágrafo acima foi atualizado em 24.09.2021. Inicialmente, o órgão havia respondido que “Não existem óbitos notificados à Anvisa que estejam relacionados ao uso da vacina. Ou seja, até o momento, não existe nenhuma morte cuja causa tenha sido o uso de qualquer vacina contra Covid.” A reportagem entrou em contato para questionar este dado, tendo em vista um pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI) respondido pelo Ministério da Saúde no qual a pasta afirmava haver 3 óbitos causados por vacinas. Em um segundo e-mail, a Anvisa corrigiu a informação.)

Até o momento, acrescenta, o caso com relação de causa mais forte aconteceu em maio de 2021. Conforme consta na recomendação sobre suspensão da vacinação de gestantes com a vacina Astrazeneca, no dia 7 daquele mês a Anvisa foi notificada pelo próprio fabricante, a Fiocruz, de uma suspeita de evento adverso grave de acidente vascular cerebral hemorrágico com plaquetopenia ocorrido em gestante que levou ao óbito do feto.

“A Anvisa iniciou imediatamente a avaliação do caso. O evento adverso grave de acidente vascular cerebral hemorrágico foi avaliado como possivelmente relacionado ao uso da vacina administrada na gestante. A análise levou em consideração diversos aspectos como dados sobre o(a) paciente, sua história clínica, dados de exames laboratoriais, bem como sinais e sintomas apresentados após a administração de um medicamento ou vacina”, explica.

A ocorrência de um tipo raro de trombose e queda no número de plaquetas foi determinada como um evento adverso raro que pode acometer entre 0,1% e 0,5% dos imunizados, informa a Anvisa. A probabilidade é tão baixa que o órgão decidiu manter a aplicação do imunizante na população em geral, tendo em vista que os benefícios com redução de casos graves e mortes superam o risco. A única exceção foram as grávidas, grupo no qual o uso das vacinas de vetor adenoviral – Oxford-Fiocruz e Janssen – deve ser evitado.

O órgão destaca, também, que casos de pessoas vacinadas sendo contaminadas por covid são esperados, considerando que nenhuma das vacinas em uso no mundo possui 100% de eficácia. “É justamente por esta razão que o objetivo é vacinar toda a população, o que efetivamente criará uma proteção coletiva”.

A médica que fez as declarações alvo desta checagem declara ter baseado as considerações em dados do sistema VigiMed, mas as informações que alimentam a plataforma são fornecidas por profissionais de saúde e fabricantes farmacêuticos mediante suspeitas de eventos adversos, conforme explica uma checagem do Estadão Verifica.

Na prática, a Anvisa utiliza esses dados para monitorar e avaliar o risco de uma substância, servindo apenas como sinalizadores. A própria plataforma mantém um comunicado alertando sobre os cuidados necessários na interpretação dos dados do sistema. De acordo com o texto, “embora os eventos tenham sido observados após a administração de determinado medicamento e vacina, não é possível ter certeza que relacionada ou resultado causado por estes”. Essa ligação só pode ser feita após a investigação por técnicos.

Alumínio é usado em vacinas há anos

O alumínio é um dos metais mais comuns na natureza e está presente no ar, na comida e na água. Ele é usado para incrementar a eficácia de algumas vacinas, explica Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas. “O alumínio é o adjuvante. Ele é usado nas vacinas de vírus atenuado porque sabemos que ela não produz resposta imunogênica muito grande. Eles colocam o alumínio para aumentar a resposta imunogênica.”

O elemento é atualmente utilizado nas vacinas Coronavac e Janssen.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, informa que os sais de alumínio são utilizados em algumas vacinas desde 1930 com segurança. “Pesquisas científicas comprovaram que a quantidade de alumínio a que as pessoas são expostas quando seguem o calendário recomendado de vacinação é baixa e não é absorvida de imediato pelo corpo”, informa o órgão.

Na live, a médica diz que os testes clínicos da Coronavac utilizaram “hidróxido de alumínio, vacina de meningite e de hepatite B” como placebo. Isso é falso, segundo o paper publicado pelo Instituto Butantan. Somente o hidróxido de alumínio foi realmente usado. Placebo é uma substância sem efeito no corpo, aplicada à metade dos voluntários de um teste clínico para se comparar com a outra metade que recebe o imunizante.

Pediatra com especialização em infectologia e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri explica que é comum utilizar componentes similares à vacina quando se deseja realizar um comparativo entre grupos. “Às vezes uma solução com hidróxido de alumínio serve para continuar escondendo se a pessoa está no grupo placebo. Então, substâncias inócuas são utilizadas sim”, disse.

Não há evidências sobre alumínio e Alzheimer

No vídeo, a médica alega que o uso de alumínio nas vacinas contra a covid-19 vai causar “aumento no número nos casos de demência”, incluindo de Alzheimer. No entanto, isso carece de embasamento científico. A Alzheimer’s Society, organização que atua em pesquisa e cuidado a pessoas com demência no Reino Unido, informa em seu site que “até o momento, nenhum estudo ou grupo de estudos confirmou que o alumínio esteja relacionado com o desenvolvimento da doença de Alzheimer”.

Também diz que o elemento está presente em um cérebro saudável e que, embora ele esteja nas placas amiloides (uma das principais características físicas deste tipo de demência), “ainda não foi estabelecida uma relação convincente entre a exposição a determinadas quantidades de alumínio no corpo e o desenvolvimento de Alzheimer”.

“O que é importante em todas as novas vacinas é o que a gente chama de farmacovigilância, que é continuar observando os efeitos”, diz Kfouri. Ele lembra que os casos adversos continuam sendo observados mesmo após a aplicação em massa, para identificar possíveis efeitos adversos muito raros. “Até o momento, a avaliação risco-benefício é boa. O número de vidas salvas com a prevenção de casos de covid-19 é considerado um benefício maior do que o risco de ter algum evento adverso raro.”

Quem é a médica cuja fala foi verificada?

Maria Emilia Gadelha Serra é médica otorrinolaringologista, com registro nº 63.451 no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp). Em seu perfil no Instagram, ela se apresenta como presidente da Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica. A prática é contestada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que em Resolução de 2018 a definiu como “procedimento de caráter experimental, cuja aplicação clínica não está liberada, devendo ocorrer apenas no ambiente de estudos científicos”.

Em seu Instagram, Serra tira de contexto dados sobre efeitos adversos de vacinas e faz postagens contrárias a uma eventual obrigatoriedade dos imunizantes. Também compartilha teoria da conspiração contra órgãos sanitários regulatórios dos Estados Unidos e contra a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Procurada pelo Comprova, ela não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Projeto Comprova checa conteúdos de redes sociais sobre políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia que alcancem uma grande quantidade de visualizações, reações e compartilhamentos. A live completa já foi vista mais de 24 mil vezes no YouTube. O seu trecho recortado e compartilhado no TikTok – alvo dessa checagem – havia sido visualizado ao menos 135 mil vezes antes de ser deletado pela própria rede social.

Conteúdos imprecisos sobre vacinas diminuem a confiança da população nas autoridades sanitárias e enfraquecem os esforços de imunização que são a principal estratégia para controlar a pandemia e salvar vidas. O Projeto Comprova já mostrou que casos de celebridades vacinadas que se contaminaram – como Silvio Santos e Rodrigo Faro – não provam que os imunizantes seriam ineficazes. Também já comprovamos ser falso que as vacinas agravam a covid-19.

Enganoso, para o Comprova, conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

 

Eleições

Investigado por: 2021-08-24

É falso que diretor da PF tenha denunciado participação de Lula e STF em trama para matar Bolsonaro

  • Falso
Falso
É falso que o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Paulo Maiurino, tenha denunciado no Twitter um conluio entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para assassinar o atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Propagado em live pela jornalista Leda Nagle, o boato foi desmentido pela PF em abril deste ano e a própria jornalista também se desculpou em vídeo, admitindo o erro. Um perfil falso havia sido usado para fazer a divulgação usando o nome do delegado.
  • Conteúdo verificado: Vídeo no TikTok mostra a jornalista Leda Nagle lendo um tuíte falsamente atribuído ao diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino, sobre um suposto esquema entre o STF e o ex-presidente Lula para matar Bolsonaro. Material originalmente divulgado em abril, voltou a viralizar neste mês.

É falso que o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Paulo Maiurino, tenha denunciado no Twitter um conluio entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para assassinar o atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

No boato propagado em live pela jornalista Leda Nagle, são quase dois minutos de vídeo em que ela lê o falso tuíte. Na mensagem, o perfil promete descrever com mais detalhes o plano para matar o presidente da República.

Apesar de não ser recente, o vídeo voltou a ser compartilhado no TikTok, com mais de 80 mil visualizações. A conta de Twitter que apresentava a suposta denúncia não é de Maiurino.

A verdadeira conta do delegado na rede social é @PMaiurino. A conta falsa (@d_delegado) não existe mais. A ex-apresentadora do Sem Censura, da TV Brasil, reconheceu o erro dois dias após a live, em 19 de abril de 2021.

Polícia Federal, STF e Lula se manifestaram mais uma vez sobre o caso, negando o conteúdo. A reportagem do Comprova tentou contato com Leda Nagle, mas não obteve resposta. A conta @adamilsonkorban no TikTok também não respondeu às perguntas enviadas no espaço para troca de mensagens.

O Comprova considerou o conteúdo falso porque ele foi inventado e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira. A equipe tentou falar com o perfil que publicou o vídeo, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Como verificamos?

O Comprova fez uma busca avançada pela conta do delegado Paulo Gustavo Maiurino no Twitter associada ao nome de Lula, de Bolsonaro e também ao STF. E não há resultado relacionado a nenhum dos três. Essa consulta foi motivada pelo fato de que, embora a verificação seja de uma publicação no TikTok, o conteúdo fazia referência a uma suposta postagem do policial no Twitter.

Ao fazer uma pesquisa convencional com o nome do delegado, no entanto, apareceram vários compartilhamentos do conteúdo suspeito e ainda outras verificações sobre o assunto, como a da Boatos.org, que o classifica como falso.

A reportagem do Comprova também consultou outras checagens sobre o tema, feitas pela Agência Lupa, Aos fatos, Uol Confere e Estadão Verifica. Também usou a ferramenta Wayback Machine para conferir posts da conta atribuída a Maiurino.

O Comprova entrou em contato com o Departamento de Polícia Federal (DPF) para questionar sobre a veracidade das informações imputadas ao chefe da instituição.

Além disso, procurou pelas redes sociais a jornalista Leda Nagle, que aparece no vídeo lendo o texto atribuído a Maiurino, e ainda pela seção “contato”, disponibilizada em seu site para interação com seguidores.

Também foram consultados Lula e o STF, mencionados na publicação, bem como o Twitter, que foi questionado sobre a conta atribuída ao delegado federal, mas não deu um retorno conclusivo. O autor da publicação (@adamilsonkorban) foi procurado por meio de sua conta no TikTok, mas, até a publicação deste texto, não se manifestou.

Verificação

O vídeo

Leda Nagle aparece no vídeo recém-divulgado no TikTok fazendo a leitura de um tuíte no Clube da Notícia, um quadro do seu canal no YouTube em que repercute assuntos do dia. A live é do dia 17 de abril deste ano e atribui ao delegado federal Paulo Maiurino o conteúdo sobre uma suposta armação para matar Bolsonaro.

Em um dos trechos, mostrando a fachada do Supremo, o perfil falso diz que partiu dali, em conjunto com Lula e outros, a ideia do atentado contra o presidente. Dois dias depois, em nota, Leda Nagle pede desculpas pelo erro.

“Algum membro do grupo, por má-fé, ou porque ficou impactado pela notícia, pinçou um trecho de 2 minutos de uma live de 47 minutos e viralizou antes mesmo que eu tivesse voltado com a checagem completa da informação, até porque não tem live no domingo e isto só aconteceria às 20 horas de hoje na live aberta de toda segunda-feira. Lamento o ocorrido”, escreveu a jornalista. Novamente procurada sobre o caso, Leda Nagle não se manifestou.

O vídeo, porém, voltou a viralizar no TikTok há poucos dias, após ter sido publicado pelo perfil @adamilsonkorban. A postagem é acompanhada de hashtags como “#bolsomito”, “#bolsonarotemrazao” e “#fechadocombolsonaro”. As demais publicações do dono da conta sugerem que ele é apoiador de Bolsonaro, pois são reproduções de falas do presidente, de aliados ou de influenciadores bolsonaristas.

Conta verificada

A Polícia Federal desmentiu, em nota enviada ao Projeto Comprova, todo o teor da denúncia lida por Leda, ressaltando que o boato já havia sido refutado em abril. A conta correta que Paulo Maiurino mantém no Twitter é @PMaiurino e tem o selo de verificação da rede social.

Segundo o Twitter, o selo “informa às pessoas que uma conta de interesse público é autêntica”. A rede social também esclarece que, para receber a verificação, o perfil deve ser autêntico, notável e ativo. O perfil @d_delegado não continha a marca.

A reportagem ainda consultou outras checagens sobre o tema, feitas pela Agência Lupa, Aos fatos, Boatos.org, Uol Confere e Estadão Verifica.

Com o auxílio do Wayback Machine, a reportagem da Lupa verificou uma série de tuítes do perfil @d_delegado, que vão de “curtidas” em tuítes de Jair Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) a ofensas contra petistas. Chegam até mesmo a uma tentativa de golpe em apoiadores do presidente. O Comprova confirmou a existência dos posts a partir da mesma ferramenta.

“Preciso de parceiros que possam ajudar financeiramente a entrega de mais de 2,5 mil cestas básicas, as cestas já temos precisamos da doação financeira para podermos pagar o transporte, será entregue em 6 estados para mais de 1,5 mil famílias, se você puder ajudar me chame no privado!”, escreve o perfil fraudulento.

A Polícia Federal é uma instituição de estado, e não de governo. Isto é, embora seja do presidente da República a prerrogativa de nomear o diretor-geral da instituição, os policiais federais têm autonomia para executar quaisquer investigações, inclusive contra membros do governo federal. O Ministério da Justiça está diretamente acima da Polícia Federal na cadeia de comando, mas não tem poder para interferir na atuação da instituição, de modo a cessar ou estimular investigações.

Dessa forma, falas a favor de um governante de turno (“vocês querendo ou não, eu sou a favor do @jairbolsonaro”) ou contrárias a políticos, ou organizações partidárias (“petistas vagabundos”) soam suspeitas, vez que os gestos maculam a credibilidade de agentes federais que podem, eventualmente, conduzir investigações contra os alvos destes comentários.

O que dizem STF e Lula

Em abril passado, o STF publicou um texto no site oficial para alertar sobre o conteúdo falso relacionando a instituição à suposta armação para matar Bolsonaro. Em um dos trechos, ressaltava “a importância da checagem de informações suspeitas, como forma de evitar a propagação de fake news com o nome de autoridades e membros da Suprema Corte”. Questionado sobre o assunto pelo Comprova, o STF compartilhou o link do mesmo alerta para responder à nova viralização do conteúdo falso.

O ex-presidente Lula também foi procurado e, segundo reforçou a assessoria, a própria jornalista Leda Nagle já pediu desculpas por divulgar o boato.

“Infelizmente, grupos bolsonaristas têm usado fake news com fins políticos contra a democracia, o combate à covid-19 e o povo brasileiro. As autoridades e as plataformas de redes sociais ainda não têm conseguido impedir que grupos de profissionais de fake news atuem na política”, acrescentou, em nota.

Atentado contra Bolsonaro

Durante a campanha presidencial, em 6 de setembro de 2018, Bolsonaro sofreu um atentado em Juiz de Fora, Minas Gerais. Ele levou uma facada no abdômen, golpe desferido por Adélio Bispo de Oliveira – diagnosticado, posteriormente, com uma doença mental e, portanto, inimputável.

Após o crime, várias teorias conspiratórias passaram a circular nas redes sociais, e alimentadas pelo próprio presidente Bolsonaro, de que o atentado teria o envolvimento de opositores. Adélio Bispo já havia sido filiado ao PSOL, mas tinha deixado o partido quatro anos antes do ataque. Na ocasião, Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL, afirmou que o partido não deveria responder pelo ex-filiado, mas repudiou o ato. Em nota, declarou se tratar de “um grave atentado à normalidade democrática e ao processo eleitoral.”

Na resposta da Polícia Federal sobre o post atribuído a Paulo Maiurino, a instituição faz referência ao atentado sofrido por Bolsonaro no período de campanha eleitoral. “Sobre as investigações relativas ao atentado ao então candidato à Presidência, foram abertos dois inquéritos, os quais foram concluídos e encaminhados à Justiça.” Nos dois documentos, a conclusão da polícia foi que Adélio Bispo agiu sozinho.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre governo federal, pandemia e eleições que tenham atingido alto grau de viralização. O vídeo aqui verificado teve mais de 80 mil visualizações e 6,5 mil curtidas.

Neste conteúdo estão citados dois prováveis candidatos à Presidência da República nas eleições de 2022 – Jair Bolsonaro e Lula –, criando uma situação falsa de enfrentamento fora das disputas democráticas do sistema eleitoral. Além disso, lança suspeita sobre o STF, órgão que tem sido constantemente atacado por grupos bolsonaristas e pelo próprio presidente.

Desde que iniciou a verificação relacionada às eleições, o Comprova já mostrou que inquérito da Polícia Federal não investiga fraude em votação, que pesquisa antiga engana ao ser usada para sugerir que Bolsonaro é aprovado por metade da população e que frase de ministra do STF é retirada de contexto para dizer que Lula não poderá se candidatar em 2022.

Sobre o conteúdo verificado, a página Boatos.org o classificou como falso, assim como o Uol Confere, Agência Lupa e o Estadão Verifica. O STF também emitiu um alerta sobre a postagem falsa, como já informado.

Falso, para o Comprova, é conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-08-24

Taxa de mortalidade por covid-19 na Suécia é mais do que o dobro da média mundial

  • Enganoso
Enganoso
Para deslegitimar a estratégia de lockdown, um tuíte do deputado federal Osmar Terra engana ao comparar o desempenho da Suécia, em termos de mortalidade por covid-19, com sete países escolhidos a dedo e “outros” que adotaram a medida.
  • Conteúdo verificado: Um tuíte de Osmar Terra (MDB-RS) afirmando que a Suécia, depois de um ano e meio “sem fazer lockdown”, tem mortalidade por covid-19 mais baixa que Reino Unido, França, Portugal, Espanha, Itália, Bélgica, Estados Unidos e outros países “que fizeram lockdown repetidas vezes”.

É enganoso o tuíte em que o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) compara as taxas de mortalidade da Suécia com outros sete países “que fizeram lockdown repetidas vezes”, de modo a sugerir que a estratégia liberal do primeiro seria eficiente para conter a pandemia e alegar que o bloqueio não ajuda a reduzir o contágio.

Dados mostram que a Suécia tem o maior número de mortes por covid-19 a cada 100 mil habitantes entre os países escandinavos (Noruega, Finlândia, Dinamarca e Islândia), que adotaram medidas mais rígidas desde o início, e apresenta uma taxa de mortalidade que é mais do que o dobro da média mundial. Pela mesma lógica utilizada no post, outros países que adotaram o lockdown, como China e Nova Zelândia, apresentam taxas muito mais baixas.

Além disso, a postagem do ex-ministro da Cidadania do governo de Jair Bolsonaro ignora o fato de que alguns dos países citados mudaram de abordagem durante a pandemia, a exemplo do Reino Unido, e que as medidas de confinamento são impostas e flexibilizadas em diferentes momentos. Estudos que estimam o impacto das políticas públicas em diferentes países levam em conta essas variáveis.

Embora não tenha aplicado o lockdown e tenha agido de forma menos restritiva que outros países da Europa, a Suécia chegou a adotar medidas de prevenção e incentivou o distanciamento entre a população. Em março de 2021, o país restringiu o número de pessoas em lojas e academias, assim como o horário de fechamento de bares e restaurantes, que deveria ser até as 20h30.

A postagem de Osmar Terra foi classificada como enganosa nesta checagem porque usa dados imprecisos e confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano. O deputado foi procurado pelo Comprova, mas não respondeu aos questionamentos.

Como verificamos?

O Comprova buscou informações sobre a prática de lockdown e a evolução da pandemia em reportagens jornalísticas e nos sites oficiais do governo sueco. O mesmo ocorreu em relação aos outros países citados no tuíte.

As taxas de mortalidade por covid-19 foram analisadas por meio de duas plataformas: o Our World In Data, mantido por pesquisadores da Universidade de Oxford, e o Coronavirus Resource Center, base de dados da Universidade Johns Hopkins.

Além disso, a reportagem conversou com o epidemiologista, professor da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil, Pedro Hallal.

Autor da postagem enganosa, o deputado federal Osmar Terra foi procurado por meio de um assessor de imprensa. A reportagem perguntou qual foi o critério de escolha dos países que aparecem no tuíte e relatou o fato de que a Suécia apresenta taxas de mortalidade mais altas que os países vizinhos e a média mundial. Não houve resposta até a publicação desta checagem.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de agosto de 2021.

Verificação

Taxas de mortalidade

A taxa de mortalidade da Suécia é realmente menor que a dos sete países mencionados pelo deputado em seu tuíte. Esse fato, no entanto, não quer dizer que o desempenho do país seja satisfatório ou que o lockdown não funcione para reduzir o número de mortes pelo novo coronavírus.

De acordo com o Coronavirus Resource Center da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, a Suécia era o 38º país com mais óbitos por habitante nesta segunda-feira, 23 de agosto, de um total de 182 países e territórios. A taxa de mortalidade era de 142,61 a cada 100 mil pessoas.

Esse número de fato está abaixo de Bélgica (220,48), Itália (213,53), Reino Unido (197,44), Estados Unidos (191,48), Espanha (176,60), Portugal (171,76) e França (169,21), como pode ser visto na tabela abaixo. Apesar de não ter sido citado, o Brasil aparece em quinto, com 272,22 mortes por 100 mil habitantes.

Porém, a situação é desfavorável para a Suécia quando a comparação é feita com os seus vizinhos da Escandinávia e com a média do planeta, como aponta o epidemiologista da UFPel Pedro Hallal. Ele sustenta que o caso da Suécia não deve servir de exemplo para ninguém.

Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em julho deste ano, Hallal já alertava para o fato de a Suécia ter o pior desempenho no combate à pandemia entre cinco países escandinavos, que incluem Dinamarca, Noruega, Finlândia e Islândia. O cenário é o mesmo até hoje.

Ao Comprova, Hallal criticou a comparação feita pelo deputado. De acordo com ele, a Suécia “é um país historicamente muito melhor do que a média mundial, em tudo, e deveria ter resultados parecidos com seus parceiros da região”, mas não é o que acontece.

Na realidade, a taxa de mortalidade por covid-19 do país (1.452 por milhão de habitantes) é mais que o dobro da média do planeta (567), como mostra uma consulta ao Our World In Data, plataforma mantida por pesquisadores da Universidade de Oxford. Os demais — Dinamarca (443), Noruega (149), Finlândia (160) e Islândia (87) — estão todos abaixo dessa média.

A reportagem questionou Hallal se faz sentido separar os países em dois grupos — os que fizeram e os que não fizeram lockdown em algum momento — e comparar as taxas de mortalidade para avaliar a política, considerando ainda o dinamismo da pandemia. Um exemplo é o Reino Unido, que apostou em uma estratégia mais flexível no começo de 2020 e depois mudou de ideia diante de previsões catastróficas e do contágio em alta, passando a adotar medidas mais restritivas.

De acordo com Pedro Hallal, “qualquer cientista que interprete os dados leva isso em consideração” e que ignorar esse tipo de questão constitui “erro primário”. Hallal alertou ainda que, da mesma forma, é preciso considerar que a Suécia promoveu restrições e orientou algumas práticas para diminuir a propagação do vírus ao longo do período.

Dois exemplos de estudos científicos nesse sentido foram publicados pela revista Nature Human Behaviour, em novembro de 2020, e pela revista Science, em fevereiro deste ano. Ambos aplicam métodos estatísticos para analisar as intervenções e interpretam os dados conforme o período específico em que as ações são aplicadas pelos governos. Outra diferença é que o impacto é medido a partir da taxa de transmissão do coronavírus, ou o “ritmo de contágio”, representado pelo termo Rt, e não pela mortalidade.

Seguindo o mesmo critério de Osmar Terra, é fácil elaborar uma comparação em que a Suécia tenha um desempenho mais de 200 vezes pior que outros países que fizeram “lockdown repetidas vezes”. A China, por exemplo, tem uma taxa de mortalidade de 0,35 a cada 100 mil habitantes, e a Nova Zelândia, de 0,53.

O site GZH informou neste mês que o epidemiologista Pedro Hallal cogita concorrer ao Senado no ano que vem. “Ainda estou analisando, mas se concorrer será por algum partido de esquerda ou de centro-esquerda, para contrapor as candidaturas de direita que estão postas”. Ele não está filiado a nenhum partido político no momento, de acordo com o sistema oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Sem lockdown

Até agora, a Suécia não fez lockdown, que é o bloqueio total de uma região. Embora não tenha uma definição única, o lockdown é, na prática, a medida mais radical imposta por governos para que haja distanciamento social e inclui o fechamento de vias e proibição de deslocamentos e viagens não essenciais. Evidências científicas mostram que a adoção de lockdown funciona contra a covid-19. Ele é diferente do isolamento social, que é, em princípio, uma sugestão preventiva para que as pessoas fiquem em casa.

Ao contrário da Suécia, os demais países citados pelo deputado Osmar Terra (Reino Unido, França, Portugal, Espanha, Itália, Bélgica e Estados Unidos) utilizaram lockdowns e toques de recolher como forma de reduzir o ritmo de contágio em algum momento durante a pandemia. Apesar disso, mesmo entre eles, existem diferenças em termos de duração, intensidade e adesão da população ao confinamento.

Os países vizinhos da Escandinávia também foram ágeis em aplicar restrições e conter o alastramento do vírus. Dinamarca e Noruega estiveram entre os primeiros países da Europa a promoverem confinamentos, ainda em março de 2020, que se repetiram em outras ondas de contaminação. A Finlândia e a Islândia, da mesma forma, fecharam restaurantes e outros estabelecimentos. Essas medidas vieram acompanhadas de outras estratégias de mitigação, como ampla testagem, rastreamento de contatos e isolamento de casos ativos.

Desde o início da pandemia de coronavírus, os suecos se tornaram um estudo de caso, renunciando a bloqueios e mandatos. Checagem do PolitiFact, de 6 de agosto de 2021, esclarece que, em contraste com alguns de seus vizinhos e os EUA, a sociedade sueca permaneceu amplamente aberta durante a pandemia, e o governo respondeu principalmente com orientações, não ordens de permanência em casa e quarentenas. Em geral, as máscaras também não foram recomendadas.

Reportagem da The New Yorker, de abril deste ano, traz o cenário do país ao longo da pandemia: “enquanto bloqueios, toques de recolher e proibições de viagens estavam sendo implementados no resto do mundo, restaurantes, lojas, bares, museus, creches e escolas primárias na Suécia permaneceram abertos. As pessoas foram incentivadas a trabalhar em casa e a reduzir as viagens, mas ambas eram opcionais. Máscaras não eram recomendadas e permaneceram raras”.

A pessoa por trás da resposta ao coronavírus da Suécia é Anders Tegnell, o epidemiologista chefe do país. A New Yorker destaca que a constituição sueca dá às agências governamentais uma independência extraordinária, então Tegnell e a agência de saúde pública lideraram grande parte da resposta ao coronavírus e, constitucionalmente, o governo tem pouco poder para impor restrições. Segundo a revista, Tegnell “costuma dizer que os bloqueios não são apoiados pela ciência e que as evidências do uso de máscaras são fracas”.

Em uma entrevista à revista científica Nature, publicada em abril de 2020, Tegnell detalhou a estratégia adotada pelo país: “Como sociedade, estamos mais focados em ‘dar um incentivo’, continuamente lembrando as pessoas de colocar em prática as medidas [contra covid-19], e melhorando-as onde vemos no dia a dia que elas precisam ser ajustadas. Não precisamos fechar tudo completamente porque seria contraproducente”, afirmou.

Tegnell introduziu a abordagem “light” do país à pandemia em março do ano passado, à medida que os casos aumentavam. Lena Hallengren, ministra da pasta de Health and Social Affairs (Saúde e Assuntos Sociais), deu uma entrevista à emissora Al Jazeera English, em 1 de agosto de 2020, e, quando perguntada sobre essa abordagem e a diferença com outros países que adotaram o lockdown, disse que:

“A estratégia vem sendo garantir que nós podemos prevenir o vírus de se espalhar na sociedade, proteger grupos vulneráveis, mas também garantir que a nossa sociedade está funcionando, porque todo o tempo nós precisamos de pessoas para trabalhar nos hospitais, precisamos de pessoas para trabalhar nas casas de repouso, nas farmácias, nas ambulâncias [..] Nós não achamos possível que todo mundo fique em casa por meses”.

Dessa forma, a estratégia do país para conter a disseminação do vírus tem como base a “responsabilidade individual” de seus cidadãos. “As leis suecas sobre doenças transmissíveis baseiam-se principalmente em medidas voluntárias – na responsabilidade individual. Afirma claramente que o cidadão tem a responsabilidade de não espalhar uma doença. Este é o centro de onde partimos, porque não há muita possibilidade legal de fechar cidades na Suécia usando as leis atuais. A quarentena pode ser contemplada para pessoas ou pequenas áreas, como uma escola ou um hotel. Mas [legalmente] não podemos bloquear uma área geográfica”, afirmou Tegnell, em abril do ano passado.

Isso pode ser notado na página da agência de saúde do país, onde não há citações a lockdowns. Na aba “diretrizes e recomendações para reduzir a disseminação de COVID-19”, há a indicação de medidas que cada cidadão pode tomar por conta própria: “todos têm a responsabilidade pessoal de prevenir a propagação da infecção. Você deve pensar em como pode evitar ser infectado, como deve manter distância e como pode evitar infectar outras pessoas. Mostre consideração, especialmente para as pessoas que pertencem a grupos de risco. Você deve manter distância de outras pessoas e evitar lugares lotados. Isso é especialmente importante quando você passa um longo período com alguém e quando você está dentro de casa”.

Críticas à estratégia da Suécia

Em junho do ano passado, diante de críticas crescentes sobre a posição da Suécia no combate à pandemia, Tegnell admitiu que o país deveria ter adotado medidas mais contundentes de isolamento social para conter a pandemia e que uma abordagem mais dura poderia ter evitado o alto número de mortes registrado no país.

A abordagem adotada pelo país europeu foi criticada por integrantes da comunidade científica. Em abril de 2020, em um artigo publicado no jornal sueco Dagens Nyheter, 22 pesquisadores afirmaram que as autoridades públicas de saúde haviam falhado no combate à pandemia e que os políticos deveriam interferir.

Matéria da Time, de outubro do ano passado, traz como título “a resposta sueca à covid-19 é um desastre. Não deveria ser um modelo para o resto do mundo”. A reportagem destaca que “os países que fecharam as portas precocemente e / ou usaram testes e rastreamento extensivos – incluindo Dinamarca, Finlândia, Noruega, Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Vietnã e Nova Zelândia – salvaram vidas e limitaram os danos às suas economias. Países que bloquearam tarde, saíram do bloqueio muito cedo, não testaram e colocaram em quarentena de forma eficaz ou apenas usaram um bloqueio parcial – incluindo Brasil, México, Holanda, Peru, Espanha, Suécia, EUA e o Reino Unido – têm piorado quase que uniformemente nas taxas de infecção e morte”.

Artigo publicado na revista científica The Lancet destaca que “desde o início da pandemia, a Agência de Saúde Pública da Suécia, Folkhälsomyndigheten (FHM), embarcou em uma abordagem de imunidade de rebanho, permitindo que a transmissão da comunidade ocorresse relativamente sem controle” e que “muitas vozes críticas foram levantadas sobre a resposta nacional da Suécia à covid-19 e seu fracasso em atingir seus objetivos de nivelar e encurtar as curvas de casos, hospitalizações e mortes”.

Em entrevista à AFP, Julival Ribeiro, infectologista consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e diretor- geral do Hospital de Base do Distrito Federal disse que “[É possível concluir] que a estratégia [escolhida pela Suécia, de não implementar medidas mais rígidas] não foi a estratégia correta. E, além disso, a Suécia é um país pequeno e você pode até ter mais controle. [Mas] imagine países com milhões de pessoas. (…) Naquela época em que a Suécia adotou essas medidas nós sabíamos pouco em relação à covid-19. Mas o mundo mostrou que o caminho para combater essa pandemia é aliar vacina, medidas restritivas e medidas preventivas”.

Em dezembro, os casos e hospitalizações eram mais altos do que desde os primeiros dias da pandemia no país. As unidades de terapia intensiva em Estocolmo e Malmö, a terceira maior cidade sueca, estavam lotadas. “Era exatamente esse desenvolvimento que não queríamos ver”, disse Björn Eriksson, diretor de saúde e cuidados médicos de Estocolmo, durante uma coletiva de imprensa. A confiança na agência de saúde pública havia caído de 68% em outubro para 52% em dezembro.

Um relatório também apontou que a Suécia fracassou em proteger idosos contra a covid-19. A estratégia adotada pela Suécia foi chamada de “imprudente e cruel”. Hallengren, em entrevista à Al Jazeera English, afirmou que “não temos nenhuma prova de que se tivéssemos lockdown teríamos prevenido isso de acontecer”.

Reportagem da BBC de dezembro mostra que a Suécia sofria com uma pandemia fora de controle, UTIs lotadas e debandada de profissionais de saúde. O aumento exponencial no número de casos fez com que o governo sueco mudasse sua estratégia em novembro, introduzindo restrições mais duras às interações sociais. Foram proibidas reuniões de mais de oito pessoas em shows, palestras e apresentações teatrais. Houve também um veto nacional à venda de álcool a partir das 22h em bares e restaurantes. Em raro pronunciamento, até o rei sueco, Carl XVI Gustaf, criticou a estratégia adotada pelo país no combate à pandemia covid-19. “O povo sueco sofreu enormemente em condições difíceis”, disse o monarca à emissora estatal SVT. “Acho que falhamos.”

No dia 18 de dezembro, como os hospitais já estavam preparados para uma onda pós-Natal, Tegnell e a agência de saúde pública finalmente recomendaram o uso de máscaras, mas apenas no transporte público e durante a hora do rush.

Em 8 de janeiro, a Suécia mudou sua legislação para conceder temporariamente ao governo o poder de adotar medidas de restrição contra a covid-19 em áreas determinadas e aplicar sanções e multas caso elas sejam violadas, mas não estabeleceu que a população fique confinada em casa. Entre as medidas permitidas estavam fechar lojas, centros comerciais e o transporte público e limitar o número de pessoas em reuniões em locais públicos específicos.

Dessa forma, embora a Suécia tenha optado por não fechar as portas no início da pandemia, com bares, restaurantes e lojas permanecendo abertos, restrições foram impostas depois.

Em março de 2021, o país restringiu o número de pessoas em lojas e academias, assim como o horário de fechamento de bares e restaurantes, que deveria ser até as 20h30. Porém, em julho, o governo flexibilizou as medidas. Uma publicação do Ministério da Saúde e Assuntos Sociais da Suécia, de 26 de julho, traz uma lista de restrições que foram suavizadas no dia 15 do mesmo mês, incluindo o aumento da capacidade do transporte público e o fim da proibição de acesso a determinados espaços.

Apesar das críticas e das mudanças impostas, de modo geral, a estratégia do país permaneceu intacta. A Suécia fechou suas fronteiras internacionais, incluindo as da vizinha Noruega, e permitiu que a sociedade interna permanecesse aberta. Embora haja limites para o número máximo de pessoas em reuniões sociais, são na forma de “recomendações”, em vez de leis rígidas aplicáveis ​​por meio de multas.

Uma investigação de um professor da Swedish Defence University, publicada em junho deste ano, mostra que a avaliação de risco da agência de saúde sueca, a PHAS (Public Health Agency of Sweden), em relação à propagação geral do coronavírus no país era excessivamente otimista até 10 de março de 2020, sendo consideravelmente mais positiva do que as avaliações de risco globais da OMS (Organização Mundial da Saúde) e outros prognósticos de especialistas para Suécia.

Além disso, “havia uma recusa contínua da agência em mudar sua posição sobre as máscaras faciais ou recomendar seu uso em locais confinados e lotados para o público. Isso ocorreu apesar das evidências crescentes a favor desse equipamento de proteção. Como tal, a política de máscaras do PHAS divergia da postura da OMS, ECDC (European Centre for Disease Prevention and Control) e de outros grandes estudos científicos nesta área”.

A conclusão do estudo é que “no geral, essas descobertas podem explicar, pelo menos em parte, por que a pandemia teve um impacto tão adverso na Suécia, em comparação com muitos outros países desenvolvidos até agora”.

Segundo o portal Our World In Data, após o pico de novos casos na Suécia entre dezembro e janeiro, que chegou a 32.485 diagnósticos positivos registrados em um único dia, houve uma queda contínua até fevereiro, seguido de um novo período de alta. A partir do mês de abril, com o avanço da vacinação, o número de casos ativos e de mortes pela doença despencou.

Atualmente, 51% da população sueca está totalmente vacinada e 67% receberam ao menos a primeira dose. O país acumula 1,12 milhões de casos e 14.688 mortes desde o início da pandemia.

Quem é o autor?

Osmar Terra (MDB) exerce o sexto mandato na Câmara dos Deputados, representando o Rio Grande do Sul. Em 2016, foi Ministro do Desenvolvimento Social no governo de Michel Temer (MDB) e ocupou a pasta da Cidadania já na gestão de Jair Bolsonaro, em 2019.

O deputado federal é formado em medicina e foi presidente do Grupo Hospitalar Conceição entre 1986 e 1989. Também ocupou o cargo de secretário da Saúde do Rio Grande do Sul de 2003 a 2010, nas gestões de Germano Rigotto (MDB) e Yeda Crusius (PSDB).

Terra é um apoiador de Jair Bolsonaro e, seguindo o discurso do presidente, já negou a gravidade da pandemia em diversas ocasiões. Chegou a afirmar que o distanciamento social não tinha eficácia comprovada, que as mortes pelo novo coronavírus não Brasil não passariam o número de óbitos por H1N1 e declarou que a pandemia terminaria em junho. Já em agosto, compartilhou imagens antigas para criticar o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS).

A CPI da Covid apura se o deputado fez parte do chamado “gabinete paralelo”, um grupo externo ao Ministério da Saúde que teria orientado o presidente Jair Bolsonaro com medidas negacionistas no enfrentamento da pandemia. Ele aparece em destaque em uma reunião em que defensores de tratamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19 sugerem um aconselhamento informal a Bolsonaro.

Durante o depoimento à CPI, em junho deste ano, Osmar Terra chegou a mencionar a Suécia como uma espécie de “case de sucesso” no controle da pandemia. Ele foi contestado pelos senadores e posteriormente teve frases desmentidas por agências de checagem.

O Comprova já verificou outros tuítes do deputado envolvendo a Suécia em outubro do ano passado. Na ocasião, ele defendeu que as pandemias acabam antes de as vacinas estarem disponíveis e sugeriu que a Suécia havia debelado a pandemia através da estratégia de “imunidade de rebanho”, o que não é verdade. O projeto ainda checou alegações enganosas de Osmar Terra em outras duas oportunidades.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que viralizam nas redes. O post verificado aqui teve mais de 6,5 mil interações no Twitter em menos de uma semana.

O post é danoso ao insinuar que a estratégia do lockdown, adotada pela maioria dos países para combater a pandemia, é ineficiente.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-08-20

Site antivacina inventa dado sobre efeito colateral em crianças imunizadas com Pfizer

  • Falso
Falso
É falso que dados da Pfizer revelem que 80% das crianças vacinadas desenvolvem efeitos adversos, como afirma uma publicação em um site. A farmacêutica não tem nenhum estudo sobre vacinação em crianças concluído e, até o momento, afirma, assim como órgãos como o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e a Anvisa, que os benefícios da imunização superam os riscos.
  • Conteúdo verificado: Texto em site afirma que vacinas das Pfizer produzem “efeitos adversos” em 80% das crianças e indica que a vacinação seria pior do que a covid-19.

É falsa a publicação no site antivacina Coletividade Evolutiva segundo a qual dados da farmacêutica Pfizer teriam mostrado que “80% das crianças vacinadas desenvolvem efeitos adversos”.

Um dos links do conteúdo falso leva a uma página em alemão, de onde o texto em português foi traduzido. Na versão estrangeira há um link para um documento da Food and Drug Administration (FDA), agência regulatória dos Estados Unidos, citado como fonte dos tais dados, mas ele é apenas uma ficha técnica para profissionais de saúde que aplicam vacinas. Neste relatório, há informações sobre reações adversas em públicos de idades diferentes, mas em nenhum momento cita os tais 80% de casos de crianças vacinadas que teriam desenvolvido efeitos adversos.

A Pfizer afirmou à reportagem que, em junho, anunciou o início do teste da vacina em um grupo de crianças com menos de 12 anos, mas ainda não há resultados disponíveis.

A empresa acrescentou que “os benefícios da vacinação superam em muito os potenciais eventos adversos”. É o mesmo que afirmam o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O Comprova considerou o conteúdo falso porque ele foi inventado e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira. A reportagem tentou falar com o site que publicou o material, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Como verificamos?

O primeiro passo foi verificar para onde levavam os links incluídos no post verificado. O primeiro deles, logo no início do texto, sugeria que o leitor seria levado diretamente a um suposto relatório da Pfizer, de 37 páginas, onde constavam informações sobre reações adversas em 80% das crianças vacinadas.

O link, contudo, levava a um site austríaco, com texto escrito em alemão. Usando a ferramenta de tradução do Google, a reportagem percebeu que o conteúdo era similar, embora maior. Este, sim, fornecia um link direto ao suposto relatório que, na verdade, era uma ficha técnica destinada a profissionais responsáveis por aplicar as vacinas, disponibilizado pela FDA, mas sem os dados destacados por nenhum dos dois textos.

Foram realizadas pesquisas sobre a imunização de crianças e adolescentes no site da Pfizer e nas páginas de autoridades de saúde como CDC, FDA e Anvisa.

A reportagem contatou, por e-mail, a Pfizer, que respondeu com um comunicado. Também tentou falar com o Coletividade Evolutiva via e-mail e preenchendo o formulário de contato no site, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 20 de agosto de 2021.

Verificação

Pfizer em crianças

Segundo comunicado da farmacêutica enviado ao Comprova, ainda não há dados disponíveis sobre resultados da vacinação de crianças menores de 12 anos. Em junho, a empresa anunciou o início dos testes nesse grupo, mas não informou quando os resultados devem ser publicados.

“A fase 2/3 do ensaio contará com até 4,5 mil participantes com 11 anos ou menos nos Estados Unidos, Polônia e Espanha em mais de 90 locais de ensaios clínicos”, informa o documento.

Sobre o relatório

Citado como fonte dos dados do texto verificado aqui, o relatório da FDA é verdadeiro, mas não contém as informações alegadas pelo texto original e pela tradução publicada no Brasil. No documento, de 39 páginas, há informações sobre reações adversas em públicos de idades diferentes, mas também como acondicionar, diluir e aplicar uma dose da vacina.

A postagem aqui verificada afirma que 80% das crianças que receberam a vacina da Pfizer tiveram efeitos adversos e que pelo menos 80% podem esperar reações adversas “traumáticas”. O documento não traz este percentual, nem o de 79%, mencionado no texto original do site austríaco. Também não há qualquer menção a reações “traumáticas” ou a um relatório publicado pela Pfizer no dia 19 de maio.

Segundo o documento, que teve a última atualização no site em 12 de agosto de 2021, a reação adversa que atingiu o maior percentual de pessoas vacinadas pela Pfizer com idades entre 12 e 15 anos foi dor no local da injeção (86,2% após a primeira dose).

Nesta mesma faixa de idade, os eventos adversos considerados graves se manifestaram em 0,4% dos que receberam a vacina, após a segunda dose. No grupo placebo da mesma idade, essas reações ocorreram em 0,1% dos participantes. Dos 2.260 adolescentes de 12 a 15 anos que participaram do Estudo 2 da Pfizer nos Estados Unidos, 1.131 receberam a vacina e 1.129, o placebo.

Em um estudo clínico, as reações adversas em adolescentes de 12 a 15 anos de idade incluíram dor no local da injeção (90,5%), fadiga (77,5%), dor de cabeça (75,5%), calafrios (49,2%), dores musculares (42,2%), febre (24,3%), dores nas articulações (20,2%), inchaço no local da injeção (9,2%), vermelhidão no local da injeção (8,6%), linfadenopatia (0,8%) e náuseas (0,4%).

Casos de reações alérgicas graves, miocardite e pericardite foram relatados após a administração da vacina fora dos ensaios clínicos.

Estudo da Pfizer

Em estudo clínico com jovens de 12 a 15 anos, a vacina “demonstrou eficácia de 100%”, segundo a empresa informou à reportagem. “Os ensaios de fase 3 foram realizados em 2.260 adolescentes, nos Estados Unidos, e apresentou respostas robustas na produção de anticorpos e o perfil de segurança aceitável semelhante a outros grupos etários também foi estabelecido.”

Ainda de acordo com o documento, as reações adversas mais comuns, em 10% dos pacientes, e comuns (entre 1% e 10%) “podem incluir dor, inchaço ou vermelhidão no local de injeção, cansaço, dor de cabeça, diarreia, dor muscular, dor nas articulações, calafrios e febre, além de náusea e vômito”.

Pfizer em jovens

Ao contrário de outros imunizantes, o grupo mais jovem a receber a Pfizer na fase de ensaios clínicos foi entre 16 e 25 anos – o que possibilitou que a aprovação inicial do imunizante já considerasse os adolescentes mais velhos como aptos a receber as doses. Depois, graças a estudos divulgados no final de março, os órgãos reguladores ampliaram a possibilidade de aplicação da vacina.

A Pfizer é usada em maiores de 12 anos desde maio. O primeiro órgão a autorizar esse uso foi o CDC, em 12 de maio de 2021. Dias depois, a União Europeia também autorizou o uso do imunizante nesta faixa etária.

Israel também autorizou a vacinação de adolescentes em maio com as doses da Pfizer e, no Reino Unido, foi no começo de junho.

No Brasil

Por aqui, a Anvisa autorizou o uso em adolescentes, a partir de 12 anos, em 11 de junho. Como a própria agência sinaliza, este é o único imunizante aprovado para uso em menores de idade no país.

Por decisão do Ministério da Saúde, a vacinação dos adolescentes, entre 12 e 17 anos, deve ocorrer nos estados após o término da aplicação da primeira dose, por faixa etária, nos adultos.

Como o ritmo de vacinação não é o mesmo em todos os estados, o Comprova buscou informações sobre os 26 estados e o Distrito Federal e constatou que ao menos as seguintes localidades já começaram a imunização de adolescentes (até 20 de agosto): Acre; Amapá; Amazonas; Distrito Federal (no caso dos adolescentes com deficiência ou síndromes, e antes do término da vacinação dos adultos); Maranhão; Mato Grosso do Sul; Pernambuco; Rio Grande do Sul; Rondônia; Roraima e São Paulo.

Em Minas Gerais, a cidade de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, e, no Pará, Ananindeua, na região metropolitana de Belém, também já começaram a vacinação de menores de idade.

O Site

Esta não é a primeira postagem do site Coletividade Evolutiva que contém informações falsas sobre a vacinação. Há, na página, uma editoria de “manipulação”, com textos sobre o suposto caráter experimental das vacinas contra a covid e sobre o efeito “magnético” do imunizante. O Comprova já considerou falsa uma postagem do site sobre os efeitos colaterais da CoronaVac.

O site austríaco Report24, que teve a postagem traduzida, também já publicou outros conteúdos conspiratórios e contrários à vacinação.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que viralizam nas redes. O texto verificado aqui entrou na lista de monitoramento do Comprova via pedidos de leitores pelo WhatsApp (se tiver dúvida sobre algum conteúdo, você pode enviá-lo para o telefone 11 97045-4984 ou clicando neste link).

Conteúdos que tentam desacreditar as vacinas são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.

O Comprova já esclareceu diversos conteúdos sobre imunização, como, por exemplo, que é falso que internação de Silvio Santos por covid indique ineficácia da Coronavac, que é enganoso post que afirma que o CDC e Anthony Fauci não acreditam na vacina, que o diagnóstico positivo de Doria não indica ineficácia da Coronavac e que é falso que imunizantes usados no Brasil não passaram por testes de segurança e eficácia.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-08-19

Médico americano engana ao dizer que vacinas ‘enlouquecem’ sistema imunológico e agravam covid-19

  • Enganoso
Enganoso
O discurso do médico Dan Stock, propagado em publicação viral no Twitter, é enganoso ao associar vacinas ao aumento no números de casos de covid-19 nos Estados Unidos. Ele sugere que os imunizantes provocam uma exacerbação da doença, mas não há evidências de que as vacinas estejam associadas ao fenômeno citado pelo médico. Stock também engana ao citar que máscaras são ineficazes para o controle da pandemia e ao recomendar um tratamento sem benefícios comprovados pela ciência. Em um compilado de documentos usados como evidências para sustentar sua afirmação, o médico lista estudos retratados, inconclusivos ou com conclusões que não corroboram com o seu discurso.
  • Conteúdo verificado: O vídeo mostra um discurso do médico americano Dan Stock em audiência a um conselho escolar, em Fortville, Indiana, nos Estados Unidos. Ele afirma que vacinas de covid confundem o sistema imunológico e fazem o organismo combater o vírus de uma maneira inadequada. O médico sugere que a vacinação pode provocar um fenômeno que exacerba a doença e associa os imunizantes ao recente aumento no número de infecções diárias no país. Stock ainda sugere que máscaras são inúteis para controlar a pandemia e que a vacina não oferece benefícios a pacientes recuperados da covid.

São enganosas as alegações do médico norte-americano Dan Stock de que vacinas de covid-19 confundem o sistema imunológico de pessoas imunizadas e as tornam suscetíveis a quadros mais severos da doença, em comparação com a infecção natural. Uma postagem que divulga o discurso do médico em audiência, na cidade de Fortville, Indiana, foi compartilhada mais de 10 mil vezes no Twitter. A plataforma adicionou um aviso ao conteúdo para alertar que o material é enganoso.

No vídeo, Stock cita um fenômeno conhecido, em inglês, como Antibody-Dependent Enhancement (ADE) que, segundo ele, agravaria casos de covid entre vacinados e poderia estar relacionado ao surto recente de casos da doença nos Estados Unidos. O país aplica os imunizantes da Pfizer/BioNtech (Comirnaty), Moderna e Janssen. Não há evidências, entretanto, que essa condição esteja associada com a doença, tampouco com as vacinas.

O médico ainda tira de contexto um estudo do Centro de Prevenção e Controle de Doenças Infecciosas (CDC) dos Estados Unidos que aponta a incidência de sintomas de covid em pessoas vacinadas em Barnstable, Massachusetts. O próprio estudo afirma que a pesquisa não deve sustentar conclusões sobre a efetividade das vacinas.

O vídeo também espalha desinformação ao sugerir que máscaras faciais são ineficazes para coibir a transmissão do novo coronavírus. As melhores evidências científicas indicam que a proteção é essencial para diminuir a exposição à doença. Por fim, Stock faz propaganda de um tratamento sem comprovação científica.

O Comprova considera enganosas as publicações cujos conteúdos confundem ou usam dados imprecisos, como faz Stock ao distorcer informações de estudos para atacar vacinas.

Como verificamos?

Para investigar o conteúdo, o Comprova apurou primeiramente a ocasião em que o discurso do médico foi gravado. A reportagem identificou que as alegações de Dan Stock ocorreram em 6 de agosto de 2021, durante uma audiência na Mount Vernon School Corporation, uma associação escolar que agrega instituições de ensino voltadas a crianças e adolescentes.

O passo seguinte foi investigar quem era o autor do discurso enganoso. O Comprova identificou que Dan Stock é um médico da família que diz praticar “medicina funcional”. Trata-se de um modelo alternativo baseado em uma visão holística dos sistemas biológicos do corpo humano e na individualidade do paciente. Stock é proprietário de uma loja de suplementos.

Ao buscar pelo vídeo e o nome de Dan Stock no Google, o Comprova encontrou uma série de verificações de veículos estrangeiros (1, 2, 3, 4). Segundo uma verificação do site americano Politifact, o médico indicou por correio de voz que os documentos por ele apresentados aos diretores da associação escolar foram publicados em um blog conservador.

O Comprova analisou os 22 artigos listados no site e identificou estudos retratados por inconsistências técnicas, análises não científicas e até trabalhos que contradizem os próprios apontamentos do médico na audiência. Também consultamos o epidemiologista formado pela Universidade de São Paulo (USP) Julio Ponce, bem como a imunologista da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Cristina Bonorino para analisar as alegações de Stock na reunião.

A reportagem ainda recorreu a fontes documentais, como um editorial da revista Science que minimiza o risco de ADE em vacinas de covid, orientações do CDC e da Organização Mundial da Saúde (OMS) acerca de vacinas, bem como o painel de evidências de tratamentos para covid-19 dos Institutos Nacionais de Saúde americanos (NIH).

Contatamos o médico Dan Stock por um e-mail disponibilizado em seu perfil no Linkedin, mas não obtivemos resposta até o fechamento desta reportagem.

Verificação

Não há evidências de que vacinas causam ADE

Ao contrário do que sugere Stock, não há evidências de que vacinas de covid-19 favorecem uma exacerbação da doença mediada por anticorpos. Essa condição, mais conhecida na língua inglesa como Antibody-Dependent Enhancement, descreve um fenômeno em que anticorpos gerados anteriormente por uma infecção natural ou induzidos por vacinas não conseguem neutralizar o vírus em uma nova infecção, e podem facilitar o ataque do patógeno às células do hospedeiro.

Durante seu discurso, o médico sugere que o fenômeno poderia estar associado com aumentos recentes nos números de casos em algumas regiões dos Estados Unidos. Stock cita que foram observados sinais de ADE em estudos com animais durante o desenvolvimento de vacinas contra a Sars, outro coronavírus que foi pivô de uma epidemia em 2003, na China. De fato, a possibilidade de ocorrência dessa condição foi uma preocupação de cientistas no desenvolvimento de vacinas contra a covid, mas nem os estudos pré-clínicos com animais nem ensaios em humanos identificaram evidências do fenômeno, ressalta um editorial da revista Science sobre o assunto, publicado em fevereiro deste ano.

O artigo evidencia ainda que a hipótese levou cientistas a adotarem estratégias para minimizar os riscos de ADE no desenvolvimento das vacinas contra a covid.Também não há evidências de que novas variantes possam desencadear a condição, tampouco o monitoramento de efeitos adversos realizado por agências sanitárias indicou qualquer sinal do problema.

Outra evidência que torna a hipótese improvável é que experimentos com tratamentos baseados em plasma convalescente (com anticorpos contra covid-19) não provocaram exacerbação da doença em voluntários. Até o momento, as evidências da vacinação no ‘mundo real’ mostram que os imunizantes são eficazes em prevenir formas graves da doença. Cerca de 99% das mortes e hospitalizações por covid-19, nos Estados Unidos, ocorrem em pessoas não imunizadas.

Vale ressaltar que o compilado de evidências citado por Stock não contém nenhum estudo que prove a ocorrência de exacerbação de covid mediada por anticorpos. Uma das pesquisas analisou casos de covid em profissionais de saúde vacinados e apontou que a maioria teve sintomas leves ou quadros assintomáticos.

Aumento de casos não é consequência da vacina

Para atacar a vacinação, o médico cita que em Barnstable, cidade de aproximadamente 44 mil habitantes em Massachusetts, 75% dos novos casos de covid-19 ocorreram em pessoas vacinadas. A informação foi retirada de um estudo do CDC, divulgado no final de julho, que avaliou 469 ocorrências da doença na cidade americana.

Os autores da pesquisa, no entanto, destacam no próprio relatório que o levantamento é insuficiente para fornecer conclusões sobre a eficácia das vacinas de covid, incluindo a variante delta, que atualmente corresponde à cepa predominante no país.

“À medida que a cobertura vacinal a nível populacional aumenta, é esperado que as pessoas vacinadas representem uma proporção maior de casos de covid-19. Em segundo lugar, infecções assintomáticas podem estar subrepresentadas por causa do viés de detecção”, explicam os autores no texto.

Entre as pessoas completamente vacinadas, apenas quatro tiveram que ser hospitalizadas e nenhuma morte foi registrada. O estudo ainda afirma que a “vacinação é a estratégia mais importante para prevenir casos graves e óbitos” e recomenda a expansão de estratégias não farmacológicas, como o uso de máscaras em locais fechados, independentemente do grau de vacinação do indivíduo.

Como já explicou o Comprova, os imunizantes já aprovados por agências de saúde nos Estados Unidos e no Brasil foram desenvolvidos para prevenir casos sintomáticos da doença. Nenhuma vacina elimina totalmente o risco de contrair covid, embora reduzam significativamente as chances do paciente desenvolver formas graves. Segundo o CDC, as vacinas também reduzem o risco de pessoas espalharem o novo coronavírus para outras, mas não excluem completamente essa possibilidade.

Julio Ponce lembra que os recentes aumentos de hospitalizações por covid nos EUA estão associados a pessoas não vacinadas. “Mesmo que consideremos que alguns vacinados peguem a doença, eles têm um risco diminuído de agravamento. Em Indiana, onde o vídeo foi gravado, 96% dos novos casos são de pessoas que não se vacinaram”, afirma.

Alerta especial para variante delta

O CDC alerta, entretanto, para casos raros em que vacinados são infectados pela variante delta. Apesar das vacinas serem “altamente eficazes” em evitar o agravamento de infecções desta cepa do novo coronavírus, diferentemente de outras variantes, a delta parece produzir quantidades similares de vírus tanto em pessoas não vacinadas quanto em pessoas totalmente vacinadas.

Por outro lado, a carga viral produzida pelas infecções da variante delta em pessoas totalmente imunizadas diminui mais rapidamente do que as infecções naqueles que não tomaram esquema vacinal completo. “Isto significa que as pessoas totalmente vacinadas [transmitem o vírus] por menos tempo do que as pessoas não vacinadas.”, afirma o CDC.

Melhores evidências indicam que uso de máscaras é eficaz

Stock acerta ao afirmar que o novo coronavírus é propagado por meio de pequenas gotículas chamadas aerossóis. Ele desinforma, no entanto, ao sugerir que devido ao tamanho das partículas, o uso de máscaras não seria eficaz para coibir a transmissão da covid-19. Embora parte dos aerossóis possam escapar das máscaras, o equipamento ainda é essencial para controlar a pandemia.

Segundo o epidemiologista Julio Ponce, trabalhos científicos mostram que o uso da máscara promove uma redução bastante sensível de infectados em contexto de surtos de coronavírus. Ele cita um artigo publicado na conceituada revista de medicina JAMA, o qual afirma que antes da pandemia de covid, o uso comunitário de máscaras para reduzir a transmissão de vírus respiratórios era controverso devido a falta de evidências relevantes sobre a prática.

Ao longo da crise sanitária, entretanto, as evidências científicas cresceram. O artigo pontua que em trabalhos recentes, máscaras de pano de várias camadas bloquearam de 50% até 70% das gotículas pequenas exaladas por uma pessoa infectada. O relatório explica que as máscaras ainda servem como uma barreira contra as gotículas maiores.

O compilado de documentos de Stock contra o uso de máscaras reúne desde análises informais de postagens em blogs, estudos retratados por inconsistências técnicas (1, 2), trabalhos não conclusivos sobre a eficácia da medida (1), até mesmo pesquisas que, na verdade, sugerem benefícios das máscaras. É o caso, por exemplo, deste artigo que conclui que a análise mostra evidências de que estados americanos com regras para uso da proteção registraram uma maior queda nas taxas de diárias de covid, em comparação a outros que não adotaram a medida.

“O que pode ser colocado em contexto é que há máscaras que protegem mais do que outras. Os estudos que o médico menciona parecem ser aqueles feitos com máscaras cirúrgicas, que são adequadas para limitar a projeção de gotículas e aerossóis de quem as usa, mas não são tão eficazes para proteger de aerossóis possivelmente contaminados no ambiente”, afirma Ponce.

O especialista pontua que, por esse motivo, máscaras PFF2/N95 são mais recomendadas para locais de alta exposição, uma vez que os equipamentos são capazes de filtrar até 95% de partículas pequenas.

Vacinas são importantes mesmo para recuperados da covid

Outra informação enganosa do vídeo corresponde à alegação de Stock de que as vacinas de covid não promovem benefícios a quem já se recuperou da doença.

De acordo com o CDC, pesquisadores ainda não estabeleceram por quanto tempo dura a imunidade conferida pela infecção natural ou pelas vacinas. Por outro lado, a agência diz que estudos indicam que os imunizantes podem aprimorar a proteção de pessoas que já se recuperaram da infecção.

Já a OMS afirma que a “maioria das pessoas infectadas com Sars-CoV-2 desenvolvem uma resposta imune nas primeiras semanas, mas ainda estamos aprendendo o quão forte e duradoura é essa resposta imune, e como ela varia entre diferentes pessoas, acrescentando que “mesmo que você tenha tido uma infecção anterior, a vacina age como um reforço que fortalece a resposta imune.”

Em entrevista ao Comprova, a professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre Cristina Bonorino explica que, no caso da infecção natural, o microorganismo evolui para escapar das respostas imunes do hospedeiro, e por isso nem sempre a imunidade deixada após a infecção é eficaz e duradoura.

“As vacinas, por outro lado, focam em estimular mecanismos importantes para controlar a multiplicação do microorganismo no indivíduo, sem a desvantagem do que acontece na infecção natural. Vacinas, portanto, geram respostas mais eficazes que a infecção natural”, comenta a especialista.

A Agência Lupa fez uma verificação de boato semelhante

Tratamento divulgado pelo médico não tem comprovação científica

No vídeo, o médico faz propaganda de substâncias sem benefícios comprovados contra a covid-19 ao citar que tratou 15 pacientes com um protocolo de ivermectina, zinco e vitamina D. O relato de Stock, entretanto, não configura evidência de que o tratamento funcione.

Como já explicou o Comprova em outras verificações, para atestar a eficácia de um medicamento contra a covid, são necessários múltiplos ensaios clínicos randomizados com estrutura adequada e número extenso de participantes. O Painel de Diretrizes de Tratamentos para Covid, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH), afirma que não há dados suficientes para recomendar a favor ou contra o uso da ivermectina para o tratamento da doença.

“São necessários resultados de ensaios clínicos adequadamente desenvolvidos, bem concebidos e bem conduzidos para fornecer orientações mais específicas e baseadas em evidências sobre o papel da ivermectina no tratamento da covid-19”, diz o documento

No compilado de documentos de Stock constam estudos que sugerem potenciais benefícios da vitamina D no tratamento da covid-19. As diretrizes do NIH, entretanto, informam que também faltam mais dados para recomendar contra ou a favor do uso da suplementação da substância como terapia contra o novo coronavírus.

O órgão emitiu a mesma recomendação para o uso do Zinco, porém, o painel alerta contra a suplementação acima dos níveis de dieta recomendados, uma vez que o consumo excessivo da substância pode ocasionar deficiência de cobre no sangue e outras doenças.

Quem é Stock

Daniel “Dan” Stock se define no Linkedin como um médico de família experiente e com formação em medicina funcional, um ramo alternativo cujos métodos não têm comprovação científica. De acordo com a rede social, ele se formou na Indiana University School of Medicine em 1988.

Segundo o breve perfil de Dan Stock no Top NPI, um site pensado para auxiliar moradores dos Estados Unidos a encontrarem médicos próximos de onde moram, o profissional tem 33 anos de experiência na medicina e é licenciado para exercer a profissão pelo conselho estadual de Indiana.

Após falar ao conselho escolar da Mount Vernon School Corporation, no condado de Hancock, em Indiana, Stock publicou um texto no Linkedin para agradecer o “apoio esmagador de todos”. O teor da mensagem sugere que as medidas adotadas no contexto do enfrentamento à covid-19 são atentatórias às liberdades individuais.

“Por favor, rezem por mim, por nossa própria liberdade que nosso próprio governo federal ameaça, mas como vocês, chamem vocês legisladores estaduais e locais e exijam que eles não sirvam aos especialistas selecionados pelos lobistas federais, mas a você”, ele escreveu.

O Projeto Comprova enviou questionamentos ao profissional no endereço de e-mail disponibilizado por ele no Linkedin, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal, eleições ou a pandemia que tenham atingido alto grau de viralização. A postagem verificada nesta matéria alcançou mais de 10 mil visualizações no Twitter. Segundo agências de checagem estrangeiras, o mesmo discurso enganoso de Dan Stock atingiu milhões de usuários em outros países.

As alegações do médico são perigosas ao espalhar informações falsas para atacar medidas essenciais para o combate à pandemia, como o uso de máscaras e a vacinação em massa. Essas práticas são recomendadas e defendidas pelas principais agências de saúde no Brasil e no exterior e têm respaldo em evidências científicas relevantes.

O mesmo conteúdo foi verificado por uma série de veículos estrangeiros, incluindo Politifact, Associated Press, Agência Reuters e Verify This. Conteúdos semelhantes já foram desmentidos por veículos brasileiros, como o Estadão Verifica, Aos Fatos e Agência Lupa.

O Comprova também já verificou outras afirmações equivocadas sobre a imunização em massa contra a covid. Um boato recente afirmava enganosamente que não há lógica por trás da vacinação para conter a pandemia. Outro conteúdo tirou de contexto uma entrevista de uma autoridade de saúde americana na tentativa de desqualificar a segurança dos imunizantes usados no país. Uma terceira postagem distorcia dados de efeitos adversos da vacina da Pfizer em adolescentes.

Enganoso, para o Comprova, são conteúdos retirados do contexto original e usados em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-08-18

Internação de Silvio Santos por covid-19 não indica ineficácia da Coronavac

  • Enganoso
Enganoso
Post engana ao associar a internação por covid-19 do apresentador Silvio Santos com uma suposta falha da Coronavac – vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac – que é aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, portanto, é segura e eficaz. Assim como todos os outros imunizantes em uso no Brasil, a Coronavac é capaz de reduzir o risco das pessoas desenvolverem quadros graves da doença, mas não elimina totalmente a possibilidade de contágio.
  • Conteúdo verificado: Publicação feita no Twitter e compartilhada no Instagram afirma que o apresentador Silvio Santos foi internado por covid-19 após duas doses da “PlaceboVac” – expressão usada para desqualificar a vacina Coronavac – e questiona o que mais é necessário ocorrer para que haja o cancelamento da distribuição do imunizante, apontado no post como “suspeito e ineficaz”.

O fato de o apresentador Silvio Santos, 90 anos, ter sido internado por covid-19 não comprova que a vacina recebida por ele, a Coronavac, seja ineficaz. O imunizante, assim como os demais em uso no Brasil contra o coronavírus, é capaz, conforme testes realizados e estudos documentados, de reduzir o risco de desenvolver quadros graves da doença, mas não elimina completamente a possibilidade de contágio.

Segundo especialistas, nenhuma vacina é capaz de assegurar 100% de proteção contra as doenças. No caso das utilizadas contra a covid, elas cumprem o papel de servir como um redutor de risco, evitando as formas graves. No entanto, mesmo após a imunização, independentemente de qual fabricante seja a vacina aplicada, é possível haver contaminação, internação e até óbito – mas com frequência muito menor do que entre não vacinados.

Isso acontece porque os imunizantes diminuem, mas não zeram as chances de casos graves e de morte pela doença. Portanto, a acusação feita no conteúdo verificado, no qual o autor afirma que a Coronavac é “suspeita e ineficaz”, devido à internação de Silvio Santos mesmo vacinado, é infundada.

O Comprova entrou em contato com o autor da publicação no Twitter e com o perfil que replicou no Instagram, mas até a publicação deste texto não obteve retorno.

Enganosos para o Comprova são os conteúdos que confundem, mesmo que não haja intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

O Comprova consultou dados oficiais nos sites da Anvisa e OMS sobre a segurança e eficácia da Coronavac e buscou por notícias em veículos jornalísticos. Em paralelo, procurou informações nas redes sociais da família Abravanel sobre a imunização de Silvio Santos.

Conversou com dois especialistas: a infectologista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Raquel Stucchi e o médico e consultor em infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará Keny Colares. Além disso, procurou o Instituto Butantan, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e o SBT.

Também entrou em contato, via Instagram, com o autor da publicação no Twitter e com o perfil que compartilhou o post do Twitter no Instagram, mas não obteve retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 18 de agosto de 2021.

Verificação

Silvio está vacinado?

Conforme divulgado em diversos veículos jornalísticos, incluindo publicações no site e nas redes sociais do SBT, emissora da qual Silvio Santos é dono, o empresário e apresentador de 90 anos está vacinado contra a covid-19. Ele recebeu a primeira dose no dia 10 de fevereiro; e a segunda no dia 10 de março, em um posto de saúde na cidade de São Paulo.

Na data da primeira dose, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), publicou em seu Twitter uma foto do apresentador, com a filha Patrícia Abravanel, e um texto confirmando a aplicação da Coronavac. “Silvio Santos, aos 90 anos de idade, recebeu hoje a vacina do Butantan aqui em São Paulo. Muito feliz por você, meu amigo”, diz a postagem.

No mesmo dia, Patrícia postou no Instagram a imagem do cartão de vacina do pai que confirma que o imunizante aplicado foi a Coronavac (na imagem, consta um erro de escrita no nome de registro de Silvio, que é Senor Abravanel. No cartão foi registrado “Senhor Abravanel).

No dia 13 de agosto, a notícia de que Silvio foi internado por covid-19 em São Paulo ganhou repercussão. No SBT, o portal principal da emissora e o SBT News noticiaram a confirmação da contaminação e a internação; e no telejornal SBT Brasil foi informado que “o empresário e apresentador Silvio Santos, de 90 anos, testou positivo para a covid-19. Ele está internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e seu estado de saúde é muito bom”, disse o âncora.

Na mesma data, tanto Patrícia quanto Silvia Abravanel, que também é filha de Silvio, publicaram no Instagram informações sobre o estado de saúde do pai. “Nosso pai está clinicamente bem. Daquele jeito que a gente ama… brincando com todos, fazendo piadas […] Mas testou positivo para covid e, por conta da idade e necessidade de exames frequentes, os médicos decidiram interná-lo”, afirmou Patrícia.

Silvia disse: “Nosso pai está super bem, graças a Deus. Ele testou positivo para covid. Os exames dele estão bons e ele decidiu ficar no hospital para fazer o acompanhamento diário exigido pelos médicos por conta da idade dele”.

Ainda no dia 13, à noite, Silvio deixou o hospital. A informação também foi divulgada no Instagram da sobrinha, Dory Abravanel.

O jornalista Roberto Cabrini, que atualmente trabalha na Record, mas já atuou no SBT, em vídeo publicado no Twitter, no dia 14 de agosto, afirmou ter conversado com Íris Abravanel, esposa do apresentador. Segundo o jornalista, ela afirmou que “Silvio é forte e já havia deixado o hospital onde passou por uma série de exames”.

Também no dia 14 de agosto, segundo o portal R7, Tiago Abravanel, neto de Silvio, atualizou o estado de saúde do avô. Em uma publicação no Instagram, ele agradeceu as demonstrações de cuidado e disse que o avô “está se cuidando”.

A assessoria de imprensa do SBT confirmou ao Comprova que o apresentador tomou as duas doses da vacina Coronavac e disse que Silvio está “muito bem” e “na fase final da quarentena fora do hospital”.

Internação não indica ineficácia da vacina

O post enganoso insinua que o fato de Silvio Santos ter contraído covid-19 e ter ficado internado seria resultado de uma suposta ineficácia da vacina Coronavac. No entanto, isso não é verdade.

Segundo a infectologista Raquel Stucchi, as vacinas funcionam, sim, e reduzem os casos graves e a mortalidade. “É inegável que a vacinação conseguiu diminuir o número das internações, dos casos graves e da mortalidade. Se nós analisarmos os dados de março e abril, é facilmente perceptível que houve uma diminuição expressiva das internações e da mortalidade nos idosos que foram os primeiros a serem vacinados”.

No entanto, ela destaca que, com a vacinação no mundo todo, o que foi observado e já documentado é que a proteção de todas as vacinas, independentemente do fabricante, diminui com o passar dos meses. “Particularmente, para alguns grupos populacionais, como por exemplo, os idosos. Eles vão perdendo a proteção pela vacina depois de 4 a 6/7 meses. Essa é a explicação porque passados todos esses meses aqui no Brasil, nós devemos observar e já estamos observando um aumento de internação de idosos e vamos, infelizmente, observar também um aumento da mortalidade”, explica.

Apesar de o risco de infecção ser maior entre os idosos, Raquel afirma que qualquer pessoa que tenha se imunizado corre o risco de pegar covid, pois ainda não há uma vacina com 100% de proteção para doenças infecciosas. “O que as vacinas fazem, e daí com uma diferença de fabricante para fabricante, é diminuir o risco da gente ter uma forma grave da doença. O risco de pegar covid pós-vacinação é para todos, mas sabemos que algumas pessoas já inicialmente não respondem tão bem às vacinas. Os idosos de uma maneira geral, para qualquer vacina, não respondem tão bem”.

Dessa forma, de acordo com a infectologista, a terceira dose – que já vem sendo discutida no país – para determinados grupos deverá ser obrigatória, “porque nós já sabemos que para qualquer vacina há uma redução da proteção”.

Os Estados Unidos anunciaram nesta quarta-feira (18) que os americanos que receberam as vacinas da Pfizer e da Moderna poderão receber uma terceira dose oito meses depois da segunda, a partir de 20 de setembro.

“Os dados disponíveis mostram claramente que a proteção contra a infecção por Sars-CoV-2 começa a declinar com o tempo, depois das primeiras doses da vacina”, diz um comunicado conjunto de altos funcionários, entre eles a diretora do CDC (Centros de Prevenção e Controle de Doenças), Rochelle Walensky, e a diretora interina da agência reguladora de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês), Janet Woodcock. “Somado à prevalência da variante Delta, estamos começando a ver evidências de uma proteção reduzida contra casos leves e moderados da doença”, acrescentou.

No Brasil, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse nesta quarta-feira (18) que a terceira dose da vacina será aplicada, inicialmente, em idosos e profissionais da saúde. Mas ele não informou quando isso acontecerá. Segundo ele, mais dados científicos são necessários.

Em nota enviada ao Comprova, a SBIm afirmou que nenhuma vacina tem 100% de eficácia. Além disso, fatores como imunossenescência (queda natural da imunidade relacionada ao envelhecimento), comorbidades e possível menor resposta a variantes podem contribuir para a redução do índice.

A nota ainda diz que “esses parecem ser os casos do ator Tarcísio Meira e do empresário e apresentador Silvio Santos. É importante salientar que a imensa maioria dos vacinados que desenvolveram covid não evoluiu para forma grave e que a mortalidade se mostrou muito baixa. Nos países com a vacinação mais avançada, os óbitos vêm se concentrando em não vacinados e em indivíduos com esquema incompleto. Da mesma forma, no Brasil já é possível notar movimento semelhante entre os grupos contemplados há mais tempo”.

Nos EUA, por exemplo, quase todas as mortes por covid-19 em maio foram de pessoas que não foram vacinadas. Uma análise da Associated Press com base em dados governamentais disponíveis daquele mês mostra que infecções em pessoas totalmente vacinadas foram responsáveis ​​por menos de 1.200 das mais de 853.000 hospitalizações por covid-19. Isso representa cerca de 0,1%. O assessor da Casa Branca para doenças infecciosas, Anthony Fauci, chegou a usar a expressão “’pandemia entre não vacinados”.

Imunização é uma estratégia coletiva

O médico e consultor em infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará Keny Colares ressalta que não se pode “julgar o funcionamento de uma vacina baseada na situação de uma pessoa. Para considerarmos a eficácia de uma medicação, de uma vacina, temos que avaliar o comportamento dela em um grande número de pessoas. Visto que somos todos diferentes e essa doença, com várias outras, age diferente de uma pessoa para outra. Isso era assim antes da vacina, e continua sendo depois da vacina”.

Ele reitera que estudos já mostravam que as vacinas têm uma boa proteção, mas não são absolutas. Por isso, “temos que somar essa proteção das vacinas a outras medidas”. Para ele, a imputação de que uma vacina é melhor que outra, baseada no grau eficácia, desconsidera que os dados sobre a proteção contra a infecção foram obtidos em estudos diferentes, com pessoas em locais com circulação viral distinta e em momentos diferenciados também.

Além disso, ressalta que “é muito importante não só o indivíduo estar vacinado, mas a coletividade, porque com todas as vacinas, com todas as doses, se a pessoa ficar circulando em um ambiente que está cheio de pessoas contaminadas, ela tem o risco de se contaminar”.

A vacinação da população geral, destaca, é uma linha de defesa e será preciso “somar todas essas estratégias para viver em segurança, até que surjam novas estratégias com novas ferramentas que consigam melhores resultados. Temos que modular as nossas expectativas para caber na realidade. Existem soluções parciais que, bem utilizadas, vão nos permitir viver”.

Coronavac é eficaz

A Coronavac foi aprovada pela Anvisa para uso emergencial no Brasil em janeiro de 2021 e pela OMS, em junho. Comunicado oficial da organização diz que “a OMS validou a vacina Sinovac-CoronaVac COVID-19 para uso emergencial, dando aos países, financiadores, agências de compra e comunidades a garantia de que atende aos padrões internacionais de segurança, eficácia e fabricação”.

O texto ainda diz que, baseada nas evidências disponíveis, a OMS recomenda a vacina para uso em adultos de 18 anos ou mais, em um esquema de duas doses com um espaçamento de duas a quatro semanas. O documento afirma que “poucos adultos mais velhos (com mais de 60 anos) foram incluídos em ensaios clínicos, portanto a eficácia não pode ser estimada neste grupo etário. No entanto, a OMS não está recomendando um limite máximo de idade para a vacina porque os dados coletados durante o uso subsequente em vários países e os dados de imunogenicidade de suporte sugerem que a vacina provavelmente tem um efeito protetor em pessoas idosas”.

A OMS recomendou ainda que os países que usam a vacina em grupos de idade avançada realizem monitoramento de segurança e eficácia para verificar o impacto.

A eficácia global da Coronavac, divulgada com dados iniciais da fase de pesquisa no Brasil, é de 50,38%. Também foi informada uma eficácia de 78% para prevenir casos leves e 100% para casos graves. Contudo, em relação aos casos graves, o próprio Butantan já explicou que o dado não tem significância estatística do ponto de vista científico, porque o número de infectados que precisaram de hospitalização durante os testes foi muito pequeno.

Um artigo científico encaminhado por cientistas do Butantan, em abril de 2021, para a revista científica The Lancet mostrou que a eficácia da Coronavac para casos sintomáticos atingiu 50,7% com 14 dias de intervalo entre as duas doses, mais do que os 50,38% divulgados anteriormente.

Outro estudo feito pelo Instituto Butantan na cidade de Serrana, no interior de São Paulo, vacinou cerca de 75% da população adulta e constatou queda de 80% nos casos sintomáticos de covid e de 86% nas internações, além da redução de mortes em 95%.

Uma pesquisa, feita no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, apontou queda de 80% nos casos de covid-19 entre os 22 mil funcionários vacinados com a Coronavac.

Atualmente, a Coronavac é usada em mais de 30 países. Em entrevista ao Estadão, o médico infectologista e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Alexandre Naime afirmou que o que está por trás da desconfiança em relação às vacinas desenvolvidas na China é uma “guerra política” que mais desinforma do que ajuda as pessoas a entenderem como funciona cada uma delas. “Não cabe comparar agora. No futuro terá sim a revacinação e novas vacinas. Agora, precisamos salvar vidas”, afirma.

Procurado pelo Comprova, o Instituto Butantan enviou dois links: em um traz 5 perguntas e respostas para entender por que pessoas vacinadas também pegam covid-19 e em outro, uma entrevista com o filho de Tarcísio Meira, Tarcísio Filho, no programa Fantástico, da Globo. O ator lembrou que o pai, que morreu vítima de covid-19, tinha comorbidades sérias e que a mãe, que também contraiu o vírus, foi salva por causa da vacina.

Quem é o autor do post?

O autor do post no Twitter é @felipetellesbr, mas a página que compartilhou o tuíte dele no Instagram se chama Mundo Conservador, que traz na bio a descrição: “análises conservadoras diferenciadas e enriquecimento intelectual”.

Nas redes sociais, Felipe se descreve como “um grande entusiasta do Ocidente” e afirma que é dono da página @mundoconservador.

Entramos em contato, via Instagram, com o autor da publicação no Twitter e com o perfil que compartilhou o post no Instagram, mas não tivemos retorno.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que viralizam nas redes. O post verificado aqui teve mais de 9,4 mil interações no Instagram.

Conteúdos enganosos que tentam desacreditar as vacinas são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.

O Comprova já esclareceu diversos conteúdos sobre imunização, como, por exemplo, que é enganoso post que afirma que o CDC e Anthony Fauci não acreditam na vacina, que o diagnóstico positivo de Doria não indica ineficácia da Coronavac e que é falso que imunizantes usados no Brasil não passaram por testes de segurança e eficácia.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Comunicados

Investigado por: 2021-08-18

Comprova lança novo número para receber sugestões de verificação pelo WhatsApp

O Projeto Comprova, iniciativa colaborativa liderada pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens, está lançando nesta quarta-feira (18.ago.2021), um novo serviço de atendimento aos usuários via WhatsApp.

A aplicação foi desenvolvida para o Comprova pela empresa alemã MessengerPeople com o patrocínio do WhatsApp.

Pelo número 11 97045-4984, ou clicando neste link , os usuários poderão enviar sugestões de verificação ao Comprova de conteúdos cuja veracidade esteja sendo questionada. Os jornalistas do projeto verificam conteúdos suspeitos acerca de pandemia, de políticas públicas do governo federal e sobre as eleições presidenciais de 2022.

Caso o conteúdo já tenha sido investigado pelo Comprova, os usuários receberão imediatamente os links para as respectivas verificações e poderão compartilhar essas checagens com suas redes. Conteúdos ainda não checados serão adicionados às listas de monitoramento do Comprova e poderão ser investigados caso sejam publicações suspeitas que tenham sido muito compartilhadas nas redes sociais.

A colaboração dos cidadãos é extremamente útil para organizações como o Comprova, que monitoram o ecossistema de desinformação. Nas dez semanas que antecederam as eleições presidenciais de 2018, o Comprova recebeu por WhatsApp 78 mil arquivos com sugestões de checagem de conteúdos considerados duvidosos pelo público. Destes, 48 mil eram imagens e 24 mil eram arquivos de vídeo.

O presidente da Abraji, Marcelo Träsel, reforça a importância da participação da audiência na contenção de danos causados pela desinformação: “A imprensa está na linha de frente, verificando os fatos, mas a responsabilidade por combater a desinformação é de toda a sociedade. Esperamos que ainda mais cidadãos possam colaborar com o projeto Comprova usando esse novo canal.”

“O WhatsApp acredita que a melhor forma de combater a desinformação é com informação confiável e amplamente acessível para a população. A parceria com o Projeto Comprova reforça nosso compromisso de conectar os usuários do WhatsApp de forma simples e segura com fontes de credibilidade”, afirma Dario Durigan, Head de Políticas Públicas do WhatsApp no Facebook Brasil.

O número antigo do Comprova será desativado em setembro de 2021.

O Projeto Comprova reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas, processo eleitoral e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Em julho de 2021, os participantes decidiram também iniciar a verificação da desinformação envolvendo possíveis candidatos à presidência da República. Desde então, o projeto tem monitorado nomes que vem sendo incluídos em pesquisas dos principais institutos. O Comprova é uma iniciativa sem fins lucrativos.

Política

Investigado por: 2021-08-17

Generais não foram promovidos a marechais, mas recebem salários correspondentes ao cargo

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a afirmação de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenha promovido cerca de 100 oficiais-generais aos postos de marechais. Os militares recebem proventos pelo cargo, mas não há portarias promovendo-os, e a nomenclatura não retrata os postos exercidos por eles na ativa.
  • Conteúdo verificado: Postagem em site, compartilhada no Facebook, afirma que Bolsonaro nomeou 100 marechais e que os nomes estão no Portal da Transparência.

Não é verdade que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nomeou 100 novos marechais, posto máximo da escala hierárquica do Exército Brasileiro, entre eles o falecido coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (ex-chefe do DOI-CODI) e os generais Augusto Heleno (ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional- GSI), Eduardo Villas Boas (ex-comandante do Exército), Edson Pujol (ex-comandante do Exército), Joaquim Silva e Luna (presidente da Petrobras) e Sérgio Westphalen Etchegoyen (ex-ministro do GSI).

A afirmação consta em uma publicação de um site. Todos os nomes aparecem no Portal da Transparência recebendo salários compatíveis com o cargo, mas este não está relacionado ao posto ocupado por eles na ativa e nenhum recebeu promoção, conforme esclareceu o Ministério da Defesa ao Comprova. Além disso, a reportagem não localizou qualquer documento assinado pelo presidente ou por Braga Netto, ministro da Defesa, promovendo militares à patente.

No Facebook, o autor do conteúdo o compartilhou com legenda questionando “sabia que marechais são nomeados em tempos de guerra?”, dando a entender que Bolsonaro estaria se preparando para um confronto, conforme interpretaram vários usuários no grupo de apoio à reeleição onde foi feita a postagem. Nos comentários, grande parte apoiou uma intervenção militar contra o Supremo Tribunal Federal (STF).

O autor modificou a legenda após ser procurado pelo Comprova e afirmou acreditar na existência de uma guerra institucional e em uma tensão entre as instituições, “mas não no sentido do cargo”, justificando ter informado que marechais são promovidos em tempos de guerra apenas como um complemento do texto publicado por ele.

O Comprova considera enganosos conteúdos retirados do contexto original e usados em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

Como verificamos?

O Comprova buscou pelo termo “marechal” no Portal da Transparência do governo federal, localizando uma lista com 101 nomes que apresentavam o cargo. Em seguida, buscou especificamente nomes que aparecem na publicação aqui verificada.

Utilizando o Google, pesquisou diferentes termos combinados para tentar identificar nomeações realizadas por Jair Bolsonaro, associando o nome do presidente à palavra marechal e a nomes que aparecem na lista.

A ação foi repetida utilizando o nome do ministro da Defesa Walter Souza Braga Netto e o mesmo método foi utilizado no campo de busca do Diário Oficial da União e na plataforma de Acesso à Informação. Nenhum documento neste sentido foi localizado. Publicações na imprensa também foram consultadas.

A reportagem entrou em contato, via email, com o Ministério da Defesa e analisou leis que tratam da hierarquia e das pensões militares, além de informações sobre o cargo de marechal. Por fim, conversou com o responsável pela publicação.

Verificação

Em pesquisa ao Portal da Transparência, o Comprova identificou 101 nomes de militares (Página 1 – PDF, Página 2 – PDF) reformados e reservistas com o cargo de marechal, um cargo especial criado em caso de guerra e que tem como atribuição liderar o Exército no conflito, respondendo diretamente ao presidente da República. Dentre eles, estavam os nomes citados na publicação. Entretanto, não foi localizado no Diário Oficial da União nenhum documento assinado por Bolsonaro ou pelo ministro da Defesa em relação às nomeações.

Dessa forma, o Comprova questionou ao Ministério da Defesa como elas ocorreram e o que significa o fato de essas pessoas aparecerem como marechais no Portal da Transparência. Em resposta, o órgão afirmou não ter havido qualquer promoção de oficiais-generais aos postos de marechal (Exército), almirante (Marinha) ou marechal-do-ar (Aeronáutica).

“O Estatuto dos Militares previa o direito ao militar, com mais de trinta anos de serviço, de perceber os proventos de nível hierárquico superior, ao ser transferido para a inatividade. Cabe ressaltar que essa prerrogativa do posto acima terminou com a MP n° 2215-10/2001. No entanto, todos os militares que à época já contavam com 30 anos de serviço militar ganharam o direito”, informou.

A medida provisória citada pelo ministério dispõe sobre a reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas, alterando duas leis – 3.765/1960, que trata sobre as pensões militares, e 6.880/1980, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares.

O texto revoga o artigo 6º da lei das pensões que, até 2001, facultou aos militares com mais de 30 e 35 anos de serviço, contribuírem, respectivamente, para a pensão correspondente a um ou dois postos, ou graduações acima.

| Fonte: Lei nº 3.765/1960

Ainda conforme a resposta do Ministério da Defesa, os postos de almirante, marechal e marechal-do-ar são previstos no Estatuto dos Militares e serão providos em tempo de guerra.

Esta previsão consta no artigo 16 da lei, que fixa os círculos hierárquicos e a escala hierárquica nas Forças Armadas, bem como a correspondência entre os postos e as graduações da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

O parágrafo 1° define que o posto é conferido por ato do Presidente da República ou do Ministro de Força Singular, sendo confirmado em Carta Patente. O parágrafo 2º, por sua vez, deixa claro que os postos de almirante, marechal e marechal-do-ar somente serão providos em tempo de guerra.

| Fonte: Lei nº 6.880/1980

Nesse contexto, em relação aos nomes que constam no Portal da Transparência, o Ministério da Defesa diz que o posto corresponde ao pagamento recebido pelos militares, não retratando os postos exercidos por eles na ativa.

Até 1967, quando houve a Reforma do Exército, os generais-de-Exército, ao passarem para a reserva, sofriam promoção automática. Foi o caso, por exemplo, de Waldemar Levy Cardoso, que morreu em 2009, aos 108 anos, o último marechal promovido no país.

Levy Cardoso participou da Revolução Liberal de 1924, em São Paulo, da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas à Presidência do Brasil, e da Intentona Comunista de 1935. Em 1944, como tenente-coronel, comandou o 1º Grupo de Artilharia Expedicionário na Segunda Guerra Mundial. Chegou ao posto de general-de-Exército em 1964 e dois anos depois foi para a reserva.

Já o último marechal brasileiro na ativa foi Mascarenhas de Moraes, comandante da Força Expedicionária Brasileira, que atuou na Segunda Guerra Mundial. Por um decreto do Congresso Nacional, foi mantido honorificamente de forma vitalícia na tropa ativa, até o falecimento, em 1968.

Nomes na lista

As nomeações que constam no Portal da Transparência foram divulgadas pela imprensa na última semana e políticos de oposição e entidades batizaram o assunto de “Farra dos Marechais”. Uma reportagem publicada pelo Poder 360 leva a uma lista de nomes citados no post aqui verificado e informa que o Portal da Transparência identifica cerca de 100 generais reservistas ou reformados do Exército como marechais.

Essa mesma lista foi citada pelo conteúdo aqui verificado, assim como alguns dos nomes, verificados pelo Comprova. Todos constam no Portal da Transparência recebendo gratificações pelo cargo de marechal.

Dentre eles, está o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que aparece duas vezes enquanto servidor do governo federal: como marechal e reservista do Exército, com salário bruto de R$ 32.153,77, e como ministro, cuja remuneração bruta é de R$ 30.934,70.

O mesmo ocorre com o ex-comandante do Exército Eduardo Dias da Costa Villas Boas, que recebe remuneração bruta de R$ 32.180,43 como marechal e de R$ 13.623,39 como assessor especial da presidência da República. Outros três citados – Edson Pujol, Joaquim Silva e Luna e Sérgio Westphalen Etchegoyen – também recebem como marechais.

A reportagem do Poder 360 afirma ter apurado que a nomenclatura foi incluída neste ano no portal, após reestruturação de divulgação de informações conduzida pela CGU (Controladoria Geral da União), pelo Ministério da Defesa e pelas Forças Armadas. O veículo afirma que os órgãos avaliam, inclusive, alterar ou retirar a especificação do cargo de marechal da página, após diferentes interpretações terem sido divulgadas sobre o assunto.

A busca livre feita pelo Comprova no Portal da Transparência só contabiliza os valores e cargos a partir de abril deste ano. O site disponibiliza, porém, o download de dados de inativos e pensionistas desde janeiro de 2020. Naquele mês, usando o nome de Eduardo Villas Boas como exemplo, a reportagem identificou que ele já recebia remuneração básica bruta acima de R$ 30 mil (R$ 30.496,83). A lista não apresenta, contudo, a informação sobre o cargo ao qual se referia o pagamento.

A postagem cita, ainda, Carlos Alberto Brilhante Ustra, cujo nome não consta na lista que apresenta os 101 militares com o cargo de marechal. Ao buscar pelo nome dele, entretanto, o Comprova localizou duas pensões pagas para as filhas, ambas associadas ao cargo de marechal. A remuneração bruta recebida por cada uma é de R$ 15.307,90.

Na resposta do Ministério da Defesa ao Comprova não foi citada a situação específica do coronel, que não alcançou o posto de general enquanto esteve na ativa. Um email solicitando uma explicação para o caso foi encaminhado à assessoria de comunicação e a reportagem aguarda retorno. 

Os dados referentes às pensões a militares só foram disponibilizados no Portal da Transparência recentemente, após a Fiquem Sabendo, agência de dados especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI), protocolar denúncias junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Autor

O conteúdo foi publicado no site “Boletim do Brasil”, que se apresenta no Facebook como site de notícias e mídia e em um link para financiamento coletivo como um espaço de “boletins diários de notícias rápidas e opinião, boletins cativantes mostrando o que a mídia tradicional tenta esconder de você”.

É mantido por Fernando Takeshi Nascimento, que compartilhou o link no grupo Bolsonaro 2022 BR, de apoio à reeleição do presidente. Procurado pelo Comprova, Fernando afirmou acreditar, “sem dúvidas”, que exista “uma guerra institucional ou uma tensão nas instituições, mas não no sentido do cargo”.

Ele disse , ainda, que o conteúdo publicado por ele revela que a promoção é referente a proventos. “A informação de que marechais são nomeados em nome (sic) de Guerra é um complemento, que não deixa de ser verdade, segundo o próprio estatuto dos militares”, diz, linkando a explicação para “marechal” na Wikipedia.

Declarou também ter modificado a legenda que utilizou no Facebook ao compartilhar o link. Antes do contato, questionava “sabia que marechais são nomeados em tempos de guerra?”. Depois, a legenda passou a ser outra pergunta: “Eai (sic), o que acharam?”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal, pandemia e eleições que tenham atingido alto grau de viralização. Conforme a ferramenta Crowdtangle, o conteúdo aqui verificado, que envolve o nome do presidenciável Jair Bolsonaro, teve 21.526 interações no Facebook.

Bolsonaro tem criticado frequentemente o sistema eleitoral brasileiro e feito recorrentes ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF). No âmbito militar, tem se aproximado de atividades junto às Forças Armadas. Nesta semana, assistiu à demonstração de manobras táticas da Operação Formosa 2021, que contou com a participação das três forças, e seis dias antes de um desfile do comboio com veículos blindados e armamentos da Marinha, no Planalto.

Desta forma, a aparição do cargo de marechal junto aos nomes dos militares acendeu o alerta de que estes estariam sendo promovidos em preparação para uma guerra, o que não é o caso, já que a nomeação se dá apenas para fins de remuneração. Conteúdos enganosos e falsos sobre o assunto deslegitimam o debate acerca das ações do presidente.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.