O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Política

Investigado por: 2021-10-07

Asfalto que cedeu em trecho da BR-319 não foi obra do governo Bolsonaro

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Enganoso
É enganoso um vídeo postado no TikTok que associa crateras na Rodovia BR-319, no Amazonas, a supostas obras malfeitas do governo de Jair Bolsonaro (sem partido). O Comprova apurou que as crateras foram abertas em um trecho que não recebeu obras estruturais na atual gestão federal.
  • Conteúdo verificado: Publicação no TikTok traz uma montagem com dois vídeos. O primeiro apresenta trecho de uma entrevista concedida pelo presidente Jair Bolsonaro falando sobre previsão de obras na BR-319 com a legenda “assista até o final”. O segundo apresenta imagens de crateras na mesma rodovia, com uma narração e o texto “trabalho malfeito típico deste desgoverno”.

O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) não fez obras estruturais no trecho da Rodovia BR-319 onde crateras se abriram, no Amazonas. Dessa forma, é enganosa a postagem no TikTok que associa o problema a supostas obras malfeitas durante a atual gestão.

A rodovia, construída na década de 1970, foi destruída pela ação do tempo e passou a ser revitalizada ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), tendo obras realizadas também nos governos do PT.

Por meio do Google Street View, foram localizadas imagens de 2012, à altura de Careiro Castanho, no Amazonas, que comprovam ser anterior à gestão Bolsonaro a repavimentação do trecho. Atualmente, apenas as duas extremidades da rodovia estão pavimentadas, incluindo o segmento onde as crateras apareceram.

O Observatório BR-319 — entidade apartidária que tem como objetivo monitorar atividades socioambientais e informar a sociedade civil sobre a rodovia — informou ao Comprova que a pavimentação não ocorreu entre os anos de 2018 e 2021, ou seja, durante a gestão de Bolsonaro, tendo sido feitos apenas reparos técnicos neste período.

Em buscas no site do Departamento Nacional de Infraestrutura e Trânsito (DNIT), não foi possível localizar nenhuma informação sobre serviços realizados pelo governo Bolsonaro, sendo identificadas apenas licitações para que ações sejam iniciadas.

A BR-319 está dividida em quatro segmentos: A, B, C e Trecho do Meio. As crateras foram abertas no A, que não recebeu obras estruturais na atual gestão federal. Atualmente, são realizadas audiências públicas que debatem o licenciamento ambiental da BR relacionado à reconstrução e pavimentação do Trecho do Meio.

O diretor-geral do DNIT, General Santos Filho, afirmou recentemente que o departamento já licitou a reconstrução do lote C e que, passado o período de chuvas, deve ser iniciada a terraplenagem. Com relação ao projeto de reconstrução do Trecho do Meio, disse que a expectativa é que a obra comece em 2022.

Procurado, o autor do vídeo alegou ter feito a publicação com a intenção de formar opinião contra o atual governo, que considera incompetente. Sobre a obra não ter sido feita pela atual gestão, ele sustenta que Bolsonaro afirma ter iniciado o primeiro trecho licitado.

O presidente, na verdade, afirma apenas que o “primeiro trecho” foi licitado e se refere ao segmento C e não ao que aparece no vídeo das crateras.

O Comprova etiquetou a postagem como enganosa porque o conteúdo foi retirado do contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofreu alterações.

Como verificamos?

O Comprova fez o download da montagem e utilizou a ferramenta InVid para dividi-la em frames. A partir deles, realizou uma busca reversa para encontrar outras imagens do local publicadas na internet e encontrou a entrevista concedida por Bolsonaro ao apresentador de TV Sikêra Jr.

Por meio do logotipo do site A Crítica de Humaitá, que aparece no canto direito do vídeo das crateras, foi identificada a postagem original das imagens e conversamos com os responsáveis pelo site.

A reportagem encontrou uma verificação da Agência Lupa de março de 2019, informando ser falso que a gestão de Bolsonaro concluiu o asfaltamento da rodovia entre Manaus e Porto Velho.

Também entrou em contato com o DNIT para perguntar sobre as obras na região e o que motivou a abertura de crateras nas proporções mostradas no vídeo.

Foi pesquisado o histórico da rodovia, além de documentos oficiais e diversas reportagens sobre o atual processo de reconstrução. Localizamos, ainda, o trecho em questão com o Street View, do Google Maps.

Por meio de buscas nas redes sociais, localizamos o Facebook do autor da postagem e entramos em contato via e-mail e WhatsApp disponibilizados na página.

Verificação

Fortes chuvas causaram crateras no km 118

O vídeo que mostra as crateras abertas na rodovia BR-319 é verdadeiro e foi postado originalmente pelo site A Crítica de Humaitá, de uma cidade do interior do Amazonas. Conforme a publicação, as imagens gravadas próximo a Manaus foram enviadas por um leitor à redação e o trecho está localizado entre o município de Careiro, conhecido como Careiro Castanho, e Careiro da Várzea, ambos no Amazonas.

No dia 28 de setembro, o Comprova entrou em contato com os responsáveis via número de WhatsApp fornecido pelo site. Eles confirmaram que o vídeo foi enviado à redação e informaram que o tráfego de veículos já havia sido restabelecido no local.

O caso também foi noticiado por outros veículos. Há uma reportagem publicada pelo G1 Amazonas em 24 de setembro de 2021 informando que as rachaduras surgiram a partir de um bueiro, durante um período de fortes chuvas, no km 118, perto de Careiro Castanho. O desabamento da pista, segundo a publicação, foi provocado pela correnteza da água, que gerou uma erosão.

No mesmo dia, o DNIT se posicionou sobre o assunto no Twitter, afirmando ter mobilizado equipes e equipamentos para realizar serviços de manutenção emergencial no local: “O trecho foi parcialmente rompido devido a processo de comprometimento do corpo estradal, causado por processo erosivo, em decorrência da cheia histórica que atingiu a região”, informou o órgão.

A BR-319

A rodovia foi construída entre as décadas de 1960 e 1970, como fruto do projeto nacional de integração promovido pela ditadura militar. Inaugurada em 1976, possui extensão total de 877,4 quilômetros e é a única via terrestre que liga as capitais dos estados do Amazonas e de Roraima.

Segundo dossiê publicado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o projeto de repavimentação e recuperação da BR-319 estava previsto nos programas Brasil em Ação 1996-1999 e Avança Brasil 2000-2003, nos dois mandatos do governo Fernando Henrique Cardoso.

Em 2001, 158 km (cerca de 18% da rodovia) foram efetivamente repavimentados: 100 km no trecho ao norte da rodovia, entre Manaus-Careiro Castanho, onde foi gravado o vídeo que apresenta as crateras, e 58 km próximos a Humaitá, após a confluência com a Transamazônica (BR-230).

Em 2005, já no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governo federal novamente iniciou um projeto de reconstrução dessa rodovia e, em 2007, a obra foi incluída no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). O Exército Brasileiro começou a asfaltar, em 2008, 190 km próximos a Humaitá, e outros 215 km que levam a via até Manaus.

Os resultados da 23ª edição da Pesquisa CNT de Rodovias mostram que, em 2019, a BR-319 tinha 323 quilômetros de pista em condições regulares, 39 km em estado ruim e outros 84 km em péssimo estado. Nenhum trecho da via federal consta em ótima condição, segundo o levantamento.

Atualmente, apenas dois trechos estão pavimentados: os primeiros 198 km e os 164 km finais. Basicamente, é trafegável apenas nos dois extremos, entre Manaus-Careiro Castanho e Porto Velho-Humaitá.

O site Observatório BR-319 mantém uma linha do tempo com detalhes da rodovia desde a abertura até o ano de 2020.

Fernanda Meirelles, secretária-executiva do Observatório, informou que a pavimentação dos trechos não ocorreu entre 2018 e 2021, período da gestão de Bolsonaro. “Em novos trechos a gente não observou, nem a ampliação de capacidade, nem nada assim. Realmente, o que nós vimos foi [a realização de] reparos nos buracos”, disse.

Meirelles reforçou que a BR foi construída sem exigência do licenciamento ambiental, no final da década de 1970, e que apenas em 2005, o assunto voltou a ser pautado pelo Executivo federal, no governo Lula.

“Ainda em 2005 o Ibama, por meio de um parecer técnico, dividiu a estrada em quatro trechos, e definiu que o trecho que precisava de licenciamento ambiental era somente o trecho do meio, que era uma porção com bastante floresta preservada e se arrasta esse processo”, disse. “Isso tudo sempre bem antes da gestão Bolsonaro. O trecho C já estaria apto a ser repavimentado há muito tempo e não foi feito por questões de prioridade do governo”.

O que diz o DNIT

A reportagem questionou o DNIT por e-mail sobre o que ocorreu na BR-319 para que surgissem as rachaduras na altura do quilômetro 118, perto de Careiro Castanho. Também solicitou informações sobre quais foram as últimas obras feitas na região.

O DNIT respondeu apenas ao primeiro questionamento, afirmando que “trabalhou de forma imediata e intensa” para solucionar o rompimento parcial do trecho, causado por um processo erosivo em decorrência da cheia histórica que atingiu o Amazonas.

“Em menos de 12h, as equipes da autarquia restabeleceram o tráfego de veículos no segmento e, neste domingo (3 de outubro de 2021), finalizaram os serviços – com a sinalização de todo o trecho. Neste período, foram realizados trabalhos de reforço do corpo de aterro com pedra rachão e fortalecimento da camada de sub-base”, disse o órgão.

Em buscas feitas pela reportagem no site do DNIT sobre obras na BR-319, não foi possível localizar nenhuma informação sobre serviços realizados pela atual gestão federal na rodovia. As únicas informações são de licitações para que as ações sejam iniciadas.

Já no Google Street View, localizamos imagens da rodovia em 2012, na altura de Carreiro Castanho, no Amazonas, que comprovam que a repavimentação foi realizada antes da gestão Bolsonaro.

| Imagem mostra que já em 2012 o trecho próximo a região em que houve a erosão já tinha sido asfaltada (Reprodução / Google)

Governo Bolsonaro e as questões socioambientais

Desde o primeiro ano de mandato, Bolsonaro promete que irá recuperar a BR-319, mas questões relacionadas aos impactos sociais e ambientais da obra têm freado o interesse do governo. A rodovia corta uma grande área de preservação da floresta amazônica.

Em setembro deste ano, o DNIT lançou a Cartilha do Construtor para orientar o corpo técnico de construtoras atuantes na rodovia sobre questões ambientais durante todas as etapas do serviço visando o respeito à legislação ambiental. O documento apresenta de que forma está dividida a BR-319:

| Fonte: Cartilha do construtor

O trecho onde apareceram as crateras pertence ao Segmento A, que liga Manaus ao Rio Tupana.

O documento destaca que a BR-319 possui, atualmente, licença de instalação emitida em 2016, especificamente para o Trecho do Meio, localizado entre o km 250 e o km 655,70. Além disso, há um Termo de Acordo e Compromisso (TAC) emitido pelo Ibama em 2007 que compreende os segmentos A, B e C e tem como principal objetivo a adequação do licenciamento ambiental nestes trechos.

O órgão mantém um portal temático sobre a rodovia, atualizado desde 2019, que informa estarem sendo elaborados projetos de engenharia para atualização dos antigos projetos relacionados ao Trecho do Meio.

Conforme a publicação, o processo está na fase final de levantamento de dados de campo e início da elaboração do Projeto Básico de Engenharia. O trecho foi dividido em dois lotes de projetos e em cinco segmentos de obra. No quadro abaixo, percebe-se que nenhum deles afeta o quilômetro onde as crateras foram abertas.

| Empresas contratadas para atualização dos projetos de engenharia da BR-319/AM, Trecho do Meio. Fonte.

Em junho deste ano, o diretor-geral do DNIT, general Santos Filho, participou de uma audiência pública realizada pela Câmara dos Deputados para tratar sobre a rodovia.

Na ocasião, informou que o DNIT já licitou a reconstrução do lote C e que, passado o período de chuvas, deve ser iniciada a terraplenagem. Com relação ao projeto de reconstrução do Trecho do Meio, diz que a expectativa é que a obra de um lote comece em 2022.

No mesmo mês, o órgão protocolou complementações em atendimento ao parecer emitido pelo Ibama com a análise técnica do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). O documento está novamente em análise pelo órgão licenciador, visando a obtenção da licença prévia.

Em julho, o departamento anunciou ter assinado contrato para a execução dos estudos ambientais necessários para obtenção da Licença de Instalação (LI) e da Autorização de Supressão de Vegetação (ASV) requeridas no processo de licenciamento ambiental para reconstrução e pavimentação do Trecho do Meio.

Atualmente, são realizadas audiências públicas que debatem o licenciamento ambiental da BR-319, com apresentação do EIA/RIMA relacionado à reconstrução e pavimentação do Trecho do Meio. Elas chegaram a ser suspensas pela Justiça Federal, no final de setembro, a pedido do Ministério Público Federal. A procuradoria alegou que estudos de impacto ambiental estão incompletos, além da falta de acesso a informações pelas populações impactadas pela obra e dos riscos à saúde por conta de aglomerações durante a pandemia de covid-19. Horas depois, contudo, o Tribunal Regional da 1ª Região (TRF-1) suspendeu a liminar.

Bolsonaro refez promessa em entrevista a Sikêra Jr.

A entrevista de Jair Bolsonaro foi transmitida ao vivo pelo YouTube no canal da emissora amazonense TV A Crítica, onde Sikêra Jr. apresenta o programa Alerta Amazonas. O presidente foi entrevistado no dia 23 de abril de 2021.

No trecho utilizado no TikTok, o apresentador fala sobre a BR-319 e as promessas de pavimentação que atravessaram décadas, questionando ao presidente se a rodovia “sai”.

Bolsonaro responde que o primeiro trecho começou a ser licitado, que o ministro da Infraestrutura, Tarcisio Freitas, está “empenhado” na tarefa e que a bancada parlamentar local está colaborando com emendas garantindo recursos: “vai sair”, afirma.

A entrevista completa tem mais de 42 minutos e o assunto relacionado à rodovia foi abordado logo no início, a partir de três minutos e quarenta segundos de conversa.

No vídeo original, o presidente afirma, além do que consta no trecho do TikTok, não poder detalhar quando a obra estará pronta, alegando haver períodos chuvosos, quando não é possível executar serviços, mas declara que “já saiu do papel”.

Ele também cita superficialmente as questões socioambientais que travam o processo, culpando ambientalistas que considera serem radicais e afirmando que o governo está “vencendo” as etapas.

O que diz o autor do vídeo

Ao ser questionado pelo Comprova, via WhatsApp, sobre a origem do vídeo e a intenção de compartilhar o conteúdo, o autor afirmou que a montagem feita por ele usa trechos de uma entrevista retirada do canal do Sikêra Jr. Já o segundo trecho foi extraído de “uma outra conta do TikTok”. Ele pediu para ser avisado caso as informações do vídeo sejam falsas para excluir o vídeo da rede social.

“A minha intenção, quando faço publicações, é formar opinião contra este que eu considero um governo completamente incompetente, incapaz de articular uma administração sustentável”, afirmou à reportagem.

Morador do Rio Grande do Norte, o autor da postagem não viu pessoalmente os danos causados à BR-319, mas afirmou que a veracidade se dá porque a notícia sobre o estado da via está “em vários veículos de comunicação”.

A reportagem também questionou se ele sabia que a obra da BR-319 não foi realizada pelo presidente Jair Bolsonaro, ao que respondeu: “a obra não foi feita, mas há vídeos do próprio governo onde ele [Bolsonaro] afirma ter iniciado. No mesmo vídeo, o primeiro da montagem, o Bolsonaro diz que já iniciou o primeiro trecho licitado.”

Efeitos da publicação

Ao afirmar que o governo Bolsonaro é o responsável pela obra que ruiu na BR-319, a publicação conduz os internautas a uma falsa percepção sobre os fatos.

Nos comentários do vídeo é possível notar o impacto gerado. “Trabalho feito às pressas, pensando na reeleição”, comentou um seguidor, acreditando na informação enganosa sobre a obra na BR ter sido realizada pela atual gestão.

Com ironia, outro internauta questionou se a via foi “feita com leite condensado”, em referência ao escândalo federal envolvendo as despesas alimentícias do poder Executivo em 2020, que gastou R$ 15 milhões na aquisição do item culinário.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. A publicação feita no TikTok alcançou mais de 5,4 mil interações até o dia 7 de outubro.

Conteúdos que tentam criar uma relação entre obras de outras gestões, que estejam inacabadas ou com problemas estruturais, são perigosos porque geram desinformação em massa nas redes sociais, induzindo outras pessoas ao erro.

Mesmo diante da queda da popularidade do presidente por conta das ações e omissões do governo no combate da pandemia, o conteúdo com informações enganosas impacta a avaliação sobre Bolsonaro, provável candidato à reeleição.

O Comprova já verificou diversos outros conteúdos relacionados a obras federais, como postagens que atribuem a Bolsonaro obra realizada em 2015 pelo governo de São Paulo e vídeos que omitem ações de governos anteriores para exaltar obras de Bolsonaro na Transamazônica e no Mato Grosso.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-10-06

Recomendação de anticoagulantes feita pela OMS não está ligada a ‘tratamento precoce’

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Enganoso
É enganosa montagem no Instagram que associa o título de reportagem da CNN Brasil sobre recomendação de anticoagulantes no tratamento da covid-19 feita pela OMS a um tuíte da deputada Janaina Paschoal, afirmando que o órgão estaria atrasado em relação aos tratamentos usados no Brasil. Como mostram os comentários, o post leva à interpretação de que o "tratamento precoce" funciona, mas ele não tem eficácia comprovada contra a doença.
  • Conteúdo verificado: Publicação no Instagram usa montagem com título de reportagem da CNN Brasil sobre tratamento contra o coronavírus com anticoagulantes recomendado pela OMS e tuíte da deputada estadual Janaina Paschoal.

É enganosa a publicação que viralizou no Instagram relacionando uma reportagem de janeiro deste ano da CNN Brasil com o título “OMS recomenda anticoagulantes em baixa dosagem para pacientes com covid-19” e um tuíte da deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP). No post, ela dizia que o órgão estaria atrasado em relação ao Brasil, que, segundo Janaina, já fazia “tudo isso” desde o início da pandemia, em março de 2020.

Como mostram os comentários, a relação leva à interpretação errada de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) referendou, mesmo que tardiamente, o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19 defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A recomendação, como é possível conferir no site do órgão, cita apenas anticoagulantes e é indicada exclusivamente a pacientes hospitalizados para prevenir a formação de coágulos sanguíneos (trombose).

Ao Comprova, a entidade afirmou: “Tendo em vista que algumas pessoas no Brasil se referem a ‘tratamento precoce’ como algo relacionado ao uso de medicamentos sem comprovação de eficácia contra a covid-19, a OMS e a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde, braço da entidade para as Américas) esclarecem que não recomendam” tais remédios em caso da doença.

O Comprova considerou o conteúdo enganoso porque ele retira informações do contexto original e usa dados que induzem a uma interpretação diferente da verdadeira.

A reportagem tentou entrar em contato com perfis que compartilharam a publicação, inclusive com a página @deputadopaulomartins – no post verificado aqui, aparece um selo com o nome do político, que publicou o mesmo conteúdo em 27 de janeiro, época do anúncio da recomendação da OMS. Nem ele, nem Janaina nem o perfil @direita_de_goias, que replicou a publicação agora, respondeu até a conclusão desta verificação.

Como verificamos?

Primeiramente, via TweetDeck, a reportagem buscou o tuíte da deputada usado no post verificado aqui e constatou que ela realmente o postou, em 26 de janeiro deste ano. No tuíte, inclusive, ela dá link para a reportagem da CNN.

Ainda pelo Tweetdeck, foi possível verificar que Janaina já havia mencionado tratamento contra a covid com vários medicamentos, como anticoagulantes e vermífugos, em 13 de janeiro.

O próximo passo foi verificar se a reportagem indicada na montagem havia sido publicada. Buscando no Google, encontramos o link da matéria, publicada no dia 26 de janeiro de 2021, mesmo dia em que a deputada fez o comentário no Twitter.

Em seguida, pesquisamos nos canais oficiais da OMS e verificamos que a entidade realmente recomendou o uso de anticoagulantes.

A partir dessas informações, atuamos em duas frentes. Além de entrar em contato, por e-mail, com a OMS, buscamos os canais oficiais do Ministério da Saúde para apurar quais medicamentos fazem parte do chamado “tratamento precoce”.

Também tentamos, via Instagram e e-mail, contatar o perfil que publicou o post verificado aqui (@direita_de_goias) e os autores de páginas que publicaram o mesmo conteúdo em janeiro, quando a reportagem da CNN foi publicada (@deputadopaulomartins e @JanainaDoBrasil) – não houve retorno até a publicação deste texto.

Por último, consultamos a professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Elnara Negri, que lidera um estudo observacional ainda não revisado por pares da comunidade científica sobre o uso do anticoagulante heparina em pacientes com covid-19.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 6 de outubro de 2021.

Verificação

OMS e anticoagulantes

A OMS, de fato, recomendou em 25 de janeiro de 2021 o uso de coagulantes em baixa dosagem para pacientes infectados pelo Sars-Cov-2.

A publicação foi divulgada originalmente em 27 de maio de 2020, sob o título “Clinical management of Covid-19: interim guidance, 27 May 2020” (em português, “Manejo clínico da Covid-19: orientação provisória, 27 de maio de 2020”), mas, nessa versão, não havia menção ao uso de anticoagulantes.

Posteriormente, em 25 de janeiro de 2021, o documento foi atualizado “para refletir as novas evidências científicas”, sob o título, em português, “Manejo clínico da Covid-19: orientação dinâmica e contínua”. Como informou a OMS à reportagem, “essas diretrizes são atualizadas regularmente, à medida que mais dados se tornam disponíveis”.

Na versão de janeiro, a diretriz é: “Para pacientes hospitalizados, a OMS sugere o uso de baixas doses de anticoagulantes para prevenir a formação de coágulos sanguíneos (trombose)”.

De acordo com a pesquisadora Elnara Negri, os pacientes que desenvolvem formas mais graves da covid podem apresentar “piora clínica, com febre e queda da oxigenação” e evoluir para uma condição chamada coagulopatia trombótica. “Nesses pacientes, o vírus consegue atingir a circulação pulmonar e sistêmica, levando ao aparecimento de tromboses dos capilares pulmonares, de outros órgãos e também de vasos maiores”, diz ela.

É nesses casos que o anticoagulante é indicado. “O remédio vai frear a inflamação e hipercoagulação e o tratamento só pode ser feito sob supervisão médica, pois há risco de sangramento com a automedicação”, afirma a especialista. “Automedicação, nesta doença, é extremamente perigosa. Há riscos graves à saúde, inclusive, risco de vida.”

Negri destaca que o anticoagulante “não é capaz de prevenir que o paciente desenvolva a forma grave” e ressalta que “contra a covid-19, a melhor prevenção é a vacina.”

Tuíte e o tratamento

Diferentemente do que afirma Janaina em seu tuíte, a OMS não referenda “tudo” o que se fazia no Brasil desde março de 2020. A fala da parlamentar, como fica claro nos comentários do post verificado aqui, incentivou seguidores a defender o “tratamento precoce”.

Tal opção – que, novamente, não tem eficácia comprovada –inclui medicamentos como ivermectina, nitazoxanida, cloroquina, zinco, remdesivir e azitromicina. O “tratamento precoce” é defendido por Bolsonaro desde o início da pandemia e era citado no site do Ministério da Saúde, mas o conteúdo sobre ele foi apagado da página por volta de 18 de janeiro de 2020, segundo reportagem da Folha.

Além disso, nenhum dos remédios que compõem o “tratamento precoce” é anticoagulante e, como informou a OMS ao Comprova, o órgão não recomenda nenhum desses produtos, o que reforça a desinformação no post verificado aqui.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. A publicação verificada teve quase 6 mil curtidas no Instagram até 6 de outubro.

Quando os conteúdos envolvem medicamentos ou tratamentos contra o novo coronavírus, sua checagem se torna ainda mais necessária, porque informações incorretas podem levar as pessoas a colocarem sua saúde em risco.

Comentários como “Minha família toda usou os remédios que eles falam que não são eficazes. Dezesseis pessoas da família estão curadas graças a Deus e ao kit proibido pela CPI do Circo” e “isso é rir dos que morreram sem ter a chance de lutar de alguma e qualquer forma para que a vida prevalecesse”, sugerem que a OMS está errada e que o tratamento sem eficácia comprovada é eficaz.

Outros conteúdos sobre o assunto já foram verificados pelo Comprova, como os que enganavam ao afirmar que estudo com hidroxicloroquina comprovava a eficácia do “tratamento precoce” e que a OMS teria se desculpado por reviravoltas com o medicamento.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-10-05

Segunda dose da Pfizer não reduz imunidade em quem já teve covid, ao contrário do que diz médica em post

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Enganoso
Post engana ao afirmar que a segunda dose da vacina da Pfizer reduz a imunidade. Na verdade, o estudo mencionado sugere que, para os infectados pelo coronavírus, apenas uma dose do imunizante é suficiente para garantir a proteção. E recomenda duas doses para quem não pegou covid-19. No entanto, a Pfizer explica, na bula do imunizante, que o esquema vacinal só fica completo com as duas doses. A farmacêutica diz ainda que “você pode ser vacinado se estiver apresentando febre baixa ou quadro leve de infecção” por covid-19, contrariando o que afirma a postagem da médica.
  • Conteúdo verificado: Postagem de médica no Instagram que menciona um estudo que propõe apenas uma dose da Pfizer para quem já teve covid, e duas para quem não contraiu a doença. A médica diz também que o imunizante contra o coronavírus prejudica a resposta celular de pacientes que já contraíram a doença.

É enganosa uma publicação que sugere que a aplicação da segunda dose da vacina da Pfizer reduz a imunidade de pessoas que já testaram positivo para a covid-19.

O estudo citado no post verificado pelo Comprova, no entanto, somente sugere a aplicação de uma dose da vacina, em vez de duas, para indivíduos que já se contaminaram com a doença. Isso porque, segundo a pesquisa, o grupo já havia desenvolvido parte da imunidade ao contrair o vírus. A fabricante Pfizer e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no entanto, não adotaram mudanças no esquema vacinal e continuam recomendando duas doses da vacina mesmo para quem já teve covid.

A pesquisa, em nenhum momento, afirma que há riscos para a imunidade de quem recebe a segunda dose, tampouco sugere a suspensão do uso de imunizantes, como cita a publicação. Por esse motivo, a reportagem considera como enganosa a publicação compartilhada pela médica Helen Brandão no Instagram.

A reportagem tentou contato com a médica, mas ela não respondeu.

Como verificamos?

Inicialmente, o Comprova buscou no Google o nome do artigo publicado no perfil da autora verificada.

Após encontrar o artigo citado na postagem do Instagram, contatou Anamelia Bocca, professora titular de Imunologia da Universidade de Brasília (UnB), para analisar o estudo.

A reportagem também buscou os dados profissionais de Helen Brandão, autora do post, no LinkedIn, no currículo acadêmico Lattes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Por fim, enviou mensagem pelo Instagram da médica e por um contato de WhatsApp disponibilizado no perfil da rede social – em ambas tentativas, não houve retorno.

Também contactamos a Pfizer e a Anvisa para questionar se estavam mantidas as orientações para duas doses do imunizante. A farmacêutica manteve as orientações da bula, mesma informação repassada ao Comprova pela Anvisa.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de outubro de 2021.

Verificação

O que diz o artigo

O primeiro link que aparece no Google a respeito do estudo citado pela médica faz o redirecionamento para a National Library of Medicine (Biblioteca Nacional de Medicina), página que reúne artigos sobre biotecnologia dos Estados Unidos.

O artigo citado no post também foi publicado pelo periódico científico Cell Reports, que é revisado por pares antes da publicação dos estudos.

O levantamento sugere que apenas uma dose da vacina da Pfizer contra a covid-19 é suficiente para imunizar pessoas que já tiveram a doença, divergindo do que foi compartilhado pela médica Helen Brandão no Instagram. Os pesquisadores afirmam que, 20 dias após a aplicação da primeira dose, a resposta imune de indivíduos que não tiveram covid começa a cair.

Já aqueles que tiveram a doença conseguem manter a imunidade mesmo após este período, o que sugere que pessoas que já tiveram covid têm uma resposta imune antes mesmo da primeira dose, necessitando apenas de uma dose da Pfizer.

Segundo o post da médica, a pesquisa demonstraria que a segunda dose do imunizante “prejudica a resposta celular de pacientes recuperados”. O levantamento traz, no entanto, constatações em outra linha de raciocínio: a de que a vacina é, sim, importante, mas em vez de duas doses da Pfizer, uma dose única seria o suficiente para pessoas já recuperadas de covid-19.

Isso é verdade?

Após ler o artigo e a publicação da médica goiana, o Comprova compartilhou os dois conteúdos com a professora titular de Imunologia da Universidade de Brasília (UnB), Anamelia Bocca e questionou se a segunda dose da Pfizer poderia prejudicar a resposta celular de pacientes recuperados. “Os autores não dizem isto em momento algum”, resumiu.

Em dois áudios, Anamelia Boca explicou o seguinte: os pesquisadores constataram não ter havido melhora nos níveis de IgG (anticorpo) nem de IL-2; e que houve uma queda muito pequena de interferon gama entre os que já tiveram covid. “Os autores não atribuem isso à redução da resposta imune provocada pela vacina. Eles concluem que pode haver uma mudança no esquema vacinal de recuperados da covid e de pessoas que não pegaram a doença. Porque, quem teve, com apenas uma dose de vacina, vai ter o mesmo nível de resposta imunológica que os indivíduos que não se infectaram com o novo coronavírus e receberam duas doses do imunizante”.

A Pfizer explica, na bula do imunizante, que o esquema vacinal só fica completo com as duas doses. A farmacêutica não descarta a vacinação para os que foram diagnosticados com a covid-19 e sugere apenas que, em casos agudos da doença, o paciente converse com médicos para saber o que fazer. Mas que, em casos de febre baixa ou quadro leve de infecção é possível, sim, ser imunizado com a Pfizer.

Segundo a fabricante, o medicamento não deve ser administrado apenas em casos que pessoas tenham apresentado reação alérgica aos componentes da vacina, citados na bula. Em nota ao Comprova, a Pfizer reforçou que não há estudos em andamento conduzidos pela empresa para a aplicação de apenas uma dose da vacina em pessoas que já foram contaminadas.

Apesar de o estudo publicado na National Library of Medicine sugerir apenas uma dose para quem já teve covid-19, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou não ter havido mudanças no esquema de imunização aprovado na bula da Comirnaty, a vacina da Pfizer. “A bula da vacina continua indicando a aplicação de duas doses com intervalo de três semanas”. E acrescentou: “Recentemente a Anvisa recebeu o pedido da Pfizer para inclusão de uma dose de reforço na bula. Este pedido ainda está em análise pela Anvisa.”

Sobre o pedido, a farmacêutica informou ao Comprova que “iniciaram em julho estudo que avalia uma terceira dose, ou dose de reforço, da vacina Comirnaty contra a covid-19 com voluntários dos Estados Unidos, África do Sul e Brasil”. De acordo com os dados iniciais do estudos, uma dose de reforço administrada pelo menos seis meses após a conclusão da série de vacinação primária é capaz de aumentar a taxa de anticorpos contra covid-19 incluindo boa resposta às variantes.

A médica

Helen Brandão divulga em suas redes que tem pós-graduação em Dermatologia e Medicina Estética. Brandão também diz ter residência médica em Saúde da Família e Comunidade pela Prefeitura do Rio de Janeiro.

A reportagem buscou os dados profissionais sobre a médica no LinkedIn, no currículo acadêmico Lattes, do CNPq e no Instagram. O Comprova também verificou que Brandão possui registro no CREMEGO (Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás).

Um link que redireciona para o número de WhatsApp da clínica dela foi encontrado no perfil das redes sociais e, por meio dele, fizemos contato. Até a publicação do texto, não houve retorno.

Embora o conteúdo verificado tenha sido uma republicação de outro perfil, é possível encontrar diversas publicações que abordam a vacinação e reações das vacinas contra a covid-19 no perfil da médica Helen Brandão.

As publicações do perfil também questionam as segundas doses dos imunizantes, mesmo que já exista a comprovação da eficácia e importância de completar o esquema vacinal.

Recentemente a médica Helen Brandão foi mencionada durante depoimento do empresário Luciano Hang na CPI da Covid. Na ocasião, Helen aparece em vídeo sendo entrevistada pelo empresário para participar do lançamento do aplicativo TrateCov, desenvolvido pelo Ministério da Saúde.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. A publicação verificada teve quase 2 mil curtidas e mais de 150 comentários no Instagram.

Conteúdos que desacreditam as vacinas ou minimizam os riscos da pandemia são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.

Em uma checagem anterior, o Comprova havia constatado que a médica Helen Brandão citava de forma enganosa estudos não conclusivos sobre a existência de uma conspiração da indústria farmacêutica contra a cloroquina, medicamento comprovadamente ineficaz contra a covid-19.

O Comprova também já verificou que as segundas doses servem de reforço e são comuns em programas de vacinação, bem como desmentiu que pessoas que são contaminadas após a vacinação diminuem a eficácia da vacina, ao contrário das publicações feitas no perfil da médica Helen Brandão.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2021-10-04

Post engana ao atribuir à esquerda decisões que cabem ao Congresso Nacional e à Justiça

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa postagem que circula nas redes sociais atribuindo à esquerda o fato de a carteira estudantil não ser gratuita e o seguro DPVAT ainda estar vigente. As medidas apresentadas pelo governo federal sequer foram analisadas pelo Congresso Nacional, que reúne partidos de todas as matizes políticas. Também não procede dizer que bandidos seriam presos em segunda instância, se não fosse por interferência da esquerda. Essa decisão cabe ao Judiciário.
  • Conteúdo verificado: Postagem atribui à esquerda o fato de projetos do governo federal não estarem em vigor e, ainda, que teria responsabilidade sobre bandidos que não foram presos em segunda instância.

É enganoso o post que voltou a circular nas redes sociais que relaciona a não implementação de medidas propostas na gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) a segmentos brasileiros de esquerda. A postagem original é de setembro de 2020.

Na publicação, com tom de advertência para as próximas eleições, o autor diz que a carteira estudantil seria gratuita e o seguro DPVAT (Danos Pessoais por Veículos Automotores Terrestres) extinto, mas que a esquerda não teria “deixado”.

As duas propostas foram apresentadas pelo governo Bolsonaro em forma de Medida Provisória (MP), cuja validade é temporária – até 120 dias. Para que se tornassem leis, precisavam de aprovação no Congresso Nacional, mas sequer foram analisadas. A comissão mista de deputados e senadores que deveria analisar a proposta nem chegou a ser instalada pelo presidente do Senado Federal à época, Davi Alcolumbre, que coordenava os trabalhos do Congresso Nacional. Filiado ao DEM, o partido se identifica com ideologia de centro-direita.

Particularmente na MP que trata sobre a extinção do DPVAT, o partido Rede Solidariedade recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida, porém líderes da direita e centro-direita também se posicionaram contrários à proposta por entenderem que a iniciativa de Bolsonaro seria retaliação a um desafeto político. Mas, antes mesmo que o prazo para apreciação da MP expirasse no Congresso, o STF considerou a proposta inconstitucional.

O outro tópico da postagem se refere ao fim da prisão após condenação em segunda instância, uma mudança ocorrida após julgamento de três ações declaratórias de constitucionalidade (1, 2 e 3) ajuizadas pelo então Partido Ecológico Nacional (atualmente Patriota), pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Embora as ações tenham sido ajuizadas por partidos e pelo Conselho Federal da OAB, a decisão foi da mais alta Corte do Judiciário brasileiro.

O Comprova classificou a postagem como enganosa porque usa dados imprecisos em um conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

O Comprova pesquisou no Google pelos termos citados pelo autor da postagem – carteira estudantil e seguro DPVAT – para localizar conteúdos que tratassem sobre o assunto. No levantamento, logo foi possível identificar as propostas apresentadas pelo governo federal nos sites do Legislativo federal.

Nos mesmos canais e também em sites de notícias, a reportagem identificou a razão pela qual as medidas não se tornaram leis.

A equipe consultou ainda publicações sobre prisão em segunda instância. Pela leitura de reportagens publicadas em 7 de novembro de 2019, é possível concluir que o fim das prisões após condenação em segunda instância foi resultado de uma decisão colegiada do STF. O site da Corte também foi fonte de consulta para esta checagem.

O Comprova buscou o autor da postagem pelo Facebook, na seção reservada às mensagens diretas. Foi questionado sobre se sabia do teor enganoso do conteúdo, mas não respondeu.

Verificação

Carteira estudantil

A carteira estudantil é um benefício concedido por lei, garantindo meia-entrada em espetáculos artísticos-culturais e esportivos. Na legislação vigente que trata do assunto, idosos, pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos comprovadamente carentes também são contemplados com o custo 50% menor.

O projeto que deu origem à legislação é de 2008 e havia sido apresentado pelo ex-senador Eduardo Azeredo e o colega Flavio Arns, que ainda exerce mandato no Senado Federal, ambos no PSDB à época. Após tramitação no Congresso Nacional, foi sancionado e virou lei em 2013, quando Dilma Rousseff (PT) estava na presidência da República.

Já na gestão de Bolsonaro, foi editada a Medida Provisória 895/2019 criando a carteira estudantil digital gratuita.

O presidente pode publicar medidas provisórias em caso de relevância e urgência, que têm força de lei desde a sua edição. No entanto, elas têm prazo de até 120 dias e, se não forem aprovadas pelo Congresso nesse período ou forem rejeitadas pelos parlamentares, perdem a validade.

E foi isso o que aconteceu com a MP que versava sobre a gratuidade na emissão do documento. A proposta nem sequer foi analisada pelos deputados e senadores. Na época, parlamentares sustentaram que faltou ao próprio governo federal a articulação para que a medida provisória se tornasse lei.

A não aprovação da medida levou a outros conteúdos de desinformação, como um boato que foi desmentido em publicação no site da Câmara Federal. No texto, a Casa declara que é “falso que tenha deixado caducar a MP sobre a carteira estudantil gratuita.”

DPVAT

Situação semelhante se passou com a MP do seguro DPVAT, que não chegou a ser analisada pelo Congresso Nacional. A cobrança havia sido extinta em janeiro do ano passado, mas voltou logo depois. Editada em novembro de 2019, a MP foi prorrogada e ficou em vigor por 180 dias, mas, mesmo assim, não foi apreciada por deputados e senadores.

Antes, contudo, parlamentares do partido Rede apresentaram uma ação no STF contra a MP. O senador Fabiano Contarato (ES), delegado com atuação na área de trânsito, argumentou que a medida prejudicaria vítimas de acidentes e não tinha a urgência necessária para ser tratada por meio de uma MP. O STF suspendeu a medida ao considerá-la inconstitucional e pontuou que o tema poderia ser abordado em lei complementar, e não em MP.

Ainda que o partido Rede esteja no espectro da esquerda, lideranças de outros vieses políticos – de direita e centro-direita – também se mostraram contrárias à MP, sobretudo ao avaliar que a medida poderia ser uma retaliação de Jair Bolsonaro a Luciano Bivar, que está no comando do PSL nacional e é desafeto do presidente. Uma das empresas de seguro que administra o DPVAT é de Bivar. A justificativa do governo para a adoção da medida era evitar fraudes.

Parlamentares também estimaram, segundo reportagem publicada no portal Congresso em Foco, que extinguir o DPVAT reduziria a verba para a saúde em R$ 400 milhões, valor de recursos previsto para repasse pelo seguro para o financiamento do SUS.

O DPVAT é pago anualmente por todos os donos de veículos do país no início de cada ano. A arrecadação do seguro ampara vítimas de acidentes de trânsito, independentemente do responsável, oferecendo coberturas por morte, invalidez permanente e reembolso em despesas médicas.

Após ser extinto pela MP e voltar a ser cobrado por decisão do STF, antes mesmo de a medida provisória caducar no Congresso Nacional, uma nova regra passou a valer e reduziu o valor da cobrança do seguro em mais de 60%. A diminuição no custo foi aplicada em 2020 e tem validade por quatro anos.

STF decidiu pelo fim da prisão em segunda instância

Também não procede a afirmação de que a esquerda impediu que “bandidos” fossem presos após condenação em segunda instância. Essa não é uma decisão que cabe a partido político de qualquer vertente, mas sim à Justiça.

O entendimento sobre a prisão após o trânsito em julgado – quando se esgotam as possibilidades para apresentação de recursos – foi formado pelo plenário do STF, em 7 de novembro de 2019. O julgamento terminou com um placar de 6 a 5.

Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia foram favoráveis à prisão após condenação em segunda instância. Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, contrários.

Embora as cadeiras do STF sejam ocupadas mediante indicação do presidente de turno, não há como classificar de modo objetivo como cada ministro se define política e ideologicamente, tampouco atribuir à esquerda o que foi decidido pelos magistrados em 7 de novembro de 2019.

Importante observar, ainda, que a decisão do STF não contempla apenas políticos, mas qualquer cidadão que seja submetido a julgamento. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou que cerca de 4,8 mil presos foram beneficiados com a decisão favorável à prisão após o trânsito em julgado, caso não estivessem presos preventivamente por outras razões. O Ministério Público Federal (MPF) levantou à época que 38 condenados no âmbito da Lava Jato seriam beneficiados com o resultado que viria a se confirmar.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que apresentem grande possibilidade de viralização.

A postagem aqui verificada, publicada em um grupo de apoio a Bolsonaro, teve mais de 5 mil interações até o dia 4 de outubro e lança acusações contra a esquerda brasileira, espectro político que tem no PT a principal organização partidária e em Lula o principal adversário eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, conforme pesquisas de intenção de voto.

A desinformação envolvendo partidos ou candidatos é prejudicial porque pode afetar a capacidade de discernimento da população no momento de fazer a sua escolha para votar.

O Comprova já fez várias checagens de conteúdos sobre eleições, como o vídeo que engana ao sugerir que o STF pode manipular resultado eleitoral ou o post falso que diz que Lula e Dilma pagaram 6 mil euros para jantar em Paris ou, ainda, um vídeo antigo de Bolsonaro ovacionado em Natal como se fosse atual e em Nova York.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-10-01

Post engana ao comparar presidente austríaco que comeu na rua em NY com Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o post que compara o presidente austríaco, Alexander Van Der Bellen, que se alimentou na calçada durante visita a Nova York, com Jair Bolsonaro, flagrado comendo pizza também na rua. O vídeo que circula nas redes, com o austríaco, é verdadeiro, mas Van Der Bellen está imunizado e comeu do lado de fora por opção. Ele poderia ter entrado no estabelecimento, que, assim como todos os outros da cidade, exige o certificado de vacina contra a covid-19, documento que o presidente brasileiro não possui – ele diz que não se vacinou – e informação omitida nos conteúdos que viralizaram.
  • Conteúdo verificado: Posts em redes sociais mostram vídeo do presidente da Áustria, Alexander Van Der Bellen, se alimentando na rua em Nova York e comparam com ato de Jair Bolsonaro, que comeu pizza do lado de fora de um estabelecimento na cidade.

É enganoso o post viral que compara Alexander Van Der Bellen, presidente da Áustria, e Jair Bolsonaro (sem partido), por comerem na rua em Nova York. O conteúdo ignora a situação dos dois mandatários: o austríaco está vacinado com duas doses contra a covid-19 e poderia comer dentro do restaurante, se quisesse; já o brasileiro afirma não estar imunizado e não poderiam acessar os restaurantes da cidade, que exigem o certificado de vacinação.

O post engana ao não contextualizar essa informação, passando a ideia de que Bolsonaro não estaria fazendo nada errado ao não se vacinar. Na ocasião, os dois presidentes estavam em Nova York para participar da Assembleia Geral da ONU. Bolsonaro chegou a ser criticado por Bill de Blasio, prefeito da cidade, que afirmou que, se ele não quisesse se vacinar, que não se incomodasse de ir ao destino.

Procurada, a autora do post verificado aqui apagou o tuíte e bloqueou a jornalista que fez o contato.

A reportagem também tentou contatar o site Jornal da Cidade Online, que publicou o conteúdo, mas nenhum deles respondeu até a publicação deste texto.

O Comprova considerou o conteúdo enganoso porque ele é usado de uma forma que induz a uma interpretação que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Primeiramente, fizemos uma análise do vídeo em busca de pistas que pudessem esclarecer sobre a veracidade da gravação. O nome do estabelecimento aparece nas imagens e, a partir disso, localizamos o endereço e comparamos com imagens do Google Street View.

Contatamos, então, o estabelecimento. Via mensagem privada no Instagram, foi confirmado que o austríaco esteve lá.

Tentamos falar com a equipe de Van Der Bellen por meio do site oficial do presidente, mas não tivemos resposta. O próximo passo foi analisar a conta verificada dele no Instagram, onde encontramos dois stories que mostram a refeição referida no vídeo. Por essas postagens, tivemos também a confirmação da data. O dia foi comprovado ao compararmos o vídeo do post enganoso com imagens de reportagens que mostraram o presidente austríaco e a comitiva com as mesmas roupas em uma visita à obra próxima à lanchonete no dia 23 de setembro.

Verificamos também o contexto dos atos. Por meio de pesquisas em reportagens e sites oficiais, foi possível comprovar as regras de saúde de Nova York. Também buscamos notícias e postagens nas redes sociais oficiais do governante austríaco para confirmar se ele havia se vacinado.

Não foi possível confirmar quem fez o vídeo, mas a reportagem fez contato com a autora do post que mais repercutiu no Twitter via mensagem privada na rede e, via Instagram e e-mail, com o site Jornal da Cidade Online, que também replicou o vídeo.

Verificação

Cachorro-quente na rua

Em um dos trechos do vídeo em que o presidente austríaco aparece comendo foi possível ver a placa indicando o nome da rua: 1 Av, ou First Avenue. Com essa informação, a reportagem encontrou no Google Maps o estabelecimento onde o vídeo foi gravado – na esquina da avenida com a 14th Street. Também foi possível verificar mais elementos em comum, como uma placa estendida em um prédio do outro lado da avenida (em destaque nas imagens abaixo).

Diferentemente do que a mulher que gravou o vídeo afirma, o local se chama Papaya Dog, e não Papadinos. O nome pode ser lido na própria gravação.

 

| Na vertical, frames do vídeo que destacam o nome do estabelecimento, Papaya Dog, a localização na esquina da 1av e letreiro no prédio do outro lado da rua, elementos que aparecem no Google Street View (foto horizontal)

É uma lanchonete estilo fast food que vende cachorro-quente e outras comidas, como pizza – inclusive, no vídeo, a narradora diz que o austríaco está comendo pizza, mas, segundo os stories da conta verificada de Van Der Bellen no Instagram, ele consumiu um cachorro-quente.

O presidente publicou fotos da ocasião na seção “destaques” do perfil junto a outros registros da viagem a Nova York. A imagem traz a pergunta “O que seria de Nova York sem cachorro-quente?”, enquanto mostra o momento em que Van Der Bellen recebeu o lanche típico americano.

| No Instagram, Van Der Bellen publicou fotos do momento em que compra cachorro-quente na lanchonete registrada no vídeo verificado aqui

Procurado via Instagram, o Papaya Dog confirmou a visita do austríaco ao local.

No mesmo dia em que foram à lanchonete, Van der Bellen e a comitiva visitaram as obras de construção de um muro às margens do East River, cuja intenção é proteger Nova York de consequências das mudanças climáticas, como tempestades e o aumento do nível do mar, como mostra matéria do Wiener Zeitung.

Reportagem em vídeo do jornal Tiroler Tageszeitung traz Van der Bellen e outras pessoas da delegação no local da obra com as mesmas roupas com as quais aparecem no vídeo verificado aqui e no stories do presidente.

| Integrantes da comitiva austríaca em Nova York aparecem com a mesma roupa em reportagem do dia 23 de setembro e no vídeo que repercutiu nas redes sociais

Conteúdo excluído

A reportagem não conseguiu encontrar quem fez a gravação. Foi feito contato com a autora de post que teve mais de 5 mil visualizações no Twitter até 29 de setembro (@brom_elisa), mas, assim que leu a mensagem, ela bloqueou a jornalista e excluiu o tuíte enganoso.

 

Opção x exigência

Apesar das similaridades nas situações, por comerem uma refeição popular em pé e em ambiente aberto em Nova York, os contextos de Jair Bolsonaro e Alexander Van Der Bellen são diferentes.

Para o presidente brasileiro, a situação ocorreu por falta de alternativa, já que ele afirma não ter se vacinado contra o coronavírus. Estabelecimentos da cidade exigem, desde agosto, a apresentação de um “passaporte da vacina” para quem quer comer em ambientes fechados.

A pizza não foi a única refeição de Bolsonaro na rua. No dia 20 de setembro, ele também comeu na área externa que a churrascaria brasileira Fogo de Chão abriu para atender clientes que não se imunizaram. Pelas regras da cidade, o presidente brasileiro não poderia usar o ambiente interno; uma situação diferente da do austríaco.

Van der Bellen se vacinou, como mostrou em publicação nas redes sociais. Na viagem aos Estados Unidos, ele visitou um conterrâneo que é pesquisador em um renomado centro de virologia no país norte-americano, destacando que a mensagem dos cientistas é “vacinar, vacinar, vacinar”. No começo de setembro, o presidente fez um apelo para que austríacos que ainda não tivessem se imunizado o fizessem.

Passaporte da vacina

Van der Bellen, inclusive, promoveu no dia 11 de julho o certificado digital de covid, uma espécie de passaporte da vacina que é aceito na Áustria e em outros países da União Europeia.

O documento eletrônico comprova que o indivíduo foi vacinado, testou negativo para a doença ou já se recuperou dela, o que permite a entrada em hotéis, restaurantes e outros estabelecimentos.

Em maio de 2020, quando quebrou a regra do lockdown no próprio país, Van der Bellen reconheceu o erro e pediu desculpas.

Já Bolsonaro é contra a medida, defendida por cientistas. Em junho, ele disse que vetaria proposta nesse sentido e, em 30 de setembro, afirmou que a medida é uma “maneira de discriminar e separar as pessoas”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O post no Twitter verificado aqui teve mais de 5 mil visualizações e mais de mil interações.

O conteúdo tenta minimizar críticas feitas à postura de Bolsonaro diante da pandemia ao comparar com ato isolado de Van der Bellen, mas é enganoso ao ignorar o contexto das duas ocasiões. O post sugere que não há nada errado na postura do presidente brasileiro de não se vacinar, sendo que a imunização é um dos principais meios de combate ao coronavírus.

Tal conclusão foi possível de ser percebida, inclusive, a partir de alguns comentários – como “Acho que ele também estava proibido de entrar em restaurantes” e “É o Bolsonaro fazendo escola! Mito!” – que mostram que alguns seguidores entenderam que o austríaco também não teria se imunizado e que o brasileiro faz certo ao não se proteger.

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Enganoso, para o Comprova, é conteúdo que foi retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2021-10-01

Vaia em Belo Horizonte foi para manifestante anti-Bolsonaro, não contra o presidente

  • Enganoso
Enganoso
Não é verdade que Jair Bolsonaro (sem partido) tenha sido vaiado enquanto participava de cerimônia nesta quinta-feira (30), em Belo Horizonte (MG). As vaias foram destinadas a uma opositora que xingou o presidente.
  • Conteúdo verificado: Postagens no Facebook, Instagram e Twitter apresentam vídeo de parte de uma fala de Bolsonaro sendo interrompida por gritos seguidos de vaia. Os autores dos posts afirmam que o presidente foi vaiado em Belo Horizonte.

Não é verdade que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenha sido vaiado em público durante um discurso em Belo Horizonte nesta quinta-feira (30). O vídeo cortado e compartilhado no Twitter, no Facebook e no Instagram induz os internautas a interpretarem de forma errada o que aconteceu na ocasião.

As vaias ouvidas durante a transmissão ao vivo do evento foram feitas pelos apoiadores do presidente contra uma manifestante que o chamou de “genocida”. A agenda fazia parte do calendário de comemoração dos mil dias de governo, completos nesta semana.

O argumento utilizado pelas pessoas que compartilharam as imagens nas redes sociais não encontra respaldo na realidade. Isso porque o vídeo foi recortado e tirado de contexto, dando margem para uma interpretação errada do que ocorreu.

A reportagem entrou em contato com os perfis que divulgaram o vídeo no Instagram, Facebook e Twitter. Apenas uma respondeu às mensagens.

O Comprova considera enganosos conteúdos retirados do contexto original e usados em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Como verificamos?

Inicialmente, a reportagem foi em busca da transmissão completa do evento do qual Bolsonaro participou em Belo Horizonte, no dia 30 de setembro.

O Comprova assistiu à transmissão do evento feita ao vivo pela TV Brasil e pelo YouTube e consultou notícias sobre o ocorrido. Também ouvimos uma jornalista da BandNews FM que estava no local para a cobertura da agenda oficial.

A reportagem consultou a agenda oficial da presidência na data e assistiu à live semanal de Bolsonaro, na qual ele falou sobre o assunto.

Por fim, entrou em contato com os autores das postagens.

Verificação

Manifestante foi vaiada, e não Bolsonaro

A vaia registrada em vídeo durante pronunciamento de Jair Bolsonaro, no dia 30, em Belo Horizonte, foi voltada a uma manifestante e não ao presidente, como pode ser analisado na transmissão completa do evento e conforme foi noticiado pela imprensa.

A partir de 47 minutos e 44 segundos de vídeo, é possível identificar gritos femininos e, em seguida, o coro de vaia. Neste momento, uma manifestante contrária ao presidente havia furado o bloqueio de seguranças que mantinha os opositores afastados do local onde ocorria a cerimônia, na Cidade Administrativa, sede do governo de Minas Gerais.

A mulher se aproximou do palco e xingou o presidente. Apoiadores do governo que estavam próximos e até algumas autoridades no palco começaram a vaiar a manifestante. Em seguida, ela foi retirada do local pelos seguranças.

Conforme reportagem do Estado de Minas, em um primeiro momento, os contrários chegaram a ficar cara a cara com apoiadores, porém logo se deslocaram para um espaço reservado, mas de frente à área dos bolsonaristas, que foram liberados para se aproximarem do palco a pedido do presidente.

Antes do evento, informou o veículo, houve troca de xingamentos e um princípio de confronto rapidamente controlado pela polícia e seguranças da Presidência da República. Os manifestantes contrários estavam em menor número, mas expressivos.

A jornalista da BandNews FM Bruna Valle, que estava no local, foi ouvida pelo Comprova e contou que uma confusão foi registrada entre os apoiadores e opositores antes do início do evento, que foi contida por seguranças.

“Quando o presidente foi começar a falar, ele pediu que os apoiadores, que estavam atrás de uma grade, atrás das cadeiras dos convidados, chegassem mais perto. Foi liberado para que se aproximassem, e eles ficaram na frente da área reservada para a imprensa”, afirmou.

Sobre o momento em que foram registradas as vaias, Valle contou que uma das opositoras conseguiu furar o bloqueio e entrar na área reservada, para xingar o presidente. “Nesse momento em que ela xingou Bolsonaro, os apoiadores, que eram muitos e estavam próximos do palco, vaiaram-na e tentaram avançar para cima dela, mas foram contidos pela segurança. As vaias foram exclusivamente para ela”, completou.

Antes do discurso de Bolsonaro, outro trecho da transmissão também mostra que havia muito mais apoiadores do presidente e que eles estavam mais próximos das câmeras, o que impediria que qualquer manifestação do grupo de opositores fosse registrada ao vivo. Aos 33 minutos da transmissão, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), começa a discursar de máscara, mas o coro ouvido ao fundo grita para que ele a retire e aplaude quando ele o faz.

Bolsonaro criticou manifestante e o PT

Após as vaias, o presidente afirmou que não iria “ofender essa senhora que proferiu essas palavras que nem deu pra entender”. Em seguida, afirmou haver um velho ditado que diz: “Quem até os 30 (anos) não foi de esquerda, não tem coração. Quem depois dos 30 (anos) continua na esquerda, não tem cérebro”. A fala foi aplaudida pelo público e por autoridades que estavam no palco, seguida por gritos de “mito”.

Em seguida, Bolsonaro criticou o PT: “Não vim aqui falar de política, mas se, porventura, vir candidato ano que vem, terei o maior prazer em debater com o candidato dessa senhora. Vamos comparar 14 anos do PT com quatro do meu governo”.

À noite, durante sua live semanal, voltou ao assunto aos 58 minutos de transmissão e fez ataques machistas à manifestante. “Estava lá falando do metrô, de repente, entra uma mulher, não sei se casada ou solteira, aparentando 35 anos, 40 anos, fala um montão de (ruídos). Fico imaginando em casa o que o marido passa com ela, se ela for casada, né? Não deu nem para entender, mas estava me ofendendo, o pessoal vaiou, vaiou, vaiou, (ela) saiu fora, a imprensa vai falar que eu levei vaia, mas tudo bem.”

Em seguida, repetiu o dito por ele na cerimônia, sobre não ofender a manifestante e o ditado sobre a esquerda, além de afirmar que a mulher teria se referido aos ex-presidentes Lula e Dilma, ambos do PT.

“Eu acho que protesto é válido, se fizer outro não tem problema nenhum. Lógico, a gente evita porque é querer tumultuar, querer ir para a agressão, ir para o ódio, né? O nosso pessoal não faz isso”, finalizou.

Agenda em Belo Horizonte

A agenda oficial do presidente para a manhã do dia 30 de setembro previa a partida dele de Brasília para Belo Horizonte, onde participaria da cerimônia de sanção do Projeto de Lei para Obras do Metrô de BH e do Lançamento de Pedra Fundamental do Centro Nacional de Vacinas MCTI da Universidade Federal de Minas Gerais, além de um almoço com lideranças empresariais mineiras.

O Projeto de Lei foi aprovado pelo Congresso na última segunda-feira (27), ao passar pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal no mesmo dia. O texto prevê a privatização da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), empresa que administra o metrô de BH.

Há a previsão de ser realizado um aporte de R$ 2,8 bilhões mais R$ 400 milhões do governo estadual para pagamento de dívidas, término de uma linha e construção de outra no metrô Em relação ao lançamento da pedra fundamental do primeiro Centro Nacional de Vacinas, a iniciativa é uma parceria do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e da UFMG, e a construção deve começar no ano que vem.

Por fim, além do almoço com os empresários, ele participou de reunião na sede da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).

Autores

O Comprova entrou em contato com os autores das publicações por mensagens via Instagram e WhatsApp. A princípio, a reportagem questionou a todos se haviam assistido à transmissão completa do evento.

A autora da publicação no Instagram informou que “foi um evento presencial” e compartilhou o link de uma transmissão do evento feita pelo Poder360. No entanto, não respondeu ao questionamento sobre ter visto o momento da vaia dentro do contexto em que ela ocorreu.

O autor da publicação no Twitter visualizou a mensagem encaminhada pelo Comprova, mas não respondeu. A reportagem também contatou o autor da postagem do Facebook, por meio de mensagem ao número de WhatsApp disponível em seu perfil – não houve retorno.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. As publicações feitas no Facebook, Twitter e Instagram alcançaram, respectivamente, 2.643 mil interações, 353 interações e 898 interações.

Conteúdos em vídeo, retirados de contexto, são perigosos porque geram desinformação em massa nas redes sociais, induzindo outras pessoas ao erro.

Ainda que a popularidade do presidente tenha caído nos últimos meses em função das ações e omissões do governo federal diante da pandemia do coronavírus, o vídeo descontextualizado traz impactos para a avaliação dos internautas sobre Bolsonaro, que é possível candidato à reeleição em 2022.

O Comprova já verificou diversos outros conteúdos relacionados a vídeos envolvendo o presidente Jair Bolsonaro, como o que afirmava, de maneira falsa, que ele foi ovacionado no aeroporto de Nova York, quando o ocorrido aconteceu em Natal, no Rio Grande do Norte e outro sobre obras do governo baiano que teriam sido realizados para “atrapalhar” Bolsonaro.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2021-09-29

É falso que morte de jovem no Rio Grande do Sul esteja associada à vacina contra covid

  • Falso
Falso
É falso que a morte de jovem de 22 anos em Vera Cruz, no Rio Grande do Sul, tenha relação com a vacina contra a covid-19. A ligação inventada é mencionada em dois posts publicados no Twitter e no Instagram. Secretarias de saúde da cidade onde ele morava e de onde ele morreu, hospital onde o óbito ocorreu, família e Anvisa descartam qualquer suspeita de relação causal entre morte por AVC e o imunizante.
  • Conteúdo verificado: Posts no Twitter e no Instagram usam imagem com anúncio de sepultamento de jovem de 22 anos, morador da cidade de Vera Cruz, no Rio Grande do Sul, para afirmar que ele morreu por causa da vacina contra o coronavírus.

É falso que Samuel Pimentel de Oliveira, 22 anos, morreu por ter sido vacinado contra a covid-19. Dois posts compartilhados na semana passada no Twitter e no Instagram relacionam a morte do jovem, morador da cidade de Vera Cruz, no Rio Grande do Sul, à vacina contra a covid-19. A relação foi inventada. Samuel foi internado no dia 6 e morreu no dia 14 de setembro, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico.

Nem o hospital e nem a vigilância epidemiológica da cidade de Cachoeira do Sul, onde fica a unidade, relacionam o óbito ao imunizante. A Prefeitura de Vera Cruz e a família do rapaz também negam essa ligação. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não recebeu nenhuma notificação sobre suspeita de causalidade entre a morte do rapaz e a vacina. Samuel havia tomado a primeira dose mais de 30 dias antes da morte.

A morte cerebral do jovem foi confirmada em 14 de setembro no Hospital de Caridade e Beneficência (HCB) de Cachoeira do Sul, cidade a 88 km de Vera Cruz. Na certidão de óbito dele, consta que a causa do óbito foi “lesão encefálica anóxica, acidente vascular encefálico isquêmico”. (Entenda o que isso significa mais abaixo)

As duas publicações verificadas aqui reproduzem uma imagem divulgada na página do Facebook da Funerária Caminho da Paz, na qual a morte e o sepultamento de Samuel são informados, e distorcem a realidade ao afirmar que o falecimento dele foi provocado pela “injeção de veneno” e que o jovem é “mais uma vítima da vacina contra a covid-19”.

Pelos comentários nos dois posts, é possível perceber que os seguidores interpretaram, mesmo no caso tuíte, em que a vacina não é citada diretamente, que o imunizante teria sido o responsável pela morte.

Os autores dos posts no Instagram e no Twitter foram procurados pelo Comprova, mas não responderam até o fechamento desta reportagem.

Esse conteúdo foi classificado como falso porque a relação entre a morte do rapaz e a vacina foi inventada e divulgada de modo deliberado para espalhar uma mentira.

ATUALIZAÇÃO: Após a publicação desta verificação, a autora do tuíte que relaciona a morte de Samuel à vacina contra a covid-19 respondeu ao pedido de contato do Comprova. Pelo Twitter, ela encaminhou um link em que o próprio post é utilizado como fonte para afirmar que jovem recebeu “injeção de veneno”. Também disse que o caso de Samuel não é isolado e enviou links de vídeos em que outras mortes são atribuídas às vacinas (atualização publicada em 30 de setembro de 2021).

Como verificamos?

Primeiramente, buscamos no Google notícias de que um jovem morador de Vera Cruz, chamado Samuel Pimentel de Oliveira, tinha realmente morrido nos dias anteriores aos posts investigados aqui. Além do próprio tuíte verificado e de um texto em um blog que faz referência a ele, havia uma notícia em um site local que afirmava que os órgãos do rapaz tinham sido doados.

Em seguida, encontramos o perfil nas redes sociais da Funerária Caminho da Paz. O nome do estabelecimento aparece na imagem compartilhada pelos dois posts, anunciando a morte de Samuel. Encontramos a imagem postada no Facebook da funerária, que tem uma unidade na cidade de Vera Cruz, no dia 16 de setembro. No post, além do nome completo de Samuel, havia também os nomes dos pais, da esposa e dos irmãos do rapaz, e ainda sua data de nascimento.

A partir dessas informações, buscamos pelos perfis no Facebook da mãe, da esposa e de uma das irmãs de Samuel, que confirmaram a morte dele. Através dos familiares, que souberam das publicações que falavam do jovem pelo Comprova, tivemos acesso às informações da certidão de óbito do jovem. Essas informações também foram confirmadas pela Secretaria de Saúde de Cachoeira do Sul.

Entramos em contato com as prefeituras de Vera Cruz, onde Samuel morava, e de Cachoeira do Sul, cidade em que fica o hospital onde ele morreu, além do HCB. Por fim, procuramos a Anvisa, a neurologista e coordenadora do Programa de Neurologia Vascular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Sheila Martins, e os autores dos posts verificados, que não responderam até a publicação desta reportagem.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 29 de setembro de 2021.

Verificação

Samuel sofreu AVC

O jovem de 22 anos morreu no dia 14 de setembro de 2021 após sofrer um AVC. Segundo a família do jovem, ele foi internado no dia 6 de setembro na instituição. O Comprova entrou em contato com a Prefeitura de Cachoeira do Sul e a assessoria de imprensa respondeu, por meio de áudio no WhatsApp, que Samuel foi levado ao HCB porque, no momento em que precisou de atendimento, não havia leitos de UTI disponíveis em Vera Cruz.

Também por WhatsApp, a prefeitura informou que, na certidão de óbito de Samuel, registrada no Cartório de Registros Público de Vera Cruz, consta que a causa da morte foi “lesão encefálica anóxica, acidente vascular encefálico isquêmico”.’

A família de Samuel compartilhou com o Comprova o trecho da certidão de óbito do jovem onde consta a causa da morte.

De acordo com a especialista em neurologia vascular Sheila Martins, existem dois tipos de AVCs: o hemorrágico, que é quando uma artéria cerebral se rompe, e o isquêmico, que acontece quando a artéria que leva o sangue ao cérebro sofre uma obstrução, entope e impede a passagem do sangue. “Hoje, o AVC isquêmico é o mais comum, sendo 85% dos casos de acidente vascular”, afirma a neurologista.

O superintendente do Hospital de Caridade e Beneficência de Cachoeira do Sul, Luciano Morschel, disse ao Comprova, por mensagem no WhatsApp, que a causa da morte de Samuel “foi uma isquemia cerebral”. Segundo ele, não é possível dizer, ainda, o que provocou a isquemia, pois “há várias hipóteses”.

Assim como as autoridades de saúde e administração dos municípios, familiares de Samuel contatados pelo Comprova também não acreditam nas afirmações feitas nas publicações verificadas.”Não acreditamos que a vacina tenha ligação com a morte do meu irmão”, afirmou, por WhatsApp, Geísa.

Não há relação entre morte e vacina

De acordo com informações do setor de Epidemiologia e Imunizações do Departamento de Vigilância em Saúde (DVS) da Secretaria Municipal da Saúde de Cachoeira do Sul, “o óbito de Samuel nunca foi relacionado à vacinação”.

Luciano Morschel, superintendente do HCB, também afirmou não saber se há alguma investigação sobre uma eventual relação entre a morte de Samuel e a aplicação da vacina contra a covid-19 e sugeriu que o Comprova entrasse em contato com a vigilância epidemiológica de Vera Cruz.

Por e-mail, a Secretaria Municipal de Saúde de Vera Cruz informou que não é de conhecimento da pasta que a morte de Samuel tenha relação com a vacina. O Comprova perguntou se e quando Samuel foi vacinado, e com qual vacina, mas não obteve resposta.

Então, o Comprova questionou a Anvisa se a agência investiga se há relação entre a morte de Samuel e a vacina contra a covid-19. Por e-mail, o órgão federal informou não ter sido notificado sobre caso suspeito de morte provocada por vacina.

“Não identificamos notificação com as características relatadas. Todas as notificações de suspeitas de eventos adversos são avaliadas pela Anvisa na busca por evidências de relação causal”, diz a nota.

Primeira dose da vacina tinha sido aplicada no dia 11 de agosto

Por telefone, a Prefeitura de Cachoeira do Sul informou que Samuel havia tomado a primeira dose da vacina quase 30 dias antes da morte. A vacina foi aplicada na cidade de Vera Cruz, onde ele morava. Procurada, a prefeitura da cidade não informou a data específica da aplicação, nem o fabricante da vacina.

Contudo, a imunização para a faixa de idade dele – acima de 18 – foi aberta no dia 10 de agosto. Dois dias antes, a vacina começou a ser aplicada em quem tinha mais de 23 anos, o que não era o caso de Samuel.

De acordo com a irmã do jovem, Geísa, ele foi vacinado no dia 11 de agosto com a primeira dose da Pfizer em Vera Cruz. Conforme mencionado anteriormente, Samuel foi internado no Hospital de Cachoeira do Sul somente no dia 6 de setembro, quase um mês depois de ser vacinado.

A neurologista e Coordenadora do Programa de Neurologia Vascular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Sheila Martins, afirma que não existe comprovação científica que a vacina, independentemente do fabricante, ocasione um AVC, sendo o paciente jovem ou não.

Sheila ainda afirma que, ao contrário das afirmações das postagens verificadas, pessoas que não se vacinam e são contaminadas com a covid-19 têm mais chance de sofrer um acidente vascular cerebral, já que a doença costuma aumentar os riscos de AVC.

Família quer que posts sejam apagados

O Comprova também conversou via WhatsApp com a esposa de Samuel, Emilin Gabriele. A jovem, assim como a irmã dele, Geísa, não acredita que exista relação da morte do rapaz com a vacinação realizada quase um mês antes.

Tanto Geísa, quanto Emilin não sabiam da existência das publicações verificadas nesta reportagem. Após tomarem conhecimento das postagens, as duas concordaram em conversar com o Comprova a fim de verificar as publicações.

“Isso é, com certeza, uma fake news. Estão usando a imagem de uma pessoa que não está mais aqui e sendo mentirosos”, afirma Emilin, que pediu ajuda da reportagem para que os posts fossem apagados.

Efeito dos posts

Dos dois posts verificados aqui, o tuíte foi postado primeiro – às 17h21 do dia 18 de setembro de 2021. A autora não cita diretamente a vacina como responsável pela morte de Samuel, mas usa o termo “injeção de veneno”. Apesar de não fazer uma citação direta, os comentários no post deixam claro que esta foi a interpretação de boa parte das pessoas que interagiram com a postagem.

Muitos citaram, com ironia, que aquele era mais um “caso isolado”. Outros, questionaram a fonte das informações, o tipo de vacina aplicada e até mesmo o que a autora realmente quis dizer com o uso do termo “injeção de veneno”.

Em outro comentário, uma pessoa sugere que o caso seja notificado à Anvisa, ao que a autora responde que vai “postar no grupo”, dando a entender que teria recebido a informação de algum outro lugar. O Comprova entrou em contato com a autora através de um comentário na postagem, mas não recebeu resposta até a publicação desta verificação.

A postagem do mesmo conteúdo em um perfil do Instagram foi feita no dia seguinte, 19 de setembro. Desta vez, o post é mais direto: o autor incluiu uma inscrição na própria imagem em que atribui a morte de Samuel à vacina contra a covid-19.

Nos comentários, mais interações que desencorajam a vacinação. Em um deles, uma pessoa pergunta qual a fonte da informação e é repreendida por outra pessoa. Na resposta, a mulher afirma que não vacinou a filha e não quer ter outro post derrubado pela rede social, “como já aconteceu antes”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. Os posts no Twitter e Instagram verificados aqui somam quase 5 mil interações.

Conteúdos que tentam criar uma relação causal entre óbitos e vacinas, desacreditando-as e influenciando outras pessoas a não se vacinarem, são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde pessoal e coletiva em risco.

O Comprova já publicou diversos conteúdos sobre imunização. Um deles, na última semana, mostrou que a morte de uma adolescente em São Bernardo do Campo (SP) não teve relação causal com o produto da Pfizer. Também já mostrou como um médico enganava ao afirmar que as vacinas não funcionam contra a variante delta, como um post desinformava ao afirmar que o CDC e Anthony Fauci não acreditam nos imunizantes e o caso de uma médica que enganava ao afirmar que vacinas são experimentais.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-09-28

Vacinas de RNA mensageiro não geram doenças autoimunes

  • Falso
Falso
É falso vídeo viral publicado na rede social Kwai que afirma que vacinas que usam a tecnologia de RNA mensageiro, como Pfizer e Moderna, podem gerar doenças autoimunes e uma série de complicações respiratórias ou cardíacas. Ao contrário do que prega o vídeo, as vacinas são seguras, passaram pelas três fases de testes e foram aprovadas por agências relevantes de vigilância sanitária como a FDA, dos EUA.
  • Conteúdo verificado: Vídeo compartilhado no Kwai defende que os imunizantes que usam a tecnologia de RNA mensageiro (Pfizer e Moderna) geram doenças autoimunes, levam a quadros severos respiratórios e cardiovasculares e podem matar dentro de poucos minutos.

É falso um vídeo viral publicado no Kwai que estabelece relação de causa e consequência entre vacinas de RNA mensageiro e doenças autoimunes – quando o sistema imunológico produz anticorpos contra componentes saudáveis do organismo. O vídeo também cita, de forma falsa, que a enfermeira norte-americana Tiffany Dover morreu após receber a dose da Pfizer contra a covid-19.

O argumento utilizado no vídeo não tem respaldo científico. Fia-se em concepções erradas sobre como as vacinas de RNA mensageiro se processam no organismo e fornece um conceito errado sobre o significado de doença autoimune.

O conteúdo afirma que, se um corpo vacinado entrar em contato com o Sars-Cov-2 e atuar para neutralizá-lo, “estará combatendo algo que ele mesmo está produzindo”. E conclui: “Isso se chama doença autoimune”. A lógica não é verdadeira e vai na contramão do que especialistas explicaram ao Comprova para esta verificação.

A doença autoimune consiste no mau desempenho do sistema imunológico, que passa a atuar contra células saudáveis do próprio organismo. Não há evidências de que vacinas levem a esse quadro.

Procurado, o autor da publicação, Adilson Winans Goldberg, respondeu que viu a publicação em um “grupo de notícias”. O Comprova recebeu o vídeo por meio do WhatsApp, canal disponível para que leitores deem sugestão de conteúdos que podem ser checados.

O Comprova considera falso o conteúdo que tenha sido inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Inicialmente, buscamos informações em verificações acerca da vacina de mRNA e doenças já publicadas pelo Comprova, como esta, da semana passada. Depois, entrevistamos o virologista, coordenador do curso de biomedicina do Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação (IBMR) e membro da Rede do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde, Raphael Rangel.

A imunologista Letícia Sarturi, mestre pela Universidade de São Paulo e doutora em Biociências e Fisiopatologia pela Universidade Estadual de Maringá, também foi consultada. Realizamos uma busca na internet pelas reportagens a respeito de Tiffany Dover, enfermeira que desmaiou após receber a vacina e foi citada no vídeo como se tivesse morrido. Encontramos checagens sobre esse episódio feitas pelo Estadão, Aos Fatos, Agência Lupa, Boatos.orgFato ou Fake.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 28 de setembro de 2021.

Verificação

Como a vacina de mRNA age no corpo

Indagada sobre como as vacinas de mRNA agem no organismo humano, a imunologista Letícia Sarturi afirmou de início que o mRNA é um trecho de RNA responsável por “dar a receita” para que as células produzam exatamente a proteína spike do Sars-Cov-2.

A proteína Spike é exclusiva do vírus da covid-19 e fica em sua superfície. É usada para entrar nas células do corpo. Sarturi salienta que o mRNA destes imunizantes é “bem produzido” e executado mediante “controle rígido”.

Ainda de acordo com ela, o mRNA está dentro de um lipídio cuja função é “entrar” nas células para que elas produzam sua própria proteína spike. As células então fazem o processamento desta proteína e a “apresentam” para os linfócitos T.

Estes linfócitos T são os responsáveis por “lembrar” de combater o vírus sempre que entrarem em contato com ele.

A explanação da pesquisadora está em linha com o que afirma o Centro de Controle de Doenças(CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos sobre o funcionamento da tecnologia mRNA.

As vacinas que atualmente usam a tecnologia de mRNA são a Pfizer, desenvolvida pela empresa de biotecnologia alemã BioNTech, e a estadunidense Moderna; esta não disponível no Brasil. O FactCheck.org disponibilizou guias com informações sobre a Pfizer e a Moderna.

Quem é Tiffany Dover?

O autor do vídeo cita a enfermeira americana Tiffany Dover, que desmaiou durante uma entrevista logo depois de tomar uma dose da vacina contra covid-19 da Pfizer, no dia 17 de dezembro de 2020.

Defendeu-se, no material publicado no Kwai, o argumento de que vacinas mRNA podem matar em uma questão de minutos atacando o sistema respiratório, “como o que aconteceu com Tiffany Dover”.

Tiffany, no entanto, não morreu. O boato vem circulando desde o dia 21 de dezembro de 2020, e já foi desmentido pelo Estadão, Aos Fatos, Agência Lupa, Boatos.orgFato ou Fake.

O hospital CHI Memorial, localizado em Chattanooga, Tennessee, onde ela trabalhava na época, chegou a divulgar uma nota afirmando que a enfermeira estava saudável.

Depois do episódio, publicações em outras redes sociais relacionaram o desmaio à vacinação, o que é falso.

Tiffany Dover falou, em entrevista à Estação de TV WRCB Chattanooga: “Eu tenho um histórico de resposta vagal hiperativa e, com isso, se eu sinto dor por qualquer coisa (…), se eu bato um dedo do pé, eu posso simplesmente desmaiar”, explicou. “Eu provavelmente desmaiei seis vezes nas últimas seis semanas, é comum para mim”, acrescentou.. Ou seja, ela não atribuiu seu desmaio à vacina, mas à dor no momento da injeção.

Doenças autoimunes

O virologista Raphael Rangel, do IBMR, explica que a doença autoimune se caracteriza essencialmente pela incapacidade do corpo em “tolerar imunologicamente algumas proteínas que nós mesmos produzimos”.

O corpo humano, prossegue, “consegue distinguir o que nós produzimos do que é externo”. Ou seja, a doença autoimune é um problema imunológico não ocasionado pela vacina de RNA mensageiro – esta, um elemento inicialmente externo.

“Devemos estar sempre atentos e empenhados para desconstruir narrativas mentirosas contra as vacinas”, adverte o virologista.

Não se sabe ao certo o que leva o sistema imunológico a atacar células do próprio organismo. Doenças autoimunes geralmente são crônicas, ou seja, duram mais de um ano e necessitam de cuidados médicos constantes. Exemplos de doenças autoimunes são esclerose múltipla, artrite reumatoide e o lúpus.

Convulsões e paralisia de Bell?

No vídeo, o narrador cita que as vacinas produziriam danos ao sistema nervoso central e gerariam paralisia de Bell – o enfraquecimento ou a paralisia de um dos lados do rosto. Para ilustrar o primeiro exemplo, o conteúdo mostra uma mulher com tremores e dificuldades para caminhar. O Comprova printou a imagem da mulher e pesquisou a origem dela no Google.

O primeiro resultado da pesquisa é de um perfil no Twitter (@constanzag77) com publicações – no formato de fio – com série de supostos exemplos de eventos adversos causados pela vacinação contra a covid-19. Ao clicar no primeiro tuíte da série de posts, é possível verificar que o Twitter o classifica como “enganoso”.

A terceira publicação da sequência leva ao vídeo usado no conteúdo aqui verificado. No tuíte, o perfil escreve: “Mamãe de Brant Griner depois de receber a vacina da Pfizer.” Na mesma postagem, há o link da conta no Facebook de Brant Griner.

O Facebook alerta na parte inferior da publicação de Griner que a publicação é sem contexto. A plataforma disponibilizou para os usuários uma checagem do Estadão Verifica, que diz não haver provas de que o vídeo da mulher tenha relação com a vacina da Pfizer.

A checagem do Estadão leva ao PolitiFact, site americano de verificação de fatos, para quem Griner disse que a mãe, Angelia Gipson Desselle, de 45 anos, tomou a vacina Pfizer em 5 de janeiro e três dias depois teria começado a sentir sensações similares a de convulsões na perna esquerda. Mas ele se recusa a responder onde ela tomou a vacina, em que hospital ou quem aplicou o imunizante. Alegou que iria preservar a privacidade da mãe.

Ao Estadão Verifica, o Departamento de Saúde do Estado de Louisiana disse que investiga o caso e que não o confirma como efeito adverso da vacina.

No caso dos quatro casos de paralisia de Bell, o vídeo publicado no Kwai usa um print somente do título de uma matéria publicada no site de notícias R7 em dezembro de 2020, dentro da qual se lê um relatório publicado pelo FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora dos Estados Unidos. Nele, os pesquisadores afirmam não haver base para conclusão de que houve uma relação causal entre a vacina e os casos.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O vídeo verificado aqui teve mais de 15 mil curtidas e 25 mil compartilhamentos. O Kwai é um aplicativo chinês criado para compartilhamento de vídeos rápidos. Foi pensado inicialmente como uma plataforma para troca de imagens GIF. Em 2012 ganhou o formato atual.

O conteúdo fraudulento é prejudicial por desinformar e ter potencial de afastar as pessoas da vacinação num contexto em que o país se aproxima da marca de 600 mil mortos pelo vírus. A comunidade científica tem emitido sucessivos alertas de que somente a vacinação em massa devolverá o mundo a um ambiente de normalidade.

Conteúdos que tentam desacreditar as vacinas ou minimizar os riscos da pandemia, portanto, são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco. Em alguns comentários na publicação, é possível verificar o potencial de desinformação dessas postagens.

“Conhecimento é poder, parabéns”, escreveu um usuário em resposta ao vídeo falso. “Pessoal, divulguem esse vídeo. Mais um falando a verdade. Deus tenha misericórdia de nós”, reagiu outra usuária da rede social. “Essas vacinas são para os cobaias”.

O Comprova já publicou diversos conteúdos sobre imunização, como o que informa que morte de adolescente não tem relação causal com vacina da Pfizer, o do médico que engana ao afirmar que os imunizantes não funcionam contra a variante delta e o post que desinforma afirmando que o CDC e Anthony Fauci não acreditam nas vacinas.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

(CORREÇÃO: Uma primeira versão desta verificação trouxe, em seu resumo, a informação de que a vacina da Moderna tinha aprovação da Anvisa. Na realidade, não há solicitação referente à vacina da Moderna na Anvisa, seja para registro ou para uso emergencial. Dessa forma, não há processo em análise na Anvisa. Correção feita em 29 de setembro de 2021)

Eleições

Investigado por: 2021-09-24

Vídeo de Bolsonaro ovacionado em aeroporto foi feito em Natal, e não em Nova York

  • Falso
Falso
É falso que um vídeo do presidente Jair Bolsonaro sendo recepcionado por multidão tenha sido gravado quando ele chegou ao Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York, em 19 de setembro, para participar da 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). A gravação já circula nas redes sociais desde 2017, quando foi postada pelo próprio Bolsonaro durante recepção no Aeroporto de Natal, no Rio Grande do Norte, quando ainda era deputado federal.
  • Conteúdo verificado: Vídeo compartilhado nas redes sociais mostra Jair Bolsonaro sendo recepcionado por centenas de pessoas em aeroporto. O post acompanha legenda dizendo que o presidente estava chegando a Nova York, onde ele desembarcou em 19 de setembro para participar da 76ª Assembleia da ONU.

É falso o post que circula nas redes sociais com vídeo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sendo recepcionado por uma multidão em aeroporto e legenda afirmando que ele estava chegando ao Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York – o presidente esteve na cidade americana entre 19 e 22 de setembro, onde participou da 76ª Assembleia das Nações Unidas.

As imagens, na verdade, foram capturadas em Natal, no Rio Grande do Norte, em 8 de junho de 2017, como mostra tuíte do próprio Bolsonaro à época. Na ocasião, o então deputado federal foi recebido por apoiadores no Aeroporto Internacional Governador Aluízio Alves, na capital do Rio Grande do Norte.

A reportagem tentou contatar um usuário do Twitter e um do Facebook que compartilharam o conteúdo, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.

O Comprova considerou o conteúdo falso porque a informação de que ele foi gravado em Nova York foi inventada de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Buscamos informações nas redes sociais de Bolsonaro e de outros representantes do governo federal que viajaram para Nova York. Pesquisamos também no YouTube, em sites oficiais do governo e em páginas jornalísticas.

Na busca, constatamos que a agência Lupa, Boatos.org e AFP Checamos já haviam verificado o vídeo em questão. A partir da informação de que a gravação era antiga, buscamos o tuíte de Bolsonaro feito em 2017 por meio do TweetDeck e comparamos elementos visuais (como letreiros) dos vídeos postados antes e agora.

Tentamos contato com uma usuária do Twitter que compartilhou o vídeo em 20 de setembro, data em que o conteúdo viralizou, mas não obtivemos resposta. Tentamos falar também com um usuário do Facebook que poderia confirmar se um vídeo postado por uma conta do YouTube em 8 de junho de 2017, com o mesmo nome de usuário dele, era de sua autoria, mas ele também não respondeu.

Verificação

Presidente em NY

No site FlightAware, foi possível confirmar que o voo da Força Aérea Brasileira (FAB) com Bolsonaro partiu em 19 de setembro de 2021 às 9h07 do Aeroporto de Brasília e chegou ao Aeroporto Internacional John F. Kennedy às 16h40 do mesmo dia.

Além disso, veículos como Poder360 publicaram conteúdos sobre a chegada de Bolsonaro a Nova York, citando o aeroporto JFK.

Bolsonaro foi à cidade para participar da 76ª Assembleia das Nações Unidas. Ele fez o discurso de abertura do evento em 21 de setembro. Na noite anterior, ao chegar ao hotel, ele entrou por uma porta que não a principal, onde havia um protesto de cerca de dez pessoas com faixas em defesa dos indígenas e contra militares em cargos do governo.

Aeroporto de Natal

Bolsonaro esteve na capital potiguar em junho de 2017, quando era deputado pelo PSC, a convite da União Nordestina de Produtores de Cana, como mostrou a Folha. A reportagem contou, à época: “gritos ricocheteiam no saguão do aeroporto de Natal” e o político foi “levantado no ar”, exatamente como mostra o vídeo postado agora – falsamente dizendo que foi em Nova York – e publicado naquela ocasião por Bolsonaro.

Comparando os vídeos frame a frame foi possível perceber que se trata do mesmo conteúdo. O Comprova também encontrou outras gravações feitas em Natal, como uma publicada pelo Poder360, que só reforçou a conclusão. Nas gravações, aparecem as mesmas pessoas e sinalizações, por exemplo. Uma bandeira do Brasil pendurada em uma escada também comprova que se trata da mesma situação.

 

| Frames do vídeo verificado (vertical) e do publicado pelo Poder360 (horizontal) mostram os mesmos elementos: uma placa onde se lê “Welcome” (bem-vindo, em inglês), além um homem careca, de óculos escuros.

 

| Frames do vídeo postado agora (vertical) e do publicado por Bolsonaro em 2017 (horizontal) mostram bandeira do Brasil pendurada em escadaria

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos relacionados ao governo federal, pandemia e eleições que viralizam nas redes, como o vídeo checado aqui, que teve cerca de 4,1 mil visualizações no Facebook até 24 de setembro. No Twitter, só um post tinha mais de 2,2 mil visualizações.

Em um momento em que a popularidade de Bolsonaro vem caindo, o vídeo prejudica a avaliação da população ao levar a crer que ele teria sido ovacionado na semana passada, o que não ocorreu.

O conteúdo também foi verificado por Agência Lupa, Boatos.org e AFP Checamos.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Esta reportagem foi produzida com a participação de jornalistas que recebem formação em verificação pelo Programa de Residência no Comprova.

Saúde

Investigado por: 2021-09-24

É enganosa conexão entre distribuição de ivermectina e controle da pandemia em estado da Índia

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte engana ao sugerir que queda no número de casos e mortes de covid-19 no estado de Uttar Pradesh, na Índia, foi causada pelo uso da ivermectina. Não existe, até o momento, comprovação científica de que o medicamento salve vidas de infectados pelo novo coronavírus, conforme afirmam Anvisa e OMS, entre outras autoridades sanitárias.
  • Conteúdo verificado: Postagem no Twitter mostra imagens de gráficos e matéria do jornal indiano Hindustan Times afirmando que 33 distritos do estado de Uttar Pradesh estão livres da covid-19. Ainda neste tuíte, a autora menciona que neste estado foi distribuído “um remedinho para verme”, fazendo alusão ao vermífugo ivermectina. No entanto, na matéria do jornal indiano não é feita nenhuma relação entre a diminuição das mortes e o uso do remédio, apenas a vacinação é mencionada na matéria.

É enganosa uma postagem no Twitter que sugere que a ivermectina seria responsável pela queda do número de casos e mortes por covid-19 no estado de Uttar Pradesh, na Índia. Embora autoridades locais de saúde tenham adotado um protocolo com o medicamento, os potenciais benefícios clínicos e preventivos do remédio ainda não foram comprovados em estudos científicos bem estruturados.

Segundo especialistas consultados pelo Comprova, isso faz com que a associação do vermífugo ao declínio da transmissão do coronavírus no estado indiano seja uma “falácia”. Afinal, outros aspectos epidemiológicos podem ter influenciado no quadro da pandemia em Uttar Pradesh.

Com mais de 2 mil interações no Twitter, a postagem enganosa mostra uma matéria publicada em 10 de setembro no jornal Hindustan Times. O artigo cita que 33 distritos de Uttar Pradesh não registravam casos ativos de covid-19 naquela data e ressalta o avanço da vacinação no país. Não há qualquer menção à ivermectina ou outras substâncias, além dos imunizantes contra a doença.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras agências sanitárias do mundo não aconselham ou se posicionam contrárias ao uso do medicamento fora de ensaios clínicos. Justamente porque faltam evidências confiáveis, de estudos adequados, para definir se a ivermectina traz algum benefício a pacientes com covid.

A reportagem do Comprova questionou o Ministério da Saúde da Índia e com o Governo de Uttar Pradesh sobre a distribuição do vermífugo para a população, mas até a publicação desta matéria não teve retorno.

O Comprova considerou a postagem enganosa pois é um conteúdo que usa dados imprecisos, já que a matéria citada no tuíte não menciona o uso do vermífugo ao relatar a diminuição de casos e mortes de covid-19.

Como verificamos?

O Comprova realizou uma busca reversa no Google para localizar as imagens do tuíte verificado. Depois disso, buscou matérias em portais de notícias da Índia sobre a situação da pandemia, a vacinação e a distribuição de ivermectina no país (aqui, aqui, aqui e aqui).

Também conversou com o médico infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) André Siqueira e com o médico e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia Julival Ribeiro. O Comprova também contatou a International Fact-Checking Network (IFCN), para auxiliar na busca por matérias que atualizassem a distribuição da ivermectina na Índia.

Além disso, entrou em contato com o Ministério da Saúde da Índia e com o Governo da Uttar Pradesh, via e-mail, mas não recebeu retorno até o fechamento deste material. A reportagem do Comprova não conseguiu entrar em contato com a autora do tuíte, já que não é possível enviar mensagem direta no em seu perfil no Twitter.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de setembro de 2021.

Verificação

Covid-19 na Índia

Os gráficos sobre a vacinação apresentados na publicação verificada foram extraídos do Google. A plataforma de buscas digitais compila dados coletados pela Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, que tem sido uma referência de informações epidemiológicas sobre a pandemia.

Segundo país mais populoso do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes, a Índia bateu recordes de infectados e mortos por covid-19 em maio e junho deste ano. Essas marcas foram responsáveis pelo colapso no sistema hospitalar do país. O país asiático acumula 445.385 mortes em decorrência da doença, de acordo com levantamento do governo indiano.

Depois de sofrer duras críticas pela posição adotada no enfrentamento à pandemia, o governo da Índia iniciou em junho uma campanha nacional e gratuita para a vacinação de todos os adultos. Desde então, a média de doses aplicadas diariamente tem sido positiva no país, que chegou a bater o recorde de 10 milhões de doses aplicadas em um único dia. O primeiro-ministro do país, Narendra Modi, comemorou em uma rede social o número atingido.

Atualmente, cerca de 45% da população indiana já foi vacinada contra a covid-19 com ao menos uma dose, e 16% da população já está totalmente vacinada, de acordo com o Our World in Data.

Até o momento, Uttar Pradesh é o estado que mais vacinou pessoas na Índia. Dados disponibilizados pelo governo mostram que mais de 97 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 47% da população do estado, já foram vacinadas com ao menos uma dose da vacina, enquanto mais de 17 milhões estão com o esquema vacinal completo.

Em Uttar Pradesh, mais precisamente na cidade de Agra, está localizado o Taj Mahal.

Indicação da ivermectina

A curva de infecções em Uttar Pradesh ganhou tração em abril de 2021, atingiu um pico de mais de 30 mil casos diários no final do mesmo mês, até recuar a um patamar de menos de 200 registros diários a partir de junho. Os dados do estado são usados de forma inadequada para defender o uso da ivermectina contra a covid-19 porque autoridades locais aplicaram um protocolo medicamentoso com a substância.

Desde 2020 a Índia possui um protocolo para o uso da ivermectina – bem como a hidroxicloroquina – no tratamento de pacientes com covid-19. O medicamento, que é indicado para doenças parasitárias, foi amplamente distribuído pelos distritos do estado de Uttar Pradesh. Apesar de não ter obtido resposta das autoridades sanitárias e governamentais da Índia, a reportagem do Comprova listou em ordem cronológica as autorizações ao uso da ivermectina para o combate a covid-19 no país, de acordo com a mídia internacional.

  • Maio de 2020: No site do Governo de Uttar Pradesh é disponibilizado um documento que oferece orientações sobre o uso da ivermectina como tratamento para a covid-19. O documento é datado de maio de 2020.
  • Agosto de 2020: De acordo com o The Indian Express, em 6 de agosto de 2020 o Departamento de Saúde de Uttar Pradesh introduziu a ivermectina como uso profilático para contatos próximos de pacientes contaminados e profissionais de saúde através de uma ordem governamental.
  • Junho de 2021: O Governo de Uttar Pradesh iniciou uma campanha de distribuição de kits de medicamento de acordo com a idade e pesagem dos pacientes. Os kits tinham comprimidos de paracetamol, pacotes de SRO, multivitaminas e comprimidos de ivermectina, de acordo com o Times Of India.
  • Agosto de 2021: O distrito de Lucknow, capital do estado de Uttar Pradesh, instalou quiosques para distribuição de ivermectina para a população. As autoridades locais indicam que os comprimidos devem ser administrados com base nos sintomas do infectado, de acordo com matéria do Hindustan Times.

Apesar da ampla divulgação da ivermectina como tratamento profilático no estado de Uttar Pradesh, o próprio governo indiano descreve o vermífugo como uma “terapia baseada na baixa certeza de evidência” em documento disponibilizado pelo Conselho Indiano de Pesquisa Médica, órgão que aconselha as decisões do governo sobre a pandemia.

‘Falácia epidemiológica’

Para o médico infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), André Siqueira, a análise compartilhada na postagem é uma “falácia epidemiológica”. Ele explica que até o momento as principais evidências científicas indicam que a ivermectina não traz nenhum benefício clínico para pacientes com covid ou na prevenção da doença.

“Diversos fatores que não foram controlados podem estar relacionados. Não é possível dizer que foi o uso da ivermectina”, aponta o especialista.

Siqueira cita que a evolução dos dados da pandemia no estado indiano poderia sofrer a interferência de medidas restritivas de circulação ou mesmo da imunidade adquirida pelas pessoas infectadas e já recuperadas, cuja duração ainda é incerta para a ciência.

O estado de Uttar Pradesh instituiu lockdowns para conter a pandemia entre abril e junho de 2021, mostra esta matéria do India Today. Outras reportagens mostram que, em setembro, autoridades flexibilizaram um toque de recolher vigente no estado e relaxaram restrições a números de convidados em casamentos.

O médico e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Julival Ribeiro, concorda que a associação do número de casos com um suposto efeito da ivermectina é insustentável. De acordo com ele, a forma adequada para avaliar os benefícios e segurança de um medicamento é por meio de ensaios clínicos randomizados duplo cego.

Neste tipo de estudo, voluntários são divididos em dois grupos: o primeiro recebe a terapia com o medicamento avaliado na pesquisa, o outro é submetido ao protocolo padrão ou recebe placebo (substância sem efeito). Os pesquisadores aplicam uma série de técnicas para minimizar ao máximo a possibilidade de fatores externos influenciarem nos resultados.

Eles estabelecem critérios rigorosos para selecionar pacientes, com o intuito de garantir que os voluntários presentes nos dois grupos tenham características mais similares possíveis. Nos estudos ‘duplo-cego’, nem pacientes, nem os médicos que aplicam o tratamento sabem quem tomou o medicamento e quem recebeu placebo.

“Não há indicação para uso da ivermectina contra a covid. O que sabemos é que quando você aumenta a cobertura de vacinação há um efeito na redução de hospitalizações e mortes pela doença”, destaca Julival Ribeiro.

Faltam evidências que comprovem o benefício da droga

Estudos laboratoriais com ivermectina mostraram um potencial efeito do fármaco contra o novo coronavírus em células animais. Como explicou o Comprova em verificações anteriores, os resultados observados nesse tipo de teste nem sempre são confirmados em ensaios clínicos com pacientes. Isso porque o organismo humano é muito mais complexo e envolve condições que não podem ser reproduzidas no laboratório.

No decorrer da pandemia, surgiram evidências contra e a favor de protocolos com a droga no tratamento da covid, mas as pesquisas conduzidas até o momento sofrem de limitações metodológicas que impedem os resultados conclusivos. Uma pesquisa que sugeriu resultados milagrosos da ivermectina contra a covid, por exemplo, foi retirada de uma plataforma de pré-publicação sob acusações de manipulação de dados pelos autores.

O painel de evidências dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos (NIH) diz não recomendar contra nem a favor do uso do remédio. De acordo com o órgão, são necessários mais dados de ensaios clínicos bem conduzidos e estruturados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também afirma que as evidências são inconclusivas.

Até que mais informações estejam disponíveis, a entidade recomenda que o tratamento seja usado exclusivamente em ensaios clínicos. Também não há qualquer orientação para uso da droga de forma preventiva.

Julival Ribeiro destaca que um estudo recente indicou que a ivermectina não demonstrou capacidade de reduzir mortes ou tempo de hospitalização de pacientes com covid moderada. O especialista lembra que uma pesquisa ainda em andamento conduzida pela Universidade de Oxford deve fornecer dados sólidos sobre a questão.

O mesmo estudo já testou a eficácia de outros tratamentos para covid e não encontrou, por exemplo, benefícios do antibiótico azitromicina. Ribeiro alerta que a automedicação com ivermectina pode ser perigosa.

“Temos relatos de pessoas que tiveram problemas hepáticos [no fígado] por uso contínuo do medicamento”, alerta o especialista.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O tuíte verificado aqui teve mais de 2,8 mil interações entre curtidas e retuítes.

Conteúdos que induzem o público a desacreditar na eficácia das vacinas ou incentivar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.

Assim como o Comprova que já verificou posts que mostram que estudo é insuficiente para comprovar eficácia da ivermectina, veículos como o Aos Fatos e o Estadão também verificaram publicações sobre o vermífugo.

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