O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Investigado por: 2022-03-16

Pesquisas eleitorais seguem métodos científicos, ao contrário de enquetes; entenda

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Pesquisas eleitorais e de opinião diferem de enquetes informais porque seguem métodos científicos para garantir que a amostra de pessoas entrevistadas é representativa da população como um todo, buscando eliminar possíveis distorções e vieses. São enganosos os posts que tentam desacreditar as pesquisas eleitorais com o vídeo de uma consulta feita pelo humorista Sérgio Mallandro à sua plateia em um show. A enquete só mostra a opinião daquele grupo específico, e não pode ser usada para tirar conclusões sobre a população em geral, dizem especialistas ouvidos pelo Comprova.

Conteúdo analisado: Um vídeo compartilhado por políticos e personalidades que apoiam o presidente Jair Bolsonaro (PL) mostra trecho de um show de stand-up do humorista Sérgio Mallandro. O comediante pergunta à plateia se votariam em uma série de pré-candidatos à Presidência da República em 2022. O público irrompe em gritos e aplausos quando o nome de Bolsonaro é mencionado, indicando que a maioria ali votaria por sua reeleição. Os posts usam o vídeo para descreditar as pesquisas eleitorais que mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à frente nas intenções de voto. O Comprova preparou um conteúdo explicativo para mostrar por que pesquisas eleitorais são mais confiáveis do que enquetes.

 

Pesquisas eleitorais são alvos frequentes de críticas e questionamentos de políticos, em especial de candidatos insatisfeitos com suas posições nos resultados de intenção de voto. As redes sociais facilitaram o compartilhamento de outros tipos de levantamento de opinião, inclusive por meio de funções de enquete disponíveis em plataformas como Facebook e Twitter, que por vezes são usados para contestar os institutos de pesquisa.

Um exemplo disso é um vídeo que tem sido compartilhado do comediante Sérgio Mallandro fazendo uma consulta com a plateia em um de seus shows, realizado em 5 de março de 2022. O humorista pede que as pessoas levantem a mão caso tenham intenção de votar em uma série de pré-candidatos à Presidência em 2022: Sergio Moro (PODE), Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Lula (PT) ou Jair Bolsonaro (PL), apresentados nesta ordem.

Algumas pessoas levantam as mãos para os primeiros candidatos mencionados, mas o público irrompe em gritos e aplausos para Bolsonaro, indicando que a maioria dos presentes ali votariam por sua reeleição. O vídeo foi publicado por vários políticos e comentaristas apoiadores do presidente com textos que questionam os resultados dos institutos de pesquisa. O ex-presidente Lula lidera a maioria das pesquisas sobre o cenário nacional, com Bolsonaro em segundo lugar.

Diante dos questionamentos, o Comprova decidiu explicar por que enquetes não podem ser usadas para fazer inferências sobre as intenções de voto da população em geral, e o que as difere das pesquisas eleitorais registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Pesquisas x Enquetes

A principal diferença entre uma pesquisa eleitoral e uma simples enquete está na aplicação dos resultados. A pesquisa pode ser usada para inferir as intenções de voto de um universo maior (toda a população de um país, ou de uma dada região), enquanto a enquete só informa sobre as intenções daquele grupo específico que a respondeu — os resultados não podem ser extrapolados para a população em geral.

Isso porque a pesquisa é feita com uma amostra cientificamente calculada da população, a fim de representar o grupo como um todo e eliminar vieses, segundo explica Oswaldo Amaral, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop-Unicamp). “[A amostragem é feita] a partir de técnicas que vem da análise estatística, da probabilística, que garantem que aquele número de eleitores entrevistados é capaz de dar uma representação relativamente fiel, dentro de uma margem de erro e um índice de confiança, da opinião da população como um todo”, diz o especialista.

Para montar essa amostra, é considerada uma série de critérios (conhecidos na estatística como “variáveis”) para aproximar o grupo de entrevistados da composição real da população, como raça, gênero, escolaridade, ocupação, etc. As variáveis usadas podem diferir entre os institutos de pesquisa. “É como quando você está cozinhando uma sopa”, afirma Amaral. “Você não vai tomar a sopa inteira para ver se ela está salgada ou não. Você mistura bem, deixa ela bem uniforme, e prova apenas um pedacinho. Aquele pedaço que você prova é uma amostra, e aí você pode extrapolar para toda a panela de sopa”.

Similarmente, pesquisas eleitorais entrevistam um grupo reduzido (de centenas ou milhares de pessoas) para inferir a opinião de milhões. O público pode conferir o relatório das pesquisas para avaliar se a amostragem usada pelos institutos foi bem construída, “para avaliar se as pesquisas foram construídas sem defeitos amostrais que possam enviesar os resultados”, diz o professor.

Já as enquetes, que se popularizaram nas redes sociais, não levam em consideração critérios científicos na montagem da amostra, e por isso são vulneráveis a distorções e vieses. Seguindo outro exemplo do professor, imagine que alguém decida realizar uma enquete na porta do Maracanã, no Rio de Janeiro, num dia de jogo do Flamengo contra o Madureira. “99,9% das pessoas vão dizer que torcem para o Flamengo”, diz Amaral, porque o Maracanã é o estádio do Flamengo e do Fluminense. Mas não se pode dizer, a partir desses resultados, que 99,9% das pessoas acompanhando a partida no país — seja pela televisão, rádio ou outros meios — torcem para o Flamengo.

O mesmo problema se aplica à enquete realizada por Sérgio Mallandro, um humorista com histórico de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Em 2018, quando ainda era candidato à Presidência, Bolsonaro compareceu com a família a um show de stand-up de Mallandro. O comediante chamou o então presidenciável ao palco e disse que ele seria eleito se falasse “há ieié glu glu”. Bolsonaro concordou e repetiu as palavras. Depois da eleição, um programa da rádio Jovem Pan chegou a brincar que o presidente devia a sua vitória àquela aparição no show de Mallandro. Durante a crise hídrica de 2021, o governo Bolsonaro escalou o humorista em uma propaganda promovendo a economia de energia.

Considerando esse histórico, é plausível que o público de um stand-up de Sérgio Mallandro conte com uma proporção maior de apoiadores de Bolsonaro do que o todo da população brasileira, o que explica a divergência da sua enquete com os resultados das pesquisas eleitorais. O levantamento feito pelo humorista só serve para saber as intenções de voto de quem estava na plateia naquela noite, e não deve ser usado para fazer inferências sobre o cenário nacional e tampouco para descreditar as pesquisas feitas por institutos sérios.

Isso também vale para enquetes realizadas na internet, seja por meio das redes sociais ou em sites específicos. Conforme o Comprova já mostrou em verificações anteriores (1 e 2), essas enquetes são feitas sem controle da amostra de entrevistados, dependendo da participação espontânea dos respondentes.

Como é feito o questionário

Enquanto enquetes como a feita por Sérgio Mallandro muitas vezes fazem somente uma pergunta sobre a opinião do público, as pesquisas eleitorais levantam também informações sobre raça, idade, profissão, local de moradia e renda familiar dos entrevistados, o que permite a realização de análises que considerem a proporção dessas diferentes variáveis na composição da população.

Pesquisas eleitorais ainda têm um cuidado maior na elaboração das perguntas, conforme explica Rodolfo Costa Pinto, cientista político e diretor do instituto PoderData. “Uma pesquisa envolve várias etapas, a principal sendo a redação do questionário, considerando como cada palavra pode influenciar as escolhas do respondente e como a ordem das questões também pode influenciar as respostas”, disse ao Comprova.

Há também diferentes modalidades de consulta feitas pelos institutos de pesquisa, geralmente aplicadas em um mesmo levantamento. No método espontâneo, o próprio entrevistado indica em quem pretende votar, sem que o entrevistador cite nomes de candidatos. O respondente pode inclusive apresentar o nome de alguém que nem anunciou candidatura. Já no método estimulado (mais próximo do que fez Sérgio Mallandro), o entrevistador apresenta os nomes dos candidatos e pede que o respondente escolha um deles. Também podem ser considerados vários cenários eleitorais, de primeiro e segundo turno, apresentando diferentes combinações de candidatos.

As pesquisas podem ser quantitativas, quando o objetivo é coletar dados e apontar preferências eleitorais. Elas geram os números de intenção de votos e rejeição e são as mais popularmente divulgadas. Mas também há pesquisas qualitativas, que têm intenção de compreender fenômenos e motivações individuais que não são mensuráveis. Essas são utilizadas por partidos e candidatos para definir estratégias de campanha e, apesar de serem registradas no Tribunal Superior Eleitoral, não são divulgadas.

Resultados das pesquisas em eleições passadas

Por serem projeções feitas a partir de uma amostragem, as pesquisas eleitorais estão sujeitas a inconsistências e falhas. Por isso, são acompanhadas sempre de uma margem de erro, que mostra uma possível oscilação nos resultados — geralmente, de 1 a 4 pontos percentuais, para mais ou para menos. Para eliminar essa margem de erro, seria necessário entrevistar todas as milhões de pessoas com idade para votar na cidade, estado ou país, o que é inviável.

Mesmo com essas limitações, nas mais recentes eleições presidenciais no Brasil, os principais institutos de pesquisa chegaram perto do resultado das urnas. Na última pesquisa publicada em 2018, o Ibope apontava que Jair Bolsonaro teria 36% dos votos; Fernando Haddad, 22%; Ciro Gomes, 11%; e Geraldo Alckmin, 7%. Já o instituto Datafolha apontava os mesmos números para Bolsonaro, Haddad e Alckmin, mudando apenas as intenções de voto de Ciro Gomes para 13%. Depois de fechadas as urnas do primeiro turno, Bolsonaro teve 46% dos votos válidos; Fernando Haddad, 29%; Ciro Gomes, 12%; e Geraldo Alckmin, 4%.

No segundo turno, a última pesquisa divulgada pelo Ibope apontava 54% de intenções de voto para Bolsonaro e 46% para Haddad. Já o Datafolha mostrava 55% para Bolsonaro e 45% para Haddad. No resultado final, Bolsonaro teve 55% dos votos válidos e Haddad 44%.

Em 2014, a última pesquisa divulgada antes do primeiro turno pelo Ibope mostrava Dilma Rousseff com 40% das intenções de voto, Aécio Neves com 24% e Marina Silva com 21%. Já o Datafolha divulgou Dilma com 40%, Aécio com 24% e Marina com 22%. Na eleição, Dilma ficou com 41% dos votos válidos, Aécio com 33% e Marina com 22%.

Um levantamento do site Jota reuniu dados de todas as eleições para governador e presidente no Brasil entre 1998 e 2018 e das pesquisas divulgadas por Datafolha, Ibope, Vox Populi e Sensus para avaliar a influência do tempo que separa a realização da consulta e o dia da eleição. A conclusão foi de que pesquisas feitas mais próximas das eleições têm maior grau de acerto dos resultados. As pesquisas realizadas até 80 dias antes da eleição variaram 9 pontos percentuais do resultado real. Depois de 80 dias, esse número caiu progressivamente até 5 pontos percentuais, nos últimos dias antes da eleição.

Essa tendência é natural. Segundo especialistas, pesquisas eleitorais funcionam como “fotografias de um momento” e são mais precisas quando realizadas em série, de modo a acompanhar possíveis mudanças na opinião pública. “O objetivo de uma pesquisa eleitoral não é o de antecipar os resultados da eleição, mas sim o de mostrar o cenário no momento em que foi realizada”, afirmou Marcia Cavallari, diretora-executiva do Ipec (ex-Ibope Inteligência), à Agência Brasil. Quanto mais perto da data da votação, mais difícil é que os eleitores mudem suas escolhas de candidato.

O registro no TSE

Todas as pesquisas eleitorais, para serem divulgadas em ano eleitoral e terem valor legal, devem ser registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Para isso, precisam apresentar o nome de quem contratou o instituto para a realização da pesquisa, o valor pago, a origem do dinheiro, a metodologia utilizada, a amostragem, o sistema de verificação, o nome do estatístico responsável e o questionário que foi apresentado aos entrevistados.

A realização de enquetes ou pesquisas de opinião que não respeitem os parâmetros estabelecidos fica proibida a partir de 1º de janeiro em anos eleitorais, por determinação do TSE. Enquetes eleitorais não podem ser divulgadas em revistas ou jornais, tampouco por meio de redes sociais ou aplicativos de mensagens. Segundo o advogado Thiago Tommasi, especializado em direito eleitoral, mesmo as enquetes como as do vídeo analisado nesta checagem são ilegais e estão proibidas. “Qualquer material de pesquisa eleitoral para ser divulgado precisa respeitar as diretrizes estabelecidas pelo TSE. Fazer pergunta de intenção de voto em show ou qualquer evento público é vedado, assim como a divulgação do vídeo com a manifestação de quem seja”, disse ao Comprova.

Hoje existem cerca de 1.550 registros de empresas ou pessoas aptas a realizar pesquisas eleitorais no Brasil. A maioria realiza consultas qualitativas. Apenas em 2022, até o momento de publicação desta verificação, foram registradas 90 pesquisas no site do TSE, sendo 44 em âmbito nacional e 46 em estados.

Por que explicamos: O Comprova verifica conteúdos suspeitos que viralizam na internet sobre a pandemia da covid-19, políticas públicas e as eleições presidenciais deste ano. O foco é analisar publicações virais, que tiveram grande alcance nas redes sociais e podem confundir a população. Pesquisas eleitorais podem influenciar eleitores na escolha de um candidato antes da votação. É importante, portanto, que não sejam confundidas com enquetes sem método científico, que incluem possíveis vieses e distorções e não refletem o cenário nacional.

Alcance da publicação: Até o dia 16 de março, o vídeo da enquete no show de Sérgio Mallandro reuniu mais de 1 milhão de visualizações, juntando os números de apenas seis publicações no Facebook e Twitter. O conteúdo também circulava no WhatsApp.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já mostrou em outras verificações que enquetes realizadas em sites e por meio das redes sociais não têm valor científico e não podem ser usadas para determinar as intenções de voto da população como um todo.

Saúde

Investigado por: 2022-03-15

Pfizer pagou FDA e Anvisa para inscrição em processo de análise, não para aprovação da vacina

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o tuíte que insinua que a Pfizer pagou pela aprovação da vacina contra a covid-19 para a Food and Drug Administration (FDA) e também para Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ambos órgãos cobram taxas a serem quitadas para análise técnica e clínica de produtos, mas o pagamento não interfere no resultado final.

Conteúdo verificado: Uma publicação feita no Twitter sugere que a Pfizer pagou para que a FDA aprovasse o imunizante da empresa contra a covid-19. O autor da postagem mostra um print screen de um documento que cita uma transferência de US$ 2,8 milhões feita pela empresa ao órgão americano. Também é sugerido que a farmacêutica pagou para que a Anvisa aprovasse o uso do imunizante no Brasil.

Onde foi publicado: Twitter

Conclusão do Comprova: É enganoso que a FDA e a Anvisa tenham recebido pagamento da Pfizer/BioNTech para aprovação da vacina contra a covid-19 nos Estados Unidos e no Brasil, conforme sugere um post no Twitter.

Diferente do que indica o autor da publicação, o documento mostrado não é uma prova de que a Pfizer pagou para a FDA aprovar o imunizante. O que o documento mostra na verdade é um pagamento feito pela empresa como taxa de usuário, valor cobrado para submeter o produto para análise. A publicação verificada mostra a frase incompleta, não apresentando o trecho que cita o motivo desse pagamento.

Ao Comprova, a FDA informou que o valor foi usado para financiar uma revisão independente dos dados clínicos da vacina ComiRNAty, produzida pela Pfizer/BioNTech. O órgão disse também que essa análise não interferiu na integridade científica e na segurança da população. Esse tipo de cobrança é amparada por uma lei federal americana, de outubro de 1992.

Já a Anvisa informou que cobra uma Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária (TFVS) para a utilização de diferentes serviços da agência, inclusive para solicitar a aprovação de medicamentos. O pagamento, segundo o órgão, não interfere no resultado final da avaliação.

Também em nota, a Pfizer informou que tem a política global de não comentar documentos que circulam ou viralizam em redes sociais. A empresa argumentou que tanto Anvisa quanto FDA cobram taxas específicas para diferentes avaliações realizadas pelas agências.

No texto, a Pfizer destacou ainda que a aprovação de sua vacina por agências reguladoras internacionais e pela Anvisa ocorreu “por meio da análise robusta de documentos contendo informações técnicas dos estudos conduzidos”.

Para o Comprova, enganoso é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor, confundindo o público, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

O que diz o autor da publicação: O autor da postagem é Frank César. No Twitter, ele se apresenta como CEO e editor-chefe de um site que publica conteúdo de apoio ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Procurado pelo Comprova, Frank disse que não se posicionará sobre a conclusão que a equipe chegou após a verificação do conteúdo.

Como verificamos: Por meio de pesquisas na internet, o documento foi encontrado no site do Public Health and Medical Professionals for Transparency Documents (PHMPT). A entidade reúne profissionais de saúde pública e cientistas para divulgar os dados em que a FDA se baseia para licenciar os imunizantes contra o coronavírus.

O grupo PHMPT fez um pedido de Lei de Acesso à Informação para obter informações sobre a autorização de uso da ComiRNAty em pessoas com mais de 16 anos nos Estados Unidos. As informações foram confirmadas pelo FDA em resposta ao Comprova.

O texto é descrito como a primeira parte da inscrição original à aprovação de licença biológica, que autoriza a utilização do imunizante na faixa etária determinada. O documento indica que foi enviado no dia 6 de maio de 2021. Meses depois, em 23 de agosto de 2021, a vacina da Pfizer/BioNTech foi a primeira a ser aprovada nos Estados Unidos pelo FDA, conforme foi divulgado no site do órgão.

Buscamos também a Anvisa e a Pfizer para esclarecer o processo de aprovação de medicamentos.

A equipe também tentou contato com o autor das publicações por meio das redes sociais, mas ele disse que não comentaria o caso.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 15 de março de 2021.

 

Pagamento à FDA

No fim da primeira página do documento, é demonstrado que a agência de regulação recebeu um pagamento de U$ 2.875.842,00 por parte da Pfizer no dia 5 de maio de 2021. O dinheiro foi destinado ao Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. No texto, é descrito que a quantia é para a aplicação da taxa de usuário. No conteúdo investigado, porém, a frase está pela metade e não mostra o trecho que cita o motivo do pagamento. O valor é superior a R$ 14 milhões, segundo a cotação de 14 de março de 2022.

Para o Comprova, a FDA certificou que o pagamento foi apresentado como uma taxa de usuário. Esse tipo de pagamento faz parte do “Prescription Drug User Fee Act (PDUFA)”, criado pelo Congresso dos Estados Unidos em 1992

O valor pago, segundo o órgão, financia a revisão independente dos dados da vacina. Isso “sem atrapalhar o compromisso da agência com a integridade científica, a saúde pública, as normas regulamentares, a segurança dos pacientes e a transparência”.

O texto autoriza que a FDA cobre taxas de empresas que produzem certos medicamentos e produtos biológicos. “Desde a aprovação, as taxas de uso têm desempenhado um papel importante na agilização do processo de aprovação de medicamentos”, informa o site da FDA.

O dinheiro, de acordo com a lei, deve ser usado para custear os recursos usados no processo de aprovação. Isso inclui o pagamento de funcionários e de consultores, a criação de comissões de análise e a aquisição de equipamentos de informática e científicos.

Os valores das taxas exibidos no site da FDA são:

A quantia paga pela Pfizer equivale à taxa de inscrição com dados clínicos obrigatórios em 2021. Um pedido de medicamento humano, em que não seja necessário apresentar dados clínicos sobre segurança ou eficácia para aprovação, custa metade desse montante. Os valores são relativos à data de envio do pedido e são os mesmos para todas as solicitações, independentemente de qual empresa se trata.

Aprovação de medicamentos pela Anvisa

A aprovação de medicamentos pela Anvisa passa por pelo menos três grandes áreas. Elas estão descritas na Lei nº 5.991/1973:

  • Gerência Geral de Medicamentos (avalia aspectos de segurança e eficácia),
  • Gerência Geral de Inspeção e Fiscalização Sanitária (avalia qualidade, certificação e linhas de produção do medicamento);
  • Gerência de Farmacovigilância (avalia o plano de monitoramento de possíveis efeitos adversos após a aprovação do remédio).

A partir da avaliação positiva dos aspectos obrigatórios, o registro do medicamento é aprovado pela Gerência Geral de Medicamentos. No caso dos medicamentos em Autorização de Uso Emergencial, a aprovação é feita pela Diretoria Colegiada da Anvisa.

A empresa cobra uma TFVS, valor pago para a utilização de qualquer serviço da agência. O valor varia de acordo com o porte da empresa e com o serviço solicitado. Esse pagamento é previsto pela lei 9.782/99.

Essa taxa é paga no momento em que o interessado faz uma petição à Anvisa, antes da análise. “A taxa é paga antes que o processo técnico se inicie e independentemente do resultado da análise, seja de aprovação ou negativa”, esclareceu o órgão ao Comprova.

O que diz a farmacêutica

Em nota, a Pfizer informou que tem política global de não comentar documentos que circulam ou viralizam em redes sociais. A empresa informou que, assim como todas as farmacêuticas, segue a Resolução nº 222/2006 da Anvisa, que determina o pagamento de taxas específicas para cada tipo de avaliação a ser realizada pela agência, como estudos clínicos, aprovação de medicamentos e vacinas, inspeção de fábricas, alterações em bula.

A Pfizer destacou que as taxas variam de US$ 3.514,32 a US$ 157.416,00, conforme determinação da agência. De acordo com a empresa, a FDA tem esse mesmo processo de pagamento de taxas, definidas pela agência regulatória americana e aplicada a todas as indústrias farmacêuticas dos Estados Unidos.

“A aprovação da vacina ComiRNAty pelas agências regulatórias internacionais e pela Anvisa aconteceu por meio da análise robusta de documentos contendo informações técnicas dos estudos conduzidos”, argumentou.

 

Por que investigamos: O Comprova verifica conteúdos suspeitos que viralizam na internet sobre a pandemia da covid-19, políticas públicas e as eleições presidenciais deste ano. O foco é analisar publicações virais, que tiveram grande alcance nas redes sociais e podem confundir a população.

O conteúdo verificado engana o leitor ao induzir que a aprovação da vacina contra a covid-19 depende de pagamentos aos órgãos de regulação sanitária, como a Anvisa e a FDA. Além disso, a publicação não indica o contexto do documento, permitindo uma interpretação equivocada.

Alcance da publicação: Até o dia 14 de março, a postagem tinha 3.290 curtidas, 1.270 compartilhamentos e 100 comentários.

Outras checagens sobre o tema: Em relação à pandemia, o Comprova verificou recentemente que post tira dados de contexto para sugerir que vacinados são mais vulneráveis à covid e que um estudo feito em Itajaí não prova eficácia de ivermectina contra covid-19.

Política

Investigado por: 2022-03-14

Ambulâncias da Bahia com adesivo do SUS não foram compradas pelo governo federal

  • Falso
Falso
É falso que o governo da Bahia tenha recebido ambulâncias do governo federal e sinalizado os veículos apenas com símbolos da gestão estadual por questões eleitorais, como afirma vídeo que viralizou no TikTok. Segundo a Secretaria de Saúde do Estado, os veículos foram comprados com recursos próprios e de emendas de parlamentares baianos.

Conteúdo verificado: Vídeo mostra ambulâncias, vans e micro-ônibus no estacionamento da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab); homem afirma que veículos foram comprados pelo governo federal e que o governo da Bahia colocou a própria logomarca e escondeu as ambulâncias para entregar em período eleitoral.

Onde foi publicado: No TikTok

Conclusão do Comprova: É falso que vans e ambulâncias estacionadas em frente à Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) tenham sido compradas pelo governo federal e estejam sendo escondidas pela gestão estadual para que sejam entregues em período de eleição. Os veículos possuem logomarca do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Governo do Estado da Bahia e aparecem em um vídeo viral postado primeiro no Facebook, no dia 7 de março de 2022, e depois no TikTok. Ao mostrar os veículos, o homem que narra as imagens mente ao afirmar que os equipamentos, por serem do SUS, foram comprados pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).

As imagens foram mesmo feitas no estacionamento da Sesab, que fica no Centro Administrativo da Bahia (CAB), em Salvador. Além de ambulâncias, também aparecem vans e micro-ônibus com a identidade visual de policlínicas. Os veículos possuem a logomarca do governo da Bahia porque foram comprados com recursos do tesouro estadual, além de emendas parlamentares de deputados federais e estaduais da Bahia, segundo informou a Sesab.

Além disso, o fato de as ambulâncias possuírem a logomarca do SUS não significa, necessariamente, que elas tenham sido compradas pelo governo federal. A Constituição de 1988 determina que os investimentos no Sistema Único de Saúde sejam feitos com recursos “da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

O que diz o autor da publicação: O autor do vídeo, que se identifica como Ernando Peixoto, foi procurado, mas não respondeu até a publicação deste texto.

Como verificamos: No vídeo que viralizou no TikTok, o homem que filma as ambulâncias diz que seu nome é Ernando Peixoto. A partir de uma busca pelo nome, conseguimos achar várias informações sobre ele, inclusive em verificações anteriores de agências de checagens. Nas redes sociais do autor, fizemos uma busca pelo termo ambulâncias e encontramos vários vídeos que ele fez com teor parecido ao verificado pelo Comprova.

Para checar as afirmações do vídeo, entramos em contato com a Secretaria de Saúde da Bahia e com o Ministério da Saúde. Também fizemos buscas em fontes oficiais para entender como funciona o financiamento do SUS e como outros estados adesivam ambulâncias adquiridas pelo poder público estadual.

 

Ambulâncias foram compradas pelo governo da Bahia

As ambulâncias, vans e micro-ônibus que aparecem nas imagens feitas no estacionamento da Sesab, em Salvador, não possuem logomarca do governo federal porque não foram compradas pela União, e sim pelo estado da Bahia. Por e-mail, a Sesab informou que “as ambulâncias que aparecem no vídeo são adquiridas pela Secretaria da Saúde do Estado com recursos do tesouro estadual, recursos de emendas parlamentares destinadas por deputados federais baianos e também com recursos de emendas parlamentares de deputados estaduais”. No caso dos recursos das emendas federais que saíram do Orçamento da União, a decisão de destinar esse dinheiro partiu dos parlamentares, não do governo federal, que não foi o responsável pela compra, como sugere o vídeo.

Além das ambulâncias, há nas imagens vans e micro-ônibus. No caso das vans, elas serão utilizadas para o transporte sanitário de pacientes que serão atendidos nas Policlínicas Regionais de Saúde. Assim como os micro-ônibus, elas seguem no estacionamento da pasta e serão destinadas aos municípios à medida que as policlínicas que estão em construção forem entregues. Há atualmente 21 policlínicas em funcionamento e três em construção, nas cidades de Ilhéus, Santa Maria da Vitória e São Francisco do Conde.

Somente este ano, o governo do estado entregou 126 ambulâncias do tipo van, como as que aparecem nas imagens, a municípios baianos. Cada uma custou R$ 205 mil, totalizando um investimento de R$ 25,8 milhões. Foram três grandes remessas, sendo uma entrega de 28 ambulâncias em janeiro, outra de 31 em fevereiro e mais uma de 42 em 7 de março, mesmo dia em que o vídeo foi postado na conta do autor das imagens no Facebook. Outras 25 ambulâncias foram entregues de forma pontual em municípios baianos.

O Comprova perguntou ao Ministério da Saúde se ambulâncias foram compradas e enviadas este ano para a Bahia, quais as exigências para padronização dos veículos deste tipo e quem pode utilizar a logomarca do SUS em seus veículos. A pasta não respondeu se enviou veículos para a Bahia e se limitou a informar que existe uma padronização visual específica para veículos do SAMU 192 – que não é o caso dos que aparecem no vídeo – e que o SUS é tripartite. “Portanto, a logomarca do SUS pertence às esferas municipais, estaduais e Federal, podendo ou não envolver recursos federais, ou até recursos de mais de uma esfera de gestão”, diz nota.

Veículos não estão escondidos

No vídeo, o autor afirma que as ambulâncias foram escondidas pelo governo da Bahia para serem entregues em período eleitoral. Sem precisar um número exato, a Sesab informou que a maioria das ambulâncias que aparecem nas imagens já foi entregue. Além das vans e micro-ônibus, pelo menos sete ambulâncias foram filmadas.

Além disso, não é razoável afirmar que elas estão escondidas. Ao fundo do vídeo é possível ver um prédio amarelo, a sede da Sesab, que fica na 4ª Avenida do Centro Administrativo da Bahia, em Salvador. O local é aberto e pode ser acessado por qualquer pessoa, uma vez que circulam pelo CAB até mesmo ônibus do transporte público.

Em nota, a Sesab informou que os veículos ficam no estacionamento “apenas o tempo necessário para que sejam feitos os trâmites de licenciamento/emplacamento junto ao órgão de trânsito”.

O que é o SUS e quem financia?

Um argumento utilizado pelo homem que narra as imagens é que as ambulâncias possuem a logomarca do SUS – logo, os veículos teriam que ter sido comprados pelo governo federal. Mas isso não é verdade. O Sistema Único de Saúde foi criado pela Constituição Federal de 1988 como um regime tripartite, o que significa que União, estados e municípios são gestores em conjunto do sistema, cada um deles com suas funções. Os três níveis são responsáveis pelo financiamento do SUS, como determina o artigo 198 da Constituição.

Pela Lei Complementar 141/12, governos estaduais devem aplicar no SUS pelo menos 15% do que arrecadam. Para os municípios, esse percentual mínimo é de 12%. No caso do governo federal, a conta é um pouco mais complexa. A União deve aplicar o mesmo valor gasto no ano anterior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Nos anos em que o PIB for negativo, porém, o valor gasto com saúde no ano anterior não poderá ser reduzido.

O Ministério da Saúde diz ser responsável por metade do dinheiro investido em saúde pública no Brasil, com a outra metade dividida entre estados e municípios. Além de financiar a saúde, a União tem a função de criar políticas públicas nacionais para o setor, elaborar normas e fazer o planejamento estratégico da saúde. A execução dessas ações é feita, na ponta, pelas secretarias estaduais e municipais de saúde.

Durante a pandemia, em 2020, o gasto dos estados com saúde cresceu em ritmo superior ao dobro da taxa de aumento das receitas correntes.

Padrão de identidade visual

O Comprova buscou por um padrão de identidade visual em ambulâncias e encontrou, em sites do governo federal, apenas modelos para plotagem (sinalização utilizando desenhos e linhas) de ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Nestas, aparece o nome do Ministério da Saúde e também a logomarca do governo federal, como mostram estas imagens de ambulâncias de Santa Catarina.

Não é o caso de ambulâncias comuns utilizadas nos estados e municípios. Além das ambulâncias da Bahia, as de estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Amazonas não possuem logomarca do governo federal, e sim de seus governos estaduais e do SUS, como mostram as imagens a seguir.

São Paulo:

Rio de Janeiro:

Minas Gerais:

Amazonas:

 

Quem é o autor do vídeo?

O autor do vídeo aqui verificado se identifica no final da gravação como Ernando Peixoto. Ele foi candidato em seis eleições na Bahia, a maioria delas a vereador de Salvador, mas nunca se elegeu. Não é a primeira vez que ele espalha desinformação nas redes sobre serviços de saúde: em 2020, a Agência Lupa mostrou que era falso outro vídeo em que Peixoto afirmava que ambulâncias enviadas pelo governo federal não tinham sido entregues aos municípios pelo governo baiano – as ambulâncias, na verdade, não tinham sido compradas pelo governo federal.

Ele já foi processado pelo governo da Bahia porque teria sido o autor de um conteúdo falso que o presidente Jair Bolsonaro encaminhou, em abril de 2020, ao então ministro da Justiça Sergio Moro. No vídeo, gravado em frente ao Hospital Espanhol, em Salvador, ele fez uma vinculação entre o Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde (INTS), que passou a administrar o hospital durante a pandemia, e o senador Otto Alencar (PSD).

Peixoto também já foi checado antes pelo Comprova. Em setembro de 2020, o mesmo homem publicou em suas redes sociais um vídeo em que implorava para acessar o Porto da Barra, uma das praias mais frequentadas de Salvador que, naquela ocasião, ainda tinha o acesso bloqueado para banhistas por conta da pandemia. Outras praias próximas, contudo, já estavam com o acesso liberado.

 

Por que investigamos: O Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre as eleições de 2022, as políticas públicas do governo federal e a pandemia de covid-19. A checagem de conteúdos sobre a eleição é importante para evitar que o eleitor tome uma decisão de voto influenciado por informações falsas, o que é danoso para a democracia.

Alcance da publicação: O vídeo verificado teve mais de 9,4 mil interações no TikTok.

Outras checagens sobre o tema: Recentemente, o Comprova publicou várias verificações sobre vídeos que tratavam das eleições brasileiras ou de pré-candidatos. As publicações mostraram ser falso que um apresentador americano riu de pesquisa eleitoral brasileira; enganosa a comparação entre casas de comunidade do Rio Grande do Norte atribuídas a Bolsonaro e ao ex-presidente Lula; e que vídeos com ataques do presidente da Rússia, Vladimir Putin, contra Bolsonaro eram humorísticos.

Eleições

Investigado por: 2022-03-11

Quadro valioso jamais desapareceu do acervo do Planalto, ao contrário do que afirma post

  • Falso
Falso
A Presidência da República nega que o quadro do pintor Frank Schaeffer tenha desaparecido, como afirmam publicações no WhatsApp e em redes sociais. Ele faz parte do acervo presidencial desde 1976. Também não há nenhum registro em veículos de comunicação – do Brasil e do exterior – sobre suposta operação da Interpol relacionada à obra.
  • Conteúdo verificado: Tuíte diz que a Interpol teria encontrado um quadro que desapareceu do Palácio do Planalto. A obra seria do pintor Frank Schaeffer e teria sido encontrada com o milionário Gianluca Vacchi. Segundo o boato, o empresário teria comprado o quadro de um homem chamado “Inácio da Silva”, sobrenome do ex-presidente Lula.

É falso que um quadro do pintor brasileiro Frank Schaeffer tenha desaparecido do acervo do Palácio do Planalto durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2003 e 2010. O boato é antigo e já foi desmentido por agências de checagem, mas voltou a circular no WhatsApp e nas redes sociais.

Parte das postagens traz o texto impresso em uma folha de papel. Não foi possível saber se trata-se de um jornal ou de um panfleto, nem a sua origem. A nota afirma que a Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) encontrou um quadro avaliado em mais de US$ 7 milhões que estava desaparecido do Palácio do Planalto. Há também casos de postagens que têm o conteúdo apenas em texto.

No entanto, a Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR) informou que a obra “Máquina” faz parte do acervo desde 1976, é a única pintura de Schaeffer no conjunto e não está desaparecida. Por telefone, a assessoria ainda reforçou que o quadro “nunca esteve desaparecido”.

O Comprova classificou o conteúdo como falso porque é inventado e foi divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Entramos em contato com a Presidência da República para confirmar se o quadro pertencia ao seu acervo e se havia desaparecido. Também procuramos notícias sobre a suposta operação da Interpol.

Verificação

As mensagens de WhatsApp e postagens em redes sociais que circulam com o conteúdo falso afirmam que um quadro de Frank Schaeffer avaliado em US$ 7 milhões desapareceu do acervo do Palácio do Planalto durante a gestão de Lula e foi encontrado pela Interpol em uma mansão de um milionário italiano chamado Gianluka Vachy. A grafia correta do nome do empresário é Gianluca Vacchi. Além disso, o nome do pintor brasileiro também aparece com erro, ele é chamado de Franky Schayffyr.

| Obra ‘Máquina’, presente no acervo da presidência da República (Divulgação)

A postagem diz ainda que o italiano teria comprado o quadro em uma galeria de arte por US$ 4,9 milhões e que no recibo consta o nome de Inácio da Silva, residente em São Bernardo do Campo, Brasil. Estes são o segundo nome e o sobrenome do ex-presidente Lula e São Bernardo do Campo era onde ele morava. O texto ainda acrescenta o questionamento: “Quem será este Inácio da Silva???”.

Em nota encaminhada ao Comprova, a SGPR informou que a obra ‘Máquina’ integra o acervo histórico e artístico da Presidência da República desde 1976 e é a única de Schaeffer registrada até a presente data. “E não há quadro deste artista, no acervo da Presidência da República (PR), que esteja desaparecido”, ressaltou. Por telefone, a assessoria reforçou que o quadro “nunca esteve desaparecido”.

A equipe do Comprova fez buscas no Google com as palavras-chave “Interpol”, “painting”, “Frank Schaeffer”, “Italy” e “Gianluca” (veja aqui e aqui), mas não encontrou nenhuma notícia em veículos de imprensa sobre o assunto. Isso é um indicativo de conteúdo falso, já que uma informação como essa seria noticiada.

Frank Schaeffer foi um pintor e ilustrador brasileiro nascido em Belo Horizonte, em 1917. Ele cursou desenho em Viena, na Áustria, e formou-se em engenharia pela Escola Nacional de Engenharia.

A série de obras ‘Máquina’ foi exposta na 7ª e na 8ª Bienal de Arte de São Paulo.

Por que investigamos?

O Comprova checa conteúdos com alto grau de viralização sobre pandemia, eleições e políticas públicas do governo federal. O conteúdo verificado aqui foi solicitado para checagem por leitores pelo WhatsApp (11) 97045-4984.

Este boato já foi checado anteriormente por Estadão Verifica, Aos Fatos, Lupa e Boatos.org.

O ex-presidente Lula é apontado pelas pesquisas eleitorais (veja aqui, aqui e aqui) como o candidato favorito, no momento, para ganhar as eleições presidenciais. Postagens com acusações falsas distorcem as percepções dos eleitores sobre os candidatos e minam o processo eleitoral.

O Projeto Comprova já mostrou ser falso que Lula seja acionista do jornal Folha de S. Paulo ou que ele tenha sido ofendido por músicos na França. Também mostramos ser falso que uma MP assinada por Bolsonaro impeça tratamento contra o câncer em planos de saúde e que uma empresa de Belo Horizonte projetou mensagem de apoio ao presidente na fachada de seu prédio.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2022-03-09

MP assinada por Bolsonaro não impede atendimento de pessoas com câncer

  • Falso
Falso
É falso que o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou uma Medida Provisória que limita os planos de saúde a cobrir apenas tratamentos listados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) como afirma postagem no Twitter. A Conitec não regulamenta ações dos planos de saúde e sim do SUS. Além disso, diferentemente do que diz a publicação, a lei sancionada pelo chefe do Executivo estabelece novos prazos para liberação de terapias e cria uma nova comissão para analisar os procedimentos.
  • Conteúdo verificado: Publicação que afirma que Jair Bolsonaro assinou uma Medida Provisória permitindo que planos de saúde só cubram tratamentos listados pela Conitec. O autor do post diz ainda que a Comissão foi responsável por autorizar o uso da cloroquina no Brasil.

É falso o que afirma uma publicação feita no Twitter sobre a Medida Provisória n° 1.067, que atualiza a cobertura de saúde complementar, que é a atuação da iniciativa privada, planos de saúde, no sistema único de saúde. O post mistura informações sobre os órgãos responsáveis pela regulamentação dos planos de saúde e diz incorretamente que pessoas com câncer e doenças raras ficarão sem tratamento.

O texto da MP, que virou lei no começo do mês, traz novos prazos para a inclusão de tratamentos no rol do que é ofertado pelo sistema de saúde privado. Antes sem prazo definido, os processos administrativos para a inclusão de novos tratamentos ou medicamentos deverão acontecer em até 180 dias. Tratamentos para câncer e outras doenças raras já estão contempladas.

O autor afirma ainda que a Conitec liberou o uso da cloroquina no tratamento da covid-19, o que não aconteceu. Questionado a respeito das fontes que utilizou para a publicação, ele não respondeu a equipe.

Para o Comprova a publicação é falsa, pois modifica o contexto de uma informação e omite dados para provocar um entendimento e uma interpretação que altera a realidade dos fatos.

Como verificamos?

Primeiro buscamos identificar de qual MP o autor da postagem falava. Consultamos os termos “planos de saúde”, “MP” e “câncer” no Google e chegamos a publicações sobre o tema nos sites do Senado Federal e da Câmara de Deputados. Também encontramos informações sobre a MP no Diário Oficial da União.

Em um segundo momento, solicitamos uma posição sobre a MP com o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O Ministério da Saúde retornou informando que a postagem era enganosa e sugerindo links de leitura sobre a MP sancionada. O órgão informou também que o SUS continua a ofertar tratamento e assistência integral aos pacientes com doenças raras e câncer.

Procuramos no site da Conitec arquivos relacionados a cloroquina e a covid-19. Encontramos o relatório de recomendação que foi publicado na íntegra, em novembro de 2021. No documento, fizemos uma pesquisa pela palavra “cloroquina” e encontramos a parte do texto em que a Conitec desaconselha o uso do medicamento para tratar a doença.

Questionamos também o autor do post por meio de mensagem direta no seu perfil do Instagram. Ele não deu retorno para a equipe até a publicação desta verificação.

Verificação

Medida provisória virou lei

A publicação se refere à Medida Provisória 1.067/21. O texto resultou na Lei 14.307 sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no dia 3 de março deste ano e publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte. A medida foi aprovada em fevereiro pelo Congresso Nacional.

A nova legislação altera um trecho da Lei nº 9.656, que dispõe sobre os planos e seguros de saúde privados. Na prática, ela atualiza a lista de procedimentos e eventos de saúde no âmbito da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e cria a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos na Saúde Suplementar.

Conforme a lei, essa atualização de procedimentos da ANS será realizada por meio de um processo administrativo. A análise tem prazo de 180 dias, prorrogáveis por outros 90, a partir da data em que foi protocolado o pedido.

Se a agência não se manifestar neste prazo, o tratamento é incluído automaticamente no rol até que haja uma decisão definitiva.

O prazo é menor para os medicamentos usados no tratamento oral do câncer. Neste caso, as medicações que já tenham sido aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tem prazo de 120 dias, prorrogáveis por mais 60, para serem incluídos pela ANS no rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.

O texto estabelece ainda que esse tipo de medicação deve ser entregue ao paciente ou representante legal dez dias após a prescrição médica.

A MP foi editada pelo chefe do Executivo após o veto ao PL 6.330/2019 em setembro de 2021. O projeto de lei queria incluir o tratamento oral do câncer na cobertura obrigatória dos planos de saúde mesmo sem aprovação da ANS. Outro ponto era o prazo de 48h para que o paciente recebesse a medicação após a prescrição.

O veto foi mantido pelos senadores e deputados em fevereiro deste ano, como um acordo para a aprovação da MP 1.067/21.

ANS regulamenta planos de saúde

O órgão responsável pela regulamentação dos planos de saúde no Brasil é a ANS, vinculada ao Ministério da Saúde. A Agência define uma lista de consultas, exames e tratamentos que os planos de saúde são obrigados a oferecer. Essa lista é chamada de Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.

Já a Conitec é responsável por auxiliar o Ministério da Saúde no processo de inclusão, exclusão ou modificação de tecnologias em saúde no SUS. O órgão também atua na elaboração ou revisão de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT).

A medida provisória assinada determina a criação de um órgão auxiliar semelhante à Conitec para atuar junto à ANS e seria formado por, no mínimo, membros dos conselhos federais de medicina, odontologia e enfermagem.

A Conitec e cloroquina

Em novembro de 2021, a Conitec lançou um relatório de recomendação para tratamento da covid-19. Nele, a Comissão afirma que a cloroquina e a hidroxicloroquina não possuem “benefício clínico” para o tratamento da covid. Além desses medicamentos, ela também afirma que o uso de anticoagulantes, budesonida, colchicina, ivermectina, nitazoxanida e plasma convalescente não são indicados.

“Por sua vez, azitromicina e hidroxicloroquina não mostraram benefício clínico e, portanto, não devem ser utilizados no tratamento ambulatorial de pacientes com suspeita ou diagnóstico de covid-19”, diz o texto.

Logo, é falso que a Conitec tenha autorizado o uso da cloroquina para a covid. Posteriormente, o Ministério da Saúde decidiu não acatar a recomendação da Comissão e manteve a liberação para que os médicos receitem os remédios ineficazes.

Tratamento de câncer no Brasil

A Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) foi aprovada em 16 de maio de 2013 e continua em vigor. A Lei 14.307 não alterou o atendimento de doenças raras e de câncer pelo SUS.

O Brasil tem 317 unidades de centros de assistência habilitados no tratamento do câncer. Todos os estados brasileiros têm ao menos um hospital especializado em oncologia.

Planos de saúde e o Rol de procedimentos da ANS

Desde setembro de 2021 acontece na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgamento para estipular se os planos de saúde devem ou não custear procedimentos e medicamentos que não estejam contemplados no rol de serviços e medicamentos da ANS. O julgamento foi adiado pela segunda vez dia 23 de fevereiro deste ano e não tem prazo para voltar à pauta.

O tribunal decide se as operadoras devem pagar por tratamentos que não estejam previstos na lista de cobertura obrigatória elaborada pela Agência Nacional de Saúde. Hoje, quando algo não está previsto no rol da ANS é possível entrar com uma ação contra o plano de saúde e conseguir que o medicamento ou tratamento seja custeado pelo plano.

O STJ determina a jurisprudência de temas, estabelece a linha que as decisões de todos os juizes devem seguir. Em setembro, o relator do caso votou no sentido de que o Rol da ANS tem caráter taxativo. Com isso as operadoras não deveriam ser obrigadas a cobrir tratamentos e procedimentos não previstos na lista. A primeira ministra a votar foi contra o relator e a favor que os planos cubram até o que não estiver na lista de procedimentos.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia do coronavírus, políticas públicas e as eleições.

A publicação verificada engana ao misturar informações sobre políticas públicas relacionadas ao atendimento de planos de saúde. De acordo com a ANS, 48,4 milhões de pessoas usavam esse tipo de serviço até o ano passado. O post conseguiu altos números de alcance. No Twitter foram 3.275 curtidas, 1.027 retweets e 83 comentários, somando mais de 4 mil interações.

O Comprova já mostrou em verificações anteriores que o governo Bolsonaro não investiu em bateria de nióbio para carros elétricos e que a minirreforma não tiraria direitos de todos os trabalhadores, como dá a entender vídeo no TikTok.

Falso para o Comprova é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Saúde

Investigado por: 2022-03-09

Proporção de mortes por covid é maior entre não vacinados no Reino Unido, diferentemente do que insinua post

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma postagem no Telegram que usa dados brutos, sem investigação de casos relatados, de um relatório do sistema de saúde britânico para sugerir que pessoas vacinadas morrem mais por covid-19 do que não vacinadas. No período contemplado pelo levantamento, a maioria da população britânica (69,4%) já havia recebido pelo menos uma dose do imunizante, de forma que os dados sobre mortes precisam ser analisados proporcionalmente. Pessoas não vacinadas são minoria em números absolutos, mas têm mais chances de morrer pela doença, como o próprio relatório aponta.
  • Conteúdo verificado: Post que circula no Telegram alega que dados de um relatório do governo do Reino Unido provam que pessoas “totalmente vacinadas” contra a covid-19 representam 9 de cada 10 óbitos pela doença registrados no país. A mensagem apresenta um gráfico com o número de mortes por status de vacinação e um link para um texto em português que comenta estes e outros dados sobre óbitos, hospitalizações e casos de covid-19 na Inglaterra.

É enganosa uma mensagem que circula no Telegram e apresenta dados de um relatório divulgado pelo governo do Reino Unido para afirmar que pessoas vacinadas contra a covid-19 representam 9 em cada 10 mortes pela doença no país. A publicação se baseia em dados brutos e tira de contexto as informações do boletim, além de fazer comparações desproporcionais entre as parcelas da população vacinada e não vacinada. Na Inglaterra, cerca de 70% da população já tomou ao menos uma dose da vacina. O mesmo não ocorre em comparações relativas, que mostram que, proporcionalmente, não vacinados morrem mais.

Os dados do post aqui verificado estão em uma publicação divulgada em 24 de fevereiro de 2022 pela United Kingdom Health Security Agency (UKHSA), a Agência de Segurança Sanitária do Reino Unido. O texto do Telegram, no entanto, faz interpretações erradas e omite informações relevantes contidas no relatório.

O próprio boletim alerta que é impossível julgar a efetividade da vacina a partir da análise desses dados brutos, como fez o post do Telegram, e ressalta que uma interpretação correta dos números (que leve em consideração tanto a proporção da população vacinada quanto o perfil dessa população) é essencial. “Estes dados são publicados para ajudar a entender as implicações da pandemia, para o NHS [o Serviço Nacional de Saúde inglês], por exemplo, compreender as cargas de trabalho nos hospitais, e para ajudar a entender onde priorizar a entrega da vacina”, diz trecho do relatório.

Outro trecho do documento menciona ainda que as taxas de mortes por 100 mil habitantes são sempre menores na população vacinada do que na não vacinada, em qualquer faixa etária.

A mensagem foi compartilhada por um canal chamado “ACTUS LIBERANDI” no Telegram no dia 1 de março de 2022. O autor apresenta ainda um link para um texto repercutindo estes e outros dados presentes no relatório da UKHSA. O texto, em português, é uma tradução de uma publicação do site inglês The Exposé, que já foi alvo de outras verificações por compartilhar desinformação sobre a pandemia. Em novembro de 2021 e janeiro de 2022, por exemplo, a agência Lupa classificou como falsas duas publicações sobre a pandemia feitas pelo site.

O Comprova não conseguiu contato com o canal responsável pela postagem. A equipe também procurou pelo nome do perfil em outras redes sociais, mas não encontrou resultados.

O conteúdo foi considerado enganoso porque oculta a limitação da base de dados do relatório do governo britânico, além de fazer comparações desproporcionais.

Como verificamos?

Para verificar o conteúdo, o Comprova acessou o site da UKHSA e buscou a página onde são publicados os boletins semanais de acompanhamento dos casos e óbitos da covid-19 na Inglaterra.

Fazendo uma comparação entre os dados expostos nos relatórios do governo britânico e os que estavam presentes no post do Telegram, foi possível atestar que, apesar de utilizar números reais, o texto que circula na rede social os interpreta de maneira equivocada e omite informações importantes dos boletins.

A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) foi procurada para contribuir com a avaliação dos dados e da eficácia das vacinas contra a covid-19.

O Comprova não conseguiu contato com o autor da postagem no Telegram. A mensagem foi disparada em um canal chamado “ACTUS LIBERANDI”, dentro do aplicativo de mensagens, por onde não foi possível contatar o autor do post. A equipe também procurou o nome “actus liberandi” em outras redes sociais, mas não encontrou nenhum canal de contato ou perfil com esse nome.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 9 de março de 2022.

Verificação

Sobre os relatórios da UKHSA

Semanalmente, a UKHSA publica um relatório com os resultados do acompanhamento de casos, hospitalizações e mortes em decorrência da covid-19 no Reino Unido, além de uma avaliação da eficácia da vacina e cobertura vacinal da população.

O relatório citado pelo post aqui verificado foi divulgado no dia 24 de fevereiro e faz referência à oitava semana de 2022 analisada pela UKHSA. Todos os outros boletins semanais da agência podem ser consultados aqui.

Os dados referentes ao status vacinal, casos confirmados, mortes e hospitalizações em decorrência do coronavírus são baseados nas amostras das quatro semanas anteriores à publicação do relatório: de 24 de janeiro ao dia 20 de fevereiro de 2022. Estes são os dados mostrados nas tabelas 10, 11 e 12 do relatório, que também aparecem no post do Telegram.

Contextualização dos dados do relatório citados na postagem

A imagem que está na mensagem do Telegram é um gráfico feito pelo site The Exposé com base nos números que constam na tabela 12 do relatório da UKHSA. Para produzir o gráfico, foram consideradas pessoas “vacinadas” aquelas que tomaram uma, duas ou as três doses da vacina contra o coronavírus. Assim, na semana estudada, esse grupo soma 4.302 óbitos de um total de 4.861 (esse “total” engloba apenas pessoas consideradas “vacinadas” ou “não vacinadas”, excluindo os números da coluna em que não há informação sobre o status de vacinação).

Legenda: Tabela 12 do relatório da semana 8, pode ser encontrada na página 43

De fato, essa proporção faz com que os “vacinados” (com ao menos uma dose) sejam 88,5% das mortes registradas, ou, aproximadamente, “9 em cada 10”. Mas o texto compartilhado no Telegram fala dos “totalmente vacinados”, expressão que pode se referir a pessoas que tomaram duas ou três doses do imunizante. Nesse caso (pessoas com duas ou três doses) o número de mortes é menor e não representa “9 em cada 10” óbitos registrados.

O post também oculta informações contidas na nota de rodapé, logo abaixo da tabela do boletim da UKHSA, que alertam para a correta interpretação dos dados. Em um item intitulado “interpretation of data” (em português, “interpretação dos dados”), que pode ser consultado nas páginas 38 e 39 do relatório, está escrito:

“No contexto de uma cobertura vacinal muito alta na população, mesmo com uma vacina altamente eficaz, espera-se que uma grande proporção de casos, hospitalizações e mortes ocorram em indivíduos vacinados, simplesmente porque uma proporção maior da população é vacinada do que não vacinada e nenhuma vacina é 100% eficaz.”

Além disso, desde o início da vacinação, os imunizantes têm sido priorizados à população mais suscetível a desenvolver a forma grave da doença, como idosos e pessoas imunossuprimidas. Esses indivíduos, dos chamados grupos de risco, também correm maior risco de hospitalização ou morte devido a outras enfermidades não relacionadas à covid.

De acordo com o relatório, até o dia 20 de fevereiro de 2022, os números da vacinação no Reino Unido eram os seguintes: 69,4% da população havia recebido a primeira dose; 64,7% recebeu também a segunda; e 50,1% recebeu a terceira dose da vacina.

A contextualização dos dados continua: “A situação vacinal dos casos, pacientes internados e mortes, não deve ser usada para avaliar a eficácia da vacina devido às diferenças de risco, comportamento e testes nas populações vacinadas e não vacinadas. As taxas de casos nas populações vacinadas e não vacinadas são taxas brutas que não levam em conta os vieses estatísticos subjacentes nos dados.”

Em meio às diferenças entre populações vacinadas e não vacinadas que podem ter impactado os números do relatório, o próprio estudo cita:

“- O comportamento em relação à realização dos testes tende a ser diferente de acordo com o status vacinal da pessoa.

– Muitos dos que tiveram prioridade na vacinação eram pessoas com maior risco de covid-19, seja pela idade, ocupação, circunstâncias familiares, ou por causa de problemas de saúde subjacentes.

– Pessoas totalmente vacinadas e não vacinadas podem se comportar de forma diferente, particularmente no que diz respeito às interações sociais e, portanto, podem ter diferentes níveis de exposição à covid-19.

– Pessoas que nunca foram vacinadas estavam mais propensas a contrair covid-19 em semanas ou meses anteriores ao período dos casos estudados pelo relatório. Isso pode ter feito com que algumas dessas pessoas não vacinadas tivessem alguma imunidade natural ao vírus, o que pode ter contribuído para uma menor taxa de infecção nas últimas semanas”.

Proporcionalmente, não vacinados morrem mais

Conforme enfatiza o relatório da UKHSA, não é possível fazer uma comparação entre a quantidade absoluta de óbitos, hospitalizações ou casos de pessoas vacinadas e não vacinadas porque o boletim utiliza dados brutos e não a taxa de incidência (quando é calculada a quantidade de óbitos, hospitalizações e casos relativos à população – por 100 mil habitantes, por exemplo – e à cobertura vacinal de cada faixa etária).

Embora os dados brutos apontem para um número maior de casos, hospitalizações e mortes entre pessoas vacinadas, quando a comparação é feita em termos proporcionais à população por status de vacinação, sempre há mais óbitos e hospitalizações entre não vacinados.

A tabela 13 do relatório da semana 8 mostra as taxas não ajustadas de infecção por covid-19, hospitalização e morte em populações vacinadas e não vacinadas.

Legenda: Tabela 13 mostra os dados proporcionais de casos, hospitalizações e óbitos por covid-19 da semana 8

Em relação às mortes, tanto dentro de 60 dias após o teste positivo quanto dentro de 28 dias, os números foram menores entre todas as faixas etárias da população vacinada se comparado com os números da população não vacinada. O número de hospitalizações entre pessoas vacinadas em todas as faixas etárias também foi menor se comparado aos dados de internações de pessoas não vacinadas.

Nesta tabela, o relatório utiliza taxas de pessoas vacinadas com pelo menos 3 doses (por 100 mil habitantes) em comparação com taxas de pessoas não vacinadas (por 100 mil habitantes).

O único dado que aparece com mais incidência em pessoas vacinadas é o número de casos de infecção. Isso, no entanto, é explicado pelo relatório nas notas de rodapé abaixo da tabela:

“As taxas de casos nas populações vacinadas e não vacinadas são taxas brutas não ajustadas que não levam em conta os enviesamentos estatísticos subjacentes nos dados e é provável que haja diferenças sistemáticas entre esses 2 grupos populacionais.”

O relatório ainda ressalta: “as taxas de casos não ajustadas entre pessoas não vacinadas foram formatadas em cinza para enfatizar ainda mais a cautela a ser empregada na interpretação desses dados”.

Os dados dessa tabela, porém, são omitidos pela publicação do Telegram.

Importância do reforço

O médico infectologista e consultor da SBI Marcelo Cecílio Daher explica que, quando as primeiras vacinas contra a covid-19 começaram a ser desenvolvidas, havia menos mutações do vírus (variantes alfa e beta). Novas cepas como a gama, delta e a Ômicron têm mais resistência à proteção das vacinas. Apesar disso, pessoas imunizadas e contaminadas com estas variantes têm menor probabilidade de desenvolver uma forma grave da doença, que cause hospitalização ou óbito.

“Os anticorpos produzidos pela vacina não induzem a proteção total contra a infecção. Mas as pessoas vacinadas têm uma forma mais branda da doença. Ou seja, as pessoas vacinadas se infectam, mas têm sintomas leves”, afirma.

No Brasil, levantamentos feitos em dois dos maiores hospitais de referência para o tratamento da covid-19 no país (Emílio Ribas, em São Paulo, e Ronaldo Gazolla, no Rio de Janeiro) revelaram que a proporção de mortes por covid entre idosos, mesmo triplamente vacinados, voltou a crescer, indicando a necessidade da 4ª dose da vacina.

De acordo com reportagem do Estadão, os levantamentos mostraram que no início de fevereiro, de 70% a 90% dos mortos pela doença eram pessoas não vacinadas ou com o esquema de vacinação incompleto. No fim de fevereiro, porém, esse porcentual caiu para aproximadamente 50%, revelando nova mudança no perfil das vítimas. Na outra metade, a maioria são idosos que tomaram a terceira dose em novembro.

“Nas primeiras três semanas da disseminação da Ômicron, (praticamente) 100% dos mortos eram não vacinados, com o esquema vacinal incompleto ou imunossuprimidos (transplantados, pacientes de câncer, entre outros)”, afirmou ao Estadão o infectologista Alexandre Naime Barbosa, da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Agora, esse grupo representa 50% dos mortos, os outros 50% são idosos já com as três doses; a diferença é que eles tomaram essa 3ª dose há mais de três meses e a imunidade deles começou a cair.”

Contexto britânico

Na Inglaterra, um estudo publicado pelo New England Journal of Medicine constatou que duas doses das vacinas Pfizer-BioNTech ou Moderna oferecem pouca proteção contra a doença sintomática causada pela variante ômicron (embora ainda proporcionem alta proteção contra doenças graves, hospitalização e morte), mas uma dose de reforço foi capaz de restaurar a proteção.

De acordo com os pesquisadores, a dose de reforço aumentou a proteção de volta aos níveis observados após o indivíduo receber a segunda dose e antes de começar a diminuir novamente em cerca de dois meses.

Atualmente, são aprovadas no Reino Unido as vacinas Pfizer-BioNTech, Oxford-AstraZeneca, Moderna, Novavax e Janssen.

Dados do Office for National Statistics (ONS) sugerem que mais de 9 em cada 10 adultos no Reino Unido agora têm anticorpos contra o coronavírus, seja de uma infecção passada ou por ter recebido pelo menos uma dose da vacina.

Segundo uma reportagem da BBC News, em janeiro deste ano, o Comitê Conjunto de Vacinação e Imunização do Reino Unido – Joint Committee on Vaccination and Immunisation (JCVI) – afirmou que ainda não seria necessária uma quarta dose de reforço porque os dados mostram que, três meses após uma injeção de reforço, pessoas com 65 anos ou mais ainda têm cerca de 90% de proteção contra a hospitalização.

Conforme a pesquisa de “infecção por Coronavírus, características de pessoas testando positivo para covid-19”, atualizada de forma recorrente pelo Office for National Statistics (ONS), a maioria das pessoas que relataram ter recebido vacinas continuou a ter menos probabilidade de testar positivo para a doença do que aquelas que relataram não ter sido vacinadas na quinzena até o dia 12 de fevereiro de 2022.

Até o dia 7 de março de 2022, 140.194.389 doses da vacina foram aplicadas no Reino Unido, sendo 52.677.564 primeiras doses, 49.120.352 segundas doses e 38.396.473 terceiras doses.

Mortes entre não vacinados estão caindo?

No final do texto publicado no Telegram há uma comparação entre o número de mortes de pessoas vacinadas e não vacinadas divulgado no relatório da semana 51 (que analisa o período de 22 de novembro a 19 de dezembro de 2021) e os mesmos números do relatório divulgado na semana 8 (24 de janeiro a 20 de fevereiro de 2022). O trecho mistura dados diferentes para sugerir que as mortes entre pessoas não vacinadas estariam caindo (saindo de 889 na semana 51 de 2021, para 559 na semana 8 de 2022).

O número de 889 do relatório divulgado na semana 51 foi obtido pela soma de mortes dentro de 60 dias após o teste positivo de covid-19. Já o número de 559 do relatório divulgado na semana 8 foi obtido pela soma de mortes dentro de 28 dias após o teste positivo. Ao consultarmos os dados de mortes dentro de 60 dias para a semana 8, o número é de 746, não 559. Trata-se de uma redução de 16% no número de mortes, e não de 37%, como afirma o texto.

Além disso, não é verdade que as mortes estejam diminuindo constantemente entre os não vacinados na Inglaterra, quando analisamos os dados dos relatórios semanais mais recentes. Como já demonstrado acima, no relatório divulgado na semana 51 (a última de 2021) o número de óbitos bruto de não vacinados na tabela “b)” foi de 889; na semana 1 (a primeira de 2022), o número foi de 928; na semana 2, de 1.065; na semana 3, de 1.155; na semana 4, de 1.152; na semana 5, de 1.177; na semana 6, de 1.077; na semana 7, de 905; até chegar, na semana 8, em 746.

Ou seja, no início de 2022, o número de óbitos entre não vacinados quase sempre esteve acima do registrado na última semana de 2021. Foi só na oitava semana de 2022 que o número ficou abaixo da semana 51. E é apenas entre as semanas 5 e 8 que há diminuição dos números, mas ainda em patamares próximos (ou maiores) do que no final do ano passado.

Além disso, vale ressaltar que entre os meses finais de 2021 (novembro e dezembro) e o início de 2022 (janeiro e fevereiro), mais pessoas receberam doses do imunizante no Reino Unido, seja primeira, segunda ou terceira, o que aumenta o número da população vacinada se comparada à que não recebeu nenhuma dose.

Por isso também pode ser esperado que um menor número de pessoas não vacinadas tenha morrido durante a semana 8 em relação à semana 51.

Morte entre vacinados

O texto aqui verificado alega que “as mortes da população vacinada aumentaram de 2.913 entre 22 de novembro e 19 de dezembro de 2021, para 4.302 entre 24 de janeiro e 20 de fevereiro de 2022”, o que representaria um aumento de 48%.

Novamente, entre pessoas vacinadas na semana 51, o artigo se baseia no número de óbitos dentro de 60 dias após o teste positivo (isto é, a tabela “b”), presente na página 39 do relatório. Somando o total de mortes de pessoas vacinadas com uma ou duas doses, obtém-se o valor 2.913 entre 22 de novembro e 19 de dezembro.

Aqui, no entanto, há um ponto que deve ser considerado: a tabela da semana 51 é separada da seguinte forma entre pessoas vacinadas: a) aquelas que receberam uma dose (1-20 dias antes da data em que a amostra foi coletada do paciente); b) aquelas que receberam uma dose (≥21 dias antes da data em que a amostra foi coletada do paciente) e c) aquelas que receberam a segunda dose (≥14 dias antes da data em que a amostra foi coletada do paciente). Veja print abaixo.

Legenda: Tabela 10 “b)” da Semana 51 pode ser consultada na página 39 do relatório

Já na semana 8, a tabela é dividida de forma semelhante entre pessoas vacinadas, mas com o acréscimo daquelas (d) que receberam a terceira dose (≥14 dias antes da data em que a amostra foi coletada do paciente). Veja print abaixo.

Legenda: Tabela 10 “b)” da Semana 8 pode ser consultada na página 44 do relatório

Ou seja, na semana 51 não é contabilizada a quantidade de pessoas que morreram e que receberam a terceira dose, o que torna uma comparação entre as duas tabelas inviável.

Caso utilizássemos apenas os dados de pessoas vacinadas com a primeira e a segunda dose da tabela “b” (60 dias após teste positivo) na semana 8, seriam 1.735 óbitos – e não 4.302 como afirma o texto. Ou seja, entre os vacinados e usando o mesmo recorte, o número de óbitos saiu de 2.913 na semana 51, para 1.735 na semana 8. O que significa uma redução de quase 40% no número de óbitos.

Sobre a afirmação de que “as mortes estão aumentando dramaticamente entre a população triplamente vacinada”, de fato, ao analisar semana a semana, o número de óbitos entre triplamente vacinados cresceu nas duas tabelas, mas é importante mencionar que é só a partir da semana 3 que o relatório passa a contar com esses dados específicos. Em todas as semanas analisadas, os maiores números de óbitos entre os triplamente vacinados se concentram na faixa-etária acima dos 80 anos.

Na tabela “b” (óbito 60 dias após teste de covid), na semana 3, o número total de óbitos entre triplamente vacinados foi de 1.509; na semana 4, de 2.124; na semana 5, de 2.956; na semana 6, de 3.840; na semana 7, de 4.260; e na semana 8, de 4.407.

Na tabela “a” (óbito 28 dias após teste de covid), na semana 3, esse número foi de 1.256; na semana 4, de 1.840; na semana 5, de 2.585; na semana 6, de 3.196; na semana 7, de 3.307; e na semana 8, de 3.120.

Na semana 3, a Inglaterra tinha 48,4% da população vacinada com a terceira dose. Na semana 4, a taxa passou para 49,0%, enquanto na semana 5 foi para 49,4%. Nas semanas 6, 7 e 8, a cobertura vacinal de terceira dose foi de 49,7%; 49,9% e 50,1%, respectivamente.

O médico Marcelo Cecílio Daher explica que, num cenário de alta circulação do vírus, como o atual, pessoas vacinadas têm a possibilidade de se infectar, desenvolver a forma grave da doença e eventualmente morrer. No entanto, esses são casos atípicos.

“Nesse cenário, essa população será uma população minoritária. O que a gente está observando são pessoas não vacinadas com formas graves da doença, muito mais do que pessoas vacinadas”, destaca.

Daher também ressalta que pessoas não vacinadas não têm imunidade contra o coronavírus. “Esse é um vírus novo e as pessoas não vacinadas adoecem e podem ter formas graves da doença, principalmente pessoas mais velhas, idosas, e pessoas com comorbidades.”

Por que investigamos?

O Comprova tem o compromisso de investigar conteúdos suspeitos que tenham relação com a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições. A equipe tem como foco as publicações virais, que tiveram grande alcance nas redes sociais e podem confundir a população.

Até o dia 9 de março, o post aqui verificado alcançou 7,1 mil visualizações no Telegram.

O conteúdo confunde o leitor ao ignorar as comprovações e os números divulgados pela autoridade sanitária da Inglaterra sobre a relação entre aplicação de vacinas e mortes.

Em verificações recentes, o Comprova já demonstrou que estudos sobre a eficácia das vacinas apontaram que a maioria dos infectados pela covid-19 são pessoas não vacinadas; que os benefícios da vacinação superam os riscos e que a vacinação é endossada por alguns dos principais órgãos e agências de saúde do mundo como principal forma de combate à covid-19.

Para o Comprova é enganoso todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor, confundindo o público, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2022-03-08

Governo Bolsonaro não investiu em bateria de nióbio para carros elétricos

  • Enganoso
Enganoso
São enganosos os posts que afirmam que o projeto da bateria de nióbio para carros elétricos é 100% nacional e dão a entender que há participação do governo Jair Bolsonaro (PL) em seu desenvolvimento. A tecnologia está sendo criada por empresas privadas, uma brasileira, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), e duas estrangeiras, a japonesa Toshiba e a alemã Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO).
  • Conteúdo verificado: Postagens no Facebook mostram uma foto do presidente Jair Bolsonaro (PL) com o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, com a legenda dizendo que o Brasil tinha acabado de apresentar o que seria a primeira bateria para veículos produzida com nióbio e que esta seria uma produção 100% nacional.

São enganosas as postagens no Facebook que procuram vincular o governo de Jair Bolsonaro ao projeto de desenvolvimento da bateria de nióbio para carros elétricos e que afirmam que a tecnologia é 100% nacional.

Os posts trazem uma imagem do presidente ao lado do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, com título “Tecnologia 100% nacional” e os seguintes dizeres na parte inferior da foto: “Brasil apresenta a primeira bateria de nióbio do mundo que permitirá carros elétricos a recarregarem em 6 minutos e terem autonomia de 350 km”.

O projeto é, na realidade, desenvolvido por três empresas privadas: a brasileira CBMM, a Toshiba, do Japão, e a Volkswagen Caminhões e Ônibus, sediada na Alemanha. Segundo a CBMM e a Volkswagen informaram ao Comprova, não há qualquer participação do governo federal no desenvolvimento da tecnologia, cujos testes em veículos terão início ainda este ano.

Para o Comprova, são enganosos os conteúdos que modificam o contexto de uma informação e omitem dados para provocar um entendimento e uma interpretação que altera a realidade dos fatos.

Como verificamos?

A partir de pesquisas na internet, o Comprova verificou que o desenvolvimento da bateria de nióbio para carros elétricos tem participação da CBMM, empresa brasileira que é líder mundial na produção e fornecimento de produtos industrializados à base de nióbio.

Em pesquisas no site da empresa e em contato com a companhia por e-mail, o Comprova confirmou a participação de empresas estrangeiras na criação da tecnologia e o não envolvimento do governo brasileiro no projeto.

Professores da Universidade de São Paulo (USP) e de Campinas (Unicamp) foram procurados para explicar o funcionamento da tecnologia empregada na bateria e o Instituto Brasileiro de Mineração foi consultado para explicar as funcionalidades e a presença do nióbio na natureza.

E-mails também foram enviados para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e para a Volkswagen Caminhões e Ônibus, que dará início aos testes da bateria em seus veículos no segundo semestre de 2022. A empresa confirmou que o projeto não teve envolvimento do governo brasileiro. Não houve resposta do ministério até o fechamento desta verificação.

Verificação

O projeto da bateria de nióbio

O projeto de utilização de nióbio na composição de bateria para carros elétricos teve início em 2018, em uma parceria entre a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e a Toshiba, do Japão. O acordo para o desenvolvimento da tecnologia, que permitirá a recarga ultrarrápida, foi anunciado no site da CBMM em 25 de junho daquele ano. A data é anterior ao governo de Jair Bolsonaro, que teve início em janeiro de 2019.

Segundo informou a CBMM ao Comprova, por e-mail, não há envolvimento do governo brasileiro no projeto. Da mesma forma, não se pode dizer que a tecnologia é 100% nacional, já que a Toshiba “atua na aplicação da tecnologia nas células das baterias de lítio e, futuramente, na produção em escala industrial e comercialização”, como explicou a empresa brasileira na mensagem.

A CBMM, por sua vez, “atua no desenvolvimento e produção da tecnologia de óxido de nióbio em seu complexo industrial em Araxá-MG”.

Segundo a empresa, a tecnologia que utiliza o nióbio na composição de bateria para carros elétricos é pioneira no mundo, e permite autonomia de até 350 quilômetros em veículos de passeio convencionais, com uma única carga inferior a 10 minutos.

Testes em parceria com a Volkswagen

A tecnologia de baterias de nióbio para carros elétricos está sendo testada numa parceria firmada entre a CBMM e a Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO). O anúncio da parceria aparece em notícia no site da companhia brasileira, de 16 de setembro de 2021. Também não há envolvimento do governo brasileiro nesta etapa do projeto.

Atualmente, segundo a CBMM, o projeto está na fase de desenvolvimento e produção dos protótipos das baterias e da infraestrutura de recarga ultrarrápida. O início dos testes com veículos está previsto para acontecer ainda neste ano, na planta industrial da VWCO em Resende, no Rio de Janeiro, e no complexo industrial da CBMM, em Araxá, Minas Gerais. A Volkswagen confirma a previsão do início dos testes para o segundo semestre de 2022 e diz que ainda não existe um modelo que receberá o produto. Segundo a fabricante, tanto ônibus de passageiros como caminhões podem ser testados.

O nióbio

O nióbio é um metal de transição que tem a capacidade de alterar a composição de outros materiais, como o aço, melhorando-os para propósitos industriais, devido a características como alta resistência ao calor, à corrosão e ao desgaste, e alta condutividade térmica e elétrica.

A CBMM é líder mundial no fornecimento de produtos à base de nióbio para aplicação em componentes eletrônicos e baterias, carros, estruturas de edifícios e pontes, turbinas de avião, aparelhos de ressonância magnética, marcapassos, sondas espaciais, foguetes e tubulações de gás, entre outros.

A empresa foi fundada em 1955, em Araxá, Minas Gerais, onde está a sua sede e complexo industrial. A CBMM tem atuação global em escritórios e subsidiárias na China, Países Baixos, Singapura, Suíça e Estados Unidos. As informações constam no site da empresa.

Em seu perfil no Instagram, a empresa rebate uma “informação falsa que circula por aí de que 98% do Nióbio do mundo está no Brasil”. Segundo a empresa, apesar de o maior complexo industrial de produção de nióbio estar no país, há depósitos de minerais que podem servir para a produção de nióbio em abundância em todos os continentes do planeta.

Bateria convencional x bateria de Nióbio

As baterias encontradas em veículos, celulares ou até mesmo brinquedos são dispositivos eletroquímicos, ou seja, são capazes de transformar energia química em energia elétrica. Essa transformação acontece através da transferência de elétrons de um polo ao outro, ou como conhecemos popularmente, do negativo para o positivo.

A principal diferença entre a bateria convencional e a bateria de nióbio fica justamente no polo negativo. Enquanto os modelos que hoje estão no mercado são feitos de grafite, o equipamento desenvolvido é produzido com nióbio.

A vantagem, segundo apontam os professores Fernando Gomes Landgraf, da faculdade de engenharia da Universidade de São Paulo, e Rogério Cezar Cerqueira Leite, de física da Unicamp, ouvidos pelo Comprova, é que essa combinação permite que a bateria sofra esse processo químico de transferência de elétrons de um polo a outro de maneira mais rápida e por mais vezes. Isso resultaria em uma bateria que carrega mais rapidamente e que tem uma vida útil maior. A desvantagem é que esse processo resulta em um potencial energético menor, necessitando de um equipamento maior dependendo do uso.

Interesse brasileiro no Nióbio

O presidente Jair Bolsonaro já fazia discursos a favor do nióbio na campanha eleitoral de 2018 e até mesmo quando era deputado federal. Segundo levantamento do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) o Brasil tem hoje as maiores concentrações mundiais de nióbio no mundo, além de possui o maior depósito em operação, localizado em Araxá e sob o controle da CBMM. O metal é encontrado em outras partes do planeta, mas em sua grande parte em locais não explorados.

Segundo dados da própria empresa, seria possível exportar até 160 mil toneladas de produtos por ano, mas o consumo máximo mundial em 12 meses foi de 120 mil toneladas, sendo 100 mil produzidos no Brasil. E a concentração do metal em solo brasileiro explica parte disso. Não há interesse em desenvolver tecnologias e produtos que dependem do nióbio porque isso geraria uma dependência de um único fornecedor, ou um fornecedor principal com pouca concorrência.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos que viralizam na internet sobre a pandemia da covid-19, políticas públicas e as eleições presidenciais deste ano.

As postagens que procuram vincular, enganosamente, o governo de Jair Bolsonaro ao projeto de bateria de nióbio para carros elétricos podem influenciar os eleitores na escolha dos candidatos. Os posts com esse teor, que voltaram a ser publicados este ano nas redes sociais, apareceram também no ano passado.

Na ocasião, a Agência Lupa mostrou ser falso um vídeo em que a deputada federal Carla Zambelli (União Brasil-SP) afirma que a tecnologia da bateria de nióbio é feita com tecnologia brasileira e tem participação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em seu desenvolvimento.

Os posts publicados este ano, aqui verificados, tiveram, somados, 1.240 curtidas, mais de 2.400 compartilhamentos e 185 comentários, até o dia 7 de março.

Outros conteúdos que se relacionam com as eleições e o processo eleitoral deste ano foram verificados recentemente pelo Comprova, que classificou como sátiras as postagens que atribuíam supostos ataques de Putin a Bolsonaro e como enganoso o vídeo que compara casas populares no RN e atribui diferença no padrão das construções entre os governos Lula e Bolsonaro.

Ainda sobre as eleições, o Comprova mostrou ser enganosa a postagem que afirma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) descumpriu prazos para responder às Forças Armadas sobre a segurança das urnas eletrônicase ser falso o vídeo em que um apresentador americano supostamente ri de pesquisa de intenção de voto no Brasil em que Lula aparece em primeiro lugar.

Enganoso para o Comprova é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2022-03-04

Vídeos com ataques de Putin a Bolsonaro são humorísticos

  • Sátira
Sátira
O Comprova classificou como sátira dois vídeos que viralizaram no TikTok e nos quais supostamente o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ataca o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. Os vídeos originais são do encontro entre os dois presidentes, ocorrido em 16 de fevereiro, e de um pronunciamento do chefe do Executivo russo. As legendas foram inseridas para alterar o contexto da fala de Putin.
  • Conteúdo verificado: Dois vídeos no TikTok, com inserção de legendas, em que Vladimir Putin ataca Jair Bolsonaro. No primeiro, o presidente da Rússia critica o governo brasileiro na gestão da pandemia. No outro, exibe os dois presidentes juntos e Putin “manda” Bolsonaro fazer testes de covid e “homenagear o soldado comunista”. Em seguida, é exibida uma imagem do presidente brasileiro chorando.

São sátiras os vídeos que viralizaram no TikTok em que o presidente russo, Vladimir Putin, teria feito ataques pessoais a Bolsonaro e criticado o presidente do Brasil na gestão da pandemia.

Os vídeos foram editados com a inserção de legendas que não correspondem ao real significado das palavras de Putin. Um deles tem, claramente, a intenção de sátira, e foi postado por um perfil que tem a seguinte descrição: “Memes, política, amenidades. Perfil de esquerda. Fora Bozo!”.

No entanto, apesar do tom satírico, alguns comentários publicados por leitores demonstraram dúvidas acerca da veracidade das legendas aplicadas aos vídeos (Exemplos: 1, 2, 3 e 4).

O Comprova classificou os vídeos como sátira, pois foram editados com intuito de fazer humor. Conteúdos satíricos são verificados quando se percebe que há pessoas tomando-os por verdadeiros.

Como verificamos?

Usando uma captura de tela do vídeo, realizamos o processo de busca reversa para localizar a primeira gravação. Foram encontradas imagens semelhantes em matérias do Al-Jazeera e da rede NBC sobre um encontro do presidente da Rússia, Vladimir Putin, com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. Na ocasião, as autoridades discutiram um pacote de medidas de cooperação entre os dois países. As notícias mencionam que a reunião ocorreu em 1° de fevereiro (1, 2).

A partir dessas informações, buscamos registros do encontro nas redes sociais do governo russo e encontramos um vídeo publicado pelo canal oficial do Kremlin no dia 8 de fevereiro. Comparando elementos visuais e gestos do presidente, confirmamos que se tratava do vídeo original.

| Captura de tela do TikTok e YouTube. Comparação entre vídeo que viralizou no TikTok e original

O segundo vídeo, que mostra Bolsonaro e Vladimir Putin lado a lado, também foi encontrado a partir do mecanismo de busca reversa. O conteúdo original foi publicado no canal oficial do Planalto. Comparando as imagens, pudemos constatar que o vídeo divulgado pelo governo brasileiro corresponde à versão editada que viralizou no TikTok.

O vídeo do encontro com Jair Bolsonaro tem tradução simultânea em português. Já o da conferência de imprensa após encontro com o primeiro-ministro da Hungria apresenta legendas em inglês.

Para se chegar ao real significado das palavras de Putin, o Comprova buscou contato com uma especialista em russo, a criadora e editora-chefe da editora de literatura russa Kalinka, Daniele Moutian, e utilizou as seguintes ferramentas digitais para a tradução do áudio dos vídeos: Happy Scribe, Save From Net, Transcriber Bot (Telegram) e Google Tradutor.

O Comprova tentou falar com os responsáveis pelos perfis que publicaram os conteúdos. Em um deles, foi possível identificar um e-mail a partir de buscas em outras redes sociais, como YouTube e Instagram. No entanto, não tivemos resposta. Não conseguimos contato com o outro perfil.

Verificação

O vídeo com supostos ataques pessoais a Bolsonaro

A partir de buscas na internet, o Comprova localizou os vídeos utilizados nas versões editadas do TikTok.

O vídeo em que, segundo as legendas inseridas na montagem, Putin teria chamado Bolsonaro de “estrume” e “jumento” e afirmado que o Brasil voltaria a ser feliz com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Planalto, trata-se de uma conferência de imprensa após reunião de Vladimir Putin com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.

O vídeo original foi postado pelo canal do Kremlin, sede do governo russo, no YouTube, com o título “Пресс-конференция по итогам российско-венгерских переговоров” – “Conferência de imprensa após conversações russo-húngaras”, em português.

Foi possível identificar correspondências visuais e sonoras com dois trechos editados na versão do Tiktok. No site do governo, foi encontrada uma transcrição da fala do presidente russo durante o encontro. O Comprova comparou o texto com as legendas do vídeo original e encontrou os trechos correspondentes.

A reunião entre Putin e Orban foi postada no canal do Kremlin no dia 8 de fevereiro. No encontro, que ocorreu no dia 1º de fevereiro, foi discutido um pacote de questões de cooperação bilateral. Além disso, as autoridades também discutiram a situação global na Ucrânia, incluindo as questões diplomáticas entre o país e a Rússia.

O Comprova solicitou a tradução do pronunciamento de Putin, direto do russo, para uma especialista no idioma, Daniele Moutian.

No quadro abaixo, a comparação entre as legendas inseridas na versão do TikTok e a tradução de Moutian:

Esses dias esse jumento veio aqui e você sabem de quem tô falando né

(…) sistemas contemporâneos de combate, assim como na Polônia e na Romênia

e sinceramente não sei o que esse merda veio fazer aqui

Quem vai impedir?

e logo ele que odeia comunismo e fala um monte de merda aff

E começa operações na Crimeia

bom! Ele veio se oferecer pra ser o presidente da Ucrânia caso eu invadisse

agora falo inclusive de Donbass

eu respirei e falei

é um território soberano russo

ninguém merece um estrume como você na presidência

não existe dúvida a esse respeito

nem os ratos do esgoto

Imaginemos que a Ucrânia é um país da Otan

merecem um ser tão diabólico como o bolsonazi

e está começando essas operações bélicas

não estou nem falando das 641000 mortes por covid no Brasil

Nós vamos fazer o quê? Guerrear com o bloco da Otan?

mas pensa bem?? Ele matou mais que em qualquer guerra justa

Alguém pensou nisso, no motivo disso? Parece que não

veja bem por que eu desprezo Bolsonaro

Escute com atenção o que eu falo.

ele é um mentiroso verme da pior espécie o povo ucraniano não merece esse castigo

Em um documento doutrinário da Ucrânia vemos que está escrito

e por mais que eu queira a Ucrânia eu não acho justo mandar um Bolsonaro pra lá

que pretendem reaver a Crimeia, inclusive por meio de guerra

Pensa numa merda

Não é que tenham falado em público

então decidi retirar as tropas de lá

mas foi escrito no documento

eu tenho dó do povo brasileiro nas mãos do bolsonazi

Imaginem vocês mesmos que a Ucrânia se revela membro da Otan

então Lula vai ser eleito e não vai ter segundo turno e o Brasil voltará a ser feliz

e começa (…) encher de armas, instalar sistemas contemporâneos de combate

aí é só mandar bolsonazi pra casa do carai e fim de papo

assim como a Polônia e a Romênia. Quem vai impedir?

 

O vídeo com supostas críticas à gestão da pandemia

Já o outro vídeo, em que, segundo as legendas da versão editada no TikTok, Vladimir Putin chama Bolsonaro de “negacionista fuleiro” e diz que, na Rússia, iria fazer o que ele mandasse, como a realização de cinco testes de covid, isolamento em hotel e homenagem ao soldado comunista russo, é do encontro entre Putin e Bolsonaro, de 16 de fevereiro.

A partir de prints retirados do vídeo, e de buscas reversas na internet, o Comprova localizou as versões originais. Em uma delas, transmitida pela TV Brasil, Putin e Bolsonaro estão ao lado de tradutores.

Foi possível identificar semelhanças sonoras e visuais da fala de Putin entre o vídeo original e a versão com inserção de legendas do TikTok.

Moutian também traduziu este vídeo. Abaixo, o resultado:

Em primeiro lugar

Por sua instrução

Quem manda aqui sou eu

estiveram em Moscou os principais ministros

seu negacionista fuleiro

do seu governo (…)

Aqui você faz o que eu mandar

das Relações Exteriores (…)

Vai fazer cinco testes de covid

2+2 formato, 2+ (…) nos locais (…)

E vai ficar isolado no hotel

(…) um dos principais, ou, pode-se dizer, nosso principal

E vai homenagear o soldado comunista também

parceiro econômico e comercial na América Latina

Ferramentas online de tradução

Além do trabalho de Daniele Moutian e da versão original com legendas em inglês do vídeo do pronunciamento de Putin em conferência de imprensa, o Comprova utilizou ferramentas online para a transcrição e tradução do áudio das imagens.

Uma das ferramentas utilizadas foi a Happy Scribe, onde foi feito o upload do vídeo após download do TikTok com o auxílio da plataforma Save From Net.

Só foi possível utilizar a ferramenta com o vídeo em que, segundo a tradutora e as legendas em inglês do vídeo original, Putin faz um pronunciamento à imprensa após reunião com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán.

Após selecionar o idioma russo e fazer o upload do vídeo na Happy Scribe, a transcrição do texto em russo, traduzida para o português com o Google Tradutor, teve o mesmo conteúdo da tradução de Moutian e da versão original do vídeo com as legendas em inglês, e difere totalmente das legendas inseridas na montagem do TikTok.

A outra ferramenta utilizada foi a Transcriber Bot, do Telegram, em que foi possível verificar os dois vídeos. Os áudios foram baixados na plataforma Save From Net e depois inseridos na ferramenta, após a seleção do idioma russo. Os textos traduzidos para o português com o Google Tradutor também apresentaram o mesmo conteúdo da tradução de Moutian e dos vídeos originais com legendas em inglês (conferência de Putin) e tradução em português (encontro com Bolsonaro).

Por que investigamos?

O Comprova tem o compromisso de verificar conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais ou aplicativos de mensagem sobre a pandemia da covid-19, políticas públicas do governo federal e as eleições presidenciais de 2022.

Os vídeos aqui verificados trazem supostas críticas de Vladimir Putin a Jair Bolsonaro, cita que o Brasil voltará a ser feliz com Lula na presidência e critica a atuação de Bolsonaro durante a pandemia do coronavírus.

As supostas informações, classificadas aqui como falsas, podem confundir internautas diante do processo e pautas eleitorais das eleições presidenciais deste ano.

Outros conteúdos foram verificados recentemente pelo Comprova e que também se relacionam com a pauta eleitoral, como a apuração que mostrou ser enganoso vídeo que compara casas populares no RN e atribui diferença no padrão das construções entre os governos Lula e Jair Bolsonaro.

O Comprova também mostrou ser falso que um apresentador americano riu de pesquisa eleitoral no Brasil e ser enganoso que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) descumpriu prazos para responder às Forças Armadas sobre urnas eletrônicas.

Para o Comprova, sátiras são memes, paródias e imitações publicadas com intuito de fazer humor. O Comprova verifica conteúdos satíricos quando percebe que há pessoas tomando-os por verdadeiros.

Saúde

Investigado por: 2022-03-03

Estudo feito em Itajaí não prova eficácia de ivermectina contra covid-19

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a publicação feita por uma deputada federal com a afirmação de que o maior estudo sobre ivermectina no combate à covid-19 teria sido realizado no Brasil e demonstraria a eficácia do medicamento contra a doença. Especialistas ouvidos pelo Comprova identificaram fragilidade na metodologia da pesquisa, incluindo a falta de acompanhamento dos participantes e a imprecisão dos dados coletados. Trechos do próprio estudo confirmam serem necessários mais levantamentos para avaliar a suposta eficácia do vermífugo contra o coronavírus.
  • Conteúdo verificado: Publicação no Twitter diz que o maior estudo sobre ivermectina no combate à covid-19 foi feito no Brasil e que as conclusões comprovam a eficácia do remédio no tratamento da doença. O post traz um trecho de uma declaração do médico Pierre Kory em evento realizado no Senado dos Estados Unidos.

É enganosa uma publicação feita no Twitter pela deputada federal Bia Kicis (União-DF) e que atribui a um estudo realizado na cidade de Itajaí (SC) a suposta confirmação de que a ivermectina, um antiparasitário, seria eficaz no “tratamento precoce” contra a covid-19. Na rede social, Kicis afirma que o estudo “prova sem sombra de dúvida que a ivermectina funciona”. Além disso, a parlamentar afirma que esta é a maior pesquisa do mundo relacionada ao tema.

O post foi feito com base no vídeo de uma transmissão de um evento realizado no Senado dos Estados Unidos. Na oportunidade, o médico especialista em cuidados pulmonares Pierre Kory cita o estudo para defender o uso do medicamento. Kory é representante de uma associação formada por profissionais de saúde americanos que defendem temas como o tratamento precoce contra o coronavírus, para o qual não há comprovação científica.

A pesquisa citada pelo médico no vídeo aqui verificado foi publicada na revista científica Cureus em 15 de janeiro deste ano e passou por revisão de pares, segundo os autores. O objetivo era avaliar o impacto do uso regular de ivermectina nas taxas de infecção e mortalidade por covid-19 na cidade catarinense. Os dados foram coletados entre julho e dezembro de 2020, portanto, quando ainda não havia a campanha nacional de vacinação.

De acordo com o estudo, a taxa de infecção por coronavírus entre os usuários do medicamento moradores de Itajaí foi de 3,7%. Já o porcentual entre não usuários foi de 6,6%. Ainda segundo a pesquisa, o remédio reduziu em 68% a taxa de mortalidade por covid-19 e em 56% a chance de hospitalização pela doença. Os autores do documento afirmam que os resultados apontam para eficácia da ivermectina no tratamento profilático contra a covid-19, mas também ponderam no texto que estudos mais robustos são necessários.

Especialistas consultados pela equipe do Comprova afirmaram que um estudo observacional, como é o caso, pode gerar indícios para que novas pesquisas sejam realizadas sobre um tema, porém não criam uma verdade científica. Esses profissionais também apontaram possíveis inconsistências nos dados do levantamento citado no vídeo e destacaram que atualmente não há evidências que confirmem a eficácia da ivermectina como tratamento profilático contra a covid-19.

A farmacêutica Merck Sharp & Dohme (MSD), responsável pela criação do medicamento, também já afirmou que não há evidência científica sobre a efetividade da ivermectina contra a covid-19.

O estudo é assinado por nove pessoas, mas foi liderado pela médica Lucy Kerr, a favor do uso da ivermectina, e coproduzido pelo endocrinologista Flávio Cadegiani. O médico foi indiciado pela CPI da Pandemia sob acusação de crime contra a humanidade: ele fez parte de um estudo clínico com o medicamento experimental proxalutamida, proposto inicialmente para o tratamento de câncer, que teria levado 200 pessoas a óbito.

Os pesquisadores convidaram a população de Itajaí para retirar, voluntariamente, comprimidos de ivermectina oferecidos nos postos de saúde do município. A orientação era para que os pacientes tomassem o remédio por dois dias consecutivos a cada 15 dias.

A Prefeitura de Itajaí, no entanto, informou que a busca pelo medicamento no SUS não se manteve estável, o que, segundo especialistas consultados pelo Comprova, altera os resultados obtidos e impede uma conclusão sobre os efeitos do medicamento em uma população.

No texto do estudo, os autores afirmam que foram considerados 223 mil cidadãos de Itajaí para a pesquisa. Destes, 159 mil foram incluídos na análise (113 mil como usuários de ivermectina e 45 mil que não usaram o medicamento).

Procurada pelo Comprova, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) encaminhou uma planilha com a lista de estudos autorizados no Brasil sobre uso de ivermectina no tratamento contra a covid-19. Usando o número do Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE), que consta no estudo publicado, foi possível identificar que a pesquisa de Itajaí foi registrada com uma amostra de 9.956 participantes.

Há outros dois estudos brasileiros sobre o tema com amostras maiores (de 10 mil e 43 mil). Pelos dados oficiais, portanto, a pesquisa citada pela deputada não pode ser considerada a maior sobre ivermectina no Brasil. Além disso, a quantidade de participantes não significa que os resultados sejam os mais precisos sobre o assunto, pois isso depende de como a análise foi feita.

Questionada sobre o tema, Kerr afirmou que a aprovação da pesquisa foi relacionada aos casos de covid-19 e não sobre o uso de ivermectina. O número de 9.956 pessoas é citado no estudo como referência à quantidade geral de pessoas que tiveram covid-19 em Itajaí antes e durante do período do programa de distribuição de ivermectina (não está claro até quando vai este período).

Este levantamento tem sido divulgado por seus autores como o maior do mundo porque eles citam a quantidade de cidadãos que supostamente tomaram o medicamento, mas esta informação não condiz com o registro oficial de amostra do estudo. Além disso, com base na informação divulgada pela Prefeitura de Itajaí, houve queda na quantidade de pessoas que buscaram a ivermectina nas unidades de saúde.

Coordenador do Conep, Jorge Venancio disse que a situação pode ser irregular e precisa ser analisada.

A pesquisa foi publicada em um periódico que tem sede na Califórnia, nos Estados Unidos. A revista recebeu a última nota de importância e de qualidade atribuída pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) às publicações científicas usadas no Brasil, em uma escala dividida em oito níveis. Especialistas dizem que o periódico tem peso zero na comunidade.

O Comprova classificou o conteúdo como enganoso porque usa dados imprecisos.

Como verificamos?

Observando o vídeo postado pela deputada é possível ver os nomes de Pierre Kory e Ron Johnson em placas de identificação dos palestrantes do evento. Ao procurar pelas palavras “Dr. Pierre Kory Senator Ron Johnson” juntas no Google, um dos resultados é uma publicação no site do político americano com a divulgação do evento.

Com isso, foi possível encontrar a transmissão completa (com duração de 5h36min) do painel no Rumble, plataforma canadense de compartilhamento de vídeos. Com regras mais flexíveis de controle de conteúdo que outros sites, levantamento da Wired mostrou que o Rumble permite postagens de desinformação e recomenda vídeos com este tipo de conteúdo.

Ao fazer pesquisa com as palavras “estudo”, “ivermectina” e “Itajaí” no Google, encontramos outras checagens sobre o levantamento, que possibilitaram a identificação da pesquisa.

Para análise dos resultados apresentados no estudo, entrevistamos Debora Melecchi, conselheira Nacional de Saúde (CNS); Jorge Venancio, coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep); Raquel Stucchi, professora associada da disciplina de Infectologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; e Breno Adaid, pesquisador do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB). O Conep também foi procurado para pesquisa de dados sobre estudos com ivermectina no Brasil.

Lucy Kerr, uma das autoras do artigo, também foi entrevistada. Os pesquisadores Flávio Cadegiani e Fernando Baldy, que também assinam a publicação, foram contactados, mas não responderam até a publicação deste texto. A reportagem entrou em contato com Pierre Kory, mas não houve retorno. A assessoria de Bia Kicis disse que a deputada não se pronunciará sobre o assunto.

A reportagem também tentou, sem sucesso, contato com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No vídeo, Kory afirma que o Ministério da Saúde ofereceu ivermectina à população de Itajaí, mas a iniciativa foi da prefeitura local. O Comprova questionou o órgão federal sobre o tema, mas não houve resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 3 de março de 2022.

Verificação

O que diz a pesquisa

O estudo citado no vídeo aqui verificado foi realizado com o objetivo de avaliar o impacto do uso regular de ivermectina nas taxas subsequentes de infecção e mortalidade por covid-19. Foi feito na cidade de Itajaí, em Santa Catarina, e já foi concluído.

Os pesquisadores convidaram a população para uma consulta no programa e para compilar informações básicas, pessoais, demográficas e médicas. Na ausência de contraindicações, a ivermectina foi oferecida como tratamento opcional, mas sem que houvesse acompanhamento direto dos pesquisadores.

Dos 223.128 cidadãos de Itajaí considerados para o estudo, foram incluídos na análise 159.561 moradores: 113.845 (71,3%) usuários regulares de ivermectina e 45.716 (23,3%) não usuários. Segundo a pesquisa, a taxa de infecção por coronavírus entre os usuários do vermífugo foi de 3,7%, enquanto que entre os não-usuários foi de 6,6%.

O estudo diz, ainda, que o remédio reduziu em 68% a taxa de mortalidade por covid-19 e em 56% a chance de hospitalização pela doença. A conclusão dos autores é de que “o uso regular de ivermectina como agente profilático foi associado a taxas de infecção, hospitalização e mortalidade significativamente reduzidas por COVID-19”.

Ao mesmo tempo, admitem: “estudos mais robustos com amostras maiores ainda são recomendados para confirmar os possíveis efeitos benéficos da ivermectina na COVID-19”.

O estudo citado na postagem aqui verificada foi registrado oficialmente, conforme mostra pesquisa feita na Plataforma Brasil, base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos, usando os números de identificação (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética, o CAAE) e do parecer citados no estudo.

Levantamento encaminhado pelo Conep ao Comprova mostra que foram registrados no Brasil 189 estudos envolvendo ivermectina no tratamento de pacientes contra a covid-19. A busca foi feita em todo o sistema do Conep e dos comitês regionais de pesquisa entre 1º de janeiro de 2020 e 23 de fevereiro de 2022.

O estudo citado na postagem da deputada foi registrado com amostra oficial de 9.956 participantes. O Brasil tem outros dois estudos com amostras maiores, de 10 mil e 43 mil. Portanto, oficialmente, a pesquisa aqui verificada não é a maior relacionada à ivermectina.

Quanto à diferença entre a amostra de participantes registrada no Conep e a quantidade de pessoas que usou ivermectina no estudo, Lucy Kerr argumentou que a aprovação do trabalho foi relacionada aos casos de covid-19 e não sobre o uso de ivermectina. Kerr afirmou também que “não seria possível saber quantas pessoas seriam analisadas antes da aprovação”.

De acordo com o coordenador do Conep, Jorge Venancio, a discrepância entre a amostra registrada e a quantidade de pessoas que recebeu ivermectina é irregular e precisa ser investigada para saber se trouxe risco aos participantes.

O que dizem os especialistas

A conselheira de Saúde Debora Melecchi afirma que o estudo citado na postagem é frágil por se tratar de uma pesquisa observacional, considerada mais simplista e que não estabelece relação de causa e efeito. “Não tem como afirmar ou dar uma confiabilidade ao seu resultado.” Melecchi explica que estudos que levam a conclusões sobre a eficácia de um medicamento para determinado fim são realizados com metodologias como randomizado duplo-cego, quando o paciente não sabe se está tomando medicamento ou placebo. O médico envolvido na pesquisa também não tem esta informação, o que tende a diminuir o risco de viés e aumentar a confiança nos resultados.

O Instituto Nacional de Saúde (NIH – National Institute of Health), agência governamental do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, já alertou para a falta de dados que sustentem o uso do vermífugo contra infecções virais. “Fica complicado querer comparar a confiabilidade de um estudo observacional versus dezenas de ensaios clínicos randomizados duplos-cegos”, argumenta Melecchi.

Esta também é a visão do coordenador do Conep. Venancio afirma que estudos observacionais podem gerar indícios para que sejam feitas novas pesquisas com maior nível de rigor, mas não levam a conclusões científicas.

“Você faz esse estudo em duplo-cego em várias partes do mundo, com pesquisadores diferentes, que não têm relação entre si, e chega no mesmo resultado. Então, você estabelece uma verdade científica”, afirma. Segundo o coordenador, nenhum dos estudos rigorosos feitos até o momento apresentaram conclusões suficientes para indicar a eficácia da ivermectina em relação à covid-19.

Melecchi ressalta que apenas a vacina contra a covid-19 é comprovadamente eficaz para precaução contra a doença. “É a vacina que vai assegurar a principal proteção às pessoas, aliada aos cuidados sanitários, com o uso correto de máscara, a higiene das mãos e dos objetos”, afirma.

Segundo a conselheira, existem antivirais aprovados pela Anvisa para o tratamento de pessoas com covid-19, mas estes medicamentos são usados apenas nos casos de pacientes que estão internados e, em geral, em ambiente de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e intubados. Melecchi explica que nos casos leves da doença, os médicos, após consulta, receitam medicamentos para reduzir os sintomas, mas estes não têm efeito direto contra o vírus.

Para a infectologista Raquel Stucchi, a análise estatística empreendida no estudo parece “falha” devido à variação do número de indivíduos que usaram regularmente a ivermectina ao longo do estudo.

O argumento da especialista tem como base uma nota de esclarecimento divulgada pela Prefeitura de Itajaí em janeiro de 2021 (logo após o período de coleta de dados do estudo) afirmando que 138.216 mil moradores da cidade retiraram a primeira dose de ivermectina nas unidades de saúde. Quinze dias depois, esse número caiu para 93.970 pessoas. Na sequência, somente 8.312 pessoas retiraram a quarta e a quinta doses do remédio.

Em outra nota encaminhada ao Comprova durante a produção desta reportagem, a prefeitura informou que ofertou o tratamento profilático com ivermectina para quase 180 mil pessoas entre 2020 e 2021. Segundo a prefeitura, os dados foram compilados e fornecidos aos pesquisadores. “Porém, questões relacionadas ao estudo devem ser tratadas diretamente com os responsáveis pela pesquisa, que não foi realizada pelo Município”, diz a nota.

Stucchi também ressaltou a nota Qualis C da revista Cureus, onde foi publicado o artigo. A classificação Qualis une procedimentos utilizados pela Capes para realizar a estratificação da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação. De acordo com a professora da Unicamp, “Qualis C é uma revista que não tem nenhuma credibilidade”.

Os estratos de qualidade dos periódicos são divididos, pela Capes, em A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C, sendo o primeiro o de maior relevância e o último peso zero. Os critérios se baseiam na qualidade das pesquisas e na importância dos temas analisados para a comunidade científica e para a sociedade em geral.

O estudo foi submetido a uma revisão realizada por outros pesquisadores da revista. O processo ocorreu entre 4 a 13 de janeiro de 2022.

Argumento da autora

A médica Lucy Kerr, uma das autoras do estudo, disse que a não continuidade quinzenal do uso da ivermectina não impactou os resultados da pesquisa porque o medicamento tem “efeito prolongado”. Kerr argumentou também que a metodologia utilizada, denominada de distribuição de Poisson, se equipara a um estudo randomizado duplo-cego.

No estudo, os autores dizem que pesquisas mais robustas são recomendadas para confirmar os efeitos da ivermectina contra a covid-19. À reportagem, Kerr alegou que a afirmação foi feita para mostrar que “os pesquisadores não estão superestimando os próprios achados”.

“Nós tivemos uma altíssima precisão dos dados analisados. Primeiro porque toda a população (tem seus dados) digitalizados no SUS. Segundo lugar, porque nós utilizamos uma metodologia que garantiu um estudo muito forte, robusto, preciso de alta qualidade. Qual era essa sistemática? Nós utilizamos em primeiro lugar um método de Poisson de ajuste das variáveis”, afirmou. A reportagem pediu que Kerr explicasse o método, mas ela se recusou sob o argumento de que o tema é complexo.

Pesquisador do Instituto de Educação Superior de Brasília, Breno Adaid explica que a Distribuição de Poisson é uma modelagem estatística em que, por meio de uma amostra, é possível calcular a possibilidade de certa ocorrência acontecer na população de forma geral, tendo como base a quantidade de ocorrências em um grupo. Neste método, são usados apenas valores inteiros.

Adaid afirma que usar a Distribuição de Poisson no caso do estudo aqui verificado foi uma estratégia correta porque é feita a comparação de casos mortes e não mortes (que só pode ser uma ocorrência inteira).

O especialista destaca, no entanto, que o Poisson e o estudo duplo-cego não são equivalentes. O duplo-cego, diz Adaid, é o delineamento de uma pesquisa, a forma como o estudo será conduzido. Já o Poisson é a forma como os dados são tratados. “São duas coisas que podem conversar entre si, porque uma pode ser aplicada após a outra, mas são distintas. Não pode trocar um pelo outro ou dizer que são equivalentes”, afirma.

Automedicação

Dentro da discussão sobre “tratamento precoce” contra a covid-19, a conselheira Melecchi destaca também a necessidade de a população fazer uso racional de medicamentos. O tema tem sido debatido no CNS. Melecchi afirma que é preciso utilizar estas substâncias para uma finalidade que tenha comprovação científica e com monitoramento de um profissional da área da saúde. “Nos preocupa muito a manutenção de incentivo ao uso de medicamentos como a ivermectina, sem de fato essa comprovação (de que é eficaz no tratamento) para covid-19, e que pode causar danos na saúde das pessoas”, afirma.

Melecchi explica que a ivermectina pode ter efeitos leves, mas também pode provocar taquicardia. Além disso, diz a conselheira, se existir interação com outros medicamentos – como antidepressivos, ansiolíticos e outros que têm ação direta no sistema nervoso – a combinação pode provocar reações graves, que podem requerer, inclusive, atendimento médico.

Questionada sobre o motivo que levou à distribuição de medicamento sem eficácia comprovada contra a covid-19, a Prefeitura de Itajaí informou que desde o início da pandemia adotou diversas ações de combate ao vírus, como testagem massiva, implantação de novas estruturas de atendimento à população e ampliação de leitos de UTI. “E, em um momento de incertezas e sem vacinas disponíveis contra o coronavírus, a cidade ofertou também o tratamento profilático com ivermectina para prevenir e amenizar infecções por coronavírus, por ser um remédio seguro, já amplamente usado no país”, destacou.

Na nota, a prefeitura também disse que os moradores de Itajaí receberam “orientações de que o uso de tratamentos profiláticos não é uma cura para a covid-19, mas sim uma ação preventiva para ser adotada periodicamente e em conjunto com as demais medidas não farmacológicas”. De acordo com a prefeitura, o uso do medicamento ocorreu de forma voluntária e com prescrição médica.

Dados do governo de Santa Catarina mostram que Itajaí registrou, até dia 2 de março de 2022, 49 mil casos de covid-19 e 848 mortes provocadas pela doença. A taxa de mortalidade na cidade, segundo dados do Ministério da Saúde, é de 386 mortes por covid-19 a cada 100 mil habitantes. No Brasil, esse índice é de 309 mortes e, no Estado de Santa Catarina, 299 mortes a cada 100 mil habitantes.

O contexto do vídeo

O vídeo divulgado pela deputada no Twitter é um recorte de 1 minuto e 59 segundos de um painel de discussão intitulado “COVID 19: A Second Opinion” (Covid 19: Uma Segunda Opinião, em tradução livre), mediado pelo senador americano Ron Johnson. O encontro ocorreu no dia 24 de janeiro deste ano, no Senado dos Estados Unidos. A transmissão completa do evento tem 5 horas e 36 minutos de duração.

Na divulgação do painel, a organização afirmou que o objetivo era o fornecimento de uma “perspectiva diferente sobre a resposta global à pandemia”, com a proposta de mostrar “o estado atual do conhecimento sobre tratamento precoce e hospitalar, eficácia e segurança da vacina, o que deu certo, o que deu errado, o que deve ser feito agora, e o que precisa ser tratado a longo prazo”.

O evento teve participação de 12 pessoas. Entre eles está Pierre Kory, médico que aparece no recorte divulgado por Bia Kicis. Kory é um dos fundadores da Front Line COVID-19 Critical Care Alliance (FLCCC). No site da entidade, ele é identificado como especialista em cuidados pulmonares e críticos.

No vídeo, Kory faz críticas ao sistema de saúde dos Estados Unidos e faz defesa do tratamento precoce contra a covid-19. Como argumento, ele cita estudos realizados pelo mundo, entre os quais está o de Itajaí. Vídeos com recorte semelhante do painel também circulam em um canal do Telegram chamado Médicos pela Vida.

O Comprova verificou recentemente um conteúdo falso divulgado por Kicis que teve origem neste mesmo evento realizado no Senado dos EUA. Em outra postagem no Twitter, a deputada fez referência a um banco de dados militar do país para afirmar que houve um “aumento alarmante” de doenças graves após a vacinação contra a covid-19, obrigatória para membros da Forças Armadas americanas.

No entanto, um porta-voz do órgão de vigilância sanitária das Forças Armadas dos EUA afirmou que houve erro no código de programação da plataforma, o que causou distorção nos dados. O conteúdo foi considerado falso pelo Comprova porque se apoiou em dados incorretos, que já foram desmentidos.

A reportagem tentou contato com Kory pelo endereço de e-mail disponível no site da FLCCC, mas não houve retorno até esta publicação. A assessoria de Kicis disse que a parlamentar não iria se manifestar sobre o assunto.

No post da deputada, o vídeo tem a logo do Médicos pela Vida, grupo de profissionais brasileiros conhecidos por defender tratamento precoce contra a covid-19. O grupo também costuma criticar as vacinas, comprovadamente eficazes para reduzir os casos e mortes pela doença. Em nota, a entidade afirmou que não tem relação com a elaboração do estudo de Itajaí, mas demonstrou apoio à conclusão apresentada por seus autores e ao conteúdo do post de Kicis.

Quanto à divulgação do conteúdo no canal do Telegram chamado Médicos pela Vida, a instituição disse que não é responsável pela plataforma, mas ressaltou que concorda “em boa parte” com o que é divulgado no grupo. Não há, no Telegram, nenhuma forma de contato direto com os responsáveis por canais.

Exterior

No vídeo, Kory também cita o uso de ivermectina em outros países, como Argentina, Peru e Japão. A exposição que o médico faz sobre o país é vaga. Ele afirma que houve orientação da Associação Médica de Tóquio para uso de ivermectina durante um “surto de verão” e que isso teria levado a queda em taxas de hospitalização em comparação com outros períodos da pandemia, mas não cita datas.

Em agosto de 2021, o Comprova verificou e classificou como enganosa outra postagem de Kicis em que a deputada defendeu o uso da ivermectina no tratamento profilático contra a covid-19 usando como base uma declaração do presidente dessa associação japonesa, Haruo Ozaki.

O Comprova mostrou na época que Ozaki realmente fez a afirmação, mas o medicamento não está entre as substâncias aprovadas no país para uso no tratamento contra a covid-19, de acordo com lista divulgada no site da Agência de Produtos Farmacêuticos e Dispositivos Médicos (PMDA) do Japão.

No site do Ministério da Saúde da Argentina, o uso de medicamentos como tratamento precoce contra a covid-19 não está entre as sugestões para que a população faça prevenção contra a doença.

No Peru, documento oficial do governo afirma que não há evidência para recomendar remédios para pacientes com suspeita ou confirmação de covid-19, mas o texto destaca que há estudos em andamento.

Por que investigamos?

O Comprova verifica informações suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais ou aplicativos de mensagem sobre políticas públicas do governo federal, eleições presidenciais e a pandemia da covid-19. A publicação checada teve 2.744 compartilhamentos, 107 comentários e 6.644 curtidas até o dia 23 de fevereiro.

O Estadão Verifica e a Agência Lupa também verificaram publicações que citam o estudo realizado em Itajaí e concluíram que o levantamento não prova que a ivermectina é eficiente contra a covid-19.

Outras checagens feitas pelo Comprova já mostraram ser enganoso que a Universidade de Oxford encontrou ‘fortes indícios’ da eficácia da ivermectina contra a covid-19, que ivermectina em altas doses pode causar até convulsão e que antiviral em teste da Pfizer não tem ivermectina na fórmula.

Para o Comprova, enganoso é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Saúde

Investigado por: 2022-03-03

Não há comprovação que morte de menino em Arujá (SP) tem relação com vacina

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o vídeo que atribui a morte de um adolescente de 12 anos à vacinação contra a covid-19. O caso está sob investigação do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) do Estado de São Paulo. Além disso, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não há até o momento confirmação de mortes de crianças associadas a eventos adversos pós-vacinação da covid-19.
  • Conteúdo verificado: Um vídeo publicado no Instagram e em grupos de WhatsApp atribui a morte de um adolescente de 12 anos à vacinação contra a covid-19.

É enganoso um vídeo que circula no Instagram e no WhatsApp e que relaciona a morte de um adolescente de 12 anos em Arujá (SP), no dia 3 de fevereiro de 2022, à vacinação contra covid-19. O médico legista responsável pela necropsia informou ao Comprova que o óbito ocorreu devido a uma malformação vascular. Já a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo comunicou que a investigação ainda está em andamento, não sendo possível associar o óbito à imunização.

O vídeo traz imagens da criança e uma narração feita pelo pai. Ele afirma que o menino sofreu um infarto fulminante enquanto andava de bicicleta. O homem também diz que foi questionado pelos médicos e pelo perito do Instituto Médico Legal (IML) se o filho havia sido vacinado contra a covid-19. Nas imagens são mostrados um atestado de óbito e uma carteira de vacinação.

A Secretaria Municipal de Saúde de Arujá disse que só será possível atestar a causa do óbito após a conclusão do exame necropsia emitido após cerca de 40 dias da morte.

O Comprova falou com Luciley Cavalcante, mãe do adolescente, por mensagens em uma rede social. Ela informou que o menino nunca foi ao cardiologista, mas que fazia consulta de rotina com o médico da família a cada seis meses.

Segundo Luciley, a desconfiança deles quanto à vacina se deu pelas perguntas que os profissionais do IML fizeram sobre a vacinação do menino quando o corpo foi liberado.Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, responsável pelo IML, não existe um protocolo de questionamento quanto à vacinação nessas situações.

Os familiares foram procurados pela Secretaria Estadual de Saúde. A mãe confirmou que os médicos que atenderam o menino mencionaram doenças cardíacas pré-existentes como causa da morte.

O perfil que publicou o vídeo também foi procurado pela equipe, e respondeu que deveríamos procurar a mãe da vítima e nos encaminhou um link com a postagem dela para um vídeo muito semelhante, mas com a narração dela.

O conteúdo foi classificado como enganoso porque usa informações ainda em apuração para divulgar material antivacina.

Como verificamos?

No vídeo, localizamos a imagem do cartão de vacinação. No documento há o nome, local e dados das vacinas aplicadas. Em outro trecho da gravação, há uma imagem da certidão de óbito.

A resolução do vídeo é baixa e dificultou o entendimento de algumas das informações, porém conseguimos confirmar o nome da vítima, da mãe e do pai e o endereço residencial.

Pesquisamos no Instagram e através do nome, localizamos o perfil do adolescente.

Ao pesquisar as pessoas que ele seguia, localizamos o perfil da mãe. Como estava bloqueado, buscamos o mesmo nome no Facebook e encontramos a conta dela, Luciley Cavalcante, e do pai, Renildo Alves. A mãe também está divulgando o vídeo em suas redes sociais afirmando que a morte teria sido causada pela vacinação contra covid.

Entramos em contato com a família através das redes sociais.

No cartão de vacinação consta que o garoto foi imunizado na Unidade Básica de Saúde Municipal Parque Rodrigo Barreto, em Arujá/SP. A primeira dose foi administrada em 9 de setembro de 2021 e a segunda em 6 de dezembro de 2021, ambas da Pfizer.

Enviamos e-mail solicitando informações sobre o caso para a Secretaria Municipal de Saúde de Arujá, Secretaria de Estado da Saúde, Ministério da Saúde, Anvisa, Pfizer e Polícia Civil de SP.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis até o dia 3 de março de 2022.

Verificação

Causa da morte

O pai do menino, Renildo Alves da Silva, conta no áudio que o garoto passou mal em frente ao portão de casa. Ele foi encontrado caído e com o rosto roxo. Segundo a mãe, Luciley Cavalcante, o menino foi levado para a UPA Barreiro, mesma unidade onde foi vacinado. Ele faleceu no local em 3 de fevereiro.

A família relata que o corpo foi levado ao IML e que o laudo ainda não foi disponibilizado a eles. Ainda no vídeo, o pai conta que o menino era saudável e realizava exames regulares. Ao Comprova, no entanto, a mãe relatou que a criança nunca foi atendida por um cardiologista.

O médico chegou a afirmar que “não foi constatada nenhuma relação com a vacinação”, mas não deu detalhes, e também não comentou sobre a condição prévia de saúde do adolescente.

A certidão de óbito também afirma que a morte foi provocada por causas cardíacas. O documento descreve: choque cardiopático, infarto agudo do miocárdio, arritmia cardíaca e miocardiopatia hipertrófica.

Mesmo assim, a Secretaria Municipal de Saúde de Arujá e a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo ainda apuram se há relação da morte com a vacinação. Em nota ao Comprova, a pasta estadual classificou como “precipitado e irresponsável afirmar, neste momento, que o caso está relacionado à vacinação”.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde não foram notificados sobre a morte em Arujá.

Brasil não tem mortes de crianças pelas vacinas

Não há registro de mortes de crianças relacionadas à vacinação contra o coronavírus. A informação foi divulgada pelo presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, em entrevista à Agência Senado no dia 16 de fevereiro deste ano. De acordo com Barra Torres, apenas dez crianças nos Estados Unidos tiveram efeitos adversos graves após a vacina, mas todas tiveram alta médica.

A vacinação de adolescentes contra a covid-19 no Brasil é feita com a Pfizer e a Coronavac. O grupo de 12 a 17 anos, do qual o menino fazia parte, passou a ser vacinado em setembro de 2021, após recomendação do Ministério da Saúde.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos suspeitos que circulam nas redes sociais ou aplicativos de mensagem sobre a pandemia do coronavírus, eleições e políticas públicas. O conteúdo verificado teve mais de 61 mil interações apenas no Instagram. Também é possível localizar o vídeo enganoso no Facebook e ele circula também no WhatsApp.

Não há até momento a confirmação de que a morte do menino tenha sido causada pela vacina da Pfizer. Assim, o conteúdo compartilhado contribui para a disseminação de notícias falsas sobre a vacinação contra o coronavírus.

Em outras verificações, o Comprova já mostrou ser enganoso, um post que relacionava a morte de uma criança com CoronaVac e que não há registro de mortes de crianças causadas por vacinas contra a covid-19 no Brasil.

Enganoso para o Comprova é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.