O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Saúde

Investigado por: 2021-12-03

É falso que a África do Sul tenha questionado a existência da variante Ômicron

  • Falso
Falso
É falso que o governo da África do Sul tenha dito que a variante Ômicron não existe e que as internações são causadas por reação à vacina contra a covid-19. Em comunicado no site oficial do país, o presidente Cyril Ramaphosa não só confirma a descoberta da nova cepa do coronavírus como elogia os cientistas sul-africanos pelo “excelente trabalho”.
  • Conteúdo verificado: Mensagem viral no WhatsApp diz que o governo sul-africano teria dito que a variante Ômicron, assim como o vírus da covid-19, não existem. Segundo o texto, as pessoas ficam doentes por causa de uma reação do corpo humano às proteínas spike, presentes na vacina.

É falso que o governo da África do Sul tenha informado que a nova variante Ômicron do coronavírus não existe, e que o aumento de hospitalização identificado no país é resultado de reação à proteína spike, presente nas vacinas como afirma uma postagem disseminada por WhatsApp. Na verdade, em uma declaração publicada no site oficial do governo, o presidente Cyril Ramaphosa afirma que os cientistas sul-africanos identificaram a nova cepa.

Ouvido pelo Comprova, o virologista Flávio da Fonseca também afirma ser falsa a ideia de que o aumento de casos e hospitalizações na África do Sul seja causado pela proteína spike. Como os órgãos de saúde e cientistas já explicaram e Fonseca reforça, os sintomas são causados pelo RNA do vírus.

Ao contrário do que afirma o conteúdo, o Sars-CoV-2 existe, foi isolado e teve o genoma sequenciado em vários países, inclusive por universidades e centros de pesquisa brasileiros. A doença surge de um grupo de vírus conhecido – os coronavírus -, que já provocaram outras epidemias no passado, como as de Sars e Mers nas últimas duas décadas. Segundo o Ministério da Saúde brasileiro, o Sars-CoV-2 é o sétimo coronavírus a comprovadamente infectar seres humanos.

Variantes são novas versões do vírus que passaram por alguma mutação durante o processo de replicação dentro do corpo do hospedeiro. No caso da Ômicron, como anunciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ela possui várias mutações em relação ao Sars-CoV-2 originalmente encontrado em Wuhan, na China.

Dados preliminares indicam que a cepa pode facilitar a reinfecção de indivíduos, o que fez com que fosse classificada como variante de preocupação. Pesquisadores ainda tentam descobrir se as mutações da Ômicron a tornam mais transmissível ou induzem a quadros mais severos entre os infectados.

O Comprova considerou o conteúdo falso porque ele foi inventado.

Como verificamos?

Primeiramente, buscamos no site do governo da África do Sul a posição do país em relação à variante Ômicron. Também entrevistamos especialistas para entender se era possível que as internações fossem provocadas pela reação às vacinas.

Buscamos informações nos sites de autoridades de saúde, como a Organização Mundial da Saúde, o Ministério da Saúde brasileiro e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para entender o que são variantes de um vírus e o que esses órgãos dizem sobre elas.

Além disso, entrevistamos o microbiologista, virologista e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flávio da Fonseca, sobre as mutações que compõem a Ômicron e sobre a proteína spike, mencionada no conteúdo verificado.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 2 de dezembro de 2021.

Verificação

África do Sul reconheceu a Ômicron

Em um comunicado divulgado no dia 28 de novembro, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, disse que, mais cedo, naquela semana os cientistas do país identificaram uma nova variante do coronavírus que causa a covid-19.

O chefe do Executivo afirmou que essa nova cepa foi chamada de Ômicron, sendo classificada como uma “variante de preocupação” pela OMS. Ele também adiantou que ela tem mais mutações do que as demais variantes identificadas anteriormente.

“A identificação precoce dessa variante é resultado do excelente trabalho feito pelos nossos cientistas na África do Sul e um resultado direto do investimento que os nossos departamentos de Saúde e de Ciência e Inovação têm feito na nossa capacidade de vigilância genômica”, celebrou Ramaphosa.

Proteína Spike

Além de negar a existência da Ômicron, o conteúdo checado inventa que “se trata de uma reação do corpo humano com as proteínas spike contidas nas vacinas, não há vírus”. Como já informado pelo Comprova em verificação anterior, a proteína citada é exclusiva do Sars-CoV-2, fica em sua superfície e é a parte que conecta o vírus às células humanas no início da infecção.

A variante Ômicron possui uma mutação com 50 alterações genéticas no total. Destas, 32 estão na proteína spike do vírus. Essas alterações são detalhes no genoma do vírus que, ao se multiplicar no corpo humano infectado, podem passar por essas mudanças.

O Comprova contatou o virologista Flávio da Fonseca para analisar o conteúdo verificado. “Essa informação é completamente incorreta, falsa e sem embasamento científico”, afirma Fonseca.

Flávio explica o procedimento feito na detecção de uma nova mutação: “Quando se detecta uma nova variante, não é detectada pela proteína S. Se isola o genoma do vírus e ali detectam as mutações, não na proteína. Embora elas sejam afetadas, o método de detecção não é feito através delas”.

O virologista ainda ressalta que os sintomas causados pela infecção da covid-19 (independentemente de qual variante seja) são resultado do contato do corpo humano com o RNA viral que o está afetando, não por conta da vacina.

Ômicron é variante

Em um artigo em seu site, a Fiocruz explica que quando um vírus se replica dentro do corpo de um organismo, existe a possibilidade de ocorrerem erros na replicação, que são chamados de mutações. Quanto mais um vírus circula, como ocorreu com o Sars-CoV-2 ao se espalhar por todos os continentes, maiores são as chances de que ele passe por mutações, já que ele está se replicando mais e mais dentro de vários indivíduos.

Variantes são, portanto, vírus que passaram por uma ou mais mutações em parte de sua composição genética. Em geral, essas mudanças não têm impacto na capacidade do vírus de causar infecções ou doenças. Até junho deste ano, quando o texto da Fiocruz foi publicado, mais de mil variantes do coronavírus já haviam sido identificadas em todo o mundo. O problema acontece quando, durante essas mutações, o vírus se torna mais transmissível ou capaz de causar doenças mais graves. Essas são as chamadas “variantes de preocupação”.

A Organização Mundial da Saúde classificou a variante B.1.1.529 de variante de preocupação no último dia 26 de novembro, dando-lhe o nome de Ômicron. Desde o início da pandemia, o uso de letras gregas para representar as variantes foi adotado para facilitar a discussão com audiências não científicas. Por isso, outras variantes de preocupação ficaram identificadas como Alfa, Beta, Gama e Delta.

Identificada inicialmente pela vigilância genômica da África do Sul, mas já presente em outros países, a Ômicron tem um “vasto número de mutações, algumas das quais são preocupantes”, segundo a OMS. “Evidências preliminares sugerem um aumento no risco de reinfecções com essa variante em relação às demais”, indica a entidade.

No comunicado mais recente da OMS, do dia 28 de novembro, é dito que ainda não está claro se a Ômicron é mais transmissível ou pode tornar a doença mais severa, embora o número de infecções e de hospitalizações esteja em crescimento nas províncias sul-africanas onde a variante está circulando. Estudos têm sido conduzidos para determinar esses riscos.

Embora ainda limitados, os primeiros dados indicam que há mais chance de pessoas que já foram infectadas desenvolverem novamente a doença com a Ômicron. A OMS tem trabalhado para identificar o impacto da nova variante em quem se vacinou contra a covid-19. “Vacinas continuam tendo um papel crítico para reduzir casos graves e óbitos, inclusive em relação à variante dominante atualmente, a Delta”, afirma a entidade.

Vírus existe

O Sars-CoV-2, causador da covid-19, é um vírus da família do coronavírus, capaz de causar doenças respiratórias em seres humanos, que podem ir desde resfriados até casos letais. Vírus dessa família já haviam causado as epidemias de Sars (Severe Acute Respiratory Syndrome) em 2003 e de Mers (Middle East respiratory syndrome coronavirus) em 2012. Segundo o Ministério da Saúde, este é o sétimo coronavírus conhecido a infectar seres humanos.

O vírus foi inicialmente isolado a partir de um surto da doença em humanos na província de Wuhan, na China, em dezembro de 2019, o que explica o nome covid-19, que vem de “coronavirus disease 2019”, ou “doença do coronavírus de 2019” em português.

As primeiras análises já mostravam que o Sars-CoV-2 era geneticamente muito similar aos coronavírus encontrados em morcegos e, ao mesmo tempo, estava bem adaptado aos receptores de células humanas, o que permitia que ele as invadisse de forma fácil, infectando pessoas.

Desde que a OMS declarou a doença uma pandemia, em março de 2020, o Sars-CoV-2 foi não só identificado como teve o seu genoma sequenciado por pesquisadores independentes de todo o mundo. No Brasil, a Fiocruz, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) foram algumas das instituições que mapearam o código genético do vírus.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia, as políticas públicas do governo federal e as eleições de 2022 que tenham viralizado nas redes sociais. 

Quando o conteúdo é sobre o novo coronavírus, sua verificação é ainda mais necessária, já que informações equivocadas podem levar as pessoas a se colocarem em risco de contaminação ou evitarem estratégias de imunização, como as vacinas, consideradas pelas autoridades de saúde como principal instrumento para conter a disseminação do vírus.

O conteúdo verificado foi sugerido por leitores do Comprova via WhatsApp, onde circulou. Sugestões como esta podem ser encaminhadas pelo número (11) 97045-4984, ou clicando neste link. O mesmo conteúdo foi considerado falso por Aos Fatos e Boatos.org.

Recentemente, o Comprova publicou verificações mostrando como a desinformação tenta minar a confiança nas vacinas. Mostrou, por exemplo, que médico espalha tese infundada de que vacinados são perigosos e devem ser isolados; que a vacinação em massa não ampliou a taxa de mortalidade por covid, diferente do que afirma médico; e que uma ativista antivacina espalha boatos sobre AVC em pilotos e aborto em palestra.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-12-03

Médica distorce estudo para atacar vacinas e é desmentida pelo autor

  • Falso
Falso
Estudo não demonstra lesões em órgãos humanos decorrentes de vacina contra a covid-19, como alegado por médica em apresentação na Assembleia Legislativa de São Paulo. A afirmação foi desmentida pelo autor do artigo. Além disso, não há evidências de que as vacinas possam ser responsáveis por gerar inflamações nos vasos sanguíneos. Por fim, casos de miocardite associados ao imunizante são raros e há maior chance de desenvolver essas doenças quando se contrai a covid-19, sem a vacinação.
  • Conteúdo verificado: Circula pelo Kwai e pelo WhatsApp um vídeo de uma médica antivacina, alvo de outras verificações do Comprova. Desta vez, ela aparece em um evento na Assembleia Legislativa de São Paulo mostrando imagens de autópsias e fazendo diversas afirmações falsas sobre as vacinas contra a covid-19.

Médica antivacina faz declarações falsas contra as vacinas desenvolvidas para combater a covid-19 em um vídeo que circula por WhatsApp e pelo Kwai.

Já no início do vídeo, a médica Maria Emilia Gadelha Serra apresenta parte de um estudo para defender a tese de que os imunizantes causam lesões em órgãos humanos. O autor do artigo, contudo, negou ao Comprova que essa seja a conclusão da análise, explicando que o estudo, na verdade, atesta que a vacina deu imunidade a um paciente que morreu por embolia pulmonar, não associada ao imunizante e nem à covid-19.

A médica expôs, ainda, foto e vídeo de autópsias que seriam, supostamente, de pessoas que tiveram complicações nos vasos sanguíneos e sustenta que elas vieram a óbito por conta dos imunizantes.

Não são informadas as fontes dos estudos relacionados às imagens apresentadas, portanto, não foi possível assegurar que, de fato, se trate de uma cena gravada com pacientes que tiveram problemas gerados pelas vacinas, e sequer identificar se o vídeo se trata de um procedimento realizado em território nacional.

O médico Amaro Nunes Duarte Neto, doutor em patologia, membro da Sociedade Brasileira de Patologia e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), analisou as imagens e afirma não ser possível determinar, visualmente,, qualquer relação dos óbitos com as vacinas, explicando ser necessário haver uma integração do histórico clínico do paciente para estabelecer nexo causal.

Procurada, a Anvisa ressaltou que os dados de reação adversa e outros estudos não alteram o perfil de segurança conhecido para as vacinas em uso no país e que já foram publicados alertas sobre ocorrências de casos raros de trombose, miocardite e pericardite.

Ao ser procurada, a médica não respondeu aos questionamentos do Comprova sobre a origem das imagens e nem as encaminhou para que a reportagem conseguisse verificar os metadados — informações presentes em fotos e vídeos que mostram quando o registro foi feito, por quem e em que local.

O Comprova considerou o conteúdo falso porque é inventado ou sofreu edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

De início, a reportagem foi em busca das imagens apresentadas pela médica e identificou onde foi gravado o vídeo, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). As procuras ocorreram tanto nas redes sociais — Facebook, Instagram, Telegram e Twitter —, quanto por meio de ferramentas específicas para localizar a origem de imagens, como o InVid.

Na sequência, foram procuradas a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) —, que afirmou monitorar os raros casos de efeitos adversos ligados às vacinas —, e as farmacêuticas Pfizer e AstraZeneca.

O Comprova entrou em contato com Torsten Hansen, autor de um dos estudos citados pela médica, e entrevistou o médico Amaro Nunes Duarte Neto, doutor em Patologia.

O patologista Peter Schirmacher, também citado pela médica Maria Emília Gadelha, e a própria foram procurados, mas não se manifestaram.

Por fim, foram consultadas verificações anteriores do Comprova e de agências que já haviam verificado conteúdos semelhantes aos citados pela médica.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 2 de dezembro de 2021.

Verificação

Médica é desmentida por autor de estudo citado por ela

No início do vídeo aqui verificado, a médica mostra um estudo postmortem com paciente vacinado contra a covid-19 e diz ter havido lesões em praticamente todos os órgãos analisados: língua, pulmões, cérebro, traqueia, miocárdio, coração e rins. Ela declara ter sido o primeiro caso publicado na literatura médica e dá a entender que a causa dessas lesões seria a vacina.

Trata-se do “Primeiro caso de estudo post mortem em um paciente vacinado contra Sars-CoV-2”, publicado no International Journal of Infectious Diseases, em 16 de abril de 2021. O documento não trata, no entanto, do assunto ao qual se refere a autora do vídeo.

O Comprova conversou com um dos autores, Torsten Hansen, do Instituto de Patologia do Hospital da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, que declarou não ser verdade o que disse a médica brasileira. “O oposto está certo… a vacina (primeira dose, vacinação incompleta!) levou à imunogenicidade”, declarou. Ou seja, foi possível observar que o paciente, de 86 anos, criou imunidade contra a covid-19 após ter sido vacinado.

Ele encaminhou à reportagem, também, uma resposta anterior que os autores do estudo enviaram ao site americano FactCheck.Org, que analisou afirmações falsas feitas por um apresentador de programa de rádio sobre o mesmo estudo.

Conforme os autores, não houve nenhum achado específico que pudesse ser interpretado como efeito colateral da vacinação. Eles acharam interessante revelar, na verdade, um primeiro resultado por meio de relato de caso sobre que tipo de imunidade pode ser estabelecida após a primeira vacinação. Dessa forma, o estudo nada tem a ver com lesões supostamente provocadas pela vacina.

Eles explicam que o paciente recebeu a primeira dose da vacina da Pfizer e duas semanas e meia depois desenvolveu diarreia, sendo internado. Nesse ínterim, nenhum efeito colateral importante da vacina foi observado.

Durante a internação, o homem foi testado positivo para SARS-CoV-2 e, dois dias depois, morreu de pneumonia bacteriana. “O fato de o paciente, no exame de autópsia, não apresentar quaisquer sinais característicos para covid-19, embora sendo positivo para Sars-CoV-2, nos tentou a analisar a imunogenicidade, mostrando resposta relevante de anticorpos”, informaram.

Ainda segundo eles, foi levado em conta que o paciente só recebeu a primeira dose de vacina, portanto, a imunogenicidade não estaria totalmente estabelecida, uma vez que isso só ocorre passadas duas semanas da aplicação da segunda dose.

Os autores afirmam terem concluído que o paciente morreu em decorrência de pneumonia bacteriana e não de covid-19, apesar de ter testado positivo para a presença do vírus Sars-CoV-2. “Sugerimos que a resposta imune devido à vacinação foi capaz de prevenir (o desenvolvimento da doença) covid-19”.

Por fim, alertam que se trata de uma publicação de relato de caso, o que significa que foram apresentados dados interessantes de um único paciente e, sem dúvida, é necessária uma investigação mais aprofundada, incluindo cortes maiores de pacientes vacinados. “Portanto, nossos resultados devem ser interpretados com cuidado”.

Patologista só sugeriu que fossem realizadas mais autópsias em vacinados

A médica antivacina também apresenta um slide contendo a foto do patologista-chefe da Universidade de Heidelberg, Peter Schirmacher, e um texto afirmando que ele realizou mais de 40 autópsias em pessoas que morreram duas semanas após receber a vacina contra a covid.

A imagem sustenta que, de acordo com o especialista, de 30% a 40% destas pessoas morreram em decorrência das vacinas. Por fim, apresenta que o médico teria dito que as consequências fatais da vacinação são “subestimadas”. Este assunto já foi verificado por sites como Boatos.org e Observador, de Portugal, e considerado falso.

Conforme publicou a imprensa alemã (Süddeutschezeitung e F.a.z) em agosto deste ano, trata-se de uma suposição do patologista que de 30% a 40% das pessoas que morreram dentro de duas semanas após a vacinação possam ter sofrido reações ao imunizante.

Na ocasião, o patologista falou à Agência Alemã de Imprensa em Stuttgart, capital do estado de Baden-Württemberg, que acreditava haver grande número de casos não notificados de mortes por vacinação. Ele também se queixava que os patologistas nada notavam na maioria dos pacientes que morreram depois e possivelmente, conforme ele, em consequência de uma vacinação.

O patologista não apresentava, entretanto, dados ou estudos que justificassem a fala. A imprensa alemã alertou que outros cientistas discordavam do médico neste ponto, assim como a Comissão Permanente de Vacinação (Stiko) e o Instituto Paul Ehrlich, organização federal responsável pelas vacinas na Alemanha. A instituição apontou que reações graves, como morte após vacinação, são notificáveis ​​de acordo com a Lei de Proteção contra Infecções.

O Comprova enviou e-mail ao patologista, mas não recebeu resposta.

Não é possível analisar reação adversa visualmente

Durante a palestra, a médica mostra uma fotografia e um vídeo do que seriam duas autópsias das quais ela afirma ter participado em Brasília. Na primeira, com o nome da Pfizer acima, ela diz se tratar de um crânio aberto apresentando um coágulo, tratando-se de uma “hemorragia cerebral causada numa menina de dezesseis anos”.

Ao apresentar o vídeo que leva o nome da Astrazeneca ela declara se tratar dos seios venosos cerebrais e haver um trombo saindo de um seio. Acrescenta que as imagens são de uma mulher de 52 anos.

Em seguida, a médica argumenta que há pessoas sofrendo mortes por conta da formação de trombos, coágulos de sangue que levam à trombose, após serem vacinadas contra a covid-19, alegando que “essas vacinas, que não são vacinas, elas simplesmente desencadeiam uma inflamação da parede dos vasos, isso causa a chamada vasculite ou endotelite e naturalmente acontece um processo inflamatório e toda essa sequência de danos que podem e consequentemente vão levar à morte”.

O Comprova acessou as bulas, tanto da Pfizer quanto da Astrazeneca, e nenhuma delas apresenta essa condição com possível reação adversa.

A reportagem também entrou em contato com as duas farmacêuticas. A Pfizer afirmou que já distribuiu globalmente mais de 2,1 bilhões de doses da vacina ComiRNAty em mais de 161 países ao redor do mundo e não há alertas de segurança graves relacionados ao imunizante.

A empresa disse ainda que os benefícios da vacinação superam os potenciais eventos adversos, fato esse que é reforçado pela aprovação regulatória da vacina por autoridades em todo mundo. A AstraZeneca preferiu não se manifestar sobre o assunto.

Além disso, a reportagem pediu ao médico Amaro Nunes Duarte Neto, doutor em Patologia, membro da Sociedade Brasileira de Patologia e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, para que analisasse as imagens apresentadas pela médica durante a fala na Alesp e informasse se é possível identificar visualmente o efeito adverso de uma vacina naquelas condições.

Conforme ele, não há como determinar, por meio de imagens, qualquer relação do óbito com a vacina. Amaro Nunes explica que um evento adverso que pode ser associado a qualquer vacina – o que inclui as vacinas contra a covid-19 – é a produção de coágulos, mas que eles são inespecíficos.

“Não tem uma lesão característica que você olha na microscopia e diz que é decorrente de vacina”, afirma. O especialista disse ainda ser necessário haver uma integração da história clínica do paciente para estabelecer nexo causal. É preciso analisar o momento em que o paciente tomou a vacina e o momento em que aparece a doença, além de exames laboratoriais que o paciente fez durante a internação e a autópsia em si.

“Para atribuir uma morte ao evento adverso você precisa fazer a investigação que envolve epidemiologista, infectologista e patologista, precisa sentar e olhar todo o quadro clínico do paciente para estabelecer que existe um nexo causal entre a vacina e esse quadro clínico”, afirma.

O patologista explica que em São Paulo, onde a médica fez a fala, esse diagnóstico é feito durante a pandemia por grupos médicos específicos, associados à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, por meio do Grupo de Monitorização de Efeitos Adversos, ligado ao Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE).

De acordo com ele, mesmo nos casos de trombose associados com trombocitopenia (diminuição de plaquetas), que são um efeito adverso raro de vacinas com plataforma de adenovírus, é necessário fazer a análise do quadro clínico, com dosagem de anticorpos antiplaquetários 4 para estabelecer a prova definitiva de que existe nexo causal.

Nesta semana, cientistas divulgaram terem detectado de que forma a vacina da Astrazeneca gera coágulos, destacando, entretanto, que a combinação de eventos é muito rara.

Conforme o estudo, publicado no jornal Science Advances, uma proteína no sangue é atraída por um componente-chave da vacina – um adenovírus –, o que gera uma reação do sistema imunológico e esta, em combinação com outros fatores ainda não determinados, gera a trombocitopenia trombótica imune (PTI).

Para o médico, todos estes fatores devem ser pesados antes de se alardear uma morte supostamente causada por uma vacina. ”Neste momento de pandemia, quando a gente vê claramente uma diminuição dos casos de hospitalização e de mortalidade relacionados à covid-19, um relato desses pode alarmar pessoas e fazer com que elas sejam contra a vacinação, o que é algo ruim porque estamos vendo controle da doença”.

Amaro Nunes acrescenta que deveriam ser consultadas para falarem sobre a vacina as equipes da Secretaria Estadual de Saúde, como o Grupo de Monitorização de Efeitos Adversos – do qual ele faz parte –, epidemiologistas, o grupo de patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que trabalha com autópsias no período da covid-19, e do Instituto Adolfo Lutz, para onde os casos de São Paulo podem ser encaminhados para haver a análise das lâminas e estabelecer se há nexo causal, isso em discussão com o Grupo de Monitorização de Efeitos Adversos. “É dos laboratórios de referência do estado que precisa sair a definição de eventos adversos”.

Artigo citado por Gadelha é de opinião, e não científico

Ao citar o estudo que afirma que para cada criança salva pela vacina, outras 117 morrerão por conta dela, Gadelha utilizou como base um artigo publicado pelo doutor em economia política pela Universidade de Sydney, na Austrália, Toby Rogers. As informações sobre ele estão disponíveis neste site.

O artigo de Rogers foi compartilhado em uma conta criada dentro do Substack, plataforma on-line que fornece infraestrutura de publicação para boletins informativos.

Ou seja, não se trata de um estudo oficial, mas de um compilado de informações coletadas por Rogers que direcionam as conclusões para que a vacina seja caracterizada como vilã quando usada em crianças e adolescentes. Essa alegação já foi desmentida anteriormente, em checagens feitas pelo Comprova.

O site americano de checagem FactCheck.Org desmentiu as versões apresentadas pelo cientista político, que afirmava, de maneira enganosa, que a vacina contra a covid-19 gerava riscos pediátricos.

Em determinada altura do artigo de opinião, Rogers afirma, sem provas, que a agência de vigilância sanitária norte-americana Food and Drug Administration (FDA) “falhou em não fornecer dados”. O argumento é falso, visto que a FDA, assim como as demais agências reguladoras de vigilância sanitária ao redor do mundo, adotaram políticas específicas para analisar os riscos e benefícios dos imunizantes e avaliaram que efeitos adversos são raros.

Anvisa diz que efeitos adversos são acompanhados

Em nota enviada ao Comprova, a Anvisa ressaltou que entre as 312 milhões de doses dos imunizantes contra a covid-19 aplicados até o momento no Brasil, os dados de reação adversa e outros estudos não alteram o perfil de segurança conhecido para as vacinas em uso no país.

“A Anvisa já publicou alerta sobre ocorrência de casos raros de trombose em combinação com trombocitopenia, associados às vacinas [contra] covid-19 com plataforma de adenovírus”, diz um trecho da nota se referindo a este informativo. Em relação aos coágulos, trata-se de um risco já identificado e mapeado, segundo a agência.

O órgão afirmou ainda que a ocorrência de efeitos adversos, como miocardite e pericardite — que tem dados descontextualizados na apresentação de Emilia Gadelha — já são conhecidos pelas agências reguladoras do mundo, assim como a maior ocorrência entre homens mais jovens. O órgão afirma ainda que este possível evento já está descrito na bula dos imunizantes e que vem sendo acompanhado.

“Normalmente, os casos ocorreram com mais frequência em homens mais jovens e após a segunda dose da vacina e em até 14 dias após a vacinação. Geralmente são casos leves e os indivíduos tendem a se recuperar dentro de um curto período de tempo após o tratamento padrão e repouso”, diz a Anvisa.

Além disso, estudos indicam que o risco de miocardite provocado pela própria covid-19 é significativamente maior do que o provocado pela eventual reação à vacina.

Quem é a médica que aparece no vídeo

Médica otorrinolaringologista, com registro nº 63.451 no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), Maria Emilia Gadelha Serra se apresenta como presidente da Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica, uma prática contestada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que em Resolução de 2018 a definiu como “procedimento de caráter experimental, cuja aplicação clínica não está liberada, devendo ocorrer apenas no ambiente de estudos científicos”.

É comum ela fazer publicações em redes sociais nas quais tira de contexto dados sobre efeitos adversos de vacinas, colocando-se contra a vacinação para a covid-19. Além disso, faz discursos durante aparições públicas no mesmo sentido.

Apenas o Comprova já identificou que Maria Emilia Gadelha espalhou boatos sobre AVC em pilotos e aborto em palestra e que ela enganou ao dizer que vacinas contra covid são experimentais.

Desta vez, a médica esteve em ato solene na Alesp, realizado no dia 26 de novembro, com parlamentares e profissionais da área médica e jurídica, para debater sobre o passaporte sanitário.

O evento foi organizado pelo deputado Douglas Garcia (PTB), um dos autores do Projeto de Lei 668/2021, que pretende proibir exigência de vacinação para acesso a espaços públicos e privados. O texto tem outros 14 autores, dentre eles Janaina Paschoal (PSL) e Valeria Bolsonaro (PRTB), e atualmente tramita em comissões.

No próprio canal do Telegram, Maria Emilia Gadelha compartilhou vídeo de 30 minutos com a fala dela no evento, afirmando que o mesmo conteúdo foi removido do YouTube. Procurada pelo Comprova, ela não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O conteúdo em verificação foi compartilhado em grupos bolsonaristas no WhatsApp e também pela plataforma de vídeo Kwai onde teve 22,4 mil visualizações e foi compartilhado 1,5 mil vezes.

Vídeos como esse, principalmente quando são feitos por médicas como Emilia Gadelha, passam uma mensagem errada para a audiência que o recebe. Os cidadãos acreditam que a vacina desenvolvida para combater a covid-19 tem malefícios para a saúde e que não é capaz de proteger contra o vírus.

Dessa forma, a população fica em perigo, uma vez que sem a aplicação correta das doses da vacina, tornam-se mais vulneráveis à doença por aumentarem as chances de desenvolver a fase aguda do coronavírus.

Checagens anteriores do Comprova mostram que a mesma médica antivacina chegou a disseminar informações enganosas para desincentivar a vacinação contra a covid-19, como o vídeo em que ela afirma que os imunizantes são experimentais. Também já comprovamos ser falso que as vacinas agravam a doença.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-11-30

Médico espalha tese infundada de que vacinados são perigosos e devem ser isolados

  • Falso
Falso
Boato antivacina apela para declaração infundada de Christian Perronne, médico francês adepto de “teorias alternativas”, para espalhar desinformação. Ele não faz mais parte de grupo consultivo europeu da Organização Mundial da Saúde (OMS) e contraria evidências científicas ao sugerir que as pessoas imunizadas têm mais problemas e são perigosas para os outros.
  • Conteúdo verificado: Texto divulgado pelo grupo negacionista norte-americano America’s Frontline Doctors que reproduz fala do médico Christian Perronne e alega que a população vacinada contra a covid-19 é perigosa e deve ser isolada da sociedade durante os meses de inverno.

É falso que as pessoas vacinadas contra a covid-19 devem ser colocadas em quarentena porque seriam “perigosas” e enfrentam mais “problemas” do que aquelas que não receberam os imunizantes. Estudos científicos comprovam que a vacinação reduz o risco de infecção, hospitalização e morte. Além disso, pesquisas sugerem que, mesmo quando eventualmente contraem a doença, indivíduos imunizados têm menos chance de transmitir o vírus para outros.

A alegação falsa surgiu em uma conversa do médico Christian Perronne, adepto de “teorias alternativas” e acusado de espalhar desinformação sobre a pandemia na França, com um canal negacionista do Reino Unido. O discurso antivacina depois foi abraçado pela organização America’s Frontline Doctors, ligada a grupos de extrema-direita dos Estados Unidos que já foi alvo de uma série de checagens do Projeto Comprova e de veículos nacionais e estrangeiros.

Perronne realmente fez parte de um grupo consultivo europeu sobre imunização da Organização Mundial da Saúde (OMS), mas isso ocorreu antes da pandemia. Ele não integra atualmente o grupo e suas declarações não representam a posição da entidade no enfrentamento da covid-19. A organização afirma que as vacinas são eficazes e seguras e não recomendou o isolamento da população vacinada.

Especialistas consultados pelo Comprova explicam que colocar as pessoas vacinadas em quarentena durante o inverno é um discurso incorreto, sem embasamento científico. A recomendação é de que vacinados sejam isolados quando testarem positivo para a covid-19, assim como ocorre com qualquer outra pessoa. Reforçam ainda que a vacinação protege contra a doença e que o maior risco está entre aqueles que não receberam as doses.

O Comprova classificou o conteúdo como falso porque ele foi inventado e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

O Comprova iniciou essa checagem após receber de vários leitores uma mesma corrente no WhatsApp citando o America’s Frontline Doctors, assim como outro formato, em vídeo. Esse é um sinal de que o conteúdo se espalhou nos aplicativos de mensagem.

O primeiro passo da verificação foi encontrar as postagens originais, por meio de buscas por palavras-chave. Em seguida, foram pesquisadas mais informações sobre o médico Christian Perronne, as organizações e pessoas que divulgaram essas informações na internet.

Depois, o Comprova pesquisou a posição da OMS sobre as vacinas e apurou a existência de um grupo consultivo europeu sobre imunização. Em seguida, analisou as informações atuais sobre estudos científicos que tratam sobre a segurança e a eficácia dos produtos.

Dados oficiais de saúde em Israel e no Reino Unido foram levantados para analisar uma das afirmações feitas na mensagem, assim como uma verificação anterior do projeto Comprova que abordou declarações de um médico israelense citado novamente neste boato.

O Comprova entrou em contato com dois especialistas para esclarecer o assunto em questão: o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV) e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Flávio Fonseca e o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha.

Por fim, houve a checagem dos nomes de todos os outros médicos que supostamente teriam constatado que a vacina seria uma “arma biológica” — outra tese que não faz sentido diante do fato de que a segurança foi atestada pelas autoridades de saúde.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 30 de novembro de 2021.

Verificação

Vacinados não são ‘perigosos’

É falso que pessoas vacinadas sejam mais perigosas do que não vacinadas no contexto da pandemia. Pelo contrário, estudos científicos comprovam que os imunizantes reduzem a possibilidade de infecção pelo novo coronavírus, assim como a evolução para quadros graves, hospitalização e mortes. Evidências iniciais também sugerem que, mesmo em uma eventual contaminação, os vacinados transmitem menos o vírus para outras pessoas.

A eficácia dos produtos é medida por meio de estudos controlados, em que parte dos voluntários recebe a vacina e outro grupo, placebo. Nem médico, nem paciente sabem o que cada um tomou, em um método conhecido como duplo cego, que mitiga o risco de vieses comportamentais. Depois, as taxas de infecção, hospitalização e óbito são comparadas.

As quatro vacinas aprovadas no Brasil apresentaram as seguintes taxas de prevenção da doença: Coronavac, do laboratório Sinovac e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, 50,38%; Covishield, da Universidade de Oxford/Astrazeneca e produzida nacionalmente pela Fiocruz, 70,4%; a Comirnaty, da Pfizer/BioNTech, de 95%; e a Janssen, da farmacêutica Johnson & Johnson, 66,9%.

Isso significa que, nesses estudos clínicos rigorosos, com milhares de voluntários, as pessoas vacinadas tiveram menos chance de adoecer. O percentual se refere ao desfecho primário, ou seja, informa o quanto as vacinas protegem contra casos sintomáticos da doença em uma pessoa totalmente imunizada.

Os números são naturalmente ampliados quando o critério passa a ser o risco de hospitalização e de mortes — esses casos são muito mais raros entre as pessoas que receberam os imunizantes, a ponto de alguns estudos sequer terem registrado mortes entre milhares de voluntários no grupo vacinado.

Nos estudos clínicos, a Coronavac, por exemplo, demonstrou 78% de proteção contra internações, enquanto Covishield e Comirnaty tiveram 100% de eficácia nos dados iniciais da pesquisa e a Janssen, 85%. Vale ressaltar que nenhum imunizante elimina completamente a possibilidade de uma pessoa contrair covid-19 e vir a óbito, o que demonstra a necessidade de continuar se cuidando mesmo após receber a vacina em locais com alta circulação do vírus.

Todos esses dados foram analisados por órgãos de saúde de diferentes países, que concluíram que as vacinas são eficazes e seguras antes de autorizar o uso na população. Além disso, os resultados foram publicados em revistas médicas renomadas, como a The Lancet e a New England Journal of Medicine, depois que especialistas e o corpo editorial das publicações revisaram todos os aspectos técnicos das pesquisas.

A duração da proteção ainda é incerta, mas a imunidade adquirida pela vacina continua presente meses após a aplicação e funciona contra todas as variantes detectadas antes da Ômicron — esta, por ter surgido recentemente, ainda passa pela análise dos pesquisadores.

Alguns estudos levantaram a discussão de que o risco de contrair a covid-19 aumenta com o tempo e que algumas variantes, como a Delta, teriam mais sucesso em romper essa barreira. Por esse motivo, o Brasil e outros países recomendaram doses de reforço para a população.

Isolamento só para infectados

Presidente da SBV, o professor Flávio Fonseca ressalta que isolar todas as pessoas vacinadas é uma alegação incorreta, sem embasamento técnico ou científico. O que define a necessidade de isolamento é o eventual contágio, uma vez que os imunizantes reduzem a incidência de quadros graves de covid-19 e morte, mas não eliminam a possibilidade de contaminação.

Ele explica que nenhuma vacina hoje disponibilizada no país – Coronavac, Astrazeneca, Pfizer e Janssen – tem característica infecciosa para justificar o isolamento sugerido na publicação.

A Coronavac, esclarece Fonseca, é constituída por vírus morto e, portanto, não pode transmitir o patógeno de uma pessoa para outra.

A Astrazeneca e a Janssen são compostas por adenovírus não replicativos, isto é, são vírus vivos, porém manipulados geneticamente de modo que não têm capacidade de se reproduzir no ser humano e, consequentemente, de serem transmitidos.

Por fim, reforça o presidente da SBV, a vacina da Pfizer, assim como a Coronavac, não tem vírus vivo. A tecnologia utilizada pela Pfizer é do RNA mensageiro, que não se replica e não pode ser repassado pelos vacinados.

“Resumindo: nenhuma das vacinas existentes atualmente para covid-19 é caracterizada como infecciosa, capaz de causar infecção numa pessoa, ou ser transmitida de uma para outra. Então, esse conteúdo é absolutamente falso, é incorreto”, sustenta Fonseca.

Na mesma linha, o presidente da SBIm, Juarez Cunha, observa que o critério para isolamento das pessoas é o fato de estarem infectadas pelo Sars-Cov-2, e não por terem sido vacinadas.

Cunha diz ainda que a expressão “arma biológica” só se aplica aos imunizantes no sentido protetor e não de causar prejuízos. “A vacina vai fazer com que o organismo crie proteção, anticorpos para que, quando a pessoa tiver contato com vírus, já esteja com sua defesa encaminhada.”

Na avaliação do presidente da SBIm, publicações como este conteúdo verificado, que citam médicos, tentam conferir credibilidade às alegações apresentadas. Contudo, ressalta, são mentiras.

Juarez Cunha afirma que os efeitos adversos da vacina até podem ocorrer, mas são raros, e, ao contrário do alegado na postagem, a maioria dos casos de hospitalização e morte ainda hoje registrados pela covid-19 refere-se a pessoas não vacinadas.

Dados de Israel e do Reino Unido

O texto menciona a taxa de hospitalização em Israel e no Reino Unido entre os vacinados e os não vacinados para alegar que as vacinas não funcionam. A tese não se sustenta, segundo estatísticas oficiais.

O Ministério da Saúde de Israel informava 4.858 casos ativos de covid-19 no país nesta segunda-feira, 29 de novembro. Destes, 3.624 não estavam vacinados, o equivalente a 75%. Em contrapartida, a população com esquema vacinal completo respondia por 692 casos (14%). O grupo dos parcialmente protegidos contabilizava 542 (11%).

Chama atenção a quantidade de infecções em crianças de 5 a 11 anos, incluídas recentemente na campanha e ainda com baixo acesso aos imunizantes. Mas a quantidade de infectados que não receberam nenhuma dose é superior em todas as faixas etárias em Israel, independentemente do nível de cobertura.

Na contagem de casos graves, que pode ser entendida como a quantidade de internados com a doença no país, a diferença é brutal: 96 dos casos estavam entre os não vacinados (83%), 10 entre os parcialmente vacinados (9%) e 9 na população totalmente imunizada contra a covid-19 (8%).

O levantamento mostra que, mesmo utilizando apenas os dados absolutos, as hospitalizações em Israel ocorrem principalmente entre a população que não tomou a vacina. Ao se analisar a quantidade relativa, ou seja, o número de casos a cada 100 mil habitantes em cada um dos três grupos (vacinados, parcialmente vacinados e não vacinados), essa diferença é ainda mais representativa.

Isso porque a maioria dos israelenses já está imunizada contra a covid-19: 57,6% da população havia recebido as doses necessárias até 28 de novembro, além de 67% estarem ao menos parcialmente protegidos com uma dose.

A tabela divulgada pelo Ministério da Saúde, ajustando pelo tamanho desigual do público exposto, torna ainda mais evidente o fato de que a vacina reduz o risco de contrair a doença e desenvolver quadros graves, como pode ser verificado aqui (o conteúdo original está disponível em hebraico e foi traduzido por meio do Google Tradutor).

Para o Reino Unido, o Comprova não encontrou uma base de dados aberta informando o percentual de casos ativos e internações entre vacinados e não vacinados, mas a Agência de Segurança de Saúde divulga esse tipo de análise em seus boletins semanais sobre a covid-19. O documento mais recente foi publicado em 25 de novembro e compila dados das quatro semanas anteriores.

O relatório do órgão britânico mostra que as vacinas reduziram a necessidade de internação e também as mortes em todas as faixas etárias. Isso pode ser constatado em uma tabela que compara a quantidade de pessoas hospitalizadas e de óbitos pela covid-19 no Reino Unido a cada 100 mil habitantes.

Já a incidência geral de casos de covid-19 tem sido maior no grupo de vacinados em alguns espectros de idade, mesmo ponderando pelo tamanho da população exposta em cada um dos grupos. Ainda assim, esse tipo de informação deve ser analisada com cautela e não serve para contestar a efetividade das vacinas, conforme explica a própria fonte dos dados em uma página de transparência.

Segundo a Agência de Segurança de Saúde do Reino Unido, alguns exemplos de fatores que podem ocasionar um aumento ou uma redução artificial nas taxas medidas a partir da quantidade de total casos de covid-19 são:

  • pessoas totalmente vacinadas podem ser mais conscientes em relação à saúde e inclinadas a fazer testes de covid-19 quando apresentam sintomas;
  • muitas das pessoas que completaram o esquema vacinal primeiro pertencem a grupos de risco;
  • aspectos comportamentais diferentes em cada um dos grupos podem afetar o risco de exposição ao novo coronavírus;
  • o grupo de pessoas não vacinadas pode incluir indivíduos que adquiriram imunidade natural contra a doença após uma contaminação prévia.

O presidente da SBIm, Juarez Cunha, explica que, quando há um grande percentual da população imunizada, proporcionalmente, até pode haver um número maior da doença registrado entre os vacinados. Mas, segundo ele, é preciso avaliar todas as variáveis, inclusive a circulação de variantes, como a Delta, que no Reino Unido e em Israel se apresentaram de maneira diferente do Brasil.

“São muitas variáveis para analisar. Outra também é o desfecho dessas pessoas (recuperação ou morte), tanto vacinadas quanto não vacinadas. É preciso muito cuidado ao avaliar os números. Numa população em que 80% está vacinada e 20% não está, provavelmente o número de pessoas que vão se infectar, mesmo vacinadas, vai ser importante, até porque a proporção de vacinados é muito maior”, argumenta.

Segundo o governo do Reino Unido, 68,9% da população estava totalmente imunizada contra a covid-19 e 75,8% receberam ao menos a primeira dose da vacina até 28 de novembro.

De acordo com o documento da Agência de Segurança de Saúde do Reino Unido, estudos científicos com metodologias adequadas mostram que, mesmo em um cenário de dominância da variante Delta, a eficiência da vacina contra a infecção está estimada em 65% para a Astrazeneca e 80% para a Pfizer/BioNTech. Evidências apontam ainda uma redução drástica na quantidade de internações e mortes e também uma chance reduzida de transmissão no caso de uma eventual contaminação.

Declarações de médico israelense

O médico israelense citado nos conteúdos falsos que circulam no Brasil é Kobi Haviv, diretor-médico do Herzog Hospital de Jerusalém. A sua entrevista ao canal 13 foi distorcida anteriormente, como mostrou uma verificação do projeto Comprova, publicada em agosto.

Na fala, Haviv afirma que de 85% a 90% das pessoas hospitalizadas no Herzog estavam vacinadas e que a efetividade da vacina poderia estar diminuindo. O dado de 95% entre os pacientes gravemente enfermos não aparece na entrevista, apenas na legenda original em hebraico feita pela emissora local de televisão.

É falso que essa declaração demonstre que as vacinas não funcionam, como sugere o boato. O Comprova mostrou que Israel realmente apresentava uma quantidade maior de pessoas vacinadas entre as internadas naquele momento, considerando números absolutos. Entretanto, o conteúdo omite que um percentual muito maior de idosos estava imunizado naquele momento, o que torna essa comparação injusta.

Quando a análise é feita considerando o tamanho da população imunizada versus o grupo de pessoas que não receberam as vacinas — ou seja, o número de internados a cada 100 mil habitantes, como orienta o Ministério da Saúde de Israel — o país tinha uma taxa de hospitalização maior entre os não vacinados, em todas as faixas etárias. Esse cenário indica que as pessoas que não tomaram as vacinas estavam sob maior risco de precisar de suporte médico, como esperado.

O boato ainda omitia o fato de que a unidade hospitalar de Haviv atende predominantemente pessoas idosas, maior faixa etária vacinada do país, e que o médico defende as vacinas e aplicação de doses de reforço.

Teoria antivacina

Ao final da mensagem, o boato analisado pelo Comprova parece recuperar uma teoria infundada que circulou anteriormente na Alemanha e falava sobre um suposto “enfraquecimento do sistema imunológico”. O boato alega que as vacinas aumentariam, assim, o risco de morte por outras doenças que não a covid-19.

A história não passava de uma distorção maldosa de uma pesquisa holandesa, não revisada por pares, que analisou a resposta imune de 16 pessoas imunizadas com a vacina da Pfizer/BioNTech. Um dos pesquisadores envolvidos refutou a interpretação dada nas redes sociais ao estudo em entrevista à rede alemã Deutsche Welle.

“Em nosso estudo não obtivemos nenhum dado clínico que nos permita dizer que a vacina enfraqueça o sistema imunológico e que os inoculados sejam mais suscetíveis a infecções e outras doenças”, afirmou Mihai Netea, da Universidade Radboud, da cidade holandesa de Nijmegen.

De acordo com os estudos clínicos que embasaram a aprovação das vacinas contra a covid-19 no Brasil, a maioria das pessoas desenvolve efeitos colaterais de caráter leve a moderado, como dor no braço e sintomas semelhantes a uma gripe, poucos dias após a aplicação das doses. A campanha de vacinação é monitorada pelos órgãos de saúde, que avaliam constantemente a incidência de eventos graves e inesperados.

Origem da desinformação

Tanto a corrente de WhatsApp quanto o vídeo falso verificado pelo Comprova se baseiam em um texto espalhado pelo America’s Frontline Doctors, em 17 de agosto de 2021, com o título: “Especialista em imunização: pessoas não vacinadas não são perigosas; pessoas vacinadas são perigosas para os outros”.

O site é mantido por uma organização de médicos negacionistas dos Estados Unidos que costuma espalhar teses pseudocientíficas e desinformação sobre covid-19. Uma de suas ativistas mais conhecidas, por exemplo, já apareceu em um evento religioso dos Estados Unidos dizendo que as vacinas causariam efeitos adversos nunca relatados.

O grupo ganhou notoriedade ainda no ano passado, após aparecer em frente à Suprema Corte mentindo que existiria uma “cura” para a doença e que as máscaras seriam dispensáveis durante a pandemia. Esse boato foi compartilhado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e pela cantora Madonna.

Recentemente, o America’s Frontline Doctors passou a ser investigado por um subcomitê do Congresso dos Estados Unidos. O grupo é acusado de lucrar mais de US$ 6,7 milhões ao promover remédios sem eficácia comprovada ou sabidamente ineficazes contra a covid-19 ao mesmo tempo em que anunciava a prescrição do kit em consultas de telemedicina.

Houve casos em que nem isso era garantido. A revista Time encontrou centenas de clientes que pagaram por um serviço que prometia a prescrição de ivermectina e depois não receberam nada, segundo reportagem publicada em agosto deste ano.

De acordo com uma apuração do site The Intercept, o America’s Frontline Doctors mantém laços estreitos com grupos de extrema-direita dos Estados Unidos e apoiadores de Trump, como o Tea Party Patriots. Simone Gold, uma das fundadoras e principais líderes do grupo, foi presa pelo FBI por participar da invasão ao Capitólio.

O boato atribui a tese de que “vacinados precisam ser isolados” a Christian Perrone, um médico francês que ocupou a vice-presidência de um grupo consultivo europeu de especialistas em imunização da OMS, alguns anos antes da pandemia de covid-19. Ele não faz parte da composição atual do grupo, segundo o site oficial da entidade.

As falas aparecem em um vídeo de Perronne divulgado pelo America’s Frontline Doctors, sem explicar o contexto da declaração. A origem, segundo apurou o Comprova, é uma gravação de quase uma hora e meia em que Perronne conversa com um canal chamado “UK Column”. Esse site adota a linha antivacina e teorias da conspiração, como a de que o coronavírus seria uma “arma biológica” e a pandemia, uma “farsa”.

De acordo com a imprensa francesa, Perronne se notabilizou na pandemia como um defensor de medicamentos ineficazes contra a covid-19, como a hidroxicloroquina, e foi alvo de queixas formais no Conselho Nacional da Ordem dos Médicos pela prática de “charlatanismo” e por desinformar a população a respeito da pandemia.

Em perfil publicado em novembro de 2020, o Le Monde mostrou que Perronne foi uma das “estrelas” de um documentário sobre “teorias alternativas” relacionadas com a covid-19. A reportagem confirma que, antes, o médico foi presidente da Comissão de Doenças Transmissíveis do Conselho Superior de Saúde Pública e teve responsabilidades em grupos de trabalho na Agência de Medicamentos e na Organização Mundial de Saúde.

Em 17 de dezembro de 2020, ele foi demitido de seu posto de chefia no Assistance Publique-Hôpitaux de Paris (AP-HP), que administra hospitais universitários na capital francesa e região, depois de acumular polêmicas. Em nota, a instituição comunicou que o ex-chefe do departamento de doenças infecciosas e tropicais do hospital Raymond-Poincaré em Garches (Hauts-de-Seine) foi afastado de suas funções por “comentários considerados inadequados para a função que exerce”.

“Ao sugerir que a pandemia era uma emergência fabricada para beneficiar as empresas farmacêuticas, Perronne se tornou um autor líder em vendas e uma referência no círculo antivacina”, destaca o canal France24, outro veículo de mídia a abordar as ações do médico. A reportagem aponta que esse tipo de atuação se tornou um desafio para as autoridades de saúde da França.

Em abril de 2021, a revista semanal L’Express publicou uma reportagem afirmando que Perronne já havia sido “marginalizado entre os especialistas em doenças infecciosas” antes do surgimento do novo coronavírus “devido às suas posições heterodoxas sobre a doença de Lyme”. A pandemia de covid-19 teria “exposto a tendência de Christian Perronne para teorias pseudocientíficas e até conspiratórias”.

O boato analisado pelo Comprova também circulou em formato de vídeo. Um homem que apresenta um canal chamado Marcão News faz a leitura do texto do America’s Frontline Doctors. Esse é o apelido de Marcos Antonio De Oliveira Santos, um ex-candidato a vereador de São Paulo pelo PRTB, em 2020.

Quem são os outros médicos citados na publicação

No conteúdo aqui verificado, o texto é finalizado citando oito nomes de supostos médicos a fim de conferir credibilidade às alegações apresentadas. Todos eles, entretanto, já foram alvo de checagem de veículos nacionais e internacionais, ou do Comprova, por desinformação relacionada à covid-19.

Ryan Cole é um dermatologista norte-americano especializado em patologia. Em agosto, o Comprova classificou como enganoso um vídeo em que o médico sugeria o aumento de casos de câncer de endométrio como consequência da vacinação.

Antes, ele já havia questionado a segurança e eficácia da vacina, alegação que foi contestada pelo FactCheck.Org.

Cole integra a Associação de Médicos Independentes do estado de Idaho, grupo formado em 2013 por profissionais que possuem suas próprias práticas médicas, com “liberdade de diagnosticar e tratar sem sobrecarga de interesses potencialmente conflitantes”, segundo define o site da organização.

Já Luc Montagnier é um médico francês, laureado com o Nobel de Medicina em 2008 por suas descobertas referentes ao HIV, mas posicionamentos recentes sobre a covid-19 têm se mostrado polêmicos e já foram refutados, como demonstrou o Estadão Verifica em maio.

Naquela ocasião, Montagnier havia afirmado, em um vídeo, que a vacina produzia novas variantes e seria responsável pelo agravamento da pandemia. O filme foi excluído das plataformas de compartilhamento de vídeo por se tratar de conteúdo de desinformação.

O francês também já havia sido citado em uma verificação do Comprova, que negava a contaminação por HIV de pessoas vacinadas na Austrália. A afirmação não foi feita por Montagnier, porém ele era referenciado pelo autor da publicação. A checagem foi realizada em dezembro passado e, naquele período, o médico fez inúmeras conjecturas sobre o surgimento do Sars-Cov-2, inclusive que teria sido criado em laboratório na tentativa de descobrir a vacina para a Aids. O conteúdo foi desmentido.

Em seu perfil, a norte-americana Carrie Madej se apresenta como osteopata – vertente de medicina alternativa. As declarações sobre a covid-19 já foram contestadas em diversas situações, como a publicação da AFP esclarecendo que imagens de um suposto “objeto estranho com tentáculos” em frasco de vacina não tinham valor científico.

O G1 e a BBC, por sua vez, classificaram como falso, em julho do ano passado, um conteúdo em que Carrie alegava que as vacinas poderiam gerar seres geneticamente modificados.

Mais recentemente, a médica voltou a aparecer com seu discurso antivacina. No início de novembro, passou a circular um vídeo em que ela ensinava um banho para “desintoxicação” daquelas pessoas que se sentiram obrigadas a tomar o imunizante contra a covid-19. Publicação da NBC News aponta que “os ingredientes do banho geralmente não são prejudiciais, embora os supostos benefícios associados a eles sejam inteiramente fictícios.”

Outro médico norte-americano que aparece na lista para validar o conteúdo aqui verificado é Robert Malone. Ele tem uma página pessoal na internet em que, entre outras afirmações, defende o tratamento precoce e o uso de ivermectina contra a covid-19, antiparasitário que, até o momento, não tem comprovação de eficácia para pacientes infectados pelo coronavírus. Nesse site, o médico demonstra ainda apoio a um movimento nacional contra a vacinação de crianças.

Em seu perfil, Malone se apresenta como o inventor da vacina de RNA mensageiro, tecnologia utilizada em imunizantes como o Comirnaty, da Pfizer, porém o conteúdo foi considerado enganoso em uma checagem do jornal Sapo, de Portugal.

A IstoÉ Dinheiro também apresentou uma reportagem da AFP, indicando que estudos científicos equivocados alimentam a desinformação sobre a covid-19. Entre os artigos avaliados está um de Malone que havia sido publicado em uma revista médica, que depois se retratou porque havia“vários erros que afetam fundamentalmente a interpretação das conclusões”.

Nesse grupo de médicos encontra-se também a brasileira Maria Emília Gadelha, otorrinolaringologista que, por diversas vezes, teve conteúdos analisados pela equipe do Comprova.

No mais recente, vários boatos foram divulgados pela médica durante o 2° Congresso Conservador Liberdade e Democracia, realizado em São José, na Região Metropolitana de Florianópolis, no dia 14 de novembro. No vídeo gravado durante o evento, ela afirmava que a vacina contra a covid-19 aumenta casos de AVC entre pilotos de avião e também de aborto espontâneo, o que é falso.

Outra manifestação de Maria Emília alegava que as vacinas são experimentais, o que não é verdade. A médica já teve conteúdos retirados das redes sociais por compartilhar desinformação.

Embora seja reconhecida como Dr Jane Ruby, a norte-americana não é médica. Numa checagem da PolitiFact, ela é descrita como economista da saúde e “analista política da Nova Direita” com doutorado em psicologia. O conteúdo verificado foi classificado como falso por afirmar que a vacina despeja milhões de perigosas proteínas no corpo humano.

Em outra publicação, Jane foi desmentida pelo First Draft News devido a falsas alegações sobre vacinas magnéticas, enquanto a Reuters sustenta que é falso vídeo alertando sobre supostas anomalias no sangue depois da vacinação. A participação de Jane neste caso, segundo a Reuters, é em um debate com outra pessoa de perfil antivacina, espalhando a desinformação.

Na relação dos que avalizam o conteúdo, tem ainda o cientista britânico Michael Yeadon. Em dezembro passado, ele afirmava que a pandemia tinha acabado e que as vacinas não seriam necessárias, conforme checagem da AFP. Nessa publicação, é traçado o perfil de Yeadon, que se apresenta como ex-dirigente da Pfizer. A farmacêutica confirmou que ele foi funcionário da empresa, mas não ocupou cargos de alto escalão.

Outro que nega a pandemia e está na lista é Roger Hodkinson, médico registrado no estado de Alberta, no Canadá. Suas declarações já estiveram na mira da Associated Press, bem como do Comprova, que definiu como falso um tuíte que usava afirmações de Roger.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre governo federal, pandemia e eleições que tenham atingido alto grau de viralização.

Desde o início da crise sanitária, conteúdos de desinformação circulam para minimizar os efeitos e riscos do contágio por coronavírus, promover medicamentos sem eficácia para a covid-19 e desacreditar a vacina. Todo esse movimento é prejudicial porque causa dúvidas na população que, por essas alegações, pode deixar de se proteger e ficar mais vulnerável à doença.

Assim como os médicos citados nesta checagem, não é raro o Comprova verificar conteúdos enganosos ou falsos compartilhados por profissionais da saúde que se mostram antivacina, a exemplo do que sugere erroneamente que a vacinação em massa amplia a taxa de mortalidade por covid-19 ou que o órgão sanitário dos Estados Unidos supostamente comprovou que não vacinados e reinfectados não seriam capazes de transmitir a doença.

Lupa e AFP desmentiram esse mesmo boato em novembro.

Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-11-29

Vacinação em massa não ampliou a taxa de mortalidade por covid, diferentemente do que afirma médico

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o conteúdo de um vídeo que circula no Telegram no qual um médico discursa contra a vacina da Pfizer desenvolvida para combater o coronavírus. Ao distorcer dados, ele tenta desacreditar a segurança e a eficácia dos imunizantes, sugerindo, inclusive, que a vacinação em massa ampliou a taxa de mortalidade em 2021, o que não procede.
  • Conteúdo verificado: Trecho de vídeo que exibe a participação de um médico em uma audiência pública sobre a exigência de passaporte sanitário em Sorocaba (SP) no dia 10 de novembro está circulando em grupos bolsonaristas no Telegram. Junto ao conteúdo, é compartilhado um texto que afirma que os imunizantes da Pfizer contra a covid-19 apresentam riscos para a população.

É enganoso conteúdo de vídeo publicado em redes bolsonaristas no Telegram, segundo o qual um médico afirma que as vacinas desenvolvidas pela Pfizer contra o coronavírus são nocivas para a população por falta de eficácia ou segurança. Também é enganoso que não haja solidez no acompanhamento da vacinação em gestantes e que pessoas vacinadas podem, sim, transmitir, mas a probabilidade é menor.

A vacina é comprovadamente eficaz tanto para evitar que haja contaminação quanto a transmissão da covid-19, além de reduzir as chances daqueles que venham a contrair o vírus de desenvolverem a forma grave da doença.

A reportagem contatou o médico Alessandro Loiola, autor do conteúdo verificado aqui, mas ele não respondeu até a publicação deste texto.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Como verificamos?

Inicialmente, a reportagem foi em busca de informações sobre a forma como a eficácia e a segurança das vacinas são aprovadas por órgãos reguladores de saúde, como a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Brasil; a Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos; e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), que faz a avaliação na Europa.

Na sequência, foram cruzadas as informações que Loiola apresenta em seu discurso com o que já foi comprovado sobre as vacinas — eficácia, segurança e procedimentos para aprovação de uso.

Além disso, enviamos um e-mail para o Ministério da Saúde questionando qual era a política definida no país para vacinação de gestantes e lactantes. A reportagem encaminhou, ainda, um e-mail para a Pfizer com pedido de esclarecimentos sobre os pontos citados no vídeo em verificação.

O Comprova também entrou em contato com a Câmara Municipal de Sorocaba (SP), cuja página do Facebook ainda mantém disponível o vídeo de Loiola, mas até a publicação desta reportagem não recebeu retorno.

O infectologista e médico no Hospital Sírio-Libanês Alexandre Cunha foi contatado para esclarecermos se o vídeo apresenta dados que encontram respaldo na realidade. Cunha comparou, ainda, as afirmações que Loiola defende no vídeo com os dados fornecidos pelo Our World in Data, site ligado à Universidade de Oxford.

Por fim, o Comprova enviou mensagem para Loiola para questionar as fontes das declarações feitas por ele. Até 29 de novembro, não houve retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 29 de novembro de 2021.

Verificação

Em buscas na internet, a reportagem conseguiu identificar que o vídeo se trata de um trecho retirado do discurso de Alessandro Loiola em uma audiência pública na Câmara Municipal de Sorocaba. O evento aconteceu no dia 10 de novembro e tinha como tema o uso do passaporte sanitário na região.

Desde o dia 23 de novembro, o conteúdo não está mais disponível no canal do órgão legislativo no YouTube por “violar as diretrizes da comunidade”. No entanto, a transmissão segue disponível no Facebook da Câmara. Entramos em contato com a Câmara, mas, até a publicação desta reportagem, não tivemos retorno.

As afirmações sobre a segurança e eficácia da vacina presentes no vídeo foram tiradas de contexto por Loiola, e repercutiram nas redes sociais e no WhatsApp. De acordo com os primeiros estudos lançados pela Pfizer sobre os imunizantes contra a covid-19, ainda em julho de 2020, os testes utilizaram adultos saudáveis entre 18 e 55 anos.

Contudo, isso não significa que os imunizantes, em suas fases iniciais, não foram aplicados em idosos e em imunossuprimidos, mas que, no início das testagens, fase de maior risco para qualquer categoria de fármaco, e não apenas os desenvolvidos contra a covid-19, apenas adultos saudáveis integravam as pesquisas.

O laboratório norte-americano anunciou em 18 de novembro de 2020 a conclusão da última fase de testes, que incluíam a imunização de pessoas de todas as faixas etárias acima dos 18 anos. Os imunizantes apresentaram 95% de eficácia em todas as idades, gêneros e etnias, segundo os laboratórios da Pfizer e da alemã BioNTech.

A 3ª fase de testes com a vacina desse imunizante começou em julho de 2020 e envolveu mais de 43 mil participantes em seis países, incluindo o Brasil, os Estados Unidos, Alemanha, Turquia, África do Sul e Argentina. Em dezembro de 2020, a farmacêutica deu entrada no pedido de uso emergencial das vacinas junto à Anvisa.

Orientações do Ministério da Saúde para gestantes

O Ministério da Saúde comunicou no dia 28 de julho deste ano, em seu site oficial, a orientação para grávidas e puérperas em relação aos imunizantes contra a covid-19. A pasta orienta que mulheres deste grupo que receberam a primeira dose da AstraZeneca recebam a segunda da Pfizer. O que implica dizer que os imunizantes, além de seguros, têm uso incentivado pelo órgão de saúde brasileiro, diferente do que afirma o médico no vídeo em verificação.

A imprensa brasileira também esclareceu, com base em estudos e declarações de cientistas, que as vacinas desenvolvidas pela Pfizer e pela Moderna são seguras para grávidas. As notícias desmentindo boatos sobre as duas farmacêuticas foram destaque na mídia após circular a informação falsa que gestantes teriam a placenta danificada caso recebessem as doses.

Vacina não é experimental

Em entrevista ao Comprova, o infectologista Alexandre Cunha disse que as informações apresentadas no vídeo “não fazem nenhum sentido”. “A essa altura do campeonato, questionar isso [a vacina] é uma narrativa completamente fantasiosa.”

O especialista também desmentiu o conteúdo apontando que a vacina não é experimental — mesma posição da Anvisa, da FDA, da EMA e Pfizer, conforme foi amplamente noticiado pela imprensa. Ele explica o que pode ou não ser definido, em termos científicos, como “experimental”.

“O conceito científico experimental é um produto qualquer que pode ser um medicamento ou uma vacina que não passou pelas fases de estudos clínicos. A gente tem estudo pré-clínico, que é o estudo feito em animais, podem ser ratos, camundongos, cobaias, depois a gente tem os estudos clínicos fase um, fase dois e fase três.”

Cunha detalha ainda que as vacinas contra a covid-19 já ultrapassaram a fase três e que está na quarta etapa de estudos. “A gente chama de fase quatro quando o produto não é mais experimental e já está sendo usado na vida real”, diz.

Ser contra a vacina é um “pensamento delirante”, segundo o infectologista. “É um absurdo, hoje, alguém querer falar contra a vacina”, afirma.

O que diz a Pfizer

Em nota encaminhada ao Comprova, a Pfizer informou que a vacina ComiRNAty, desenvolvida contra a covid-19, foi avaliada em estudo de fase três e apresentou eficácia global de 95% em toda a população participante.

A farmacêutica disse que a ação do imunizante foi analisada em diversos grupos, incluindo pacientes com condições clínicas de risco, sendo observada ainda uma eficácia de 94% em indivíduos acima dos 65 anos.

O laboratório argumenta ainda que a concessão do registro de uso definitivo, concedido pela Anvisa à vacina, atesta a segurança, qualidade e eficácia em públicos de diversas idades e condições imunológicas.

A Pfizer ressaltou que o estudo em gestantes também avaliou a segurança e tolerabilidade dos imunizantes aos bebês, além da transferência de anticorpos potencialmente protetores da mãe para o filho.

“Até o momento, especificamente sobre a vacina ComiRNAty, não há qualquer alerta de segurança ou preocupação, de modo que o benefício da vacinação segue se sobrepondo a qualquer risco”, diz a farmacêutica.

Mais de 2,1 bilhões de doses do imunizante produzido pela Pfizer em parceria com a BioNTech já foram distribuídas em mais de 161 países ao redor do mundo, até 25 de novembro de 2021.

É correto comparar a mortalidade de 2020 e 2021?

Loiola afirma no vídeo verificado que os 20 países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo tiveram aumento de até 1.600% no número de mortes após o início da vacinação da população.

No entanto, é incorreto comparar dados – seja de mortes ou casos de covid-19 – de dois anos e dois momentos diferentes da pandemia, da evolução de casos e da cobertura vacinal nos países. Anteriormente, o Comprova verificou e definiu como enganoso um post que comparava a mortalidade da covid-19 em 2020 e 2021.

Além disso, em uma verificação anterior o UOL Confere comprovou que o avanço da imunização nos Estados Unidos gerou queda no número de mortes pela doença entre janeiro — que foi o pico de casos no país — e julho deste ano. A verificação usou dados da Universidade Johns Hopkins utilizados pelo monitoramento do site Our World in Data.

Quem é o médico que aparece no vídeo?

O homem que aparece no vídeo é o médico Alessandro Loiola. Natural de Vitória, no Espírito Santo, Loiola apareceu em outra verificação recente do Comprova, que apontou que ele também é registrado como profissional no Conselho Federal de Medicina em Minas Gerais, nas áreas de cirurgia geral e proctologia.

Loiola é formado pela Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (Emescam), no Espírito Santo. No site do Conselho Federal de Medicina (CFM) constam três registros em seu nome, em diferentes estados: Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Os registros múltiplos são possíveis para médicos que atuam em cidades diversas.

O médico tem dezenas de milhares de seguidores nas redes sociais, como o Twitter e o Instagram, onde já fez diversas postagens relacionadas à pandemia de covid-19, falando em “riscos da vacina” e contra o uso de máscaras.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O conteúdo em verificação foi compartilhado em grupos bolsonaristas com mais de 45 mil inscritos no Telegram.

Publicações como essa deixam as pessoas mais vulneráveis em relação à imunização, ainda que essa medida sanitária seja a mais eficaz para evitar a contaminação, transmissão e quadros graves da doença.

Isso faz com que a população fique em perigo, uma vez que, sem as doses da vacina, há mais chance de exposição ao vírus e de desenvolver a fase aguda da covid-19, com risco de intubação e óbito.

O Comprova tem publicado verificações que desmentem boatos de internet que interferem negativamente na proteção contra a covid-19 ou que podem influenciar no processo democrático brasileiro, como o que esclareceu que o inquérito da PF não investiga fraude no processo de votação. Assim como o boato de internet que engana ao afirmar que o CDC coleta dados de pessoas reinfectadas transmitindo coronavírus.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

 

Saúde

Investigado por: 2021-11-26

Ativista antivacina espalha boatos sobre AVC em pilotos e aborto em palestra

  • Falso
Falso
Ao contrário do que diz médica, as vacinas contra a covid-19 não contêm grafeno ou células de fetos abortados, a Fiocruz não comprou cofre de R$ 130 mil, não há comprovação de que tenha havido aumento de AVCs em pilotos ou de abortos em gestantes após inicio da campanha de vacinação. Além disso, vários estados norte-americanos aprovaram hidrólise alcalina antes da pandemia.
  • Conteúdo verificado: Trecho de palestra de uma médica na qual ela afirma que as vacinas são tóxicas, contêm grafeno e possuem células de fetos abortados, que espera-se aumento de pessoas demenciadas em decorrência da imunização e que houve aumento dos abortos entre mulheres e AVC entre pilotos de avião vacinados. A palestrante acrescenta, ainda, que estados norte-americanos aprovaram leis para dissolver os corpos porque há a expectativa de tantas mortes a ponto de não haver tempo para sepultamento ou cremação.

São falsas as diversas alegações feitas pela médica Maria Emília Gadelha Serra em relação às vacinas contra a covid-19 durante evento realizado no dia 14 de novembro de 2021 e gravado em vídeo que circula no WhatsApp, Twitter, Facebook e Telegram.

Na palestra, ela diz ter havido aumento de abortos entre mulheres vacinadas, o que é desmentido pelas evidências científicas mais robustas e também pela ginecologista Cecilia Roteli Martins, presidente da Comissão Nacional Especializada em Vacinas da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), que afirmou ao Comprova não ter havido aumento de abortos durante a campanha vacinal.

Maria Emília Gadelha alega não ser seguro viajar de avião porque pilotos vacinados estariam tendo AVCs. A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) negaram ao Comprova haver tais registros vinculados à vacina entre esses profissionais.

A médica também diz que estados norte-americanos estão aprovando a utilização da hidrólise alcalina para decompor cadáveres por conta de um falso aumento de mortes pós-vacinação. O método, contudo, foi aprovado por vários estados antes da pandemia e está ligado a preocupações ambientais.

Diz, ainda, que a Fiocruz “resolveu comprar” um cofre importado de R$ 130 mil para guardar contratos com a AstraZeneca, mas o órgão informou ao Comprova estar projetando um espaço para condicionamento de diversos documentos que possuem cláusulas em sigilo, não apenas com a farmacêutica citada. A fundação ainda não abriu licitação, portanto, não se sabe quanto isso irá custar.

Maria Emília repete, no discurso, afirmações amplamente desmentidas, como a de que as vacinas possuem grafeno na composição ou que sejam feitas a partir de células de fetos abortados.

O Comprova considera falso o conteúdo que é inventado e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Atualização: Esta verificação foi atualizada em 29 de novembro para incorporar resposta do Ministério da Saúde. A atualização não modificou a conclusão da investigação.

Como verificamos?

O Comprova identificou, inicialmente, em quais circunstâncias o vídeo foi gravado e confirmou que se tratava da médica Maria Emília Gadelha Serra fazendo as alegações.

Em seguida, entramos em contato com a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela liberação de imunizantes no país e por monitorar dados de segurança após as vacinas serem liberadas para a população. Pedimos informações ao Ministério da Saúde, que enviou a resposta após a publicação da reportagem.

Entrevistamos a ginecologista Cecilia Roteli Martins, presidente da Comissão Nacional Especializada em Vacinas da Febrasgo, para informar as evidências científicas mais robustas sobre vacinação em grávidas.

Procuramos a Anac e a ABEAR para checar as alegações referentes à vacinação de pilotos.

Contatamos a Fiocruz para perguntar se há processo de compra de um cofre no valor de R$ 130 mil para armazenamento de partes do contrato com a AstraZeneca.

Consultamos checagens anteriores do Comprova para resgatar informações de alegações que já haviam sido refutadas.

Por fim, entramos em contato com a médica que fez as alegações, mas não obtivemos resposta.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 26 de novembro de 2021.

Verificação

Abortos não tiveram aumento

As evidências científicas mais robustas mostram que é falso associar as vacinas contra a covid-19 e a incidência de abortos espontâneos, diz a ginecologista Cecilia Roteli Martins, da Febrasgo. Ela explica que abortos espontâneos são muito comuns entre a 12ª e a 14ª semana de gestação por vários motivos, como malformação e deficiência hormonal. “Não houve nenhum aumento de abortos durante a campanha vacinal em comparação com o período anterior à pandemia.”

A Anvisa disse que até o momento foram aplicadas 305 milhões de doses das vacinas e que o perfil de segurança encontrado nos estudos clínicos não foi alterado. “Não há indicação ou dados que apontem um aumento na ocorrência de abortos como resultado de reações a vacinas”, diz a nota.

Um estudo conduzido pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) juntamente com nove sistemas de saúde dos Estados Unidos monitorou os casos de abortos espontâneos em gestantes vacinadas entre 15 de dezembro de 2020 e 28 de junho de 2021. Os resultados, publicados no Journal of the American Medical Association, mostram que não houve diferença estatisticamente relevante entre vacinadas e não-vacinadas.

As grávidas fazem parte do grupo que pode sofrer complicações mais graves da covid-19. A doença está associada a um número maior de mortalidade materna e risco de óbito fetal. Por isso, é importante que todas as gestantes se vacinem. O imunizante recomendado é o da Pfizer, em duas doses. “Relatórios do Ministério da Saúde mostram que as gestantes tomam a primeira dose, mas não retornam para a segunda, pois acreditam nas fake news que são disseminadas”, alerta a ginecologista da Febrasgo.

Empresas aéreas negam incidentes com AVC

A médica diz que “pilotos vacinados estão tendo AVCs” e que a malha aérea, militar e comercial, estaria “em risco”. A ABEAR informou que não existe nenhum registro de casos de AVC vinculados à vacina entre as associadas. Dentre elas, algumas das maiores companhias brasileiras como a Latam e a Gol. Em outubro, a associação já havia informado que todas as suas associadas tornarão obrigatória a vacinação contra a covid-19 de todos os seus funcionários até o final do ano.

Também procuramos a Anac, responsável por supervisionar a atividade de aviação civil no país. A agência afirmou que “desconhece tais informações”. Em março deste ano, a agência emitiu um comunicado aos médicos examinadores e serviços médicos de operadores aéreos recomendando o afastamento por 48 horas de pilotos que tenham sido vacinados contra a covid-19.

Na ocasião, afirmava que a orientação visava garantir a segurança das operações por conta de possíveis reações adversas, sem se referir ao AVC. “Embora a grande maioria dos efeitos colaterais relatados sejam leves e não coloquem em questionamento a segurança das vacinas aprovadas, eles podem ser potencializados em condições de voo, com ambiente hipóxico e hipobárico”.

Agora, ao ser procurada pelo Comprova, a Anac afirmou que o Ministério da Saúde é o órgão responsável pela emissão de recomendações médicas relacionadas à covid-19 para todos os setores e orientou que a reportagem o procurasse. 

Já Anvisa lembrou que a ocorrência de trombose é um evento adverso extremamente raro das vacinas de Adenovírus (Janssen e AstraZeneca) e que foi incluído na bula de ambos os imunizantes. Os eventos adversos mais comuns após a vacinação continuam sendo dor no local da aplicação, dor de cabeça e febre.

O órgão ressaltou que o AVC pode ter diversas causas e que “somente uma investigação de um caso concreto poderia apontá-las”.

A aplicação da vacina em pilotos é recomendada pelo Ministério da Saúde. Os trabalhadores do transporte aéreo foram classificados como grupo prioritário pelo Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid-19. São considerados tanto os funcionários de companhias aéreas quanto de aeroportos.

Em nota, o ministério informou que monitora a segurança e a efetividades de todas as vacinas incorporadas ao Programa Nacional de Imunizações (PNI). “A pasta ressalta que, até o momento, não foi identificada relação de causalidade entre a imunização contra a covid-19 e os casos citados”, diz.

Em junho deste ano, o Estadão Verifica já informou ser seguro para os imunizados contra a covid-19 viajarem de avião, ao contrário do que dizia um site antivacina. Na ocasião, afirmava-se falsamente que os vacinados poderiam desenvolver trombose, o que também foi negado pela Lupa.

Hidrólise alcalina é adotada nos Estados Unidos como alternativa ecológica

A adoção do método de dissolver corpos nos Estados Unidos é anterior à pandemia e não tem nada a ver com a vacinação contra a covid-19, como defende o discurso da médica aqui verificado.

Trata-se, na verdade, de um debate ecológico, como explica detalhadamente uma reportagem do Huffpost, apontando que a cremação, que libera carbono, é atualmente a prática mais popular de atendimento ao óbito no país, seguida do sepultamento, que muitas vezes utiliza embalsamento e tecido sintético. Ambos os processos envolvem matérias-primas e têm efeitos colaterais potencialmente perigosos ao meio-ambiente.

Em 2017, portanto antes da pandemia, a BBC esteve em uma funerária norte-americana em Minnesota que já realizava o processo. Na ocasião, um dos diretores, Jason Bradshaw, explicou que o método se trata da reprodução da decomposição natural pela qual o corpo passa quando é enterrado, mas de forma muito mais rápida.

Conforme ele, uma máquina pesa o corpo e calcula o quanto de água e hidróxido de potássio deve adicionar. A solução alcalina, com um pH de 14, é aquecida a 150 °C. O que leva décadas em um sepultamento, ocorre em 90 minutos no laboratório.

O Comprova identificou que alguns estados americanos aprovaram a hidrólise alcalina bem antes da pandemia do novo coronavírus, tanto por legislação própria quanto por modificações do significado do termo cremação em leis já existentes.

Em 2011, portanto oito anos antes do primeiro caso de infecção por covid-19 ser registrado no mundo, uma reportagem da NBC News já apresentava a discussão e afirmava que estados norte-americanos estavam considerando a legalidade de dissolver corpos, sendo que os proponentes defendiam os custos operacionais mais baixos e o fato de ser uma forma mais ecológica de descarte do que a cremação tradicional.

À época, o estado de Ohio, por exemplo, já permitia a utilização da hidrólise alcalina e a maior parte dos estados alterava a definição de cremação em suas legislações.

Mudanças mais recentes ocorreram na Califórnia, mas ainda antes da pandemia. Em 2017, o estado alterou a Seção 7611.9 do Código de Negócios e Profissões, pela Lei AB-967, que trata da eliminação de restos mortais por hidrólise alcalina. Com a alteração, passou a identificar que um “eliminador de restos mortais cremados” é uma pessoa que, por sua própria conta ou de outrem, dispõe, ou se oferece para descartar restos mortais humanos cremados ou hidrolisados, espalhando-os sobre a terra ou no mar.

A legislação entrou em vigor em 1º de julho de 2020, porém foi sancionada pelo governador do estado em 15 de outubro de 2017, quando já estava prevista a data em que passaria a vigorar.

| Captura de imagem da Lei AB-967, que trata da eliminação de restos mortais por hidrólise alcalina na Califórnia. Fonte.

Componentes das vacinas são seguros

A médica diz que a vacinação supostamente levaria a um aumento nos casos de demência. O Comprova já mostrou ser falsa a relação entre vacinas e a manifestação de demências como a doença de Alzheimer. A alegação é de que a causa seria o alumínio presente nos imunizantes, mas eles são usados em vacinas, desde 1930, para aumentar a resposta imunogênica. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, explica que a quantidade de alumínio presente nos imunizantes é segura.

Além disso, a Alzheimer’s Society, organização que atua em pesquisa e cuidado a pessoas com demência no Reino Unido, informa em seu site que “até o momento, nenhum estudo ou grupo de estudos confirmou que o alumínio esteja relacionado com o desenvolvimento da doença de Alzheimer”.

Vacinas contra a covid não possuem grafeno

A médica cita duas alegações amplamente desmentidas por agências de checagem e especialistas na área da saúde: de que as vacinas conteriam grafeno em sua fórmula e que teriam o efeito de magnetizar o corpo humano. Ambas as falas são falsas.

O Comprova mostrou, no começo de novembro, que o grafeno é uma das formas do carbono. Ele é estudado como adjuvante de algumas vacinas — utilizado para aumentar a resposta imunogênica — mas não foi utilizado em nenhuma das vacinas contra a covid-19 atualmente utilizadas no país. Em nota, a Anvisa disse que “a regulamentação de produtos estéreis é bastante rigorosa em relação à presença de impurezas, inclusive aquelas que possam ser resultantes do processo de produção de medicamentos e vacinas”.

Já a alegação de que as vacinas estariam deixando as pessoas magnetizadas apareceu depois que circularam vídeos nas redes sociais de pessoas com moedas “grudando” no braço. Mas dois professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mostraram que é possível obter o mesmo resultado apenas umedecendo o braço.

Vacinas não possuem células de fetos abortados

O polissorbato é um componente químico utilizado como solvente na indústria alimentícia e farmacêutica. Ele é utilizado para transformar todos os ingredientes da vacina em uma substância homogênea. O Comprova já explicou ser falso que fetos precisem ser abortados para que as vacinas sejam produzidas ou que os imunizantes contenham células dos fetos em sua composição.

A confusão ocorre por causa da produção da tecnologia empregada na vacina de Oxford-AstraZeneca, produzida no Brasil pela Fiocruz. Ela funciona por meio de um vetor adenovírus recombinante. Em outras palavras, os pesquisadores pegaram o vírus que causa gripe em chimpanzés, inofensivo para o corpo humano, e o alteraram geneticamente para que ele passasse a ter características do coronavírus. Ao ser injetado no corpo, as células de defesa do sistema imunológico vão aprender a identificar essas características e atacá-las. Assim, quando o corpo for infectado pelo coronavírus em uma infecção natural, ele já saberá como se defender.

Os adenovírus precisam se replicar em células mantidas em laboratório. Essas células são da linhagem HEK-293. Sua origem vem, sim, de um feto abortado legalmente na Holanda nos anos de 1970. Mas desde então, elas se multiplicam por meio de um mecanismo natural e é por isso que novos fetos não precisam ser abortados.

As cópias dessas células é que são utilizadas pela indústria e servem como “pequenas fábricas” para que os vírus atenuados possam se multiplicar. As células não entram na composição final do imunizante, apenas os adenovírus que se reproduziram nelas.

Fiocruz mantém sigilo em diversos contratos, não apenas com a AstraZeneca

O Comprova procurou a Fiocruz questionando se a fundação comprou – ou pretende comprar – um cofre de R$ 130 mil para guardar os contratos com a AstraZeneca, como afirma o conteúdo verificado, dando a entender que a fundação estaria tentando esconder informações relacionadas ao composto da vacina.

Em nota, a assessoria de comunicação informou que a afirmação feita no vídeo não está correta e acrescentou que a Bio-Manguinhos, unidade de tecnologia em imunobiológicos, está sim desenvolvendo um projeto, com prazo de 24 meses, para organizar uma estrutura de trabalho que atenda a evolução da legislação de acesso à informação, mas que o objetivo é a preservação do sigilo de mais de 20 contratos de transferência de tecnologia, não apenas do documento firmado para produção da vacina contra a covid-19. Todos eles, acrescenta, possuem cláusulas de sigilo, e há também outros documentos na mesma situação.

Conforme a Fiocruz, a estrutura será organizada no Centro Administrativo Vinicius Fonseca, prédio administrativo de Bio-Manguinhos no Rio de Janeiro, e inclui a compra de um cofre, sistemas de segurança e insumos, além da contratação de pessoal e outros serviços. Os valores do projeto são estimativos e todas as aquisições serão realizadas por licitação, incluindo a do cofre – que não precisa ser importado, mas sim atender às especificações e ter o menor preço. Os valores finais, destaca a fundação, dependerão dos custos com pessoal e dos processos licitatórios ainda não realizados.

Em relação à classificação de sigilo, o órgão explicou que vem acompanhando a legislação em vigor que trata do tema, em decorrência do aumento do fluxo de informações na administração pública, registradas em meio físico ou digital, abertas ou sensíveis. Neste sentido, as unidades da fundação estão adotando procedimentos padronizados e uniformes no que diz respeito à normatização das atividades de classificação e desclassificação de informações de acordo com a Lei de Acesso à Informação (12.527/2011). A Fiocruz diz que também orienta sobre o tratamento de informações classificadas segundo outras hipóteses legais, como as da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (13.709/2018), também relacionadas aos acordos de Transferência de Tecnologia como o firmado entre a Fiocruz e AstraZeneca.

A adoção dessas medidas, contudo, não se dá apenas em relação à AstraZeneca, explica a fundação, informando que somente no caso específico de Bio-Manguinhos, todos os contratos de transferência de tecnologia com parceiros para a internalização da produção de vacinas, kits para diagnóstico e biofármacos possuem cláusulas de sigilo.

“O compromisso no recebimento das tecnologias repassadas para Bio-Manguinhos/Fiocruz, via de regra, fica condicionado à manutenção do sigilo e confidencialidade das mesmas, dado o seu valor comercial para os parceiros que investiram inicialmente no desenvolvimento destes produtos e continuam a fornecê-los para o mercado privado”, diz a nota, afirmando que a estrutura que se pretende construir irá colaborar com a proteção de informações e de dados institucionais e pessoais relacionados a pesquisas e estudos clínicos, contratos, patentes e dados de pacientes.

A autora do post

Maria Emilia Gadelha Serra é médica otorrinolaringologista, com registro nº 63.451 no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp). Em seu perfil no Instagram, ela se apresenta como presidente da Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica. A prática é contestada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que em Resolução de 2018 a definiu como “procedimento de caráter experimental, cuja aplicação clínica não está liberada, devendo ocorrer apenas no ambiente de estudos científicos”.

Em seu Instagram, Serra tira de contexto dados sobre efeitos adversos de vacinas e faz postagens contrárias a uma eventual obrigatoriedade dos imunizantes. Ela afirma já ter sofrido sanções da rede social por conta de seus posts espalhando desinformação.

Procurada pelo Comprova, ela não se manifestou até a publicação desta reportagem.

O vídeo foi gravado durante o 2° Congresso Conservador Liberdade e Democracia, realizado, em 14 de novembro, em São José, na Região Metropolitana de Florianópolis. O evento contou com políticos e jornalistas alinhados ao governo federal, bem como ativistas antivacina e defensores de tratamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos enganosos sobre eleições, governo federal ou sobre a pandemia que tenham atingido alto grau de viralização. O conteúdo verificado foi sugerido por leitores do Comprova via WhatsApp, onde o vídeo circula. Sugestões como esta podem ser encaminhadas pelo número (11) 97045-4984, ou clicando neste link.

As alegações contidas neste vídeo também foram checadas pela Lupa e por Fato ou Fake.

Conteúdos falsos sobre a pandemia possuem grande apelo porque se aproveitam de dúvidas e receios da população. Eles são danosos porque tiram a confiança das pessoas nas instituições sanitárias e podem induzir comportamentos nocivos, como não se vacinar. A imunização com vacinas aprovadas por órgãos regulatórios é a principal estratégia disponível para conter novas infecções, hospitalizações e mortes.

O Comprova já mostrou ser falso que a vacina da Pfizer contenha ‘partículas contaminantes’. Também não é verdade que o número de pessoas infartadas em Israel tenha aumentado após a vacinação.

Falso, para o Comprova, é conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2021-11-26

Texto com críticas a Moro é de cientista político e não representa a opinião do New York Times

  • Enganoso
Enganoso
São enganosas as postagens compartilhadas no Facebook segundo as quais o jornal norte-americano The New York Times teria dito que o ex-juiz federal Sergio Moro corrompeu o sistema judicial brasileiro. O texto com críticas à Operação Lava Jato é de autoria de um cientista político e não representa a posição institucional do periódico.
  • Conteúdo verificado: Duas publicações feitas no Facebook criticam o ex-ministro da Justiça alegando que o “New York Times diz que Moro corrompeu o sistema judicial e é responsável direto pelo caos que o Brasil vive hoje”.

São enganosas as publicações segundo as quais o jornal norte-americano The New York Times teria feito críticas ao ex-juiz federal Sergio Moro, acusando-o de corromper o sistema judicial e ser responsável pelo caos do Brasil.

Em fevereiro deste ano, o jornal publicou um artigo do cientista político Gaspard Estrada com críticas à Operação Lava Jato, inclusive afirmando que ela se tornou um escândalo judicial e que contribuiu para o caos no Brasil. O texto representa, no entanto, a opinião pessoal do especialista, e não a posição institucional do Times. Apesar do artigo citar Moro como responsável por “iniciar” a Lava Jato, ele não é individualmente responsabilizado no texto pelos atos criticados.

Especialistas em redação jornalística entrevistadas pelo Comprova dizem que, ao contrário de uma notícia, que tem a função principal de informar, um texto de opinião busca defender um posicionamento. O gênero, porém, tem duas vertentes.

A primeira é o artigo de opinião, em que uma pessoa física emite uma opinião sobre algum tópico importante para a sociedade. Esse tipo de texto é assinado, indicando quem está emitindo aquela opinião, e frequentemente é escrito por pessoas que não trabalham para o jornal. Já a segunda é o editorial, não assinado ou assinado pelo próprio veículo, e representa as posições e visões institucionais do jornal.

No caso do NYT, o Comprova identificou que o jornal já publicou três editoriais mencionando Sergio Moro, sendo o primeiro deles de junho de 2016 e o último de janeiro de 2020. A visão do jornal norte-americano sobre o ex-juiz mudou com o tempo. Inicialmente tratado como um juiz que corajosamente enfrentou a corrupção no Brasil, o jornal diz que o vazamento de mensagens dos bastidores da operação mostram o que parece ser um “conluio ilegal” entre Moro e os integrantes da força-tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal. Mas não diz que o ex-juiz “corrompeu o sistema judicial” ou o responsabiliza “pelo caos que o Brasil vive”.

O Comprova tentou ouvir os dois perfis que publicaram o conteúdo verificado por meio do Facebook, mas nenhum deles respondeu até a publicação desta checagem. Um dos perfis fez uma postagem em um grupo público do Facebook de apoio ao ex-presidente Lula e o outro é uma postagem de uma página de apoio ao petista.

As postagens foram consideradas enganosas por retirarem o conteúdo de seu contexto original e usá-lo em outro, de modo que seu significado fosse modificado.

Como verificamos?

Primeiramente, buscamos no site do The New York Times todos os editoriais e artigos de opinião que o jornal publicou que tenham mencionado o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro. Na mesma página, buscamos entender como o jornal explica a diferença entre esses dois tipos de texto.

A partir daí, lemos o artigo do cientista político Gaspard Estrada, usado por um dos perfis para afirmar que o jornal americano teria dito que “Moro corrompeu o sistema judicial” brasileiro. Também lemos todos os editoriais citando o ex-ministro para saber o que o Conselho Editorial do Times escreveu sobre o ex-ministro da Justiça.

Por fim, entrevistamos duas especialistas para explicar a diferença entre editorial, artigo de opinião e notícia: Isaltina Gomes, doutora em Linguística e professora de Redação Jornalística da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e Marcelle Chagas, jornalista e mestranda em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Verificação

Menções a Moro no NYT

Uma busca na seção de Opinião do jornal The New York Times mostrou que eles publicaram três editoriais e nove ensaios de convidados (guest essays, no termo original) com os termos de busca “Sergio Moro”. Os editoriais que citam o ex-ministro foram publicados em 6 de junho de 2016 (A medalha de ouro do Brasil em corrupção, na versão traduzida para o português), em 12 de abril de 2018 (‘Lula’ está na prisão e a democracia brasileira está em perigo) e, o mais recente deles, em 21 de janeiro de 2020 (Brasil chama reportagem de Glenn Greenwald de crime).

Já os artigos de opinião saíram nos dias 23 de janeiro de 2018 (A democracia do Brasil empurrada para o abismo, por Mark Weisbrot); 10 de abril de 2018 (Testando a democracia do Brasil, por Carol Pires); 5 de julho de 2019 (Para onde você vai quando os cruzados anticorrupção estão sujos?, por Vanessa Barbara); 14 de agosto de 2018 (Lula: Há um golpe de direita em andamento no Brasil, por Luiz Inácio Lula da Silva); 26 de dezembro de 2019 (Por que as ruas do Brasil estão tão calmas?, por Vanessa Barbara); 24 de janeiro de 2020 (A guerra contra a verdade de Bolsonaro, por Petra Costa); 4 de agosto de 2020 (Exército de trolls vai às ruas no Brasil, por Patrícia Campos Mello); 21 de agosto de 2018 (Por que Lula deveria ter a chance de concorrer à Presidência, por Jorge G. Castañeda); e 26 de fevereiro de 2021 (A Operação Lava Jato não foi uma bala de prata, por Gaspard Estrada).

Segundo o próprio jornal, os ensaios de convidados são artigos de opinião para defender uma ideia, em busca de enriquecer o debate público e ajudar os leitores a entender o mundo. O Times descreve a seção como “um espaço para pessoas que não são jornalistas e que não têm nenhuma ligação institucional frequente com o Times falarem diretamente com os leitores”. Qualquer pessoa pode submeter textos para serem publicados como ensaios. O jornal promete ler e revisar todos os textos submetidos.

Os artigos publicados nessa seção trazem a palavra “opinião” escrita no topo da página. O nome e a profissão do autor também são mostrados antes do texto. Já os editoriais trazem o termo “editorial” no cabeçalho e são assinados pelo Conselho Editorial do jornal.

O atual conselho editorial do New York Times é formado por 13 jornalistas. Três deles são especialistas em assuntos internacionais: Alex Kingsbury, Serge Schmemann e Farah Stockman. “O conselho não fala pela redação ou pelo Times como um todo. Em vez disso, em meio às vozes individuais conflitantes da editoria de Opinião, visa a fornecer uma visão consistente e independente do mundo com base em valores institucionais testados pelo tempo”, descreve o próprio veículo.

Texto lincado

Uma das postagens verificadas pelo Comprova traz o link para o artigo mais recente com menção a Moro publicado pelo jornal, em fevereiro de 2021. Nele, o cientista político Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe da universidade francesa Sciences Po, especializado em América Latina, diz que a Lava Jato “se vendia como a maior operação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história do Brasil”.

Ele também diz que “o imenso capital político e social acumulado por Sergio Moro, o célebre juiz que iniciou a Lava Jato, e pelos procuradores tem se evaporado nos últimos anos”. Além disso, também afirma que “em vez de ajudar a erradicar a corrupção, conseguir maior transparência na política e fortalecer a democracia, a famosa operação contribuiu para o caos que o Brasil vive hoje”.

Em resumo, o artigo diz que a Operação Lava Jato contribuiu para o caos, se tornou o maior escândalo judicial do país, e sinaliza que Moro iniciou a operação, mas não diz diretamente que foi o ex-juiz o responsável por corromper o sistema judicial ou instalar o caos.

No texto, o autor fala em violações do processo judicial cometidas pelos promotores e “violação do princípio jurídico de não ser juiz e parte ao mesmo tempo”, cometida por Moro, ao afirmar que ele julgou e construiu a acusação contra o ex-presidente Lula.

Estrada diz ainda que, após a divulgação das conversas via Telegram entre Moro e os procuradores da Lava Jato, a força tarefa da operação passou a apresentar números no intuito de defender seus resultados, mostrando quantas pessoas foram presas ou condenadas, por exemplo. “No entanto, para conseguir isso, os promotores caíram em violações do devido processo sem reduzir a corrupção”, afirma.

O autor do artigo acrescenta ainda que, mesmo após a revisão pela Polícia Federal de parte dos diálogos divulgada pela imprensa, a mando de Moro, as conversas “confirmam que essa operação perverteu a Justiça, violou o estado de direito no Brasil e foi fator fundamental na construção da distopia que o país vive, com uma crise política exacerbada e com o segundo lugar mundial de mais mortes pela pandemia”.

Diferença de editorial, artigo de opinião e notícia

Em entrevista ao Comprova, a professora de jornalismo Isaltina Gomes explica que a diferença entre editoriais e artigos de opinião está ligada a quem é a pessoa que emite aquela posição. Segundo ela, não há diferenças estruturais de texto. “A diferença fundamental é em termos de assinatura. O editorial é a opinião formal do jornal. Em geral, não é assinado e a responsabilidade pelo que é dito é do jornal, enquanto empresa. O artigo é assinado e representa a opinião daquela pessoa física”, detalha.

A professora ainda chama atenção para o fato de que, enquanto alguns colunistas são pessoas contratadas pelo jornal para emitir opiniões e análises, outros artigos são escritos por autores externos, que publicam de forma voluntária, sem ter nenhum vínculo com o veículo. Isaltina diz não acreditar que um jornal publicaria um artigo de opinião que fosse frontalmente contra os seus valores.

Segundo a professora da UFPE, a notícia busca relatar fatos e, ainda que ela possa demonstrar um viés, na escolha de entrevistados ou na abordagem de um determinado assunto, seu objetivo é trazer informações. Já o texto opinativo relaciona essas informações em busca de defender uma posição.

Ao Comprova, a jornalista Marcelle Chagas também explicou a diferença entre artigo e notícia. “O artigo de opinião expressa, como o próprio nome diz, a opinião de alguém sobre um determinado assunto”, disse. “Já a notícia é produzida através da apuração de fatos que podem ter mais de um relato sobre o mesmo acontecimento. Garantido assim que a notícia seja divulgada da forma mais isenta possível”.

Segundo Marcelle, o artigo de opinião e a notícia jornalística, por estarem dentro de um espaço consolidado como produtor de fonte de informação confiável, impactam o leitor e ajudam a moldar a opinião da sociedade.

Ela pondera, no entanto, sobre a ausência de uma educação midiática que ensine sobre os diversos meios de informação. “Ainda existem poucas atividades de letramento midiático para auxiliar os atores sociais a entenderem essas mensagens informacionais transmitidas em diferentes formatos”, analisa.

O que o NYT realmente falou sobre Moro?

A leitura sobre os três editoriais publicados pelo New York Times com citações a Sergio Moro mostra que o olhar do jornal sobre a figura do hoje ex-juiz mudou substancialmente com o passar dos anos.

O primeiro editorial foi ao ar em 6 de junho de 2016, logo após Michel Temer (MDB) assumir a presidência do Brasil interinamente, depois do afastamento da então presidente Dilma Rousseff (PT). Naquela época, Moro foi citado no texto porque o jornal decidiu destacar dois trechos de um artigo que ele havia escrito em maio de 2016 para a revista Americas Quarterly. O juiz foi citado porque supervisionava as investigações do caso da Petrobras, que, segundo o editorial, havia acabado de culminar no afastamento de Dilma.

“‘Esquemas de corrupção sistêmica são prejudiciais porque afetam a confiança no Estado de Direito e na democracia’, escreveu Sergio Moro, o juiz federal que supervisionou a investigação da Petrobras, em um ensaio no Americas Quarterly no mês passado, acrescentando: ‘Crimes que são descobertos e comprovados devem, respeitando o devido processo, ser punidos'”, destacou o NYT.

O segundo editorial a mencionar Moro é de 12 de abril de 2018, cinco dias após o ex-presidente Lula se entregar à Polícia Federal para cumprir pena por sua condenação na Operação Lava Jato. Embora o editorial afirme que Lula está na prisão e a democracia brasileira está em perigo, o juiz da Lava Jato não é tratado com suspeição. Para o jornal, ele liderou corajosamente a operação contra o petista.

“Juízes como Sergio Moro, que corajosamente liderou a acusação na Operação Lava Jato, demonstraram que o Brasil tem instituições e meios para enfrentar até os mais poderosos – e mais populares – dos malfeitores”, diz um trecho do editorial.

o terceiro editorial a mencionar o ex-juiz foi publicado em 21 de janeiro de 2020 e dá outro tratamento a Moro. O texto critica como no Brasil o trabalho de jornalismo investigativo de Glenn Greenwald e da equipe do The Intercept Brasil — que denunciou as trocas de mensagens entre Moro e os promotores da Operação Lava Jato – foi tratado como se fosse crime.

Para o NYT, o país decidiu atacar o mensageiro, em vez da mensagem. O editorial menciona as suspeitas de corrupção do próprio ex-juiz na condução da operação. Isso aparece no texto quando o editoral diz que as mensagens vazadas “pareciam mostrar um conluio ilegal” entre Moro e os promotores e que elas sugeriam que Moro tinha violado a lei brasileira.

O texto diz que os artigos de Greenwald” revelaram uma verdade dolorosa sobre os que estão no poder” e que “perfurar a imagem heroica do Sr. Moro foi obviamente um choque para os brasileiros e prejudicial para o Sr. Bolsonaro”.

Por que investigamos?

Atualmente, em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre as eleições de 2022, as políticas públicas do governo federal e a pandemia que tenham viralizado nas redes sociais. Juntos, os conteúdos verificados tiveram mais de 1,1 mil interações no Facebook.

As publicações se enquadram no tema eleições, já que Moro, recém-filiado ao Podemos, é um dos pré-candidatos à Presidência da República em 2022. Segundo as pesquisas de intenção de voto, a corrida presidencial está sendo liderada pelo ex-presidente Lula (PT), cuja condenação por Moro na primeira instância foi posteriormente anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ver indícios de parcialidade no julgamento, e pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de quem Moro foi ministro da Justiça até deixar o governo acusando o atual chefe do Planalto de tentar intervir na Polícia Federal.

O Projeto Comprova mostrou recentemente ser falso que o Washington Post tenha publicado uma manchete elogiando o presidente Jair Bolsonaro e também que o surfista brasileiro Italo Ferreira tenha pedido a prisão de Lula em entrevista ao New York Times.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2021-11-26

Folha não publicou tuíte questionando se absolvição de jovem nos EUA pode estimular bolsonaristas a atirarem contra manifestantes no Brasil

  • Falso
Falso
É falsa a montagem que circula no Facebook simulando tuíte do jornal Folha de S.Paulo com o título "A absolvição do jovem supremacista branco nos EUA pode estimular brasileiros a atirar indiscriminadamente contra manifestantes pacíficos no Brasil?". O veículo não publicou tal conteúdo.
  • Conteúdo verificado: Montagem simula tuíte com título para texto da Folha de S.Paulo questionando se absolvição de jovem branco que matou dois manifestantes antirracismo nos Estados Unidos poderia estimular brasileiros bolsonaristas a atirarem contra membros do MST e do MTST.

É falso que a Folha de S.Paulo tenha publicado um tuíte com o título “A absolvição do jovem supremacista branco nos EUA pode estimular brasileiros bolsonaristas a atirar indiscriminadamente contra manifestantes pacíficos no Brasil?”. Montagem que circula no Facebook simula conteúdo usando, inclusive, o logo e o nome de usuário do veículo paulistano no Twitter.

Abaixo do título do meme há uma foto de Kyle Rittenhouse, jovem branco inocentado após matar dois manifestantes em um protesto contra o racismo em Wisconsin, nos Estados Unidos, ao lado de uma imagem do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Mais abaixo, está o endereço do site da Folha e o que seria uma explicação da suposta reportagem: “Sociólogo afirma que integrantes do MST e MTST correm risco de vida por causa da…”, assim mesmo, com reticências. Não há link para nenhum outro conteúdo.

Em uma rápida consulta no site do jornal e no Twitter, via TweetDeck, é possível verificar que não foi publicado nada nesse sentido. Contatada pelo Comprova, a Folha afirmou não ter publicado nenhum texto com esse teor e nem feito o tuíte com o conteúdo em questão.

A reportagem tentou contatar três páginas no Facebook que compartilharam o conteúdo, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. A postagem foi considerada falsa porque usa informações inventadas.

Como verificamos?

O primeiro passo foi fazer uma busca pelo título que aparece no conteúdo falso no site da Folha. Depois, para confirmar que não havia nenhum texto com aquelas informações publicado no Twitter, a mesma busca foi feita no TweetDeck.

A reportagem entrou em contato com três páginas que publicaram a montagem – @analisespoliticasdaesquerdabrasileira, @osshibumi e @paulobatistasp –, mas nenhuma delas respondeu.

Para contextualizar o caso do jovem absolvido, foram feitas pesquisas em sites da imprensa.

Verificação

O falso tuíte

Simulando um post da Folha no Twitter, o conteúdo verificado aqui inventa título de texto que o jornal não publicou. Além disso, a imagem mostra o link do site do veículo, mas, diferentemente do que ocorre nas redes sociais do jornal, não é possível clicar no endereço que aparece no montagem..

A Folha tampouco se referiu a Rittenhouse como supremacista. Há 17 textos sobre ele no site do jornal, sempre o descrevendo como “jovem branco” e “adolescente”.

O caso

Kyle Rittenhouse tinha 17 anos quando detido, após matar Joseph Rosembaum e Anthony Huber durante uma manifestação antirracista que ocorria na cidade de Kenosha, nos Estados Unidos, em agosto de 2020. Uma terceira pessoa foi atingida pelos disparos, mas, ao ser levada para o hospital, conseguiu sobreviver.

Em novembro do ano passado, ele foi liberado da detenção após pagar fiança de US$ 2 milhões. A defesa alegou que Rittenhouse agiu em legítima defesa. Rittenhouse respondia por ser um menor de idade em posse de arma de fogo, algo que é proibido em Wiscosin, e também por homicídio.

Mais de um ano após o episódio, em novembro de 2021 o júri inocentou o acusado. Os advogados do jovem afirmaram que ele foi “repetidamente atacado e atirou com medo de perder a própria vida”. Agora com 18 anos, Rittenhouse chorou após o veredito e desabou no chão antes de ser ajudado a voltar para sua cadeira.

O caso foi concluído em juízo após mais de três dias de deliberações e de oitivas que ofereceram perspectivas diferentes das ações de Rittenhouse na noite do crime.

Protestos após o veredito

A absolvição de Kyle gerou uma onda de protestos nos Estados Unidos. Após o veredito, dezenas de manifestantes ocuparam as escadas externas do tribunal em que acontecia a sessão que inocentou o adolescente. Durante a noite, eles saíram às ruas para protestar.

Personalidades políticas, como o ex-presidente norte-americano Donald Trump, elogiaram o veredito do júri, alegando que o julgamento “não foi mais do que uma caça às bruxas da esquerda radical”.

Por outro lado, o presidente Joe Biden disse que a decisão o deixava “irritado e preocupado”, mas pediu calma à parcela da população norte-americana que foi às ruas protestar.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O conteúdo checado aqui teve ao menos 3 mil interações até 25 de novembro. Dois compartilhamentos haviam se tornado indisponíveis para visualização, o que ocorre, segundo o Facebook, porque “o dono só compartilhou com um pequeno grupo de pessoas, alterou quem pode vê-lo ou ele foi excluído”.

Ao inventar que a Folha, um dos principais jornais do país, teria publicado tal conteúdo, o post incentiva ataques ao jornal – e, consequentemente, à imprensa – ao sugerir falsamente que o veículo estaria fazendo uma campanha contra os apoiadores do presidente. Diversos comentários mostram que os seguidores das páginas entenderam que a Folha estaria ultrapassando limites éticos com o suposto conteúdo. “Tem que ser preso (por) fazer uma matéria mentirosa”, “Isso é jornalismo? Dá nojo ler uma coisa dessas” e “É cada uma! R.I.P, jornalismo brasileiro”.

O mesmo conteúdo foi verificado pela agência Aos Fatos. E o Comprova já checou outras peças de desinformação que, seguindo a linha de Bolsonaro, atacam a imprensa, como o de post que inventa que inventa que Lula é acionista da Folha.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-11-25

CDC não coleta dados de pessoas reinfectadas transmitindo covid-19

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) emitiu documento que comprove a inexistência de casos de pessoas não vacinadas que tenham transmitido a doença depois de uma segunda infecção. O documento existe, mas tem outro teor. Informa que não foram encontrados registros porque os dados não são coletados devido a proteções de privacidade. O CDC destaca que o fato de os dados não serem coletados não significa que não existam casos desse tipo.
  • Conteúdo verificado: Tuítes com documentos enviados pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos EUA, afirmam que não existem registros de pessoas que, não vacinadas e após reinfecção da covid-19, tenham transmitido a doença.

São enganosos os posts no Twitter que afirmam que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos não tem registros de pessoas não vacinadas contra a covid-19 que tenham transmitido a doença para terceiros após reinfecção. O documento utilizado nos tuítes aqui verificados, em que o CDC responde a uma consulta sobre o assunto feita por uma advogada, é autêntico. Contudo, o órgão afirma não ter os registros porque estes dados não são coletados, o que não significa que não existam casos de pessoas não vacinadas que tenham transmitido a doença.

Em pelo menos quatro postagens feitas no Twitter, é anexado um documento do CDC enviado a uma advogada de Nova York, após uma solicitação de informações por meio do Freedom of Information Act (FOIA), lei de acesso à informação do governo norte-americano. No documento, ela consulta o CDC sobre a existência de “documentos que refletem qualquer caso documentado de um indivíduo que: (1) nunca recebeu uma vacina contra covid-19; (2) foi infectado com covid-19 uma vez, se recuperou e, mais tarde, ficou infectado novamente; e (3) transmitiu Sars-CoV-2 para outra pessoa quando reinfectado”.

A resposta do CDC é de que não foram encontrados registros, porque os dados pedidos não são coletados devido às proteções de privacidade. Os posts no Twitter, de fato, afirmam que o CDC disse não ter registros. Contudo, os tuítes em resposta não deixam claro que a pergunta feita pela advogada foi sobre transmissão por não vacinados após reinfecção.

A interpretação de boa parte das pessoas que interagiram com os posts é de que o fato de não haver registros no CDC significa que não há casos desse tipo.

Essa interpretação fica evidente nas respostas: há perfis que falam que a imunidade natural é melhor do que a da vacina, que este é um “segredo guardado a sete chaves pela indústria” e que esta é uma prova de que o “experimento” não tem dado o resultado desejado, se referindo à vacina.

No momento em que um perfil questiona a interpretação de que a falta de registros significaria a ausência de casos, é rebatido pelo autor de um dos tuítes: “Se não há a informação, porque a afirmação é feita então? Este é o ponto”.

Os quatro autores dos tuítes verificados — @RafaelFontana, @DiretoDaAmerica, @Dr_Francisco_ e @profcabarros, — foram procurados, mas somente os dois últimos responderam, no sentido de reafirmar que a ausência de dados do CDC valida a tese de que reinfectados não transmitem covid-19.

Este conteúdo foi considerado enganoso pelo Comprova porque leva a uma interpretação diferente da intenção do autor, com ou sem a intenção de causar dano.

Como verificamos?

O Comprova usou o Google para localizar a advogada cujo nome é citado no documento utilizado nos tuítes e, ao encontrar um contato de e-mail no site oficial do escritório onde ela trabalha, a questionou sobre a veracidade do documento utilizado na rede social.

Em seguida, entrou em contato com o CDC, a fim de saber se o documento era verdadeiro e por que razões não existem registros para casos de pessoas que não foram vacinadas e tenham transmitido covid-19.

Por fim, foram procurados os autores dos quatro tuítes verificados por meio de mensagens diretas enviadas no Twitter, Instagram e Facebook. Dois deles responderam ao contato do Comprova, os outros dois, até a publicação deste texto, não retornaram.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 24 de novembro de 2021.

Verificação

O documento é autêntico?

Sim. Ele foi enviado pelo CDC no dia 5 de novembro de 2021 à advogada Elizabeth Brehm, que trabalha no escritório Siri & Glimstad, em Nova York. O pedido de informações tinha sido feito em 2 de setembro de 2021 por meio de um formulário no site do FOIA. Os dois documentos – pergunta e resposta – foram disponibilizados em um texto escrito pelo sócio-gerente do escritório, Aaron Siri.

Quem é Elizabeth Brehm e qual o contexto da consulta?

Ela é uma das advogadas do escritório Siri & Glimstad, sediado em Nova York. De acordo com informações do site da empresa, ela tem formação em Ciências e em Direito e, antes de se juntar à equipe do Siri & Glimstad, trabalhou por nove anos em outro escritório, atuando sobretudo em ações antitruste e fraudes no sistema de saúde.

O escritório onde ela trabalha atualmente mantém uma página em seu site oficial, na qual afirma defender clientes dos 50 estados norte-americanos, “com compaixão e experiência” e “sem custos de representação”, que tenham sofrido lesões decorrentes de vacinas. Eles consideram como as mais comuns bursite, tendinite, lesões no manguito rotador e capsulite adesiva – uma condição de rigidez na articulação do ombro também chamada de ombro congelado. O escritório ainda menciona a Síndrome de Guillain-Barré como uma “lesão de vacina”.

Ao ser questionada sobre a veracidade do documento, que circulava em tuítes no Brasil, e sobre a consulta que teria feito ao CDC, Elizabeth Brehm respondeu ao Comprova por e-mail apenas encaminhando um link para um texto publicado pelo sócio-gerente do escritório onde ela trabalha, Aaron Siri.

No texto, em que anexa a pergunta feita pela funcionária e a resposta do CDC, Aaron afirma que seria de se imaginar que o CDC deveria ter ao menos uma prova de que um indivíduo não vacinado transmitiu a covid-19 para outras pessoas.

No mesmo post, ele confirma que o CDC respondeu que não tinha os registros solicitados por Elizabeth Brehm porque os dados não eram coletados. No decorrer da publicação, Aaron afirma que há estudos que comprovam que pessoas vacinadas transmitem a covid-19 e que é “distópico” que o CDC suspenda as restrições aos vacinados, enquanto “está ativamente destruindo os direitos de milhões de indivíduos naturalmente imunes neste país, caso eles não recebam a vacina”.

Ele ainda afirma que a proteção natural pela doença é superior à da vacina. O Comprova já mostrou que era a falsa a afirmação de que o CDC tinha admitido que a proteção natural era superior à da vacina contra a covid-19 e que autoridades de saúde do Brasil seguem recomendando que todos se vacinem, já que a imunidade natural também tende a cair com o tempo.

Por que o CDC não tem registros?

O CDC alegou ao Comprova, por e-mail, que por “questões de privacidade” não mantém registros de eventuais casos de transmissão da covid-19 por pessoas que já tiveram a doença e não foram imunizadas. A agência, porém, salientou que não há razões para acreditar que pessoas que já testaram positivo não possam ser transmissoras.

Na sequência, dois estudos sobre taxas de reinfecção foram enviados (1 e 2) à reportagem pela agência norte-americana, embora não especificamente sobre o risco de transmissão por pessoas reinfectadas.

O primeiro, feito com cinco residentes de uma enfermaria especializada, mostrou que quatro deles apresentaram quadros mais severos da doença após a reinfecção, com uma morte. O segundo reuniu indícios de que a vacinação contra a covid-19 em pessoas já infectadas pelo vírus reduz a possibilidade de reinfecção.

Em janeiro deste ano, um estudo feito com profissionais de saúde do Reino Unido apontou que a resposta imune a partir de uma infecção anterior por covid-19 reduz em 83% o risco de se contrair de novo a doença. Os resultados apontados pelos pesquisadores foram publicados na plataforma MedRxiv, ainda em fase de pré-print, e sugeriam que essa proteção durava aproximadamente cinco meses.

Dos mais de 6 mil participantes no estudo, que já tinham tido a covid-19, houve reinfecção em menos de 1%. Contudo, os pesquisadores descobriram que, nos poucos casos em que isso ocorreu, os pacientes levavam altos níveis de carga viral no nariz e na garganta, mesmo sem apresentar sintomas. De acordo com a pesquisadora Susan Hopkins, investigadora principal do estudo, essas cargas virais estavam sendo associadas a um alto risco de transmissão do vírus para outras pessoas.

Quem são as pessoas que publicaram os documentos?

O Comprova entrou em contato com os quatro perfis que postaram o mesmo conteúdo verificado nesta reportagem. @RafaelFontana é jornalista, escritor e, de acordo com suas redes sociais, trabalha em uma empresa de comunicação brasileira sediada nos Estados Unidos. O segundo perfil contatado foi @profcabarros, jornalista e advogado.

Carlos respondeu à reportagem defendendo o conteúdo que foi publicado em seu tuíte: “A questão aqui é que você parte da premissa que existem estes casos, mesmo que não hajam dados” (sic). E, após o envio da resposta dada pelo CDC sobre não coletarem tais dados, o jornalista reafirmou que seu tuíte não estava distorcendo ou inventando o conteúdo publicado.

O perfil Direto da América também foi procurado. Nas redes sociais, o perfil é descrito como um portal de notícias dos Estados Unidos voltado para brasileiros de todo o mundo. O site do portal estava temporariamente desativado e o perfil no Instagram é privado. O contato foi feito por meio da página no Facebook, mas não houve retorno

Também foi contatado o médico infectologista Francisco Cardoso. Em junho deste ano, o profissional esteve presente na CPI da Covid a fim de defender o “tratamento precoce”, que não possui comprovação científica contra a covid-19, por indicação do governo federal.

Além disso, Francisco também é investigado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) por receber auxílio-doença mesmo sem estar incapaz de exercer a profissão. O contato foi realizado via e-mail disponibilizado nas redes sociais do médico.

Francisco Cardoso respondeu ao Comprova e defendeu que sua publicação no Twitter estava correta, visto que as afirmações feitas na postagem são as mesmas dadas ao Comprova pelo CDC, e que os documentos apresentados no tuíte são verdadeiros.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova investiga publicações sobre o governo federal, as eleições e a pandemia que tenham viralizado nas redes sociais. A postagem aqui checada foi compartilhada no Twitter por pelo menos quatro perfis. Entre curtidas, retuítes e retuítes com comentários, foram mais de 5,8 mil interações.

Neste caso, o fato de os tuítes não refletirem o teor completo do documento levou a uma interpretação diferente daquela que foi a intenção do autor e reforçou o discurso antivacina, que tem sido base para a difusão de argumentos contrários à implementação do passaporte sanitário e ao próprio avanço da vacinação. É consenso na comunidade científica que a curva de mortos e de infectados pelo vírus cai com o avanço da cobertura vacinal, realidade que pode ser atestada no Brasil.

Outubro foi o mês com menos mortes por covid-19 no país desde abril de 2020. O esquema vacinal foi completado em mais de 60% da população brasileira, apesar da recusa do governo federal a ofertas para compra de vacinas como a Pfizer.

O Comprova já checou outros conteúdos relacionados a vacinas, como o que concluiu que o secretário de fomento à cultura desinformou ao afirmar que os imunizantes contra o coronavírus são experimentais, ou o que confirmou ser enganosa a relação entre eles e casos de mal súbito entre atletas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2021-11-24

É falso que jornal The Washington Post publicou manchete elogiando Bolsonaro

  • Falso
Falso
É falsa a imagem de uma capa do The Washington Post em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é elogiado como o “melhor presidente de todos os tempos” do Brasil e que a população “o ama”. O conteúdo é fruto de uma montagem que utilizou como base um panfleto produzido por manifestantes contrários ao ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Na sequência, foi retirada a imagem de Trump e substituída por uma de Bolsonaro.
  • Conteúdo verificado: Suposta capa do jornal The Washington Post com elogios ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) circula em grupos bolsonaristas no Facebook. O texto traz como manchete que Bolsonaro é “o melhor presidente de todos os tempos” para o Brasil.

É uma montagem a capa do jornal norte-americano The Washington Post que descreve Jair Bolsonaro (sem partido) como o melhor presidente que já liderou o Brasil. O próprio veículo norte-americano desmentiu a suposta manchete em e-mail enviado ao Comprova afirmando que nunca houve publicação como a que circula na internet.

O grupo do Facebook onde a notícia falsa circulou foi removido da plataforma antes que a reportagem conseguisse fazer contato para pedir esclarecimentos sobre a origem da publicação. Antes de ser suspenso, o post já havia alcançado mais de 27 mil interações.

Para o Comprova é falso o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira, como é o caso da publicação aqui verificada.

Como verificamos?

Inicialmente, o Comprova encaminhou um e-mail para o Washington Post para questionar a veracidade da suposta manchete com elogios a Bolsonaro.

Na sequência, a reportagem fez uma busca na internet para identificar se havia matérias em veículos nacionais registrando os tais elogios ao presidente.

Apenas foram localizados conteúdos de agências verificadoras desmentindo a montagem que circula em grupos bolsonaristas.

Por fim, o Comprova procurou o grupo do Facebook Bolsonaro 2022 BR, que divulgou a capa falsa do jornal. O conteúdo foi removido da rede social e não foi possível encaminhar mensagem.

Verificação

Manchete é falsa

A imagem da capa do jornal The Washington Post que circula na internet e na qual Bolsonaro é elogiado é falsa. O texto, em inglês, além de escrito de forma errada, mente ao dizer que o veículo considerava o brasileiro como o “melhor presidente de todos os tempos”.

As informações sobre a falsidade do material foram confirmadas pelo próprio Washington Post, após o Comprova encaminhar ao jornal um e-mail solicitando mais detalhes sobre a suposta matéria. Em resposta, o editor para assuntos internacionais Douglas Jehl declarou que a manchete nunca existiu.

“A imagem vinculada não é autêntica; o Post nunca publicou tal manchete sobre o presidente Bolsonaro”, informou. Portanto, trata-se de uma montagem que tenta simular boa reputação de Bolsonaro fora do país.

Outras agências de checagem também confirmaram que a imagem viral é falsa, como a feita pelo Estadão Verifica. A Lupa também desmentiu o boato, assim como o G1.

A publicação viralizou após momentos de baixa receptividade do presidente brasileiro por líderes internacionais em viagens diplomáticas, como a Assembleia Geral da ONU e, mais recentemente, a Cúpula do G20, que ocorreu no início de novembro, na Itália.

Na ocasião, a imprensa nacional e internacional repercutiu que Bolsonaro ficou deslocado ao não receber atenção de outros chefes de Estado. Durante a mesma viagem que gerou constrangimento ao presidente do Brasil pela ausência de credibilidade fora do país, jornalistas que faziam a cobertura do evento foram agredidos por seguranças de Bolsonaro.

Origem da montagem

A montagem em que Bolsonaro aparece foi feita a partir da junção da imagem do presidente com uma capa falsa, elaborada por manifestantes contrários ao então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em janeiro de 2019.

O conteúdo das impressões são falsos e foram desmentidos por outra publicação norte-americana, a revista New Yorker.

Na ocasião, uma tiragem de 25 mil cópias do jornal falso foi distribuída em Washington, e os documentos apresentavam uma data errada, com o cenário futuro, de maio de 2019.

O The Washington Post fez uma reportagem para desmentir a capa falsa que trazia Trump como um não presidente – “unpresident”. O jornal alegou que estava ciente de que um site tentava reproduzir sua tipografia e que investigava o caso.

A autoria dos jornais e sites falsos foi assumida pelo grupo ativista Yes Men. O anúncio foi realizado por Onnesha Roychoudhuri, porta-voz da organização.

Jornal atribui a Bolsonaro e governadores o avanço da covid no Brasil

Uma das últimas matérias veiculadas pelo jornal norte-americano em que Bolsonaro é citado dá destaque ao relatório final da CPI da Covid no Senado, citando que o presidente é apontado como um dos responsáveis pelo agravamento da covid-19 no Brasil.

Segundo uma pesquisa feita pelo veículo, não apenas Bolsonaro, mas também alguns governadores de estado influenciaram negativamente no número de infectados e mortos ao evitar medidas restritivas que impedissem o avanço da doença no país.

O Washington Post afirma ter utilizado como base estatística os dados do Observatório da Covid-19 da Universidade de Miami, Ministério da Saúde, Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A matéria em questão arrematou a análise sobre as gestões federal e estaduais a partir do relatório enviado pela CPI da Covid à Procuradoria-Geral da República, em que ações e omissões do governo federal para conter o coronavírus foram analisadas.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O conteúdo checado teve ao menos 27 mil interações até o dia 23 de novembro, quando a postagem ainda estava acessível.

Ao fazer uma montagem falsa da capa do jornal The Washington Post, a publicação pode gerar conclusões erradas sobre a reputação de Bolsonaro fora do país e manipular a opinião pública.

O Comprova tem publicado verificações que desmentem boatos de internet, como o que esclareceu que o inquérito da PF não investiga fraude no processo de votação e que pesquisa antiga foi usada para sugerir que Bolsonaro é aprovado por metade da população.

O Comprova classifica como falso o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Saúde

Investigado por: 2021-11-23

É falso que o diretor-geral da OMS tenha se posicionado contra o carnaval de 2022

  • Falso
Falso
É falsa uma postagem compartilhada por mais de um usuário no Facebook afirmando que o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, não recomenda a realização do carnaval em 2022. A entidade afirmou desconhecer a declaração dele neste sentido.
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook traz a foto de Tedros Adhanom com a afirmação “Presidente da OMS não recomenda carnaval em 2022. E agora? Como ficam políticos, juízes, mídia e empresários mortadelas, que afirmaram ser crime de genocídio não seguir o determinado pela OMS?”. Há, ainda, o link para um vídeo no YouTube.

São falsas as postagens compartilhadas no Facebook afirmando que Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), teria feito recomendação contrária ao carnaval em 2022 no Brasil em decorrência da pandemia. O Comprova e a própria organização não localizaram qualquer registro de fala dele neste sentido.

A última orientação da entidade, emitida em 4 de novembro de 2021 para governos, autoridades de saúde e organizadores de eventos, é de que a decisão de restringir, modificar, adiar, cancelar ou prosseguir com a realização de um evento deve sempre se basear na avaliação rigorosa de riscos e na situação epidemiológica de cada cidade, estado ou país.

A postagem anexa também inclui o link de um vídeo no YouTube, intitulado “Carnaval 2022. OMS não recomenda”. O autor, contudo, afirma ao longo da gravação que o diretor-geral “foi claro, ele não recomenda grandes multidões, ele alerta para o risco que isso pode significar”, mas não trata especificamente da tradicional festa brasileira. Além disso, o autor do vídeo não fornece a fonte da suposta fala de Adhanom.

Em outro trecho do vídeo, afirma que o diretor-geral chorou em julho de 2021, em decorrência da pandemia, mas este fato ocorreu um ano antes, em julho de 2020.

Sobre o carnaval de 2022 no Brasil, reportagem do Comprova fez recentemente um levantamento sobre os preparativos nas principais cidades que organizam grandes eventos de carnaval. Não há consenso entre as autoridades e a realização das festas depende do aval dos governos estaduais e municipais.

O infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, ouvido pela reportagem, afirma que o país está em um momento favorável no que diz respeito à redução progressiva no número de casos, da circulação viral, do número de óbitos e da ocupação dos leitos, além de avanços na cobertura vacinal. Se o cenário continuar evoluindo desta maneira, avalia, os indicadores serão favoráveis à realização do evento.

Para o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, o momento epidemiológico será determinante para a decisão final sobre a realização do carnaval nas cidades brasileiras. Segundo o infectologista, esse cenário vai depender, essencialmente, do surgimento de novas variantes e do tempo de proteção conferido pelas vacinas.

Por fim, foram procurados dois autores das postagens no Facebook e o responsável pelo vídeo publicado no YouTube, mas nenhum respondeu as mensagens.

Para o Comprova, é considerado falso o conteúdo inventado.

Como verificamos?

O primeiro passo foi assistir ao vídeo linkado na postagem compartilhada e entrar em contato com o autor dele.

Em seguida, o Comprova procurou a própria Organização Mundial da Saúde e utilizou o Google para reportagens e entrevistas nas quais Tedros Adhanom pudesse ter falado sobre o carnaval de 2022.

Também foram procurados os infectologistas Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, e Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Por fim, o Comprova procurou os autores das publicações no Facebook.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 23 de novembro de 2021.

Verificação

OMS nega posicionamento de Tedros Adhanom sobre o carnaval

A OMS afirmou não ter conhecimento de nenhuma declaração do diretor-geral Tedros Adhanom contra o carnaval de 2022, conforme informado em nota encaminhada ao Comprova.

Conforme a entidade, houve uma menção à comemoração durante uma conferência da OMS com a imprensa em 30 de abril de 2021, mas não por Tedros Adhanom, e sim por Sylvain Aldighieri, gerente de Incidentes da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da OMS nas Américas. Na ocasião, contudo, ele se referia ao feriado de carnaval de 2021, e não de 2022, como sugerem os posts aqui verificados.

Naquele momento, quando a maioria dos países da América do Sul relatava tendências crescentes, Aldighieri declarou que a ação mais importante para ajudar os serviços de saúde a dobrar a curva era a implementação estrita de medidas públicas de saúde e sociais.

Acrescentou que, de três a quatro meses anteriores, muitos países tiveram implementação abaixo do ideal das medidas de saúde pública em decorrência de uma sequência de feriados que desencadearam grande movimentação populacional, como Natal, Réveillon, carnaval e Páscoa.

O vídeo que baseou as publicações

O vídeo usado nas publicações do Facebook tem pouco mais de 23 minutos e foi publicado no dia 15 de novembro no canal Sofá di Pobre, que possui 7,22 mil inscritos.

Nele, o autor afirma que o diretor-geral da OMS não esconde sua preocupação e deixa claro: “o vírus recuou, mas ainda não foi derrotado, preparando um contra-ataque que já pode ser sentido em algumas partes do mundo, prudência determina que não é o momento de se organizar eventos com aglomeração de multidões, leviandade ignorando os efeitos colaterais pode trazer consequências com sequelas irreparáveis”.

A partir de quinze minutos e três segundos, o autor diz que Tedros Adhanom “foi claro, ele não recomenda grandes multidões, ele alerta para o risco que isso pode significar”, mas não declara que o diretor-geral tenha se referido especificamente ao carnaval. Mais adiante, diz que, segundo a OMS, o risco é gigantesco de haver uma contaminação violenta no Brasil. Em nenhuma das falas o autor apresenta as fontes de tais afirmações.

Ainda no vídeo, o responsável pelo canal diz que “o presidente da OMS, em julho de 2021, chorou em público e a razão das lágrimas era ele não entender por que é tão difícil o ser humano se unir, reação desesperada diante de uma pandemia assassina e das carinhas de paisagens espalhadas pelo mundo”.

Tedros Adhanom, de fato, chorou em público, mas isso ocorreu um ano antes do mencionado pelo autor do vídeo, em julho de 2020, como comprovam notícias em diversos veículos.

Ao longo do vídeo, o responsável pelo canal defende Jair Bolsonaro (sem partido) e o governo federal, critica o lockdown, governadores, prefeitos, vacinas, o Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da Pandemia, a mídia e defende “remédios alternativos” contra a covid-19. Também diz que o inverno europeu está “mandando recado assustador” ao brasileiro, e está sendo ignorado, referindo-se aos preparativos para o carnaval. O autor foi procurado pelo Comprova, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Orientação atual da OMS sobre eventos de massa

A OMS compartilhou com o Comprova as orientações relacionadas aos eventos de grande porte durante a pandemia, datadas de abril de 2020. O documento define como reunião de massa um evento que reúna número de pessoas tão grande que tenha o potencial de sobrecarregar os recursos de planejamento e resposta do sistema de saúde na comunidade onde ocorre.

“Você precisa considerar o local e a duração do evento, bem como o número de participantes. Por exemplo, se o evento ocorrer durante vários dias em um pequeno estado-ilha onde a capacidade do sistema de saúde é bastante limitada, então mesmo um evento com apenas alguns milhares de participantes pode colocar uma grande pressão no sistema de saúde e ser considerado uma ‘reunião em massa’. Por outro lado, se o evento for realizado em uma grande cidade, em um país com um grande sistema de saúde, com recursos suficientes, e durar apenas algumas horas, o evento pode não constituir um evento de ‘reunião de massa’”, diz a organização.

A entidade também disponibilizou um documento, atualizado em 4 de novembro de 2021, que fornece orientações para governos, autoridades de saúde e organizadores de eventos sobre a tomada de decisões relacionadas à realização de encontros em massa durante a pandemia, informando que os mais importantes fatores de risco aumentado de transmissão são o tempo de permanência dos participantes no evento, a realização em locais fechados e o não cumprimento das medidas de precaução, como uso de máscaras e de higienização das mãos, além do distanciamento.

Conforme a OMS, a decisão de restringir, modificar, adiar, cancelar ou prosseguir com a realização de um evento deve ser sempre baseada em uma avaliação rigorosa dos riscos associados ao evento. O próprio órgão desenvolveu ferramentas de avaliação de risco para facilitar e orientar o processo de tomada de decisão relacionado à realização de eventos genéricos, religiosos e esportivos, atribuindo uma pontuação numérica para cada fator de risco e medida preventiva, permitindo o cálculo de um risco geral.

Os eventos associados a um risco baixo ou muito baixo de transmissão e tensão no sistema de saúde podem ser considerados suficientemente seguros. Já aqueles com nível de risco moderado, alto ou muito alto podem não ser suficientemente seguros e exigem a aplicação completa de medidas de precaução. Por fim, se o risco de transmitir SARS-CoV-2 permanecer significativo após a aplicação de todas as medidas de precaução relevantes, adiar, cancelar ou fazer o evento de forma online deve ser considerado.

“A abordagem baseada em risco é flexível e adaptável a encontros de diferentes tipos e tamanhos, ocorrendo no contexto de quaisquer cenários de transmissão Sars-CoV-2”, diz a OMS, acrescentando que mesmo considerado de baixo risco, a recomendação é sempre considerar a implementação de medidas de precaução para diminuir ainda mais o risco residual, uma vez que o risco zero não existe.

Ainda no texto, a OMS afirma que as reuniões de massa não são meramente eventos recreativos, tendo implicações importantes no bem-estar espiritual e na promoção de comportamentos saudáveis. O órgão recomenda que, dada a substancialidade social, cultural, política e econômica implicadas, as autoridades avaliem a importância e necessidade de um evento de reunião em massa e considerem se deve este ocorrer, desde que todos os riscos de saúde pública associados sejam adequadamente avaliados, tratados e mitigados.

Por fim, a entidade mantém uma página de perguntas e respostas sobre a realização de reuniões durante a pandemia.

O que dizem os especialistas?

A realização do carnaval no Brasil não é consenso entre as autoridades e depende do aval dos governos estaduais e municipais. Na comunidade médica, a avaliação é a de que a organização do evento dependerá da cobertura vacinal e dos dados epidemiológicos coletados próximos ao período do feriado.

O infectologista Álvaro Furtado, disse, em entrevista ao Comprova, que o momento atual da pandemia no Brasil é favorável para a realização de grandes eventos. “A gente vê os dados das últimas semanas epidemiológicas e observa redução progressiva no número de casos, diminuição da circulação viral, diminuição do número de óbitos e também na ocupação dos leitos de UTI. A gente também está avançando no nosso programa de imunização, com 60% da população vacinada (com a segunda dose)”.

Na avaliação dele, o cenário que se configura abre a possibilidade de realização de uma festa como o carnaval. O médico deixa claro, contudo, que isso pode mudar em caso de revés nos indicadores ou de retrocessos na vacinação.

“A questão é que, pelos dados dos últimos meses, pelos indicadores progressivamente melhores e com a cobertura vacinal avançando do jeito que está, com possibilidade de terceira dose que a gente já aprovou, isso deixa um cenário mais favorável para que aconteça um evento com grande quantidade de pessoas.”

Ao Comprova, o também infectologista Renato Kfouri, pondera, ainda, que a decisão final vai depender do surgimento ou não de novas variantes do coronavírus. “Não precisamos de um carnaval para aumentar a circulação [do vírus]. Vemos, hoje, os estádios de futebol, onde já há torcidas e muitas pessoas não usam máscaras… nem por isso o Brasil está vivendo uma nova onda.”

Kfouri acrescenta que, apesar da alta taxa de cobertura vacinal, ainda não é possível cravar a efetividade dos imunizantes a longo prazo, e isso pode, sim, alterar os planos para a realização de grandes eventos. “Não adianta dizer que, até lá, teremos 80% ou 90% da população vacinada, porque a duração da proteção da vacina se perde. É correta a preparação para o carnaval, mas o determinante é o momento epidemiológico, e isso é imprevisível.”

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre as políticas públicas do governo federal, as eleições de 2022 e a pandemia, como o caso aqui verificado, que não apenas desinforma sobre a covid-19, como também faz ataques a políticos, juízes, mídia e empresários.

Apenas uma das postagens, no grupo Bolsonaro 2022 BR, somou 8,9 mil interações, e, conforme a ferramenta Crowdtangle, foi compartilhada em diversos grupos de apoio ao presidente.

Comentários mostram que usuários entenderam que Tedros Adhanom se referiu especificamente ao carnaval no Brasil, como este: “Algum esquerdopata vai ser contra a Ciência da OMS?”, referindo-se de forma pejorativa a opositores do governo federal.

Outros comentários comprovam que o conteúdo fomenta o ataque a grupos que discordam de Bolsonaro, como o que sugere que “o presidente veta o Carnaval em todo território brasileiro, se exime de toda e qualquer culpa, o STF vai contra a ordem do presidente e dá total autonomia para prefeitos e governadores decidir se vai ter carnaval ou não. Depois quero ver culparem o presidente Jair Bolsonaro.”

Em seguida, a mesma usuária afirma que foi exatamente o que ocorreu em 2021, e outro membro responde que “teve a CPI do Circo e ngm [ninguém] conseguiu provar nada contra o nosso presidente Jair Bolsonaro”. A CPI à qual se refere o usuário foi finalizada com o pedido de indiciamento de 78 pessoas, incluindo o presidente, além de duas empresas, por supostos crimes cometidos durante a pandemia.

Apesar de a usuária afirmar que Bolsonaro pode vetar o carnaval, neste mês, o Projeto Comprova já explicou que o veto à festa não está sujeito apenas à vontade do presidente da República.

Este conteúdo também foi verificado pela agência Aos Fatos, que o considerou falso. Peças desinformativas sobre o carnaval têm aparecido com frequência conforme se aproxima o feriado.

Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.