O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Eleições

Investigado por: 2022-05-24

Post deturpa falas de Beira-Mar, Youssef e Barbosa sobre Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso o conteúdo que atribui falas positivas sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL) a Joaquim Barbosa, Alberto Youssef e Fernandinho Beira-Mar. As afirmações foram descontextualizadas. O post também defende que o político devolveu doação da JBS para a campanha dele, mas erra o valor e omite que a mesma quantia foi transferida novamente para o então candidato com a informação sobre o doador original suprimida.

Conteúdo investigado: Postagem no grupo Bolsonaro 2022 BR compartilha publicação de 2018 do deputado federal Capitão Guilherme Derrite (PL-SP). O conteúdo apresenta uma foto do presidente Jair Bolsonaro (PL) e um texto atribuindo a Joaquim Barbosa, Alberto Youssef e Fernandinho Beira-Mar falas positivas sobre o presidente. Também sustenta que Bolsonaro devolveu R$ 250 mil doados pela JBS para uma de suas campanhas.

Onde foi publicado: Facebook

Conclusão do Comprova: É enganoso conteúdo antigo e que voltou a circular recentemente atribuindo falas a diversas pessoas acerca do presidente Jair Bolsonaro.

O início do texto sustenta que o político devolveu R$ 250 mil doados pela JBS para a campanha dele. Em 2014, o diretório do PP, partido ao qual Bolsonaro era filiado, transferiu R$ 200 mil oriundos da empresa para a conta eleitoral dele, que devolveu o valor. No mesmo dia, contudo, nova transferência neste valor foi feita à conta, a partir do Fundo Partidário, desta vez omitindo o doador original.

A postagem também afirma que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa declarou que Bolsonaro foi o único a não se vender ao Mensalão; que Alberto Youssef disse que apenas o político não pegou dinheiro do Petrolão; e que o traficante Fernandinho Beira-Mar expressou que o presidente é um dos únicos políticos respeitados por ele pela conduta apresentada.

Joaquim Barbosa, contudo, apenas citou em julgamento relacionado ao Projeto de Lei de Falência que somente Jair Bolsonaro, à época no PTB, votou contra a aprovação. Youssef, por sua vez, citou em depoimento que Bolsonaro não recebia dinheiro, mas, ao contrário do que afirma a publicação, outros políticos também foram mencionados neste sentido. Fernandinho Beira-Mar, na verdade, teceu comentários sobre Jair Bolsonaro a partir de questionamentos e citações do então deputado a respeito do traficante, que era ouvido em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. A postagem aqui verificada foi compartilhada no dia 17 de abril de 2018 somando 1,4 mil compartilhamentos e 360 comentários no Facebook até o dia 24 de maio.

O que diz o autor da publicação: Procurado, o autor não respondeu. Ao deputado que fez a publicação original em 2018 também foi enviado e-mail, mas não houve retorno.

Como verificamos: O Comprova iniciou a verificação utilizando o Google para buscar se o mesmo conteúdo já havia sido verificado anteriormente. A postagem original é de 2018 e teor semelhante é apresentado de diferentes formas. A partir da busca, a reportagem identificou que a Aos Fatos já havia verificado as mesmas afirmações.

O Comprova consultou as doações à conta eleitoral de Jair Bolsonaro junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e procurou a JBS. Também buscou vídeo onde Alberto Youssef cita o político.

Sobre o contexto envolvendo o então ministro do STF Joaquim Barbosa, a pesquisa no canal do Supremo no YouTube possibilitou analisar a íntegra da fala do relator, quando ele cita o nome de Jair Bolsonaro.

Para concluir a verificação sobre o que disse Fernandinho Beira-Mar, o Comprova pesquisou o banco de dados do portal da Câmara de Deputados. Nele, foi possível acessar a transcrição completa do diálogo entre Jair Bolsonaro e Fernandinho Beira-Mar, na reunião da Comissão de Direitos Humanos, em maio de 2001.

Por fim, o autor da postagem verificada e o deputado Capitão Derrite, responsável pela publicação original, foram procurados, mas não responderam.

Doação da JBS

Não há registros de que a JBS S.A. tenha doado R$ 250 mil à campanha de Jair Bolsonaro. Em 2014, contudo, um valor de R$ 200 mil, oriundo da empresa, chegou a ser repassado para a conta eleitoral dele, então candidato ao cargo de deputado federal no Rio de Janeiro pelo PP.

Em 2016, Bolsonaro postou no Facebook um posicionamento sobre o assunto. Ele alega que o Partido Progressista depositou os R$ 200 mil na conta “deliberadamente e sem meu consentimento” a título de repasse de doação feita pela JBS ao Diretório Nacional. O presidente afirma ter devolvido o valor ao partido assim que identificou o doador. “Infelizmente, por má-fé de alguns ou desconhecimento, apenas parte da prestação de contas disponível no site do TSE tem sido exposta com o claro intuito de comprometer minha conduta”, afirma.

Apesar de devolver estes R$ 200 mil, outra transferência com o mesmo valor foi realizada pelo Diretório Nacional, proveniente do Fundo Partidário, na mesma data, desta vez sem a informação de quem era o doador originário.

O Comprova acessou a prestação de contas de Jair Bolsonaro das Eleições de 2014 e a aba relacionada às receitas demonstra que o PP repassou R$ 200 mil sinalizados como doação originária da JBS S.A., no dia 24 de julho de 2014:

Na mesma data, mas na aba destinada às despesas, o mesmo valor (R$ 200 mil) aparece sendo devolvido do partido, incluindo a informação de doador originário como sendo a JBS.

Ao consultar novamente a aba relacionada às receitas, identifica-se uma transferência eletrônica realizada pelo PP à conta eleitoral de Jair Bolsonaro, mais uma vez no dia 24 de julho, no exato valor de R$ 200 mil, desta vez oriunda do Fundo Partidário e sem informação relacionada ao doador originário.

As despesas totais da campanha do então candidato somaram R$ 405.181,47, ou seja, os R$ 200 mil correspondem quase à metade de tudo o que foi gasto para a eleição do candidato.

Em 2017, conforme a Folha de S. Paulo, Bolsonaro afirmou em entrevista à Jovem Pan, que “o partido recebeu propina” da JBS, acrescentando ter recebido uma ligação do presidente da sigla afirmando que colocaria R$ 300 mil na conta eleitoral dele.

Deste dinheiro, diz, pediu para receber R$ 200 mil e que R$ 100 mil fossem depositados na conta eleitoral de um dos filhos. Ainda conforme Bolsonaro, ao ver a origem da doação, perguntou se o partido queria estornar o valor. “Falei que ia para a Câmara dos Deputados, ia jogar R$ 200 mil e dizer que é dinheiro do povo, porque foi dinheiro que pegaram do PT para se coligar com o meu partido”, teria acrescentado.

Por fim, Bolsonaro afirma ter recebido a mesma quantia, desta vez do Fundo Partidário, e alega que a Friboi (pertencente à JBS) não colocou nada na conta dele, mas sim o partido.

O Comprova procurou a assessoria de comunicação da JBS S.A. solicitando informações sobre doações para Jair Bolsonaro, se ele devolveu valores à empresa e se houve alguma doação específica no valor de R$ 250 mil. A reportagem foi orientada a procurar a J&F Investimentos, controladora da JBS, que não respondeu até a data desta publicação.

O que disse Joaquim Barbosa

Na denúncia feita pela Procuradoria Geral da República (PGR) na Ação Penal 470, que foi lida pelo ministro relator, Joaquim Barbosa, é citado que o Projeto de Lei de Falência, votado em outubro do ano de 2003, teve a interferência de atos de corrupção protagonizados por lideranças de partidos que apoiavam o governo petista na época.

Parlamentares foram denunciados por negociarem a venda de votos para aprovação de projetos de interesse do governo no plenário da Câmara.

No vídeo publicado no canal do STF, no YouTube, é possível verificar a fala do ministro Barbosa a partir de 37 minutos e 52 segundos.

“Os relatórios dessa votação demonstram que vários parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) também desobedeceram a orientação da liderança do partido e do governo e votaram contra a subemenda em referência. Por outro lado, os líderes dos quatro partidos [PP, PL, PTB e PMDB, citados no vídeo a partir de oito minutos e um segundo], cujos principais parlamentares receberam recursos em espécie do PT, orientaram as suas bancadas a aprovar o projeto, que foi encaminhado pelo governo. Somente o senhor Jair Bolsonaro, do PTB, votou contra a aprovação da referida lei. Todos os demais votaram no sentido orientado pelo líder do governo e do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados”, diz trecho da denúncia lida por Joaquim Barbosa.

Depoimento de Alberto Youssef

Embora a publicação sustente que o doleiro Alberto Youssef disse que Jair Bolsonaro era o único que não pegava dinheiro do Petrolão – esquema de corrupção na Petrobras alvo de investigações da operação Lava Jato –, isso não é verdadeiro. Em depoimento prestado durante as investigações, o doleiro afirmou que seis políticos do Rio Grande do Sul receberam valores desviados da petroleira e citou três políticos que, conforme ele, não receberam valores, dentre eles, Jair Bolsonaro.

Vídeos contendo trechos do depoimento foram cedidos pelo Supremo Tribunal Federal ao Grupo RBS e publicados pelo G1 em 2015. Em um deles, Youssef diz: “o Bolsonaro lá do Rio de Janeiro eu sei que não recebia (dinheiro)”. No mesmo trecho, contudo, ele cita outros políticos que também não teriam envolvimento com o esquema, como Ana Amélia Lemos, então senadora pelo PP-RS, e Paulo Maluf, que era deputado pelo PP-SP na época.

Beira-Mar diz que conhece sobre Bolsonaro

O diálogo entre Fernandinho Beira-Mar e Jair Bolsonaro ocorreu durante a reunião da Comissão de Direitos Humanos e Comissão Especial de Combate à Violência, da Câmara Federal, na tarde do dia 15 de maio de 2001, em Brasília.

A comissão estava encarregada de apurar a violência no Brasil e apontar caminhos que favorecessem a mudança da realidade.

Fernandinho Beira-Mar, um dos principais traficantes de drogas no país, foi convocado para falar à comissão. O então deputado Jair Bolsonaro foi um dos parlamentares inscritos para fazer perguntas ao acusado.

Bolsonaro foi o último inscrito a fazer questionamentos naquele encontro. Em diferentes momentos, Beira-Mar comenta ou responde a Bolsonaro. As falas de Beira-Mar, editadas e tiradas de contexto em vídeos publicados na internet, incluem comentários a respeito de Jair Bolsonaro. Não há elogios diretos da parte do traficante, apenas citações a partir do que é falado pelo parlamentar.

Abaixo, trechos do diálogo de Beira-Mar e Bolsonaro transcrito pelo Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação, da Câmara dos Deputados.

DEPUTADO JAIR BOLSONARO – Mas não tenho dúvida, não vou ser hipócrita a ponto de achar que você… você tem aí o monopólio do tráfico de drogas aqui no País. Até se você tivesse alguma autoridade colombiana na manga, você não chegaria vivo aqui. Não há a menor dúvida no tocante a isso aí, tá certo? Agora.. não, eu não estou defendo ele, não. É muito fácil fazer palanque, aqui agora. Nós estamos… tá vivo, estamos ao vivo…

DEPUTADO JAIR BOLSONARO – …. pudesse entrar contra você, eu entraria pra acabar ou morrer. Não pode ficar na demagogia.

LUIZ FERNANDO DA COSTA (Fernandinho Beira-Mar) – Eu sei… Eu sei que o senhor é um Deputado que inclusive defende a pena de morte, eu sei tudo do senhor, mas que o senhor falou foi a pura verdade. Não tem que ser hipócrita, não. Fazer campanha política aqui não. Tem que chegar e “é?”, “é!” Pô, eu não sou esse peixe grande, não, gente. Todo mundo aqui, ninguém é criança, não tem nenhum bobinho aqui, nem eu tô aqui pra somar e tal, tal, tal. Vocês sabem quem são os poderosos, quem são os verdadeiros traficantes. Fernandinho Beira-Mar não é nenhum santinho, nem nenhum pé-de-chinelo, mas também não é esse monstro todo que me fizeram, não, gente.

LUIZ FERNANDO DA COSTA (Fernandinho Beira-Mar) – Eu conheço histórias muito mais do que o senhor crê e imagina.

DEPUTADO JAIR BOLSONARO – Eu servi lá também. Foi um pouquinho antes. Então, você deve ter pego muito colega antigo meu lá que serviu contigo.

LUIZ FERNANDO DA COSTA (Fernandinho Beira-Mar) – Claro. E sei que o senhor é uma pessoa que prega a pena de morte, mas também não tem rabo preso com ninguém, não.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A postagem verificada cita um pré-candidato à reeleição e conteúdos desinformativos envolvendo pessoas que pretendem disputar o cargo têm o poder de influenciar votos dos eleitores, o que pode ser percebido em comentários na publicação, como a do usuário que diz ser “por esses e outros motivos que ele é o meu presidente, tem o meu voto e o meu respeito incondicional” ou o que afirma que “por este motivo que votei e votarei no melhor PR”.

Outras checagens sobre o tema: Com a proximidade das Eleições, postagens desta natureza têm aparecido cada vez mais frequentemente nas redes sociais. O mesmo conteúdo já foi verificado em 2020 pela Aos Fatos. Recentemente, o Comprova já identificou que post confunde ao mencionar aumento de salário de Bolsonaro e ministros, que série sobre fome no Jornal Nacional foi ao ar antes da chegada do PT ao poder e que o Fies foi criado no governo de FHC, e não na gestão de Lula.

 

Eleições

Investigado por: 2022-05-24

Capa da revista Time com Lula é autêntica

  • Falso
Falso
É falso o vídeo publicado no YouTube afirmando que o ex-presidente Lula (PT) não estampa a capa da Revista Time que circulou na segunda quinzena de maio. Lula aparece na edição da semana de 23 a 30 de maio, com a manchete: “O mais popular de todos os presidentes brasileiros volta do exílio político com a promessa de salvar a nação”. A mesma edição também apresentou uma segunda capa que trata de mudanças climáticas ao redor do mundo. Segundo a Time, é comum que uma mesma edição tenha mais de uma capa. Ambas foram distribuídas para assinantes e bancas de jornais nos Estados Unidos e em outras partes do mundo.

Conteúdo investigado: Vídeo divulgado em um canal no YouTube classifica como “a maior fake news da história” a informação veiculada pela imprensa brasileira de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estampou a capa da revista Time. O autor ainda afirma que a capa com o petista “nunca saiu e nem sairá nos Estados Unidos na edição de 23 de maio”.

Onde foi publicado: Youtube.

Conclusão do Comprova: É falso o conteúdo de um vídeo compartilhado no YouTube, classificando como “a maior fake news da história” a informação divulgada pela imprensa brasileira sobre o ex-presidente Lula ter estampado a capa da revista Time, na edição da semana de 23 a 30 de maio. Ao longo de 2 minutos e 50 segundos, o autor do vídeo diz ter desmascarado uma farsa e usa xingamentos ao referir-se ao ex-presidente. Segundo ele, Lula “nunca saiu, nem sairá” na capa da Time, ao menos não na data de 23 de maio.

Na sequência, o autor mostra uma segunda capa da mesma revista, a qual classifica como sendo a verdadeira edição. Nesta publicação, o conteúdo em destaque trata de emergências climáticas, que também circulou na semana de 23 a 30 de maio deste ano.

O Comprova apurou que as duas capas citadas nos vídeos são autênticas. Para o Estadão Verifica, que faz parte do Comprova, a assessoria de imprensa confirmou que ambas revistas foram distribuídas para assinantes e bancas em partes diferentes dos Estados Unidos. A mesma edição, conforme a Time, ainda teve uma terceira capa destacando o trabalho da jornalista ucraniana Olga Rudenko.

A revista é publicada quinzenalmente, podendo ter diferentes versões de primeira página para uma mesma edição, como ocorreu com a capa estampada por Lula. A reportagem foi escrita pela jornalista Ciara Nugent, especializada em cobertura de cidades, clima e América Latina, que também compartilhou o conteúdo em seu perfil no Twitter. A reportagem sobre o petista na íntegra pode ser conferida no site da revista.

Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até a tarde do dia 24 de maio, o vídeo investigado tinha mais de 23,1 mil visualizações e 5,6 mil curtidas no YouTube.

O que diz o autor da publicação: O conteúdo analisado nesta checagem foi publicado no YouTube em um canal intitulado “Terra Brazilis News”. Com mais de 172 mil inscritos, o canal costuma publicar vídeos em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL), com críticas à imprensa e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dentre outros conteúdos. No YouTube, não há opção para entrar em contato com o responsável pelo canal. O Comprova encaminhou um e-mail ao endereço disponibilizado na plataforma.

O e-mail foi respondido por um homem que se apresentou como Paulo Alves. Ele alegou ser assinante da revista Time e cidadão americano. “Posso lhe garantir que esta revista com a cara de Lula não foi distribuída pelo menos em New York e New Jersey, enquanto a Capa ‘The Cold Truth’ tem distribuição nacional nos States pois é a capa oficial da Revista no dia 23 de maio”, disse ele ao Comprova.

Ele afirmou, ainda, confiar mais “naquilo que vê” e no site oficial da Time Vault que, segundo ele, apresenta todas as capas oficiais desde 1923 – data da fundação da revista – “que em qualquer agência de checagem”. Por fim, declarou o seguinte: “Agora se vocês quiserem me enviar uma Revista Time (USA) com esta capa do Lula, aí eu posso acreditar. De qualquer forma obrigado por me contestar de forma tão cordial. Abs. Paulo”.

Como verificamos: O Comprova iniciou a checagem buscando informações nos canais oficiais da Revista Time. No dia 4 de maio, em seu perfil no Twitter, a revista antecipou que o ex-presidente brasileiro e pré-candidato nas eleições de outubro deste ano estamparia uma de suas capas. Na mesma data, a capa foi publicada no Instagram da Time. Além disso, solicitamos informações à revista por e-mail.

Procuramos também por e-mail o responsável pelo canal Terra Brazilis News, onde o vídeo alvo desta checagem foi publicado. Por se tratar de um conteúdo já analisado por outras agências, também consultamos as checagens feitas pela Agência Lupa e pelo Estadão Verifica.

 

Capas da revista Time

A Time é distribuída a cada duas semanas e é comum que possua mais de uma capa por edição publicada. Todas são autênticas e distribuídas para as bancas e assinantes nos Estados Unidos. As informações foram comprovadas pelas verificações da Agência Lupa e do Estadão Verifica sobre o assunto.

Para o período de 23 a 30 de maio, a revista divulgou três capas diferentes. A primeira traz a entrevista feita com o ex-presidente Lula, sob o título Lula’s Second Act (O Segundo Ato de Lula, na tradução livre). Outra capa destaca uma reportagem sobre problemas climáticos e as lições que podem ser aprendidas com o derretimento de geleiras nos polos. Por último, a Time também compartilhou nas redes sociais uma terceira capa, desta vez estampada por Olga Rudenko, jornalista ucraniana que trabalha na cobertura da guerra entre Rússia e Ucrânia. A revista reproduziu as três capas em seu perfil no Instagram (Lula´s Second Act; The Cold Truth; Next Generation Leaders: Olga Rudenko).

Na loja oficial da Time, feita para colecionadores, é possível comprar as imagens de qualquer uma das três capas (Lula´s Second Act; The Cold Truth; Next Generation Leaders: Olga Rudenko) a partir de US$ 19. Os produtos estão disponíveis na seção de últimas divulgações. Além disso, a revista é compartilhada em todo o mundo e há quatro edições (U.S. Edition, Asia Edition, South Pacific Edition e Europe, Middle East and Africa Edition) que são destinadas a públicos em outros continentes.

| Reprodução da página da loja online da Time na qual é possível adquirir reproduções da capa da revista 

Entrevista com Lula

A entrevista com o ex-presidente Lula foi divulgada no site da Time em 4 de maio deste ano. No mesmo dia, o perfil da revista no Twitter compartilhou a matéria e a imagem da capa com a descrição “Time’s new cover: Brazil’s most popular President returns from political exile with a promise to save the nation” (Nova capa da Time: Mais popular presidente do Brasil retorna do exílio político com a promessa de salvar a nação). O material está disponível nas versões em inglês e português.

A entrevista foi feita por Ciara Nugent, jornalista da Time em Londres que atua na cobertura de temas da América Latina. A matéria classifica o político como o líder brasileiro mais popular e analisa a busca de Lula pela Presidência da República após ter sido preso pela Operação Lava-Jato. O ex-presidente ainda comentou a guerra na Ucrânia, ações do governo Bolsonaro e a democracia brasileira.

Por que investigamos: O Comprova checa conteúdos suspeitos que viralizaram a respeito das eleições presidenciais, políticas públicas do governo federal e pandemia de covid-19.

O conteúdo do vídeo investigado faz menção ao ex-presidente Lula, que já indicou ser pré-candidato à Presidência da República pelo PT. As informações falsas podem mudar a perspectiva dos eleitores sobre um político, influenciando a decisão no momento da votação e, consequentemente, enfraquecendo o processo democrático.

Além disso, a publicação ataca diretamente diversos meios de comunicação. O ato pode diminuir a confiança na imprensa e atrapalhar o desenvolvimento do jornalismo profissional no país.

Outras checagens sobre o tema: Com a proximidade do período eleitoral, as desinformações relativas aos presidenciáveis circulam com frequência nas redes sociais e aplicativos de trocas de mensagens. No último dia 20, o mesmo conteúdo desta checagem foi analisado pelo Estadão Verifica. A Agência Lupa também chegou à mesma conclusão de que é falso vídeo alegando que Lula não estampa a capa da Time. Em checagens anteriores, o Comprova mostrou que série sobre fome do JN foi ao ar antes da chegada do PT ao poder, e ainda que o Fies foi criado no governo de FHC.

Eleições

Investigado por: 2022-05-23

Major foi preso no Piauí por desobediência, não por apoiar Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
Vídeos compartilhados em redes sociais enganam ao afirmar que a prisão do major do Exército Costa Araújo foi determinada pela Justiça pelo fato de o militar da ativa ter elogiado o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), na internet. O oficial está detido preventivamente no 25º Batalhão de Caçadores, em Teresina, no Piauí, por ter descumprido uma ordem do Comando Militar Regional que proibiu opiniões políticas em redes sociais no período eleitoral. Além disso, de acordo com o juiz que decretou a prisão, o major usava a internet para fazer pré-campanha como pré-candidato a deputado federal, ferindo a Constituição.

Conteúdo investigado: Uma montagem com dois vídeos compartilhada em um grupo pró-Bolsonaro no Facebook em que dois apoiadores do presidente da República criticam a prisão de um militar. Uma das gravações é feita pelo pré-candidato ao governo do Piauí major Diego Melo (PL), que classifica a situação como abusiva e constrangedora. A outra apoiadora, Priscila Kinoshita, se identifica como professora, conservadora e 1ª tenente reserva do Exército, e faz críticas genéricas ao Poder Judiciário. Ambos alegam que a prisão foi motivada por elogios do oficial a Bolsonaro.

Onde foi publicado: Facebook e TikTok.

Conclusão do Comprova: É enganosa a montagem com dois vídeos em que apoiadores de Jair Bolsonaro argumentam que a prisão do major Costa Araújo, no Piauí, se deu unicamente por elogios do militar ao presidente da República. Ao Comprova, o Superior Tribunal Militar (STM) explicou que “o motivo da prisão não foi ter declarado apoio ao Presidente Bolsonaro, mas por ter deixado de cumprir ordens do comandante militar regional, publicando opiniões políticas em suas redes sociais, o que estava proibido pelo Comando Regional do Exército Brasileiro”.

O oficial está preso de forma preventiva no 25º Batalhão de Caçadores, em Teresina, no Piauí, desde 5 de maio. Ele responde a um inquérito por suposto crime militar de recusa de obediência em manifestações político-partidárias. A defesa entrou com um pedido de habeas corpus, que ainda não foi julgado.

Segundo a Justiça Militar, o major estava orientado da proibição, assim como os demais membros do batalhão. A regra repassada aos militares está em um documento do Ministério Público Militar enviado à 10ª Circunscrição Judiciária Militar, que abrange unidades do Ceará e do Piauí, em 27 de março deste ano.

Com mais de 12 mil seguidores no Instagram, o major Costa Araújo se descreve como católico, nordestino, patriota e bolsonarista. Diz, ainda, que é bacharel em Direito e formado pela Academia Militar das Agulhas Negras, na turma de 2003. A conta traz gráficos e vídeos exaltando medidas do governo federal, postagens de cunho religioso, de defesa do voto impresso e de celebração do golpe militar.

Na decisão que decretou a prisão, o juiz federal Rodolfo Rosa Telles Menezes argumenta que o crime de desobediência merece “especial proteção por resguardar a hierarquia e a disciplina, bens jurídicos bastante caros à Ordem Jurídica Militar vigente”. Em outro trecho, o magistrado explica que o major foi “exaustivamente orientado para se abster da realização de atividades de cunho político-partidário”.

Além disso, segundo a decisão judicial, o militar usava a própria rede social para fazer pré-campanha para concorrer como deputado federal. A Constituição proíbe que militares da ativa participem do processo eleitoral e estejam filiados a partidos políticos, e estipula regras específicas para a candidatura.

Para o Comprova, enganoso é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações, e que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. No Facebook, até 23 de maio, a montagem tem 437 curtidas, 128 comentários e 1,7 mil compartilhamentos.

O que diz o autor da publicação: A reportagem pediu um posicionamento ao pré-candidato ao governo do Piauí major Diego Melo e aguarda um retorno. Não foi possível contatar Priscila Kinoshita pelo TikTok, já que não há caixa de mensagem na plataforma. O vídeo foi excluído da conta pessoal da apoiadora, mas permanece na montagem publicada no Facebook.

Como verificamos: O Comprova entrou em contato com o Ministério Público Militar e com o Superior Tribunal Militar para confirmar a prisão do major e as circunstâncias da decisão da Justiça. Também buscou o advogado de defesa para esclarecer o que diz o oficial sobre o caso. Por meio de uma busca reversa de imagem, a reportagem identificou que um dos autores do vídeo é o pré-candidato ao governo do Piauí pelo PL, major Diego Melo. O advogado especialista em Direito Constitucional e Ciências Criminais Italo Leite também foi consultado para opinar sobre as medidas judiciais do caso.

 

A prisão do major

Preso desde 5 de maio por desobediência, o major do Exército João Paulo da Costa Araújo Alves, de 41 anos, utilizava suas redes sociais (Twitter e Instagram) para divulgar atos e ações, que, segundo a Justiça, configuram pré-campanha eleitoral. Ele já anunciou que pretende concorrer ao cargo de deputado federal pelo Piauí, apesar de ainda ser da ativa.

Para militares que acumulam menos de dez anos de serviço, como é o caso do major, a disputa eleitoral é válida se estiver formalmente afastado da atividade. Superando os dez anos, o oficial deve ser agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade. No momento da candidatura, ele deve estar afastado, como definiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018.

As regras foram repassadas aos militares de batalhões do Piauí e do Ceará, da 10ª Circunscrição Judiciária Militar das três forças, em março deste ano, por recomendação do Ministério Público Militar. O objetivo da Recomendação nº 2/2022, da Procuradoria de Justiça Militar no Ceará, era alertar sobre crimes em ano eleitoral, além de orientar sobre a elegibilidade de membros das Forças Armadas.

Um dos tópicos esclarece que “constitui transgressão disciplinar a conduta do militar que se manifestar publicamente a respeito de assuntos políticos ou tomar parte, fardado, em manifestações da mesma natureza, ainda que em redes sociais”. O texto conclui afirmando que é vedado, sob pena de sanções da lei vigente, o “envolvimento político-partidário, o uso de fardamento militar, e qualquer tipo de manifestação estando em serviço de natureza militar”.

Depois, recomenda aos comandantes, que, em se verificando esse tipo de situação, “que seja encaminhado ao Ministério Público Militar o nome do militar da ativa, com a respectiva qualificação, e demais informações sobre o fato”, e, ainda, a instauração de um procedimento administrativo disciplinar para apurar a conduta do oficial em questão.

A prisão preventiva do major Costa Araújo foi decretada pelo juiz federal Rodolfo Rosa Telles Menezes, com manifestação favorável do Ministério Público Militar. Segundo a promotoria, o “major foi preso por recusa de obediência a ordens emanadas pelo comandante da 10ª Região Militar, bem como de sua chefia imediata”, e não por ter manifestado apoio ao presidente Jair Bolsonaro, como sugerem os vídeos aqui verificados.

A decisão pela prisão preventiva está baseada nos artigos 245 e 255 do Código de Processo Penal Militar. Em um deles, a detenção é definida pela “garantia da ordem pública” e da “exigência da manutenção das normas ou princípios de hierarquia e disciplina militares, quando ficarem ameaçados ou atingidos com a liberdade do indiciado ou acusado”.

Na identificação de usuário no Twitter, o major Costa Araújo incluiu, além do próprio nome, o número “22”, fazendo alusão ao número do Partido Liberal, ao qual o presidente Jair Bolsonaro é filiado. Na legenda, se descreve como cristão, militar, direita, bolsonarista raiz e olavista. Na conta do Instagram, o major acumula 12,7 mil seguidores e 192 publicações, a maioria com fotos do presidente da República e gráficos destacando ações do governo federal, indicadores sociais e medidas econômicas.

Em um vídeo publicado no último dia 30 de abril, o militar aparece em um evento com a presença do major Diego Melo, pré-candidato ao governo do Piauí pelo PL, um dos autores da gravação aqui checada. Na ocasião, ele aparece sentado em frente a uma faixa com os dizeres “Deus, Pátria e Família; Campo Maior (PI) apoia Bolsonaro presidente”. No discurso, o major Diego Melo diz que Costa Araújo será o “melhor deputado federal do Brasil”, e é aplaudido pelos demais presentes.

O que diz a defesa

Para o advogado Otoniel Bisneto, da defesa do oficial, a prisão é abusiva e excessiva. Segundo ele, não há provas de que o major Costa Araújo afrontou a Recomendação nº 2/2022. Entre as alegações do habeas corpus impetrado no STM em favor do militar no último dia 11, os advogados sustentam que “as postagens [não] maculam a hierarquia e a disciplina nem causam grave prejuízo à ordem pública”, mas “louvam o Exército Brasileiro, datas comemorativas e enaltecem o Comandante em Chefe das Forças Armadas, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro”.

O segundo motivo para o HC, segundo a defesa, é o fato de o major não ter se filiado. De acordo com a Constituição, o militar, enquanto em serviço ativo, não pode ser membro de partido político. Em audiência de custódia, no dia 6 de maio, a defesa de Costa Araújo apelou para o instituto da menagem a fim de preservar a ordem judicial e por questões humanitárias, já que o militar tem uma filha menor de idade.

No direito processual militar, a menagem é um instituto de dupla natureza jurídica. Na primeira, é vista como uma forma de prisão provisória, sem os rigores do cárcere. Já na segunda, é classificada como uma modalidade de liberdade provisória semelhante à fiança no direito comum.

O advogado especialista em Direito Constitucional e Ciências Criminais Italo Leite, procurado pelo Comprova, avalia que o habeas corpus é um “remédio heróico” que não admite dilação probatória, ou seja, não é possível provar nada, e sim debater se há justa causa ou não no caso concreto.

O instituto da menagem, segundo ele, é equivalente à prisão domiciliar para um civil, e pode ser aplicado mesmo sem julgamento. “Neste caso, há uma situação peculiar. A grande questão é que foi uma decisão emanada pelo próprio magistrado, que verificando situações anômalas, situações graves, com fundamento à ordem pública, requereu a manutenção da prisão.”

Ainda segundo Italo Leite, o Exército é uma instituição necessariamente hierárquica. Por essa razão, na avaliação dele, por mais que não esteja fardado em algumas das postagens, o militar tem uma patente, um reconhecimento social, e isso tem um impacto na decisão da Justiça.

“Acredito que a prisão do major foi, dentro do caso concreto, razoável e proporcional. O magistrado envolvido no caso é experiente, é um magistrado castrense. Lembrando que a justiça castrense é uma justiça histórica. O STM foi o primeiro tribunal brasileiro, então tem credibilidade”, afirma.

Os vídeos

Os vídeos aqui verificados foram postados em uma montagem no Facebook e também em conta pessoal do TikTok. Uma das gravações foi feita pelo policial militar e pré-candidato ao governo do Piauí pelo PL, major Diego Melo, que se diz conservador, cristão e defensor de Deus, da Pátria, da Família e da Liberdade. Em 2018, ele concorreu como deputado federal pelo PROS, mas não foi eleito.

O político tem mais de 23 mil seguidores no Instagram, onde publica gráficos com design semelhante aos do major Costa Araújo. No vídeo aqui verificado, o major aparece em frente ao 25º Batalhão de Caçadores, em Teresina, onde Costa Araújo continua detido. Ele diz que respeita a instituição e que esteve na unidade para tentar conversar com o major. Para o político, a detenção é abusiva e foi motivada por publicações elogiosas ao presidente Jair Bolsonaro.

O outro vídeo foi gravado pela professora Priscila Kinoshita, que tem mais de 10 mil seguidores no TikTok, com a legenda “Agora um MAJOR do Exército foi preso! Vivemos em uma ditadura e ninguém faz nada!!!”. Ao longo da gravação, de um minuto de duração, ela cita casos envolvendo o Supremo Tribunal Federal (STF), mas sem entrar em detalhes. Relembra a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o exílio do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Depois, comenta que um major foi preso por ter feito elogios ao presidente Jair Bolsonaro, mas não cita nomes. O vídeo original foi apagado da conta pessoal da professora.

Na descrição, ela diz ser 1ª tenente reserva do Exército. Ao Comprova, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que Priscila Maria Menna Gonçalves Kinoshita “serviu ao Exército Brasileiro, sendo licenciada como 1º Tenente Oficial Técnica Temporária (OTT) e, atualmente, pertence à reserva NÃO remunerada da Força (R/2)”.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. O conteúdo investigado refere-se a prováveis candidatos a diferentes cargos, incluindo Jair Bolsonaro, que pretende disputar o cargo máximo do País. Informações tiradas de contexto envolvendo atores políticos não contribuem para o processo democrático e ferem o direito do eleitor de escolher representantes com base em informações verídicas.

Outras checagens sobre o tema: Em outras checagens sobre as eleições, o Comprova mostrou que Bolsonaro não concluiu 84% das obras da transposição do Rio São Francisco, como alega vídeo, que um vídeo que cita falhas já corrigidas nas urnas volta a circular fora de contexto e que o Fies foi criado no governo de FHC, não na gestão Lula.

Política

Investigado por: 2022-05-20

Post confunde ao mencionar aumento de salário de Bolsonaro e ministros

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso tuíte que diz que o presidente Jair Bolsonaro (PL) aumentou seu próprio salário e de seus ministros em até 69% e que a mídia pouco repercutiu o fato. Na verdade, os militares da ativa que ocupam postos no Executivo puderam acumular a remuneração das duas funções graças a uma portaria publicada em 2021. Com isso, Bolsonaro, que é capitão da reserva, teve um acréscimo de 7,55% em sua remuneração.

Conteúdo investigado: Tuíte que trata sobre o aumento salarial do presidente Jair Bolsonaro e dos ministros em até 69% e com críticas à imprensa por repercutir pouco o assunto.

Onde foi publicado: Twitter

Conclusão do Comprova: É enganoso tuíte que diz que o presidente Jair Bolsonaro (PL) aumentou seu próprio salário e de seus ministros e que a mídia pouco repercutiu o fato. Na verdade, os militares da ativa que ocupam postos no Executivo puderam acumular a remuneração das duas funções graças a uma portaria do Ministério da Fazenda publicada em 2021. Com ela, alguns militares obtiveram um ganho de mais de 60%, mas Bolsonaro recebeu um acréscimo de 7,55%. Embora um aumento tenha sido concedido, a medida é de 2021, mas, na postagem, não há nenhuma referência à data, levando a análises equivocadas.

No post investigado, comentários como “Que absurdo!! E o Guedes querendo saquear o FGTS do trabalhador” ou “vai ver o cartão corporativo não tá dando conta” demonstram o equívoco de alguns leitores na interpretação do conteúdo, publicado sem contexto.

A postagem também critica a cobertura jornalística sobre o assunto, como se não tivesse havido repercussão. No entanto, na época do aumento, vários veículos trataram do tema, como Estadão, Folha de S. Paulo, Estado de Minas, Correio Braziliense, Valor, CNN e G1.

O Ministério da Economia informou, em nota, que não há previsão de reajuste para o presidente e o primeiro escalão do governo em 2022.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. O tuíte aqui investigado teve quase 20 mil interações até o dia 20 de maio, entre curtidas, retuítes e comentários.

O que diz o autor da publicação: O Twitter do autor da publicação é fechado para mensagens diretas, mas ele foi localizado no Instagram, canal pelo qual o Comprova enviou questionamentos sobre a postagem. Até a publicação da verificação, ele não respondeu.

Como verificamos: Ao consultar o Google com as palavras-chave “Bolsonaro” + “aumento” + “salário” + “69%”, a pesquisa retornou com conteúdos jornalísticos de 2021 que tratavam do assunto, tanto sobre a portaria que possibilitou o aumento quanto a repercussão com o próprio presidente.

A reportagem também procurou o Ministério da Economia para saber se o teor do tuíte era verdadeiro, se há previsão de aumento do salário de Bolsonaro e dos ministros em 2022 e a quem cabe conceder o reajuste aos ocupantes desses cargos.

Além disso, a equipe buscou dados das remunerações de Bolsonaro e seus ministros no Portal da Transparência. Também foi enviada uma demanda ao Ministério da Cidadania para obter dados oficiais sobre os salários do ministro da pasta, Ronaldo Vieira Bento, mas não houve retorno.

O Comprova ainda tentou contato com o autor da publicação, também sem sucesso.

 

Portaria do teto duplo

Ao contrário do que supõe a postagem, a portaria que aumenta o salário de Bolsonaro e seus ministros não é recente e não foi publicada neste ano. Trata-se da Portaria SGP/SEDGG/ME Nº 4.975, de 29 de abril de 2021, que dispõe sobre a aplicação do teto do salário dos servidores públicos.

O limite da remuneração de cargos públicos federais não pode ultrapassar a remuneração recebida por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que atualmente é de R$ 39.293,32. Sendo assim, nenhum servidor poderia ter um salário maior que esse valor. O teto constitucional, segundo entendimento do próprio STF, deve ser aplicado sobre valor bruto da remuneração de servidor.

Porém, a portaria permitiu um novo cálculo do limite remuneratório. Nas hipóteses constitucionalmente admitidas de acumulação de cargos públicos, o teto seria calculado isoladamente em relação a cada um dos vínculos. Ou seja, nas condições legais, o limite ganho é relativo a cada função e não a cada servidor.

Uma das condições atribuídas pelo texto é a acumulação entre vínculo de aposentado ou militar na inatividade com cargo em comissão, cargo eletivo ou emprego público admitido constitucionalmente. Sendo assim, um general da reserva que também é ministro de governo recebe a sua remuneração pelos dois vínculos, com o teto salarial aplicado separadamente.

E foi a partir da publicação desta portaria que Bolsonaro conseguiu reajuste para o próprio salário, como capitão da reserva, e também promoveu um acréscimo estimado, na ocasião, em até 69% na remuneração de sua equipe. Além do presidente, o vice Hamilton Mourão, ministros militares e um grupo de cerca de mil servidores federais, que tinham desconto na remuneração para respeitar o teto constitucional, passaram a ser contemplados com a medida.

Conforme reportagem do Valor à época, a portaria possibilitaria pagamentos mensais que, a depender da autoridade, passariam de R$ 66 mil. O maior salto salarial projetado no ano passado era do ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos. O governo deixaria de fazer um desconto mensal de R$ 27 mil, elevando a remuneração para R$ 66,4 mil – alta de 69%. Pelas mesmas projeções, Bolsonaro teria a menor correção, de 6%, e seus vencimentos passariam de R$ 39,3 mil para R$ 41,6 mil.

O documento foi assinado por Leonardo José Mattos Sultani, secretário da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, do Ministério da Economia.

Salário do presidente e seus ministros

De acordo com o artigo 49 da Constituição Federal de 1988, é de competência exclusiva do Congresso Nacional fixar os salários do presidente, do vice-presidente e dos ministros do governo. Esse processo ocorre por meio de decretos legislativos. Além disso, os senadores e deputados federais devem julgar anualmente as contas prestadas pelo chefe do Executivo.

A última definição sobre a remuneração do chefe de Estado aconteceu em 2014 através do Decreto Legislativo Nº 277. O ato fixou o subsídio mensal do presidente em R$ 30.934,70. O valor é o mesmo para o vice-presidente e os ministros. O texto também indicou que o Poder Executivo regulará, em conformidade com suas competências, os efeitos decorrentes da aplicação do decreto.

Em resposta ao Projeto Comprova, o Ministério da Economia esclareceu que não há previsão de reajuste dos salários para o presidente e o primeiro escalão neste ano. A pasta também afirmou que o reajuste para o funcionalismo está em análise.

No Portal da Transparência, o valor de R$ 30.934,70 é declarado como remuneração básica bruta porque a quantia passa por deduções obrigatórias, como o imposto de renda retido na fonte e a contribuição relativa à previdência social. Entretanto, há outros benefícios recebidos pelo presidente, como o auxílio-moradia, e ainda remunerações eventuais como a gratificação natalina.

Atualmente, o gabinete da Presidência da República conta com seis militares que estão aposentados ou na reserva. Portanto, recebem isoladamente por cada cargo. São eles: Jair Bolsonaro (Presidente da República), Hamilton Mourão (Vice-presidente da República), Augusto Heleno (Chefe do Gabinete de Segurança Institucional), Luiz Eduardo Ramos (Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República), Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Ministro da Defesa) e Ronaldo Vieira Bento (Ministro da Cidadania).

Segundo o Portal da Transparência, Jair Bolsonaro recebe uma remuneração básica bruta de R$ 11.324,96 por ser um capitão da reserva. Antes da portaria, ele deixava de receber R$ 2.966,34. Utilizando as remunerações médias recebidas pelo presidente nos últimos meses, o presidente teve um aumento na remuneração de 7,55% – índice um pouco maior que o estimado na época em que a medida foi anunciada.

A tabela abaixo mostra uma relação entre os cargos e o aumento na remuneração com a portaria. A base de dados usada foi o Portal da Transparência, em que foi analisado o último salário civil (abril de 2022) e o último salário militar (novembro de 2021) disponíveis na plataforma. Os valores podem variar um pouco de mês para mês por conta de remunerações eventuais e descontos obrigatórios, o que explica as pequenas diferenças entre os dados citados nas matérias de maio do ano passado e os dados atuais do portal.

 

Em relação a Ronaldo Vieira Bento foi utilizado o salário padrão ao cargo militar que ocupa (1º Tenente da Reserva do Exército Brasileiro) pois não foram encontradas no portal informações atualizadas sobre o subsídio. O Comprova perguntou ao Ministério da Cidadania sobre as remunerações do ministro, mas não houve resposta até a publicação da verificação. Os demais dados podem ser consultados aqui: Jair Bolsonaro; Hamilton Mourão; Augusto Heleno; Luiz Eduardo Ramos e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.

Repercussão

O post aqui investigado também sugere que houve pouca repercussão sobre o reajuste na imprensa. Na verdade, o assunto foi divulgado por diversos veículos, como Estadão, Folha de S. Paulo, Estado de Minas, Correio Braziliense, Valor, CNN e G1, por ocasião da edição da portaria, e também depois, nos desdobramentos.

Houve questionamentos sobre a portaria no Congresso Nacional e reportagens, como a do Uol e Estado de Minas, sobre a reação de parlamentares aos supersalários da cúpula do governo. O Executivo, por sua vez, atribuiu a medida a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O próprio Bolsonaro também usou o argumento em uma de suas lives, no início de junho do ano passado, e que foi reportado pela imprensa.

Apesar disso, a postagem ainda confundiu internautas que, pela falta de contexto do tuíte, acreditaram que se tratava de uma notícia atual, como indicam alguns prints (print 1, print 2, print 3) coletados pelo Comprova.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. O conteúdo investigado refere-se a Jair Bolsonaro, pré-candidato à reeleição, e informações fora de contexto sobre o presidente ou outros que pretendem disputar a cadeira no Palácio do Planalto não contribuem para o processo democrático do país. Os eleitores têm o direito de fazer sua escolha a partir de dados corretos.

Outras checagens sobre o tema: As eleições presidenciais se mostram um tema frequente de conteúdos de desinformação. Nesta semana, o Comprova demonstrou, entre outras publicações enganosas, que série sobre fome no Jornal Nacional foi ao ar antes da chegado do PT ao poder, a falta de contexto do vídeo sobre falhas já corrigidas nas urnas, e ainda que o Fies foi criado no governo de FHC, e não na gestão de Lula e que vídeo engana sobre empréstimos do BNDES no governo Lula. O autor da postagem já foi alvo de outras verificações do Comprova, como a que mostrou ser enganoso o tuíte acusando Bolsonaro de acabar com o Bolsa Atleta.

Eleições

Investigado por: 2022-05-20

Bolsonaro não concluiu 84% das obras da transposição do Rio São Francisco, como alega vídeo

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a afirmação de que Jair Bolsonaro (PL) entregou 84% das obras da Transposição do rio São Francisco. Apesar do presidente ter retomado 222 km que haviam sido retirados do projeto original por administração anterior, a execução da obra atravessou outras três gestões federais que, juntas, entregaram mais de 90% da infraestrutura do empreendimento, considerando a extensão inicial – de 477 km.

Conteúdo investigado: Trecho inicial de vídeo de aproximadamente 13 minutos, publicado no Facebook, em que um homem afirma que Bolsonaro teria aumentado de 500 para 3 mil km a extensão da Transposição do rio São Francisco, sendo o responsável por 84% das obras concluídas do projeto. O autor afirma ainda que o percentual teria sido contestado pela presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, a quem atribuiu divulgação de “fake news”.

Onde foi publicado: Facebook.

Conclusão do Comprova: É enganoso o vídeo em que o youtuber Marcos Mendes diz que Jair Bolsonaro é “pai de 84% da transposição do rio São Francisco”. Na publicação em questão, Marcos faz uma “checagem” de uma fala atribuída a Gleisi Hoffmann, presidente do PT, e diz que o presidente da República aumentou a extensão da transposição de 500 para 3 mil km, sendo responsável pela conclusão de boa parte da obra. Segundo o youtuber, Gleisi teria dito que Bolsonaro não concluiu 84% da transposição, afirmação que Marcos Mendes classifica como mentirosa.

O Comprova checou e constatou que, embora tenha ampliado a extensão da obra, Bolsonaro não concluiu 84% da transposição, como sugere o autor do vídeo. A declaração atribuída a Gleisi Hoffmann não foi localizada e a assessoria da deputada, contactada no dia 12 de maio, não retornou.

O que o governo Bolsonaro fez, além de inaugurar um dos trechos finais do eixo Norte da obra, em junho de 2020, foi retomar o projeto original da transposição, que previa a construção dos ramais Agreste, em Pernambuco, Apodi (que atende Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte) e Salgado. Com essa retomada, a extensão da obra, que era de 477 km quando Bolsonaro assumiu o poder, passou para 699 km. Até agora, porém, apenas o Ramal Agreste foi entregue pela atual administração.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), não é possível dizer quanto da Transposição Bolsonaro entregou (em porcentagem ou quilômetros) porque a gestão atual utiliza indicadores diferentes das anteriores, além da dimensão do projeto também ser outra. Enquanto as administrações passadas contabilizavam o progresso da obra a partir do percentual de execução (entrega das estruturas físicas), o governo Bolsonaro trabalha com o percentual de operacionalidade e investimento.

Além do projeto de transposição, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) promete realizar um total de 3 mil km de canais e adutoras. A obra básica de 699 km está incluída neste total e o restante são, de acordo com o próprio ministério, obras complementares ao projeto. O autor do vídeo investigado aqui considerou que o governo ampliou a transposição de 477 km para 3 mil km, o que não é verdade, também segundo o governo federal. A pasta ainda afirmou que não há um prazo estabelecido para o término dos trabalhos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 19 de maio, o vídeo teve mais de 1,2 milhão de interações, entre comentários, curtidas e visualizações.

O que diz o autor da publicação: Procurado via e-mail, o youtuber Marcos Mendes não respondeu aos questionamentos enviados pelo Comprova.

Como verificamos: A equipe do Comprova consultou o site oficial do governo federal, em que, na aba do Ministério do Desenvolvimento Regional, constam informações sobre a transposição do rio São Francisco. Também fez contato com a pasta por e-mail, enviando questionamentos complementares sobre a extensão e o andamento do empreendimento.

Paralelamente, os checadores buscaram reportagens sobre o tema na internet (G1, G1, Estadão), incluindo verificações anteriores do Comprova (1, 2, 3, 4) e de outras agências de checagem, como Estadão Verifica, Agência Lupa e Aos Fatos.

Depois, o Comprova buscou publicações feitas no site oficial do governo federal desde o início da gestão Bolsonaro, que assumiu a Presidência em 2019, e também por administrações anteriores. Uma delas, inclusive, havia sido retirada do ar, mas foi recuperada pela ferramenta Wayback Machine.

A equipe ainda fez contato por e-mail com o autor do post para que detalhasse o cálculo e a origem das informações apresentadas no vídeo.

A obra

Considerada a maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil, a Transposição do Rio São Francisco tem como objetivo abastecer rios de municípios no Nordeste que perdem volume durante temporadas de estiagem. O governo federal estima que, ao ser concluída, a Transposição (eixos Leste, Norte e ramais) será capaz de assegurar abastecimento a 12 milhões de habitantes de, pelo menos, 390 municípios da região.

A obra, que consiste na construção de canais, reservatórios e estações de bombeamento para integrar as águas do rio a outras bacias hidrográficas dos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, é dividida nos eixos Leste e Norte.

| Modelo da obra segundo o site do MDR

O eixo Leste tem 217 km e vai do município de Floresta, em Pernambuco, até Monteiro, na Paraíba. Já o eixo Norte possui 260 km de canais que transportam as águas do reservatório de Milagres, em Pernambuco, até o reservatório de Jati, no Ceará.

A Transposição teve início em 2007, na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando o então Ministério da Integração Nacional realizou a licitação da obra com o Projeto Básico, que previa 699 km de extensão – considerando, além dos 477 km dos eixos Norte e Leste, os ramais do Agreste (71 km), Apodi (115 km) e Salgado (36 km). A construção começou no ano seguinte, com promessa de conclusão em 2012.

Sem a finalização das obras, o projeto original sofreu uma redução em 2013, passando de 699 km para 477 km de extensão, segundo a gestão atual. A conclusão da Transposição foi prorrogada para 2015, quando ocorreu a entrega da primeira estação de bombeamento da obra, no eixo Norte, pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Dois anos depois, o eixo Leste foi inaugurado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB).

Por conta dos atrasos e problemas de planejamento e execução, o custo da obra, orçada inicialmente em R$ 4,5 bilhões, passou para R$ 14,6 bilhões – que corresponde ao valor desembolsado até o momento. De acordo com a gestão atual, de 2008 a 2010 foram pagos R$ 2,1 bilhões (ou seja, 14,5% do total de investimentos); de 2011 a 2015 foram R$ 6,1 bilhões (42,1%); de 2016 a 2018, R$ 2,8 bilhões (19,38%); e de 2019 a 2021 foram investidos R$ 3,4 bilhões (23,9%).

O que foi feito na gestão de Bolsonaro

Procurado, o MDR afirmou que, além de inaugurar um dos trechos finais do eixo Norte em junho de 2020, o governo Bolsonaro retomou o projeto original, que previa a construção dos Ramais do Agreste, Apodi e Salgado – ampliando a extensão da obra para 699 km.

Em 2021, foi entregue a execução do Ramal do Agreste. O Ramal do Apodi teve início no mesmo ano, e o do Salgado teve licitação aberta em 2022 – ambos ainda não foram entregues pelo governo federal.

Desta forma, o empreendimento não está totalmente concluído. Atualmente, considerando a extensão total da Transposição (eixos Norte, Leste e ramais), estão em operação 548 km, que correspondem aos dois eixos e o Ramal do Agreste. Segundo o site do MDR, atualizado em 2021, restam ainda serviços complementares, como tratamento dos taludes, melhoria de estradas de acesso, execução de sistema para águas pluviais e instalação de equipamentos auxiliares de monitoramento no eixo Leste, e recuperação de tubulações no Norte.

Em fevereiro deste ano, junto do anúncio da chegada das águas do São Francisco ao Rio Grande do Norte, o atual governo afirmou que pretende expandir as obras previstas no projeto original em 3 mil km, mas não especificou prazo de finalização.

“Cerca de 3 mil quilômetros de canais e adutoras também foram, estão ou serão construídos pelo Governo Federal para levar água ao semiárido nordestino. Além de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, essas estruturas vão ainda mais longe, atendendo outros estados, como Alagoas, Sergipe e Bahia”, cita trecho de reportagem do MDR, publicada em 9 de fevereiro de 2022.

Ao Comprova, o MDR informou que os 3 mil quilômetros de canais fazem parte de obras complementares ao projeto de Transposição (699 km) a fim de “tornar viável a captação de água diretamente do rio São Francisco e de outras bacias e distribuição dessa água ao semiárido nordestino”.

De acordo com o órgão, além dos quatro estados originais (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte), as novas estruturas irão atender outras regiões do país, como Alagoas, Sergipe e Bahia, alcançando 3 mil quilômetros de canais e ramais.

Em 2021, conforme o MDR, foram entregues o quarto trecho do Canal do Sertão Alagoano – que teve a primeira parte da obra inaugurada por Dilma Rousseff em 2013 – e o Ramal do Agreste Pernambucano. Neste ano, foi concluída a primeira etapa das Vertentes Litorâneas da Paraíba.

Entre as obras em execução estão o Cinturão das Águas do Ceará (CAC), que tem conclusão prevista para dezembro deste ano, a segunda etapa das Vertentes Litorâneas, a Adutora do Agreste Pernambucano e a Barragem de Oiticica, no Rio Grande do Norte.

Já o Ramal do Piancó, na Paraíba, o Sistema Seridó, no Rio Grande do Norte, o Canal do Sertão Baiano e o Canal do Xingó, em Sergipe, estão em fase de elaboração de estudos e projetos básicos.

Conforme a administração federal, com essas obras totalmente concluídas, cerca de 16,5 milhões de brasileiros, de 565 municípios de sete estados nordestinos, serão beneficiados. O MDR, no entanto, não informou qual a porcentagem de obras concluídas até o momento.

Indicadores diferentes

Um relatório do antigo Ministério da Integração Nacional, de 2016, aponta que, naquele ano, os eixos Leste e Norte apresentavam 84,4% e 87,7% das estruturas físicas concluídas, respectivamente.

Outro documento, publicado em novembro de 2017 (gestão Michel Temer) pela Controladoria Geral da União (CGU), mostra que, mais de um ano antes de Bolsonaro chegar à Presidência, todos os segmentos do eixo Norte já tinham ao menos 92,5% de execução física concluída. Os mesmos dados aparecem numa página do Ministério da Integração Nacional, que foi retirada do ar, mas recuperada por meio da ferramenta Wayback Machine.

Em e-mail ao Comprova, o MDR argumentou que os percentuais de execução divulgados pelas gestões passadas “consideravam o modelo anterior de medição e não levavam em consideração a retomada do projeto inicial da Transposição”, o que faz com que os dados divulgados pelo governo Bolsonaro não coincidam com os apresentados por governos anteriores, uma vez que estão baseados em indicadores diferentes.

Enquanto os governos passados levavam em conta apenas os dois eixos estruturantes Norte e Leste, com 477 km, a gestão atual considera a retomada do projeto original, que, junto aos Ramais Agreste, Apodi e Salgado, soma 699 km.

“Mesmo os percentuais divulgados sobre a execução das obras físicas dos dois Eixos da Transposição não representam a realidade, já que, em decorrência das longas paralisações e necessidade de reparos em diversas estruturas e trechos concluídos, houve regressão nesses percentuais, necessidade de novos investimentos, bem como atrasos no término do empreendimento”, afirmou a pasta.

Além disso, enquanto as administrações anteriores utilizam como indicador a porcentagem de obras físicas concluídas (execução física), a atual se baseia no percentual de obras em funcionamento (operação).

“Até 2016, a água havia chegado até o quilômetro 42 do eixo Norte e até o 35 do Leste, apresentando 16% e 15%, respectivamente, de operacionalidade. Até 2018, o Leste alcançou 100% de operação e o Norte estava com 31%. Somente em 2021, com o reparo de problemas estruturais graves e a realização de investimentos, os dois eixos chegaram a 100% da capacidade de operação e estão com a água percorrendo os 477 quilômetros.”

E os 84%?

Como o autor do vídeo, o youtuber Marcos Mendes, não respondeu os questionamentos do Comprova, não é possível afirmar como exatamente o cálculo foi feito. Pelo conteúdo do vídeo, porém, pode-se constatar que o autor assume como 500 km a extensão da Transposição durante os governos petistas (que era, na verdade, de 477 km) e como 3 mil km a extensão da Transposição no governo Bolsonaro.

Considerando que o empreendimento teria uma extensão total de 3 mil km (ou seja 100%) e que as gestões anteriores teriam entregue somente 477 km (ou seja 16%), segundo alega o youtuber, o governo Bolsonaro seria responsável por 2.523 km, ou 84% das obras.

Entretanto, esses 3 mil km citados no vídeo, segundo o MDR, são obras complementares ao projeto da Transposição (de 699 km) e não foram totalmente concluídas pelo governo Bolsonaro, como sugere o autor. Também o próprio MDR informa, em texto publicado em fevereiro deste ano, que “cerca de 3 mil quilômetros de canais e adutoras também foram, estão ou serão construídos pelo Governo Federal para levar água ao semiárido nordestino”. Ou seja, não é possível afirmar que o governo finalizou a construção de 84% das obras da transposição.

Quem é o autor do vídeo?

Marcos Mendes é um youtuber e apoiador do atual presidente do Brasil. No YouTube, Mendes tem 54,5 mil inscritos e define o canal como “de direita, conservador, patriota, Brasil acima de tudo”. Ele também é administrador de uma página no Facebook que possui mais de 2 milhões de seguidores.

Em todas as redes sociais, Mendes costuma publicar conteúdos políticos a favor de Jair Bolsonaro e com críticas ao PT, principalmente ao ex-presidente Lula.

Outros conteúdos publicados pelo youtuber já foram alvo de checagens de agências de verificação. Em maio de 2020, por exemplo, o Comprova mostrou ser enganoso um vídeo de Mendes em que ele afirma que o governador da Bahia teria pedido a prefeitos para inventarem casos de covid-19.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A paternidade da transposição do Rio São Francisco, considerada a maior obra de infraestrutura hídrica do país, vem sendo disputada por três pré-candidatos a presidente da República nas eleições de 2022: Lula (PT), Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PL). Publicações que exaltam feitos de presidenciáveis e são baseadas em informações enganosas podem influenciar negativamente na escolha do eleitor, o que é prejudicial ao processo democrático. A decisão sobre o candidato deve ser tomada com base em informações verdadeiras e confiáveis.

Outras checagens sobre o tema: Além do conteúdo desta checagem, outros materiais voltaram a circular nas redes sociais exaltando o papel do governo Bolsonaro nas obras do Rio São Francisco, em detrimento do que foi realizado por administrações anteriores. O Comprova já mostrou que posts fizeram comparações enganosas sobre as obras da transposição para exaltar Bolsonaro; que postagens sobre a transposição inflam responsabilidade de governo Bolsonaro por andamento das obras; que obras no São Francisco em Cabrobó foram entregues por Dilma e Temer; e que o Exército não refez todo o trecho da transposição do São Francisco inaugurado por Temer e Lula.

Conteúdos enganosos envolvendo a Transposição do São Francisco também foram alvo de checagens do Estadão Verifica (1, 2, 3), da Agência Lupa e da Aos Fatos.

Eleições

Investigado por: 2022-05-19

Série sobre fome do JN foi ao ar antes da chegada do PT ao poder

  • Enganoso
Enganoso
Vídeo compartilhado no Kwai e no TikTok engana ao afirmar que uma reportagem do Jornal Nacional sobre a fome no Brasil foi exibida durante o governo do Partido dos Trabalhadores (PT). A matéria foi ao ar em junho de 2001, durante o segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O governo do PT teve início mais de um ano depois, em janeiro de 2003, com a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Conteúdo investigado: Post no Kwai exibe dois vídeos lado a lado. À direita, é exibida uma reportagem do Jornal Nacional sobre a fome no Brasil. À esquerda, uma mulher faz expressões faciais de deboche e ironia, reagindo ao conteúdo da reportagem. Legendas sobrepostas às imagens afirmam que a matéria do jornal foi produzida durante a “era do PT” e visam contestar a ideia de que os governos do partido “acabaram com a fome” no País.

Onde foi publicado: Kwai e TikTok

Conclusão do Comprova: Vídeo compartilhado no Kwai e no TikTok engana ao afirmar que uma reportagem televisiva do Jornal Nacional, da TV Globo, sobre a fome no Brasil foi produzida durante o governo do Partido dos Trabalhadores (PT).

A matéria foi ao ar em junho de 2001, durante o segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O governo do PT teve início mais de um ano depois, em janeiro de 2003, com a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A reportagem foi a primeira de uma série intitulada “Fome no Brasil”, produzida pelos repórteres Marcelo Canellas e Lúcio Alves. A ideia da pauta foi originalmente proposta por Canellas em 1998, ainda no primeiro mandato de FHC, segundo um texto publicado no site Memória Globo.

A série voltou a ser exibida em 2004, durante as celebrações do aniversário de 35 anos do Jornal Nacional. Em uma transmissão desse período disponível no YouTube, os âncoras William Bonner e Fátima Bernardes apresentam a série como “uma das mais premiadas da história do jornal”. Bernardes afirma que as reportagens foram ao ar pela primeira vez em junho de 2001, mas que ainda eram exibidas “em salas de aula como um documento fiel, dramático e emocionante da fome no Brasil”.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. No Kwai, o vídeo atingiu 1,2 mil visualizações, enquanto no TikTok alcançou mais de 25 mil interações, entre curtidas, comentários, visualizações e compartilhamentos. A medição foi realizada no dia 19 de maio.

O que diz o autor da publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil responsável pela publicação no Kwai através de contas no Facebook e no Instagram, mas não obteve resposta até a publicação da checagem. Não foi possível fazer contato com o autor do post no TikTok, porque a rede não permite o encaminhamento de mensagens, e não foram encontrados perfis dele em outras plataformas.

Como verificamos: Por meio de buscas no Google por palavras-chaves como “Fome no Brasil Jornal Nacional”, foi possível encontrar vídeos com a série de reportagens no YouTube e o texto do site Memória Globo com informações sobre o projeto. A pesquisa também retornou uma checagem feita pela Agência Lupa sobre um conteúdo similar ao post aqui verificado.

Outras pesquisas foram feitas para reunir informações a respeito da evolução do problema da fome no Brasil e as políticas públicas implementadas para enfrentá-lo antes, durante e depois dos governos do PT.

Série ‘Fome no Brasil’

A proposta da série de reportagens “Fome no Brasil” era “mostrar aos brasileiros que se alimentam quem são os brasileiros que não têm o que comer, e como os famintos podem ser ajudados”, segundo descreveu William Bonner em transmissão do Jornal Nacional, em 2004.

Para gravar as matérias, os repórteres viajaram a seis estados do país e ao Distrito Federal. Os episódios mostram municípios e famílias afetadas pela fome, os efeitos da desnutrição na saúde mental, a migração de pessoas em situação de miséria aos grandes centros urbanos, e as organizações que atuam no combate ao problema.

A primeira reportagem apresenta dados oficiais levantados pelo médico sanitarista e pesquisador de nutrição Flávio Valente. Segundo ele, em 2001, havia “36 milhões de brasileiros que nunca [sabiam] quando [teriam] a próxima refeição”. “No Brasil, a cada cinco minutos morre uma criança, a maioria de doenças da fome”, afirma o repórter Marcelo Canellas.

Em um minidocumentário no acervo da TV Globo, Canellas comenta os bastidores da produção. A ideia para a série surgiu a partir do cinquentenário do livro “Geografia da fome” (1946), clássico de Josué de Castro. À época da exibição no Jornal Nacional, em junho de 2001, as reportagens repercutiram em discussões da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado.

Brasil foi retirado do Mapa da Fome durante governo do PT

Em setembro de 2014, durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o Brasil foi retirado do Mapa da Fome, um levantamento desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação global de carência alimentar. Um país entra no mapa quando a subnutrição afeta 5% ou mais de sua população.

Segundo o “Relatório de Insegurança Alimentar no Mundo“, desenvolvido pela ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO), pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA), o Brasil conseguiu reduzir pela metade a parcela da população que sofria com a fome entre 2004 e 2014.

Conforme os dados do relatório, a taxa de subnutrição no país havia diminuído de 10,7% entre 2000 e 2002 para menos de 5% entre 2004 e 2006. Além disso, a pobreza no país foi reduzida de 24,3% para 8,4% entre 2001 e 2012, enquanto a pobreza extrema caiu de 14% para 3,5%.

Esses resultados foram atribuídos pela FAO à construção de uma estratégia de combate à fome que envolvia o aumento da oferta de alimentos, o crescimento da renda da população mais vulnerável, o Programa Bolsa Família, as merendas escolares e a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

O documento da ONU considera a segurança alimentar como sendo a situação em que “todas as pessoas, a todo momento, têm acesso físico, social e econômico a alimentos suficientes, seguros e nutritivos que satisfaçam suas necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável”.

Já a insegurança alimentar é uma situação crônica, sazonal ou transitória que pode ser causada pela indisponibilidade de alimentos, poder de compra insuficiente, distribuição inadequada ou uso inadequado de alimentos a nível doméstico.

Subnutrição é o “resultado da má absorção e/ou mau uso biológico dos nutrientes consumidos como resultado de repetidas doenças infecciosas”. Inclui estar abaixo do peso para a idade, muito baixo para a idade, perigosamente magro para a altura e deficiente em vitaminas e minerais. O relatório considera a fome como sinônimo de subnutrição crônica.

A desnutrição, por outro lado, é uma “condição fisiológica anormal causada pelo consumo inadequado, desequilibrado ou excessivo de macronutrientes e/ou micronutrientes”.

A saída do mapa da ONU, considerada um feito “histórico” pelo governo na época, no entanto, não significa que a gestão do PT acabou com a fome no Brasil, como já afirmou o ex-presidente Lula anteriormente.

No ano passado, a Aos Fatos mostrou que, em 2012, ao menos 7,2 milhões de pessoas (3,6% da população) no Brasil estavam em situação de insegurança alimentar grave, categoria em que a fome se enquadra.

Em nenhum momento da série histórica da pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre insegurança alimentar, iniciada em 2004, o país deixou de registrar milhões de pessoas na categoria “grave”.

Brasil voltou ao Mapa da Fome em 2018

Quatro anos após ter sido retirado do mapa da ONU, em 2018, o Brasil voltou a atingir 5% da população em situação de insegurança alimentar grave, o que equivalia a 10,28 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE.

A pesquisa mais recente sobre o assunto é o Inquérito Nacional sobre a Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Saúde Alimentar e Nutricional (Penssan). O levantamento mostra que, em 2020, o país registrou 19 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar grave, cerca de 9% da população.

Naquele ano, 55,2% dos brasileiros viviam em algum grau de insegurança alimentar, que engloba desde quem reduziu o número de refeições e os que tiveram que optar por produtos mais baratos e menos nutritivos, até pessoas que não têm o que comer.

Em entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo em janeiro deste ano, Walter Belik, um dos criadores do Fome Zero e um dos principais pesquisadores em segurança alimentar no Brasil, afirmou que o cenário da fome no Brasil começou a se agravar a partir de 2015.

Conforme o especialista, entre os principais motivos para a piora estão a escalada inflacionária, a ausência de recomposição do valor de benefícios sociais e um desmonte das políticas de segurança alimentar – como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) –, sobretudo no governo de Jair Bolsonaro (PL). ​

Em 2022, de acordo com o economista, a tendência é de continuidade no aumento da fome no país. “Estamos numa situação de retrocesso que é única no mundo. Não há sequer um caso na história documentado pela FAO de um país que saiu do Mapa e voltou. Nenhum. Esse é o tamanho da tragédia que estamos vivendo”, disse Belik.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. O vídeo aqui verificado passa uma visão enganosa a respeito do governo do ex-presidente Lula, pré-candidato à Presidência da República nas eleições de 2022. Conteúdos enganosos podem influenciar a decisão de eleitores de forma prejudicial ao processo democrático.

Outras checagens sobre o tema: Em abril deste ano, a Agência Lupa verificou um conteúdo similar ao investigado pelo Comprova e chegou à mesma conclusão de que a reportagem sobre a fome no Brasil não foi ao ar durante o governo do PT. Em checagens anteriores, o Comprova mostrou que o Fies foi criado no governo de FHC, não na gestão Lula, que vídeo engana sobre empréstimos do BNDES no governo Lula e que publicação que atribui a ex-tesoureiro do PT áudio contra igrejas é montagem.

Eleições

Investigado por: 2022-05-18

Vídeo que cita falhas já corrigidas nas urnas volta a circular fora de contexto

  • Enganoso
Enganoso
É enganoso um vídeo que circula sem contexto e mostra uma fala feita em 2018, no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo advogado do Sindicato Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF Sindical) Alberto Emanuel Albertin Malta, sobre a impressão de comprovantes de votação. No discurso, o representante da entidade fala sobre falhas encontradas nas urnas eletrônicas que já foram corrigidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) antes de junho de 2018, quando a declaração foi repercutida. Essa informação não consta, no entanto, no vídeo investigado. O conteúdo voltou a circular em meio à aproximação do processo eleitoral de 2022.

Conteúdo investigado: Vídeo de dois minutos e meio que circula nas redes sociais reproduz trechos do discurso do representante do APCF Sindical defendendo a impressão de comprovantes de votação durante julgamento no STF. O homem também fala sobre falhas encontradas nas urnas eletrônicas que poderiam ameaçar o processo eleitoral.

Onde foi publicado: TikTok e Instagram.

Conclusão do Comprova: O vídeo que mostra trechos da fala de Alberto Emanuel Albertin Malta, advogado da APCF Sindical, sobre falhas descobertas em urnas eletrônicas durante os Testes Públicos de Segurança (TPS) realizados pelo TSE em 2016 e 2017, voltou a circular fora de contexto nas redes sociais.

O vídeo é de 2018 e as vulnerabilidades encontradas nos TPS já foram corrigidas. Segundo o TSE, o objetivo desses testes, realizados nos anos anteriores aos de eleições, é justamente identificar eventuais problemas no sistema eletrônico de votação para resolvê-los antes do pleito. Nos testes de 2021, nenhum dos ataques foi capaz de ultrapassar os reforços na proteção das urnas e todos os peritos foram unânimes em afirmar que as eleições deste ano serão seguras.

De acordo com a APCF Sindical, que participa dos testes de segurança desde 2009, até o momento não foi apresentada qualquer evidência de fraudes em eleições brasileiras.

Comentários da publicação no TikTok mostram que as pessoas associaram as vulnerabilidades citadas pelo advogado em 2018 a supostas fraudes nas urnas, e que algumas têm dúvidas sobre o processo eleitoral: “Será que meu voto foi realmente para a pessoa que votei?”. Alguns dos comentários mais comuns são: “Voto impresso já”, “Não acredito nas urnas eletrônicas” e “Queremos voto auditável impresso já”.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 18 de maio, no TikTok, a publicação teve mais de 540 mil interações, entre visualizações, curtidas, compartilhamentos e comentários. O mesmo conteúdo alcançou mais de 7 mil curtidas e comentários no Instagram.

O que diz o autor da publicação: O Comprova não conseguiu contato com o responsável pela publicação do vídeo no TikTok. Uma mensagem foi encaminhada para o perfil que publicou o conteúdo original no Instagram, porém não houve retorno até a conclusão desta checagem.

Como verificamos: A partir de checagens anteriores realizadas pela Agência Lupa e pelo Estadão Verifica, identificamos que o vídeo se trata de um recorte de uma sessão do STF de 2018 que julgava a necessidade de impressão do voto eletrônico no processo eleitoral.

O próximo passo foi consultar o próprio site do STF e notícias da imprensa (G1, Folha de S. Paulo, UOL Notícias, Poder360, Correio Braziliense, Agência Brasil) para entender o processo, as partes e a decisão final do órgão.

Em seguida, buscamos as palavras “voto impresso” e “STF” no Youtube, o que resultou no vídeo original da sessão, com a fala completa de Alberto Malta, que participou do processo como representante da APCF Sindical.

A fim de compreender as situações citadas pelo advogado, o Comprova se baseou em reportagens (CNN Brasil e Poder360) e matérias publicadas no site do TSE em 2016 e 2017 a respeito dos Testes Públicos de Segurança (TPS) das urnas.

Por fim, o Comprova entrou em contato com o presidente da APCF, Marcos Camargo, solicitando o posicionamento atual do sindicato em relação à segurança das urnas eletrônicas. O TSE também foi procurado, mas não retornou.

Ação julgada e resultado

Na sessão do dia 6 de junho de 2018, o Plenário do STF deferiu liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5889, movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para suspender dispositivo da Minirreforma Eleitoral de 2015 que instituiu a necessidade de impressão do voto eletrônico.

A fala do advogado Alberto Malta foi feita nesta sessão. O comentário pode ser acessado neste vídeo, transmitido pela TV Justiça, entre os minutos 00:55:20 e 01:07:07. Ele participou como amicus curiae, também conhecido como amigo da corte, com a função de levar informações importantes para a solução da demanda, sem as prerrogativas das partes no processo.

Em setembro de 2020, o STF definiu como inconstitucional a impressão do voto eletrônico por colocar em risco o sigilo e a liberdade do voto. Em decisão unânime, a Corte julgou procedente a ADI 5889. A ação teve trânsito em julgado no mês de outubro de 2020 e não há possibilidade de recursos desde então.

Segundo o TSE, lembrou o relator Gilmar Mendes, não há comprovação de que a impressão auxiliará de forma decisiva a integridade das apurações eleitorais, pois se trata de um processo mecânico, mas controlado por dispositivos eletrônicos. Dessa forma, há riscos teóricos de manipulação das impressões, por exemplo, com o cancelamento de votos.

Para o ministro do STF, não se pode alterar procedimentos eleitorais sem que existam meios para tanto. “Por princípio, todas as mudanças no processo eleitoral são feitas aos poucos. A implantação progressiva evita que falhas pontuais contaminem o processo, assim como previne o gasto de bilhões de reais em tecnologias insatisfatórias. O voto em urnas eletrônicas, por exemplo, iniciou em 1996 e foi universalizado em 2002”, lembrou.

Os ministros Marco Aurélio, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber acompanharam integralmente o relator. O ministro Luís Roberto Barroso votou pela inconstitucionalidade da norma, com fundamentos distintos, e o ministro Luiz Fux se declarou suspeito.

Resposta dos ministros do STF ao advogado

Na gravação original, Malta cita uma série de vulnerabilidades encontradas nas urnas eletrônicas durante os testes de segurança realizados pelo TSE em 2016 e 2017. Entre elas estão ataques ao sistema de inicialização das urnas, geração de um boletim de urna falso e a obtenção da chave criptográfica da urna.

O vídeo da postagem, porém, passa por cortes e não inclui os questionamentos feitos pelos ministros do STF ao advogado. As falas podem ser consultadas tanto no vídeo original quanto no documento oficial da sessão (páginas 5, 6 e 7). Ricardo Lewandowski foi o primeiro a questionar a fala do representante da APCF: “Esse é um teste oficial, se foi divulgado, quando foi feito, como foi feito, sob os auspícios do TSE?”.

O ministro ainda considera a fala do advogado uma “imputação muito séria”. No que Cármen Lúcia, presidente do STF na época, replicou e disse ser “da maior gravidade”. Luiz Fux também fez apontamentos e considerou necessário “verificar a verossimilhança” dos resultados citados.

Em resposta aos questionamentos, Malta apontou que os testes aconteceram em 2016 e 2017 e foram realizados, principalmente, por grupos de peritos e dos professores Diego Aranha, da Universidade Federal de Campinas (Unicamp), e Dourado Resende, da Universidade de Brasília (UnB).

O relator Gilmar Mendes ressaltou que sempre houve esses testes: “Nesse caso, inclusive, o Tribunal reconheceu o trabalho do professor Diego Aranha, que conseguiu progresso e mostrou falhas, e depois houve reprogramação. De modo que isso é absolutamente normal e só mostra a seriedade com que o TSE tem se havido nesse tipo de matéria”. Cármen Lúcia ainda agradeceu aos questionamentos dos ministros “porque, talvez, as pessoas não saibam que esses testes são feitos a cada período” e têm seus resultados publicados.

Testes mencionados pelo advogado

Os Testes Públicos de Segurança (TPS) são eventos públicos que ocorrem desde 2009 nos anos anteriores aos de eleições e são divididos em duas etapas. Especialistas da área de computação independentes são convidados pelo TSE para procurar vulnerabilidades da urna eletrônica. Caso algum problema seja identificado, a equipe técnica do TSE tenta resolvê-lo e chama os especialistas novamente para averiguar se as questões foram corrigidas.

Os testes mencionados pelo advogado tiveram os problemas solucionados antes de junho de 2018, quando as falas repercutidas pela postagem foram feitas.

Em maio deste ano, a Justiça Eleitoral publicou uma nota reiterando que as “supostas fragilidades apontadas no TPS de 2017 já foram devidamente corrigidas”.

“O TSE esclarece que os achados de cada TPS são objeto de correção, e a solução implementada é posteriormente homologada pelos próprios investigadores durante o denominado Teste de Confirmação. Na ocasião, os participantes do Teste Público retornam ao TSE para repetir, em uma versão ajustada do sistema, o ataque feito anteriormente a fim de verificar se a vulnerabilidade foi corrigida.”

O teste de 2016

Mencionado pelo representante da APCF Sindical, o teste de 2016 possuía 13 investigadores, que tiveram acesso aos componentes internos e externos do sistema eletrônico de votação para criarem seus planos de ataque.

Um dos investigadores conseguiu alterar os resultados de um Boletim de Urna (BU) e utilizá-lo como entrada do Sistema de Apuração (SA), sistema para situações em que o resultado da urna foi perdido, produzindo um novo BU válido, mas com resultados adulterados. Corrigindo a vulnerabilidade, o TSE modificou o algoritmo do código verificador do BU, gerando mais segurança ao processo.

Um grupo de investigadores conseguiu gravar as instruções por áudio utilizadas por deficientes visuais para a votação. Essas instruções incluem as teclas pressionadas e o voto confirmado pelo eleitor. A resposta foi restringir o uso de áudio somente para os eleitores previamente cadastrados ou por liberação do mesário.

O teste de 2017

Outro teste público relatado foi o que aconteceu no ano de 2017. Com 14 participantes efetivos, sendo 3 grupos e 4 participantes individuais. Os profissionais envolvidos conseguiram encontrar a chave criptográfica que protege as mídias das urnas eletrônicas. Com elas, foi possível alterar os arquivos armazenados.

Além disso, também identificaram uma falha no mecanismo de verificação da assinatura digital das bibliotecas da urna, que são os conjuntos de programas utilizados no desenvolvimento do sistema operacional. Ainda foi constatada a ausência de assinatura digital complementar em duas bibliotecas do equipamento.

As falhas encontradas, segundo o TSE, possibilitaram mudar o comportamento do software da urna, produzindo diferentes resultados. Como resposta, o Tribunal diminuiu a quantidade de bibliotecas e corrigiu o dispositivo de assinatura digital no sistema operacional. Todas as chaves criptográficas foram retiradas do código-fonte e a ferramenta foi substituída por um novo mecanismo em que só a urna consiga decifrar e iniciar o sistema operacional.

APCF Sindical defende segurança das urnas

Por conta da repercussão do vídeo investigado, a APCF Sindical emitiu, em 2021, duas notas para esclarecer o posicionamento da entidade.

Na primeira, publicada em julho, a associação afirmou ser favorável à impressão do voto em paralelo com a contabilização digital, mas reforçou que jamais existiram evidências de fraudes em eleições anteriores.

“Em nenhum momento durante o julgamento, porém, a entidade afirmou haver ou ter havido fraudes nas eleições brasileiras. Ao contrário, registra não existir qualquer evidência ou comprovação de que isso tenha ocorrido.”

A segunda, divulgada em agosto, informou que, até aquele momento, não foi apresentada qualquer evidência de fraudes em eleições brasileiras.

Ao Comprova, o presidente da APCF, Marcos Camargo, disse que o vídeo foi tirado de contexto e distorcido de seu real significado, que não tinha relação com fraude ou ataque às urnas. Na época, segundo Camargo, o sindicato participou da discussão no STF para contribuir com o aprimoramento do sistema do processo eleitoral brasileiro.

“Nós consideramos a discussão do registro impresso válida. Eu não estou aqui advogando para que ele seja inserido na eleição. O que nós colocamos é que, sob um ponto de vista científico, ter um elemento a mais de auditoria não dependente do software é algo que pode trazer benefícios.”

Conforme Camargo, desde 2009, quando os peritos criminais federais começaram a participar dos TPS, não houve nenhuma comprovação de fraude nas urnas.

“É absolutamente normal e natural que nesses testes você identifique vulnerabilidades. Isso não quer dizer que vai haver fraude ou que houve fraude. Isso faz parte do processo de manutenção de um sistema eficiente. O objetivo de identificá-las é justamente colaborar com o TSE para que ele vá, cada vez mais, aprimorando a urna”, afirma Camargo, que reitera a confiança da APCF no sistema eleitoral. “A APCF nunca defendeu a volta do voto em cédula, a gente sempre se posicionou favorável à urna eletrônica. Temos plena confiança no processo eleitoral.”

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Informações enganosas ou falsas que colocam as urnas eletrônicas sob suspeitas prejudicam a confiança sobre o sistema eleitoral brasileiro e podem influenciar pessoas a desistirem de votar.

Outras checagens sobre o tema: O conteúdo também foi verificado por outras agências de checagem. A Agência Lupa considerou a postagem como falsa, e o Estadão Verifica como enganosa. Ambos ressaltaram que as informações circulam sem menção do contexto adequado.

Anteriormente, o Comprova também mostrou que o sistema de votação eletrônica pode ser auditado; que o resultado de uma enquete sobre o voto impresso não reflete a opinião da população e que urnas brasileiras não foram hackeadas nos EUA.

Eleições

Investigado por: 2022-05-18

Fies foi criado no governo de FHC, não na gestão Lula

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a publicação no Twitter da ex-participante do Big Brother Brasil (BBB22) Jessi Alves, que diz que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), programa que financia graduação em faculdade particular no Brasil. Lula expandiu o acesso ao programa, mas não o criou. A iniciativa surgiu ainda na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1999, após o fim do Crédito Educativo (Creduc), programa similar criado em 1975, durante o governo de Ernesto Geisel.

Conteúdo investigado: A ex-participante de reality show Jessi Alves publicou tuíte afirmando que o Fies, programa que financia graduação em faculdade particular, é um projeto criado no governo Lula. Em uma das respostas ao tuíte, o ex-assessor de Jair Bolsonaro (PL) para assuntos internacionais Filipe Martins menciona que o programa foi criado pelos militares e rebatizado em 1999 no governo FHC.

Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganoso o tuíte da ex-participante do BBB22 Jessi Alves em que ela afirma que o Fies, Fundo de Financiamento Estudantil, foi criado no governo Lula. A postagem foi feita no dia 7 de maio e viralizou no Twitter.

Na verdade, o programa, que financia graduação em instituições particulares, foi criado com esse nome em 1999, no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Até aquele ano, o Creduc, um outro programa federal com o mesmo propósito, funcionava com características parecidas desde 1975, época do governo militar de Ernesto Geisel.

Em 2010, no último ano da gestão do ex-presidente Lula, o Fies passou por mudanças que incluíram juros menores e maior tempo de pagamento do valor financiado, o que ampliou o acesso dos estudantes ao programa.

Para o Comprova, são enganosos conteúdos retirados do contexto original e usados em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação:

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. A publicação checada alcançou, até a tarde do dia 17 de maio, 110,5 mil curtidas, 6.186 compartilhamentos e 1.774 interações.

O que diz o autor da publicação: A autora do post não respondeu ao Comprova.

Como verificamos: Através do Google e de pesquisas em endereços eletrônicos como o da Câmara dos Deputados, o Comprova apurou que o Diário Oficial da União, seção 1, do dia 28/5/1999, página 2, informa a instituição do “Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior – FIES, destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva”. Nesta época, quem governava o país era o presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro da educação era Paulo Renato Souza.

Ainda sobre projetos do governo federal envolvendo ação de incentivo ao ensino superior, o Comprova buscou dados no portal do FNDE, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, do Ministério da Educação, e em arquivos do portal do MEC. Ambos informam que em agosto de 1975, na gestão do presidente militar Ernesto Geisel, foi criado o Creduc, com o objetivo de conceder empréstimos a estudantes para o pagamento de mensalidades e o custeio de despesas durante o desenvolvimento do curso de graduação.

Sobre o post de Jessi Alves afirmando que o Fies é projeto do Lula, a autora não respondeu aos questionamentos do Comprova.

Fies no governo FHC

Com proposta na mesma linha do Creduc, o Fies foi instituído no final de maio de 1999, com o nome Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

A manutenção do Fies teve início através de recursos previstos em lei que estipulava recebimento de 30% da renda líquida das loterias administradas pela Caixa Econômica Federal, bem como a totalidade dos recursos de premiação não procurados pelos contemplados dentro do prazo de prescrição.

A administração do Fies ficou a cargo do Ministério da Educação, na qualidade de formulador da política de oferta de financiamento e de supervisor da execução das operações do Fundo. À Caixa Econômica Federal coube a função de agente operador e de administradora dos ativos e passivos.

Nesta primeira versão do Fies, o prazo de pagamento não podia ser superior à duração regular do curso. Ou seja, em uma faculdade de quatro anos, era esse o prazo que o estudante teria para pagar após a conclusão da graduação.

Ao longo do período de utilização do financiamento, o estudante financiado era obrigado a pagar, trimestralmente, os juros incidentes sobre o financiamento, limitados ao montante de R$ 50.

Fies no governo Lula

Até outubro de 2006, já na gestão Lula, a taxa de juros do Fies era de 9%. Depois, até agosto de 2009, passou a ficar entre 3,5% e 6,5%, dependendo do curso. Em março de 2010, ainda no governo Lula, uma grande reformulação no programa fixou a taxa de juros em 3,4% ao ano para todos os cursos. A partir daí, o programa, antes coordenado pela Caixa Econômica Federal, passou a ser operado pelo FNDE, e o Banco do Brasil passou a ser, além da Caixa, um dos agentes financeiros do Fies. A mudança aparece registrada na página 8 deste documento do Ministério da Educação (MEC), de 2015.

Além disso, as inscrições passaram a ser realizadas de forma intermitente, durante todo o ano, e o prazo de carência passou de seis para 18 meses. O período para a quitação do financiamento também foi estendido: o estudante passou a contar com o prazo de três vezes o período financiado acrescido de doze meses. As informações constam na na página 1 do documento do Ministério da Educação, de 2015:

Segundo este diagnóstico do Ministério da Fazenda sobre o Fies, de 2017, verificou-se, a partir de 2009, uma forte ampliação do programa, passando de aproximadamente 182 mil contratos vigentes naquele ano para 1,9 milhão em 2015, um acréscimo médio de 280 mil matrículas por ano. Os maiores incrementos de novos contratos se deram entre 2012, que registrou 378 mil novas matrículas, e 2014, que teve 733 mil.

 

 

Assim, segundo o relatório, as matrículas Fies passaram de aproximadamente 5% do total das matrículas na rede privada em 2009, para 39% em 2015.

“Esse forte aumento ocorrido a partir de 2010 é explicado pelas mudanças ocorridas no Fies. O programa passou a dispor de condições financeiras mais benéficas para o estudante que permitiram um crescimento em ritmo incompatível com a disponibilidade de recursos no médio e longo prazo, bem como a transferências de parcela relevante dos riscos de financiamento ao setor público”, diz trecho do documento, que, à época, apontou “ausência de sustentabilidade fiscal do modelo vigente

Crédito educativo no governo militar

Segundo o portal do FNDE, o Creduc foi implantado no primeiro semestre de 1976 nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. No segundo semestre daquele ano, o programa foi estendido a todas as instituições de ensino superior do Brasil, reconhecidas ou autorizadas, tendo beneficiado mais de 870 mil estudantes.

Nessa primeira fase, o programa funcionou com recursos da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e de bancos comerciais. Os encargos totais de financiamento eram de 15% ao ano, sendo 12% destinados para a remuneração do agente financeiro e 3% a um fundo de risco do programa. O sistema de amortização do empréstimo utilizava a Tabela Price, com o objetivo de viabilizar prestações iguais.

A iniciativa passou por mudanças em 1983. A forma de custeio foi alterada e os recursos passaram a ser possíveis por meio do orçamento do Ministério da Educação e do Fundo de Assistência Social (FAS), gerado pelas loterias. Nesta ocasião, a Caixa Econômica Federal passou a ser o único agente financeiro.

A partir da Constituição Federal de 1988, já em um contexto democrático, os recursos oriundos de loterias deixam de contemplar o crédito educativo e a manutenção do programa passa a depender de recursos do Ministério da Educação. Nesse novo momento, o programa não conseguiria ampliar a oferta de vagas sem uma reformulação.

Uma nova mudança ocorreu em 1992, com a publicação da Lei nº 8.436. Ficou estabelecido que 30% da renda líquida das loterias e dos prêmios não procurados seriam destinados ao Creduc.

Em 1996, novas alterações. O acesso ficou restrito unicamente para pagamento das mensalidades de estudantes carentes de instituições privadas.

A partir de 1999, com problemas que alcançavam altos índices de inadimplência, o Creduc deixou de existir e deu lugar ao Fies, formatado com novas regras e acesso mais amplo aos estudantes.

Por que investigamos:

O Comprova checa conteúdos suspeitos que viralizaram a respeito das eleições presidenciais, políticas públicas do governo federal e pandemia de covid-19.

A postagem sobre o Fies envolve um candidato a presidente do país. Com isso, eleitores acabam sendo desinformados a respeito da realidade, o que pode levar a interpretações equivocadas sobre atos e ações de políticos, bem como sobre a história no país.

Outras checagens sobre o tema:

O mesmo conteúdo foi verificado pelo Estadão Verifica e a AFP Checamos, que chegaram às mesmas conclusões. Ainda sobre conteúdos suspeitos envolvendo atuais candidatos à presidência, o Comprova mostrou, recentemente, que vídeo engana sobre empréstimos do BNDES no governo Lula, que comparação entre aumento da gasolina e patrimônio da família Bolsonaro usa dados imprecisos e que é montagem publicação que atribui a ex-tesoureiro do PT áudio contra as igrejas.

Eleições

Investigado por: 2022-05-17

Vídeo engana sobre empréstimos do BNDES no governo Lula

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a afirmação de que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha desviado “R$ 716 bilhões do BNDES” entre os anos de 2008 e 2014 ao promover alterações no estatuto social do banco. Vídeo com essa alegação distorce entrevista do senador Alvaro Dias (Podemos-PR), na qual ele aborda o volume total de recursos públicos supostamente captados, e não uma quantia relacionada a suspeitas de corrupção. Parte das afirmações feitas pelo senador em 2017, como o próprio montante de recursos recebidos da União, difere de dados oficiais e carece de contexto.

Conteúdo investigado: Vídeo no Facebook com o título “Lula alterou o estatuto do BNDES possibilitando em 6 anos um desvio de R$ 716 bilhões, tirados do FGTS, PIS/PASEP e Tesouro Nacional”. O material é uma edição sobre entrevista antiga do senador Alvaro Dias, com acréscimo de frases e fotos de políticos.

Onde foi publicado: Facebook

Conclusão do Comprova: Uma entrevista antiga do senador Alvaro Dias para a TV Senado, feita em maio de 2017, está sendo compartilhada no Facebook para acusar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de desviar R$ 716 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O material, no entanto, distorce a fala do político, que pressionava pela abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado para investigar supostas irregularidades em empréstimos do banco. Ele concorreria contra o petista nas eleições presidenciais de 2018 caso este não tivesse a candidatura rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Ao mencionar a quantia de R$ 716 bilhões na entrevista, Alvaro Dias se referiu ao suposto volume total de recursos públicos tomados pelo BNDES entre os anos de 2008 e 2014 — o que não significa que as operações foram fraudulentas, nem prova a existência de favorecimento e desvios nos empréstimos. Esse número difere de dados oficiais encaminhados pelo BNDES ao Comprova. Ainda assim, Dias afirma, sem apresentar evidências, que houve um “esquema de corrupção sofisticado e planejado” que teria começado com um decreto do ex-presidente Lula em dezembro de 2007 e que resultaria em prejuízo aos cofres públicos de R$ 184 bilhões até 2060 por conta de taxas de juros subsidiadas nos empréstimos do BNDES para grandes empresas.

Ao Comprova, o BNDES informou que recebeu, na verdade, R$ 570 bilhões de recursos públicos entre os anos de 2008 e 2014. Este valor se refere a transferências constitucionais e depósitos especiais do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e créditos obtidos com o Tesouro Nacional, o Fundo da Marinha Mercante (FMM) e a Caixa Econômica Federal. O montante de R$ 184 bilhões, por sua vez, consta em um relatório do Ministério da Fazenda, de 2015, que trata de uma estimativa sobre o custo total dos subsídios concedidos ao BNDES por meio da emissão de títulos do Tesouro no período. Em ambos os casos, não é possível apontar que esses valores tenham sido desviados ou usados para fins ilícitos.

Já o decreto editado por Lula ampliou a área de atuação do BNDES ao permitir investimentos na expansão internacional de empresas brasileiras, mas não há uma relação direta com a tomada de recursos do Tesouro, nem com o mecanismo de apoio à exportação de bens e serviços, alvo frequente de boatos envolvendo obras no exterior. A justificativa do governo para transferir recursos subsidiados do Tesouro ao BNDES foi aquecer a economia em meio à crise financeira de 2008, ainda que a política tenha sido mantida mesmo depois desse cenário de deterioração econômica global ter sido superado.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. O vídeo aqui verificado foi publicado em 15 de agosto de 2020 no Facebook e reuniu mais de 1,9 milhão de visualizações até 17 de maio de 2022. Em 1º de maio deste ano, voltou a ser compartilhado em um grupo de apoiadores do presidente Bolsonaro. O novo post alcançou 3,4 mil curtidas, 4,2 mil compartilhamentos e 769 comentários.

O que diz o autor da publicação: O Comprova fez contato pelo Facebook com a página que publicou o vídeo em 2020 e o perfil que o compartilhou em 2022, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem. Questionada sobre a origem dos dados citados pelo senador no vídeo, a assessoria de Alvaro Dias disse apenas que “as informações se basearam em minuciosas investigações realizadas pela Operação Lava Jato, ampla e repetidamente divulgadas pela imprensa na época”.

Como verificamos: O Comprova fez essa verificação a partir de documentos e informações oficiais, reportagens na imprensa, entrevista com especialista e contatos diretos com órgãos públicos, como BNDES, Ministério da Economia e Tribunal de Contas da União (TCU).

A reportagem chegou ao vídeo completo do senador Alvaro Dias por meio de uma pesquisa simples com palavras-chave no Google. O vídeo foi divulgado pela TV Senado, em 31 de maio de 2017. Também encontrou outros discursos e materiais em que o político comentava sobre o mesmo assunto, o que permitiu entender melhor do que se tratavam as alegações feitas na gravação original.

As fotos utilizadas na montagem foram encontradas por meio de buscas reversas no Google Lens, com auxílio da ferramenta de checagem InVID.

Em seguida, o Comprova procurou documentos e fontes oficiais para checar os números citados pelo senador Alvaro Dias. Foram encontradas páginas de transparência do BNDES informando sobre recursos transferidos do Tesouro e outros assuntos (1, 2, 3, 4). O banco foi contatado no dia 4 de maio e respondeu os questionamentos por e-mail, no dia 12.

O Tribunal de Contas da União e o Ministério da Economia também foram procurados nesta checagem por conta de um relatório de 2015 que continha um dado semelhante ao alegado pelo senador no vídeo, segundo reportagem dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo.

O TCU disse que o documento em questão fazia parte de um processo concluído, mas não estava disponível de imediato separadamente; o tribunal encaminhou o acórdão da decisão. O Ministério da Economia indicou a existência de dados públicos sobre os subsídios da União ao BNDES, atualizados a cada dois meses.

Sérgio Lazzarini, professor do Insper, concedeu entrevista por telefone para contextualizar o caso. O Comprova entrou em contato com as assessorias de comunicação do senador Alvaro Dias, a fim de questioná-lo sobre a origem dos dados, e do ex-presidente Lula. Páginas que compartilharam o post checado também foram procuradas por mensagens diretas no Facebook.

O que diz o boato

O material analisado nesta checagem do Comprova é um vídeo no Facebook que mostra uma entrevista antiga do senador Alvaro Dias para a TV Senado, publicada em 31 de maio de 2017, com o título “CPI do BNDES chega atrasada, na opinião de Alvaro Dias”. O material contextualiza o assunto ao descrever que o senador, naquela época ainda filiado ao PV, era um dos defensores da abertura de uma CPI no Senado para investigar a concessão de empréstimos do BNDES — que seria instalada cerca de dois meses depois, em 2 de agosto de 2017. Essa CPI apresentou relatório final em março de 2018 com sugestões para a elaboração de um projeto de lei com novas regras para concessão de empréstimos do banco, mas sem pedir indiciamentos.

A mesma gravação foi compartilhada por Alvaro Dias em suas redes sociais durante a campanha eleitoral de 2018, quando concorreu à Presidência da República contra Lula e depois Fernando Haddad, do PT, por conta do indeferimento da candidatura do ex-presidente com base na Lei da Ficha Limpa. Ele ficou em nono lugar no primeiro turno, com 0,8% dos votos válidos, e declarou neutralidade no segundo turno. A eleição foi vencida por Jair Bolsonaro, na época filiado ao PSL.

O vídeo editado da entrevista de Alvaro Dias conta com a inscrição “Lula desviou R$ 716 bilhões” na parte de baixo e uma foto de Lula olhando para baixo, segurando a cabeça com uma das mãos, no lado esquerdo. Ao final da gravação, são exibidas outras três fotos sem relação com o assunto do BNDES: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) cumprimentando Fidel Castro e Hugo Chávez em inauguração de subestação de energia elétrica, na Venezuela, em agosto de 2001; Lula tomando um café com FHC, em maio de 1987, em Brasília; e um comício das Diretas Já na Praça da Sé, em São Paulo, em 1984.

A versão que viralizou no Facebook foi divulgada por uma página que defende um golpe militar no Brasil e traz na legenda a frase “Lula alterou o estatuto do BNDES possibilitando em 06 anos um desvio de 716 bilhões, tirados do FGTS, PIS/PASEP e Tesouro Nacional” — o que não é verdade.

Entrevista distorcida

Na entrevista espalhada pela peça de desinformação, Alvaro Dias não menciona que Lula teria promovido desvios de R$ 716 bilhões no BNDES, ainda que o discurso tenha críticas aos governos do PT e acusações relativas a um suposto “esquema de corrupção sofisticado e planejado”. Sem apresentar provas, o senador alega que a corrupção teria se configurado em “empréstimos vultosos aos campeões nacionais e aos países mais vinculados ideologicamente ao governo” a partir de um decreto do ex-presidente Lula que alterou o Estatuto Social do BNDES, em 2007.

“Com recursos públicos, em seis anos, de 2008 a 2014, foram R$ 716 bilhões: R$ 200 e poucos bilhões do FGTS, do FAT, do PIS/Pasep, portanto dos trabalhadores brasileiros, e 400 e poucos bilhões do Tesouro Nacional”, alega Dias no material que agora circula novamente nas redes sociais. “Mas o governo não tinha esse dinheiro; ele foi buscar no mercado, emitindo títulos. Pagou juros de 14,25% e emprestou aos campeões nacionais agora investigados e a outros países a 5% e 6%. A diferença é o povo brasileiro que paga: R$ 187 bilhões até 2060. Temos ainda 42 anos para pagar essa conta da corrupção planejada pelo governo.”

Os números citados por Alvaro Dias diferem dos dados oficiais. Segundo o BNDES, não foram repassados R$ 716 bilhões pelo governo federal entre os anos de 2008 e 2014, e sim R$ 570 bilhões. O valor é dividido entre as seguintes fontes de captação:

 

Sérgio Lazzarini, professor da Cátedra Chafi Haddad do Insper, que tem como foco pesquisas na área de administração sobre relações entre os setores público e privado, explica que não é correto simplesmente atribuir o volume de recursos recebidos pelo BNDES dessas fontes a desvios por corrupção. “São recursos subsidiados do Tesouro que foram repassados ao BNDES. Não há nada necessariamente ilegal nisso. É mais uma questão de má política do que de polícia”, comenta. “Para dizer que aquilo é desvio, precisa ver como o recurso foi empregado, porque foi emprestado dentro de condições legítimas, mesmo para grandes empresas que não precisariam.”

As transferências do Tesouro ao BNDES passaram a ser feitas no contexto da crise financeira de 2008, que estourou após a falência do banco de investimentos americano Lehman Brothers e a descoberta de um problema de inadimplência de empréstimos de alto risco ligados ao mercado imobiliário dos Estados Unidos. A ideia, segundo Lazzarini, era expandir o crédito em um momento em que o mercado tinha dificuldades para aquecer a economia, mas a estratégia foi mantida até 2014, tornando o Tesouro uma das principais fontes de recursos para financiamento do banco.

Sobre o decreto editado pelo ex-presidente Lula (Decreto nº 6.322, de 21 de dezembro de 2007), o BNDES afirma que “alterou o Estatuto Social do BNDES para, entre outras atribuições, ampliar a possibilidade de financiamento de ativos e investimentos realizados por empresas de capital nacional no exterior”, mas que a legislação “não alterou as regras de concessão de empréstimos do BNDES” e não está vinculada ao relacionamento com o Tesouro.

Destino dos empréstimos

Alvaro Dias atribui a tomada dos recursos do Tesouro a uma política de “campeões nacionais” do BNDES e a empréstimos “a outros países”, mas falta contexto às declarações do senador. Nem todo o montante foi emprestado para grandes empresas, e o BNDES não envia dinheiro a outros países.

Em seu site oficial, o BNDES explica que, entre os anos de 2008 e 2014, pegou emprestado R$ 440,8 bilhões do Tesouro Nacional. Os valores foram utilizados para “concessão de financiamentos para mais de 400 mil empresas, assim como para estados e municípios, de forma direta ou indireta”, declara.

Do total, R$ 282,5 bilhões foram destinados a operações indiretas, ou seja, aquelas em que outros bancos parceiros são responsáveis por receber os pedidos de financiamento, negociar as condições de empréstimo, avaliar o risco e aprovar ou não o valor do repasse do recurso financeiro aos clientes.

O restante dos recursos do Tesouro Nacional recebidos pelo BNDES (R$ 158 bilhões) foi empregado em operações diretas, ou seja, em financiamentos contratados diretamente entre BNDES e clientes, sem passar por outros bancos. Destas operações, R$ 86,7 bilhões foram emprestados para empresas estatais (Petrobras, Caixa, Banco do Brasil, etc.) e governos estaduais e municipais.

Os outros R$ 71,6 bilhões foram para a iniciativa privada. Apesar da capilaridade de “400 mil empresas” descrita, 30 grupos empresariais foram responsáveis por 65% do valor total dos financiamentos. A lista está disponível neste endereço e inclui empresas investigadas pela Operação Lava Jato, como a Odebrecht.

O termo “campeões nacionais” se refere a uma política adotada pelo banco durante a gestão do ex-presidente Luciano Coutinho, entre 2007 e 2013, com o objetivo de fortalecer grandes empresas nacionais para torná-las competitivas no mercado global. JBS, Marfrig, Fibria e Oi foram algumas das beneficiadas.

Em 2013, o ex-presidente do banco disse ao jornal O Estado de S.Paulo que havia sido concluída a agenda de “promoção da competitividade de grandes empresas de expressão internacional”. Coutinho, no entanto, não concorda com o uso do termo “campeões nacionais”. O BNDES afirmou ao Estadão, em 2016, que a expressão dá a entender que um pequeno grupo de empresas recebeu privilégios, mas que isso não estaria correto.

Em relação aos empréstimos “a outros países”, Alvaro Dias se refere ao mecanismo de crédito para exportação de bens e serviços, modelo de financiamento em que o BNDES desembolsa os recursos exclusivamente para a empresa brasileira que vende ou presta o serviço no exterior, viabilizando obras de engenharia como a construção de estradas, usinas hidrelétricas e casas populares, por exemplo. Depois, fica sob responsabilidade dos países estrangeiros fazerem o pagamento da dívida com o banco. Essa devolução é feita com juros, em prazo determinado nos contratos.

A União é quem estabelece as operações, países de destino, principais condições contratuais e mitigadores de risco, cabendo ao BNDES a análise e a execução. Foram desembolsados US$ 10,5 bilhões, no período entre 1998 e 2017, para empreendimentos em 15 países — US$ 12,6 bilhões foram pagos até dezembro do ano passado, mas US$ 873 milhões tiveram de ser indenizados pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE) por inadimplência de Cuba, Moçambique e Venezuela. A maior parte, 88% dos financiamentos, foi liberada a partir de 2007.

Não foram encontradas informações no site do BNDES indicando se os recursos do Tesouro foram ou não usados nesse tipo de empréstimo, e a instituição financeira não esclareceu esse questionamento do Comprova.

Subsídios e taxas de juros

Alvaro Dias alega na entrevista que o governo federal emitiu títulos pagando juros de 14,25% ao ano para emprestar a 5% ou 6% ao ano e que “a diferença é o povo brasileiro que paga”. Depois, cita um prejuízo de “R$ 187 bilhões até 2060” – em outras ocasiões, o senador repetiu um valor próximo, de “R$ 184 bilhões”.

Ao pesquisar esses números, o Comprova chegou a reportagens de 2015 que mencionam levantamento do Ministério da Fazenda acerca do custo dos subsídios da União ao BNDES ao longo das próximas décadas. De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, a pasta projetou, na época, um valor de R$ 184 bilhões.

O cálculo se baseava na diferença entre o custo médio com que o Tesouro Nacional se financia, que acompanha a taxa Selic (atualmente em 12,75% a.a.), e as condições com que os recursos foram emprestados ao BNDES, próxima da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP, atualmente em 6,82% a.a.). Ou seja, o governo federal emitiu títulos públicos pagando juros maiores para destinar o recurso ao banco, que depois o emprestava com uma pequena margem de lucro (spread bancário) ao mercado.

Quando esse relatório do Ministério da Fazenda ao TCU veio a público, a Selic estava em 14,25% ao ano e a TJLP, em 6% ao ano.

Após a divulgação, o BNDES publicou uma nota oficial em que discorda da metodologia de cálculo e apresenta outras três estimativas de impacto fiscal — considerando o lucro a ser obtido nos empréstimos e a arrecadação de impostos associada aos investimentos, por exemplo. Em dois deles, o saldo seria positivo para as contas públicas, em R$ 16,6 bilhões e R$ 32,9 bilhões; no cenário classificado como pessimista, a perda indicada era de R$ 12,8 bilhões.

O Comprova procurou o TCU e o Ministério da Economia para obter o relatório completo de 2015, mas não conseguiu acesso. O Tribunal encaminhou o número do processo de 2016 que apurou a conformidade e eventuais impactos econômico-fiscais decorrentes de possível devolução antecipada de R$ 100 bilhões em recursos referentes a empréstimos concedidos pelo Tesouro Nacional ao BNDES. O documento foi enviado nesse processo, mas não estava disponível nos autos.

O Ministério da Economia afirmou que divulga boletins a cada dois meses atualizando a projeção de gastos com subsídios em empréstimos do BNDES, assim como o Programa de Sustentação do Investimento. O PSI foi outra política executada pelo governo federal na mesma época, entre os anos de 2009 e 2016 — nesse caso, o BNDES oferecia linhas de crédito com condições ainda mais favoráveis do que a TJLP para a aquisição de determinados produtos, com a diferença sendo paga pelo Tesouro com recursos orçamentários na forma de subvenção econômica.

O boletim mais recente, relativo a fevereiro de 2022, estima que o subsídio ao BNDES operado entre os anos de 2008 e 2014 custou R$ 216,8 bilhões ao Tesouro até o momento e deve incluir outros R$ 13,1 bilhões até 2040. Da mesma forma, o subsídio ao PSI soma R$ 90,7 bilhões até fevereiro deste ano, mais R$ 1,1 bilhão projetados até 2041. Edições antigas projetavam cenários até 2060, mas houve renegociação do prazo de quitação dos empréstimos em 2018 por conta da liquidação antecipada de algumas parcelas pelo BNDES.

A dívida remanescente do BNDES com o Tesouro era de cerca de R$ 84,2 bilhões em março de 2022, com previsão de que 70% do passivo seja quitado nos próximos cinco anos. O banco também atualiza regularmente em seu site o andamento das devoluções ao Tesouro. Na atualização mais recente, já haviam sido pagos R$ 610,24 bilhões.

O Comprova procurou a assessoria do ex-presidente Lula, que disse lamentar que “o bolsonarismo divulgue sistematicamente informações falsas sobre o ex-presidente Lula e o funcionamento de entidades do estado brasileiro” sem prestar maiores esclarecimentos sobre o assunto.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições. O post aqui verificado contém informações enganosas sobre a política de empréstimos do BNDES, uma empresa pública federal voltada ao fomento do desenvolvimento nacional. Também engana sobre o governo do ex-presidente Lula, um pré-candidato à Presidência nas eleições de 2022. Conteúdos enganosos podem influenciar a decisão de eleitores de forma prejudicial ao processo democrático.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou um post que misturava dados verdadeiros e incorretos sobre os financiamentos do BNDES nos governos do PT e tuítes com informações falsas sobre financiamentos do banco a obras no exterior. Também mostramos que um vídeo em que Lula chama um colaborador da Petrobras de corrupto é enganoso e que o ex-presidente não concedeu indulto ao italiano Cesare Battisti.

Eleições

Investigado por: 2022-05-12

Comparação entre aumento da gasolina e patrimônio da família Bolsonaro usa dados imprecisos

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa a comparação feita em uma postagem com percentuais sobre reajuste da gasolina no Brasil e crescimento patrimonial da família Bolsonaro. O índice do aumento do combustível não se refere a um ano, como indicado. O valor de aumento de gasolina se refere a um período de três anos, enquanto a evolução de patrimônio ocorreu em período de 12 anos para Jair e Flávio e quatro anos para Eduardo.

Conteúdo investigado: Um card com uma representação gráfica da evolução patrimonial do presidente Jair Bolsonaro (427%) e de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (397%), do PL/RJ, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (432%), do PL/SP, comparada à elevação de preços da gasolina (116%).

Onde foi publicado: Facebook

Conclusão do Comprova: É enganosa a postagem que compara a evolução do patrimônio da família Bolsonaro com o aumento no preço da gasolina. Os números exibidos na postagem, feita originalmente pelo gabinete do senador Humberto Costa (PT-PE) e depois reproduzidas em diversas contas, fazem referência a intervalos de tempo diferentes. Há a indicação do período de um ano apenas no preço da gasolina, o que sugere que os outros números, referentes à família do presidente, também se referem ao mesmo período.

Ao Comprova, a assessoria do senador informou que a origem dos dados são matérias da imprensa (O Globo, UOL e Metrópoles) e um levantamento feito pelo pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) junto com a Federação Única de Petroleiros (FUP).

O aumento de 116% no preço da gasolina que aparece na imagem investigada foi calculado a partir de um período de três anos, de janeiro de 2019 a janeiro de 2022, e não de um ano, como sinaliza o post. A evolução patrimonial dos políticos se deu em períodos distintos e maiores do que o apontado para o crescimento no valor da gasolina.

Os aumentos nos patrimônios do presidente Jair Bolsonaro e de seu filho Flávio levam em conta um intervalo de 12 anos (de 2006 a 2018). E a evolução no patrimônio de Eduardo Bolsonaro considera ainda outro intervalo de tempo, de quatro anos, entre 2014 e 2018.

Além disso, as barras do gráfico usado na postagem são desproporcionais e possuem tamanhos fora de um padrão. Com isso, a interpretação do leitor pode ser incorreta.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: Somente no perfil do senador Humberto Costa no Facebook, a publicação alcançou mais de 4,1 mil reações e 3,4 mil compartilhamentos até o dia 12 de maio.

O que diz o autor da publicação: A assessoria de Humberto Costa ressalta que o valor patrimonial da família está atestado por dados públicos, publicados por veículos jornalísticos, e que a variação do combustível foi calculada pelo Dieese, “um órgão insuspeito, que, igualmente, pauta matérias da imprensa.”

Questionada sobre a diferença de períodos a que os números se referem, o que impossibilita comparações, a assessoria reafirmou seu posicionamento. “Todos os dados colocados no card têm fontes oficiais declaradas e foram publicados pela imprensa. Nós mantemos todas as informações publicadas e contestamos a ‘checagem’ de vocês”, diz a nota.

Como verificamos: A equipe do Comprova consultou a base de dados do TSE, na qual constam dados de declaração de patrimônio de candidatos a cargos eletivos, e identificou a evolução do patrimônio do presidente e de seus filhos.

Na internet, também localizou matérias que fazem referência a esse crescimento, tanto do pai, quanto de Eduardo e Flávio Bolsonaro.

A reportagem ainda conferiu a base de dados da ANP, que apresenta, entre outras informações, o preço médio da gasolina comum desde julho de 2001.

Por fim, o Comprova procurou a assessoria do senador Humberto Costa, que criou o card e fez a postagem.

Patrimônio da família Bolsonaro

Em cada eleição, municipal, estadual ou federal, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apresenta dados detalhados sobre todos os candidatos que pediram registro à Justiça Eleitoral e sobre as suas contas eleitorais e as dos partidos políticos. De acordo com a assessoria do senador, eles se basearam na publicação de reportagens, que utilizaram essa base de dados, para construir o gráfico.

Segundo a divulgação de contas do Tribunal, Jair Messias Bolsonaro declarou R$ 433.934,48 em 2006, quando tentava ser eleito deputado federal pela quinta vez. Na disputa pela Presidência da República, em 2018, o candidato afirmou que possuía um total de R$ 2.286.779,48.

A lista de bens inclui cinco casas, quatro veículos e ações na bolsa de valores. O patrimônio de Jair Bolsonaro cresceu 427% entre 2006 e 2018. O valor é o mesmo utilizado pela postagem no Facebook.

O filho mais velho do presidente, Flávio Bolsonaro, foi candidato a deputado estadual pelo Rio de Janeiro inicialmente em 2006 e tentou o mesmo cargo nas duas eleições seguintes. Nesse meio tempo, entre 2006 e 2014, o patrimônio dele saiu de R$ 385 mil para mais de R$714 mil.

Em 2018, quando concorreu ao cargo de senador, informou ao TSE que possuía R$ 1.741.758,15. O valor engloba um apartamento, uma sala comercial e investimentos econômicos. De 2006 a 2018, o patrimônio do político aumentou em 352.40%. A porcentagem é diferente da utilizada pela postagem.

Os dados sobre Eduardo Bolsonaro são mais limitados porque sua primeira candidatura foi em 2014, sendo assim só há informações acerca de seu patrimônio a partir desse período. Uma outra matéria que baseou a postagem é do portal UOL e sinaliza que o patrimônio de Eduardo Bolsonaro em 2014 era de R$ 205 mil, o equivalente a R$ 262 mil em 2018, sendo corrigido pela inflação.

Nas últimas eleições estaduais, o candidato declarou possuir bens que totalizam R$1,395 milhão, sinalizando uma expansão de 432% durante o período. Com as alterações, o valor é correto. Ao conferir os dados no TSE, o Comprova apurou que o crescimento passa de 580% sem levar em consideração os impostos.

Preço da Gasolina

Os autores da publicação afirmaram que utilizaram uma pesquisa do Dieese que aparece em uma matéria no portal Yahoo. Trata-se de um levantamento realizado pelo departamento junto à Federação Única dos Petroleiros (Fup), organização que se declara como uma “entidade autônoma, independente do Estado” e que representa “13 sindicatos filiados”.

Em postagem em seu site oficial, a Fup afirma: “Desde janeiro de 2019, início da gestão do presidente Jair Bolsonaro, a gasolina teve reajuste de 116%, ante uma inflação de 20,6% no período. No gás de cozinha, a alta foi de 100,1%, e no diesel, de 95,5%, de acordo com dados da Petrobras, analisados pelo Dieese”. Sendo assim, o aumento de 116% é referente ao período entre janeiro de 2019 e janeiro de 2022.

Entre 2006 e 2018, o preço médio da gasolina comum passou de R$ 2,559 para R$ 4,447, ou seja, um aumento de 73,77%. Os valores do combustível foram apurados junto à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Nestes 12 anos, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 94,29%.

 

 

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Neste caso, o alvo da desinformação é o presidente Jair Bolsonaro, pré-candidato à reeleição, e sua família. Conteúdos dessa natureza, que não trazem dados precisos, são prejudiciais porque confundem o eleitor que tem direito a fazer sua escolha a partir de informações corretas.

Outras checagens sobre o tema: O período eleitoral tem sido contaminado por conteúdos de desinformação frequentemente. Somente nos últimos dias, o Comprova já demonstrou ser enganoso um vídeo em que Lula chama colaborador da Petrobras de corrupto, que jovem que faz sátira de militantes de esquerda não é filha de deputada do PT e que publicação tira de contexto declaração de Djavan sobre Lei Rouanet e apoio a Bolsonaro.