O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 41 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Eleições

Investigado por: 2024-03-15

Vídeo com falas de Gilmar Mendes foi editado para desacreditar sistema eleitoral

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Enganoso
Um vídeo que circula com falas do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes sobre o sistema eleitoral brasileiro foi editado para tirar de contexto as afirmações feitas por ele durante um julgamento na Corte. Os trechos selecionados dão a entender que o magistrado desacredita o sistema, quando, na verdade, o ministro cita situações que foram solucionadas com o avanço da biometria nas eleições. Em um dos casos, a Polícia Civil de Santa Catarina identificou que o voto de uma falecida foi computado deliberadamente por um mesário, e não por falha na urna, na eleição municipal de 2016.

Conteúdo investigado: Trecho de vídeo da TV Justiça de uma sessão do Supremo Tribunal Federal com falas dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Por cima da imagem, a frase: “Bomba. Gilmar Mendes reconhece que o sistema eleitoral eletrônico tem falhas e que mesários pianistas podem votar por qualquer eleitor faltante!”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: É enganoso o post que mostra apenas um trecho de um vídeo em que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), cita falhas no processo eleitoral brasileiro. A fala ocorreu no julgamento da constitucionalidade da impressão do voto, em 6 de junho de 2018, mas há recortes na gravação que viralizou. A transcrição da sessão pode ser acessada por qualquer pessoa pelo portal do órgão.

No trecho divulgado, Mendes afirma que “as vulnerabilidades do sistema de votação eletrônica são conhecidas da Justiça Eleitoral. E mais do que isso: a Justiça Eleitoral os aponta”. Em seguida, o ministro apresenta dois exemplos: o do chamado “mesário pianista”, que vota no lugar de eleitores ausentes; e o de pessoas que registram o voto usando documento de um eleitor já falecido.

Entretanto, o vídeo exclui a continuação da fala do magistrado, que, logo na sequência, afirma que os episódios apresentados por ele são “marginais”, ou seja, isolados. “Mas, veja, a Justiça Eleitoral, hoje, avança celeremente para a biometrização, encerrando, portanto, esse capítulo. É uma vulnerabilidade do sistema. Reconhecida. Mas isto não leva a distorções significativas. Pode ser marginal. Sequer elegeria, em princípio, um vereador. Mas isto é detectado. E a Justiça Eleitoral trata disso com toda a abertura e reconhece de plano”, declarou Mendes.

A fala segue em defesa da biometria como forma de enfrentar eventuais vulnerabilidades do sistema. “Já na gestão do ministro Toffoli, deu um passo significativo e avançou para a ideia da biometria, que acabou aprovada, e que já, agora, provoca mudanças em todo o nosso sistema de identificação. Já estamos, experimentalmente, utilizando desse documento de identificação nacional, que é fruto desse projeto do TSE de biometrização geral, porque o TSE passou a ter o maior banco de dados de biometria.” Este trecho da fala de Gilmar Mendes, porém, foi suprimido do vídeo que circula nas redes sociais.

Nos dois casos citados pelo ministro, concluiu-se que as falhas eram, na verdade, irregularidades cometidas pelos mesários, e não por um erro da urna eletrônica. Em 2022, mais de 120 organismos internacionais e nacionais acompanharam o processo eleitoral no Brasil e atestaram, segundo a Justiça Eleitoral, que o sistema é “seguro, confiável, transparente e eficaz, e as urnas eletrônicas são uma fortaleza da democracia”.

Na opinião do advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, a biometria é a principal ferramenta de combate às falhas na identificação de eleitores. “Nesse sistema, só libera o voto quando ele for identificado pela biometria”, explica. Para ele, eventuais vulnerabilidades do sistema não justificam a implementação do voto impresso. “Se for mantida a falha na identificação, o voto estará lá do mesmo jeito”, diz.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Após duas semanas da postagem, até o dia 15 de março, o vídeo já registrava 26 mil visualizações no X. Uma busca rápida na plataforma com a legenda do post mostra que o mesmo vídeo viralizou também em outubro de 2023. Considerando apenas os quatro primeiros resultados, que se apresentam com maior relevância, o alcance, somado, chega a 120 mil visualizações.

Como verificamos: Uma busca por trechos da fala de Gilmar Mendes no Google retornou como resultado o vídeo original publicado no canal oficial do STF no YouTube, no qual pudemos assistir à fala na íntegra. Além disso, a transcrição da sessão foi consultada no portal do STF. Também encontramos outras verificações sobre o mesmo episódio feitas pelo Estadão Verifica, Aos Fatos, AFP e pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral. Informações gerais sobre o processo eleitoral estão disponíveis no site do TSE. Também consultamos o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral.

Falha de mesário, e não nas urnas

Na sessão do STF, Gilmar Mendes relembra o caso de um voto registrado na eleição municipal de 2016 em Pescaria Brava (SC) em nome de uma pessoa que já havia falecido. O pleito foi decidido por um voto e deu vitória a Deyvisonn de Souza (MDB) contra o então prefeito e candidato à reeleição na época, Antônio Honorato Filho (PSDB). O tucano apresentou denúncia e a situação foi apurada pela Polícia Civil e Ministério Público Eleitoral.

A Justiça Eleitoral, então, anulou os votos da urna em questão, o que fez subir para 76 a diferença de votos entre os candidatos. Em 2017, os ministros do TSE rejeitaram o recurso do segundo colocado e confirmaram a eleição de Deyvisonn de Souza. À época, Gilmar Mendes negou o pedido de uma eleição suplementar alegando que isso poderia “ferir o princípio da igualdade de votos entre os eleitores que votaram para prefeito de Pescaria Brava e tornar os eleitores da 90ª seção eleitoral “supereleitores”‘, se referindo ao local onde houve a falha.

A investigação concluiu que um mesário registrou o voto em nome de três pessoas que se ausentaram do pleito, uma que estava internada e outra que havia falecido em 2009. Ele teria se aproveitado dos minutos finais para o fechamento da urna para fazer isso. O homem foi condenado a dois anos e oito meses de prisão, em regime aberto, além do pagamento de multa de R$ 10 mil. Por não possuir antecedentes criminais, a pena foi convertida em prestação de serviços comunitários e pagamento de um salário mínimo.

A promotora eleitoral Bruna Gomes disse a um jornal local que a decisão é importante por “ter conseguido responsabilizar o agente fraudador da votação e causador de grande inquietação social e insegurança a respeito do resultado do pleito”. O mesário recorreu da sentença e, agora, o recurso tramita no TRE-SC.

“É importante destacar que, como o próprio ministro relata na fala original, o problema não produziu grandes distorções no resultado do pleito e foi resolvido por meio da implantação da biometria. Ainda assim, a Justiça Eleitoral tomou as providências necessárias para minimizar o impacto do ato de má-fé do mesário”, disse o TSE em nota enviada ao Comprova.

O órgão destacou, ainda, a centralização do Sistema de Informações de Óbitos e Direitos Políticos, que possibilita a troca de informações sobre mortes entre cartórios de registro civil e a Justiça Eleitoral. O mecanismo, de acordo com as autoridades, “trouxe mais rapidez ao processo de cancelamento da inscrição eleitoral de pessoas falecidas”.

Em 2022, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais recebeu relatos de eleitores que não puderam votar porque outras pessoas já haviam registrado o voto no lugar delas. Segundo o TRE, “não houve fraude, mas falha na identificação do eleitor, e será feita apuração pela Polícia Federal”. A Justiça Eleitoral refez o treinamento com os mesários para que a situação não se repetisse no segundo turno.

Biometria

O cadastro biométrico teve início em 2008, com o objetivo de evitar que eleitores pudessem se passar por outras pessoas na hora de registrar o voto. A urna só é liberada depois que o leitor biométrico identifica as impressões digitais do eleitor. Segundo a Justiça Eleitoral, o Brasil possui o maior banco de dados da América Latina e também um dos mais confiáveis. Atualmente, 81,5% da população brasileira tem o registro biométrico. Isso corresponde a 127.337.473 pessoas de um universo de 156.149.715 do eleitorado apto.

Na eleição deste ano, marcada para 6 de outubro, o eleitor que não tiver o cadastro não será impedido de votar. O prazo máximo para a coleta da impressão digital é 8 de maio. Basta o cidadão procurar um cartório eleitoral da região onde mora e completar o registro, sem custo.

Para o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, o sistema atual com o reforço da biometria garante cada vez mais a efetividade do voto. “A defesa do voto impresso significa deixar um documento de prova, se houver dúvida, para a recontagem. Dizem que é uma segurança, uma garantia de que não haverá nenhum tipo de erro. Mas é possível essa recontagem eletrônica também. Isso sem contar as mais de trinta camadas de segurança da urna. A biometria vai ser mais uma”, explica.

Julgamento reafirmou a segurança das urnas

No julgamento em questão, os ministros do STF suspenderam um mecanismo previsto na minirreforma eleitoral de 2015 que implementava a impressão do voto eletrônico. No entendimento da maioria dos magistrados, o dispositivo coloca em risco “o sigilo e a liberdade do voto, contrariando a Constituição Federal”. A ação analisada foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República, que pedia a suspensão da medida.

Segundo os ministros, o custo de implementação era alto – mais de R$ 2 bilhões na época – e não havia garantia de que a impressão pudesse aumentar a segurança do sistema eleitoral. “Isso em um contexto em que faltam indícios de fraude generalizada no sistema de voto eletrônico, existente desde 1996. Foi ressaltada a confiança da população no sistema, tido como referência internacional, e no fato de que a alteração poderia, pelo contrário, minar essa confiança”, diz trecho de notícia publicada no site da Corte.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, afirmou que a mudança proposta pelo Congresso se baseia em “lenda urbana”. “É preciso ter cuidado. Por isso é respeitável a decisão do Congresso, porque estamos lidando com a crença das pessoas”, declarou. Mendes destacou, ainda, que se tratava, até então, da terceira tentativa de deputados e senadores de implementar o dispositivo. No voto, ele defendeu que o mecanismo fosse parcialmente adotado de acordo com a viabilidade técnica e financeira da Justiça Eleitoral, sem ferir a segurança das urnas.

Na mesma sessão, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que a impressão do voto tem pouca efetividade e poderia resgatar a prática do chamado “voto de cabresto”, em que a população geralmente mais pobre tem o voto direcionado por pessoas com maior poder aquisitivo. A compra e venda de votos é crime e pode resultar em prisão ou pagamento de multa. “Não é algo que se justifique até agora [a impressão] pela ausência de fraude generalizada. Nunca houve fraude generalizada”, disse o ministro.

Com base nos comentários feitos na publicação, é possível notar como o conteúdo enganoso lança dúvidas sobre o sistema eleitoral. Alguns dos leitores relacionam o julgamento de 2018 com as eleições de 2022, sugerindo que determinado candidato teria sido prejudicado pela Corte.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o autor da publicação, mas, até o momento, não recebeu retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: A postagem tenta usar de uma fala incompleta dita por Gilmar Mendes, uma autoridade nacional, para corroborar um ponto de vista específico, que difere da opinião original do ministro. Sessões de julgamento do STF que são transmitidas, como a sessão aqui investigada, são disponibilizadas para o público, possibilitando a verificação da fala na íntegra, assim como o contexto em que foi proferida. É sempre importante checar se vídeos oficiais não foram editados ou cortados a fim de conferir um novo sentido.

Além disso, é possível verificar as alegações de falhas no sistema eleitoral em sites oficiais do TRE e do TSE para entender quais as vulnerabilidades existentes e quais medidas estão sendo tomadas pelos órgãos responsáveis.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo vídeo foi alvo de investigações de outros sites, como Estadão Verifica, AFP Checamos, Aos Fatos, Terra e a própria Justiça Eleitoral. Recentemente, o Comprova também verificou conteúdo que usa vídeo antigo de urnas americanas para lançar dúvidas sobre as eleições brasileiras.

Saúde

Investigado por: 2024-03-14

Casos de pneumonia citados em vídeo não têm relação comprovada com covid

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Enganoso
Um vídeo no Instagram espalha desinformação, sugerindo que casos de pneumonia estão sendo usados para encobrir a covid-19. Ao utilizar informações recentes sobre famosos diagnosticados com pneumonia, o conteúdo gera uma confusão entre conceitos. Nenhum dos casos citados no vídeo tem relação comprovada com a covid-19. Enquanto doença, a pneumonia pode ser provocada por diversos fatores ou agentes, inclusive o SARS-CoV-2, vírus causador da covid-19. No entanto, são doenças diferentes.

Conteúdo investigado: Advogado lista em vídeo uma série de casos de pessoas famosas que foram diagnosticadas recentemente com pneumonia e questiona se a covid virou pneumonia. Ele afirma ainda que “na época do Bolsonaro, tudo era covid.”

Onde foi publicado: Instagram.

Conclusão do Comprova: Vídeo publicado no Instagram que cita casos de pneumonia entre pessoas públicas desinforma ao insinuar que a doença está sendo utilizada para mascarar casos de covid-19. Nenhum dos casos de pneumonia citados no vídeo tem relação comprovada com a covid-19. A pneumonia é uma inflamação no pulmão que costuma ser provocada por infecções causadas por bactérias ou vírus. De acordo com especialistas ouvidos pelo Comprova, a covid-19 pode levar a uma série de complicações respiratórias, incluindo a pneumonia, mas são doenças diferentes.

O autor do vídeo fundamenta sua argumentação no diagnóstico de pneumonia do ex-ministro José Dirceu (PT), da cantora Ivete Sangalo, do empresário Abilio Diniz e da vereadora de Goiânia Luciula do Recanto (PSD). Ivete teve pneumonia após pegar virose; Diniz foi diagnosticado com pneumonite, não pneumonia; Luciula teve pneumonia bacteriana, causada por leptospirose. Dirceu não divulgou a causa da pneumonia, mas reportagens sobre seu quadro de saúde não citam covid.

O autor do vídeo associa erroneamente esses casos com um suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz. Contudo, esse texto não é um artigo científico, mas a reprodução de uma reportagem de maio de 2020 do portal R7, que abordava a possibilidade de pacientes com covid-19 desenvolverem pneumonia.

O pneumologista Elie Fiss, citado na reportagem, destacou ao Comprova que o contexto de 2020 era diferente da situação atual. Ele afirma que os casos do novo coronavírus tratados recentemente não têm evoluído com a mesma gravidade observada no início da pandemia, por causa da vacinação.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 13 de março, o vídeo tinha mais de 1 milhão de visualizações no Instagram.

Como verificamos: Inicialmente, buscamos informações no Google sobre o suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz e, usando palavras-chaves, encontramos a reportagem do R7 que foi reproduzida pelo hospital. Entramos em contato com a unidade de saúde, que confirmou não ter sido a autora do texto. Procuramos também especialistas e o Ministério da Saúde, que forneceu informações atualizadas sobre a covid-19 e a relação da doença com a pneumonia. Por fim, procuramos as assessorias das pessoas públicas citadas no texto.

Casos de famosos citados não tem relação comprovada com a covid-19

Na postagem aqui investigada, um homem utiliza notícias de famosos diagnosticados recentemente com pneumonia para sugerir que a doença está sendo utilizada para mascarar casos de covid-19. Nos comentários do vídeo, usuários alegam que os dados do novo coronavírus foram supernotificados no governo Bolsonaro e estão sendo escondidos no governo Lula. “COVID só existiu no governo do Bolsonaro!!! Do Lula não tem. Este desgoverno já esta levando o Brasil para o buraco”, escreveu um seguidor.

Outra pessoa disse que, antes, “morte por bala perdida era COVID, morte em acidente de trânsito, era COVID, morte por infarto era COVID, morte por dengue era COVID”. O vídeo também faz uma afirmação parecida e diz que, na época do governo Bolsonaro, ficou provado que havia pessoas que morriam por causas não relacionadas à covid e que traziam essa causa de morte no atestado de óbito. “Na época de Bolsonaro, gripe era covid. Tudo era diagnóstico de covid”, afirmou. Mas nada disso é verdade.

O Comprova já fez diferentes checagens que desmentem a alegação de que mortes por outras causas estavam sendo notificadas como covid. Na realidade, o cenário durante a pandemia era outro: estudos demonstraram que havia subnotificação de mortes pela doença causada pelo coronavírus. Por exemplo, em 2022 pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) calcularam que o número de óbitos por covid-19 no Brasil em 2020 era 18% maior do que dizem as estatísticas oficiais.

Vale ressaltar que uma reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que o problema de subnotificação persiste, mas por razões diferentes das do início da pandemia. Em 2020, faltavam testes e a prioridade era diagnosticar casos mais graves. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, hoje a postura da população em relação à covid-19 mudou, e menos testes são feitos. Além disso, ainda há uma falta de política pública clara de testagem para a doença.

Os famosos citados foram José Dirceu; Ivete Sangalo; Abilio Diniz e Luciula do Recanto. Nenhum desses casos tem relação comprovada com a covid-19. Diniz, no caso, não teve pneumonia, ao contrário do que foi noticiado inicialmente na imprensa, e sim pneumonite. Ele morreu no dia 18 de fevereiro, aos 87 anos, por uma insuficiência respiratória em função da doença. Enquanto a pneumonia é uma inflamação no pulmão que costuma ser provocada por infecções causadas por bactérias ou vírus, as causas de pneumonite são fungos, penas de aves, agentes orgânicos ou químicos inalados, doenças autoimunes, como lúpus ou artrite reumatoide, e até medicamentos.

Já a vereadora Luciula do Recanto disse que “teve derrame nos dois pulmões decorrente de uma pneumonia bacteriana, mas devido a leptospirose e não covid”. A assessoria de Ivete Sangalo informou que não vai passar mais detalhes sobre a doença da artista além do que já foi divulgado inicialmente. Em fevereiro, logo após o carnaval, Ivete postou numa rede social que pegou uma virose. “A partir de aconselhamento médico, vim ao hospital e, então, veio a internação. Diagnóstico: Pneumonia. Estou assistida e já me sentindo melhor.” Por fim, o advogado de José Dirceu não retornou os nossos contatos até o fechamento do texto.

Hospital Oswaldo Cruz não fez estudo sobre o tema

O autor do vídeo associa os casos desses famosos com um suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz intitulado “Pneumonia causada pela covid-19 pode ser silenciosa. Entenda”. O texto, no entanto, não é um artigo ou pesquisa científica e sim a reprodução na íntegra de uma reportagem do portal R7 de maio de 2020, ou seja, início da pandemia. Em nota, o hospital desmentiu a autoria da reportagem. “Ela foi produzida em 2020 pelo portal R7 com entrevista do Dr. Elie Fiss, pneumologista do Hospital.”

A reportagem publicada fala sobre a possibilidade de infectados pela covid-19 terem um quadro que evolui para pneumonia. “Em pacientes com covid-19, ela [pneumonia] é uma consequência da lesão gerada pelo novo coronavírus nos pulmões ou da resposta exagerada do sistema imune do organismo ao vírus”, informou trecho da reportagem.

Ao Comprova, o pneumologista Elie Fiss explicou que o contexto em que a reportagem foi feita, em 2020, é diferente do atual momento. “Naquela época, nós começamos a ter a experiência tanto de pneumonia causada pelo vírus, a pneumonia viral, como a pneumonia bacteriana por infecção secundária e de tromboses”, afirmou.

É errado dizer que a covid virou pneumonia

Ainda segundo o especialista, é errado afirmar que a covid-19 se transformou em pneumonia. Os casos de covid que ele tem tratado recentemente não apresentaram a mesma gravidade observada no início da pandemia. “Dos casos diagnosticados nesta temporada, nenhum evoluiu como pneumonia complicada, nenhum evoluiu com um quadro de pneumonia viral causado pelo covid”, disse.

Fiss acredita que a vacinação foi responsável por evitar os quadros graves de saúde. “Sem dúvida nenhuma, toda a vacinação que foi feita faz com que os quadros de covid sejam quadros de infecções respiratórias leves”, completou.

Outro especialista consultado, o coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Naime, explica que ainda que a pneumonia possa ser causada por vários microorganismos, como vírus, bactérias, fungos e protozoários. Os casos mais comuns são causados por vírus. “O cenário de predominância de vírus respiratórios é muito dinâmico, por isso o monitoramento é fundamental. Isso ajuda a avaliar situações em que seja necessário antecipar a vacina para Influenza ou atualizar a vacina para a covid, por exemplo”, disse.

Os variados tipos de pneumonia costumam se enquadrar no que o Ministério da Saúde define como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). No último boletim com informe de vigilância das síndromes gripais, o Ministério da Saúde informa que em 2024, até o dia 2 de março, foram notificados 4.280 casos de SRAG, com predomínio de identificação do vírus causador da covid-19, o SARS-CoV-2 (63%). Em relação à SRAG por covid-19, é observado vínculo com o atual cenário de alta de SRAG nos estados do centro-sul. Parte dos estados das regiões Sudeste e Sul apresentam aumento também para o vírus Influenza. Nos estados do Norte e Nordeste que demonstram sinal de crescimento de SRAG, há associação com o incremento nos casos positivos para Influenza.

Em nota, o Ministério da Saúde (MS) afirmou que a covid-19 pode levar a uma série de complicações respiratórias, incluindo a pneumonia. “De fato, muitos casos graves de covid-19 podem resultar em pneumonia, o que pode ser uma das principais causas de hospitalização e mortalidade associada à doença. Em alguns casos, pacientes com covid-19 podem desenvolver pneumonia como uma complicação subsequente à infecção viral inicial. Portanto, é possível que casos de covid-19 evoluam para pneumonia, embora nem todos os casos de pneumonia sejam necessariamente causados pela covid-19”, informou.

O MS disse ainda que a sua Coordenação Geral de Doenças Imunopreveniveis (CGVDI/MS) não realiza monitoramento/vigilância de casos de pneumonia e, por isso, não tem dados sobre a doença. Para Fiss, não é possível afirmar que estamos em surto de pneumonia sem uma análise dos dados. No entanto, ele afirma verificar aumento de casos da pneumonia por Mycoplasma pneumoniae, uma bactéria. Já o SARS-CoV-2, que causa a covid-19, é um vírus. “São mais casos de infecções bacterianas, só que o predomínio é muito mais de mycoplasma do que de outras bactérias”, disse.

Ao redor do mundo, casos de pneumonia bacteriana causada pela Mycoplasma foram diagnosticados. Em novembro de 2023, a Sociedade Internacional de Doenças Infecciosas informou que hospitais chineses estavam sobrecarregados com a doença. Logo mais, países como Holanda, Dinamarca, Reino Unido e Estados Unidos também registraram aumento de casos.

Embora pareça preocupante, a Organização Mundial da Saúde declarou que o aumento de casos já era esperado. Isso ocorre pois, com o isolamento social na pandemia, as pessoas passaram um tempo sem exposição à bactéria. Ao Jornal da USP, Alberto Cukier, diretor de Serviço da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, disse que “o risco de uma nova pandemia é zero”, pois o Mycoplasma é uma infecção bacteriana conhecida e já existe antibiótico eficiente contra o micro-organismo.

O que diz o responsável pela publicação: O autor do vídeo se apresenta como “doutor Amarildo Filho” e como advogado. Em 2020, Filho foi candidato a vereador em Goiânia pelo então Partido Social Liberal (PSL) e foi derrotado, recebendo apenas 1.116 votos. Em 2022, ele foi candidato a deputado estadual de Goiás pelo Agir e foi novamente derrotado, desta vez com 2.909 votos. Amarildo Filho foi procurado por mensagem do Instagram, mas não respondeu.

O que podemos aprender com esta verificação: A postagem analisada associa informações verdadeiras (famosos diagnosticados com pneumonias) com um conteúdo retirado do contexto original para sugerir uma afirmação falsa, que a covid-19 tenha “virado” pneumonia, criando uma confusão entre os significados das doenças, uma vez que a pneumonia pode ser uma das consequências da covid-19, mas também pode ser provocada por outros agentes, de vírus a bactérias. Ao nos depararmos com esse tipo de conteúdo, é importante verificar se todas as fontes usadas para embasar a tese estão corretas ou não.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova realizou outras checagens sobre a relação da covid-19 e outras doenças. Neste mês de março, mostramos que é falso o estudo de Cambridge que comprova infecção de Aids em pessoas vacinadas contra o novo coronavírus. No ano passado, apontamos que uma médica enganou ao dizer que vacinas contra a covid-19 causam infarto e morte súbita em crianças e que não há relação entre vacinação por covid-19 e aumento de mortes por câncer na Inglaterra.

 

 

Política

Investigado por: 2024-03-13

Não há lei que acabe com a obrigatoriedade de aulas em autoescola para obter CNH

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Enganoso
É enganoso um vídeo que diz que as autoescolas vão acabar após a aprovação do projeto de lei 6485/2019. Esse projeto foi arquivado no Senado. Há outras propostas nesse sentido tramitando no Congresso Nacional, mas elas ainda não foram analisadas.

Conteúdo investigado: Vídeo narrado por uma voz feminina afirma que os brasileiros não precisarão mais pagar por aulas em autoescolas para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A novidade já estaria em vigor após a aprovação do projeto de lei 6485/2019.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É enganoso o vídeo que diz que as autoescolas vão acabar após a aprovação do projeto de lei nº 6485, de 2019. De autoria da ex-senadora Kátia Abreu (PP), a proposta foi arquivada em dezembro de 2022 e não foi analisada —nem aprovada— pelo Senado ou pela Câmara dos Deputados.

O projeto da ex-senadora propunha acabar com a exigência de cursos em autoescolas como condição para fazer os exames de habilitação. Ela também sugeriu criar um credenciamento para instrutores independentes e que as multas de trânsito fossem usadas para aprimorar as provas teóricas e práticas necessárias para tirar a CNH. Não há nenhuma menção de proibir as autoescolas de cobrar pelas aulas ou de que elas serão gratuitas.

Atualmente, para conseguir a habilitação para dirigir, é necessário passar por avaliação médica e psicológica e ser aprovado nos exames teóricos e práticos de direção. O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) estabelece que o curso de formação em centros habilitados é obrigatório e que há um número mínimo necessário de aulas para fazer as provas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 12 de março, o vídeo tinha 3,9 milhões de visualizações e 114 mil curtidas no TikTok.

Como verificamos: Para verificar a situação do projeto de lei nº 6485/2019, fomos ao site do Senado Federal, onde é possível acompanhar a tramitação de todas as propostas dos senadores. Depois, realizamos buscas para verificar a existência de projetos semelhantes em tramitação na Câmara dos Deputados. Consultamos também o Código Civil e o site oficial do governo federal para conferir o Código de Trânsito Brasileiro e a resolução nº 789/2020, que determinam as regras em vigência para a obtenção da CNH.

Vídeo cita propostas que ainda não foram analisadas

As propostas de Kátia Abreu, assim como de todos os ex-senadores que não conseguiram se reeleger em 2022, foram arquivadas ao fim do mandato, como manda o regimento interno do Senado. As exceções são para matérias que tenham vindo da Câmara, ou que já tenham parecer favorável de pelo menos uma comissão – o que não era o caso da iniciativa em questão.

O vídeo também menciona o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), que seria o responsável pela aprovação da lei. Ele apresentou um projeto semelhante ao de Kátia Abreu, para fazer com que a frequência nas autoescolas seja facultativa, mas a matéria ainda não foi apreciada pelo plenário. Na verdade, a proposta foi apensada, termo usado quando um projeto passa a tramitar em conjunto com outro por tratarem de temas parecidos, a outra proposta, e aguarda criação de comissão temporária pela Mesa Diretora para ser analisada.

Curso de formação em centros habilitados é obrigatório

Todas as aulas, teóricas e práticas, devem ocorrer em um Centro de Formação de Condutores (CFC) devidamente autorizado e são contabilizadas por meio de biometria, como estabelece a resolução nº 789, publicada em 2020.

A resolução estabelece que, para dar início ao processo de habilitação, o candidato deverá ser penalmente imputável, saber ler e escrever, possuir documento de identidade e possuir Cadastro de Pessoa Física (CPF). O primeiro passo é realizar avaliação psicológica e exames de aptidão física e mental nas clínicas credenciadas pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

Sendo considerado apto, é obrigatório que o candidato faça o mínimo de 45 horas de aulas teóricas e o exame correspondente. Ao ser aprovado, ele deve cumprir a carga horária mínima de 20 horas de aulas práticas, das quais pelo menos uma no período noturno. O aprendiz deve estar sempre acompanhado por um instrutor de Prática de Direção Veicular e portando a Licença para Aprendizagem de Direção Veicular (LADV), expedida pelo órgão ou entidade executiva de trânsito do Estado ou do Distrito Federal. Cumprindo os requisitos mínimos, o candidato pode realizar o exame de direção veicular para a obtenção da CNH.

Para cada etapa da formação, é necessário o pagamento de taxas cobradas pelo Detran, como a taxa de inscrição, do exame de direção e dos exames médico e psicológico. Os valores variam de acordo com as diretrizes de cada estado e estão disponibilizados para consulta no site do Detran correspondente. Em São Paulo, por exemplo, estes são os preços:

  • Exame médico: R$ 116,69 (R$ 85,57 se for pessoa com deficiência)
  • Avaliação psicológica: R$ 85,57
  • Aulas teóricas e práticas: pagamento à autoescola, varia conforme a empresa
  • Taxa para fazer o exame teórico: R$ 48,62
  • Taxa para fazer o exame prático: R$ 48,62
  • Taxa para emissão e envio da CNH pelo correio: R$ 127,69
  • Total sem as aulas: R$ 563,33

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil que publicou o vídeo no TikTok, mas não obteve resposta até a publicação desse texto. O perfil não se identifica, e não houve correspondência ao buscar pelo mesmo nome de usuário ou foto em outras redes sociais.

O que podemos aprender com esta verificação: O vídeo usa uma proposta que ainda não foi analisada para causar confusão sobre a obtenção da CNH. Os sites da Câmara e do Senado têm todas as informações sobre projetos de lei, como o texto integral e o estágio da tramitação. Qualquer um pode buscar pelo número do projeto, ano, autor ou assunto. Também é importante desconfiar de perfis que não se identificam e não indicam a fonte das informações. Uma mudança que afetaria tanto o cotidiano das pessoas seria noticiada amplamente por veículos de jornalismo profissional e órgãos oficiais do governo.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em 2022, o UOL e o Jornal do Carro, do Estadão, publicaram textos explicando o projeto de lei. Em verificações envolvendo temas ligados a regras de trânsito, o Comprova já mostrou que outras mudanças no Código de Trânsito aguardam aprovação e que não há exigência de placa e habilitação para andar de skate, bicicleta e patinete.

Saúde

Investigado por: 2024-03-13

Não há evidências de que suramina elimine vacina do organismo de imunizados contra a covid

  • Falso
Falso
Não é verdade que a substância suramina tenha sido identificada como um antídoto para inibir os efeitos da vacina contra a covid-19, como defende um médico em um vídeo gravado em 2021 e que voltou a viralizar. O remédio é um antiparasitário indicado para tratar a doença do sono, a doença de Chagas, a teníase e a oncocercose. O médico também cita o uso da ivermectina, outro antiparasitário, para bloquear a atuação da vacina, mas, o medicamento é contraindicado para covid pela Organização Mundial da Saúde em função de eventuais efeitos colaterais e não faz parte do rol de remédios aprovados pela Anvisa para tratamento do coronavírus.

Conteúdo investigado: Um vídeo que voltou a circular nas redes sociais mostra o médico identificado como Dr Nasser dizendo que os medicamentos suramina e ivermectina podem funcionar como um antídoto contra a proteína S gerada a partir da vacinação contra a covid-19. O trecho da gravação vem com o título “Notícia boa para os vacinados arrependidos, ou enganados! ESSA É A VERDADEIRA CIÊNCIA!” e ainda “Saiba como eliminar a vacina do seu organismo. Dr Nasser, MD PHD do Hospital Albert Einstein*”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Não há evidências científicas que demonstrem que a substância suramina possa impedir a atuação da vacina contra a covid-19 no organismo, assim como não há indicação médica para o uso da ivermectina por pessoas imunizadas contra a doença. O conteúdo aqui investigado integra uma palestra conduzida pelo médico José Augusto Nasser no “Encontro Liberdade e Democracia”, realizado em novembro de 2021 em São José, Santa Catarina. Já naquela época, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alertava para a falta de evidências dos possíveis benefícios da ivermectina.

O médico, que já foi alvo de outras investigações do Comprova, defende que os remédios sejam usados para reparar mitocôndrias (estruturas dentro das células) que são supostamente destruídas pela proteína S gerada a partir da vacinação, o que não é verdade. Ele diz ainda que a suramina pode ser consumida através do chá de funcho, planta medicinal indicada para melhorar a digestão, combater cólicas e aliviar náuseas, mas a substância é, na verdade, fabricada em laboratório.

Ao Comprova, a farmacêutica Bayer, que sintetizou o medicamento pela primeira vez em 1904, disse que o antiparasitário é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como remédio essencial para tratar doenças tropicais. “Não há indicação em bula para uso relacionado à covid-19 e o medicamento não é comercializado no Brasil”, esclareceu a empresa.

Eduardo Silveira, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), explica que a proteína S estimula a produção de anticorpos para combater uma eventual infecção pelo coronavírus e que não se mantém no organismo. “Quando a gente toma uma vacina, ela é rapidamente processada. Então, para que esse suposto detox de vacina pudesse funcionar, essa proteína teria que ficar circulando eternamente, o que não acontece.”

Ainda segundo o especialista, a mitocôndria serve como um motor metabólico da célula. “Ninguém mostrou absolutamente nada sobre o papel da spike [proteína S] na mitocôndria de uma célula infectada. Pelo contrário, uma vez que o vírus invade essa célula, ele começa o processo de replicação. Então, para tentar ganhar o público, é um uso de palavras que não tem a mínima relação com a realidade.”

Procurado pela reportagem, o Hospital Albert Einstein informou que o médico José Augusto Nasser nunca fez parte do corpo clínico da instituição, diferentemente do que alega o vídeo.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 12 de março, a publicação tinha 145,4 mil visualizações no X.

Como verificamos: Primeiramente, o Comprova buscou por outras checagens feitas sobre a declaração do médico José Nasser acerca da suramina como antídoto para os efeitos da vacina contra a covid-19. Em seguida, procurou a Bayer, empresa farmacêutica que produz a suramina, e a Anvisa. Na sequência, a reportagem entrevistou o professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) Eduardo Silveira e o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza. Por fim, o Comprova fez contato com o próprio médico José Nasser.

Erro em pesquisa citada pelo médico

Durante a apresentação, o médico menciona um estudo sueco que sugere que a proteína S pode se integrar ao DNA e interferir em seu processo de reparação. Ele diz que isso levanta preocupações sobre a possibilidade de os imunizantes terem efeitos genotóxicos e carcinogênicos, ou seja, a capacidade de provocar mutações no material genético e potencialmente causar câncer.

O médico afirma que o referido artigo oferece uma análise detalhada sobre como a proteína S pode interromper a reparação do DNA, enfatizando a importância constante deste processo para prevenir o desenvolvimento de tumores.

O Comprova solicitou ao médico o estudo ao qual ele se referia, mas Nasser não enviou a publicação. De acordo com o Estadão Verifica, as fontes citadas por ele durante a apresentação remetem a uma pesquisa publicada na revista Viruses em outubro de 2021, conduzida por pesquisadores da Universidade de Estocolmo e da Universidade de Umeå, na Suécia, semanas antes da palestra realizada pelo médico.

O artigo em questão foi removido da revista em 2022 porque um dos autores descobriu que o documento apresentava um desenho experimental inadequado. Isso significa que a estrutura que orientou a coleta de dados e a análise estatística estava incorreta. Assim, as conclusões da pesquisa não têm validade.

Na palestra, o médico defende o consumo de suramina através do chá de funcho e do chá de agulha de pinheiro branco. Na imprensa internacional, especialistas reforçam que não há relatos de que a substância possa ser encontrada na natureza, já que foi sintetizada a partir de um corante chamado azul de tripano, comumente usado em laboratórios para coloração celular. Além disso, o consumo traz riscos de toxicidade renal e hepática, reações oculares, insuficiência adrenal e anemia.

“A ingestão de um chá vai fazer com que esse conteúdo esteja no estômago e no intestino, o caminho natural. Mas essas regiões não contêm células que normalmente são infectadas pelo vírus. Então, para que a ideia desse médico funcionasse, além de ter uma concentração grande dessa suramina, ela ainda teria que ser translocada do trato digestório e ficar circulando no organismo até o indivíduo ser infectado ou vacinado”, diz o professor Eduardo Silveira.

Pesquisa com suramina é inconclusiva

Um estudo publicado na revista Nature em abril de 2023 investigou se a suramina seria capaz de inibir a ligação entre a proteína spike do vírus e células humanas, impedindo a infecção. A pesquisa foi conduzida por instituições dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. Foram analisadas estruturas das variantes do tipo selvagem, Delta e Ômicron em ensaios in vitro.

Um dos resultados observados foi de que a “suramina é um potente inibidor da infecção por SARS-CoV-2 e é mais ativa contra a variante Ômicron”. Os cientistas afirmam, no entanto, que a pesquisa não é conclusiva. “Dado que a suramina não está aprovada nos Estados Unidos devido a preocupações com a toxicidade, são necessários mais estudos farmacológicos e ensaios clínicos para demonstrar a eficácia da suramina reaproveitada como terapêutica para a covid-19 ou como profilaxia pós-exposição, por exemplo, como spray nasal.”

O estudo não faz referência sobre um possível uso da suramina para eliminar a proteína S do organismo, como sugeriu o médico do vídeo aqui verificado. Para o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza, a tese de detox de vacina é irracional. “Primeiro, porque detox significa desintoxicar, tirar toxinas de dentro do corpo. E a vacina não cria, nem injeta, nem faz o organismo produzir toxinas. O que as vacinas fazem é induzir a resposta imunológica, seja através de anticorpos, seja através de células do sistema imune, contra um agente”, explica.

No Brasil, não há indicações aprovadas pela Anvisa para medicamentos com suramina. “Ressaltamos que somente ensaios clínicos que tenham finalidade de subsidiar o registro do medicamento estão sujeitos à análise e anuência da Anvisa. Pesquisas de caráter científico ou acadêmico não dependem de autorização”, diz nota enviada pela agência ao Comprova.

O Ministério da Saúde reafirmou que a vacinação de covid-19 teve “grande impacto na redução da morbimortalidade pela doença, evitando milhares de óbitos e internações no Brasil”. Reforçou, ainda, que a suramina tem sido utilizada pela medicina em diferentes contextos por possuir propriedades antiparasitárias e anti-inflamatórias. Mas deixou claro que o medicamento deve ser usado conforme indicação na bula. “Até a presente data, não existem estudos ou indícios que demonstrem que esta substância interfira na eficácia das vacinas contra a covid-19 ou de outras vacinas”, diz a nota.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou o responsável pela publicação no X, mas não obteve resposta. A reportagem ainda contatou o próprio médico José Nasser, que reafirmou que a suramina inibe, sim, os efeitos da vacina da covid-19 e que os estudos já foram bem divulgados “em outras contestações”. O médico também afirmou que não recomenda mais o chá de funcho “por outras razões”, mas não deu detalhes. “A discussão médica deverá ser feita em ambiente médico e eu não me responsabilizo por muitos vídeos que não são meus que podem ainda estar circulando. Infelizmente estes conteúdos são editados, clonados e tudo pode ser feito com eles”, disse Nasser, que, como informado acima, já teve conteúdos verificados pelo Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: A tática de desinformação atrelada a esse conteúdo é a manipulação de fatos científicos para promover uma falsa sensação de segurança ou cura alternativa, sem embasamento em evidências científicas concretas. Para se precaver contra esses conteúdos enganosos, é fundamental buscar fontes confiáveis e especialistas reconhecidos e estudos comprovados para obter informações sobre saúde e vacinação. Além disso, é importante desenvolver o pensamento crítico e questionar informações duvidosas, verificando sua veracidade antes de compartilhá-las, contribuindo assim para conter a disseminação de desinformação.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Boatos.org, O Observador, Agência Lupa e Estadão Verifica já verificaram o mesmo conteúdo e o classificaram como falso. Outro post envolvendo Nasser, um em que ele mentia ao afirmar que estudo de Cambridge comprovou que imunizados contra a covid desenvolveram Aids, foi recentemente verificado pelo Comprova.

Eleições

Investigado por: 2024-03-08

Post engana ao usar vídeo antigo de urnas americanas para lançar dúvidas sobre eleições brasileiras

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma publicação que sugere que as eleições brasileiras são inseguras ao reproduzir uma reportagem sobre urnas eletrônicas da empresa dos EUA Election Systems and Software. A companhia nunca foi contratada pela Justiça Eleitoral brasileira. Além disso, o programa das máquinas usadas no Brasil é desenvolvido desde 2005 dentro do TSE, e se qualquer linha do código for alterada, a urna deixa de funcionar.

Conteúdo investigado: Publicação mostra uma reportagem sobre as urnas eletrônicas da empresa norte-americana Election Systems and Software, em que os resultados poderiam ser manipulados. A postagem acompanha a legenda: “Não adiantou apagarem o vídeo. Foi resgatado e será repassado aos milhões, basta cada um de nós receber esse vídeo e repassar ao máximo. Vamos dar a nossa contribuição”.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: É enganosa a publicação que cita uma reportagem antiga para gerar dúvidas sobre as urnas eletrônicas usadas nas eleições brasileiras.

O post usa trecho de reportagem veiculada pela RedeTV! em outubro de 2019, que continua disponível no canal da emissora no YouTube, ao contrário do que diz o post. Além disso, a postagem suprime partes que expõem que a gravação aconteceu antes das eleições presidenciais norte-americanas de 2020.

O trecho apresentado mostra que a empresa norte-americana Election Systems and Software afirmou que não forneceria mais urnas eletrônicas sem o comprovante de votação individual em papel. Em seguida, há uma demonstração de como seria possível manipular o resultado de uma votação na máquina com um software de roubo de votos.

Uma consulta à página de informações técnicas da urna no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que a Election Systems and Software nunca foi contratada para a fabricação dos equipamentos usados nas eleições brasileiras. O órgão também já refutou, em 2022, a relação entre a reportagem e o sistema eleitoral no Brasil.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 8 de março, a publicação tinha 87,8 mil visualizações e 4 mil compartilhamentos no X.

Como verificamos: Uma busca no Google pelo nome da empresa citada na matéria, Election Systems and Software, levou ao vídeo disponibilizado no YouTube pela própria RedeTV!. Para a verificação de informações sobre a urna eletrônica e o processo eleitoral brasileiro, o Comprova acessou páginas oficiais do Tribunal Superior Eleitoral, da Justiça Eleitoral e do Ministério Público Eleitoral. Além disso, foram consultadas matérias dos veículos parceiros para verificar se alguma suspeita sobre as urnas eletrônicas havia sido confirmada e noticiada.

TSE desenvolve hardware e software das urnas eletrônicas

Desde a implantação da urna eletrônica no país, tanto a máquina quanto o programa de votação são desenvolvidos pela Justiça Eleitoral brasileira.

Até 2005, havia uma licitação para contratar uma empresa para executar o projeto desenhado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas a Seção de Voto Informatizado (Sevin) da Corte assumiu todo o desenvolvimento do software desde então. Apenas o hardware, a parte física do equipamento, é fabricada por empresas especializadas, que seguem as orientações do TSE. O modelo atual é fabricado pela Positivo.

Uma lei de 1997 estabelece que os sistemas usados na urna devem ser apresentados a entidades fiscalizadoras, que incluem partidos políticos, a Polícia Federal, as Forças Armadas e empresas privadas credenciadas. Depois de um ano, eles são assinados e lacrados –isto é, não podem ser alterados– em cerimônia pública. Depois da lacração, se houver qualquer alteração no programa, a urna pára de funcionar.

Em 2019, o presidente da empresa norte-americana Electoral Systems & Software, Tom Burt, disse que a empresa não produziria mais urnas que não imprimissem comprovantes em papel, porque seria “difícil fazer uma auditoria significativa sem um registro impresso”. Entretanto, as urnas eletrônicas brasileiras emitem tanto a zerésima antes do início da eleição, para mostrar que nenhum voto foi depositado naquela máquina, quanto o boletim de urna, que mostra cada opção depositada após o fim do pleito.

Urnas eletrônicas garantem eleições limpas há quase 30 anos

Nunca houve fraude comprovada, nem denúncia relevante desde a adoção da urna eletrônica, em 1996. Essas possibilidades foram afastadas tanto pelo TSE e pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), quanto por estudos independentes. Em 2021, a Câmara dos Deputados rejeitou uma proposta para tornar obrigatório o voto impresso.

A Justiça Eleitoral diz aprimorar as urnas a cada eleição. Todas as atualizações da máquina dos últimos 28 anos foram descritas e estão disponíveis ao público.

Todo o processo é auditável antes, durante e após o voto. Além da fiscalização antes da lacração, há um teste de integridade no dia da votação, em que algumas urnas são sorteadas e comparadas com cédulas preenchidas a mão. Ao final do pleito, é possível conferir os boletins impressos pelas urnas ao final da votação, que ficam disponíveis em todas as seções eleitorais, e comparar com os resultados divulgados pelo TSE.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil que fez a publicação no X, mas não obteve resposta até o momento. 

O que podemos aprender com esta verificação: O vídeo divulgado tem grande apelo para a parcela da população brasileira que acredita ser possível uma manipulação do resultado das eleições e, por isso, tem potencial para viralizar. Entretanto, o trecho em questão foi claramente cortado para não aparecer a emissora que divulgou a notícia ou quando foi veiculada, dificultando a verificação da informação. É importante sempre checar se o responsável pela publicação é confiável e verificar o que outros veículos de sua confiança e os órgãos oficiais do governo divulgaram sobre o assunto.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O próprio TSE desmentiu a relação entre a reportagem e o processo eleitoral brasileiro em 2022. Aos Fatos e Estadão Verifica também mostraram que a matéria estava sendo usada fora de contexto. Sobre urnas eletrônicas, o Comprova já mostrou, por exemplo, que o software usado no Brasil não é o mesmo que o dos Estados Unidos, e que é falso um vídeo que diz que os aparelhos foram violados durante uma conferência hacker.

Política

Investigado por: 2024-03-07

Homem em evento com Bolsonaro foi detido por portar faca; Boletim de Ocorrência não fala em tentativa de homicídio

  • Enganoso
Enganoso
É enganosa uma publicação dizendo que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sofreu uma nova tentativa de homicídio quando participava de uma feira agrícola no interior do Rio Grande do Sul, em 5 de março. Apesar de um homem ter sido detido no evento por portar uma faca, não há nenhuma comprovação de que ele tenha atentado contra Bolsonaro, ou que seja ligado a organizações de esquerda como o MST.

Conteúdo investigado: Postagem alega que um associado ao MST foi preso por tentar matar o ex-presidente Jair Bolsonaro com um punhal durante uma feira do agronegócio em Não-Me-Toque (RS).

Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: Uma publicação do ex-candidato a deputado federal pelo PP-SP Diego Di engana ao dizer que “um homem foi preso por flagrante delito por tentativa de homicídio contra o ex-presidente Jair Bolsonaro” durante feira do agronegócio em Não-Me-Toque (RS). O post fala ainda que o suspeito seria um esquerdista radical ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A imagem usada na postagem parece ser a simulação de uma notícia já que o Comprova não encontrou nenhum site com o mesmo conteúdo e as mesmas características gráficas do recorte.

Em 5 de março, a Brigada Militar gaúcha deteve um homem, identificado como Wesley de Castro Ferreira, por porte de arma branca no mesmo local onde estava o ex-presidente Bolsonaro. Wesley foi denunciado por outros participantes do evento, que ficaram assustados ao ver o cabo da faca aparente. Não há nenhuma menção a tentativa de homicídio no Termo Circunstancial de Ocorrência – como é chamado o boletim de uma infração com menor potencial ofensivo.

De acordo com a ocorrência, o homem estava em meio à multidão que acompanhava a visita do ex-presidente Jair Bolsonaro nas dependências da feira Expodireto Cotrijal, em Não-Me-Toque. O homem de 32 anos, residente da região e sem antecedentes criminais, alegou que teria comprado a faca em uma loja dentro da própria feira momentos antes. Ele mostrou o comprovante da compra, o que foi confirmado pelo dono da loja.

A faca foi apreendida e o suspeito foi liberado após assinar termo circunstanciado por violação do Artigo 19 da Lei das Contravenções Penais, que prevê multa ou pena simples de até seis meses por “trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade”. Segundo o delegado responsável pelo caso, a princípio, o detido não é investigado por tentativa de homicídio.

Consultado, o MST afirmou que o homem acusado nunca fez parte do movimento. O grupo também disse que não atua em nenhuma área na cidade do suspeito. Em entrevista ao Metrópoles, o irmão do acusado conta que Wesley é eleitor de Bolsonaro e que teria feito campanha para o então candidato em 2022.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 7 de março, a publicação de Diego Di tinha 99,4 mil visualizações e 2 mil compartilhamentos no X.

Como verificamos: O Comprova entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública e com a Polícia Civil do Rio Grande do Sul. A análise da foto usada na publicação apontou para um vídeo. Uma busca reversa usando o Google Lens e o InVID não mostrou que as imagens tenham sido usadas anteriormente, em outro contexto.

A reportagem também buscou os perfis do suspeito nas redes sociais, mas não encontrou qualquer relação entre ele e o MST ou outro movimento político.

O que diz o responsável pela publicação: Não conseguimos contato com o autor da postagem até a última atualização do texto.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum o uso de ocorrências de forma descontextualizada e com acusações exageradas para provocar revolta e atingir objetivos políticos. Nesses casos, o uso de supostas fontes não-identificadas, como a que aparece na postagem de Diego Di, que utiliza o termo “segundo informações”, também servem para dar uma falsa impressão de verdade e rigor na apuração. Desconfie sempre de publicações com afirmações que não indicam fontes confiáveis ou informações que não possam ser checadas.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já investigou outros boatos que relacionam indivíduos ao MST a crimes. Verificações mostraram que é falso que um membro do MST tenha depredado um relógio histórico nos atos de 8 de janeiro e que um homem abordado em ocupação era funcionário, não dono de fazenda.

Política

Investigado por: 2024-03-07

É falso que proposta do governo proíba Uber e iFood no Brasil

  • Falso
Falso
É falso que o governo federal tenha apresentado proposta para proibir a atuação das empresas Uber e iFood no Brasil, conforme havia afirmado o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em 2022. Na época, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a remoção da publicação do parlamentar por desinformação. A peça verificada relaciona o conteúdo ao recente projeto de lei elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) juntamente às plataformas digitais. A proposta, contudo, não fala em “proibir” a atuação das empresas, apenas regulamenta o trabalho dos motoristas de aplicativos de transporte individual.

Conteúdo investigado: Postagem exibe captura de tela da notícia “Eduardo Bolsonaro e redes bolsonaristas terão que apagar fake news sobre Lula”, publicada pelo veículo independente Mídia Ninja em 2022. A matéria informa sobre uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ordenar a remoção de publicações que afirmassem que o petista iria proibir o trabalho de entregadores e motoristas de aplicativo, como iFood e Uber. A legenda do post verificado afirma: “TSE proibiu e mandou @BolsonaroSP apagar ‘fakenews’ sobre Lula e aplicativos de Uber e Ifood. UOL, Aos Fatos, a Globo disseram que era falso, mas, Eduardo tinha razão, e agora?”. O texto faz referência ao recente projeto de lei apresentado pelo governo federal para regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativo.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: É falso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha apresentado proposta para proibir aplicativos como Uber e iFood, conforme havia alegado o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em 2022. À época, o parlamentar afirmou que Lula, se eleito, acabaria com “empregos de motoboys no Uber, iFood e apps similares”. Naquela ocasião, o TSE ordenou que a postagem fosse apagada por “veicular fatos gravemente descontextualizados e sabidamente inverídicos” que atingiriam a integridade do processo eleitoral.

A peça verificada traz à tona a decisão da Corte Eleitoral em 2022 para fazer uma ligação com uma proposta do governo federal apresentada em 2024 que pretende regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativo, como Uber e 99. O projeto do Ministério do Trabalho, contudo, não fala em “proibir” a atuação das empresas no Brasil. O texto, inclusive, foi elaborado juntamente às plataformas digitais.

Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga se existe vínculo empregatício entre os motoristas de aplicativo e as plataformas digitais. Em deliberação unânime, os ministros reconheceram o caráter de repercussão geral da matéria e vão fazer um julgamento único sobre o tema, ainda sem data marcada. A futura decisão será válida para todos os casos semelhantes. Ao STF, a Uber argumenta que o reconhecimento de vínculo empregatício tem o potencial de inviabilizar a continuidade de sua atividade.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 7 de março, a postagem viral no X acumulava mais de 59,8 mil visualizações, 3 mil compartilhamentos e 7 mil curtidas.

Como verificamos: Primeiramente, o Comprova pesquisou a notícia exposta na postagem analisada, publicada pelo veículo Mídia Ninja. Em sequência, realizou uma busca no Processo Judicial Eletrônico (PJe) para encontrar a decisão da Corte Eleitoral abordada na matéria. Além disso, também buscou por checagens que analisaram o conteúdo que foi objeto da decisão do TSE.

Para compreender o cenário trabalhista dos motoristas de aplicativo, o Comprova procurou notícias sobre o recente projeto de lei que pretende regulamentar a atividade e sobre a ação julgada no STF em relação ao vínculo empregatício entre os profissionais e as empresas. Por fim, entrou em contato com as empresas Uber e iFood, citadas na alegação checada.

Decisão do TSE

A postagem aqui analisada utiliza uma notícia publicada pelo veículo independente Mídia Ninja, em 29 de agosto de 2022. A matéria informava sobre uma decisão do TSE que ordenava a exclusão de duas publicações desinformativas sobre Lula. Uma das postagens, publicada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, alegava falsamente que o petista iria “acabar com os empregos de motoboys no Uber, iFood e apps similares”.

Na decisão, o TSE argumentou que agências de checagem, como Lupa, Aos Fatos e Polígrafo, atestaram que não houve promessa de “acabar com os empregos de aplicativo”. À época, o boato também foi verificado pelo UOL Confere e AFP. Em 2023, uma alegação similar voltou a circular nas redes sociais e foi checada pelo Fato ou Fake, do g1, e também pelo UOL Confere.

As postagens desinformativas descontextualizaram uma entrevista do petista à rádio Passos FM, de Minas Gerais, concedida em 22 de fevereiro de 2022. No depoimento, Lula defendeu a ampliação de direitos da categoria. Leia um trecho da declaração:

“A gente vai criar emprego desses intermitentes que o trabalhador não tenha direitos? A gente vai ficar fazendo o trabalhador trabalhar nesses aplicativos sem nenhum direito? É preciso dar garantia da seguridade social para as pessoas, é preciso que as pessoas tenham um descanso, é preciso que as pessoas tenham férias, é preciso que as pessoas ganhem um salário minimamente digno para comer.”

A então ministra Maria Claudia Bucchianeri, relatora do caso, ressaltou que a Resolução do TSE nº 23.610, de 18 de dezembro de 2019, estabelece que a “livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando (…) divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução”.

O art. 9º-A mencionado, por sua vez, afirma que “é vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”. Os ministros do TSE, por unanimidade, confirmaram a decisão da relatora.

Projeto de lei para regulamentar trabalho de motoristas de aplicativo

Nesta segunda-feira, 4, o governo federal anunciou um Projeto de Lei Complementar (PLC) para regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativos. O documento ainda será encaminhado ao Congresso e, se aprovado, entrará em vigor 90 dias após a sanção.

De acordo com o Ministério do Trabalho, o PLC foi elaborado a partir de um Grupo de Trabalho Tripartite, criado em maio de 2023. A elaboração da proposta contou com representantes dos trabalhadores, das empresas e do governo federal, com acompanhamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério Público do Trabalho (MPT), entre outros.

O projeto prevê aos motoristas de aplicativo uma remuneração mínima, tempo de trabalho máximo por dia e contribuição previdenciária pelos trabalhadores e empresas. Os trabalhadores também serão representados por uma entidade sindical.

Mesmo com as novas definições, não existirá vínculo empregatício. A nova categoria foi denominada “trabalhador autônomo por plataforma”. A proposta estabelece um valor mínimo de remuneração de R$ 32,09 por hora, sendo que R$ 8,02 são referentes ao trabalho e R$ 27,07 englobam os custos de produção (combustível, celular e veículo).

Já em relação à previdência, a contribuição ao INSS ocorrerá em cima do valor de R$ 8,02, com alíquota de 7,5% para empregados e de 20% para a plataforma. Além disso, a proposta também indica que o período máximo de conexão do motorista a uma mesma plataforma não poderá ser superior a 12 horas diárias.

Por meio de nota, a Uber afirmou que considera a proposta elaborada pelo Grupo de Trabalho Tripartite como um importante marco para uma regulamentação equilibrada do trabalho realizado por meio de plataformas, e que seguirá acompanhando a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional. “A empresa valoriza o processo de diálogo e negociação entre representantes dos trabalhadores, do setor privado e do governo, culminando na elaboração dessa proposta, a qual inclui consensos como a classificação jurídica da atividade, o modelo de inclusão e contribuição à Previdência, um padrão de ganhos mínimos e regras de transparência, entre outros”, diz em nota.

Na mesma linha, a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que reúne empresas que prestam serviços tecnológicos relacionados à mobilidade de pessoas ou bens, também avaliou o projeto de lei como positivo para a categoria, em especial no que diz respeito à inclusão dos trabalhadores na Previdência Social. “Da forma como foi acordada entre os participantes do Grupo Tripartite, a proposta contempla as prerrogativas de uma atividade na qual a independência e a autonomia do motorista são fatores fundamentais. Certamente será usada como exemplo para muitos países que hoje discutem a regulação deste novo modelo de trabalho”, afirma a associação em nota oficial.

Proposta não inclui iFood

A proposta de regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativo não engloba empresas de delivery, como iFood. Isso porque não houve acordo entre as empresas e os entregadores. Ao Comprova, a empresa afirmou que sempre houve diálogo com o governo para a construção de uma regulamentação que seja boa para todos e reiterou que não tem planos de encerrar suas atividades no Brasil: “O iFood continuará investindo no Brasil por meio de seus pilares de tecnologia, sustentabilidade e inclusão social. As expectativas para o mercado de delivery em 2024 são otimistas, refletindo o avanço contínuo das tecnologias e as transformações nos padrões de consumo.”

O presidente Lula falou que vai insistir em negociar. Durante o lançamento da proposta elaborada pelo Ministério do Trabalho, Lula disse que vai “encher tanto o saco que o iFood vai ter que negociar”.

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, também comentou a regulamentação para a categoria de duas rodas. “Não adianta o iFood mandar recado; encontra ministro, encontra gente do governo, amigo do governo… Nós queremos conversar. Nós conversamos o ano inteiro, mas o fato é que o iFood, o Mercado Livre diziam que essa negociação não cabe no seu modelo de negócios. Portanto, um modelo de negócios altamente explorador”, afirmou o ministro.

Em comunicado à imprensa, o iFood disse que a declaração do ministro Marinho “não é verdadeira”. “O iFood participou ativamente do Grupo de Trabalho Tripartite (GT) e negociou um desenho regulatório para os entregadores até o seu encerramento. A última proposta feita pelo próprio ministro Marinho, com ganhos de R$ 17 por hora trabalhada, foi integralmente aceita pelo iFood”, alegou.

Ainda segundo a nota da empresa, o governo federal priorizou a discussão com os motoristas de aplicativo, já que a bancada de trabalhadores divergia menos entre si. O iFood também defendeu que apoia a regulação do trabalho intermediado por plataformas desde 2021.

Ao Comprova, o iFood explicou que o ponto de discussão está no modelo de previdência que o entregador será incluído. “Nossa ideia é discutir um modelo de alíquota progressiva, por exemplo, o mesmo raciocínio do Imposto de Renda: quanto menos você ganha, menos você paga e vice-versa, ou outros modelos que estejam de acordo com o ganho médio do entregador autônomo”, afirma a empresa.

Ação julgada no Supremo Tribunal Federal

O STF também está de olho nesse tema. A corte vai decidir se existe vínculo empregatício entre os motoristas de aplicativo e as empresas criadoras e administradoras das plataformas digitais. Neste primeiro momento, em deliberação unânime, os ministros reconheceram o caráter de repercussão geral da matéria. Isso significa que o julgamento é relevante do ponto de vista social, jurídico e econômico e ultrapassa os interesses das partes envolvidas no processo.

Com isso, uma futura decisão da corte sobre o tema terá amplo alcance e será válida para todos os casos semelhantes. A data do julgamento ainda não foi marcada. A questão é fruto de um recurso apresentado pela Uber, que narra existirem mais de 10 mil processos sobre o tema tramitando nas diversas instâncias da Justiça trabalhista.

A plataforma questiona decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre uma motorista e a empresa. O TST considerou que a subordinação fica caracterizada porque o motorista não possui nenhum tipo de controle em relação ao preço das corridas e ao percentual a ser descontado sobre o valor.

A autonomia do trabalhador, destaca a decisão, está restrita apenas à escolha de horários e corridas. Além disso, a empresa estabelece parâmetros para aceitar determinados motoristas e faz unilateralmente o desligamento do motorista, caso ele descumpra alguma norma interna.

Já a Uber argumenta, para o STF, que a decisão do TST tolhe o direito à livre iniciativa de exercício de atividade econômica e tem potencial de inviabilizar a continuidade de sua atividade.

De acordo com apuração do Valor, a maioria do STF derrubou decisões a favor de vínculos empregatícios com aplicativos. O levantamento mostra que pelo menos sete ministros decidiram contra os trabalhadores em reclamações levadas ao Supremo.

O que diz o responsável pela publicação: A autora da publicação checada foi procurada via mensagem direta no X, mas não respondeu até o fechamento do texto. O espaço está aberto.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que desinformadores utilizem um material antigo e descontextualizado para espalhar desinformação sobre um fato atual. No caso aqui analisado, a responsável pela publicação usa um boato já desmentido para fazer uma ligação com o projeto de lei que pretende regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativo. Para confirmar se a alegação é verdadeira ou falsa, é importante buscar notícias e fontes confiáveis que informem sobre o assunto. Uma busca rápida é capaz de mostrar que a proposta contou, inclusive, com a participação de representantes das empresas.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em 2022, as postagens que alegavam falsamente que Lula iria “acabar com os empregos de motoboys no Uber, iFood e apps similares” foram objetos de checagens da Lupa, Aos Fatos, Polígrafo, UOL Confere e AFP. Em 2023, uma alegação similar voltou a circular nas redes sociais e foi checada pelo Fato ou Fake, do g1, e também o UOL Confere.

Saúde

Investigado por: 2024-03-07

É falso que estudo de Cambridge comprove que pessoas vacinadas contra a covid-19 adquiriram Aids

  • Falso
Falso
Não é verdade que cientistas da Universidade de Cambridge concluíram que 25% dos imunizados contra a covid-19 com vacinas de mRNA desenvolveram Aids, ao contrário do que afirma post investigado pelo Comprova. Uma pesquisa identificou em parte dos pacientes estudados uma resposta do sistema imunológico à vacina que não era esperada, mas não encontrou nenhum efeito colateral. O Ministério da Saúde confirma que nenhuma vacina tem a capacidade de causar Aids. A publicação ainda mente ao usar o termo “VAids”, que seria uma "síndrome de imunodeficiência adquirida por vacina". A condição não existe, como verificado na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Conteúdo investigado: Post no Instagram afirma que cientistas de Cambridge descobriram que 25% das pessoas que tomaram a vacina de mRNA contra a covid-19 têm “VAIDS” e que o estudo revela falhas no sistema imunológico.

Onde foi publicado: Instagram.

Conclusão do Comprova: São falsas as afirmações de médico sobre estudo da Universidade de Cambridge ter descoberto que 25% das pessoas que receberam vacina de mRNA contra a covid-19 estão com “VAids”. Esse tipo de imunizante, baseado no RNA mensageiro, simula a exposição ao novo coronavírus para poder combatê-lo, como explica o Ministério da Saúde. Já a Aids (da sigla em inglês para Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é a doença causada pela infecção do vírus da imunodeficiência humana (HIV é a sigla em inglês). Diferentemente do que diz o autor do post, não existe uma condição chamada VAids, que seria uma “síndrome de imunodeficiência adquirida por vacina”, nem os imunizantes causam a doença.

“Esse tipo de fake news é um crime contra a saúde pública”, afirma o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri. Ele disse ao Comprova que o vírus HIV é transmitido de diferentes formas, especialmente pelo contato sexual desprotegido, mas não por meio de um imunizante. Na página dedicada à doença, o Ministério da Saúde elenca as principais formas de transmissão, além do sexo sem camisinha: uso de seringa por mais de uma pessoa; transfusão de sangue contaminado; da mãe infectada para seu filho durante a gravidez, no parto e na amamentação; e por instrumentos não esterilizados que furam ou cortam.

Em consulta à Classificação Internacional de Doenças (CID-11), da Organização Mundial da Saúde (OMS), a busca pelo termo “VAids” não traz nenhum resultado.

Contatado pelo Comprova, o Ministério da Saúde afirmou que “nenhuma vacina possui a capacidade de causar a Aids” e que os imunizantes salvam vidas.

O autor do post cita como fonte de suas afirmações o site Slay News, que leva para uma reportagem do jornal britânico The Daily Telegraph. O texto não fala que o estudo concluiu que 25% das pessoas vacinadas com os imunizantes de mRNA desenvolveram Aids ou outras doenças, apenas que tiveram uma resposta imunológica não intencional.

Tampouco a reportagem revela o nome do estudo, mas informações nele citadas levam ao artigo publicado na revista Nature. A pesquisa também não diz que as vacinas levaram as pessoas a ter Aids. O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade de Cambridge. Segundo texto no site da instituição, o artigo identificou que pode ocorrer uma falha na “leitura”, pelas células humanas, do mRNA da vacina, o que resultaria numa resposta imunológica não intencional, situação constatada em um terço de 21 pacientes do estudo que receberam o imunizante. No entanto, nenhum efeito nocivo no organismo dessas pessoas foi detectado.

O autor do post, que foi procurado pela reportagem e não respondeu até a publicação deste texto, já teve outros conteúdos relacionados à vacina contra a covid verificados

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post foi removido em 5 de março, mas, até sair do ar, alcançou mais de 3,5 mil curtidas.

Como verificamos: Para obter informações sobre a vacina e a Aids, pesquisamos sites de órgãos como a OMS e o Ministério da Saúde, que foi contatado pela reportagem. Também consultamos o estudo usado como base da afirmação mentirosa, textos no site da Universidade de Cambridge que repercutem a pesquisa e tentamos contato com os autores da pesquisa, que não responderam até a publicação desse texto. Contatamos representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza, e questionamos o responsável pela postagem enganosa, que não respondeu até o fechamento desta verificação.

A tecnologia das vacinas de mRNA

As vacinas de RNA mensageiro levam, de uma forma controlada, uma mensagem para as células humanas criarem a proteína spike para que, a partir disso, o organismo possa gerar uma resposta imunológica a ela. A proteína spike é um fragmento do vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19, por meio da qual o vírus entra nas células humanas, causando a doença.

“A vacina existe para você encontrar com o vírus de forma controlada, sem ter a doença, antes que o vírus entre em contato com você”, explicou o virologista Amilcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em checagem recente do Estadão Verifica.

Ao Comprova, o presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, Carlos Magno Fortaleza, explicou que o estudo aponta para uma nova perspectiva desse tipo de vacina. “Os cientistas estão vendo que, além dessas proteínas que são próprias do vírus, o RNA contido na vacina tem criado outras proteínas. A partir daí, há uma imunidade contra essas outras proteínas, que não são do vírus e não eram desejadas. Não é indesejado no sentido negativo, apenas não eram esperadas”, disse.

Segundo o infectologista, o próprio artigo deixa claro que a produção de outras proteínas não causa nenhum efeito colateral. “Isso não tem a ver com a Aids, é uma questão muito técnica. Não é nada absurdo”, afirmou. “Tem a ver, talvez, com melhorar [o modelo da vacina] para que seja produzida só a spike mesmo, e, então, a imunidade será apenas contra o coronavírus”, avaliou. O médico relembrou que informações falsas sobre uma suposta ligação entre Aids e vacinas já foram foram removidas por decisões judiciais.

Estudo aponta ajuste para as vacinas, mas não danos no organismo

O estudo “N1-methylpseudouridylation of mRNA causes +1 ribosomal frameshifting”, publicado na Nature em 6 de dezembro de 2023, e que foi distorcido na postagem falsa, foi realizado pelos pesquisadores Anne Willis e James Thaventhiran, do Medical Research Council (MRC) Toxicology Unit, da Universidade de Cambridge, com a colaboração de outros estudiosos das universidades de Kent, Oxford e Liverpool.

Segundo o site da instituição, o estudo descreve como as vacinas de mRNA podem causar uma resposta imunológica não intencional e aponta ajuste no desenvolvimento de futuros imunizantes com essa tecnologia que, de acordo com o site da Universidade de Cambridge, se trata de uma descoberta revolucionária, “que foi utilizada para controlar a pandemia da covid-19 e está sendo proposta para tratar vários tipos de cânceres e doenças cardiovasculares, respiratórias e imunológicas”.

Segundo o texto no site da universidade, os pesquisadores descobriram que o mRNA das vacinas pode ser decodificado de forma errada pelas células humanas resultando, além da produção da proteína spike, na produção de outras proteínas capazes de gerar uma “resposta imunológica não intencional” no organismo. Na pesquisa, que envolveu testes em laboratório com camundongos e análise de pessoas vacinadas, eles mostraram que essa falha ocorreu em um terço de 21 pacientes do estudo que receberam a vacina. Porém, nenhum efeito nocivo no organismo foi encontrado.

Os pesquisadores identificaram que um componente químico do mRNA utilizado na vacina, chamado N1-metilpseudouridina, é o causador da falha. Eles, então, redesenharam as sequências genéticas do mRNA sintético para evitar o efeito indesejado. Segundo a universidade, essa modificação pode facilmente ser aplicada a futuras vacinas de mRNA, “evitando respostas imunológicas perigosas e não intencionais”.

Pesquisadores reafirmam segurança da vacina e dizem que alegações são falsas

O texto no site da universidade destaca a seguinte declaração do imunologista James Thaventhiran, um dos responsáveis pelo estudo: “A pesquisa mostrou, sem sombra de dúvida, que a vacinação com mRNA contra a covid-19 é segura. Bilhões de doses das vacinas de mRNA da Moderna e da Pfizer foram entregues com segurança, salvando vidas em todo o mundo. Precisamos garantir que as vacinas de mRNA do futuro sejam igualmente confiáveis. Nossa demonstração de mRNAs ‘resistentes ao deslizamento’ [erro na decodificação pelas células humanas] é uma contribuição vital para a segurança futura desta plataforma médica.”

No mesmo texto, a bioquímica Anne Willis, outra responsável pelo estudo, também reafirma a segurança das vacinas de mRNA contra a covid-19 e destaca que o ajuste que identificaram pode ser facilmente implementado na produção futura de novos imunizantes com essa tecnologia: “O nosso trabalho apresenta uma preocupação e uma solução para este novo tipo de medicina. Estas descobertas podem ser implementadas rapidamente para evitar quaisquer problemas de segurança futuros e garantir que as novas terapias de mRNA sejam tão seguras e eficazes como as vacinas contra a covid-19.”

A equipe de checagem da AFP em Hong Kong checou a mesma alegação e também atestou que ela é falsa. À AFP, os pesquisadores envolvidos no estudo disseram que as afirmações de que a vacina com mRNA provocou Aids nos imunizados foram simplesmente inventadas. “Nosso último estudo não questiona a avaliação de segurança das vacinas de mRNA da covid existentes. Os dados são claros: não há evidências que liguem proteínas involuntárias a respostas imunológicas prejudiciais”, disse James Thaventhiran, acrescentando que “os humanos encontram regularmente proteínas involuntárias e geram respostas imunológicas inofensivas”.

Também à AFP, Lance Turtle, coautor do estudo e pesquisador da Universidade de Liverpool, disse que a alegação compartilhada nas redes não tem base em fatos. “Não havia absolutamente nada sobre imunodeficiência em nosso estudo… Não há nada de imunodeficiência nisso, é o sistema imunológico respondendo a uma proteína estranha”, disse Turtle.

Autor do post tem histórico de desinformação

O médico José Augusto Nasser dos Santos é natural de Campo Grande (MS), mas atua na cidade do Rio de Janeiro desde a década de 1990, em um consultório no Leblon. Especializado em neurocirurgia, ele é autor de um curso de “detox de vacinas da covid-19” com a administração de ivermectina, vitaminas e chás; nenhum desses itens é aprovado pelo Ministério da Saúde para o tratamento da doença. As aulas são oferecidas em mensagens automáticas enviadas pelo WhatsApp comercial do médico, assim como fornecimento de atestados para não receber a vacina.

Nasser também é autor do vídeo que foi compartilhado por Luciano Hang no X (antigo Twitter), resultando no bloqueio do perfil do empresário da rede social, em janeiro de 2022. Na gravação, o médico se posicionou de forma contrária à vacinação infantil com informações enganosas sobre o imunizante, alegando que se tratavam de um “experimento”, sem benefícios comprovados. Naquele mês, ele se utilizou do mesmo discurso em uma audiência pública realizada na Câmara dos Deputados a convite da deputada Bia Kicis (PSL-DF).

No Senado, o neurologista protagonizou mais uma sessão polêmica, comandada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), em que criticava a necessidade do comprovante de vacinação para diversos serviços. Na ocasião, o médico sugeriu, de forma irônica, que houvesse também a proibição de pacientes com Aids, tuberculose e hepatite C em estabelecimentos comerciais.

Em outro momento, Nasser foi alvo de uma verificação do Projeto Comprova em que ficou constatado que o médico deturpou dados de uma pesquisa para disseminar informações enganosas de que a vacinação contra a Covid-19 teria resultado em abortos.

O que diz o responsável pela publicação: Ao Comprova, Nasser negou que o termo VAids tenha relação com a Aids. “São duas coisas muito diferentes”, afirmou. Porém, a expressão surgiu na pandemia, entre pessoas anti-vacina, sempre associada à Aids. Inclusive, como informado acima, ele mesmo já comparou a forma de transmissão da covid-19 com a do vírus HIV e não há na ciência uma condição chamada de VAids.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que os desinformadores divulguem conteúdos com tom alarmista, como este verificado aqui. Milhares de pessoas no mundo se imunizaram contra a covid-19 com as vacinas da Moderna e da Pfizer e, ao ler o post, algumas pessoas podem se assustar e achar que poderiam estar com Aids por conta do produto. Os desinformadores sabem que, ao causar a sensação de espanto ou surpresa, a pessoa impactada pode não refletir direito, ter o julgamento influenciado por aquele conteúdo. E já é mais do que sabido que as vacinas, tanto as de mRNA como as outras, são eficazes contra o novo coronavírus, então, ao se deparar com posts que associam os imunizantes a doenças, desconfie. Se achar que pode ser verdadeiro, tente encontrar o estudo citado ou o assunto publicado em outros locais. Ou, se, de fato, 25% dos vacinados estivessem com Aids, você acha que isso não mereceria atenção de autoridades, cientistas e veículos jornalísticos?

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Aos Fatos checou o mesmo conteúdo verificado aqui e posts associando as vacinas contra a covid-19 à Aids já foram classificados com falsos ou enganosos diversas vezes pelo Comprova. Alguns exemplos: é falso que vacina australiana tenha infectado pessoas com HIV; imunizante é seguro e não gera HIV, câncer ou HPV; e é falso que o Canadá tenha admitido que triplamente vacinados contra tenham desenvolvido Aids. A equipe também publicou, na seção Comprova Explica, que o imunizante não provoca Aids, ao contrário do que sugeriu Bolsonaro em live.

 

Atualização: Este texto foi atualizado em 8 de março de 2024 para incorporar resposta do responsável pela postagem investigada. 

Política

Investigado por: 2024-03-06

Livro “O Avesso da Pele” foi aprovado no governo Bolsonaro e escolhido por escola para o ensino médio

  • Contextualizando
Contextualizando
Em um vídeo publicado nas redes sociais, a diretora de uma escola da cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul denuncia a distribuição pelo Ministério da Educação do livro "O Avesso da Pele". Ela afirma que o título é inadequado para o ensino médio por conta da linguagem. Parlamentares que compartilharam o vídeo atribuíram a adoção da obra à gestão do presidente Lula (PT). Contudo, o MEC esclareceu que a escolha do material é feita pelos educadores de cada escola e que o título foi incluído no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) em 2022, durante a presidência de Jair Bolsonaro (PL).

Conteúdo investigado: Vídeo gravado pela diretora de uma escola estadual de Santa Cruz do Sul (RS) diz que o Ministério da Educação enviou o livro “O Avesso da Pele”, do autor Jeferson Tenório, para ser trabalhado pelos alunos do ensino médio. Ela diz que a obra é inadequada por descrever uma relação sexual do protagonista e questionamentos de outros personagens sobre os aspectos de um relacionamento com um homem negro. A publicação foi compartilhada por parlamentares que atribuíram a escolha da peça literária à atual gestão do PT.

Onde foi publicado: Instagram.

Contextualizando: Em um vídeo publicado em suas redes sociais, em 1º de março, a diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, em Santa Cruz do Sul (RS), pede que o Ministério da Educação (MEC) recolha os exemplares de “O Avesso da Pele”, do escritor Jeferson Tenório, distribuídos para alunos do ensino médio. Na gravação, Janaina Venzon diz que a unidade recebeu mais de duzentas cópias do livro, que, segundo ela, é inadequado por conta da linguagem e termos utilizados na história.

A profissional lê duas passagens da obra que aponta serem inapropriadas. Em uma delas, o narrador conta que uma personagem branca passou a receber questionamentos sobre características físicas e o comportamento do namorado, que é negro, durante as relações sexuais. Em outro trecho, o protagonista, um homem negro, relata momentos do ato sexual com a namorada, branca. Na postagem, Venzon diz que os professores e a escola não escolheram o livro e que as obras literárias estão sendo escolhidas pelo governo federal. “Desconheço o critério de escolha por parte do governo, só penso que deveriam analisar antes, para depois enviar para as escolas trabalharem.”

O vídeo foi compartilhado por parlamentares, entre eles a deputada estadual Kelly Moraes (PL-RS) e os deputados federais Zé Trovão (PL-SC), Marcelo Moraes (PL-RS) e Bia Kicis (PL-DF), que atribuíram a adoção do livro à gestão atual do Ministério da Educação e ao PT. Em uma publicação em suas redes sociais, o autor do livro, Jeferson Tenório, relatou que, com a repercussão e a moção de repúdio do vereador Rodrigo Rabuske (PRD-SC), a 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) ordenou que os exemplares fossem recolhidos das escolas e bibliotecas, até que o governo federal se manifestasse.

Entretanto, procurada pelo Comprova, a Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul (Seduc) informou que não orientou que o livro fosse retirado de bibliotecas da rede estadual de ensino. “O uso de qualquer livro do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) deve ocorrer dentro de um contexto pedagógico, sob orientação e supervisão da equipe pedagógica e dos professores”, afirmou. A pasta ressaltou que a 6ª CRE vai seguir a orientação da Seduc e providenciar que as escolas da região usem adequadamente os livros.

A Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal declarou, em nota divulgada em 2 de março, que “peças de desinformação estão repercutindo de maneira deturpada a escolha da obra ‘O Avesso da Pele’ como material a ser adotado em salas de aula no Brasil”. O texto informa que o livro foi incluído no PNLD por meio de portaria de setembro de 2022, assinada pelo então secretário de educação básica substituto, Gilson Passos de Oliveira, depois de passar por uma seleção publicada em edital de 2019, durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL).

| Portaria de 2022 que aprovou inclusão de “O Avesso da Pele” no PNLD.

A nota esclarece que a escolha das obras literárias a serem adotadas em sala de aula é feita pelos educadores de cada escola, a partir de um guia digital, onde os livros do programa estão listados para conhecimento de professores e gestores. A definição deve ser realizada de maneira conjunta entre o corpo docente e dirigente da escola, com base na análise das informações contidas no guia, considerando a adequação e a pertinência em relação à proposta pedagógica de cada instituição..

A Secom apontou que, “diferentemente do que conteúdos maliciosos estão repercutindo”, o MEC não envia os livros sem a participação dos educadores. “Os livros são distribuídos às escolas somente após a escolha dos profissionais de educação, realizada em sistema informatizado do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”, afirmou o órgão. A utilização da obra na escola de Santa Cruz do Sul foi aceita por Janaina, que é diretora da unidade de ensino e autora da denúncia. A editora Companhia das Letras, responsável pela publicação de “O Avesso da Pele”, divulgou o comprovante da escolha nas redes sociais.

| Comprovante de Escolha PNLD divulgado pela editora Companhia das Letras.

Programa Nacional do Livro e do Material Didático

De acordo com o governo federal, o PNLD é uma política do Ministério da Educação com mais de 85 anos de existência e adesão de mais de 95% das redes de ensino do Brasil. A permanência é voluntária, segundo a legislação, em atendimento a um dos princípios basilares do programa, que é o respeito à autonomia das redes e escolas.

A nota destaca que a aquisição das obras ocorre por meio de um chamamento público e são avaliadas por professores, mestres e doutores inscritos no banco de avaliadores do MEC. Os livros aprovados passam a compor um catálogo no qual as escolas podem escolher, de forma democrática, os materiais que mais se adequam à sua realidade pedagógica, tendo como diretriz o respeito ao pluralismo de concepções pedagógicas.

A formalização da escolha dos livros didáticos é feita via internet e apenas após a compilação dos dados referentes aos pedidos realizados pelas instituições é que o FNDE inicia o processo de negociação com as editoras. “O envio de obras literárias para escolas sem o devido e expresso interesse das instituições é falso, uma vez que os exemplares sequer foram adquiridos das empresas editoras”, continua o texto.

A compra é realizada sem licitação, algo previsto em lei, tendo em vista que as escolhas dos livros são efetivadas pelas escolas e que são editoras específicas que detêm o direito de produção de cada livro. Os materiais chegam às escolas entre outubro do ano anterior ao atendimento e o início do ano letivo. Nas zonas rurais, as obras são entregues nas sedes das prefeituras ou das secretarias municipais de educação, que devem efetivar a entrega dos livros.

Vencedor do prêmio Jabuti, “O Avesso da Pele” foi traduzido para 16 idiomas

“O Avesso da Pele” foi publicado em agosto de 2020 pela Companhia das Letras e conta a história de um jovem que, após a morte do pai, assassinado em uma abordagem policial, busca resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. O livro é apresentado pela editora como “um romance sobre identidade e as complexas relações raciais, sobre violência e negritude” e “uma obra contundente no panorama da nova ficção literária brasileira”.

Em 2021, a obra venceu o prêmio Jabuti, o mais tradicional da literatura do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, na categoria melhor romance. O livro foi traduzido para 16 idiomas, teve seus direitos de publicação vendidos para mais de dez países e foi adaptada para o teatro. Ainda segundo a editora, o autor “traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido”.

Os trechos lidos pela diretora induzem a audiência a acreditar que a peça literária apresenta conteúdo erótico, mas não contextualiza os acontecimentos narrados. A primeira passagem retrata que, apesar do protagonista, um homem negro, e sua namorada, uma mulher branca, não se importarem com suas diferenças étnicas, o relacionamento deles se torna pauta para familiares e amigos, que passam a fazer questionamentos sobre a intimidade do casal, características físicas e o comportamento do rapaz, baseados em estereótipos raciais.

Já no segundo trecho, o personagem narra uma relação sexual com a namorada, mostrando que a questão racial, antes desimportante, passou a fazer parte do relacionamento, uma vez que eles passam a se tratar como “branquinha” e “negão/nego”, e a usar a cor da pele um do outro como elogio.

Em uma nota publicada no Instagram, a Companhia das Letras diz que o título foi inscrito, avaliado pelo PNLD e aprovado por uma banca de educadores, especialistas e mestres em literatura e língua portuguesa juntamente com outros 530 títulos. A empresa destaca ainda que, para chegar à escola gaúcha, precisou passar por aprovação da própria diretora, que assinou o documento de “ata de escolha” da obra e que agora contesta o conteúdo do livro.

“A retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo. Repudiamos veementemente qualquer ato de censura que limite o acesso dos estudantes a obras literárias sob pretexto de protegê-los de conteúdos considerados ‘inadequados’ por opiniões pessoais e leituras de trechos fora de contexto. O que se destaca em ‘O avesso da pele’ não é uma cena, tampouco a linguagem, mas sim a contundente denúncia do racismo que se imiscui em todas as nossas relações, até as mais íntimas”, completa a nota.

O autor do livro também usou as redes sociais para se manifestar, lembrando que a obra foi incluída no programa ainda na gestão Bolsonaro. “As distorções e fake news são estratégias de uma extrema direita que promove a desinformação. O mais curioso é que as palavras de ‘baixo calão’ e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes de ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos”, escreveu Jeferson Tenório.

No dia 4 de março, o ministro-chefe da Secom da Presidência da República e a ministra da Cultura (MinC) criticaram a tentativa de censura e os ataques ao livro. “Em minha opinião, trata-se de uma demonstração de ignorância, de preconceito, mas também de covardia por parte dessas pessoas”, disse Paulo Pimenta. “Meu total repúdio a qualquer tipo de censura em relação à nossa literatura (…) Nós estamos procurando ter todo o cuidado. E o ministro Camilo (Santana, do MEC), o Ministério da Educação também têm essa sensibilidade”, declarou Margareth Menezes.

Em uma publicação no Facebook, em 5 de março, Janaina Venzon agradeceu ao apoio que recebeu do Legislativo de Santa Cruz do Sul. No texto, ela aponta que apenas o vereador Alberto Heck (PT-RS) não assinou a moção de repúdio e diz não ter nada contra o livro. “Voltamos afirmar: nada contra a obra, ela foi escolhida pelos professores principalmente por falar de antirracismo, mas os vocabulários apresentados em vários trechos do livro fica difícil o trabalho.”

Como o conteúdo pode ser interpretado fora do contexto original: A autora do vídeo escolhe mostrar duas passagens do livro para indicar linguagem inadequada para o ensino médio, mas lê apenas algumas frases, sugerindo que o livro trata só de sexo. Ao afirmar que o governo federal, comandado pelo presidente Lula, escolheu a obra, ela tenta criar a imagem de que as políticas do atual governo são absurdas, o que não poderia ser dito a partir dessa história, ainda mais considerando que o livro foi escolhido na gestão anterior, do PL, e com a participação dela.

O que diz o responsável pela publicação: A publicação original foi excluída pela diretora. Procurada pelo Comprova, Janaina Venzom não respondeu aos contatos. A reportagem também tentou contato com os deputados Marcelo Moraes, Zé Trovão, Bia Kicis e Kelly Moraes e não obteve respostas.

Alcance da publicação: Até o dia 6 de março, juntas, as publicações tinham mais de 149,6 mil visualizações.

Como verificamos: A reportagem buscou por matérias sobre a censura do livro e procurou esclarecimentos do governo federal sobre a inclusão da obra ao PNLD e sobre como ocorre o processo de escolha e distribuição dos livros. Também contatou a Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul, leu o trecho citado no vídeo desta verificação para entender o contexto das passagens apontadas como inadequadas pela autora da publicação. A diretora da escola e os parlamentares que compartilharam o post também foram procurados.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As alegações e informações apresentadas no vídeo desta verificação também foram checadas pelo Estadão Verifica, Aos Fatos e UOL, que as classificaram como falsas e enganosas. É comum que apoiadores de determinados governos criem ou tirem informações do contexto para atacar e descredibilizar opositores. Recentemente, o Comprova desmentiu que Israel cancelou contrato na área da saúde depois da fala do presidente Lula sobre a guerra na Faixa de Gaza e confirmou que um vídeo foi editado para insinuar que o senador Magno Malta estava bêbado em ato pró-Bolsonaro.

Saúde

Investigado por: 2024-03-05

Nota técnica anulada do Ministério da Saúde não muda legislação sobre aborto; entenda

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Comprova Explica
O Ministério da Saúde publicou uma orientação, anulada posteriormente, reafirmando que não há limite de tempo de gestação em casos de aborto legal. A nota, porém, não tem poder de mudar a legislação vigente. No Brasil, a interrupção voluntária da gravidez só é permitida em casos de risco à vida da mãe, estupro e anencefalia. Os casos em que é permitido o aborto legal são os mesmos desde 2012.

Conteúdo analisado: Nota técnica do Ministério da Saúde publicada em 29 de fevereiro foi alvo de uma série de postagens que afirmavam que o governo havia permitido o aborto até os nove meses de gestação. O texto, revogado um dia depois, pedia a anulação de uma recomendação feita no governo anterior, que determinava que o aborto legal só poderia acontecer até 21 semanas e 6 dias de gestação. A nota, porém, não tem poder de mudar a legislação vigente.

Comprova Explica: As secretarias de Atenção Primária e de Atenção Especializada do Ministério da Saúde publicaram em 28 de fevereiro uma nota técnica que propunha a anulação de outra nota, de 2022, da gestão de Jair Bolsonaro (PL), que estabelecia um limite de 21 semanas e 6 dias de gestação para casos de aborto legal. Esse período não era, porém, embasado por nenhuma decisão legal ou consenso científico.

A mesma orientação aparecia em um guia do MS para profissionais de saúde, Atenção Técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento, que trazia orientações para condutas nos casos de interrupção da gravidez.

O conteúdo da nota técnica do fim de fevereiro foi criticado e distorcido em publicações nas redes sociais, inclusive de deputados da oposição, como Nikolas Ferreira e Daniel Freitas, ambos do Partido Liberal (PL), que alegaram que o governo teria autorizado o aborto até o 9º mês de gravidez. Desde a publicação da lei que define quais são os casos legais de aborto, em 1940, não há nenhum limite de idade gestacional para o procedimento.

Além disso, as notas técnicas não têm força de lei. São documentos elaborados por especialistas dos ministérios, emitidos quando há necessidade de esclarecer algum assunto e que apenas oferecem fundamentação “para tomada de decisões”. O documento foi revogado um dia depois da publicação, em 29 de fevereiro. Em nota para a imprensa, o ministério afirmou que ele não passou “por todas as esferas necessárias e nem pela consultoria jurídica da pasta”.

Documento revogava orientação que já não tinha efeito desde o ano passado

A nota anulada pretendia suspender uma recomendação que já não tinha efeito desde o ano passado. Em janeiro de 2023, primeiro mês do atual mandato do presidente Lula (PT), o Ministério da Saúde publicou uma portaria que revogou o documento do ano anterior, que falava em limite de tempo, “por não estar alinhado com a atual orientação sobre direitos sexuais e reprodutivos do Ministério da Saúde” (a justificativa está disponível na página onde o manual podia ser consultado).

Em outra manifestação do ministério, a Nota Técnica Conjunta nº 37/2023, publicada em setembro do mesmo ano, a pasta refuta os argumentos da gestão anterior ao apontar que o tempo gestacional e o peso do feto são elementos importantes em casos de aborto espontâneo, mas não são levados em consideração nos casos de aborto induzido, segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS). “A definição legal de aborto é a interrupção da gravidez anterior ao tempo compreendido entre a concepção e o início do trabalho de parto, o qual é o marco do fim da vida intrauterina”, aponta o texto.

Para os autores da nota publicada em setembro, a recomendação emitida durante a gestão de Jair Bolsonaro “intimida a população e os profissionais de saúde que atuam nos poucos serviços que acolhem as pessoas com direito ao aborto no Brasil”. O texto ainda critica trecho do manual de 2022 que afirmava que “todo aborto é um crime, mas quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido, como a interrupção da gravidez por risco materno”. “Aborto legal não é crime e ameaçar meninas e mulheres com investigação policial é tortura do estado”, afirma a nota nº 37/2023.

O Comprova entrou em contato com o Ministério da Saúde questionando o motivo de anular uma recomendação já suspensa, mas não obteve resposta até a conclusão desta verificação.

Nota técnica de 2022 embasou recusa de aborto legal

Mesmo sem ter caráter de lei, a orientação emitida em 2022 pelo governo Jair Bolsonaro ajudou a fundamentar uma decisão judicial que impediu uma menina de 11 anos, vítima de estupro, de fazer um aborto legal em Santa Catarina.

A criança descobriu a gravidez quando já estava na 22ª semana, ao ser encaminhada a um hospital universitário em Florianópolis. Os médicos se recusaram a fazer o procedimento citando a recomendação do Ministério da Saúde.

O caso foi à Justiça e, durante a audiência, a juíza Joana Ribeiro Zimmer tentou convencer a garota a manter a gestação “mais um pouquinho”. Após repercussão do caso na imprensa, o Ministério Público Federal fez uma recomendação e a menina conseguiu interromper a gravidez. Em nota, o órgão reforçou que “é recomendado atender vítimas de estupro, independentemente da idade gestacional”. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu uma investigação contra a juíza que tentou impedir o cumprimento da lei.

Quais são os casos legais de aborto no Brasil?

O aborto provocado é considerado crime de infanticídio, segundo o Código Penal Brasileiro, exceto em dois casos: estupro e risco de morte da mãe. Uma última exceção foi aprovada pelo STF em 2012, quando o feto é anencéfalo, ou seja, apresenta uma má-formação do cérebro que inviabiliza a sobrevivência fora do útero. No relatório, o então ministro Marco Aurélio justificou que “impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá” era uma violência à dignidade humana.

Tramita ainda no Supremo a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que discute a descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas da gestação. Antes de se aposentar, a ministra Rosa Weber votou para permitir a interrupção voluntária da gravidez nesse período, independentemente da circunstância, e argumentou que, embora não caiba ao STF elaborar políticas públicas – papel que seria dos poderes Executivo e Legislativo –, a criminalização do procedimento é um debate constitucional. O julgamento foi suspenso em setembro de 2023 e não há previsão de quando será pautado novamente.

Como verificamos: A nota anulada no final de fevereiro não está mais disponível no domínio do Ministério da Saúde, mas a reportagem conseguiu a íntegra com fontes da pasta. Já a nota técnica conjunta anterior, de 2022, está anexada à ação sobre a descriminalização do aborto que tramita no STF e pode ser consultada no site da Corte.

O manual de 2022 também não está mais disponível no site do ministério, mas foi possível obtê-lo ao buscar o endereço no Wayback Machine, que arquiva páginas da internet.

Por fim, para saber quais são os casos em que o aborto é legal no Brasil, a reportagem consultou o Código Penal e a decisão do STF de 2012 que permitiu a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos.

Por que explicamos: O Comprova Explica busca esclarecer conteúdos em discussão nas redes sociais com potencial de gerar desinformação. A nota técnica anulada motivou publicações enganosas em perfis de grande engajamento, o que pode causar dúvida sobre quais são os casos em que o aborto é legal no Brasil e se o governo atual fez alguma mudança relacionada ao assunto. Não há nenhuma mudança nas hipóteses em que o aborto é descriminalizado desde 2012.

Outras checagens sobre o tema: Os boatos relacionados à suspensão da nota técnica do Ministério da Saúde já foram negados pelo Aos Fatos, g1 e Estadão Verifica. Em 2022, o Comprova também mostrou que era falso um panfleto dizendo que Lula liberaria o aborto.